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Full text of "História da Colonização Portuguesa do Brasil Edição Monumental Comemorativa do Primeiro Centenário da Independência do Brasil"

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HISTÓRIA 

DA 

COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


HISTÓRIA 

DA 

COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


EDIÇÃO  MONUMENTAL  COMEMORA- 
TIVA DO  PRIMEIRO  CENTENÁRIO 
DA  INDEPENDÊNCIA  DO  BRASIL 


DIRECÇÃO  E  COORDENAÇÃO  LITERARIA  DIRECÇAO  CARTOGRÁFICA 

DE  DO 

CARLOS  MALHEIRO  DIAS  CONSELHEIRO  ERNESTO  DE  VASCONCELÒS 

DIRECÇÃO  ARTÍSTICA 
DC 

ROQUE  GAMEIRO 


LITOGRAFIA  NACIONAL 

PORTO 


MCMXXI 


PRIMEIRA  PARTE 


O  DESCOBRIMENTO 


VOLUME  I 

OS  PRECURSORES  DE  CABRAL 


COMPOSIÇÃO  E  IMPRESSÃO 

DA 

LITOGRAFIA  NACIONAL 
PORTO 


ADVERTÊNCIA 


Uma  das  páginas  mais  brilhantes,  mais  gloriosas  e  mais  fecundas  da  História  de  Portugal  é, 
sem  dúvida,  o  Descobrimento  do  Brasil. 

Êste  imenso  território  que  ocupa  quási  três  quintas  partes  do  Continente  Sul-Americano,  tanto 
na  sua  extensão  geográfica,  como  na  sua  grandeza  social,  foi  obra  da  fé  e  da  energia  dos  portugueses. 

Ao  tempo  em  que  as  caravelas  de  Cabral  o  revelaram  ao  mundo,  a  população  de  Portugal 
era  muito  exígua,  talvez  dois  milhões  e  meio  de  almas;  todavia,  pela  sua  bravura  indomável,  a  gente 
lusitana  conseguiu  dominar  todos  os  obstáculos  e  vencer  as  máximas  dificuldades,  para  manter  inalterada 
a  imensa  riqueza  do  tesouro  que  descobrira  em  1500.  cobiçado  pelas  mais  poderosas  nações  de  então, 
mas  defendido  sempre  com  galhardia. 

Foi  assim  que  Portugal  pôde  transmitir  integralmente  aos  seus  legítimos  sucessores  os 
8.527.818  quilómetros  quadrados  que  são  hoje  a  vasta  séde  da  Nação  Brasileira,  para  maior  glória  de 
Portugal  em  todos  os  tempos. 

O  extremado  amor  que  os  portugueses  votam  ao  Brasil,  que  êles  consideram  um  prolonga- 
mento da  sua  pátria,  onde  encontram  o  mesmo  afecto  das  suas  famílias,  carinho  igual  ao  dos  lares  que 
deixam  na  outra  costa  do  Atlântico,  muitas  vezes  para  sempre;  esse  entranhado  amor,  essa  carinhosa 
afeição,  e,  juntamente,  o  sentimento  religioso  que  com  o  sangue  nos  é  transmitido  a  cada  instante  pelas 
ligações  delicadas  e  puras  da  familía,  tudo  isso  é  elernisado  pelo  idioma  opulento  e  formoso,  suave  e 
forte,  que  nossos  pais  nos  ensinaram,  para  que  as  nossas  almas  pudessem  melhor  sentir  as  alegrias  e 
as  desventuras  comuns,  para  sorrir  ou  para  chorar  com  èles. 

Por  êsse  amor  inextinguível  que  liga  os  dois  povos  através  dos  séculos  e  do  Oceano  e  que 
é,  simultáneamenie,  iman  poderoso  a  atrair  e  bússola  segura  a  nortear  o  nosso  espirito,  para  a  graça  e 
para  a  beleza,  é  que  deixamos  a  Pátria,  o  solo  abençoado  e  querido  onde  nascemos,  e  a  família,  o  reli- 
cário sagrado  das  nossas  crenças  e  saudades,  talvez  para  nunca  mais  voltar  a  vê-la. 

No  desdobrar  de  um  sonho,  arrebatador  como  todos  os  sonhos,  cheio  de  ilusões,  por  vezes 
bem  amargas,  marchamos  na  mesma  róta  que  Pedro  Alvares  Cabral  traçou  em  1500  e  aqui  viémos  cons- 
tituir outra  família  e  aqui  deixarèmos  finalmente  os  nossos  despoíos  no  campo  santo  onde,  mesmo 
reduzidos  a  pó,  ainda  nos  confundimos  nas  lágrimas  dos  vivos  pela  saudade  dos  mortos. 

*  • 

A  Colónia  Portuguesa  no  Brasil,  e  com  ela  a  alma  de  Portugal,  cumprindo  um  dever  sagrado 
pela  sua  honra,  resolveu  concorrer  com  o  maior  brilho  possível,  e,  ao  mesmo  tempo,  com  o  melhor  da 
sua  gratidão  ao  povo  brasileiro,  às  festas  do  primeiro  Centenário  da  sua  independência;  e  oferece  por 
isso,  uma  obra  monumental,  artística,  scientífica  e  literária  que  denominou  — /y/s/dr/a  áa  Colonização  Por- 
tuguesã  do  Brasil. 


Essa  ideia  foi  sugerida  pela  Càm.ira  Portuguesa  de  Comêrao  e  Industria,  ''"/'f  ^•/^P'^ 
«nt.H.  n«  Rio  de  lane  ro  à  Grande  Comissão  Portuguesa  Pró  Pátria,  sendo  por  esta  estudada,  com  a 
sentada  no  Rio  de  '^"^'^^-JL  "^"^^  Carlos  Malheiro  Dias.  que  acolheu  com  extremoso 

Mr?6.i:a'e%ue  vinha  glorificar  todo  o  esf6rço.  tôda  a  generosa  part. 

VmToflo-^rc^L^esSrd"^^^^  3dop.ada.  n.o  tardou  a  frutificar 
Sm  punhado  de  homens  de  boa  vontade  e  de  acção  const,tu.u-se  em  soc.edade  Para  e^a^^  ^ 
efeito  essa  obra  notável  que  vai  assinalar  uma  hora  de  epope.a  na  v.da  artfst.ca.  l.terana  e  sc.ent.f.ca 
dos  dois  povos  im.3os.^  ^^^^^^  ^^^^^.^^  empreendimento  nolá.el   iniciou  desde 

logo  os  seus  trabalhos,  dedicando-se  exclusivamente  a  essa  tarefa  tam  delicada  como  bnlhante  e  fecunda 
e  dando-me  tôda  a  sua  alta  competência,  lodo  o  seu  talento,  todo  o  seu  amor  de  português. 

E  iam  bem  se  houve  na  execução  do  seu  nobre  empenho,  que  podemos  apresentar  ao  pubh  o. 
ao  espirito  cuUo  das  duas  nações  soberanas,  as  primícias  da  obra  maravilhosa  que  va.  ser  a  H.stóna 

da  Co™^^;—  <^;^  ^^^^  ^^^^^  „3  3,,,  3,,„,3  na  lilera.ura.  convidados  a 
colaborar  com  S.  Ex.»  aceitaram  o  convite  e  auguram  com  as  suas  penas,  ilustres  entre  as  ma,s  notáveis, 
um  êx.to  ^^^^^^^^^  3^,^,.^^^      ,3pi3  ç      pi„,el  magistrais  de  Roque  Gameiro  estão  sob 

as  nossas  vistas,  extasiadas  por  tanta  beleza  de  concepção  e  de  feitura,  e  darão  à  Histoaa  da  Colorai- 
zacão  Portuguesa  do  Brasil  um  aspecto  inconfundível  de  obra  prima. 

A  todos  os  colaboradores  portugueses  c  brasileiros,  que  vão  contribuir  com  o  melhor  dos 
seus  talentos  para  esta  apoteose  à  raça  da  Lusitânia,  que  iá  foi  dominadora  do  mundo,  e  ainda  hoie  se 
orqulha  de  ser  das  mais  nobres,  audazes  e  valentes,  a  todos  quantos  auxiliam  a  realização  desta  obra 
monumental,  em  cuias  páginas  ficarão  para  todo  o  sempre  os  feitos  memoráveis  de  um  grande  povo  de 
heróis  que  nunca  deixou  de  amar  e  defender  a  liberdade  e  a  civilização,  em  nome  da  Soaedade  Editora 
da  História  da  Colonização  Portuguesa  do  Brasil,  aqui  deixo  a  expressão  do  mais  vivo  e  profundo 

reconhecimento.  ^        j  1 

E  o  futuro  coroará  de  glória  esta  obra  que  brilhará  perpetuamente  abençoada  pelas  gerações 
que  nos  hão-de  suceder,  ficando  vinculados  nas  suas  páginas,  como  num  abraço  imperecível,  as  almas, 
os  corações  e  as  penas  mais  ilustres  de  Porlugal  e  do  Brasil. 


Rio,  laneiro  1921. 


SOUSA  CRUZ 


mmumm 
j)f\ 

conóni^ 


A  *(m«ncla  Ideal  que  tmorlall*ou  no»*a* 
dexDbvrum,  r  Itt  por  um  Inalant»  na 
hItlAris  do  globo,  dtim  punhada  d*  ma- 
rtnhriro*  c  áe  tauadoro»  a  n\alar  pllrl* 
do  mundo,  a  «Uiia  do  Clcrno.  a  *ncar> 
natio  harúica  do  Divino,  trta  monii- 
menloi  dr  brlria  auguala  noa  ficaram  i 
um  rciabulo.  um  templo,  uma  *pop«la. 
Tttt  Lualada*:  oi  dv  Nuno  Ooiitalv»*. 
o%  d*  Cjma««,  0«  dff  Sanla  Mana  d« 
&<.-i>.  ii>  <.  I  ilmov  l^ichvlo  r  Prom* (hvu,  o  radvnlor  c  o  canior, 
o  hvrol  Ovanie,  qur  llbvrta.  e  o  q«nlo  innAo.  qtir  o  iradui 
am  múilcn,  A  itiuiKa  da  lui.  a  do  mjirmorr,  a  dn  palavra, 
E  ao  memmo  tempo  qur  uTavamoaa*  dua*  grandff* 
•poprlaa  equtvatciilct,  uma  na  aitlo,  outra  no  clnttfO, 
r«produ»lamoB  a  p4li'la  mnravllhaia  qu*  lhe»  deu  alma, 
criando  um  novo  Portugal,  o  do  luluro,  dabalxo  do  novo 
cAu.  no  mundo  novo.  O  Br««ll  é  a  «ucarltlla  ««grada  doa 
•  Lualadaa-. 

rii«mo>lo  k  no*«a  Imagani  t  *pmelhan(a,  <oin  lorrtn- 
l«a  da  vida,  -  o  notao  t.in))u«.  com  um  tilno  dc  aurora,  a 
neaaa  te.  com  evtrólat  dv  dúr,     a*  no»ia»  ll(|rima«. 

Flr«mO'lo  rom  bvl|o*  e  cantAc*,  lavrando,  bala- 
lhando  t  roiando.  dr  armai  na  mJo.  e  de  mSo*  povia*. 

Ot  homem  e  a»  piiria*  valem. pol«,  mai«  ou  mvno, 
conlorme  o  *«u  grau  de  rellgtlo,  quer  dUar,  O  grau  d*  tra> 
larnldad*.  o  grau  de  amor.  » 

Porluiial  t  uma  pAIrla  ««ptCndRa.  porque  t  mia 
divina  do  (.'ondeiljvel.  a  in\e  do  lnlanlc-dri> obridor  t  do 
lnlanle>mariir.  de  Nuno  Ooiiiaive*  r  de  TernJo  Lop*»,  de 
Darlolomru  Dia*  e  dr  D.  )olo  II,  dr  Oama  e  de  CamAet.  dc 
h.  PranctKCO  Xavier  r  de  Alv.ire*  Cabral,  de  D.  JoSo  de 
Caatro  e  de  Albuquerque,  do  f  ern.lo  dc  Matialhle*  e  de  (111 
VIrcnie,  de  Soror  Mariana  e  de  Uernardim  Rtbelro.  de  Mi- 
guel d'Almada  e  d*  Pombal,  de  Pernandea  Toma*  «  da 
Meuainho, 

Z,  acima  dc  ludo,  ela  é  a  inJc  de  Povo  porluRii**, 
do  povo  de  Alfubarrola.  dat  Oetcobcria*.  de  Monie*  Cia- 
ro».  do  nu»»aco,  da  Terceira,  criador  Imorlal  dc  heroia 
anAnlmoi,  e  d«  manto*  plrbeut  e  pobretinho*,  que  fluar- 
dam  ovulha».  (emelam  >erra  >,  dormem  no»  eirado*  e  lalam 
com  o*  anjot;  do  povo  cAndIdo  e  crlillo,  amorono,  meigo, 
melancOlKO,  Impregnado  de  Deu»  e  de  nalureta.  e  iam 
nbUmado  em  aonho*  e  «alidade»,  que.  delMando  gemer  a 
alma  numa  liaula,  t  o  maior  lírico  do  mundo,  o  maior 
poeta  do  Porlufial. 

ei»  o  povo  que  it*  a*  terras  d»  Sania  Crua,  a  PATRIA 

Irml. 

O  Braill  nlo  chegou  a  «ar  uma  coiAni.i  rr>i  in,)r> 
na(3o,  lol  logo  plirla  ^    a  nova  Pitrla  p< 
novo*  heróis  e  descobridores,  com  novos  .  .  .. 

Orphrus,  novas  cniaadas  e  noia*  lira», 

O  Orasll  cm  ims  erquen-ar  grande  como  Portugal 

em  1S40,  e  a  mesma  IC  i)ue    i  ndua  à  r«volu(lo  em  U, 

o  arrasta  A  Indeprndíncia  ■ 

Abrai  ou-no»  o  mas  tu  u  i>j>'  a1,  ardenios  na  mesma 
Chama.  Cernande*  toints  e  ]o*í  Donllaclo.  em  vet  dc 
Inimigos,  erjm  IrmJlo*.  As  na*»A»  pátrias  desligaram -se, 
para  melhor  »e  <a»arem.  Desuniram  o*  corpo*,  para  ealrel- 
■  arem  a*  alma*.  DiiplicandO-*e,  quiteram-tr  mal*.  O  amor 
cresceu  em  bele/j,  porque  aiiinenlou  em  llberd,ade.  Viven- 
do tam  livre»  e  distante*.  Itatcrniaamos  hole  como  nunca. 
Na  filãrla  r  no  sonho,  no»  ais  e  nos  bel|Os,  no  riso  c  na 
dAr,  Amando-no»  através  das  onda»,  vencemoa  o  espa<o. 
AmandO^nOB  através  da  tiislArla,  vente  mo*  o  (empo  que 
1'  tol>  C,  com  a  ImortaHdade  do  nosso  amor,  venceremos 
«  morta,  no  porvir. 


I 


c 


♦ 


INTRODUÇÃO 


*Que  ousar  e  perfazer  lammanito  feito 
*Fòr*  a  humanos  esforços  impossível 
*Se  o  braço  portuguet  não  ajudasse.» 

Oarreit,  Camões,  cânio  IV. 


HrSTORIADOR  que  se  proponha  acrescentar  mais  uma  narrativa  ã  história 
emocionante  do  descobrimento,  exploração  e  colonização  da  Qiiarfã  Orbis 
Pars  peios  povos  cristãos  da  Europa,  perconendo  alé  às  fontes  contempo- 
râneas dos  descobrimentos  a  copiosa  documentação  esparsa  nos  arquivos  e 
nas  bibliotecas,  interrogando  ainda  uma  vez.  na  esperança  de  melhor  decifrá- 
los  e  compreendê-los,  os  protagonistas,  as  personagens  secundárias,  a  com- 
parsaria  e  os  espectadores  do  grandioso  drama  histórico,  não  deverá  subor- 
dinar-se  à  única  esperança  de  reconstituir,  com  a  aiuda  de  inéditos  e  pe- 
remptórios documentos,  os  sucessos  que  se  esbateram  ou  apagaram  nos 
horizontes  enublados  do  pretérito.  E'  ainda  possível,  porém,  aiustar  a  uma 
harmonia  mais  perfeita  do  coniunto  e  à  verosimilhança —que  é  verdade  subiéctiva  -  grande  numero  de 
factos,  tanto  primários  como  secundários,  em  volta  dos  quais  se  exerceu  a  perícia  dos  precedentes  historia- 
dores." No  periodo  excedente  de  quatro  séculos,  que  separa  a  humanidade  actual  dos  seis  aconiecimento» 
geográficos  que  nolabilisaram  a  transição  da  Idade  Média  para  a  Renascença:  a  passagem  do  equador  ma- 
temático por  Alvaro  Esteves,  em  1471 ;  a  transposição  do  cabo  da  Boa  Esperança  por  Dariolomeu  Dias.  em 
1487;  o  descobrimento  das  Antilhas -imaginários  arquipélagos  asiáticos-pelo  genovês  Colombo,  suposto 
genro  do  donatário  de  Porto  Santo,  em  1492;  a  chegada  de  Vasco  da  Gama  ã  índia,  em  1498;  o  descobri- 
mento, reconhecimento  e  exploração  da  costa  oriental  da  América  Austral,  alé  muito  além  do  Rio  da  Prata, 
pelas  armadas  que  navegaram  para  sudoeste,  entre  1498  e  1504  ;  e,  finalmente,  o  encontro  da  passagem  para 
o  Pacifico,  realizada  em  1520  por  uma  armada  domtnadoramente  conduzida  e  comandada  pelo  pilôto  portu- 
guês Fernão  de  Magalhães,  milhares  de  obras  foram  dedicadas  à  investigação  e  ao  estudo  desses  empreen- 
dimentos gigantescos.  Com  excepção  das  histórias  de  Roma  e  da  Grécia,  que  constituem  os  mananciais  da 
civilização  europeia,  alimentados,  mercê  das  conquistas  gregas  e  romanas,  pelas  correntes  das  civilizações 
anteriores  asiática  e  africana  setentrional,  nenhum  aconiecimento  ou  conjunto  de  acontecimentos  históricos 
foi  mais  investigado,  analisado  e  descrito  que  o  do  descobrimento  dos  mundos  novos,  sob  todos  os  com- 
plexos aspectos  geográficos,  antropológicos,  etnográficos,  políticos,  sociais  e  económicos.  Só  pelo  que  res- 
peita ao  Brasil,  o  ilustre  bibliófilo  brasileiro,  sr.  ]osé  Carlos  Rodrigues,  reuniu  uma  biblioteca  composta 

VOL.  1  * 


Introdução 

de  2646  números  (1),  abrangendo  o  período  colonial,  a  que  há  a  acrescentar  mais  cêrca  de  12000  trabalhos 
de  t6da  a  espécie,  relativos  ao  século  da  Independência:  colecção  preciosissima,  hoje  incorporada  no 
património  opulento  da  Biblioteca  Nacional  do  Río  de  Janeiro. 

Êsle  trabalho  aglomerado  em  quatro  séculos,  que  denuncia  o  afan  incansável  do  espíríto  hu- 
mano em  narrar,  esclarecer,  explicar,  comentar  o  maior  empreendimenio  da  civilização  europeia,  continúa 
o  seu  itinerário  cm  busca  da  verdade,  e  cada  geração  de  historiadores  passa  à  geração  que  lhe  sucede 
o  fach  o  com  que  sonda  as  remanescentes  penumbras  da  história  e  do  universo.  Uma  vida  inteira 
náo  b.  para  o  conhecimento  integral  désse  imenso  espólio  histórico,  cuio  inventário  sucinto  reque- 
reria volumes.  Todavia,  a  tarefa  colossal,  à  medida  que  se  amplia  em  número  de  trabalhos,  progressiva- 
mente adquire  um  espíríto  sintético.  Cada  grupo  de  investigadores  depura  e  resume  a  obra  dos  ante- 
cessores e  acontece  que  longuissimas  narrativas,  amplíssimas  exposições  de  teses  históricas,  sobrevivem 
apenas  na  expressão,  por  assim  dizer  algébrica,  da  sua  síntese.  A  obra  dos  historiógrafos  caminha  sen- 
sivelmente para  uma  cristalização  na  obra  dos  pensadores.  As  gerações  abnegadas  vão  carreando, 
ahravés  dos  séculos,  as  montanhas  de  minério  de  onde  os  génios  extrairão  as  poálhas  de  rádio.  Docu- 
mentos foram  encontrados  pelos  investigadores  nos  esconderijos  dos  arquivos,  desenterrados  do  sepulcro 
do  olvido,  e  que  vieram  substituir  ou  anular  o  trabalho  laboriosamente  condensado  em  centenares  de 
volumes,  fruto  de  extensos  periodos  de  meditação  e  de  ansiosas  pesquisas.  Grandes  obras,  como  o 
Examen  Critique  de  fhistoire  Geographique  du  Nouvpju  Contincnt,  de  Mumboldt.  cognominado  <o  novo 
Aristóteles»,  começam  a  oscilar  sôbre  os  monumentais  alicerces,  e  não  só  deixam  margem  a  controvérsias 
sõbre  pontos  capitais  de  interpretação,  como  não  puderam  anular  a  necessidade,  mas  apenas  simplificá-la 
e  atenuá-la,  de  um  constante  manuseamento  dos  documentos  históricos  subsidiários  e  referência  inces- 
sante aos  depoimentos  fundamentais  numa  obra  dêste  género,  que  se  propõe  descer  das  ideias  gerais 
aos  detalhes  e  narrar  com  a  máxima  aproximação  da  verdade  e  explicá-lo,  em  tòda  a  complexidade,  o 
milagre  que  consiste  em  haver  querido  e  podido  uma  pequena  nação,  ocupando  91.949  quilómetros  qua- 
drados de  superfície,  com  uma  população  de  1.800.000  habitantes  (2),  devassar,  dominar,  povoar,  colonizar 
um  território  semi-virgcm.  palmilhado  por  tribus  rarefeitas  e  erráticas,  com  uma  área  que  actualmente 
excede  oílo  milhões  e  quinhentos  mil  quilómetros  quadrados  (3),  criando  no  espaço  de  três  séculos  um 
dos  maiores  impérios  da  terra,  situado  entre  os  e  10*  de  Lai.  N.  e  os  33»  45'  de  Lat.  S.,  transfun- 
díndo-lhe  a  Ifngua.  a  religião  e  as  instituições  jurídicas,  insuflando-lhe  uma  consciência  de  nacionalidade, 
construindo,  finalmente,  desde  os  alicerces  etnográficos  até  à  cumiada  espiritual,  uma  nação,  em  um 
quinto  do  tempo  que  fôra  preciso  para  organizar,  com  a  fusão  dos  elementos  peninsulares  e  as  civilizações 
fenícia,  romana  e  árabe  medieval,  a  minúscula  nação  mater,  a  •.  .  .  pequena  casa  lusitana*  que  só 
no  século  Klll  terminára  com  a  conquista  do  Algarve  a  construção  do  habitat  euTOpeúiH). 


(í)  —  BIblíothfca  n  '   ■  logo  annoiado  dos  livros  sobre  o  Brasil  e  de  alguns  autograptios  e  manuscrtplof, 

pertencentes  a  ].  C.  Rodrigues  ,i,  i907. 

(2) -O  Inlanie  D.  Pedro,  pronunciando-sc,  cm  conselho  presidido  pelo  rei.  contra  a  expedição  a  Tanger,  «m  1437, 
dizia:  *MãS,  posto  caso  que  passásseis  e  tomásseis  Tanger.  Alcácer,  Arrilh,  queria.  Senhor,  s,iber.  que  lhe  faneis,  norqut 
povoar  delias  um  regno  Iam  despovoado  e  Iam  minguado  de  gente,  como  é  este  vosso,  he  uupossiveh.  Rui  de  Pina  ChronicM 
àt  D.  Duarte,  cap.  19, 

Uide  sobre  demografia  portuguesa  dos  séculos  XV  e  XVI,  O  Povo  Porluguez.  por  Dento  Carqueia;  Historia  da 
Sc  rr»  Porluii.ll  /I,)  sccuto  XV.  por  A.  de  Sousa  Silva  Costa  Lobo;  Historia  da  Administração  Publica  em  Portugal  nos 

êti  //  a  XV.  por  Gama  Barros. 

.      ».««J^*"r.*  «"'"i  9"^*  <^'"»lou  em  8.525.054  K,2  .i  Mípcrflcle  do  Brasil.  Incluindo  a  região  adquirida  do 

Am  (152.000  quHr.n    ■  i ,  subtracção  dos  390O0  cedidos  ao  PenO   '         ilculo  pl.inimélrico  sofreu,  porem,  graves  contes- 

tacOes.  como  j  .t.  ^.  Padiberg  (Estudo  Cntiro  e  Calculo  l\         .  ,co  d.is  Ar,:is  do  Dr.tsil  e  seus  Estados  -  Porto 

«egrc.  1907).  que  j  h^ou  cn.  8.MO.0OO  K.2.  O  Darão  Homem  de  Melo.  no  Atlas,  calcula-a  cm  8.051  260  K  2   A  estimativa  de 
Mumboldt    muilo  aniunor  Ji  incorporação  do  Acre  -  é  de  pouco  mjis  de  7,950.000  K.2.  Finalmente,  o  professor  H  Morize 
M-^**  *;  cálculos   e  i.Kluindo  néles  as  ilhas.  es!u.1rio  do  Ama^onas.  bafas  e  lagoas,  avaliou  em 

».5220on  K7  ,1  .W,  ria  território  do  Drasfl,  P    'n.iquer  modo.  o  império  fundado  poios  portugueses  na  América  representa 

X""""  ."  '  ^  '^'5  da  p,ii  ,  do  planeia,  e  consiitue.  sem  solução  de  continuidade,  a  terceira  das 

.      ,   ,  .  so    logo  depois  da      .    ,,.  europeia  e  asiática  (parcelada  pela  última  grande  guerra)  e  da  China. 

r„m«  ..i  L^t  .  *  ^  ****  i^rvMOTio  do  Alaska,  Quanto  ao  Impírio  Dritánico.  aprescnta-se-noa 

como  um  imen  -i  \l^     ■  domínios  dispersos  nos  cinco  contmeniei. 

,      .  do  Amaíonas  (t, 897.000  K.2).  de  M.illo  Grosso  (1.374.000  K.2)  e  do  Pará  (1  149000  K  2)  é 

«íwrtldí  S^Drasilí" '  '  '  América  do  Sul.  exceptuada  a  Ai^ntina.  cuja  área  total  corresponde  a  1/3  d« 

A-uw  '«"fiório  brasileiro,  desde  as  nascenics  do  Cotingo  ao  rio  Chuv,  aproxtma-s*  ds 

C300  quilómetro»,  sensivelmente  igual  a  da  sua  máxima  extensão  horizontal.  hi"»»»-  «  w 

^J;?/»7!ÍÍ!IL'"!Í'""  •''/''"■í"  °  -'"''"s.  um  lr.-ibalho  histórico  dos  mais 

noíaueis  emiltiu  acerca  da  extensão  nJo  imj  mas  espantosa,  alc.rr.         ,,,  /moeno  oortuouez  na  America  uma 

cbservaçio  uerdade,ra.  a  saber,  oue  essa  conqu,.u  e  a  colomsaçSÒ  cc  ■  foram  a  obra  dTu  ^^^^ 

nem  .ocr.rro  dr  e.,r.n.,.r.     Jos  F.f.u,o..Un.dos  foram  oopul. iões  de  ,  .  d"ver7as  queconZuiraí  7^raZ  deJen- 

,  ,  ^  °{  yorU,  os  hespanhocs  da  Florida  e  da  Califórnia,  os  franceses  de  tod* 

'  '■"^f*"  '       t^meçou  quando  Napoleão,  desprovido  de  recursos  para  bater  *  supremaci» 

II 


introdução 


Sc  o  mislérío  da  geração  dM 
espécies  permanece  como  o  sumo  prodígio 


de  que  a  biologia  mal  devassou  a  incó- 
gnita, éste  outro  grande  prodígio  da  gera- 
ção de  uma  nacionalidade  é  dos  fenóme- 
nos mais  surpreendentes  da  História. 
Certamente,  èste  empreendimento,  reali- 
zado no  continente  americano,  não  é 
senão  a  repetição,  a  milenários  de  dis- 
tância, de  outras  emprésas  idênticas  ope- 
radas na  Asia,  na  Africa  setentrional  e  na 
Europa.  Os  processos,  limitados  às  capa- 
cidades físicas,  mentais  e  morais  da  espé- 
cie humana,  não  variaram  senão  nas  con- 
dições em  que  houveram  de  aplicar-se. 
Mas  o  que  torna  verdadeiramente  emocio- 
nante a  colonização  europeia  da  América 
é  a  mudança  de  uma  civilização  avançada 
para  um  continente  que  permanecia,  k 
data  dèsse  encontro  assombroso,  num  es- 
tádio primitivo  da  evolução  humana,  ha- 
bitado por  povos  airazados  em  dezenas 
de  milhares  de  anos  das  civilizações  asiá- 
tica e  europeia  e  que,  excepção,  talvez, 
das  raças  presumivelmente  transmigradas 
do  Ocidente  e  localizadas  na  América 
Central  e  Ocidental,  num  isolamento  in- 
sular, como  as  dos  Incas  c  Aziecas,  apre- 
sentavam nos  costumes,  na  mentalidade 
rudimentar  e  na  amoralidade  os  síndromas 
das  éras  pre-hislóricas  da  Europa.  A  Amé- 


,   .  rica  antartico  era  um  dos  paraísos  sobrevi- 

ventes do  planeta,  onde  os  homens  vaguea- 
vam pelas  clareiras  das  florestas,  taciturnos,  inocentes,  nus  e  terríveis  como  as  feras,  entre  as  aves  cantoras 
e  os  reptis  venenosos,  na  adolescência  da  sua  realeza.  O  europeu,  herdeiro  da  imponente  e  idealista 
civilização  mediterrânea,  que  já  criara  a  religião,  a  moral,  a  lei,  o  estado  e  a  arte,  e  iá  <'  rira  a 
imprensa  e  já  sislemalizára  as  sclcncias  e  já  concebia  a  mais  transcendente  modalidade  da  nu^rdade, 
expressa  no  movimento  da  Reforma,  encontrava- se,  subitamente,  perante  os  representantes  vivos,  seus 
contemporâneos,  da  selvajaria  mullimilenar  em  que  tinham  vivido  os  antepassados  nas  épocas  remotas 
de  que  não  restavam  senão  vestígios  paleonlológícos  — pois  as  próprias  irrupções  dos  bárbaros  na  Europa 
Central,  que  acabaram  por  submergir  a  decadência  ainda  majestosa  do  Império  Romano,  acusavam  um 
grau  de  evolução  incomparáveimcnte  superior  ao  dos  habitantes  da  América  antártica  cisãndina,  que  não 
haviam  atingido  o  conhecimento  dos  metais  e  permaneciam  no  período  arcaico  da  pedra  lascada  e 
polida,  se  bem  que  utilizando-se  do  barro  para  a  confecção  dos  utensílios  domésticos  e  revelando  na 
navegação  dos  estuários,  deltas  e  litorais,  conhecimentos  que  chegou  a  supor  se  adquiridos  pelo  conta- 
cto com  raças  transatlânticas. 

O  extraordinário,  neste  drama  da  História  universal,  é  o  defrontar  do  homem  da  Renascença 
com  o  espécimen  do  homem  pre  histórico  da  América;  o  encontro  da  nobreza  europeia,  oriunda  da 
cavalgada  mística  das  Cruzadas,  com  o  antropófago:  do  homem  vestido  de  brocados  flamengos  e  veludos 
genoveses  com  o  homem  nu  da  idade  lítica;  da  caravela  artilhada  com  a  piroga;  do  guerreiro  armado 
da  espada  e  do  arcabuz  com  o  aborígene  nómada,  que  o  deh-onlava  com  o  arco  flexível  e  as  aceradas 


mãritima  da  Ingialerra,  tendo  o  poderio  nãval  da  França  sido  aniquilado  em  Trafalgar,  entendeu  dever  negociar  tom  Jefferson 
a  alienação  do  império  banhado  '•■■!:■  M  ■^'íipi.  Se  a  Luiziania  tiivsse  sido  conservada  como  património  e  o  Canadá  tiouvesM 
podido  não  se  tornar  inglez,  a  l  i  sendo  a  potencia  dominadora  na  America  do  Norte.  .  .•  A  CONQUISTA  DO 

BRASIL  conferencia  realisada  n.'  .í^  l  .  ..  u/í  de  Qeograp/tiJ  de  Bruxellas  peto  Dr.  M.de  Oliveira  Lima.  Edílio  do  Instituto 
histórico  e  Oeographico  de  S.  Paulo.  1913.  A  pag.  9  e  9.  A  obra  alcml  a  que  se  refere  Oliveira  Llnu  é  *  Oescnichte  von 
Brasilian,  de  Heinrich  Handelminn.  Berlim,  1660. 

la 


Introdução 

flechas;  dos  homens  que  haviam  começado  a  edificar  os  Jerónimos  com  o  exemplar  fóssil,  habitante  das 
selvas  tropicais.  O  maravilhoso  é  a  implantação  do  homem  civilizado,  do  homem  que  tinha  uma  legis- 
lação, uma  poesia  e  uma  arte,  nos  abismos  vegetais  das  florestas  asfixiantes,  enire  os  seus  ferozes 
irmãos  primitivos,  obrigado  a  transportar  para  o  paraíso  inóspito,  ressoante  de  rugidos,  de  silvos  e  de 
cantos,  a  cruz  pesada  da  civilização.  Emocionantissimo  espectáculo  é  êsse  a  que  pudemos,  por  assim 
dizer,  assistir,  da  transfusão  de  uma  civilização  mullimilenária.  que  já  produzira  os  poemas  de  Homero, 
de  Vergíiio  e  de  Dante,  a  filosofia  de  Platão,  a  scicncia  de  Pvthágoras,  Ptolomeu  e  Euclides,  a  arte  de 
Phidias.  de  Fra-Angélico.  de  Dotticcelli.  de  Nuno  Gonçalves,  de  Miguel  Angelo  e  de  Leonardo  de  Vinci, 
a  eloquência  de  Demósthenes.  de  Cicero  e  de  Santo  Agostinho,  a  arquitectura  do  Parthénon.  do  Fórum  e 
das  catedrais  bizantina,  românica  e  gótica,  numa  selva  gigantesca,  povoada  por  um  homem  infantilmente 
terrível,  que  ainda  devorava  os  seus  semelhantes  e  conservava  o  casto  impudor  sexual  do  anio  e  do  tigre. 

No  conflito  inevitável  entre  os  representantes  da  civilização  ariana  e  as  errantes  populações 
autóctones  da  América,  produziram-se,  com  muito  menores  intensidade  c  duração,  os  choques  a  que  a 
Europa  servira  de  teatro,  durante  dezenas  de  séculos  alé  à  gradual  suplantação  do  bárbaro  renitente 
pela  raça  evoluída,  da  fôrça  animal  pela  energia  disciplinada,  do  imigrante  nómada  pelo  agricultor  seden- 
tário, e  a  conversão  das  fôrças  dinâmicas  que  animavam  a  espécie  na  fórma  estática  da  sua  organização 
social.  A  história  da  civilização  inicial  da  América  é  uma  repetição  atenuada  do  drama  preliminar  e 
tumultuoso  da  civilização  europeia.  O  estrondoso  conflito  das  raças,  a  que  serviu  de  teatro  a  Europa 
8presenta-se-nos  incomparavelmente  mais  violento  e  demorado:  uma  como  enorme  ampliação  do  breve 
conflito  americano,  que  se  resume  em  pouco  mais  de  dois  séculos  de  oposição  do  civilizado  dominador 
ao  selvagem  recalcitrante,  que  reage  contra  o  intruso  com  as  energias  ferozes  da  sua  combatividade 
nativa,  aliando-se  às  forças  vegetais  o  .mimais  da  natureza  contra  o  europeu,  impondo-lhe  a  necessidade 
simultânea  de  derrubar  as  florestas  com  o  fogo  e  o  machado,  abater  as  feras  agressivas  e  domesticar  o 
seu  irmão  hostil. 

Nada  nos  parece  mais  ocioso  do  que  discutir  o  processo  estrutural  dessa  colonização,  que 
assume  o  aspecto  de  uma  invasão  à  mão  armada,  porquanto  na  história  do  mundo  o  homem  nunca  pôde 
aplicar  à  sua  evolução  outro  processo,  que  não  o  da  lei  biológica  da  selecção  pela  lula,  prolongado  até 
aos  nossos  tempos  e  actualizado  na  maior  guerra  da  História,  travada  entre  os  povos  que  caminham  na 
vanguarda  da  civilização  c  que  repeliram  os  choques  temerosos  do  eslrondeante  conflito  bélico  do  mundo 
antigo,  prolongado  na  quási  incessante  batalha  da  Idade  Média:  turbilhão  de  animalidade  e  de  espiri- 
tualismo, em  que  pareceram  reproduzir-se  na  espécie  as  convulsões  plutónicas. 

É  um  fragmento  desse  empreendimento  formidável  da  proiecção  ultramarina  da  civilização  con- 
tinental europeia,  ou  da  fundação  da  nova  Europa  americana,  que  esta  obra  pretende  narrar  à  luz  dos 
documentos,  que  são  os  vestígios  do  passado. 

A  história  da  criação  do  Brasil  nunca  poderá  deixar  de  interessar  no  mesmo  grau  a  Portu- 
gueses e  Brasileiros,  pois  se  a  estes  pertence  de  direito  e  de  facto  a  propriedade  da  grandiosa  naciona- 
lidade constituída,  a  obra  de  gestação  é  portuguesa  e  nela  se  perpetua  a  glória  do  ciclo  épico  das 
navegações  e  dos  périplos  lusitanos  e  as  imponentes  capacidades  colonizadoras  de  uma  raça  (5).  Bastaria 
a  prodigiosa  realidade  de  haver  o  pequeno  Portugal  descoberto,  explorado,  povoado,  defendido  e  organi- 
zado na  América  austral  uma  das  maiores  nações  do  mundo  e  tè-la  legado  aos  descendentes  dos  povoa- 
dores intacta  em  seus  amplíssimos  limites,  disputada  pelo  preço  do  sangue  às  cobiças  francesa,  castelhana, 
batava  e  inglesa,  para  que  a  minúscula  naçào  dos  lusos  fôsse  de  direito  admitida  no  grémio  glorioso 
das  nacionalidades  que  o  destino  predestinou  para  serem,  em  uma  hora  sublime  da  sua  existência,  as 
guias  e  porta-estandarles  da  civilização.  Outros  e  muitos  títulos  a  impõem  como  uma  daquelas  nações 
que  mais  concorreram  para  o  descobrímento  das  vastas  regiões  ignotas  do  planeta,  para  o  avanço  impá- 
vido do  homem  pelos  oceanos,  e.  consequentemente,  para  as  metamorfoses  operadas  nas  condições 
morais,  mentais  e  económicas  da  humanidade  com  o  advento  da  Renascença. 


l^rrftoho  BctuéTÂ  Lu^^^^^^  Tnr^  ,       T,^'"^"       ""'^ff''""'"''"  ^ommavam  menos  de  um  terço  de  odo  o 


introdução 

No  esiado  actual  da  profusa  civilização  humana  parece  impossível  atribuir  às  mais  forte* 
nações  modernas  possibilidades  de  executarem  missões  tamanhas,  sob  o  ponto  de  vista  da  importinda 
universal,  cosno  as  distribuídas  pelo  destino  ao  povo  porlusués  nos  séculos  XV  e  XVI. 

A  ufania  dessa  glória  não  pode  ser  monopólio  do  ramo  europeu  da  grande  famflia  étnica 
scindida  pela  longínqua  emprésa  que  foi  chamada  a  desempenhar  no  outro  hemisfério  do  orbe.  Menos 
de  um  século  transcorrido  para  além  do  primeiro  contacto  dos  marinheiros  da  esquadra  de  Pedro  Alvares 
Cabral  com  os  tupiniquins  (que  Vaz  de  Caminha  pintou  com  as  côres  de  um  Fra  Angélico  na  carta  ao 
soberano,  tal  qual  debuxasse  para  um  Livro  de  Horas  a  iluminura  do  Eden),  já  os  guerreiros  nus  do 
valente  e  tealissimo  Ararigbova.  mandado  armar  cavaleiro  de  Cristo  pelo  mfstico  O.  Sebastião,  e  os  pri- 
meiros brasileiros  nascidos  nos  lares  portugueses,  como  o  heróico  ^orge  de  Albuquerque,  ou  das  uniões 
do  branco  e  da  aborígene,  como  as  descendências  mamelucas  de  loão  Ramalho  e  do  Caramuru,  coope- 
ravam na  obra  ingente  dos  colonizadores,  e  de  tal  modo  se  entrelaçaram  e  confundiram  no  arrostar  das 
mesmas  vicissitudes,  no  afrontar  dos  mesmos  perigos  e  na  participação  das  mesmas  lulas,  que  se  torna 
difícil,  através  do  ciclo  das  expedições  sertanejas,  não  menos  épico  que  o  das  expedições  marítimas, 
distinguir  o  Português  do  Brasileiro  no  heterogéneo  elenco  das  hostes  heróicas  das  bandeiras 

Com  igual  motivo  podem  os  habitantes  de  Portugal  e  do  Brasil  honrar-se  com  os  grandes 
leitos  de  seus  maiores.  Aceitar  as  mercês  do  passado  não  obriga  a  resgatá-las  no  futuro  com  uma  par- 
cela sequer  de  diminuição  na  ciosa  e  inconteste  soberania.  Brancos,  aborígenes  c  mestiços  derramaram 
e  confundiram  o  sangue  na  mesma  obra  grandiosa,  a  que  serviram  de  teatro  os  litorais  e  as  selvas,  até 
aos  remotos  plalós  centrais  e  aos  contrafortes  da  cordilheira  andina,  em  frente  de  cujas  escarpas  temero- 
sas esbarraram,  afinal,  ofegantes  da  marcha  portentosa,  os  conquistadores  do  hinterland  brasileiro. 

Comuns  a  ambos  os  povos  soberanos  são  êsses  antepassados,  desafiadores  de  mistérios,  heróis 
da  história  Irágico-maritima,  que  passam,  nos  anais  do  mundo,  por  entre  os  bulcões,  as  vagas  revoltas, 
as  tempestades  e  ciclónes  do  mare  tenebrosum,  afrontando  as  catástrofes,  a  caminho  dos  ignotos  mundos, 
sob  o  pálio  celeste  recamado  de  novas  constelações.  Antepassados  comuns,  no  mesmo  grau  de  paren- 
tesco, êles  o  são  de  ambos  os  povos,  enquanto  a  linhagem  se  entroncar  na  ascendência  lusa.  muito 
embora  enxertada  de  cruzamentos,  a  que  não  puderam  eximtr  se  os  povos  de  mais  alta  estirpe,  como  o 
romano,  que  acabou  sendo  um  conglomerado  de  raças  heteróclitas. 

O  aborígene  não  possuía  a  noção  de  pátria.  Estacionava  muito  áquem  da  fase  de  evolução 
social  em  que  as  tribus  erráticas  e  inimigas,  fundindo-se  e  fixando-se,  conceberam  a  ideia  complementar 
de  nação.  Seria  grosseiro  erro  imaginar-se  que  o  ideal  de  independência  se  deflagrou  nas  colónias  da 
América  pela  contaminação  do  rebelde  nativismo  indígena.  Foram  os  próprios  colonos,  os  mesmos  filhos 
e  netos  dos  puritanos  ingleses,  dos  aventureiros  espanhóis  e  dos  imigrados  portugueses  que,  sob  o 
império  das  conveniências,  sobretudo  de  ordem  económica,  atearam  as  ideias  de  libertação,  ao  depois 
enobrecidas  pelo  patriciado  intelectual  e  por  êle  guiadas  para  o  desfecho  da  emancipação  política.  Foi 
com  a  progénie  europeia  que  as  grandes  nações  da  América  criaram  a  sua  civilização,  e  ainda  hoje, 
volvidos  quatro  séculos,  elas  não  puderam  associar  em  grande  escala  os  aborígenes  sobreviventes  à  obra 
civilizadora,  de  origem  e  de  substância  europeia  (6  A). 


S  Portugueses  que.  na  aurora  do  século  XVI.  agregaram  ao  património  territorial  da  pe- 
quena metrópole  peninsular  as  regiões  imensas  da  América  austral,  situadas  na  área 
demarcada  pelo  Tratado  de  Tordesilhas  —  depois  ampliada  desmesuradamente  pela  con- 
quista-eram  um  povo  animado  pelo  mais  fecundo  e  concentrado  nacionalismo.  Ainda 
não  evoluíra  para  o  universalismo  romano,  prolongado  pela  Igreja  no  domínio  teocrático. 
A  história  de  Portugal,  no  cicio  de  quatro  séculos,  que  se  desdobra  até  à  dominação  filipina,  divide  se 
em  dois  períodos  distintos.  No  primeiro,  a  nação  é  criada,  defendida  e  fortalecida  por  um  sentimento 


WS 


Í6Í  'Os  portuqueses.  misturunào-se  com  os  Índios,  produziram  uma  r*fj  íguãlmenie  valente  e  fundamental- 
mente  emoreendedorj  Á  qual  é  sobretudo  devida  a  conquista  do  interior  do  Brasil.  .  .  O  Brasil  i.  pois.  a  obra  "Jf'/»"'/- 
7ã^aphfc7  tTnl^^^^^^  dos  seus  propnos  mos.  Isto  nos  constituo  uma  tradição  "f^^-"/''^  '  "j"^^^^ 

^rantla  para  o  futurO'  Õ  BRASIL  E  OS  ESTRANGEIROS,  contertnda  dc  M.  dc  Oliveira  Lima  lu  Sociedade  de  aeograni 
de  Antuérpia.  Edíçào  do  Inslitulo  Histórico  c  Geográfico  de  S.  Paulo.  1913.  A  pag.  3.  ^  ,     .  , 

(6  A,^,A  America  tem  nas  veias  o  sangue,  a  inielligenca  e  a  cqueza  dos  ''•"''"''P''*''^^^"'  cifaltrS 
apaches,  os  guaLf^s  ou  os  africanos,  ma.  os  mglezes  e  os  «  '     j;"  '  ''té  JerZs  oTi  hoTsòm^'- 

nos  educou  id^J^^I^^JlS^^-  W^^^ 

de  Paris,  olferecido  pelo  sr.  Embaixador  do  Brasil,  Úaslio  da  Cunha,  ao  Corpo  Diplomático  Americano.  12  oe  uuiuoro  oc 


Introdução 

nacionalista  de  genuína  concepção  germânica,  em  oposição  ao  universalismo  da  decadência  romana, 
revivido  nos  grandiosos  projectos  de  Carlos  Magno.  E'  ésse  senlimenlo  nacionalista,  concentrado  no 
•olo  pátrio,  que  traça  os  delineamentos  medievais  do  mapa  politico  europeu;  e  mostra-se  Iam  robusto 
que,  no  ano  de  1232.  quando  o  mais  poderoso  dos  papas  obtém  do  rei  de  Inglaterra  a  ordem  de  prisão 
contra  Huberl  de  Burgh,  inimigo  obstinado  da  hegemonia  de  Roma.  o  soberano  não  encontra  no  reino 
um  ferreiro  inglês  que  se  preste  a  forjar  as  algemas  do  patriota  prisioneiro.  Ameaçado  de  sofrer  a 
torlura,  o  ferreiro,  a  quem  fòra  ordenada  a  tarefa  infamante,  manda  dizer,  altivamente,  ao  monarca: 
.  'Vnii  morrer  do  que  algemar  o  homem  que  defendeu  a  Inglaterra  contra  o  estrangeiro!»  Até  ao  delírio 
\  Portugal  foi  todo  êle  como  o  ferreiro  inglês.  Os  seus  reis  lutaram  contra  os  pontífices  na 
defesa  da  soberania  do  Estado  e  conservaram-se,  sem  receio  às  excomunhões,  os  mais  intransigentes 
e  militantes  apóstolos  do  amor  soli  í  '  A  decadência  portuguesa  resultou,  como  a  de  Roma,  da 
t,  '  r   'ersalizar-se,  *A      ■>  : ensina-nos  que  os  únicos  poifos  que  realizaram  grandes 

(  s  que  contiuerain  os  seus  esforços  dentro  tios  Hmiles  em  que  é  possível  desert' 

volverem  e  fixarem  a  sua  particularidade  nacional.»  Este  aforismo  de  Chamberlain  (7)  explica  a 
formação  da  nacionalidade  por  i.  a  solidei  dos  seus  alicerces,  a  crise  por  que  ela  passou  no  século 
XVI,  precisamente  quanto  atingifri  o  auge  do  esplendor,  e.  por  último,  elucida  o  fenómeno  assombrador 
de  que  resultou  a  criaçáo  do  /'  '  do  Brasil.  Na  América,  os  Portugueses  aplicaram  com  o  máximo 
potencial  de  energia  o  seu  nàí  no,  defendendo  o  lenitório  da  penetração  estrangeira  e  realizando 

uma  obra  imperecivelmenie  portuguesa  (7  A).  Repetiram  no  Brasil  o  que  haviam  realizado  em  Portugal 
e  conseguiram  por  esse  processus  fundar  a  única  grande  nacionalidade  intcr-tropical  de  projecção 
europeia. 

É  êste  fenómeno  que  Roberl  Southey  observa  e  glorifica  na  sua  History  of  Brasil,  quando 
analisa  as  causas  do  insucesso  da  Holanda:  *A  pele/a  ambiciosa  que  os  holandeses  sustentaram  por 
tantos  anos.  com  tal  desumanidade  e  tal  dispêndio  de  tesouro  e  sangue,  não  produziu  outro  benefício 
que  o  de  como  um  aviso  às  demais  Potências,  qu.vn  impossível  é  efectuar  uma  conquista  per- 
manente r  I.  Povo  de  tam  afincado  nacionalismo  como  o  português,  em  país  como  esse.  é  inven- 
cível poi  ly  ,...r  fôrça  humana.* 

Se  não  fôra  a  transplantação  do  nacionalismo  tradicional  português,  o  Brasil  não  existiria  (7  B) 
No  imenso  espaço  do  globo  em  que  se  edificou  uma  nacionalidade,  veriamos  um  grupo  de  domínios 
coloniais:  no  Rio  de  janeiro,  a  França  Antártica;  no  centro,  a  Nova  Holanda;  no  norle,  a  França  Equi- 
nócial.  e.  presumivelmente,  mais  uma  colónia  inglesa,  abrangendo  o  território  compreendido  entre  o 
Anvt^onas  e  o  Essequibo,  que  em  1627  o  rei  de  Inglaterra  concedia  a  uma  companhia,  em  cuja  cabeça 
I  im  05  nomes  magníficos  do  Duque  de  Buckingham  e  do  Conde  de  Pembroke.  Nenhuma  destas 
nações,  como  se  prova  com  o  exemplo  exuberante  da  História,  teria  derivado  para  os  domínios  ameri- 
(  iua  do  '  '        concentrado  nas  metrópoles,  Contemplaríamos  actualmente  na  América 

i.  V  ,  (,..  tukiiiizaçào  francesa,  holandesa  e  inglesa,  aplicados  como  em  Madagáscar, 

tiii  I  i.is  e  na  Africa  equatorial.  O  exemplo  dos  Estados-Unidos  não  pode  alterar  a  verosi- 

milhança desta  previsão,  pois  que  èles  constituem  um  caso  sui  generis  de  colonização  religiosa,  política 
e  Cl.  il,  empreendida  simultaneamente  por  povos  de  diversas  origens  e  nacionalidades.  A  índia  e  o 
r  ^j.u  as  suas  civilizações  antiquíssimas,  não  puderam,  até  hoje.  lornar-se  independentes  da  tutela 
l  r  ^  n         com  II 1  poder  simultàneamente  liberal  e  inflexível.  iComo  haveriam  de  originar-se 

ii  .1.  sem  ;        ij  histórico,  por  cujo  âmbito  gigantesco  vagueavam  tribus  no  estado 

selvagem,  os  estímulos  de  rebelião  e  uma  consciência  de  nacionalidade? 


(7)—  H,  S.  ChamtwrUln.  La  Oénèse  du  XlXme.  Siède,  a  pdg.  911. 

(7  A)—  «O  Brasil  e  os  Lusiâdas  sJlo  *5  duas  grandes  obras  de  Portug,U».  Joaouim  Nabuco  O  tuoar  de  Camões 
na  titteraivrj,  contcr^nci.i  realizada  na  Universidade  de  Vale.  aos  14  dc  Maio  dc  1908. 

t*)      ■  ■  ■  se.  IJ  (cm  Portugal)  como  aqui,  dés  dos  seus  primeiros  dias.  As 

f(i;n»,'.       .    T  r^sr,.,  rr-  sUncus.  apprcndtTjm.  para  logo,  como  por  instinclo.  a  ajudar-se  umas 

portuguei,  o  qual  nunca  se  afastara  da  fidelidade  ao  Rei;  mas  a 

,  ■  '  íflí  fodas  ãs  colónias  entregues  a  si  mesmas,  um  senlimenlo  de 

nacipnalismr  revelou  no'-  í.  .  . 

'  '  «  rvlon..,..  u.-     IJ  i:,oprio  alvedrio  •  ■   vraçSo.  por  assim  dizer,  prestaram  assistência  is 

mats  dislantvs  por  occasiSo  das  invasões ..  .  Umram-se  ellas  para  r  i  f-Tanceses.  alliados  com  os  Índios  locaes.  os 

Tamoyos  e  de  í565  a  IS7I  destruíram  o  germrn  da  França  Antartic.  u<  :^uOlau  Durand  e  de  Villeq.i,gnon.  Do  mesmo  modo 

0  povo  de  Prrnambueo.  em  1615.  sob  Jeronymo  de  Albuquerque,  irá  ao  fAaranhio  para  destruir  a  njscenle  Fr.jnçj  Equinonial 
ff.r'",^'"'  Oue  grande  e  incessante  esforço  os  Colonisadores  oara  ficarem  com  o  paiz  para  sU  fm 

1  i«.  i  J  T  'T'  P"'""'"  do  M^ranhio.  a  adade  do  Pará.  e  Ja  recbassam  os  Hollandeses.  tomando  Jhes  os  fortes 
J,,^^Zt  H  'O  á  direila.  entre  anno  e  I629k  JoaquJm  Nabuco.  O  Espinto  de  Nacio- 
nalidade na  Historia  do  Brasil,  conler«nda  ruUuda  no  Spamsh  Club  da  Univer»i<Ude  4e  Yale.  aos  Ib  de  Maio  de  I»8 

VI 


Introdução 


EDICANDO-SE  ésie  trabalho  de  reconstituição  a  narrar  os  trâmites  da  obra  portuguesa  no 
Brasil  e  a  patentear  o  procesáo  que  presidiu  à  geração  de  uma  das  nacionalidades  mais 
profundamente  animadas  da  consciência  dos  seus  destinos,  tem  de  descenar-se  inicialmente 
o  pano  scénico  para  a  heróica  representação  do  prólogo  marftimo  do  imponente  drama 
histórico,  desenrolado  através  de  três  séculos  integrais  e  um  fragmento  de  vinte  e  dois 
anos  do  século  XIX. 

As  navegações  portu* 
guesas,  de  que  os  descobrimentos 
das  Antilhas  e  do  Brasil  cons- 
tituem dois  dos  maiores  episódios, 
teem  sido  geralmente  encaradas 
como  o  depoimento  da  audácia 
heróica  da  raça  e  narradas  por 
fórma  a  passarem,  ante  a  imagi- 
nação das  maiorias,  como  uma 
prodigiosa  e  audaz  Po- 
rém, nâo  é  verdade.  Esse  teste- 
munho  de  heroísmo  nada  possui 
do  que  possa  confundir-se  com 
uma  aventura,  na  acepção  vulgar 
da  palavra.  Os  descobrimentos  re- 
sultaram de  um  plano  nacional,  a 
que  presidiram  concepções  geo- 
gráficas arrojadas,  desenvolvidas 
por  um  trabalho  scientífico  de 
grande  envergadura.  Não  há  dú- 
vida de  que  a  sedução  céltica 
pelas  audazes  empresas,  o  misti- 
cismo peculiar  da  raça,  que  fre- 
quentemente a  impeliu  para  além 
das  suas  possibilidades  e  conve- 
niências e  a  lançou  em  empreendimentos  que  lhe  exauriram  o  vigor,  transmitiu  ã  tarefa  gigantesca  ésse 
guid  aventureiro,  que  dá  um  sabor  de  romance  de  cavalaria  às  navegações  ilimitadas,  à  ambição  exorbi- 
tante de  avassalar  o  mundo,  de  fundar  impérios  quási  lendário»  à  fôrça  de  longínquos,  cuja  conservação 
custava  anualmente  o  preço  pesado  de  uma  guerra.  )à  Colombo,  na  carta  escrita  aos  Reis  Católicos,  por 
ocasião  da  3.*  viagem,  os  estimulava  com  ês(e  elogio  trágico  ao  valor  português:  ...*Ni  decir  dei  pre- 
sente de  hs  Reys  de  Portugal,  que  tuuieron  corazon  para  sostener  a  Guinea  ^  dei  descobrir  delia,  v  ff"* 
gastaron  oro  y  gente  á  tanta,  que  quien  contasse  toda  la  dei  reino  se  bailaria  que  otra  tanta  como  lã 
mitad  son  muerío  en  la  Guinea,  ^  todavia  la  continuaron.» 

Quando  Colombo  escrevia,  não  principiara  ainda  a  funcionar  o  matadouro  da  Asia,  consumidor 
insaciável  de  vidas;  não  tivéra  início  a  tragédia  da  índia,  que  actuou  com  os  filtros  orientais  sõbre  a 
raça  austera,  lançando-a  ao  desvario  e  à  perdição.  O  nardo  e  o  incenso  asiáticos  não  haviam  perturbado 
até  à  embriaguez  o  povo  forte  e  sisudo,  morigerado  e  estóico.  Èle  era  ainda  aquele  rude  e  sublime  povo 
que  Nuno  Gonçalves  representou  nas  tábuas  do  políptico  imortal,  com  os  guerreiros,  os  doutores,  os 
aonistas,  os  prelados  e  os  pescadores,  •envoltos  nas  redes  como  em  mantos  reaes».  Êsse  povo,  dedicado 
ao  serviço  da  Pátria  como  o  romano  da  grande  éra,  conservara  da  lição  e  do  contacto  de  Roma  o  ins- 
tinto prático  e  harmonizára  o  com  o  seu  poético  misticismo.  O  Infante  D.  Henrique,  um  dos  maiores 
príncipes  da  Cristandade,  tem  a  brônzea  têmpera  de  um  romano  e  a  sua  tradicional  tolerância  utilitária. 
O  grão-mestre  da  Ordem  de  Cristo  recorre  à  sciêncía  dos  árabes  e  iudeus  para  o  estudo  dos  mistérios 
da  natureza;  e  o  plano  que  êle  amadurece  em  longas  e  doutas  vigílias  não  é  uma  aventura,  mas  uma 
tarefa  de  estadista  e  de  sábio.  Como  Ulysses,  que  manda  que  o  amarrem  ao  mastro  da  triréme  para  nâo 
sucumbir  às  seduções  das  sereias,  o  infante  encadeia  o  coração  ao  interêsse  da  Pátria,  para  resistir  às 
tentações  da  piedade.  No  Promontório  Sacro,  como  a  própria  imagem  do  dever,  aponta  o  mar  e  os 
espaços  ignotos  aos  nautas.  A  ordem  é  avançar,  avançar  sempre,  prôa  ao  mistério,  ao  encontro  das 
regiões  que  a  sciência  antiga  de  Estrabão,  Hipparco  e  Plínio  dizia  inabilaveis  (onde  os  raios  solares 
carbonizavam  os  sêres  vivos!),  por  sÔbre  os  fundos  pélagos,  abrindo  caminho  pelas  aguas  plúmbeas, 

VII 


■l 

.1 

01  aiAL 

NAU  DC  s£CULO  XV 
(QRAVURA  CM  MADEIRA  DO  TEMPO) 


■M 
,  -,\ 
O  RIU 


Introdução 

30itadas  por  uma  cóJera  perpétua  e  povoadas  de  monsiros  aquáticos.  Cada  um  daqueles  descobridores 
  mundos,  manejados  pelo  génio  implacável  que  entrevia  a  realidade  prec.sava  de  ler.  como  o  pnme.ro 
mareante  cantado  na  ode  horaciana,  o  coração  envolto  numa  tríplice  ligadura  de  bronze,  para  nào  estalar 

de  terror.  .  .  ^.  , 

////  robur  et  sps  triplex 

Circa  pectus  erat.  qui  fragUem  truci 

Commisit  pélago  ratem 

Primas  

A  imponente  história  dos  descobrimentos  portugueses  continuará  ininteligível  enquanto  nâo 
fôr  integrada  na  cultura  universitária  do  quadrivio,  colocando  os  sábios  no  primeiro  plano,  ao  lado  dos 
heróis  Alé  à  hora  sublime  em  que  o  Infante  consultou  os  astrónomos,  os  cartógrafos  e  os  pilotos,  a 
cosmografia  medieval  apenas  conhecêra  e  suspeitára  a  metade  do  planeta,  reproduzindo  nos  mapa-mun- 

jgíptíma  n^rfl. 

iiBtpro  bUbocnoM  nian»  «qooTibim  f  louiínà  ft  rtjfoha  b*(  gr.  «ímpli  po^» 
rvB  aà*  prtiíDUrio»  tiíhnaio  mwert  fijnrf  ftqBlric  jpp^rr  mnirotanrâ  tt\t  th 
tttjwat  Waum  mr«Õ riru  bífp«mj  propr         bnSlí».  /ÍO»nv*r6yiAMÍ  *nt 


faUtaditM  i(  pi<  bio» tfC 


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ãSrua 


^í^ptot»  cMcn 


5" 


acintiNrttvb(Jton/»^ocníu  optxrunitit  ^ 


E4doc  citií* 


tropíoia  raprífornl 


amm  átartíc? 


ISotue  actílraUd 


A  IMAatM  DO  MUNDO 
do  Cardtal  Plarrt  d'Alllv  <i««l) 


VIII 


!n  tradução 


macadooarpbcra 

coin  a  ZbecJica  do  ©oli  oa 
itua-  £bo  pnrnciro  liurocâ 
Gcograpbia  oc  claudio  Pro 
(omco  aierádnno  •  Zirados  nouanicn 
tc  De  iLanm  rmlingoagon  pello?!>o(iro3 
i^ro  WunejCofniograpboDCI  Rcr  dó 
joão  bo  tcrcerJo  ocrtc  nome  noflb  Sc 
nboj.Cacrccíradoe  ocmuiras  annocíi 
(de6  tfidurad  perquemaYd^^cilmcntc 
fc  podcnicnrcndcr. 

€3tem  oous  tratados  q  o  incCmo  DOu 
f03  fc5  fobic  a  carta  oc  itiarear.Cm  os 
quocsfc  Deaaráo  rodas  as  p;inapac8 
DuuidJdoanauegaçáo-Cóastauoasoo 
inouiincnfooorcl:':fua  DecIttiiiçâo.Ec 
Rcgimêto  oa  altura  aíTtacm^Dia^cc 
mo  nos  ou  t  ros  tempos 


COM  PREVTLEGI 


Retio  de  TRATADO  DA  SPHCRA  compoiío  pelo  nuirmiilco  P«dro  Nunci.  adido  «ulnhcnilMa 


dos  05  conhecimentos 
geográficos  herdados 
dos  árabes  e  dos  gre- 
gos. Na  flora  simbólica 
dos  ventos,  a  rosa  de 
Timóslhenes  e  de  Vitrú- 
vio  passa  a  ter.  com  as 
descobertas  portugue- 
sas, as  trinta  e  duas 
pétalas  em  que  se  divi- 
diu a  circunferência  do 
horizonte.  Foi  em  Por- 
tugal, na  opinião  insus- 
peita de  Azunl,  que  se 
fÍKaram  os  princípios  e 
as  leis  segundo  os 
quais  os  navios  pude- 
ram orientar-se  em  to- 
das as  direcções  da  ro- 
sa dos  ventos,  com  o 
auxilio  da  agulha  ma- 
gnética. Foi  em  Portugal 
que  se  prepararam  os 
germens  dos  mundos 
novos  e  os  primeiros 
esboços  dos  futuros  pla- 
nisférios,  Fra  Mauro  é 
o  antepassado  do  car- 
tógrafo português  que 
predeline  no  pergaminho 
encomendado  pelo  em- 
baixador de  Ferrara  o 
continente  american  o. 
desenrolando-o  através 
da  teia  de  azimutes  que 
cobre  o  espaço  oceâ- 
nico e  onde  o  Drasil 
embrionário  ostenta  a 
legenda  pictural  dos  pa- 
pagaios policromos  e 
das  florestas  estilizadas 
pelo  iluminator.  Dila- 
tando o  mundo,  criando 
novas  condições  sociais 
para  a  humanidade,  con- 
correndo para  a  meta- 


PAINEL  DO  INFANTE 

o  rctrilo  qut,  nctte  pBinel.  d««d«  logo  •*  no*  impA»,  é  o  do  Inlania  D.  H«nHqu«.  Eilaa  palnal*  foram. tom  •falia,  pinta- 
do* «fn  aua  honra  «Co  Inlanre  quam  domina  no  conlunio  da  obra,  baatando  para  laao  (onaldarar  o  luaar  lio  «Mcapclonal  Qua  nala 
ocupam  oa  aaua  amigoa  t  aicudalroa.  a  convertando-ae  aaalm  aataa  painala  na  vardadalra  apola4aa  da  D.  Manriqua,  vUio  qua  a  aua 
Vila  naval  da  Sagraa  «  ho|e  uma  oaaada  daalrofida  a  vlalo  lambam  qua  noa  -LUSÍADAS-  a  llgura  cantral  á  a  do  Gama.  Com  o 
ralrato  do  Infanta,  aqui  pintado  do  natural,  como  iodoa  O*  mala  ratratot,  <A  aacap^Bo  do  da  rainha  D.  I*abal,  da  quem  D.  Afonao  V 
«ra  |i  viuvo,  acntlndo-aa  qua  dianla  do  manequim  o  ganlo  do  pintor  arralacaul.  aurga  o  Ciclo  daa  NawagatAaa  porlu(|ua*ai.  Cl-lo.  pola. 
■I,  o  Siblo  «  o  HerOI  qua  «onhou  a  rcalltou  todo  o  Imanao,  cario  •  ratlactido  aonho  doa  OaacobHmanloa.  faiando  matar  i%  ondaa  aa 
prlmatraa  naua  qua  romparam  a  trava  ocelnica  -  a  aram  comandada*  paloa  Itomana  qua  ao  fundo  do  painal  aa  aprumam  am  Iam 
nebra  a  aimple*  poaiura,  Rico*  donatirlot,  lanhorai  da  comanda*,  -  vaiicm  oi  «aua  capofaa  da  bordo,  aam  uma  Inaignla  ou  uma  (ala. 
D.  Afonao  V  aloellta  dianla  do  Santo,  que  lha  aalt  moalrando  O  Evangelho  de  S.  ]olo.  Oranda  Inlalaclual,  arilata,  prddigo  com  pln- 
lotat  a  crontalaa,  D.  Afonao  V  aparaca-noa  com  a  eanillata  dum  mofO  cavaleiro  da  Tavola-Radonda,  a  quem  o  aol  africano  loailra 
o  roalo.  Enire  al-ral  aau  pai  c  o  tnlanie,  um  domai  qua  vIrA  a  aar  o  Mommm,  na  opinllo  da  laabal  a  CaiOlltai  ~  D.  )olo  11.  A  dlrelia 
do  Santo,  a  llgur*  feminina  poder«  >ar  a  Duquaaa  da  Coimbra,  viuva  do  Infanfa  D.  Pedro,  ou.  aegundo  uma  Intareaaanta  Identifica- 
cio  propeaia,  a  Rainha  Santa  laabat. 

lAPONSO  LOPCft  VIEIRA 


IX 


Introdução 

mortóse  das  concepções  astronómicas  e  geográficas,  conquistando  os  mares  como  Roma  con- 
quistára  a  terra.  Portugal  é.  nos  séculos  XV  e  XVI.  um  dos  luminares  da  sciência.  Lisboa  aparece-nos 
como  uma  nova  Alexandria.  Desde  1431,  que  o  Infante  instituirá  na  Universidade  de  Lisboa  os  cursos 
de  aritmética,  geometria  e  astronomia,  D.  Duarte  consagrara  dois  capítulos  do  Leàl  Conselheiro  ao  cálculo 
da  tiora  pela  estrela  polar.  Os  sábios  portugueses  regem  cadeiras  em  Bolonha.  Luvânia,  Salamanca, 
Bordéus  e  Montpellier.  Sessenta  anos  antes  da  Alemanha.  Portugal  funda  uma  Universidade.  Antes  de 
Paris,  Lisboa  tem  prelos  onde  se  imprimem  os  incunábulos.  É  essa  alta  sciência  que  prepara  a  epopeia. 
É  essa  escola  de  nautas  que  realizará  o  milagre  de  transformar  o  humilde  tecelão  genovês  no  descobri- 
dor da  América.  ^ 

A  preocupação  de  n3o  submeter  ao  mesmo  ritmo  a  História  dos  descobrimentos  nos  dois  he- 
misférios e  de  ramificar  a  viagem  milagrosa  de  Colombo  à  Guanahani.  nas  explorações  do  Atlântico 
ocidental,  tem  colocado  a  quási  totalidade  dos  historiadores  sob  o  império  de  avassaladores  precon- 
ceitos, impcdindo-os.  até  hoje.  de  harmonizara  verosimilhança  com  a  versão  histórica  do  descobrimento  das 
Antilhas  e  do  Brasil.  Todavia,  já  na  dedicatória  do  Tratado  em  defensam  da  Carta  de  marear  ao  Infante 
D.  Luis,  seu  discípulo,  o  matemático  Pedro  Nunes,  um  dos  grandes  doutores  do  sapiente  século  XVI, 
traçava  os  amplíssimos  limites  da  obra  gloriosa  dos  navegadores  portugueses:  *nam  ha  duuida  que  as 
nauegãções  d'este  reyno  de  cem  ãnos  a  esta  parte  são  as  maiores:  mais  maravilhosas :  de  mais  altas  e 
mais  discretas  conjecturas,  que  as  de  nâhuma  outra  gente  do  mundo.  Os  portugueses  ousaram  cometer 
o  grande  mar  Oceano.  Entraram  por  elle  sem  néhum  receio.  Descobriram  nouas  ylhas.  nouas  terras, 
nouos  mares,  nouos  povos;  e.  o  que  mais  he:  nouo  ceu  e  nouas  estreitas.  £  perderam-lhe  tanto  o  medo, 
que:  nem  a  grande  quentura  da  torrada  zona,  nem  o  descompassado  frio  da  extrema  parte  do  sul  com 
que  os  antigos  escriptores  nos  ameaçavam,  lhes  poude  estoruar;  que,  perdendo  a  estreita  do  norte  e 
tornando-a  a  cobrar:  descobrindo  e  passando  o  temeroso  Cabo  da  Boa  Esperança,  o  mar  da  Ethyopia, 
de  Arábia,  de  Pérsia,  puderam  chegar  á  índia.  Passaram  o  rio  Ganges  fam  nomeado,  a  grande  Tapro- 
bana, e  as  f/lhas  mais  orientais.  TÍrar3-nos  muitas  ignorâncias  e  amostraram -nos  ser  a  terra  mór  que  o 
mar  e  hauer  hi  Antípodas,  que  até  os  Santos  duvidauam ;  e  que  não  ha  regiam  que  nem  per  quente 
nem  per  fria  se  deixe  de  habitar.  E  que  em  hum  mesmo  clima  e  igual  distancia  da  equinocial,  ha 
homens  brancos  e  pretos  e  de  mu^  differentes  calidades.  E  fezeram  o  mar  tam  cbam  que  nam  ha  quem 
hoje  ouse  diser  que  achasse  novamente  alguma  pequena  ylha,  algus  baxos,  ou  sequer  algum  penedo, 
que  per  nossas  navegações  nam  se/a  já  descoberto.» 


c  tratado  que  bo  oouroz  Bero 

nunc3  JCoímograpt»  od  TrteY  ^^^<^  (<nbo2  fej 
cmocfcnfamoacarta  oc  mareancõ  orcgi 
mérooaalmra.^ingido  aomufío 
cfaarcado:   mu^to  CTcelcn* 
rc  í^iinapc  t»  ^ffante 

+  + 
+ 


X 


introdução 


li 


ENHUM  técnico  naval,  a  quem  se  lenha  submetido  a  apreciação  do  problema  da  casuali-  ^ 


dade  ou  intencionalidade  da  arribada  de  Pedro  Álvares  Cabral  a  Vera  Cruz.  deixou  de 
argumentar  semelhantemente  ao  oficial  da  armada  portuguesa  e  engenheiro  hidrógrafo.  ' 
Daldaque  da  Silva,  pronunciando-se  a  favor  de  uma  intencionalidade  manifesta  (8).   No  ha 
estado  actual  dos  estudos  históricos,  parece  mais  do  que  nunca  difícil  sustentar  a  tese    '  ' ' 
esdrúxula  da  casualidade,  tam  ardentemente  defendida,  há  setenta  anos,  pelo  poeta  Gonçalves  Dias  (9), 
e  principalmente  animada  pelas  presunções  do  grande  Humboldt  (10),  que  reivindicou  para  a  Alema- 
nha a  honra  de  haver  sido  a  fonte  escolar  onde  os  cosmógrafos  portugueses  aprenderam  a  aplicar  a 
sciêncla  astronómica  às  navegações  (10  A). 

Em  três  fases  distintas  se  nos  apresenta  a  versão  da  casualidade  como  factor  do  descobri- 
mento.  A  primeira  pertence  o  insuspeito  depoimento  de  Caminha:  dc  S.  Vicente  até  à  ancoragem,  na  mi»k>hia 
nenhuma  menção  de  tempestade.  A  esquadra,  depois  das  diligências  para  encontrar  a  nau  desgarrada, 
segue  seu  caminho  até  Vera  Cruz.  A  essas  porfiadas  diligências  atribui  Antonio  Galvão  a  perda  da 
derrota;  <e  indo  fóra  delia  toparão  signaes  de  terra  por  onde  o  capitáo-mór  foi  em  sua  busca  tantos  dias 
que  os  da  Armada  lhe  requererão  que  deixasse  aquella  porfia,  mas  ao  outro  dia  virão  a  costa  do 
Brasil'.  É  uma  versão  inverosímil,  esta  que  nos  mostra  a  frota  navegando  desde  as  paragens  do  arqui- 
pélago de  Cabo  Verde  até  cérca  do  litoral  da  América,  à  busca  de  uma  nau  tresmalhada.  Nem  Cabral  a 
procuraria  fóra  da  derrota  preestabelecida  da  índia.  A  passagem  de  Galvão  presta-se,  entretanto,  a  inter- 
pretação muito  diversa,  que  a  avizinha  da  verdade.  Sabemos  por  Vaz  de  Caminha  que  os  primeiros 
vestígios  de  (erra  só  foram  assinalados  na  véspera  do  descobrimento  de  Vera  Cruz.  Se,  pois,  os  da 
armada  requereram  ao  Capitão-mór  que  deixasse  aquela  porfia  de  tantos  dias  em  descobrir  a  terra,  é 
porque  os  pilotos  viam  com  inquietação  o  desvio  considerável  da  nau  capitania  e  presumivelmente  ignora- 
vam as  instruções  a  que  obedecia  o  almirante:  o  propósito  de  levar  a  esquadra  até  às  terras  ocidentais. 


(8)-  O  Descobrimento  do  Brasil  por  Pedro  AUnnes  Cãbral.  memória  de  A.  Daldaque  da  Silva,  publicada  no  volume 
dc  Memorias  da  CommissSo  Português.!  dâ  Exposição  Cohmbinã,  comemorativa  do  Cenlt-nírlo  do  descobrimento  da  Amiínca. 
e  organizado  pela  Academia  Real  de  Sciéncias  dc  Lisboa,  1892. 

{<i)  — Reflexões  áccrcii  d.t  Mc/non-t  do  Uluslre  senhor  Joíttjuim  Norberto  de  Sousa  e  Silf  i  ■sentadas  ■  n  <.so 
de  26  de  Maio  de  1854  do  Inslituto  Histórico  e  Geográfico  do  Bnsil  por  A.  Gonçalves  Di.is  A  .  i  consei!  >r- 

bcrto  de  Sousa  e  Silva  t  hcada  no  tom.  XV  d.i  «Revista  Trimestral  do  Instituto*  (I8S2).  As  /:,  ;-Vwi,>  de  A,  uon^alvci 

Dias  e  a  RetuuçJo  do  t-^  "O  Norberto  de  Sousa  c  Silva  t-ncontram-sc  no  tomo  XVIII  da  mesma  Revista  (1855). 

{\0)^E)iamen  critique  de  1'Mstotre  de  la  géographie  du  nouvexu  continent,  por  A,  dc  Humboldl.  Paris,  1836-39. 
Cosmos,  idem.  Paris,  1855-59. 

(10  A>-  «Dcpuis  Mumboidl,  le  lond  de  la  qiicstion  esl  rcsté  Ic  mime;  on  prétendail  que  les  tables  nautiqucs  por- 
lugalses  soni  basées  sur  les  EpInímOrides  dc  Regiomontanus  et  que  les  insiruments  de  la  m-irine  sont  ceux  de  rasironomie 
de  Nurembcrg .  .  .  Soutenu5  par  un  ccriain  nombro  d  auteurs  porlugais  qui,  sans  avoir  tfin  l  -  questioni.  acccptaicnl  le» 
hvpothéscs  d'Humboldl,  les  historiens  elrjiií^er^  Miivironl  la  mémc  voie:  pour  aflermir  les  p(  on  en  ajoula  mime  une 

nouvelle  en  atlribu.inl  ã  líeliaim  le  mt-riiL-  d  <ivGir  .  le  calcut  des  latitudes  aux  marms  poriuij.iii.  L'histoire  atnsi  dclormée 

coridui5.iit  ã  la  conctusion  que  les  Porlugaii  avj..  ■  iqué  de  ressourccs  asiroiiomiques  et  avaicnt  cu  recours  a  I  ttrangcr 
pour  riísoudre  des  probleintjs  qu'ils  avaienl  é\é  lea  premiers  à  poser,  Cette  thése,  se  rapportani  à  l  époque  la  plus  b  '  le 
l'hlstoire  nationate  porlugaise.  iious  a  paru  insoutenable.  Nous  nous  sommes  proposé  d  approfondir  cc  problemc  et  .1  /er 
le  cliemin  aux  íuturs  hisioriens,  en  leur  procurant  quelques  solides  données  ã  subsiltuer  aux  hvpolhéses  d  Humboldl  cl  de 
ceux  qui  Tont  suivi».  -  W/sW/re  de  tã  science  nauUque  porlugaise  j  répoque  des  Grandes  Découueries.  Collection  de  documents 
publiés  par  ordre  du  Ministére  de  Vlnstruction  Publique  de  la  République  Portugaise,  par  Joaquim  Densaude.  Munich,  Carl 
Kuhn,  1914.  Vol.  I,  pág.  6. 

PAINÉIS  DOS  PESCADORES  E  DOS  CAVALEIROS 

o  painel  do«  Pe»cador««  dave  representar  o*  lundadoree  da  Companhia  de  Laso*,  organliada  peio  Infanre.  veilldoe 
como  ae  veetem  ainda  ho|e  ot  pc.cadoree  porluaue.ea.  que  nem  triplico  encontram  também  oe  aeua  Iluairee  evôi.  embrulhado* 
nas  ride» -alguém  o  dis»e-como  num  manto  real.  No  painel  do»  Cawalelro».  a  tlB«r«  do  belo  velho  pflde  representar  um  do*  eo- 
brevivenlea  de  AUubarrota;  eerlo  bravo»  fronteiros  de  Africa,  companheiro»  de  erma»  de  el-rel.  oe  ouiro»:  e.  entre  #1*».  o  loatado 
cavaleiro  do  capscCIe,  lalves  O  conde  D.  Duarte  de  Meneeee,  alfcr«»-m4r> 

Quando  em  nt»  U««  a  honre  de  reslUar  uma  confertncla  no  Mu»eu  Nacional  de  Arte  Antifla,  a  prop4»lla  doa 
quadro»  de  Nuno  Oonçalve».  conclui  com  eaiaa  palavra»  1  -  Nenhum  pai»  po»»ul  em  pintura  ume  elnteíe  mal»  nacional,  mala 
poderosa  c  mais  bela  do  que  e»l»  que  o»  painel»  de  S.  Vlcenl*  represenlam  para  nd».  Por  uma  de»»a»  coincidência»  que  o  daalino 
pouca»  veie»  prepara,  no  momento  em  que  a  alma  portuguesa,  vibrante  d*  unidade,  prOdlga  de  e»lftr(0.  Uenla  de  canaeco»  e  de 
crimee.  desabrochava  na  sua  mal»  alia  tloraçlo.  um  ma.lre  de  aínlo.  um  r.irall.la  dotado  com  a»  mal»  alia»  qualidades  que  lormam 
um  pfnior.  lUou-a  na  sus  mal»  grave,  mal»  simple»,  mels  porlugueea  alllude.  de  modo  que  nfl»  coniempllmo»  a  mal»  bela  Imagem 
da  Pílrla  quando  contempllmos  esla»  Tibua»  Sagrada».  ,    .      _      .     ^       ,  i,^,a.^,,^ 

t  preciso  Impor  ao  eaplrtto  nacional  este*  painéis  como  uns  novos  .LUSÍADAS-,  menos  deslumbrantes  do  sol  mitológico 
da  Renascença,  mas  mal.  prd«lmo»  por  Uso  do  coraçlo  palpltanlo  d«  «/ey;  um  evocador  •  maravilhoso  poema  composto  com  tlgurae 
humana»  -Avfls  que  no»  enchem  de  orgulho  «  no»  concedem  ainda  um  pouco  da  sue  calme  contida  e  tremente :  belos  Anlepa»»adoa 
que  nos  olham  decerto  com  irUteaa.  ma»  tamb«m  com  alguma  daquela  «eperanca  herdka  cem  que  pela  patHa  aotreram  e  emaran. 

AFONSO  LOPES  VIEIRA 

XI 


Introdução 

Castanheda.  Barros.  Damião  de  Góis.  Osório.  Gandavo.  Lafitau.  não  atribuem  à  tempestade 
nem  às  correntes  a  derivação  da  esquadra  para  oeste. 

"pedro  de  Maris  nos  Diálogos  de  varia  historia  (Dial.  IV.  cap.  VIU);  Rocha  Pita.  na  Mistona 
da  America  Portuguesa  (Liv.  I.  pág.  6);  Faria,  na  Asia  (Tomo  I.  parte  I.  Cap.  V);  António  Ca.tano  de 
Sousa,  na  M,stor,a  Genealógica  (Tomo  III.  Liv.  IV.  Cap.  V).  testemunham  a  tormenta,  em  que  ampharam 
o  suéste.  acompanhado  de  aguaceiros,  de  que  resultou  garrarem  as  naus  |á  ancoradas,  na  noite  de  23 
para  24. 


A  •MCMÒRIA> 
ne  DALOAOUC 
OA  SILVA 


tf' 


Finalmente.  Raynal.  na  Histoire  philoso- 
phique  et  politique  des  étabhssemenfs  et  du  com- 
mercê  des  européens  dans  les  deux  Indes.  (II)  in- 
sere na  história  do  descobrimento  do  Brasil  e  lança 
em  circulação  a  palavra  acaso  (12). 

É  precária  em  história  a  hipótese  que 
contradiz  a  verosimilhança  e  os  dados  racionais  e 
scientílicos  do  problema. 

Os  argumentos  reunidos  na  Memoria  do 
oficial  da  marinha  de  guerra  portuguesa.  Baldaque 
da  Silva,  constituem  ainda  hoje  a  objecção  técnica 
irredutivel,  apresentada  à  versão  universalizada  de 
um  descobrimento  imprevisto.  Êle  prova  que  os  na- 
vios da  expedição  não  foram  arrastados  para  oeste 
pela  acção  coérciva  e  insuperável  dos  elementos, 
apoiando-se  no  próprio  testemunho  de  Pero  Vaz  de 
Caminha.  Nem  sinais  de  tempestade  entre  Cabo  Ver- 
de e  Vera  Cruz:  *Seguimos  nosso  caminho  per  este 
mar  de  lomgo  ataá  terça  feira  doitauas  de  páscoa 
que  foram  XX  dias  dabril  que  topamos  si/naaes 
deterá.  .  .  »  Na  estação  do  ano  em  que  navegava 
«  Mir.Mi<^r  a  esquadra,  as  tempestades  sopram,  aliás,  do  noro- 
este e  do  sudeste,  afastando  portanto  os  veleiros 
da  costa  para  o  mar  largo.  A  haver  estalado  tem- 
poral, provindo  dos  quadrantes  de  fóra.  entre  os 
rumos  de  NE  e  SE.  teria  durado  alguns  dias  e  tres- 
malhado  os  navios,  incidente  que  forçosamente  fi- 
caria registado  nas  cartas  de  Caminha  e  de  mestre 
loão  e  na  relação  do  «Piloto  Anónimo*.  O  tempo 
de  28  dias  em  que  a  esquadra  navega  desde  as 
ilhas  de  Cabo  Verde  até  ao  Brasil  demonstra  as 
condiçóes  favoráveis  em  que  se  realizou  a  viagem, 
no  rumo  sensivelmente  de  sudoeste  (13).  Igualmente 
se  prova  que  os  navios  não  foram  impelidos  pelas 
correntes  aquáticas.  O  grande  circuito  marítimo  do 
Atlântico  Sul,  movendo-se  de  leste  para  oeste  ao 
largo  do  equador,  inflecte  para  o  sudoeste  na  al- 
tura de  Fernando  de  Noronha,  desvia-se  sucessivamente  para  sueste  e 


^^^^^ 


A  rt 

PA 


MAi> 


RETRATO   DE  RAVNAL 
■egundo  o  original  da  raadiclo  de  I7M  (Maaatrkk)  úa  MUIoIrt  pM- 


leste  até  ao  Cabo  da  Boa- 


(ii)~Mieitrick  1775, 


1.  ' ,  *  7  J  ■  '     '*  "  '  "  '"■''^^  oriente  p^rj  occuiente.  cbega-se  S  deducçâo  4e  que  nÍo 

na  um  eitemplo  de  desvio.  ,íf,io  ou  l,  que  desoneriusse  n.u'io.  produzindo  um  grande  erro  de  tongilude  no 

"  orimu-  IJ.IIJ  occidente.  t  ji'iJ.i  conseruam  se  frescjs  js  mi-rnonas  das  copiosis  navegações  de  Africa 
tuepodi.tm  subir.  nJo  ficou  u-sf,'munho  de  arnbjda  e  deson,-ntJiJo  por  causa  de  temporal,  calmaria,  corrente- 
pI,;. *'  '°f'^  <■'"'!'-"'•""      reiornauam  ao  ponto  de  partida,  ou  em  suma  realisau.im  o  seu  destino, 

l^ortanto.  parece  inadmissível  que.  dentre  uma  quantidade  orçaiwi  em  3  a  4  mil  navegações,  saltasse  para  fora  da  reora  um 
sà  caso  para  tMcepçio  singular*.  Almimnle  ).  J.  da  Fonseca,  Descobrimento  do  BrazU.  a  p^,  21   Rio  1995  ^ 

r^uat^r  ÍÍ^L  J.^^H''  ""^  disiance  de  soo  tieus.  au  milteu  de  laquelle  on  a  h  tranverser  la  zone  des  calmes  de 

rí?         VÍ       ,     ^  ^'"P'oi>/i/  plus  de  lemps.  Ce  premier  voyage  au  Br,H,l  peut  donc  étre 

citf  aussi  comme  le  premier  .'xemple  qui  exist.-  d.-  lavanlage  de  couper  la  ligne  dans  10'  -  LES  COTES  DUBRESIL  oor 
Eme.1  Mouchez.  II  «ecçio.  pifi.  1I6,  Noia.  Paris.  1864.  Dépòt  des  cartes  et  plans  de  la  Marine  OHtbIL.  por 

XII 


Introdução 

Esperança,  o  que  tudo  demonstra  a  nenhuma  influência  que  poderia  ter  na  aterragem  da  esquadrada). 
Acrescenle  se  a  estes  argumentos  o  de  correr  para  S5W  com  moderada  velocidade,  paralelamente  à  terra 
e  a  pouca  distância  da  costa,  a  ramificação  brasileira  do  grande  circuito  do  Atlântico  austral,  e  o  da 
possibilidade,  para  os  navios  da  frota,  que  eram  veleiros  e  de  pano  latino,  de  abrir  caminho  para  barla- 
vento, vencendo  qualquer  destas  correntes,  e  ter-se-á  demonstrado  a  inanidade  scientifica  da  hipótese 
retórica  da  influência  das  correntes,  porquanto  as  naus  as  leriam  dominado  se  o  destino  da  denota,  com 
vento  próspero,  visasse  unicamente  montar  o  Cabo  da  I3oa  Esperança,  para  seguir  para  Calecut  (15). 

A  outra  hipótese  de  que  os  navios  de  Cabral  foram  desviados  para  oeste  por  erro  cometido 
na  navegação,  quer  seja  na  orientação,  quer  no  cálculo  da  latitude  ou  na  estimativa  da  derrota  percor-  l  l  «umo 
rida.  revela-se  igualmente  inaceitável.  As  posições  e  orientação  da  costa  ocidental  da  Africa  e  a  situação 
do  Cabo  da  Doa  Esperança  eram  suficientemente  conhecidas  pelas  viagens  anteriores,  convindo  não 
esquecer  que  o  próprio  Bariolomeu  Dias  e  Nicolau  Coelho,  companheiro  de  Vasco  da  Gama.  viajavam 
na  esquadra.  Torna-se  assim  pueril,  senão  impertinente,  admitir  que,  ao  fim  de  quási  um  século  de  inin- 
terruptas e  audaciosíssimas  explorações  oceânicas,  os  nautas  portugueses  errassem  uma  só  vez  na  der- 
rota, para  descobrirem  o  Brasil,  e  caminhassem  às  cegas,  como  às  vezes  caminham  os  historiadores. 
É  inadmissível  que  os  pilotos  de  Cabral  não  soubessem  perfeitamente  soltar  o  rumo.  para  ir  dobrar  o 
Cabo.  Não  existe  hoje  um  matemático  ou  geógrafo  que  duvide  da  tam  provada  sciência  dos  pilotos  por- 
tugueses. Orientando  se  a  derrota  pela  agulha  magnética  e  experimentando  esta  uma  variaçSo  para  leste, 
compreendida  entre  5<»  e  IO©  na  zona  e  época  consideradas,  não  podia  também  a  pequena  diferença  do 
rumo  da  agulha  (mesmo  desatendida  a  variação,  já  conhecida)  influir  e  justificar  o  grande  desvio  para 
oeste.  A  esquadra  partiu  do  Tejo  com  rumo  às  Canárias,  dado  pelas  agulhas  de  bordo,  e  passou  entre 
elas  sem  êrro  de  orientação,  embora  a  agulha  magnética  houvesse  já  experimentado  uma  variação  com- 
preendida entre  5°  e  10«  para  leste.  A  passagem  pelo  arquipélago  de  Cabo  Verde  realizou  se  com  a 
mesma  exactidão  (16).  Continuando  a  regular-se  pelas  mesmas  agulhas  e  dentro  dos  limites  da  mesma 
variação,  é  inaceitável  a  explicação  empírica  de  um  èrro  de  rumo.  proveniente  da  falsa  mdicação  das 


(14)-A  corrente  do  Gulf-Slream  começa  a  fazer-se  senlir  cnire  50o  e  30o  de  longitude  oddenlal.  65o  ou  70o  de 
latitude  austral,  caminhando  para  o  sul  do  continente  africano,  onde  se  biparte,  prosseouindo  um  dos  braços  para  teste,  com 
prolonaamento  ali  ao  oceano  Índico,  correndo  o  ouiro  ao  longo  da  costa  oc.denta  da  ílHca.  «"''^^ /ul-Norte  ate  ao  gôll^ 
da  Guiné  e  ãs  regiões  equatoriais  onde  muda  de  direcção,  atravessando  o  Atlântico  (sempre  cobrindo  a  lintia).  indo  bater  no 
Cabo  de  S  RooGe,  Al  se  subdwide  em  duas  correntes  N.  e  S  A  tracção  d«la  corrente  pelásgica.  em  cuia  lona  navegou 
Cabral  desde  a  passagem  de  S,  Tiago  de  Cabo  Verde,  paralelo  15.  mais  ou  menos,  não  podia  arrastar  a  armada,  corno  demons- 
frí  Zeferino  CiSdido  na  sua  obra  BR/ÍZ/i.  a  pig.  145  e  seg.  Admitindo  porím.  o  absurdo  de  uma  «^o^T^^^^^T^c  '  R*J,fp '  I 
milha  por  hora  poder  arrastar  irresistivelmente  as  naus  veleiras  da  esquadra,  esta  devena  ir  parar  ao  Calw  «o^"*-  « 

nao  a  170  Lai.  S-.  ou  sejam  mais  de  12o  abaÍKO  da  Lat.  correspondente  i  posição  daquela  balisa  geográfica.  0  *in^rane  j  ] 
da  Fonseca  no  MU  estudo  analilico  DESCOBRIMENTO  DO  BRAZIL.  observa  ludiclosamente :  'uindo  na  bordada  do  sudoeste 
fvistJ^t!  tirrts^rJnts^^  Pernambuco,  se  nSo  ao  norte.  S^o       tendo  ar,sudo.  é  claro  que  '''"''\Z"Z\7usdfr 

e  gue! portanto,  não  foi  arrastado  para  occidente  por  força  das  çorrenteias  que,  ao  conirano 

seaiíem  de  Africa  e  logo  se  re<urvam  ao  longo  da  costa  oriental  do  Brasil  prosegumdo  para  o  sul.  conformando-se  com  o 

límaTaté  aSio'-  de  latitude,  ponto  de  onde  come(a  a  contra -correnteza ;  deduzindo-se  af.nat  que  o  arrastamento  serja  evi- 

'ZteJnte  anís  para  o  sul  do  cue  para  o  occidente.  Repete- se  a  propos,to  a  -Ota        anda  'i^^""^ 

thiago  a  rumo  do  sussodoeste  verdadeiro  (22o30-)  passa  se  umas  30  léguas  3o  mar  do  cabo  f  J/^^y^f'/'"".^^  .^^i 

7  S  '"  Aaoslinho    precisa-se  de  fazer  rumo  de  25o  a  26o  sudoeste  verdadeiro;  para  demandar  Mucunpe  Jo  '""J* 

de^zer  runlodê  4o" sudoeste.  Sab.do  que  22030'  é  sussodoeste  verdadeiro,  o  mais  f  geiro  exame  patente,a  que  25*  a  26" 

sudoeste  se  '^^^^PJ^^^^^^^^^^^^  {irlnSi^^op^rSo^^c^onsidera  caduca  a  hipótese  do  deslocamento 

da  esquadra?e  Cabral  para' oeste  im^^^^^  ^Falsa  é  la  uecçMa  tradizione,  chejl  ^^.^/'JjPP^^J;^^^^^ 

trascZto  inopmatamenle  a  ovest  dei  capo  \/erde  dalla  forza  delia  correnli:  la  rota  cosi  ocadentale  dei  Cabral  tu  dovut,  a 
deliberato  propósito-.  Op.  dt.  pág.  276.  Nota. 

(15)- No  Cap.  I  da  Primeira  Parte  da  sua  obra  BRAZIL.  Zeferino  Cindido,  embora  con^rfclo  do  P^Pf-^f. 
rado  de  Cabral  ern  toca?  uma  terra  preconhecida.  explica  como.  na  obscrvànda  das  mstniçôes  níuticis.  eslabeleddas  pela 
^xoeriéícia  dos  piKlos  de  Vasco  da  Oama.  a  armada  leria  avislado  o  litoral  da  América  austral,  ainda  que  J 
r^^.^r  ,lo  do  alm  rante  ^ A  corrente  batia  a  bombordo  no  costado  dos  navios,  sob  um  angulo  sensivelmente  de  45o  Estes 
í  MÍormaír/,am  /iríw  rumo  de  sudoeste,  impellidos  pelos  ventos  ponteiros  de  nordeste  ou  de  pópa.  Bella  navegação  era 
iZYr^meZrdefeic^^^  epocha  do  anno.  precisamente  reconhecida,  em  que  se  aproveitava  a  monção  duplamente 

Vjvoràvel  a  l^^^^^^^  "ormtnZfo  no  Atlântico  e  à  travessia  do  Golphão  Indiano  na  quadra  das  monções  do  sudoeste. 

Esta  sciencia  ''^'gfjJ^J^^^^^^^^  ZTeTm^^de^oTaTom  q^  «Àju  o  descobridor  do  Brasil.  verU spparel 

TOo-lSLM^^^ 

nâo  resolve  o  F^biema^  ^  verosimilhança  as  condições  náuti^s  em  que  «^t'*""^..^;^^*^^^ 
defendida  por  DaldlqS  da  Silva:  um  afastamento  voluntário  para  oesle  com  o  objectivo  de  locar  as  terras  da  América  Austral 

/.t^      n  r„mn  fòra  até  aí  SSW  SW  1  4  S.  S.  1  4  SE.,  aproximadamente  como  se  costumava  ao  ser  escriplo  o 

,H   i  L/^r^  rde  Duaíe  Pache^^  para  dianie  mudou.  -D.  Vasco  da  Gama.  escreve  Gaspar  Corrêa, 

f  smerj  do  c/^        or*«  de  p    3    t             ^^^^^^^^  ^  caminho,  que  era  cortar  pelo  mar  largo 

fez  conselho  com  os  mfSíres  í  P"^''"  ""^ .....  ^n^vo  resguardo  por  dobrar  o  cabo  de  Boa  Esperança,  e  de 


introdução 

agulhas,  para  justificar  a  aterragem  da  frota  à  vista  do  monte  Paschoal.  Conhecendo  as  latitudes  e  os 
rumos,  navegando  em  paragens  de  fracas  correntes  marítimas  e  com  vento  próspero,  é  manifesta  a 

impossibilidade  de  Iam  grande  êrro  no 
cálculo  ou  estimativa  do  caminho  nave- 
gado, que  desviasse  a  expedição  tantos 
graus  para  oeste.  Realmente,  como  objecta 
o  autor  da  Memoria,  cortando  a  linha  a 
oeste  das  ilhas  de  Cabo  Verde  e  seguindo 
para  o  sul  muito  ao  poente  pelo  meri- 
diano de  300.  a  oeste  de  Greenwich,  com 
destino  a  montar  o  Cabo  da  Boa  Espe- 
rança, seria  precisa  uma  corrente  aérea 
ou  marflíma  constante,  ou  um  érro  sis- 
temático para  oeste,  de  10  milhas  diárias, 
durante  15  dias.  para  desviar  a  frota 
tanto  para  o  ocidente. 

A  hipótese  de  um  êrro  come- 
tido na  navegação  não  apresenta  funda- 
mento, tanto  pelo  que  diz  respeito  à  falsa 
orientação  da  agulha  magnética,  como  à 
errónea  determinação  das  latitudes  diá- 
rias e  das  distâncias  percorridas  em  cada 
singradura:  inadvertcncias,  equívocos  e 
ignorância,  tanto  menos  aceitáveis  quanto 
navegavam  na  esquadra  pilotos  conhe- 
cedores do  Allânlico  sul  e  com  a  perícia 
de  Bartolomeu  Dias,  Pero  Escobar  e  Ni- 
colau Coelho.  Nem  caso  de  fòrça  maior, 
nem  êrro  náutico  determinaram  o  desvio 
da  frota  para  oeste  (17).  Por  exclusão  de 
partes,  restaria  a  considerar,  sob  o  ponto 
de  vista  técnico,  a  única  hipótese  admis- 
sível de  um  desvio  propositado  a  cami- 
nho do  ocidente.  É  o  que  faz  o  aulor 
da  Memoria,  com  o  mesmo  rigor  analí- 
tico. 

^í""'  Pi^inieiramente.  os  antecedentes.  ]á  Vasco  da  Gama  déra  o  ori 

ir/f-r 'r-"^"'     - ^s^t  -t:t:f' 


Cibftco  d>  uma  parte  do  Arilnilco.  moilrândo  •  Coata  ocidental  de  Airica 
•  ■  ocidvnial  do  Draall,  Indicando  pOrlo  teguro. 


mrTri  1 1  r»  I  rnrrv» 

oirir  uma  .i,  abrigada  que  3  áò  dia  c  noilc  de  23  de  Abnh  .Tr  ,  '^^'";"*'*,P-»"  ^  resolução  de  Cabral  em  pro- 

t«  nmcoT^,  ;  g  ,o„os  de  lomgo  ds  coL       SÍmJS-  ^e  llT.  '^^"^''"'^  '^^^  P"'>fo^  rnandou  o  capitam  leuan- 

Umos  per*  tornar  490*  e  lenhM ....  ■ .  pers  vetr  se  achauamos  alguãa  abrigada  e  Òoo  pouso  omde  jouues. 

??,>S  '^^•'''^'■'VS''  «''«-'^^rST"''"  Catrai.  não  menor,  e  vario 

or  ente.  montou  o  «fro  afnano.  sem  gue  temporaes,  cprrM/«;/oí  ríLír/.;  "'íf  ^^^^""'^'"^•"'e  do  ocddente  nauègou  parm 
V...  .  ..  ftinuranle  J.  J.  da  Fon«ca,  O  Descohrmento  do  Brasil,  «  pia.  30.   *  "  occiderMe,  um*  outra 

XIV 


Introdução 


há  indício  de  ali  ter  entrado,  nem  vestígio  de  haver  dali  saldo.  No  maço  i.»  de  Leis,  sem  data,  n.»  21, 
do  Arquivo  da  Tòne  do  Tombo,  existe,  sim.  um  fragmento  de  instruções,  mas  começam  na  parte  referente 
a  Angediva.  Se  o  excerto  publicado  por  Vamhagen  era  autêntico,  iconstituíria  a  parte  anterior  do  manus- 
crito incompleto  da  Tôrre  do  Tombo?  As  informações  insuficientes  de  Vamhagen  sôbre  a  origem  e 
aquisição  do  documento  são  lastimáveis,  por  não  bastarem  à  orientação  de  novas  pesquisas  que  enca- 
minhariam, porventura,  outros  historiadores  ao  encontro  de  preciosos  e  desconhecidos  manuscritos. 
A  perda,  no  nosso  tempo,  de  um  documento  desta  valiosa  espécie,  possuído  por  um  historiador  da 
probidade  de  Vamhagen  (embora  tam  omisso  na  referência  às  fontes  documentais)  serve  para  exemplificar 
o  extravio  de  tantas  outras  páginas  capitais  da  história  dos  descobrimentos  portugueses. 

Eis  a  passagem  do  fragmento  das  instruções,  reproduzido  na  1.»  edição  da  Historia  Geral  do 
Brasil  e  a  que  o  autor  da  Memoria  faz  indirecta  referência,  sem  suspeitar  da  fonte  em  que  Mouchez 
colhera  a  informação:  «...  faram  seu  caminho  direito  a  ylha  de  sam  tiago  e  se  ao  tempo  que  ahy 
chegarem  tenerem  agoa  em  abastança  para  quatro  meses  não  devem  oousar  na  dita  ylha  nem  faser 
nenhuma  demora  soomente  emquanto  lhe  o  tempo  sert/yr  a  popa  faserem  seu  caminho  pelo  sul  e  se 
ouverem  de  guynar  seja  sobre  ha  banda  do  sudoeste.  (A  margem)  — 5e  tomarem  antes  a  çlha  de  sam 
nicolao  no  caso  desta  necessidade  pela  barra  da  ylha  de  sam  tiago.  — E  tanto  que  nelles  deer  o  uento 
escasso  deuem  ir  na  volta  do  mar  ate  meterem  o  cabo  de  booa  esperança  em  leste  franco  e  dy  em 
diante  navegarem  segundo  lhe  servyr  o  tempo  e  mais  ganharem  porque  como  forem  na  dita  paragem 
nom  lhe  myngoara  tempo  com  ajuda  de  noso  senhor  com  que  cobrem  dito  cabo.  E  por  esta  maneira 
lhe  parece  que  ha  navegaçam  sera  mais  breve  e  os  navios  mais  seguros  do  busano  e  isso  mesmo  os 
mantimentos  se  teem  milhor  e  a  gente  yraa  mais  saã.» 

É  evidente  que  se  pretendia  com  estas  instruções  evitar  não  só  as  calmas  e  trovoadas  da 
costa  africana,  como  fugir  das  tempestades  desencadeadas  na  região  circunvizinha  do  Cabo  Tormentoso, 
derivando  os  navios  para  o  largo.  Os  conhecimentos  experimentais  revelados  nas  instmções.  relativamente 
aos  ventos,  calmas  e  correntes  marítimas  do  Atlântico,  representavam  aquisições  das  viagens  anteriores 
e  testemunham  que  as  viagens  portuguesas  de  exploração  obedeciam  a  um  rigoroso  plano  sistemático  e 
admiravelmente  concebido,  orientadas  por  um  manancial  de  conhecimentos,  derivados  da  prática  e  da 
observação,  o  que  tudo  explica  o  arrojo  magnífico  de  Vasco  da  Gama  em  soltar  o  rumo  a  meio  do 
oceano,  engolfando-se  pelo  Atlântico  sul,  a  grande  distância  do  litoral,  abandonando  o  primitivo  processo 
de  exploração,  costa  a  costa,  como  se  quisera  imprimir  a  essa  destemida  resolução  o  significado  simbó- 
lico da  conquista  definitiva  dos  mistérios  oceânicos,  uma  vez  que  já  sabia  onde  terminava  o  continente 
africano  e  ia  encontrar,  amplíssimo,  o  caminho  triunfal  que  conduzia  à  fndía  as  naves  portuguesas:  as 
primeiras  que  transportavam  por  mar  os  homens  da  civilização  ocidental  até  entre  os  povos  da  civili* 
zaçâo  oriental. 


Varnhagen,  a  pág.  71  da  2*  edição  da  sua  História,  refere-se  ao  fac-simile  da  primeira  fôlhã 
do  rascunho  ou  borrão  das  instruções  dadas  a  Pedro  Álvares  Cabral  e  publica  êsse  fac-simile. 

Em  face  dêle  foi  feita  a  reprodução  e  versão  paleográfica,  publicadas  nas  páginas  seguintes, 
sendo  a  cópia  não  sÓ  quanto  possível  ipsis  literis,  com  abreviaturas  desdobradas,  como  até  subordinadã 
à  disposição  de  páginas  e  linhas  do  original.  Do  seu  contexto  se  deduz  claramente  que  estas  supostas 
instruções  não  são  mais  que  notas  tomadas  pelo  secretário  de  Estado,  Alcaçova  Carneiro,  ouvindo  o 
parecer  de  Vasco  da  Gama  como  perito  experimentado  na  viagem  Ei-las: 

ANTÓNIO  DAlAO 


XV 


Introdução 


C7 


o. 


-9^ 


XVI 


Introdução 


Esla  he  a  maneira  que  parceo  a  vasco  da 

gama  que  deue  teor  pedrealvarez 

em  sua  yda  prazcmdo  a  nosso  senhor 


Item  primeiramente  ante  que  daquy  parta 
fazer  muy  bõoa  hordenan^a  pera  se 
nam  perderem  huuns  nauyos  dos  outros 
nesta  maneira 


saluo  se  allguua  das 
naaos  nam  sofrer 
também  a  vella 
como  a  do  capitam 
e  a  força  do  tenpo 
lhe  rrequerer  que  ha 
tire 


se  estes  nauios  partymdo 
desta  costa  se  perderem 
com  tenpo  huus  dos  outros 
com  tenpo  que  huus  corram 
a  huu  porto  e  outros 
a  outro  A  maneira  pera 
se  ajuntarem 

E  nam  lhe  fazendo  do 

norte  os  ditos  synaes 

altgiin  dos  nauios 

nem  no  vemdo  pella 

vos  fares  com  todos  os  outros 


se  tornaram  ante  a  Ilha 
de  sam  nicolao  no  caso 
desta  necesidade  pela 
doença  da  Ilha  de  sam 
tiago 


A  saber  cada  uez  que  ouuerem  de  vyrar  fara 

o  capitam  moor  dous  foguos  e 

todos  lhe  Responderam  com  outros  dous 

cada  huum.  E  depois  de  lhe  asy  Res 

pomderem  todos  viraram  E  asy  lhe 

terá  dado  de  synal  que  a  huum 

fogo  sera  por  seguir  E  tres  por  tirar 

moneta  E  quatro  por  amaynar 

E  nèhuum  nam  virara  nem  amaynara 

nem  tirara  moneta  sem  que  primeiro 

o  capitam  moor  faca  os  ditos  fogos 

E  todos  tenham  Respomdydo  E  depois 

que  asy  forem  amaynados  nam  guyn 

dara  nèhuum  senam  depois  que  ho 

capitam  mor  fizer  h'es  fogos  e  todos 

Responderem  e  mynguando  aliguum  nom 

guyndaram  soomente  andaram  amay 

nados  ate  que  venha  o  dya  porque  nom 

poderam  tanto  Rollar  as  naaos 

que  no  dya  se  nam  vejam  E  por 

saparelhar  fara  qualquer  que  for  desaparelhado 

muytos  fogos  por  tal  que  os  outros  nauyos  vaão 

a  elle. 

o  vosso  caminho  direito  a  agoada  de  sam  bras 
Item  depois  que  em  bõoa  ora  daqui  partirem 
faram  seu  caminho  direito  a  ylha 
de  samtíago  e  se  ao  tenpo  que  hy  chegarem 
teuerem  agoa  em  abastança  pera  quatro 
meses  nam  deuem  pousar  na  dita 
ytha  nem  fazer  nêhuuma  demora 
soomente  em  quamio  lhe  o  tenpo  seruyr 


se  os  nauyos  partindo 
desta  cidade  ante  da 
trauasarem  aas 
canaryas  os  tomar 
tenpo  com  que  ajam 
de  tornar  faram 
todo  o  posyuel 
por  todos  tomar 
a  esta  cidade  E  se 

aliguum  a  nom  poder 
aver  trabalhara 
quamto  poder  de  tomar 
Setuuel  E  dhonde 
quer  que  se  achar 
fara  logo  aqui  sa 
omde  he  pera  lhe 
ser  mandado  o  que 
faça 


E  aiy  em  quanto  tomardes 
agoa  vos  poderá  ho 
dito  nauyo  encalçar 
E  nam  vos  encalcando 
partires  como  fordes 
prestes  e  leixar  lhe  es 
hy  taacs  synaes 
pera  que  sayba  quamdo 
aly  chegar  que  soes 
pasado  e  vos  siga 


XVII 


Introdução 


">AO^  i^^^-^ 


XVIll 


Introdução 


A  popa  fazerem  seu  caminha  pelo  sul 

E  se  ouuerem  de  guynar  seja  sobre 

ha  bamda  do  suducstc  E  tanto  que 

neles  deer  o  vento  escasso  deuem  hyr 

na  volta  do  mar  ale  meterem  o  cabo  de 

bõoa  esperança  em  leste  franco 

E  dy  em  diante  nauegarem  segundo 

lhe  seruir  o  tenpo  e  mais  ganharem 

porque  como  forem  na  dyta  parajcem 

nom  lhe  myngoara  tenpo  com  aíuda  de  noso  senhor 

com  que  cobrem  o  dito  cabo  E  per 

esta  maneira  lhe  parece  que  a  nauegaçam 

sera  mais  breue  e  os  nauyos  mais 

seguros  do  bussano  e  jsso  mesmo  os 

mantymentos  se  teem  mjlhor  e  a  jenie 

yraa  mais  sãa 


e  ouue  que  se  deue 
dar  marcas 
domde  se  façam 
os  caminhos  pêra  os 
nauios  que  se  asy 
perderem  e  que  jsto 
se  fara  com  muy 
booa  pratica  de 
todolos  pilotos  que 


E  se  for  caso  que  nosso  senhor  nam  queyra  que 
allguum  destes  nauyos  se  perca  do 
capitam  deuesse  de  ter  de  loo  de  loo 

quanto  poder  por  aver  o  cabo  e  hir  se 
a  agoada  de  sam  bras  E  se  for 
hy  primeiro  que  ho  capitam  deue  se 
damarar  muy  beem  e  esperallo 
porque  he  necessário  que  ho  capitam  moor 
vaa  hy  pera  tomar  sua  agoa  pera 
que  dy  cm  diante  nam  tenha  que 
fazer  com  ha  terra  mas  aRedar  se 
delta  ate  monçcnbique  por  saúde  da 
jente  e  nam  ter  nella  que  fazer 


E  se  for  caso  que  o  capitam  moor  venha 
primeiro  a  esta  agoada  que  ho  tal  nauyo 
ou  naujos  que  se  delle  perder 


M:     I    ■       I  .( 


Introdução 

ÉSTE  o  momenro  de  considerar  os  esforços  com  que  se  empenharam  alguns  histo- 
riadores para  exlraír  da  própria  derrota  de  Vasco  da  Gama  argumentos  concludentes 
da  intencionalidade  do  desvio  de  Cabral  para  oeste.  Essas  tentativas  foram  inspiradas 
na  louvável  intenção  de  corrigir  os  equívocos  patentes  dos  humanistas  e  apresentar 
uma  versão  do  descobrimento  de  Vera  Cru2  em  concordância  com  as  objecções  dos  técni- 
cos navais.  Compreendeu  se  que  a  tese  da  aterragem  ocasional  estava  gravemente  desacreditada.  Avulta 
cada  vez  maior  o  êrro  inadmissível  que  simullâneamente  aceita  como  facto  averiguado  a  problemática 
viagem  de  Pinzon  aos  litorais  do  Brasil  setentrional  e  persevera  em  considerar  que  só  por  acaso  a  grande 
armada  portuguesa  da  índia,  desviando-se  do  seu  rumo  e  navegando  para  oeste,  sem  haver  feito  aguada 
em  S.  Vicente,  descobrira  as  terras  da  América  austral,  já  procuradas  pelos  sucessores  e  émulos  do 
descobridor  de  Pária. 

Analisando  a  derrota  de  Vasco  da  Gama  e  a  notícia  dos  sinais  de  terra,  consignados  no  Roteiro, 
a  22  de  Agosto,  indo  a  esquadra  «na  volta  do  mar  ao  sul  e  a  quarta  de  susoeste»,  Zeferino  Cândido 
supunha  cortar  o  nó  górdio  do  problema,  escrevendo:  «fasco  da  Gama  ia  na  trilha  nova,  recommendada 
e  definida  petas  suas  instrucções.  que  todas  Itie  ordenavam  que  cahisse  para  loeste.  quando  a  sua  mira 
lhe  'jrj  leste.  Largando  de  S.  T/iiago  de  Cabo  Verde,  em  23o  e  30'  de  Longitude  O.  G..  no  rumo 

de  síi .  , ..  .  o  corte  da  tinha  ha  de  collocar-se  a  mais  de  25°,  talvez  por  30°  O.  G.  .  .  O  que  fazia  l/asco 
da  Gama  por  taes  alturas,  vindo  de  Lisboa  a  Cabo  Verde,  de  S.  Thiago  calúndo  para  oeste,  tomando  o 
rumo  de  sudoeste?  Isto  para  passar  ao  sul  da  Africa  em  viagem  para  o  Oriente?  Era  o  novo  methodo 
de  marinhar  pelo  Atlântico  pela  utilisaçâo  dos  ventos  que  no  hemispherio  do  Sul  sopram  para  leste  com 
diversas  inclinações,  segundo  a  latitude  e  ainda  segundo  a  época  do  anno.  Esse  conhecimento,  levado  a 
Lisboa  por  Bartholomeu  Dias.  dera  a  Vasco  da  Gama  as  instrucções  pelas  quaes  se  devia  guiar  para 
abrir  o  novo  caminho.  As  ilhas  de  Cabo  Verde  ficam  marcando  a  primeira  estação  depois  de  Lisboa. 
Dahi.  com  o  rumo  de  sudoeste,  tocado  pelos  ventos  favoráveis  do  norte,  corta  se  a  linha  na  mais  propicia 
ir  'O.  Agora.  eslJ  se  na  região  onde  os  ventos  do  norte  e  do  sul  se  chocam,  formando  correntes 
in<  ji..jres.  por  veies  tempestuosas.  Ahi.épreciso  bolinar,  procurando  os  alisados  do  sul  (aliás  os  ventos 
geraes  e  nào  os  alísios  do  hemispherio  sul),  e.  uma  vez  na  sua  região,  voltar-lhe  a  popa  e  dcixar-se  irá 
sua  mercê,  /ia-de  bater-se  na  costa  da  Africa,  em  ponto  mais  ao  norte  ou  mais  ao  sul,  segundo  o  ponto 
de  loeste  onde  se  fez  a  reversão.  Vasco  da  Gama.  ao  passar  a  linha,  na  região  dos  ventos  irregulares, 
foi  batido  pela  tempestade,  que  lhe  partiu  a  verga;  andou  muitos  dias  bolinando,  com  amuras  a  bom- 
bordo e  pairando  com  o  troquefe  e  o  papa  figo;  foi  quando  andou  procurando  o  ponto  de  reversão,  do 
qual,  largando  a  pôpa  aos  ventos,  fosse  dar  no  sul  da  Africa . .  .  Vasco  da  Gama  virou  de  um  ponto 
situado  muito  ao  norte.  Resultou  dahi  que,  em  vez  de  montar  o  cabo,  foi  dar  na  bahia  de  Santa  Helena, 
5*  proximamente  do  Cabo  ou  do  ponto  que  procurava.  É  o  que  podemos  chamar  o  erro  de  Vasco  da 
Gama.  contra  o  qual  elle  não  deixaria  de  prevenir  Cabral,  que  lhe  veio  na  esteira  e  debaixo  das  suas 
instrucções.  Se  não  fôra  esse  erro.  o  descobridor  do  Brasil  teria  sido  Vasco  da  Gama;  como  ainda  e 
muito  naturalmente  seria  cUe  o  descobridor  se  não  fôra  a  tempestade  que  o  perseguiu  e  destroçou.  Não 
fôra  esse  desassocego.  seu,  dos  capitães  e  da  maruja,  elle  teria  dado  a  verdadeira  importância  aos  signaes 
de  terra,  que  os  garções  lhe  mostraram  no  dia  22  de  Agosto  de  1497...  Fique  assentado  que  Vasco  da  Gama 
andou  ao  lado  da  terra  do  Brasil,  justamente  no  mais  difficil  momento  da  sua  viagem  atlântica,  quando 
procurava  o  seu  ponto  de  reversão,  quando  se  achava  no  encontro  dos  ventos  dos  dois  hemispherios...*  (18). 

(II) -Zeferino  Cindido,  Brasil,  a  pifi».  129  e  seguintes. 


PAINEL  DO  ARCEBISPO 

Rodaado  paio  mau  CabMo.  o  Arcablapo.  Sagundo  Idanllllcacftca  propaataa,  variamos,  i  diralta  do  Santo,  o  Infanta  O. 
Farnando.  Irmlo  dal-ral.  a  na  riflura  que  pouaa  am  aua  franla.  o  condaaiaual  O.  Padro,  lilho  do  llutlre  morto  da  Allarrobalra.  a  Cio 
prAprlo  pocla  «  «aplillo  llloaúlico. 


ArONSO  LOPES  VIEIRA. 


XX 


Introdução 


Esta  primeira  tentativa,  com  o  sentido  de  explicar  o  desvio  voluntário  para  oeste  da  armada 
de  Pedro  Álvares  Cabral,  não  atingiu  o  objectivo. 

Embora  aceitando  se  os  pontos  de  vista  do  historiador,  que  reconstituem  as  instruções  náuticas 
e  os  pormenores  da  grandiosa  manobra,  instituída  por  Bartolomeu  Dias  para  a  montagem  do  finisterra 
africano,  é  preciso  distinguir  entre  a  viagem  de  1497  e  a  de  1500  o  propósito  que,  nesta  última,  parece 
ter  havido,  de  reconhecer  a  terra  ocidental  e  verificar  a  sua  inclusão  na  zona  portuguesa  da  demarcação 
de  Tordesilhas  (18  A).  Não  podia  ter  sido  apenas  para  evitar  a  repetição  do  chamado  erro  náutico  de 
Vasco  da  Gama  que  a  segunda  armada  da  índia  aproou  tanto  para  ocidente.  Vasco  da  Gama  dirigia-se 


O  Itinerário  de  Vasco  da  Gama  (1497)  segundo  Ravenstein.  Journal  of  tfie  fírst  voyage  of  Uãsco  da  Qãmã  1417  —  9. 
Translaled  and  edited  wilti  Notes,  and  introduclion.  and  Appendices  by  E.  0.  Ravenstein.  tiakluyl  Society  (Londres  (I89S) 

à  índia  e  estava  excluído  dos  seus  desígnios  reconhecer  quaisquer  terras  cujos  vestígios  lhe  fossem 
assinalados  no  decurso  da  viagem.  Cabral  levava,  segundo  os  técnicos  navais  depreendem  da  derrota, 
instruções  para  reconhecer  as  terras  firmes  do  Ocidente,  para  onde  começavam  impacientemente  a  diri- 
gir-se,  após  o  achado  de  Pária,  os  navegadores  espanhóis. 

Quanto  a  haver  Vasco  da  Gama  navegado  nas  proximidades  da  costa  do  Brasil,  a  referência 
do  Roteiro  não  autorisa  essa  suposição.  Confundiu-se  na  análise  dessa  passagem  o  susoeste  (SSE)  com 
susudoeste  (SSW).  As  aves.  «feitas  como  garções»,  voavam  para  as  bandas  da  África  e  não  para  os 
litorais  da  América. 

Esta  constatação  inutiliza  a  tese  de  Zeferino  Cândido  que.  na  dissertação  histórica,  composta  a 
convite  do  Instituto  Histórico  e  Geográfico  Brasileiro,  por  ocasião  do  4.»  Centenário  do  descobrimento 
do  Brasil,  ainda  impressionava  o  auditório,  assim  exposta;  «O  Gama  passara  a  região  equinocial  batido 

(19  A)^  «fra  bene  naturale  infatti  c/te  il  Portogallo.  dopo  U  irjffitn  dl  ToráesiUas,  inuiasse  sue  navi  a  ricereart 

se  qualche  terra  oltreocc^nica  esistesse  per  lui  di  qua  detla  r.iy.i  (Imea  di  p  I:  e  fe  inuiasse,  piultosto  che  a  ponente 

dove  le  due  prime  navigazioni  di  Colombo  auevan  dimosirato  ffiacere  ogni  ■  ;  là  delia  raya ...»  Carlo  Errera,  L'Epoca 
delle  Grandi  Scoperte  Geografiche.  a  pág-  277.  Nota.  Miiào.  1902. 


XXI 


Introdução 

pelã  tormenta:  soffrera  grossa  avaria  na  sua  S.  GABRIEL,  e.  nesse  estado  duas  vezes  lamentoso,  perce- 
bera distinctamente  signaes  de  terra:  andava  ao  lado  da  terra  brasileira,  que  condições  inmsiveis  lhe  não 
permittiram  procurar.  .  .  \/iesse  em  monção  apropriada  e  favorável,  de  boa  viagem,  sem  incidente  e  sem 
damno. . .  e  Vasco  da  Gama  não  largaria  a  Cabral  a  terra  que  as  aves  lhe  iam  mostrando  no  seu  bater 
áã  tardinha.  A  prâa  da  S.  GABRIEL,  voltada  ao  rumo  dos  garções,  abicaria  em  terras  brasileiras  tres 
annos  antes  do  facto  histórico  qi         nos  commemorando.» 

]á  anieriormcnte  ao  li.  iv.ii..dor  português,  o  almirante  ).  ].  da  Fonseca  encarara  a  mesma 
hipó)ese(l9)  e  admitira  que  o  Gama  leria  podido  avistar  as  terras  americanas:  •Proseguindo  de  Cabo 
Verde  a  22  de  Agosto  de  1497,  vindo  já  na  bordada  do  sudoeste  com  brisa  franca  de  nordeste.  Vasco 
da  Gama  andou  pelos  30°  de  Latitude,  demorando  lhe  o  Cabo  africano  quasi  a  leste,  sendo  45  o  a  rela- 
tiva differença  de  Longitude,  sem  que  temporaes,  calmarias,  correntezas  o  arrastassem  para  as  partes  do 
ocidente,  cujas  terras,  mais  ou  menos  enfumaçadas  aos  8°  e  10'>  de  Latitude  S.,  houvera  enxergado,  no 
caso  de  possuir  um  bom  óculo  de  alcance.» 

A  estância  IV  do  Canto  V  dos  *Lusiadas»: 

De  Mauritânia  os  montes,  e  lugares, 
Terra  que  Antheo  n'hum  tempo  possuío, 
Deixando  á  mão  esquerda,  que  á  direita 
Não  ha  certeza  d'outra.  mas  suspeita, 
icontribuiu  para  emprestar  à  passagem  do  Roteiro  semelhante  interpretação?  É  provável.  Mas  Camões 
nao  atribui  à  viagem  de  Vasco  da  Gama  a  origem  das  suspeitas  sôbre  a  existência  do  continente  oci- 
dental antáriico.  Eram  elas  anteriores  â  »'iagem  e  iá  lhes  encontramos  os  indícios  nas  negociações  do 
Tratado  de  Tordesilhas,  que  remonlam  a  1493,  como  testemunha  a  carta  dirigida  pelos  Reis  Católicos  a 
Colombo,  datada  de  5  de  Setembro  desse  ano.  na  qual  se  alude  à  persuasão  dos  delegados  de  Portugal 
da  existência  de  ilhas  e  terra  firme,  a  ocidente  da  Mina,  da  Guiné  e  do  Cabo  da  Boa  Esperança  (20) 
Entretanto,  a  errónea  mierpretaçâo  do  Roteiro  divulgou-se  e  adquiriu  fóros  de  indiscutível  (21) 
Que  Vasco  da  Gama  se  tivesse  aproximado  da  costa  do  Brasil  não  6  impossível,  conquanto  não  prová- 
vel. O  que  nâo  pôde  é  mfenr-se  que.  a  22  de  Agosto,  os  tripulantes  vissem  voar  as  aves  aquáticas  para 
a  terra  americana,  pois  que  elas  se  dirigiam  para  o  lado  oposto  da  América.  O  estado  actuai  da  critica 
histórica,  aplicada  a  essa  passagem  do  Roteiro,  está  assim  resumido  pelo  Dr.  Luciano  Pereira  da  Silva- 
.0  susueste  é  SSC  e  não  SSW.  susudoeste.  As  aves  dirigiam-se,  pois.  para  as  bandas  da  Africa  e  não 
do  contmente  amencano  Para  onde?  Para  uma  ilha:  a  ilha  de  Tristão  da  Cunha,  segundo  Ravenstein 

iJn^JZZí  /      T^'J^'/"<i^J^'"  <io.s  dias  a  pairar  e  estarem  a  22  de  Agosto  a  800  legoas.  Ravens- 
tem  (22)  entende  que  esta  data  deve  ser  22  de  Outubro.* 

Oliveira  Martins  arquitectou  outra  versão  da  in- 
tencionalidade, segundo  a  qual  à  curiosidade  do  comandante 
da  esquadra  de  1500  se  deverá  atribuir  o  descobrimento 
O  historiador  mostra-nos  Cabral  dirigindo  a  armada  rumo 
ao  ocidente  por  seu  alvedrio,  sem  tomar  aguada  em  Cabo 
Verde,  saindo  da  derrota,  demorando  a  viagem  e  correndo 
os  riscos  fatais  da  sêde  à  procura  de  uma  terra  desconhe- 
cida, mas  suspeitada,  qual  um  novo  Colombo:  -por  debaixo 
das  bravas  ondas,  por  saber  os  segredos  da  terra  e  os 
mysterios  e  enganos  do  Oceano,  os  Portugueses,  com  a  sua 
curiosidade  heróica,  tomaram  em  suas  mãos  o  futuro  da 
Europa  e  do  mundo.  No  anno  seguinte  ao  da  descoberta 
da  India.  Pedro  Alvares  Cabral,  que  para  lá  fôra  mandado 
com  uma  imponente  esquadra,  não  resiste  â  tentação  da 
curiosidade.  Descendo  no  Atlântico,  em  direcção  a  Leste 


!iI!l"L  '       ^o^^.  Descobrimento  do  Brjsil.  Rio  dc  Janeiro.  ia95 

ao  -  Navarrete.  Coilrcaon  de  los  vi^,es  que  h.acron  por  m.,r  tos  Espaíiotes  Vol  II  díq  io9 


Introdução 


nn  ^""""^^^  inaceitável.  Os  descobrimentos  portugueses  não  foram  uma  aventura  e  iàmais. 

no  vasto  c.clo  das  navegações,  se  viu  um  comandante  desobedecer  às  instruções  que  re  etr^  e  Ze^ 

de  P.To  K  '  ^^^^"^^  'anotas.  Demasiado  árdua  se  apresentava  a  missão 

esqu^d  a  d    comérdo"  '  d''''"'""  ^''^^  comandandVa  m  s  mpo  ente 

esquadra  de  comércio  e  de  guerra  que  la  sulcara  o  Atlântico,  para  que  ainda  a  dificultásse  dilatando  a 

.mensa  v.agem  a  busca  de  uma  terra  nova.  Se  a  procurou,  é  porque  lho  tinham  ordenado 


TESE  da  intencionalidade,  hoje  avassaladora,  assenta  em  argumentos  bastante  menos 
precários.  O  orador  oficial.  Dr.  Alfredo  Nascimento,  na  sessão  solene  de  22  de  Abril 

iS  * ^^""^^"o"'      ''""■'^  ^^"'^"^"0  do  descobrimento,  promovida  pelo  Insti- 
tuto H,stónco  do  Rio  de  Janeiro,  reconhecia  que  .tudo  leva  a  riscar  da  Historia  a 
nicas  f...nd.  c  arrebatamento  involuntário  da  esquadra  pelas  desconhecidas  correntes  ocea- 

conscilní^^^^^^  '''í  '  ^""rf^/n^n/o  que  Cabral  não  estava  desviado  do  rumo  que  seguia 

C.br.l  oh?,  w!?"'"*^     ^'  ^"''^  «""='"5065  de  que  ^não  foi  a  derrota  de 

?en  eL  nL^^^^  se.rfo  .//á^  de  ptanejado  reconhecimento,  e  de  que  .nem  calmarias,  nem  cor 

rentezas.  nem  venta  mas  podenam  causar  um  tal  desvio  ou  desorientação  nunca  vista>(23) 

Realmente,  a  manobra  de  reversão  não  obrigava  os  pilotos  experientes  de  Cabral  a  amarar 
nn  .  T  'rn  H        "  ""'"^  '  '^^"^'^^  "'"'^^  ^^"°»^       ^-^^  africano (24).  Tendo  em 

TLl  ^"f '^.'^^^^^  ""T"  '      ''"^''"^  ""^  C^""'"»-^  "^-^  o  descobrimento 

de  terra,  o  desvio  da  armada  para  oeste  apresenta  o  convincente  aspecto  de  um  acto  intencional 

A  defesa  técnica  desta  intencionalidade  conclui  que.  fazendo-se  os  gerais  de  SE,  na  estacão 

considerada,  muito  para  E  depois  de  ultrapassada  a  linha  para  o  sul.  e  justificando-se  o  desvio  pa^ 

rn'i;roZtrH/'',''"*'^T  '^"^  ^         aproveitado  aquela  circunstância  favorável 

do  alargamento  do  vento,  para  barlaventear  na  direcção  do  Cabo  da  Doa  Esperançado  que  não  fez  por 
quanto  arribou  para  o  ocidente,  em  direcção  oposta  àquela  que  deveria  seguir,  se  pretendesse  simples- 
mente  montar  o  Cabo  africano. 

A  admissão  desta  tese  implica  o  conhecimento  anterior -e  aliás  pouco  surpreendente  das 
terras  ocidentais.  Cabral  teria.  pois.  largado  do  Tejo  com  uma  dupia  e  grandiosa  missão-  reconhecer  os 
territórios  reivindicados  e  obtidos  em  Tordesilhas.  (24  A)  e  inaugurar  em  vasta  escala  as  relações  oolíticas  ' 
e  comerciais  com  a  Índia.  Numa  só  viagem  (que  já  não  seria,  como  as  anteriores,  de  exploração  mas 
de  comercio,  conquista  e  diplomacia)  o  pequeno  Poriugal  ligava  os  povos  do  continente  europeu  com  a 
•quarta  parte'  do  mundo,  que  o  rei  ^mandou  descobrir  além  do  oceano  por  a  elles  ser  incoqnvta>  (25)  '""^ 
e  estabelecia  as  carreiras  marítimas  com  os  países  das  especiarias,  ao  tempo  em  que  Colombo  continuava 
a  milhares  de  milhas  da  Asia,  procurando  no  gôlfo  do  iWéxico  a  passagem  para  Cathav  e  Cypanao  oor 
entre  as  *insulis  índia  supra  Oangem>  (26).  t»-    a  .  k 

Esta  é  a  única  solução  que  harmoniza  o  parecer  unanime  dos  técnicos  navais  com  a  realidade 


III';  M 


'■  1  »KA&  AU  » 


— Descobrimento  do  Brasil,  Rfo,  1895. 

(21)  -  No  Cap.  V  do  Quarto  Livro  do  tsmeraldo  de  Situ  orbis.  a  grande  obra  de  cosmoorafía  ou*  Duan,.  P^rh»™ 
Pereira  dc.KOu  inaniiscnla.  e  de  que  há  duas  edições  recentes,  feitas  seguAdo  os  apõgralos  Ls  oTtSecl  PúbliS  do 
c  Lisboa  (a  I.»  de  1892  prcfaoada  e  comentada  pelo  conservador  do  Arquivo  da  Torre  rio  Tombo  Sael  EdSo  d/Lf^^^ 
Dasio:  a  2.»  de  1905.  editada  pela  Soc.edade  de  Geografia  de  Lisboa,  com  anotações  cn.ic^s  de  AuS^Mo  EDitrnio  di^l^ 
Dias)  encontra-se  com  o  titulo  de  Do  qu.nlo  Iwro  do  esmeralda  dc  s,tu  orbis  como  se  deve  faíero  camwho  do  c.ba  u^7m 
parB  3  /nd,j  pelo  golfom.  a  descnç^o  da  riavegaçâo  -dc  longo,  no  Atlântico  para  contornar  o  cabo      Bm  EÍpei^^^ 

(24  A)  — C(.  Errera.  1'Epocj  deite  Grandi  Scoperte,  a  pág.  ZTi. 

C2b)  — Esmeraldo  de  Situ  Orbis.  Primeiro  Livro.  III  cap. 
.    ■   í^^í  '  ^^^^      Cristóvão  Colombo,  dirigida  a  Gabriel  Sanchez,  tesoureiro  do  rei  D.  Fernando  de  Castela  jiA  Hi<n„,^ 


XXIII 


Introdução 

,      ,  nos  aconlecimcntos  e  até  nos  documentos  históricos (27).  Desde  a  passagem  do 

^sivelment   "'^%^^**J^;^^^^^^^         pereira.  restituída  à  exada  interpretação,  na  ediçào  critica 

deTugusio  f  p.fan.o  da  Silua  Dias.  publicada  em  1905  pela  Sociedade  de  Geografia  de  Lisboa  até  à 
«rirde  Pascualigo  c  ao  planisfério  de  Cantino  (1502).  os  mdicios  do  conhecimento  da  América  Seten- 
Sonal  Centrai  e  Austral  multiplicam  se  e  impôem-sc  à  atenção  dos  historiadores,  esperando  ainda  a 
Sacão  numa  ampla  e  reícita  narrativa  das  explorações  do  Atlântico  ocidental,  que.  tendo  por  sóhdos 
Donios  de  apoio  os  copiosos  vesligios  históricos  da  verdade,  desvende,  de  acôrdo  com  a  verosimilhança, 
os  transparentes  mistérios,  aglomerados  nesta  página  capital  da  história  do  mundo. 


PROBLEMA  histórico -geográfico  do  descobrimento  do  Brasil  aparece  singularmente  sim- 
plificado se  transferirmos  para  as  negociações  decorrentes  do  descobrimento  das  Anti- 
lhas por  Colombo,  concluídas  no  Tratado  de  Tordesilhas,  o  ponto  de  partida  de  tòda  a 
exegése  crítica  retrospectiva  e  subsequente. 

Se  nâo  ficou  documentada  a  intencionalidade  da  arribada  de  Cabral  a  Vera  Cruz, 
isso  dcve-se.  presumivelmente,  tanto  à  perda  da  carta  de  Pedro  Alvares  ao  soberano,  como  à  politica  de 
mistério  que  sistemàticamente  se  aplicou  às  navegações  portuguesas  no  sentido  do  poente.  Entretanto,  a 
aceitação  da  tese  generalizada  da  aterragem  ocasional  encontra-se  detida  perante  obiecções  tam  sóhdamente 
concatenadas,  que  a  enfermam  de  uma  evidente  inverosimilhança  (28).  O  conhecimento,  anterior  a  1500,  da 
existência  das  terras  ocidentais,  a  que  aportou  a  frota  de  Cabral,  não  só  se  deduz  das  explorações  espa- 
nholas ao  sul  de  Pária,  mas  ressalta  do  simples  confronto  das  derrotas  das  armadas  de  1497  e  de  1500. 
Aliás,  iá  Alonso  Hoieda  partiu  em  1499  de  Espanha  com  a  recomendação  expressa  de  não  tocar  nos 

lerritórios  de  Portugal.  ... 

Para  se  ter  noção  mais  exacta  da  enónea  interpretação,  dada  até  hoie  pelos  historiadores  à 
presença  voluntária  da  segunda  expedição  à  índia  nas  aguas  brasileiras,  é  preciso  cotejar  os  aconteci- 
mentos anteriores  com  a  versão  da  casualidade,  originada  entre  os  eruditos  pela  leitura  dos  cronistas,  aos 
quais,  manifestamente,  ficaram  ocultos  os  arquivos  secretos  onde  se  guardavam  os  documentos  iniciais 
das  navegações  para  o  Ocidente,  conjecturalmente  com  o  duplo  fim  de  não  distrair  os  esforços  empenha- 
dos no  empreendimento  nacional  asiático  e  para  não  atrair  a  concupiscência  das  outras  nações,  acesa  pe- 
los êxitos  marítimos  da  corôa  de  Portugal.  Tudo  faz  crêr  que  os  cronistas  não  leram  os  relatórios  dos 
capitães  e  pilotos,  relativos  à  América  do  Sul,  compreendidos  no  período  do  reconhecimento  e  explora- 


(27)  —  O  caplllo  de  mar  c  guerra,  conselheiro  Erncsio  dc  Vasconcelos,  secretário  perpétuo  da  Sociedade  de  Oeo- 
grafta  âc  Lisboa,  auim  expõe  o  contunio  de  drcunslÂiicias  em  que  sc  apresenta  i  apreciação  técnioi  o  problema  do  des- 
cobrimento : 

•  Coni^ii        ^Tguns  )1  tcnIv^'Ti  :^^:T  vin  que  o  ('''^cr^brímento  do  Brasil  nSo  fõra  um  tacto  casual,  é  certo  que  muitos 
•Inda  cr^m  qn  devido  a  un  l-  que  s.  <  os  navios  dc  Cabral  para  cesto.  N3o  6,  portanto,  de  estranhar 

quf  1'  '  iMiiia  cm  imii.^"  .i  «^iLf  foi  um  ;  .n^    .í/o  aquele  descobrimento.  De  todos  os  nossos  roteirlstas.  um 

do  -r  c  experiência  c  Du.irte  Pacheco,  o  celebre  autor  do  Esmeraldo  de  Situ  Orbis,  uma  das  mais 

ptv<.ii.'  '     '<o.  cm  que  o  autor  se  revela  um  occanógrato  de  subido  valor  da  sua  época.  Prova-o  o 

frinct/  lido  o  cipilulo  2  o.  ao  tratar  da  díscuísJo  dj  grandeij  da  pjrle  sólida  e  da  liquida  do  globo. 

■ido  dc  ternis  a  teste  e  a  oeste.  e.  nessa  sua  ideia  al  se  encontra  a  passagem  que  a 
i(iic,  cm  I49S,  já  se  sabia  da  existência  de  terras  a  sudoeste  do  Oceano: 

«...  ff  Miem  do  que  dito  hf,  ha  experiência  que  tie  madre  das  cousas,  nos  desengana  e  de  toda  duvida  nos  tira; 
t  por  tanto  bemaventurado  Príncipe,  temos  sabido  e  visto  como  no  terceiro  anno  de  vosso  reinado  do  hanno  de  nosso  senhor 
de  tnil  quatrocentos  e  noventa  e  oito.  donde  nos  vossa  alteza  mandou  descobrir  ha  parte  Occidental,  passando  alem  a  gran- 

hachada  e  navegada  húa  tam  grande  terra  firme,  com  muitas  e  grandes  ilhas  .i/acenfcs  a  cila, 
-  de  /.trf(*7.t  rf,t  hnlia  equinocial  contra  o  pollo  arlico  e  posto  que  sr/j  assaz  tóra.  he  grande- 
'  .I  I.  t'  ut»  /  torna  outra  vei  e  vay  alem  de  vnile  e  oito  graaos  e  nieo  de  ladeia  contra  o 

fi.'  c  tanto  i:  corre  com  muita  longura  que  de  uma  parte  nem  da  outra  nem  foi  visto  nem 

sabido  ho  lim  c  cabo  i.  '  qual  secundo  ha  bordem  que  leua  he  certo  que  vay  em  cercoyto  por  toda  a  Redondeza...* 

E  mais  ab.i    i       aindA ; 

«...  i-  hindo  por  esta  costa  sobiedita  do  mesmo  circulo  equinocial  em  diante  per  vinte  e  oito  graus  de  ladesa 
contra  o  potio  antartico  he  hachado  nella  munio  e  tino  brazil ...  * 

1^0  capitulo  seguinte,  tratando  das  partes  do  mundo  conhecido,  corrobora : 

*  ■  .^lífro  "'''^uos  cosmographos  que  a  mesma  terra  por  muitos  annos  andarom  e  doutras  pessoas  que  isso 
mesmo  por  w  icam  ha  souberam  em  trcs  parles  notáveis  ha  díuidiram ;  £  NA  QUARTA  PARTE  QUE  VOSSA 

ALTEZA  Al/lA^  L  i    i ^í^  .  íilR  ALEM  DO  OCEANO  por  a  elles  ser  incógnita  cousa  alguma  nom  /alarom...* 

(28)  «Ha  innos.  o  Instituto  Histórico  poz  em  discusslo  a  lese:  se  o  descobrimento  de  nossa  pátria  fôra  ou  nSo 
devido  a  mero  acaso.  Um  sócio  concluiu  pela  negativa  c  cobrou  foros  dc  exlravaganle  e  chovcram-lhc  em  cima  as  rclulaç6es. 
Hote  a  ideia  dc  loaquim  Norberto  avassala  triumphantcmentc  *  maioria.*  O  descobrimento  do  Brasil  pelos  Portugueses,  por 
Capistrano  dc  Abreu.  Rio.  1900. 


XXIV 


1 


MAPA    DE  LAFITAU 


^rptenlriftn 


mrxc^f^^^^v^-â  ^^^^ 

-  f'     f\^tir  sen  u  a  l  rh/fmfr 
dcs  DeCOUVKKTLN  ei 
COKQITE.STK.S 

NouvnAu  Mon  DF 


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3 

1 


ítéirsttdt 


Os  ileneririo»  de  Vasco  da  Gama  (1497)  c  de  Pedro  Alvares  Cabral  <I5O0)  entre  o  arquipélago  de  Cabo  Verrie  e  o  Cabo 
da  Boa  Esperança,  segundo  o  Mapa  de  Lalitau  nas  'Decouvtrtes  et  Conquestn  des  Portugiis  dtm  le  Nouvf*u  Mondei. 


I 


MAPA    DE  LAFITAU 


Os  ílenerários  de  Vasco  da  Gama  <t497)  e  de  Pedro  Alvares  Cabral  (1500)  entre  o  arquipélago  de  Cabo  Verde  e  o  Cabo 
da  Boa  Esperança,  segundo  o  Mapa  de  Lafilau  nas  •Decouivrtes  et  Conquestes  des  Portugsis  dsns  It  NouvtJu  Monde*. 


Introdução 


çào  do  litoral,  (29)  emquanto  se  procurou  em  sigilo  a  nova  passagem  para  a  Asia  c  a  realização  do 
périplo  americano,  que  Femáo  de  Magalhães  haveria  de  executar  em  condições  de  uma  trágica  e  épica 
grandeza,  que  bastariam  para  testemunhar  a  férrea  lémpera  dos  heróis  da  epopeia  marítima  lusitana. 

Essas  viagens  misteriosas  quási  só  as  conhecemos  pelas  narrativas  de  Vespúcio  (30),  compro- 
vadas no  planisfério  de  Canério,  e  o  nome  do  florentino  não  figura  em  nenhum  dos  documentos  conser- 
vados na  Torre  do  Tombo,  que  perpetuam  a  memória  de  tantos  pilotos  estrangeiros.  Os  historiadores 
nunca  diligenciaram  investigar  e  relacionar  as  íntimas  ligações  dêsse  facto  tam  significativo  com  o  misté- 
rio que  já  anteriormente  cercava  as  expedições  transatlânticas  para  o  poente,  nos  dois  hemisférios,  de 
onde  resulta  a  séria  presunção  da  insuficiência  dos  cronistas  como  fontes  informativas  dèsse  período. 
Capistrano  de  Abreu,  o  historiador  brasileiro  que  é,  actualmente,  a  máxima  erudição  nos  assuntos  que  se 
referem  ao  primeiro  século  da  existência  histórica  do  Brasil,  iá  salientou  nos  comentários,  apostos  à  2.» 
edição  da  MistorUi  de  frei  Vicente  do  Salvador,  a  ignorância  dos  primeiros  historiadores  àcêrca  de  quanta 
se  referia  às  viagens  iniciais  (31).  A  navegação  para  o  Brasil  só  deixa  de  ser  um  mistério  quando  se  travam 
os  primeiros  combates  com  os  concorrentes,  atraídos  ao  anúncio  de  Vespúcio,  e  quando  se  enceta  a  ex- 
ploração mercantil  e  depois  a  colonização  agrária  do  gigantesco  domínio.  Pôde  afoitamente  afirmar  sc  que 
nenhum  dos  cronistas  do  século  XVI  conheceu,  sequer,  a  carta  de  Caminha  (32)  e  quando  se  vê  um  Gas- 
par Corrêa,  nas  Lendas  da  índia  (33),  indicar  a  data  de  25  de  Março,  dia  de  Nossa  Senhora,  como  a  da 
partida  da  esquadra  de  Cabral  do  Tejo,  fica-se  surpreso  e  perplexo,  ao  verificar  a  submissão  de  tantos 
historiadores  nossos  contemporâneos  a  êsses  prolo-cronistas  do  Brasil,  precàriamenie  informados  sôbre 
quanto  se  refere  às  novas  terras  da  coròa.  e  excedidos  nos  míopes  conhecimentos  pela  espionagem  dos 
delegados  de  Veneza  e  da  casa  ducal  de  Ferrara,  que  já  em  1502  surpreendiam  e  revelavam  a  concepção 
portuguesa  do  continente  americano  (34). 


ui-  j^'*  ^^"^  mesmo,  ao  que  i  fácil  deduzir,  contieceram  a  chamada  narração  do  •pildio  anónimo»  da  frota  de  Ca- 
brar,  publicada  cm  1507  por  Montalbodo  nos  Pae}.t  nuov-iniente  rtirovàli.  E"  csi.i  a  mesma  narraliva  Que  serviu  à  tradução  la- 
tina de  Grinco.  publicada  no  Novus  Orbis.  (1532)  e  à  colecção  de  Ramúslo.  de  onde  foi  lradii/id.i  para  a  CoUnçSo  de  Notícias 
para  a  Hísiana  e  Gcographia  das  Nações  Ultramarinas,  publicada  pela  Academia  Real  de  Scii^n  '  Lisboa  c  que  P.irbo»a 
Machado,  na  sua  liibliollifca  Lusitana,  airtbui  ao  próprio  Cabral.  Sob  o  titulo  llinerarum  Pa  .*  tor  .^  comp)la(ào  dc 

Montalbodo  traduzida  em  latim,  cm  1509.  O  que  hâ  ale  agora  apurado  sôbre  a  publicação  cm  iDiia  do  to  ■pilôlo  anó- 

nimo», em  1507,  permite  conioclur.ir-se  que  o  serviço  de  espionagem,  mantido  em  Lisboa  pelas  rcpúblii  mas.  era  admi- 

ravelmente organizado,  pois  ás  diligiincias  do  embaixador  dc  Veneza  lunto  à  côrie  portuguesa.  Giovanni  Mjlteo  Crético  (ou 
Lourenço  Crético.  como  llic  chama  Humboldl,  fundado  em  Tirabosclii).  passou  á  Itaiia  a  narração  do  piloto  de  Cabral.  Vide 
Bibltotheca  Brasi/iensc.  de  ].  C.  Rodrigues,  a  pág,  432  c  seguintes,  na  notícia  bibliográfica  da  colecçlo  de  Montalbodo.  c  na 
qual  SC  compendiam  as  copiosas  informações,  coligidas  na  Raccolta  Colombiana. 

(30)  Desde  1835  a  1837.  o  Visconde  de  Santarém  esforçou-sc  por  provar,  em  uma  sírie  dc  rnmnniríçfle»  k  Socie- 
dade dc  Geografia  dc  Paris,  derivantes  de  uma  consulta  que  lhe  dirigira  Navarrete,  a  falsidade  das  .  de  Vcipúdo, 
pretendendo  deduzir  essa  falsidade  do  sUíncio  que  sôbre  o  navegador  llorenlino  manlinhain  o»  cronistas  i  locumentos  con- 
servados na  Tôrre  do  Tombo. 

(31)  Frei  Vicente  do  Salvador,  historia  do  Brasil.  íSOO-1627,  nova  cdIçSo  por  Capistrano  de  Abreu.  S.  Paulo, 
Welsiflog  trmSos,  1918.  A  pág.  6,  o  erudito  comentador  assinala:  *Sâo-lhe  desconhecidos  (a  trel  Vicente)  os  documentos  origi- 
nae$  do  periodo.» 

(32)  Publicada  pela  primeira  vez  por  Manoel  Aires  de  Casal,  na  sua  Chorographia  Brasílica  ou  relaçio  fiistorico-geo- 
graphica  do  reino  do  Brasil  composta  e  dedicada  a  sua  magestade  fidelíssima  por  um  presbítero  secular  do  gram  priorado  do 
Crãto.  2  tomos.  Rio  de  )aneíro.  Impressão  Regia,  1817. 

(33)  Gaspar  Corrêa  tinha  cinco  anos  quando  Cabral  comandou  a  expedição  do  descobrimento  oficial  do  Brasil. 
Ainda  de  menor  Idade,  embarcou  para  a  índia,  onde  viveu,  Éle  mesmo  o  cerlillca  {Lendas,  I  cap.  pig.  2)  quando  escreve.  *E 
por  haver  deiaseis  anos  que  a  índia  era  descoberta  quando  cu  a  ella  vim  em  moço  de  pouca  idade,  sem  entendimento  de 
tomar  este  cuidado...'  As  Lendas  da  índia  foram  escritas  entre  IS29  a  1561. 

(34)  As  cartas  de  Alberto  Cantino  ao  duque  de  Ferrara.  Hercules  d'E3te.  (17  de  Outubro  dc  ISOl  e  19  de  Novembro 
de  1502)  e  do  embaixador  Pietro  Pascualigo  ao  Senado  dc  Veneza  (18  dc  Outubro  dc  1501)  e  a  seus  irmãos  (19  de  Outubro 
do  mesmo  ano)  esláo  traduzidas  c  publicadas  nas  Memorias  da  Commissão  Portuguesa  do  Centenario  do  descobrimento  da 
America.  Lisboa,  Tipografia  da  Academia  Real  de  Sciências,  1892. 


PAINÉIS  DOS  FRADES  E  DA  RELÍQUIA 

No  painel  doa  Fradei,  vtmo*  o*  cKrlsos  i*rradoi  da  Ordam  d*  CUKr,  antre  o*  quai*  o  valho  a  belo  monflc  tarA  o  Dom 
■  bad«  da  Alcobaça,  a  o  frade  da  barba*,  atgum  que  acompanhou  O.  Atonto  V  nai  aua*  rcpcHdai  expedlcOvi.  No  patnel  da  Relíquia, 
aailin  chamado  por  nele  aer  exibida,  pelo  clérigo  ajoelhado,  a  relíquia  do  marilr  8.  VicenK.  encontra-**,  com  um  livro  aberto,  que 
poderi  aar  uma  SIblla  ou  um  tratado  aatroldflico,  uma  liflura  d*  |ud*u,  cu|a  preaenca  nlo  4  ali  claramcnta  «aplicável. 

AFONSO  LOPES  VIEIRA. 


XXV 


Introdução 

Éste  êrro  de  visão  em  que  permanecem  muitos  historiadores  é  tanto  ^aiy"^^^.*!'"';^^^ 
terras,  cuia  posse  Portugal  acautelara  nas  estipulações  de  Tordesilhas  (35). 


.   j-^-  «.P  ^^  I   nislrano  ác  Abreu,  o  nobre  Alonso  de  Ho- 

(35)   Scflundo  Varnhagen.  ■>  '^s  contnrlMO  por  ^-^  , 27  de  Junho  de  1499  as  bôcas  do 

leda  (acomp-inhido  do  pllôto                                              lquali»c..lc.  wsuiWo  o  mesmo  hisloriador.  Vicente  Vafte^  Pin- 

A««ú  ou  do  Apodv.  no  acjual  Esiido  do  Rio  Or.inde  do  None    gj-^»^     ■  s   ,          ^^^^^^              .^^^^  ^  p    ,^  Mo- 

zon  (o  comandante  da  N>fi.n  na      c«ped,(io  d.;    í„.on  ou  "°  ^^^o  de  Sl.o  Agosimho.  ^.coundo  Caplslnino.  en- 

curlpc.  no  Co-iri,  (baptizada  de  Cabo  de  St,»  ^.  "."nt.  d-  l.  ren>fo,irí.  no  M.iranh.ío ?),  dal.  segumdo  com 

piorando  a  'é  ao  cabo.  a  n  i.  onde  for.im  os  espanhóis  atacados 

rumo  de  N.  descobrindo  a  i  i  i  n    ineses),  que  haveria  aportado  enlre  Ros- 

pelos  índ/05  par.K-ii»e«;  c.  t.  S com  0%  índios  '"J»0-  tsies  itinerários  de  Hoieda.  de  Plnzon  e 

10  Henno»  e  o  Amazona^  "  *>*  ,      ir.4  nc...i.  ..'^  A  viagem  de  Pinzon.  das  ires  a  mais  impor- 

de  Lepc  sSo  ainda  hipólcs.  *  ,ndo-se  exclusivamente  da  edlç.lo  de  1516  das  Déc.id.is  de 

'Í:L  Ma;Sr^"Í«  âS  drp.^  D..,o  L.1ou..o  a  ..o....ca,io  do  M.r  Dulce  (possivelmente  o  Orenoco)  com  o  rio 

Maranhão  ou  Arn«ona.  ^  ^^^^^^^  descobrimento  do  Amazona,  por  l^^n  Cousin  Cai.ano  da  Silva  em  fOy.poc  et  rAnr.zone 
§§  iMi  a  1536)  del.nit.vamcntc  o  afulou  da  hislóna.  atirando-o  para  o  dommio  da  lenda. 


OS  PAINÉIS  DE  S.  VICENTE 

0«lr.  t«Io.  o.  primitivo.  portuíu««.  «|o  núcl.o  lérn,.  |«  ho|«  um.  .dmlrâv.l  «.col.  n.clon.l  d.  PIn.ur..  Nuno 
Oon,.lv«  *  •  m..or  m...r..  p.U  ,u.lld.d.  .  p.l.  .Iflnltlc.çlo  d.  .u.  Cbr.  qu.  .té  rô.  ch.B.r.  ..r.v*.  do.  ...,««.  do.t.rr- 

moio.  •  d.  Incúrl.  do.  homcn..  ...  ■   

E.tudado.  p.lo  Or.   loU  d«  ri«u«lr.do.  ln..Br»do.  (ro.l.ur.do.  ■•Ri  r.ioqut.)  p.lo  prol.  Lucl.no  Pr«lro  om 
«u.rd.do.  no  MU..U  d.  Ari.  Antlg.  d.  Ll.bo..  Ml*.  p.tn.U  m.r.c.r.m  .o  llu.tr.  cri.lco  «p.nttol  Dr.  D.ru.t.  v  Mor...  .eiu.l  dlr- 
'lor  do  do  Pr*do.  «i..  p.l-vr...  cu|o  «Ic.nc.  «  v.rd.d.lr.m.nl.  fn.gnltlco  p.r.  PorluB.I .  -Nuno  Oonf.lv..  nlo  ..  p.r.c. 

com  ninauén..  N.  ir-n.c.ndlnd.  d  br.  lulgo  «r  um.  orla«m.  um.  prim.lr.  Inl.rpr.l.clo  dum  modo  pictórico,  d.  «r.ci.rl.- 

tlC*.  «<••  «lo  d.pol.  ..  «u.  I.i.m.  nlo  .p.n..  .  .ri.  portugu....  o  q...  ..ri.  p.H.llim.nl.  «pllcâv.i.  m..  .  .rl«  p.nin.ul.r.  .  «ri. 
..pinhol..  O  prlm.lro  moUvo  do  v.lor  dl.l..  p.ln.l.  con.l.ic  «m  SU.  -rqulv.r.m  um.  g.l.rU  d.  r.lr.lo.  do  no..o  .«culo 
XV  R.tr.io.  .m  i.m.nho  n.tur.l.  Itflur.ndo  o.  hom.n.  m.l.  r.pr«.nl.tlvo.  d.  4po».  colhido,  n.  Il.flrinct.  d.,  .u..  vld..  prô- 
pri.»  •  do.  MU.  movimento.  Inl.rioro..  com  «l.i  p.n.tràmo.  n.  Intlmld.d.  d.  vld.  marlllm..  su.rTClr.  .  popular  d.  grande  «poca 
úh  hlaiArla  n.clon.l. 

AFONSO  LOpes  VieiRA 


XXVI 


Introdução 


Quadro  dos  depofmenlos  históricos  denunciadores  do  conhecimento,  anterior  a  1500, 

das  terras  da  América  Austral 


Carta  dos  Reis  Catholicos  a  Colombo,  de  Setembro  de  1493.  (Navar- 
rete  Cofleccion  de  los  viajes  y  descubrimientos  que  hicieron  por  mar  los  Es- 
paiioles,  tom.  2,  pág.  109.) 

•V  porque  despues  de  ta  venida  de  los  Portugueses  (os  embaÍKado- 
res  de  D.  João  II,  que  haviam  chegado  à  córte  espanhola  a  15  de  Agosto 
do  mesmo  ano)  en  la  ptática  que  con  eitos  se  tia  tiabido,  algunos  quieren 
decir  que  lo  que  está  en  médio  desde  la  punta  que  los  portugueses  llaman 
de  Buena  Esperanza.  que  está  en  la  rota  que  ellos  lleuan  por  la  Mina  dei 
Oro  e  Guinea  abajo  tiasta  la  raya  que  i/os  dijistes  que  debia  venir  en  la  Bula 
dei  Papa,  piensan  que  podrá  fiaber  Islas  y  aun  Tierra  firme,  que  segun  en 
la  parte  dei  sol  que  está,  se  cree  que  seran  mu{f  prouechosas  y  mas  ricas 
que  todas  las  otras...* 


Tratado  de  Tordesilhas,  de  7  de  Junho  de  1494. 

(Alguns  documentos  da  Tõrre  do  Tombo,  a  pág.  74-75.) 

A  pendência  originada  pela  I."  expedição  de  Colombo  e  pelos  breves 
do  Papa  Alexandre  IV,  de  3  e  4  de  Mato  de  1493.  concluída  no  Tratado  de  Tor- 
desilhas, constituí  a  primeira  grande  prova  indirecta  do  conhecimento  portu- 
guês das  terras  ocidentais  do  hemisfério  sul.  O  breve  de  4  de  Maío,  corri- 
gindo o  da  véspera,  fixava  uma  Unha  meridíana  que,  a  distância  de  100  lé- 
guas a  Oeste  dos  Açores  e  das  ilhas  do  Cabo  Verde,  servisse  de  demarca- 
ção. O  hemisfério  Ocidental  devia  pertencer  à  Espanha  e  o  Oriental  a  Por- 
tugal. Era  a  linha  ideada  pelas  concepções  empíricas  de  Colombo,  mas  que 
salvaguardava  os  domínios  africanos  e  o  caminho  marítimo  da  índia.  D.  ]oão 
II  recusa-se  a  aceitá-la.  Os  seus  embaixadores,  Pedro  Dias  c  Rui  de  Pina 
vão  a  Castela  defender  os  interesses  da  corõa  de  Portugal.  Fernando  e  Isa- 
bel mandam  Lopo  de  Herrera  a  Lisboa  negociar  uma  contraproposta.  Final- 
mente, a  15  de  Agosto  de  1493,  os  delegados  portugueses  chegam  à  côrte 
espanhola  para  as  laboriosas  negociações  ultimadas  no  Tratado  de  Tordesi- 
lhas, que  transpunha  a  linha  de  demarcação  para  mais  270  léguas  a  Oeste, 
isto  é,  para  370  léguas  das  linhas  de  Cabo  Verde,  tomando  por  ponto  de 
partida  a  ilha  mais  ocidental  do  arquipélago. 


...•a  Sus  Altesas  plaze  &  los  dichos  sus  procuradores  en  su  nombre 
&  por  uertud  de  los  dichos  sus  poderes  otorgaron  &  consentieron  que  se 
haga  ã  sinale  por  el  dicho  mar  oceano  una  raya  o  linea  direcha  de  polo  a 
polo,  conviene  a  saber,  dei  polo  artico  al  polo  antartico  que  es  de  norte  a 
sul,  la  qual  raya  o  linea  se  aya  de  dar  &  dê  derecha,  como  dicho  es,  a  tre- 
sientas  &  setenta  léguas  de  las  f/slas  dei  Cabo  Verde,  hasta  la  parte  dei  po- 
niente,  por  grados  o  por  otra  manera,  como  mejor  &  mas  presto  se  pueda 
dar,  de  manera  que  non  seam  mas,  &  que  todo  lo  que  hasta  aquj  faltado  fir 
descubierto,  &  de  aquj  en  delante  se  allare  fit  descubriere  por  el  dicho  sefior 
Rey  de  Portugal  &  por  sus  navjos,  asy  yslas,  como  tierra  firme,  desde  la 
dicha  raya  â  linea,  dada  en  la  forma  suso  dicha,  yendo  por  la  dicha  parte 
dei  lei/ante,  dentro  de  la  dicha  raya  a  la  parte  dei  levante,  o  dei  norte,  o  dei 
sul  delia,  tanto  que  no  sea  atrauesando  la  dicha  raya  que  esto  sea  &  finque 


D«  «iK*  r«- 
■ullava,  p%lm» 
cilculatccittala. 

c  o  n  c  •  d  la  rv«l> 
mcnra  mati  IM 
léauaa  a  Poriu* 
flal.  aAbra  a  4t- 
mar^Bclo  anl*- 
rlor.  «m  virtud* 
dc  a*  »fi<onlrar 
a  Ilha  do  Corvo, 
a  mala  oddvniai 
doa  A<«r«a,  ■ 
ctr<a  d*  «  U- 

Iuaa  a  ocidani* 
a  lonflliudc 
mala  ocidanlal 
do  arquIs^lafO 
da  Cabo  Vardó- 


XXVM 


IH-I«I 


Introdução 

&  pertenesca  al  dicho  seôor  Rey  de  Portugal  y  a  sus  subçessores  para  s,em. 
pre  janiiis...* 

A  crilica  geográfica  da  convenção  de  Tordesilhas,  cingindo  se  aos  co- 
nheclmenlos  do  fim  do  século  XV  sôbre  o  diámc.ro  da  Terra  e  tendo  em 
consideração  os  erros  nos  cálculos  das  longi.udes.  admite  que  Portugal  nao 
deíendta  nesse  grande  pleito  o  itinerário  da  índia  pelo  Onente.  que  de  facto 
lhe  estava  adjudicado,  nem  a  posse  dos  descobrinientos  anteriores  mas  a 
regiões  ocidentais  ao  sul  do  Equador,  porventura  ,á  avistadas  por  Pero  Vaz 
da  Cunha,  o  Disagudo.  no  regresso  da  sua  exped.çâo  ao  Senegal  em  1488. 
O  futuro  revelou  as  intenções  de  D.  ]o5o  II.  quando  no  encalço  da  armada 
de  Vasco  da  Gama  parte,  clandestinamente.  Duarte  Pacheco  P/reira.  a  reco- 
nhecer a  existência  das  terras  firmes  e  ilhas  na  demarcação  de  Tordesilhas 
que  abrangia  o  Brasil.-onde  aterrára  Cabral,  a  cammho  de  Calecut,  depois 
que  o  regresso  triunfal  do  Gama  definitivamente  consagrára  o  plano  portu- 
guês. 

Duarte  Pacheco  Pereira,  na  obra  <de  cosmografia  e  marinharia»  Es- 
meraldo de  Situ  Orbis.  (que  comportava  o  plano  descritivo  da  costa  africana, 
começando  no  estreito  de  Gibraltar,  na  direcção  do  sul.  até  ao  cabo  de  Guar- 
dafui  e  dat  à  cosia  meridional  da  Asia.  abrangendo  lôda  a  India)  e  de  cuio 
manuscrito  original  existem  duas  cópias  nas  bibliotecas  de  Évora  e  Lisboa, 
assim  descreve  a  primeira  viagem  portuguesa  de  reconhecimento  da  America, 
a  mandado  do  rei  D.  Manuel,  a  quem  a  obra  é  dedicada: 


(1 

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...'ha  experiência,  que  he  madre  das  cousas,  nos  desengana  e  de  toda 
a  duvida  nos  tira:  e  por  tanto,  bemaventurado  Príncipe,  temos  sabido  e  visto 
como  no  terceiro  anno  do  vosso  Reinado  do  hanno  de  nosso  senhor  de  mH 
quatrocentos  e  noventa  e  oito.  donde  nos  vossa  alteza  mandou  descobrir  ha 
parte  occidental.  passando  alem  ha  grandesa  do  mar  oceano,  onde  he  achada 
e  navegada  hua  tão  grande  terra  firme,  com  muitas  e  grandes  ilhas  adja- 
centes a  ella,  que  se  estende  a  satenta  grãos  de  ladeza  da  linha  equinoçial 
contra  o  polío  artico  e  posto  que  seja  asaz  fóra,  he  grandemente  povoada,  e 
do  mesmo  circulo  equinocial  torna  outra  vez  e  vay  alem  em  vinte  e  oito 
graaos  e  meio  de  ladeza  contra  o  pollo  antartico,  e  tanto  se  dilata  sua  gran- 
desa e  corre  com  muita  longura,  que  de  hua  parte  nem  de  outra  nam  foy 
visto  nem  sabido  ho  fim  e  cabo  delia;  pelh  qual  segundo  ha  hordem  que 
feua,  he  certo  que  vay  em  cercoyto  por  toda  a  Redondeza:  assim  que  temos 
sabido  que  das  prayas  e  costa  do  mar  destes  Reynos  de  Portugal  e  do  pro- 
montório de  rinis-Terra  e  de  qualquer  outro  lugar  da  Europa  e  da  Africa  e 
d'Asia  hatravessando  alem  todo  ho  oceano  direitamente  ha  oucidente  ou  ha 
loest  segundo  ordem  de  marinharia,  por  trinta  e  seis  graaos  de  longura, 
que  seram  seiscentas  e  quarenta  e  o^to  leguoas  de  caminho,  contando  ha 
dezoyto  léguas  por  graao,  e  ha  lugares  algum  tanto  mais  longe,  he  achada 
esta  terra  nam  naueguada  pellos  nauios  de  vossa  alteza.* 

(Esmeraldo  De  Situ  Orbis,  de  Duarte  Pacheco 
Pereira,  edição  crítica,  anotada  por  Augusto  Epifânio 
da  Silva  Dias.  publicada  pela  Sociedade  de  Geo- 
pi;;.(«o a. .«il  I  grafia  de  Lisboa,  em  1905.- 1."  Livro.  Cap.  2.o.) 

Pedro  Alvares  Cabral,  comandando  uma  esquadra  de  Irese  navios, 
desvia-se  da  róta  da  índia,  deixa  de  tomar  água  no  arquipélago  de  Cabo 
Verde,  infringindo  lemeràriamenle  a  prática,  estabelecida  por  Bartolomeu  Dias 
e  Vasco  da  Gama.  e  navega  para  oeste  até  avistar  e  fundear  no  litoral  ame- 
ricano, prosseguindo  depois  viagem  para  Calecut,  mandando  a  caravela  dos 

XXVUI 


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Introdução 


1500 


1505 


mantimentos  continuar  para  o  norte  a  exploração  do  litoral,  de  regresso  a 
Lisboa,  portadora  do  seu  relatório  ao  rei. 

O  bacharel  mestre  loào,  físico  e  cirurgião,  escreve  a  D.  Manuel,  de 
Vera  Cruz,  na  mesma  data  que  Pero  Vaz  de  Caminha:  <Quanto.  Sefior.  al 
sytyo  desta  tierra.  mande  i/ossa  Alteza  traer  un  mapamundj  que  tyene  Pero 
Vaaz  Bisagudo.  e  por  ay  podrra  ver  \/ossa  Alteza  el  s\tyo  desta  Herra...» 

No  mês  de  Março  de  1505,  o  rei  D.  Manuel  escreve  ao  rei  de  Espa- 
nha uma  longa  carta,  relatando-lhe  as  expedições  da  índia  até  ao  mês  de 
Março,  e  assim  recapitula  o  acontecimento  de  1500:  *Da  dita  armada  foi  Ca- 
pitão General  Pedro  Ali/ez  Cabral.  Navegando  el/e  além  do  Cabo  Verde  des- 
cobriram uma  terra  que  novamente  ueiu  á  noticia  desta  nossa  Europa  á  qual 
terra  puz  o  nome  de  Santa  Cruz...  Outros  chamam  ltie  Terra  Nova  ou  Novo 
Mundo.  Esta  terra  aonde  elles  fundearam  é  situada  alem  do  Trópico  do  Can- 
cro em  XI II  gráos;  pois  os  marinheiros  com  seus  quadrantes  e  astrolábios 
tomaram  a  altura:  porque  sempre  navegam  para  aquelles  mares  com  ins- 
trumentos astrológicos.  Sabindo  do  dito  Cabo  Verde  esta  terra  jaz  entre 
Oeste  e  Sud-oest.  ventos  principaes.  e  dista  do  dito  Cabo  Verde  quatrocentas 
léguas.  Dos  seus  ttabitantes.  de  sua  fertilidade,  grandesa  e  condição,  e  se  seja 
Ilha  ou  terra  firme,  com  outras  nossas  cartas  temos  fá  dado  a  Vossa  Sere- 
níssima larga  informação.  Sahindo  a  dita  armada  deste  logar,  o  capitão  dei- 
xou ahi  dous  christãos  á  mercê  de  Deus...  D'estes  dous  homens,  em  uma 
outra  armada  que  directamente  mandámos  Aquella  terra  voltou  um  que  sa- 
bia a  lingua  dos  indígenas,  e  nos  informou  de  tudo.  Desta  terra  o  capitão 
fez  regressar  a  nós  aquella  caravella  que  levava  mantimentos.* 

(Tradução  por  Próspero  Peragalo  da  *Cópia 
de  una  littera  dei  Re  de  Portogallo  mãdata  al  Re 
de  Castella  dei  viaggio  et  successo  de  índia,  im- 
presso in  Roma  per  maestro  Joanni  da  Besicken. 
nel  anno  MCCCCCV  a  di  XXII]  de  Octobre.' 


•  Scopcr«c  ii(> 
una  lerra  nava- 
minlie  •  nollllm 
Q*ra  Ara  curop» 


A  mrmwá»  dm 
IMI,  cm  qua  via- 
|ou  VcaõOclo  • 

Su«  aKplorira  « 
poral  ai<  tr'  óa 
Ulltude  &.  A  ca- 
ravela de  Oaa- 
puT  da  Lamoa, 
•  m  qua  Iria  to- 
mo pItAio  Andr4 
Ooncalvaa. 


Êste  quadro  pódc  ser  acrescentado.  O  depoimento  de  Colombo  no  Diário  da  primeira  viagem, 
publicado  por  Navarrete  no  l.»  vol.  da  Coleccion  de  los  viages  v  descubrimienlos  que  hicieron  por  mar 
los  Espafioles,  transcrito  dos  manuscritos  de  Las  Casas,  pertencentes  ao  arquivo  da  Casa  Ducal  do  In- 
fantado (36).  tem  sido  incluido  no  processo  da  reivindicação  portuguesa,  se  bem  que  as  palavras  atribui- 
rias por  Colombo  a  D.  }oâo  II,  em  Vale  Paraíso,  tenham  sido  interpretadas  de  modo  discordante  pelos 
historiadores. 

A  revelação  real  do  conhecimento  ou  suspeita  das  terras  que  demoravam  nos  confins  ociden- 
tais do  Atlântico,  ou  remontava  à  época  em  que  Colombo  conseguiu  ser  admitido  à  presença  do  sobe- 
rano no  decurso  das  negociações  em  que  se  empenhou  para  obter  o  comando  de  uma  esquadra,  com 
promessa  de  a  levar  às  índias  pelo  poente  (36  A),  ou  resulta  mais  provàvelmenie  das  reclamações  dos 
delegados,  enviados  a  Espanha  para  defenderem  a  política  colonial  de  D.  ]oão  11  e  conseguirem  as  ba- 
ses de  um  acòrdo  que  salvaguardasse  os  interêsses  da  coroa  portuguesa.  E  só  quando  narra  a  3."  via- 
gem de  Colombo,  que  Las  Casas  responde  sem  ambiguidade  às  presunções  de  D.  loào  11:  *Torna  o 
Almirante  a  diser  que  quer  ir  ao  austro,  porque  entende  com  ajuda  da  S.  S.  Trindade  achar  ilhas  e 
terras,  com  que  Deus  seja  servido,  e  SSAA.  e  a  Christandade  tenham  praser  e  quer  vèr  qual  era  a  m- 
tenção  do  rei  D.  João  de  Portugal,  que  dizia  que  ao  austro  havia  terras.» 


Í361  O  oríalnal  destinado  aos  Reis  Católicos.  nSo  existe.  Las  Casas,  na  Ws/orM  d?  /JS /«rfíjs,  lai  déle  gran- 
des exiracios  condensados  por  tlerrcra  (Historij  General  de  los  hechos  de  los  Caslelhnos  en  las  Islas  y  lierra  f,rme  dei  mar 
Oceano  Dec   i   lS^^^^^  ^  XX  e  «-ib.  II.  caps.  I  a  3.)  Fernando  Colombo,  hipoielicamenie  o  autor         fVnfon«  do /W- 

Í7rfn?e  oaíece  íàmbím  ler-,  do  ong.nal  para  os  seus  extraclos.  (Cap-  XXXVI  da  versio  italiana  de  ma  H,stor,e  de 

T  Fe!naSdo  CoSoe^^^^^  b-  .  o  aulor  dah.sloría  de  los  Re^-s  Catohccs.  embora  pouco  o  lenha  utilizado,  presumi- 

íelSrfcoSecertambém.  o  mesmo  nio  podendo  |i  dizer-se  de  Oviedo  (M.sforia  General  de  las  Ind.as,,  que  nJo  o  menaona. 

{36  A)   A  passagem  de  lo>o  dc  Darro»  nio  deixa  lugar  a  quaisquer  dúvidas:  /""^í"', í*'^,fí"ríííl'" 

iouSo  Colon  homem  falador  e  glorioso  em  mostrar  suas  habilidades,  i  maes  fantástico  A  de  tmag.naçio  <õ  sua  ilha  Cypigo. 

XXIX 


Útilma  lOlha  de  TraUtfo  da  Tordaallhaa,  com  aa  acalnaluraa  d«  Farnande  a  Itabal 

XXX 


Introdução 


UERER  provar  de  mais  pôde  concorrer,  em  certos  casos,  para  projectar  dúvidas  sôbre  os 

documentos  e  indícios  insuspeitos.  O  que  parece  depreender-se  das  negociações  de  Tor-  y,,„uA* 
desilhas  é  que  os  delegados  portugueses  pugnavam  pela  posse  de  terras,  que  conside- 
ravam nào  abrangidas  pelas  100  léguas  do  Breve  de  4  de  Maio.  O  tratado,  afastando 
para  370  léguas  da  ilha  mais  ocidental  do  arquipélago  de  Cabo  Verde  a  Imha  divisória, 
inclui  não  só  o  litoral  do  Brasil,  cujos  grandiosos  limites,  de  Norte  a  Sul.  foram  traçados  por  êsse  me- 
ridiano como  também  vastas  regiões  do  hemisfério  norte.  A  linha  de  demarcação  do  mapa  de  Cantmo. 
como  â  de  todos  os  mapas  portugueses  posteriores,  corta  o  Brasil  na  linha  equatorial,  abrangendo  as 
explorações  hipotéticas  de  Hoieda.  Pinzon  e  Lepe.  na  costa  setentrional  brasileira:  facto  que  concede  uma 
porta  de  entrada,  ainda  que  temerária,  aos  que  sustentam  a  veracidade  cronológica  do  cálculo  de  Este- 
vão Fróis.  (37)  De  qualquer  modo.  a  cautela  de  D.  Manuel,  ao  noticiar  ao  rei  de  Castela  o  descobri- 
mento  de  Pedro  Alvares  Cabral:  terra  muifo  necessária  c  conuenienfe  á  navegação  da  India,  e  perfeita- 
mente iustiíicável.  Os  próprios  termos  de  que  se  serve  o  rei  para  a  comunicação  denotam  siniultanea- 
mente  a  preocupação  da  prudência  e  um  júbilo  moderado -que  se  sobreporia  aos  ditames  da  discreçào 
Tnte  o  aparecimento  imprevisto  de  terras  idênticas  às  descobertas  por  Colombo  e  que  o  descobridor 
ainda  imaginava  visinhas  de  Cathay.  Dos  termos  da  carta  real  de  29  de  lulho  de  1500  08)  deduz-se  a 
convicção  de  que  as  terras  a  que  aportára  Cabral  não  demoravam  nas  proximidades  do  contmente  asia- 
Iko  É  esta  sciência  que  distingue  fundamentalmente  o  ciclo  das  navegações  colombinas  do  ciclo  das  na-  hao 
veqações  portuguesas  no  Atlântico  ocidental.  Mesmo  depois  da  carta  de  Toscanelli.  como  após  a  viagem 
de  Colombo  os  portugueses  nunca  identificam  com  a  Ásia  as  terras  ocidentais.  Colombo  procura  a  índ^  .  ,         j  r 
ocSe  Os  portugueses  consideram  os  mares  e  terras  de  oeste  como  independentes  das  regiões 

asiáti^s.  Professando  a  cosmografia  portuguesa  a  doutrina  da  esferoicidade  da  terra,  a  '-rm"^^   

se  desdenha  a  concepção  toscaneliana  parece  demonstrar  o  caracter  experimental  da  incredulidade  lusi- 
tana 39)  A  data  do  desembarque  de  Cabral  em  Vera  Cruz.  uma  das  mais  importantes  e5"Pu'afes  do 
atado  de  Tordesilhas  não  fôra  ainda -nem  iàmaís  seria -cumprida.  Pelo  pacto  de  7  de  lunho  de  1494 
as  duas  parles  contratantes  obrigavam-se  a  enviar,  dentro  do  prazo  de  tres  meses,  a  contar  do  d.a  da 
Rectificação  duas  ou  mais  caravelas,  conforme  conviesse,  para  conduzir  à  Grande  Canária  uma  missão 
com^Z\  pilotos  e  astrónomos,  a  fim  de  ser  determinada  a  linha  demarcadora  (40).  E^'^^  f 
miTsões  portuguesa  e  espanhola,  dirigir-se-iam  às  ilhas  de  Cabo  Verde,  para  de  la  navegarem  370  léguas 

Dara  oeste,  fixando  a  distância  percorrida.    . 

Esta  dupla  expedição  não  se  realizou. i  Portugal  ocultava  o  seu  segredo?  Colombo  la  partir 


certo  no  çu.  rf/z/.:  ^--^f  ^,^3-^^^^^^ 
2xecu1ar.  Vignaud  invoca  ^^"f ''f   °  """/('J,*'^  poenic.  A  supr«5.1o  da  relcrínc.  À  Ind  a 

L^qS^lclocuLSiré^^erieiii^^S^^^  «^^  índia  consl.uian,  um  privilegio  concedido  p... 


""^  '    7n   Na  ca.a  de  30  de  l^^^o^-  IS...  csc;Ha 

Sioneiro  dos  espanhóis  dava.  cm  IS14.  Pf " /,P°"^, -"^V""^  provas  históricas.  <Nào  nos  giiuer.,m  r.aber  .1  prouj  do 

para  1194.  constílui  «Jcpcmento  ^"^^f^'^  f^'""'"/,  JSríS  ir/rrLVsV  r  que  /J  Jojm  Coellio,  ho  d.,  por,,  dj  Cruz. 
que  alegávamos,  como  Vossj  Aitoza  posuhfj  estjs  ,  aVscòbrir  e  aue  Vossã  Altei.i  e$t.w.->  em  posf  destts 

lizynhoda  cfdjde  de  UKboA.vicra  ler  por  omdenos  .^'"J-^^  litoral  norte  do  Brasil,  na  pri- 

«ris  por  mu.tos  Icmpos  ^  ^  -  Éste  notável  «^0^""'%"'°^^^ « /"^^  e  óiogo  Ribeiro  (trucidado  pelos  aborígenes),  do 

meira  década  do  soculo  XVI.  empreendidas  por  ]oâo  Coelho.  ]o^^^^^^  1«8  a  pág.  304)  para  designar  a  data  do  des- 

que.  como  pretendeu  Fausl.no  da  ^^J^^^^^f^^/^^^f.^^^^^^^  Suissa  (árbitro  escolhido 

cobrimenio  do  Brasil-  O  DarSo  do  ^^^^'"['^^■''^J^^^^^^^  é^que  os  principais  monumentos  Carto- 

na pendência  com  a  França  ^/^'>^S.      ''^'f     .Jl^^^^^^^^  sôbrc  informações  geoflriíica.  porlu- 

;m2^o        a,„.a  o  .«un,o.  vi„..  .  .no.  O.po,.  .0  Co„,«»o  «.mo^-inco  d.  D...,o, 


é 


1  r 


PA. 

■\M- 
0- 
AS 

iCI- 


1  lONir  ICA- 


Introdução 

Dara  a  terceira  viagem,  na  tenaz  esperança  de  encontrar,  finalmente,  as  terras  da  civilização  e  da  "queza 
asiática  D  Manuel  unca  afirmára  a  enérgica  paciência  e  a  capacidade  form.davel  de  ^-screção  de  D. 
loào  II  Aqita-o  a  curiosidade  de  saber...  Porventura  duvida,  ou  receia  que  as  expedições  espanholas, 
lhe  .nvadam  as  regiões  conquistadas  polo  maquiavélico  antecessor^  o  ^oj-^^-;^ 

\  Pacheco  Pereira,  um  dos 
signatários  das  estipula- 
ções de  Tordesilhas,  é 
enviado  em  sigflo,  a  re- 
conhecer o  valor  das 
aquisições  do  Tratado, 
no  mesmo  ano  em  que 
D.  Manuel  vai  ser  jurado 
em  Toledo  herdeiro  da 
corôa  de  Castela  e  Ara- 
gão. Vasco  da  Gama  par- 
tira para  a  índia,  coman- 
dando temeràriamente 
uma  pequena  esquadra 
de  três  velas.  O  resul- 
tado da  expedição  era 
incerto,  a  viagem  imensa, 
temerosos  os  perigos  que 
ia  defrontar.  Naquela 
hora  suprema,  Portugal 
jogava  os  seus  destinos. 


do  ir.  I.ln,.  B-..h.  «....  ln..rto  no  -O.oar.pMc.l  lourn-L.  orglo  d.  Roy.  O.o«r^hlc-1  So- 
cUlvi  m-p.  .  qo.       .•  r.t.r.  no  ..M  «rllso  do  m..mo  lorn.l  do  mí.  d.  I.v.relro  d.  tWI. 


D  Manuel  precavia-se.  procurando  compensações  para  o  possível  insucesso  da  grandiosa  empresa  em 
que  se  empenhára  a  naçSo...  Duarte  Pacheco  é  mandado  ^descobrir  ha  parte  ouadenlal.  passando 
alem  ha  grandcsa  do  mar  o  r.-r','-...  j 

Vasco  da  Oama  r.  porém,  da  (ndia  asiática,  transportando  para  Lisboa  os  produtos  do 

Oriente,  conduzidos  pela  primeira  vez  à  Europa  por  via  marítima.  Duarte  Pacheco  trazia  também  ao  rei 
venturoso  a  certeza  de  *ttua  tam  grande  terra  firme,  com  muitas  e  grandes  ilhas  adjacentes  a  ella*... 

Já  agora,  as  expedições  para  as  terras  da  América  austral  vão  prosseguir,  embora  com  as  caute- 
las, aconselhadas  pela  prudência  a  uma  pequena  nação,  impossibilitada,  à  mingua  de  gente,  de  realizar  si- 
multáncamenle  a  conquista  e  exploração  da  África,  da  índia  e  da  América. 

Pedro  Alvares  Cabral,  partindo  para  Calecut,  em  1500,  i  levava  instruções  para  visitar  as  terras  do 
ocidente?  O  desvio  da  derrota  não  consente  outra  interpretação.  Em  1501.  nova  esquadra,  onde  vai  Vespúcio. 
encaminha-se  clandestinamente  a  Santa  Cruz.  Em  1503.  a  expedição  de  Gonçalo  Coelho  segue,  igualmente,  o 
rumo  do  sudoeste.  Os  acontecimentos  encadeiam-se  lógicamente.  apoiados  nos  documentos  e  indícios  históri- 
cos, sem  solução  de  continuidade,  sem  inverosimilhanças.  de  acòrdo  com  as  mais  recentes  investigações 
dos  historiadores. 

A  conduta  de  D.  ]oâo  II.  recusando.sucessivamente.osproiectosdeToscanelli.de  Colombo  e  de 
Monetário,  tornar-se-ia  de  tal  modo  inteligível  com  a  viagem  do  autor  do  Esmeraldo,  que  esta  expedição  apare- 
ce-nos  como  a  chave  interpretativa  dos  próprios  mistérios  que  escurecem  a  página  histórica  do  descobrimento 
da  América  e  que  resistiram  à  análise  de  Humboldt,  Fiscke,  Muller,  D'Avezac,  Peschel.  Harrisse  e  Vignaud... 

A  viagem  de  1498  comprovaria  as  intenções  que  ditaram  a  política  de  D.  loão  II  em  Tordesi- 
lhas. Se  D.  ]oâo  II.  em  I493-94.  obstinadamente  procurou  acautelar  a  posse  das  terras  austrais,  é  porque 
delas  havia  suspeita  ou  conhecimento.  Não  se  reclama  o  que  não  se  supõe  existir.  Ao  mesmo  tempo,  êle 
parece  saber  que  essas  terras  não  eram  os  limites  ou  prolongamentos  insulares  da  Ásia.  cA  recusa  à 
proposta  de  Colombo  implicava  a  suspeição  de  terras  intercaladas,  ao  ocidente,  entre  a  Europa  e  o  con- 
tinente asiático?  Esta  convicção  explicaria  cabalmente  a  perseverança  no  rumo  do  Oriente,  o  prossegui- 
mento do  périplo  africano...  O  que  se  mostra  impossível  é  argumentar  com  a  persuasão  portuguesa  de 
que  no  Ocidente  nào  existiam  quaisquer  terras.  Nesse  mar  ocidental,  os  cartógrafos  localizavam  a  Antí- 
lia  e  são  numerosas  as  doações  das  terras  que  os  navegadores  para  essa  banda  viessem  a  descobrir. 
Navegava-se,  pois.  para  o  Ocidente,  antes  que  Colombo  partisse  de  Paios  para  as  Antilhas. 

Os  dois  problemas  aparecem  intimamente  ligados.  Esta  conexão  obriga-nos  a  passar  em  revista 
05  indícios  de  um  conhecimento  português  anterior  a  Colombo  das  terras  ocidentais  do  hemisfério  norte. 

XXXII 


Introdução 


CARTA  DE  ESTEVÃO  FRÓIS  A  D.  MANUEL  I 


éos  originais  quinhentistas  n,ais  ^'^^J^"  "  f^W^^^  passo  " para  a  custódia  do  guarda-môr  Damião 
gico.  Da  posse  do  secretino  de  ^ ""^/^Tr/o  r  S  Jorge.  Posto  por  ordem  e  catalogado  no 

le  Gois:  do  Paço  da  Ribeira  ''^/JJJ^^Zrtm^^^^^^^^^  ^e^elou-o.  mas  sem  a  marcação 

século  mil.  no  consulado  do  ff'^"'  "  Hi„6ria  do  Brasil.  ^  ^ 

como  aliás  foi  sempre  seu  L  w«  linhas  angustiosas  de  cativo,  desesperadas  de  con- 

iQuem  o  escreveu?  cQuem  '^^f''"  ^•'"''""""íl.  registos  da  chancelaria  do  Monarca 
denado?  Baldadamente  lhe  procuraremos  °  ^^/J^J^"^,'^/^:,;^™,  .ir-nos-ha  secamente  çue  ele  é 
venturoso,  '^^f^^^'';;:^'^^:  ro"":;:r  Tcll'  ^'^^nte.  .amos  a  di^er  servilmente,  segundo  o 

Zil^^d^épL.  responderá  ser  nr.  ^^f^^^^^fl^;;^;,^,,  .^seguido  pelos  Indios.  com  a  carauéia 
Andando  a  descobnr  terras      /"f . '/'^"^^^^       castelhanos  acusaram-no  de  invadir  a 
em  mau  estado,  replicava  éle.  refugiéra-se  ,5,3        estava  preso  e  peto  menos 

t::c1      ~aot/r.rotj ....  .«.«^ 

crimina,.  ImZdTda  partilha  do  mundo  a  descohrir  entre  Portuga,  e  Espanha. 

„  emjue  -/^-^f r^STa  correspondência  anterior  e  „ue  nSo  sai^. 
mos  também  o  destino  dos  cativos^  suficiente  para  tirar  do  otvido  o  nome  de  Estevão 

rr.s  quelli:  Z  rir^Vo..  .  .estar  tamalto  serv.^o  .  cud: 

.açso  da  t,ual  foi  um  verdadeiro  mérftr.  ^^^^^^^  ^^^^^ 


XXXIII 


Introdução 


Snftor 


eu  espreuj  a  uosa  alteza  destas  ym 
dyas  omde  estou  preso  como  uosa  al 
teza  sabe    e  asy  sfior  tyui  qua  maney 
Ra  que  fyz  treladar  ho  proceso  que  con 
tra  nos  fezeram  e  ho  mandey  a  uosa 
alteza  pera  que  fose  emformado  do 
que  se  dysya  contra  nos  /  e  depoys  de  la 
sRor  ser  ho  proceso  ho  que  se  mays  ao 
dyamte  fez  nelle  /  Asy  he  que  sayo  ho  al 
quayde  mayor  marcos  dagylar 
com  huum  desembargo  que  amie  de 

todas  as  cousas  mandaua  que 

micc  francisco  corço  e  pero  corço  /  ho  que  qua 

uja  estado  fosem  metydos  a  tor 

memto  nam  predyjucamdo 

ao  prouado  contra  nos  per  ho 

prometor  da  iuslyca    do  quall 

mandado  e  desembargo  nos 


0  ^ 


^\  --VA/V 


XXXVl 


Introdução 


Apelamos  pera  Rolacam  de  sua  al 
teza  os  quaes  sftor  contyrmaram  a  sentença 
do  alquayde  mayor  /  ho  quall  os  meteo 
a  íormemto  dagua  e  cordes  e  lhe  pcrgun 
tauam  no  dyto  tormento  se  uinhamos 
de  purtugatl  com  emtemcam  de 
emtrarmos  em  terás  dei  Rey  de 
castelã  /  os  quaes  sempre  dyxe 
Ram  que  nam  e  que  ujnham  a  des 
cobryr  terás  nouas  de  uosa  al 
teza  /  como  ho  tynham  dyto  em 
seus  dytos  e  mays  nam  dyxeram 
e  sobre  tudo  ysto  sftor  nos  nam  que 
Rem  despachar  /  nem  nos  qujse 
Ram  Receber  a  proua  do  que  alega 
uamos  como  uosa  alteza  pusu 
hya  estas  terás  a  ujmte  anos  e 
mays  e  que  ia  joam  coelho  ho  da 
porta  da  cruz  ujzynho  da  cydade  de 
lyxboa  ujera  ter  por  omde  nos 
outros  uinhamos  a  descobryr 
e  que  uosa  alteza  estava  em  pose 
destas  terás  por  muitos  tempos  e  que 
ho  que  se  usaua  e  pratycaua  amtre 
os  lymites  asy  hera  que  da  lynha 
canumcyall  pera  o  sull  hera 
de  uosa  alteza  e  que  da  mesma 
lynha  pera  ho  norte  hera  dei 
Rey  padre  de  uosa  alteza  e  que 
nos  que  nam  pasaramos  a  lynha 
canumcyall  nem  chegáramos 


. 


Ova 


XXXVIII 


Introdução 

A  cila  com  ccmto  e  cvmcoemta  Icgoas 

e  quamio  mays  que  os  testygos  que  cernira 

nos  heram  dados  nos  heram  todos  sos 

pcytos  e  a  quausa  da  sospevcam  /  asy  he 

Ra  que  que  todos  heram  castelhanos  e  que 

segumdo  a  Regra  e  ley  de  direito  asy  hera 

que  sobre  caso  de  propyadade  damtre 

huum  Reyno  a  outro  nam  se  aujam  de 

Receber  aos  autores  teslygos  /  dos 

naturaes  do  Rcyno  ;'  quamto  mays 

sfior  que  todos  estes  leslygos  que  contra 

nos  deram  heram  todos  os  que 

nos  predujucauam  dos  naturaes 

de  paios  de  moger  que  heram  ho 

mes  que  nos  queRyam  mal!  /  por 

quausa  de  huum  dyogo  de  lepc 

que  uosa  alteza  mandou  em 

forcar  por  que  foy  tomado  nas  par 

tes  de  gync  com  certos  negros  que  le 

uaua  furtados  aos  quaes 

teslygos  amdauam  dyzemdo  por 

toda  esta  cydade  que  nos  emfor 

casem  a  todos  sobre  suas  almas 

que  nam  lhe  falltaua  nada  de  os 

apropyar  aos  judeus  quamdo 

dyzyam  ho  seu  samge  uenha  sobre 

nos  e  sobre  nosos  filhos  e  etc  /  dysto  siior 

e  doutras  cousas  mays  por  ymteyro 

fezemos  arlygos  /  sem  a  nenhuum 

nos  queReRem  receber  a  proua 

Agora  nam  sey  sfior  ho  que  quereram 

fazer  /  ho  feyto  esta  concruso  sobre 

ho  tormento  nam  sey  ho  que  seRa 

nos  snor  nam  temos  quem  por 

XXKIX 


^  •  -y/^í^^v.M.  ^^^^ 


'X 


XL 


introdução 

nos  íaca  senam  ho  bacharell  pero  mo 

Reno  /  ho  quall  lemos  por  noso  letera 

do  e  alem  de  auogar  por  nos  nos  a 

juda  em  todas  das  outras  necy 

cydades  por  sermos  naturaes  do  Rev 

no  de  uosa  alteza  e  nos  dyz  que  por 

sermos  uasalos  de  uosa  alteza 

fara  lodo  ho  que  nelle  for  como  de 

fevto  sftor  ho  faz ;  sopryco  a  uosa  al 

leza  que  nam  nos  desempare  e  que 

nos  proueja  de  maneyra  que  nam 
pereçamos  como  cullpados 

poys  que  ho  nam  somos  e  que  em 
quaso  que  nos  fosemos  cullpados 
em  fycar  omde  fycamos  se  he 
lera  dcIRey  de  castelã   nos  nam 
fycamos  na  dyta  lera  como  em 
lera  delRey  de  castelã  se  nam  co 
mo  em  tera  de  uosa  alteza ;  e  por 
que  nella  nos  quiseram  matar  os 
ymdyos  e  huum  pero  galego  como 
uosa  alteza  sabe  nos  acolhemos 
a  estas  partes  por  nam  lermos  ou 
tra  mays  perlo  omde  nos  a  ca 
Rauela  podese  trazer  por  que  estaua 
todo  comesta  do  busano  /  e 
e  fazya  muita  agua  e  mays  trazia 
mos  ho  leme  comesto  e  quebra 
do  e  ele  como  uosa  alteza  mays 
largamente  sabe  e  uo  lo  eu  snor 
lenho  esprilo  '/  porlamto  sfior  so 
pricamos  a  uosa  alteza  que  nos 
lyure  deste  catyueyro  em  que  es 
íamos  '  e  nam  consymta  nosa  al 
teza  que  poys  dyogo  de  lepe  pago 


  "^í^-^-"^'^ 


Ok 


XLll 


Introdução 

como  culpado  que  nos  pagemos  a  iustyca 
que  se  nelle  fez  semdo  yninoceintes  do 
pecado  que  nos  põem  por  que  asaz  abasta  ter 
nos  uay  em  huum  anno  presos  como  nos 
tem  /  sem  quausa  e  (ornada  toda  nosa 
fazemda  so  por  nos  vyrmos  acolher 
em  sua  tera  poer  nos  ho  que  nos  nam 
fezemos  nem  pemsamos  /  que  he  bem  craro 
sftor  que  a  hobra  que  elles  Recebem  nas 
ylhas  dos  açores  de  uosa  alteza  nam 
he  esta  com  que  nos  elles  Receberam 

que  quamtos  naujos  de  qua  uam  todos 

uam  toquar  em  quada  huuma 

destas  ylhas  omde  os  uasalos 

de  uosa  alteza  lhe  fazem  muita  om 

Ra  /  e  nam  nos  premdem  nem  alor 

menlam  como  elles  nos  fezeram  / 

nam  me  cuiipe  uosa  alteza  de  ho  eu 

asy  dyzer  e  espreuer  porque  siior  se  fora 

em  cullpa  ou  sospeyta  ouuira  em 

mjm  do  que  nos  poem  eu  sftor  sofrera  tu 

do  com  muita  pacyemcya  /  porem  snor  esla 

Reixa  que  elles  siior  tem  comnosco 

nam  he  noua  senam  muito  uelha 

que  lhe  fycou  dos  nosos  anteceso 
Res  dalfcRobeyra  /  e  com  ella 

am  dyr  a  coua  //  sopryco  a  uosa  al 

teza  que  me  queyra  Remedyar  com  jus 

lyca  espreuemdo  a  eIRey  uoso  padre 
siior  que  oulhe  nosa  ynnocemcya 
e  quamta  vmiustyca  nos  fazem 
em  nos  terem  presos  uay  em  huum 
anno  sem  causa  /  em  no  que  que  alem 

XLIIl 


01 


.1  í-^ 


5 


CA 


XLIV 


Introdução 

de  uosa  alteza  aminvstrar  iustyca  nos 
fara  muita  mercê    e  Rogamos  a  deus  por 
uoso  Reall  estado  com  acrecemtamento 
de  muita  vyda    e  posto  que  uosa  alteza  me 
nam  conhece  como  a  cryado    eu  sftor  na 
venta  (de)  e  de  coracam  ho  sam  de  uosa 
alteza  por  que  sftor  se  Wcaua  no  Ryo  om 
de  fvquev  nam  fov  V  com  emiemcam 
senam  de  saber  ho  que  auia  na  lera  pe 
Ra  de  tudo  dar  conla  a  uosa  alteza  i  co 
mo  espero  em  deus  de  dar  segumdo 
achev  em  huum  aluara  que  uosa  alie 
za  ,  ivnha  dado  a  dyogo  Rybeyro  arau 
to  de  uosa  alteza  em  que  uosa  alteza 
lhe  emcarcgaua  que  oulhasc  bem 
pelas  cousas  da  tera    ho  quall  care 
go  eu  snor  tomey  polo  elle  ma 
tarem  os  ynidvos  como  uosa  alte 
za  sabe  li  W\o  as  maos  de  uosa  al 
teza  ,  Desta  cydade  de  samio  domjgo 
aos  XXX  dias  do  mes  de  ]ulho  de  b<  e  xiiii 
anos  ;  Das  vmdias  delRev  de  castelã  // 


2 


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cJ  ig    .a        2  ■= 
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do  criado  e  seruidor  esteuam 
de  uosa  alteza  Iroez 

(„   Torre  do  Tombo- Corpo  Chronologico-P.'  1.  nu  15.  doe.  99. 


XLV 


introdução 

CARTA  DE  ESTEVÃO  FRÓIS  A  D.  MANOEL  I 

Tenlallva  -«Je  tradução  de  porluguH  arcaico  para  porluguÔ»  moderno,  pelo  dr.  Anlónlo 


Senhor 


Eu  etcitwl  a  V.  A.  (tolat  índia»  onde  estou  príso  como  V.  A.  sabe.  c.  a&slm.  senhor,  tive  cá  maneira  dc  larer 
IretUdar  o  procc»»o  que  contra  nó»  (ntcniaram  e  o  mandei  a  V.  A.  para  ser  Informado  do  que  diziam  contra  nós  e  depois  de 
la  senhor  eslar  o  proce»»o.  o  que  ao  diante  nílc  sc  líz.  Assim  é  que  saiu  o  alcaidc-mór  Marcos  d  Aguitar  com  um  despa- 
cho que  anies  de  mais  nada  ordenava  que  mlcc  Francisco  Corço  e  Pero  Corço,  o  que  cA  havia  estado,  fossem  melidos  a  lor- 
memo  nSo  prejudicando  ao  provado  contra  nós  pelo  promotor  da  justiça,  do  qual  despacho  apelámos  para  a  relaçào  dc  S.  A,, 
que  confirmou  a  sentença  do  alca.dc-mor.  c  tste  o»  meteu  a  tormento  de  água  e  cordéis  e  lhes  prcgunlavam  no  tormento  se 
vínhamos  de  Portugal  com  Intenção  dc  entrarmos  em  terras  d  el-rel  de  Castela.  Responderam  que  nao  e  que  vinham  a  desce 
brlr  terras  nova»  de  V.  A.,  como  tinham  dito  em  seus  interrogatórios,  e  a  pesar  disto,  senhor,  nos  nào  querem  despachar,  nem 
no*  quiseram  r«ceber  a  prova  do  que  jlcgavamos.  como  V.  A.  possuía  estas  lenos  hi  vinte  anos  c  mais  c  que  já  JoSo  Coe- 
lho, o  da  porta  dâ  Cniz.  visinhada  ddade  de  Lisbôa.  viéra  por  onde  nós  o-lros  vínhamos  a  dcscotirír  e  que  V  A,  eslava  de 
posse  de»lM  lerra»  por  muitos  tempos  e  que  o  assente  quanto  a  limites  era  que  da  linha  equinódal  para  o  sul  pertencia  a 
V.  A.  c  da  mc«ma  linha  para  o  norte  a  el-rei  de  Castela  e  nós  náo  passáramos  a  linha  equinódal  nem  chegáramos  a  ela  com 
ISO  líflua».  Ainda  mais:  ««  leslemunhas  contra  nós  eram  suspeitas  por  serem  castelhanos,  o  que.  secundo  a  regra  e  lei  do 
Dir\it,  r,  que.  sôbre  caso  de  propriedade  entre  um  reino  c  oulro  nio  se  haviam  de  receber  testemunhas  dos  naturais 

do  (,  ■  mais,  senhor,  que  Iodas  estas  tcsiemunhas.  que  contra  nós  deram,  eram  todos  os  que  nos  prc|udicavam.  do» 

natural»  de  Palo»,  homcn»  que  no»  queriam  mal  por  causa  de  um  Diogo  de  Lepe  que  V.  A.  mandou  enforcar  por  ter  sido 
encontrado  na  Ouiné  com  certos  negros  furtados.  Essas  testemunhas  andavam  dizendo  por  toda  esta  ctdadc  que  nos  cnlor- 
cassem  a  todo»,  pois  nada  fatiava  para  o»  apropriar  aos  judeu»  quando  diziam  que  o  seu  sangue  viésse  sÔbre  nós  e  sÔbre 
nos»o»  niho»,  ele  Di»to.  senhor,  e  doutras  coisa»  mais  por  inteiro  filemos  artigos  sem  nos  quererem  receber  a  prova  dc  ne- 
nhum. 

Agora,  senhor,  náo  »ci  o  que  quereráo  lazer.  O  feito  está  concluso  sôbre  o  tormento;  não  scl  o  quf  será  c  nó» 
•cnhor.  nSo  temo»  por  nó»  senJo  o  bacharel  Pero  Moreno.  Temo-lo  por  nosso  letrado,  e,  além  de  ser  nosso  advogado,  nos 
aluda  cm  Iodas  as  outras  necessidades  por  sermos  naturais  do  reino  dc  V.  A.,  e  nos  diz  que  por  sermos  vassalos  de  V.  A. 
lará  tudo  o  que  puder,  como  de  leito  far. 

Suplico  a  V.  A.  que  nos  náo  desampare  e  que  nos  proveja  de  maneira  que  náo  pereçamos  como  culpados,  pois  o 
nlo  somo»  e.  no  caso  dc  o  sermos  por  ficarmos  em  terras  d-el-rei  dc  Castella.  nos  n5o  ficamos  na  dita  terra  como  em  terra 
d  cl-rvl  de  Castela.  »enao  como  em  lerra  de  V.  A.,  e  porque  nela  nos  quiseram  matar  os  índios  c  um  Pero  Galego,  como  V.  A. 
»abc.  no»  acolhemos  a  eslas  partes  por  náo  lermos  outra  mais  perlo  onde  a  caravíla  nos  pudésse  trazer  porque  eslava  tôda 
alacada  do  busano  e  fazia  muita  água  c  mais  trazíamos  o  leme  avariado  e  quebrado,  como  V.  A.  mais  largamente  sabe  e  vô-lo 
tenho  escrito.  Portanto,  senhor,  suplicamos  a  V.  A.  que  nos  livre  diste  cativeiro  e  náo  consinta  que  nós  paguemos  a  justiça 
que  »e  fiz  cm  Diogo  de  Lepe,  estando  Inocentes  do  pecado  que  nos  põem  porque  ó  bastante  ter-nos  presos  vai  num  ano. 
•cm  causa,  e  tomada  lôda  a  nossa  fazenda.  »6  por  nos  virmos  acolher  em  sua  terra,  acusar-nos  do  que  nào  lizímos  nem  pen- 
•ámo».  E'  bem  claro,  senhor,  que  a  obra  que  *lcs  recebem  nos  Açôre»  de  V.  A.  nSo  é  csla  com  que  nos  receberam,  que 
quanto»  mai»  de  cá  váo.  todos  váo  locar  cm  cada  uma  deslas  ilhas  onde  os  vassalos  de  V.  A.  lhe  lazem  muita  honra  c  nâo 
o»  prendem,  nem  alcumenlam,  como  òlcs  nos  lizeram. 

Nao  me  culpe  V.  A.  de  o  eu  assim  dizer  e  escrever  porque,  senhor,  se  eu  lôra  culpado  sofréra  hido  com  mult» 
\  porím.  senhor,  esta  rixa  que  ties  tem  connosco  nao  é  nova.  senáo  muito  velha,  pois  licou  dos  nossos  antepassado» 
.j  ,\ii,iui>beira  (parecf  que  quereria  escrever  Aliubarróta)  c  com  ela  hao-de  ir  á  cova. 

Suplico  a  V.  A.  que  me  queira  remediar  com  jusliça,  escrevendo  a  el-rei  vosso  pai  que  olhe  pela  nossa  inocência 
e  quanta  injusiiça  no»  fazem  em  no»  terem  presos  sem  causa,  vai  em  um  ano.  no  que  V.  A.,  além  de  administrar  justiça  noa 
fará  mulla  mercê. 

Rogamos  a  Deu»  pelo  vosso  real  estado  com  acrescento  de  muita  vida.  E  posto  que  V.  A.  me  náo  conhece  como 
a  criado,  eu.  de  vontade  e  coraçáo  o  sou  pois  que.  se  ficava  no  Rio  onde  fiquei  não  foi  com  intençáo  senão  de  saber  o  que 
havia  na  terra  para  de  tudo  dar  co-la  a  V.  A.,  como  espero  cm  Deus  de  dar,  segundo  achei  em  um  alvará  que  V.  A,  deu  a 
Diogo  Ribeiro,  araulo  de  V.  A.,  em  que  o  encarregava  de  olhar  bem  pelas  cousas  da  terra,  o  qual  cargo,  senhor,  eu  o  lomet 
por  o  matarem  os  Índios,  como  V.  A.  sabe. 

D^ío  a»  maos  dc  V.  A. .  Desta  ddade  de  S.  Domingos,  a  30  de  julho  1514. 

Do  criado  e  servidor  de 

V.  A. 

Estevão  Próis. 


XLVI 


Introdução 


INTENCIONALIDADE  da  viagem  de  Cabral  ao  Brasil  conduz,  de  indução  em  indução,  às  ^""v*^  po 
provas  da  viagem  relatada  no  Esmeraldo  e  da  convicção  portuguesa,  baseada  na  expe- 
riência, da  Impossibilidade  de  se  atingir  a  índia  pelo  Ocidente.  Esta  impossibilidade  nSo  i^** 
derivava  do  temor  de  atravessar  o  Atlântico.  Viagens  de  alto  mar  eram  já,  havia  muito,  íumai> 
as  dos  Açôres.  Dadas  as  noções  contemporâneas  sòbre  a  grandeza  da  circunferência  ter- 
restre, é  difícil  resistir  à  tentação  de  atribuir  a  atitude  portuguesa  ao  conhecimento  do  obstáculo  conti- 
nental, senão  a  um  cálculo,  já  corrigido,  da  extensão  do  circulo  máximo. 

Os  depoimentos  de  Colombo,  transmitidos  pelos  biógrafos  seus  contemporâneos,  os  copiosos 
vestígios  documentais  que  restam  das  explorações  portuguesas  do  Atlântico,  no  sentido  do  Ocidente,  as 
cartas  de  Toscanelli  e  de  Monetário,  constituiriam  os  pilares  sólidos  desta  tese.  A  autenticidade  de  al- 
guns dêsles  documentos  é.  porém,  contestada.  O  historiador  e  diplomata  americano  Henry  Vignaud,  vice- 
presidente  da  Sociedade  dos  Americanistas.  de  Paris,  reuniu,  num  livro  célebre.  Toscanelli  and  Cohmbus: 
the  Letier  and  Chart  of  ToscaneUi  (41),  o  resultado  dos  seus  longos  e  minuciosos  estudos  colombinos, 
concluindo  pela  apocrifta  da  carta  em  que  o  sábio  florentino  teria  aconselhado  ao  rei  de  Portugal,  no 
ano  de  1474.  uma  viagem  para  a  índia  pelo  poente;  plano  executado  sem  êxito,  dezoito  anos  depois,  por 
um  improvisado  navegador  genovês,  chamado  Cristóvão  Colombo. 

Será,  pois.  necessário,  para  demonstrar  a  intencionalidade  da  aterragem  de  Cabral  ao  Brasil, 
cm  1500,  a  veracidade  da  viagem  de  Duarte  Pacheco,  em  1498,  e  a  prioridade  portuguesa  da  concepção 
do  novo  continente -proceder,  embora  de  um  modo  sumário,  à  revisão  do  processo,  instaurado  pela  crí- 
tica histórica  a  alguns  dos  documentos  capitais  de  que  teremos  de  servir-nos.  Esse  trabalho  abrange  o 
quadro  das  navegações  portuguesas  para  Oesle.  anteriores  a  Colombo,  as  cartas  de  Toscanelli  e  Mone- 
tário, os  depoimentos  colombinos,  os  mapas  de  Cantino  e  Canério.  a  carta  de  Pascuáligo  ao  Senado  de 
Veneza  (publicada  pela  1.»  vez  na  edição  de  1880-1881  do  Diarii  di  Marino  Sanuto.  da  Biblioteca  Mar- 
ciana, de  Veneza),  a  de  Pascuáligo  aos  imãos  (publicada  pela  \.>  vez  nos  Paesi  Nitovamentc  RetrovaU, 
Cap.  CXXVl;  Veneza  1507),  a  de  Alberto  Cantino,  embaixador  do  duque  de  Ferrara  em  Lisboa  (publicada 
pela  1.»  vez  pelo  historiador  americano  Henry  Harrisse.  a  pág.  204  da  sua  obra  sôbre  os  Côrte-^Reais 
(41  A),  cópia  do  M.  S.,  original  do  Arquivo  de  Módena).  os  descobrimentos  problemáticos  de  Hoieda.  Pinzon 
e  Lepe.  e,  finalmente,  a  correspondência  de  Vespúcio.  que  nos  fornece  as  únicas  informações  que  possuí- 
mos sôbre  as  explorações  da  costa  brasileira,  empreendidas  pelas  armadas  portuguesas,  de  1501  e  1503. 

Anles  porém,  devemos  registar  que  iá  o  historiador  brasileiro,  João  Ribeiro,  chegára  a  conclu- 
sões Idênticas,  consignadas  no  prefácio  à  publicação  crítica,  anotada,  da  carta  de  Pero  Vaz  de  Caminha, 
publicada  na  colectânea  de  várias  crónicas.  O  Fabordão  (42). 


Não  é  possiuel  mais  admitlir- escreve  o  eminente  polígrafo -flue 
a  descoberta  do  BrasU  foi  resultado  accidental  e  de  mero  accaso.  como  por 
tantos  séculos  se  repetiu.  5sse  problema  importantissimo,  e  nem  se  pode 
imaginar  outro  mais  importante,  ainda  considerado  fora  da  nossa  fusiona, 
na  mesma  historia  do  mundo,  foi  resolvido  principalmente  pela  pubhcaiào 
do  ESMERALDO  DE  SITU  ORBIS.  U  se  uerá  mais  de  uma  vez  que  o 
rei  de  Portugal  hauia  comettido  aos  seus  marinheiros  a  empresa  de  revelar 
o  extremo  occidente,  e  delia  Pedro  Alvares  Cabral,  o  primeiro  ou  o  segundo, 
recebeu  essa  incumbência;  e  depois  das  próprias  palavras  de  Cammha. 
quando  affirma  que  'seguiram  a  derrota  pelo  mar  de  longo;  a  phrase 
ignorada,  quando  tardiamente  foi  lida  nos  archivos.  já  nào  offerece  duvida. 
O  «mar  de  longo»  é  o  do  occidente.  Duarte  Pacheco,  o  heroe  da  India.  com- 
panheiro de  Cabral  e  auctor  do  ESMERALDO,  falando  das  tres  partes 
do  antigo  mundo,  acrescenta: 

«e  a  quarta  parte  que  Uossa  Alteza 
mandou  descobrir  alem  do  oceano...» 

(I-Cap.  Ill) 


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tgL4JUUUU>JLi  JJXUJJJLtJUl 

Ml)   Londres   1902.  No  ano  an.erior.  Vignaud  publlcára  em  Paris  a  edição  (ranceM  da  m«ma  obn.  (ampliada  r. 

*^  (41  M   L,-s  Corte  Real  et  leurs  vofaaes  ju  nouveau  monde.  Pans,  IBIIJ, 

(42)   H.  Qamier,  edilor.  Rio  de  Janeiro  e  Parts.  1910. 

XLVI I 


Introdução 


e  anteriormente: 

•bem  aventurado  Príncipe,  temos  sabido  e  visto  como  no  terceiro 
ênno  do  vosso  reinado,  anno  do  Senhor  de  mH  quatrocentos  e  no- 
venta e  oito  donde  nos  vossa  Alteza  mandou  descobrir  ha  parte 
Occidental  passando  alem  da  grandeza  do  mar  ociano  honde  se 
acha  navegada  uma  tam  grande  terra  firme  com  muitas  grandes 
ilhas  adjacentes  a  ella  que  se  estende  a  setenta  grãos  de  ladeza 
da  linha  equinocial*... 

•Ora  nâo  é  possível  que  o  famozo  capitão  se  dirijisse  ao  Rei. 
attribuindo  á  Alteza  e  a  si  próprio  um  embuste  a  esse  tempo  desproposi- 
tado. Ainda  mais.  O  segundo  trecho  mostra  que  a  grande  terra  achada  foi 
a  confirmação  do  êxito  da  empresa  anteriormente  comettida. 

'Cabral  veiu  muito  deliberadamente  caminho  das  terras  america- 
nas, seguindo  alem  da  grandeza  do  mar  oceano. 

'Outros  talvez  o  precederam:  e  agora  já  parecem  menos  exagera- 
das as  alegações,  sem  duvida  inverosímeis,  de  Gaspar  Estaço.  (ANTIGUI- 
DADES. CAP.  84)  e  as  do  espanhol  Gomara  sobre  a  prioridade  dos 
portuguezes. 

■  mo  é  menos  certo  ainda,  que  com  Gonçalo  Velho  descora  a  genia- 
lidade do  genovez;  o  descobridor  dos  Açores  inicia  o  rumo  de  Oeste,  e 
elle  por  setenta  annos  é  o  precursor  de  Colombo. 

•É  util  notar  que  o  afastamento  da  frota  de  Cabral  é  excessivo, 
ainda  mesmo  contando  para  isso  uma  LONGA  TEMPESTADE  (lugar  com- 
mum  já  hoje  sem  credito  em  varias  lendas  dos  descobrimentos)  da  qual  é 
extremamente  curioso  que  não  fale  Vaz  Caminha  na  sua  carta.  O  mesmo 
silencio  a  respeito  da  TEMPESTADE  (n'esta  confunctura.  acidente  impor- 
tante) guarda  a  outra  relação  anónima  que  conhecemos  pela  versão  italiana 
de  Ramuzio. 

-A  rota  do  SUL.  que  continuou  a  ser  a  dos  pilotos  de  carreira,(43) 
torceu  para  oeste.  Mas  só  para  oeste  vão  as  naus  que  vém  arribadas  ou 
impossibilitadas  de  alcançar  o  cabo  extremo  africano  e  n'este  caso  se 
fazem  na  volta  do  Brasil,  demandando  Santo  Agostinho.  Bahia  de  todos 
os  Santos  ou  Abrolhos.  Nenhum  acidente  deste  valor  se  depara  nas  duas 
relações  do  descobrimento  do  Brasil. 

Ms  palavras  de  Caminha  -SEGUIMOS  NOSSO  CAMINHO  POR 
ESSE  MAR  DE  LONGO  ATÉ  QUE  TOPAMOS  SINAIS  DE  TERRA* 
merecem  mais  detido  comentário;  para  os  antigos  e  ainda  até  os  alvores 
da  idade  moderna,  o  rumo  leste-oeste  era  considerado  de  LONGO,  porque 
até  então  as  maiores  distancias  extremas  eram  do  oriente  ao  occidente  ou 
vice  versa.  attenta  a  configuração  do  mundo  antigo  que  era  apenas  uma 
zona  do  planeta  alongada,  pois,  n'aquelle  sentido.* 

*Ho)e.  na  navegação  atlântica  poderia  supõr-se  que  a  NAVEGA- 
ÇÃO DE  LONGO  seria  a  de  norte  sul.  Outrora,  a  expressão  equivalia  ao 
SECUNDUA\  MARE  dos  romanos.  Sobre  o  meridiano  contavam  se  os  graus 
de  LADEZA  como  diziam  os  antigos  cosmographos  portugueses  e  aliás 
a  sciencia  moderna  conservou  as  mesmas  expressões  antigas  LONJÍTUDE 
(leste-oeste)  e  LATITUDE  (nortesul). 


(43)   Roteiro  de  Vicentes  Rodrigue».  16;  Id.  d«  Aleixo  da  Mola,  96-97.  ed.  de  O.  Pereira.-  Soe.  Oeogr.  Lisboa, 

XLV/III 


*Até  antes  de  D.  Henrique  os  naucgantes  do  sul  não  se  animavam 
s  prolongar  a  viajem  a  L'05STE  além  do  cabo  Bojador,  assim  chamado 
por  que  BOJAVA  para  o  occidente  umas  quarenta  léguas,  ainda  augmenta- 
das  de  parceis  que  FERVIAM  por  uma  restinga  adiante,  por  seis  léguas. 

'Parecia  entÀo  aos  navegadores  que  o  mar  FERVIA  e  só  a  audá- 
cia da  NAVEGAÇÃO  DE  LONGO  poude  contornar  o  Bojador  e  dissipar 
as  antigas  superstições.  Quando  a  experiência  da  navegação  costeira  mos- 
trou que  se  podia  mais  tarde  fazer  a  VOLTA  DO  MAR  (abandonando  a 
costa)  entio  começaram  as  grandes  NAVEGAÇÕES  DE  LONGO  e  o  pri- 
meiro rasgo  será  sair  de  Lisboa  no  rumo  S.  S.  O.  até  Forteventura  das 
Canárias,  isto  ê,  a  28o. 

<Esta  é  a  rota  da  índia  c  também  a  do  Brasil,  seguindo  os  rumos 
sucessivos  das  Canárias,  Cabo  Branco  e  Cabo  Verde:  rf.i/  por  diante  os 
que  buscavam  a  índia  navegavam  PARA  O  SUL  seiscentas  léguas. 

•A  CARTA  DE  CAMINHA  indica  sucessivamente  a$  escalas  CANÁ- 
RIAS. CABO  VERDE. 

•  Vê-se  que  o  rumo  de  Cabral  foi  de  S.  O.  e  não  S.  e  que  a  hipo- 
these  explicativa  desse  afastamento  -  a  de  que  os  navegantes  fujiam  a 
tempest.uies  ou  iam  ALCANÇAR  OUTRAS  CORRENTES- é  meramente 
gratuita,  e  é  mesmo  tendenciosa,  pois  aponta  á  conclusão  de  que  o  desco- 
brimento devia  ser  CASUAL;  ao  contrario,  o  desvio  para  oeste  era  sempre 
um  conselho  por  aproveitar  os  gerais. 

*Cabral  abandonou  o  sul  por  oeste,  no  mesmo  momento  de  nave- 
gação em  que  Vasco  da  Gama,  pouco  antes,  abandonara  o  rumo  do  sul 
por  leste,  demandando  a  terra  africana  até  a  angra  de  Santa  Helena.  Antes 
doesse  desvio,  ambos,  um  com  a  certeza,  outro  com  a  fantazia  e  esperança, 
demandavam  a  terra  firme. 

'Bem  antes  da  prova  experimental  da  redondeza  da  terra,  dada  por 
Fernando  de  Magalhães,  já  Dom  Manuel  fazia  executar  uma  POMA  ou 
globo  solido  do  mundo  com  as  cartas  de  marear  de  Jorge  de  Vasconcel- 
los:  em  Lisboa  ou  nenhures  é  que  havia  a  intuição  mais  nitida  do  planeta, 
qual  o  haviam  revelado  as  navegações.* 


XLIX 


Introdução 


mil  Brurt  * 


IaRTINDO  do  simples  para  o  composto  e  do  conhecido  para  o  duv.doso.  anngom  se 

suhados  que  seria  difícil  obter,  se  intentássemos  penetrar  no  labmnto  em  que  lantòs 
'      e  tam  grandes  espíritos  se  perderam,  Perante  a  clareza  da  sôbr.a  ^^9""^^"'^^^^.°  .f/"^ 
La  do  historiador  brasHeiro  ]oào  Ribeiro,  como  estamos  longe  da  profusa  d'a^c  "  de 
Goncalves  olas.  na  polémica  erudita  que  o  grande  poeta  sustentou  nas  suas  ReUe.ôes 

CO.  o  Con-meir^^^^^^^^^^  ^^-^^^^^^  ,,,,  ,3ndo  o  depoi- 

.      Arjfles  Tusítano    protótipo  da  honra  cavalheiresca  e  a  mais  brilhante  figura  guerreira  da 
mento  do  «Aquiles  lusitano  .  P"'  ""P"  negociações  de  D.  loâo  II  revelam  a  forte  sus- 

'^'";^^::",^^3road''e:'::is''  zr::T:\%z\i{^:^L\....  ^^^.o.^<^^  do  „.a„has 

„1  DCTOcíuar  as  dúvidas  e  prolongar  as  inlerrogacôes  e  relicéncas  perplexas  dos  su  ess,- 
proporçSes  para  perpciuar  as  ou  P       «  ^^^^^^^  .^^.^.^^  ^  arqueologia  hislórica 

voí  intérpretes  desta  P/fma  da  H,s  ona^^  mediterrânea.  A  pertinácia  com  que  o 

reconstituiu  o  quadro  '^'l^'^ '^'^^^       dvilizações  caldaica.  babilónica,  assíria,  judaica,  lenida 

«'"'^ti^e  f  paíecTter  etrre  ido  pe^roftr^^^^  n,istérios  do  problema  dos  descobrimento, 

ccartag.nesa  parece  ter  esmo  e^      P  ^  ^^^^^  ^^^.^.^^^      resultados  que  almg.r.a  a 

Q„,s.se  3da  em  sentido  inverso  do  usado  no  método  cronológ.co  progresstvo: 

""'Tef  Ôelo  mi'odr;egre  sivo^S^^  no  estudo  da  geografia  fisica  se  partiu  das  idades  aCuats  da  Terra 
"  TL  oiLntZia  ! porque  não  aplicar  o  mesmo  processo  aos  períodos  controversos  da  Histó- 
A  nráticaTlVnstra  que  tftda  a  naíraliva  que  comece  no  duvidoso,  depressa  envereda  Para  a  cri- 
na? A  P"''"  ''''"X,"^^^^^^  da  América  s6  parece  um  enigma  porque  a  fantasia  alucmatória  de 
Co;:r'Ton^alídr  co:  a"'sisuda'discre,âo  po^.uguesa-o  envolveu  na  névoa  em  que  se  perdem 

os  "'^'Ori»^»;!^-  j  semelhança  dos  relatórios  de  Cabral,  dos  capitães  da  esquadra  e  dos  pilotos, 

as  cartas  de  Caminha  e  de  Se  ]oão  se  ttnham  perdido.  cA  que  inverosimeis  hipóteses  nao  se  have^ 
ri^rónlreaue  oríistoriadores,  no  eslôrço  de  reconstituir  com  as  imaginosas  versões  da  tempestade,  do 
Xe  das  co^enTls  oceânicas  e  do  acaso,  essa  página  tam  formosa  do  desembarque  dos  .cavaleiros 

"'"''Dia':;te''da  impassibilidade  scientifica  de  reconhecer  a  constrangen.e  influência  ^as  ventanias  e 
da,  correntes  como  determinante  do  desvio  de  Cabral  na  sua  róta,  sem  paragem  desde  as  andas  pa.sa^ 
«Òs  Tuná^  das  ilhas  de  Cabo  Verde  até  aos  luxuriosos  panoramas  tropicais  de  Vera  Cruz,  pod  a-se 
^essent  fTm  p  cut^Ôr,  como  as  equações  de  Le  Verrier  demonstraram  a  ''^ /  ^'^.f  ^  °; 
^  OS  argonautas  portugueses,  desistindo  de  ir  procurar  por  ocidente  o  velo  de  ouro  de  Tosca 

nelli  tinham  as  suas  razões.  É  impossível  negar  as  alegações  e  esperanças  de  Colombo  de  desembar 
«  em  Cwango  ou  Cathay:  as  terras  das  especiarias,  que  no  mapa  do  aulor  veneziano  do  Lwro  das  Ma- 
ZZs  do  Munáo  ficavam  a  mais  de  1500  léguas  para  o  Oriente  da  sua  situação  na  esfera  Na  corte 
poCuesa  d^  boa  fonte  se  sabe.  pois  que  é  a  da  experiência,  que  Colombo  se  Hude.  '«o  nao  obsta  a 
que  D  )oâo  II  proteste  contra  o  Breve  de  3  de  Maio  de  I«3.  Inler  ccetera  et  Ex,m,^  deuohoms.  e  o 


li 

I 

ti 


V 

I.v. 


d.,lc  ou  c.!.u.lld«dc  ío  doscobnmcnlo       C^^ral.  A  ■«'''"'f"'  ty  dZ-SV  lr  méslral  do  Insílulo  Mislórico  c  Geogrí- 

x^^,.T' '  '''"\r'o^„'itK%\p%.%  r3M^^^^^^^^  ' 

406  do  mnmo  T  ,  _  portugueses  nos  mares  da  Amírica,  menciona  a 

"  ito  Vcspucio.  esquece ndo-se.  ao  proclamar  tamanha  inius- 

cra  porluguísrde  que  loi  com  um  pilôio  português  que 
;  l?r*o  Pacilici;  de%ue  o  autor  do  7r./jdj)  dei  esphera 
iiUola  é  o  portugui-s  Francisco  Falciro;  de  tiue  o  por- 
que a  Carta  Real  de  6  de  Agoslo  de  1508.  pub  .cada 
.  mlerioridade  em  que  se  achava  a  marinha  espanhola  em 
niiftto  tòsse  autorizado  a  navegar  sem  o  quadrante,  o 
inos  dCDOis  o  '   >a.  t""  ^J^^s  cartas,  datadas  de  Sevilha. 

,    :-"°or.1'rês«         .  '.s  superiores  conhecimentos  dos  h^- 

.  i         .  .  .lado  que  Goncalves  bias  conironlasse  os  gro^elros 

Pinzon  -  que  se  orientaram  pela  allura  polar -com  a  '-'"«^^f ^f. 
i  ir  como  impróprio  da  sua  inteliséncia.  argumento  iam  absurdo,  que  nos 
dos  se^i  os  do  empregado  comeFcial  dos  Médicis.  para  explorar  as  terras 

.   L-  iflaa  it/W* 


..  1  ,u  hl 

irrcte.  no 


Vot.  III.  a  paa. 
I  com  a  portuguesa. 
ICO  Reqimenlo :  e 

.,,  V.  ,.  .1... 


de  Lkpaitiu.  io.io  í)í^» 
n,i<;sagem  do  finisterra 
obra  náutica  da  litt 
cosmóo 
>rt,  dem 
tli.inte 


k  .irlos  \' 
299  da 


idos  por  Colombo.  Hojcda 


que  Uuarie  l'atiicco  c  i-abul  Imtiaiii  ii*io  manaji-loi  a  reconhecer  em  1499  e  ISOO. 


L 


/ntrodução 

Breve  do  dia  seguinte,  que  já  restringe  as  concessões  exorbitantes  do  anterior,  obtidas  por  Bernardin 
de  Carvajal  e  Ruiz  de  Medina.  O  primeiro  doava  a  Fernando  de  Castela  e  a  Isabel  de  Aragão,  que  ti- 
nham unificado  a  Espanha  no  tálamo,  omnes  insulas  et  femis  firmes  inventas  et  inveniendas,  ííetectas  et 
deteqendas  uersus  occidentem  et  meridiem...  O  segundo  já  decretava  que  as  concessões  espanholas 
abrangeriam  apenas  as  terras  a  poente  de  uma  linha  meridiana.  traçada  a  100  léguas  a  oeste  e  ao  sul 
das  ilhas  dos  Açôres  e  de  Cabo  Verde:  qu(e  iinea  distet  a  qualibet  insulanim  qucp  vulganter  nuncu- 
pantur  de  los  Azares  y  Cabo  Verde  centum  teneis  versus  occidentem  et  meridiem...  Resolutamente  o 
rei  de  Portugal  protesta  contra  a  partilha  magnânima  do  pontífice  espanhol,  mas  o  exame  das  suas  re- 
clamações revela  que  nâo  é  o  receio  de  ver  atribuidas  à  Espanha  as  regiões  meridionais  da  Asia  (das 
quais  se  aproximam  cada  vez  mais  as  naus  portuguesas)  que  determina  o  protesto.  Se  em  Portugal  se 
acreditasse  que  Colombo  atingira  a  Ásia  pelo  caminho  rápido  do  Ocidente,  a  circunnavegaçao  da  Africa 
teria  sido  interrompida  e  as  caravelas  portuguesas,  que  havia  mais  de  meio  século  desciam  a  costa  afri- 
cana à  procura  da  passagem  para  o  mar  das  índias,  fariam  prôa  ao  poente.  Para  lustificar  a  rebeldia 
contra  o  decreto  da  Cúria.  D.  leão  II  podia  invocar  as  bulas  anteriores  de  Nicolau  V  (8  de  laneiro  de 
1454)  e  de  Calixto  III  (13  de  Março  de  1455).  confirmadas  por  Xisto  IV.  que  Alexandre  IV.  o  pontífice 
espanhol  anulara  ao  anúncio  do  regresso  da  frota  de  Colombo,  carregada  de  escravos. 

As  navegações  para  o  Oriente  prosseguiram,  mas  as  reclamações  foram  sustentadas. 

Os  trofeus  que  Colombo  trazia  da  Guanahani  e  da  Mayaguana.  e  que,  por  fôrça  maior,  veio  exi- 
bir a  lisboa.  eram  a  prova  de  que  nâo  atingira  os  arquipélagos  asiáticos.  Só  a  cegueira  de  Colombo 
podia  identificar  a  Ásia  de  Marco  Polo.  a  Ásia  dos  esplendores  e  das  especiarias essa  Asia  que  ha- 
via  tantos  séculos  estava  em  relações  comerciais  seguidas  com  a  Europa,  por  intermédio  das  caravanas 
arábicas-  de  onde  proviéra  o  Cristianismo,  seguindo  o  itinerário  de  todas  as  religiões  monoteislas. - 
com  aquelas  ilhas  habitadas  por  canibais,  i  Teria  sido.  então,  para  capturar  alguns  Papaga.os  e  chegar 
ao  contacto  com  uma  humanidade  primitiva  e  selvagem  que.  durante  tantos  anos  de  dispêndios  e  catás- 
trofes, a  nação  gastara  o  melhor  do  seu  heroísmo  e  dos  seus  haveres?  Basta  encarar  êste  contra-senso 
para  conceber  a  incredulidade  de  D.  ]oão  11 -embora  o  tivesse  impressionado,  a  princípio,  a  côr 
dos  cativos,  trazidos  por  Colombo. -e  para  compreender  a  política  a  que  fez  obedecer,  como  um  diplo- 
mata consumado,  as  negociações  ultimadas  em  Tordesilhas. 

O  historiador  henry  Vignaud.  entre  os  motivos  que  expõe  na  análise  exaustiva  da  carta  de 
Toscanelli  para  considerá-la  apócrifa,  menciona  o  de  não  cogitar  ainda  Portugal,  no  fim  do  remado  de   , , 
D  Afonso  V.  nas  índias  asiAticas.  mas  apenas  nas  índias  africanas  do  Preste  ]oao. 

Entre  a  carta  de  Toscanelli.  que  nos  foi  revelada  pelo  próprio  filho  de  Colombo  e  que  teria 
sido  escrita  a  um  cónego  Fernão  Martins,  em  25  de  ]unho  de  1474.  e  a  partida  do  descobridor  incon- 
r^ente  da  América,  em  3  de  Agosto  de  1492.  para  as  Antilhas,  decorreram  dezoito  anos.  Em  Dezembro 
dc  88  Bartolomeu  Dias  regressava  do  Cabo  da  Boa  Esperança,  de  descobrir  a  passagem  para  o 
(ndi  o  havendo  partido  no  verão  do  ano  anterior.  Neste  mesmo  ano  de  1487.  D.  )oao  II  n^andára  Pero 
da  Covilhã  e  Afonso  de  Paiva  renovar  a  tentativa  de  dois  anos  atrás,  para  se  ahngir  a  costa  oriental 
da  África  Se  de  facto,  o  objectivo  das  navegações  portuguesas  fósse  apenas  a  índia  afncana  o  re.  de 
Porfu  ^ter^  prosseguido  à  obra  de  D.  ]oâo  l.  de  D.  Duarte  e  dos  pruneiros  anos  do  remado  dc  seu 
Se iresco  pai.  obra  truncada,  apenas  assinalada  pelas  tomadas  vingadoras  de  Tanger  e  Arz.  a.  Mas 
«ac  amrn  e  a  falta  de  continuidade  nessa  empresa  militar  c  não  parece  md.car-nos  que  o  objcct^o 
Tor  ^guês  visava  a  navegação  comercial  do  Índico?  Nâo  faltaram  historiadores  que.  ^"^''^^^^^o  os  acon^ 
fprVmPntos  dos  séculos  XV  e  XVI  com  a  moderna  mentalidade,  sal.enlaram  o  erro  do  sobre-humano 
l"p~^^^^^^  <íue  essa  ambição  heróica  de  alcançar  a  a.r^^^^^^^^^^^ 

fni  rAura  de  enfraquecimento  e  ruina.  e  que  haveria  sido  muito  mais  profícua  e  menos  d  spendiosa  a 
ó  a  err  stre  pl  en  aS^^^^    o  impetuoso  heroísmo  português  para  o  litoral  africano  ^Wd..erràneo 

asiát  CO  do  Irai  mediterrâneo,  contornando  o  bloqueio  turco,  suplantando  a  cara.ana  com  a  esquad  a. 


A  INDIA  ASIA 


Introdução 

nação  a  tamanho  empreendimento.  Parecem-nos  ociosas  quaisquer  conjecturas,  quando  a  empresa  gigan- 
tesca foi  concluída  pela  nação  pigméa. 

A  verdade  é  que  não  havia  outro  modo  de  resolver  o  problema  das  relações  marítimas  da 
Europa  meridional  com  o  Oriente  asiático.  A  viagem  da  circunnavegaçào  da  África  era  imensa,  mas  que 
nío  exislia  caminho  mais  curto  todos  nós  o  sabemos,  pois  só  depois  de  Lesseps  praticar  a  incisão  do 
istmo  de  Suez  os  navios  deixaram  de  seguir  a  róia  de  Vasco  da  Gama,  como  ainda  hoje  a  navegação 
entre  a  Europa  e  o  Brasil  austral  se  orienta  pela  mesma  róta  de  Cabral,  pelas  mesmas  estradas  maríti- 
mas, com  as  mesmas  escalas.  Havia,  sim.  um  outro  caminho,  mas  mais  extenso  que  o  périplo  africano, 
(45).  por  onde  passou,  com  a  energia  despótica  de  um  tirano  e  a  audácia  sombria  de  um  super  homem, 
depois  das  execuções  punitivas  na  costa  patagónica,  o  pilòlo  português  Fernão  de  Magalhães,  coman- 
dando uma  frota  de  Espanha. 

Quando  a  viagem  da  índia  vai  vencendo  as  morosas  escalas,  o  Mediterrâneo  está  fechado  ao 
Oriente  pelos  turcos  e  o  litoral  africano  encontra  se  na  posse  dos  mouros.  Para  Portugal  havia  só  o 
recurso  de  lançar-se  ao  mar.  Os  cavaleiros  de  Cristo  e  de  S.  Tiago  apearam  se  dos  ginetes  e  subiram  para 
o  convés  das  naus.  É  essa  «cavalaria  dos  oceanos»  que  desvenda  os  mistérios  aquáticos  do  globo,  que 
gradualmente  desce  e  remonta  o  continente  africano,  que  põe  a  Europa  em  contacto  com  as  milenárias 
civilizações  orientais,  apaga  com  audácia  impávida  as  legendas  assustadoras  dos  finisterras,  corrige  os 
erros  da  geografia  de  Ptolomeu,  descobre  as  constelações  dos  novos  céus  austrais:  que  dá  motivo, 
enfim,  para  que  Duarte  Pacheco  Pereira,  começando  a  escrever  o  Esmeraldo,  nos  primeiros  anos  do 
século  XVI.  assim  possa  rematar  a  oferenda  do  prólogo  a  D.  Manuel:  apoderemos  por  vós  dizer  o  que 
disse  UergHio  por  Cesúr  Augusto:  ~  *Tu  és  governador  do  grande  mar  e  todos  honram  as  tuas  gran- 
desas  e  a  ti  sirva  a  ultima  Thulle*. 


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DESCOBRIMENTO  das  Antilhas  apresenta-se  nos  como  um  episódio  à  margem  das  nave- 
gações lusitanas,  pois  os  navegadores  do  Índico  haveriam  de  tocar,  um  dia,  na  América 
Austral  e  as  expedições  dos  Còrte-Reais  acabariam  por  atingir  (como  atingiram  em  1500) 
as  terras  da  América  setentrional.  (46)  acrescentando  ao  mapa  do  mundo  um  continente. 
Assim,  num  breve  ciclo  de  oitenta  anos,  Portugal  leria  completado  a  revelação  dos  mundos 
novos,  embora  Colombo  houvesse  continuado  em  Cénova  a  humilde  profissão  paterna  de  tecelão  (47). 

Os  erros  acumulados  dificultam  o  trânsito  do  pesquisador  no  caminho  da  verdade.  É  necessá* 
rio  transpor  ésses  erros  com  resolução.  A  história  do  descobrimento  da  América  ainda  aguarda  o  histo- 
riador que  repita  a  revolução  operada  por  Momsen  na  história  de  Roma  (48).  Como  a  alquimia  e  a  as- 
trologia medievais,  a  sciéncia  histórica  está  inçada  de  preconceitos  empíricos.  Menos  feliz  do  que  as 
sciéncias  positivas,  baseadas  na  observação  e  na  análise,  e  que  se  insubordinaram  contra  os  erros  do 
passado,  a  História  continua  acorrentada  às  versões  dos  cronistas,  que  atestam  frequentemente  de  me* 
mória,  que  são,  bastantes  vezes,  os  fixadores  de  tradições  orais,  cujas  obras  veneráveis,  mutiladas 
pela  censura  como  monumentos  incondusos,  tiveram  de  submeter-se  às  conveniências  do  Estado, 
sem  violarem  os  arquivos  secretos  onde  os  reis  guardavam  as  chaves  da  sua  diplomacia  e  da  sua 
politica. 


(45)  PemAo  de  MagalliSes  nivcsou  14.47S  milhas  de  S.  Lucar  às  Molucas. 

(46)  Segundo  o  P.«  Cordeiro,  na  Historia  Insulans,  só  cscríla  no  princípio  do  século  XVill,  }oio  Vaz  Còrte-Reat 
e  Alvaro  "<  ''  I  .  Homem  teriam  desembarcado  na  ilha  da  Terceira,  de  regresso  da  Terra  Nova  dos  Bacalhaus,  por  volla  de 
1464,  e.  <  <  do  vaga  a  capitania,  por  morle  de  lacomo  dc  Bruges,  a  solicitaram  da  viuva  do  Duque  de  Viseu.  Esta  nar- 
rativa (a  111  da  op.  cit.)  é  Inspirada  e  em  pjric  n-produílda  do  cap  IX  do  Liv.  IV  das  Saudades  da  Tem,  do  dr. 
Qaspar  I  ■  .Jo  dc  Alvaro  Rodrigues  de  Aiovcdo.  Funch.il  1873)  Honr\'  Harrisse.  em  ics  Corie-Reãl  el  leurs  voyjges 
ãu  Nouii  ^,  1883)  demonstrou  com  o  ^alionlc  auxilio  das  r  <:ões  de  Ernesto  do  Canto,  que  nlo  tiá  base 
para  adiu  ,1  Vaz  CÕito-Real  tenha  descoberto  o  continente  .1  -o. 

(47)  *Seriã  a  Ametica  fatalmente  descoberta  pelos  portugueses  dentro  de  pouco  tempo,  ainda  que  Colombo  não 
existira;  '  '  dos  mares  africanos,  afastavam-se  sempre  para  oeste  com  o  fim  de  evitar  as  calma- 
rias da  ■  ito  do  Brasil.  pí>is  foi  o  que  sertã  cgualmente  o  da  America,  um  episodio  do  périplo 
africano'.  João  K.t>v:iio.  íiiHtjtij  bt^itt.  pig.  28. 


(••■■^      ■  .... 
l'AmfrÍqae.  i< 

auteurs  de  noui-  u-iiij>,,  ,  ,1  > víJj. 
LII 


ffirmer  dès  main'  -  -  '   c'est  que  Vhisloire  des  Cãti  nrcliatcs  de  la  découuerle  de 

Humboldl  el  V.  jo  Irmng.  el  telle  que  la  :inciil  encore  la  pluparl  des 

crireK  Utiiry  \/ignaud.  La  lettre  el  la  Carte  dn  íoscanelti.  *  pág.  6. 


Introdução 

É  eKtremamenIe  moroso  o  curso  de  uma  idéa  nova  até  à  sua  incorporação  na  História.  Peto 
que  respeita  propriamente  ao  assunto  das  expedições  atlânticas,  os  recentes  trabalhos  de  historiadores, 
geógrafos  e  scienllstas.  como  os  de  Beazley.  de  harrisse,  de  Ravenstein.  de  Vignaud,  de  Densaúde,  de 
Luciano  Pereira  da  Silva,  que  acumularam  provas  inéditas  e  múltiplos  indícios  para  a  estrutura  de  novas 
conjecturas,  não  puderam  ainda  influir  decisivamente  na  alteração  das  antigas  e  erróneas  concepções,  im- 
postas pela  autoridade  de  nomes  consagrados  que  imperam  nas  altitudes  da  sabedoria  humana.  A  in- 
fluência dos  novos  Aristóteles  não  durará,  porém,  o  que  durou  a  do  primeiro  génio  da  dinastia. 

O  homem  habitua-se  ao  que  sabe  e  dificilmente  condescende  em  reconhecer  o  érro  que  inuti- 
liza êsscs  conhecimentos  laboriosamente  adquiridos.  Outra  não  é  a  causa  a  que  se  deva  atribuir  — para 
só  citar  um  exemplo —a  relutância  dos  astrónomos,  dos  matemáticos,  de  tôda  a  sciéncía  universitária 
em  geral,  para  admitir  a  teoria  astronómica  do  cónego  polaco  de  Frauenburg.  Muito  tempo  depois  da 
publicação,  em  1543.  do  De  reuolutionibus  orbium  ccelestium.  que  só  aos  setenta  anos  Copérnico  se 
resolveu  a  imprimir  em  Nurembergia,  dedicando-o  ao  papa  Paulo  IM,  ainda  nas  universidades  os  sa- 
pientes  doutores  e  orgulhosos  capelos  ministravam  a  errónea  (se  bem  que  maravilhosa  cm  seus  resul- 
tados surpreendentes)  concepção  piolomaica  da  astronomia,  sôbre  cuia  base  convencional  a  humanidade 
havia  realizado  alguns  dos  mais  grandiosos  empreendimentos,  como  as  descobertas  dos  mundos  novos 
que  demoravam  incógnitos  na  imensidade  das  águas,  circundados  pelos  abismos  oceânicos.  Só  no  século 
XVII,  o  sistema  heliocêntrico  do  observador  da  Cúria  Copérnico  foi  unanimemente  aceite,  depois  de  cor- 
rigido o  érro  da  órbita  circular  dos  planetas,  e  depois  que  Galileu,  inventando  a  luneta  astronómica, 
tornou  possível  a  observação  das  fases  de  Vénus,  dos  satélites  de  ]úpiter  (Mundus  Jouiâfis)  e  das  man- 
chas móveis  do  Sol,  que  tornaram  manifesto  o  movimento  de  rotação  do  globo  solar  e  permitiram  à 
imaginação  humana  lobrigar,  ao  depois,  a  existência  de  outros  milhões  e  biliões  de  sóis  chamejantes, 
centros  de  sistemas  planetários,  revoluteando  nos  incomensuráveis  espaços  celestes. 


OLOMBO  é  um  nome  que  principia  a  designar  para  os  historiadores  mais  uma  data  eterna 
do  que  um  homem  efémero.  Na  viagem  às  Antilhas,  os  povos  europeus,  fundadores  da 
néo-civilizaçào  americana  (pois  que  na  América  central  e  transândina  tinham  encon- 
trado sobrevivência  dc  remotas  civilizações,  comparáveis  aos  pródromos  das  civilizações 
egipcia  e  assíria)  simbolizaram  o  assombroso  acontecimento  social  que  dessa  viagem 
mística  e  aventureira  resultou.  Para  ser  exacto,  o  historiador  não  pôde  apelidar  Co- 
lombo de  descobridor  da  América. 

O  nauta  genovês  encontrou  a  América,  ignorando-a;  visitou-a  em  mais  três  viagens,  tenaz- 
mente convicto  de  que  navegava  nos  mares  asiáticos,  olhando-a  sempre  através  da  mesma  ilusão  com 
que  da  primeira  vez  a  avistara  do  convés  da  Santa  Maria  (49).  Flagrante  inexactidão  seria  atríbuir  lhe  o 
descobrimento  de  um  continente  novo.  quando  o  infeliz  grande  homem  assim  persistia  na  crença  de  ha- 
ver atingido  os  confins  orientais  da  Asia,  e  não  as  regiões  de  apagada  memória,  por  onde,  havia  mile- 
nários, tinham  transitado  as  nómadas  multidões  humanas,  isoladas  mais  tarde  pelas  gigantescas  convul- 
sões geológicas  e  os  dilúvios.  Colombo  nunca  entreviu  a  correlação  das  lendas  com  as  realidades  ime- 
moriais e  as  remotas  convivências  do  homem  europeu  e  asiático  com  o  seu  irmão  americano.  Este  rea- 
lizador de  quimeras,  colocado  pelo  acaso  diante  da  mais  grandiosa  das  realidades,  supõe  encontrar  se 
(quando  exausto  de  procurar  a  Cypango  das  maravilhas)  nas  visinhanças  das  regiões  metafísicas,  onde  a 
antiguidade  clássica  localizava  o  Eden  e  os  Campos  Elísios,  e  onde  o  protegido  dos  frades  arrábidos 


A  rnvrff"-.(n 


Ur»  AMI  HtLA 


(49)  Ao  historiador  geógrafo  F,  Wicscr  deve-se  a  descoberta,  num  códice  Iloríniinn.  quMra  psboço?  rartopríficot, 
desenhados  à  margem  da  cópia  de  uma  carta  de  Colombo,  dat.id.i  da  ]3maic.i,  .los  7  il  n 
cartográficos  devidos  a  Bartolomeu,  irmão  de  Crislovào  Colombo  e  seu  companheiro  de  -  n 

da  das  erróneas  concepções  cosmográfica»  de  Colombo.  A  costa  entre  Danasse  e  Retrete  €  id  como  sendo  «  coíla 

orienta!  da  China  (Sinaruni  sttusf .  no  lado  oposto  a  Retrete  assinala-sc  o  litoral  do  Panam-í,  b,.L  i  -lo  Ocejínus  Indtcus. 
Isto  passava-sc  três  anos  depois  que  Colombo,  ro  decurso  da  3,'  viagem  (1498-tsoO)  avistara  a  terra  lirme  de  1'úrla.  vislnha 
daquele  rio  Dulce  (o  Orenoco)  a  que  Pmzon  Iria  no  último  ano  do  sículo  XV.  e  que  se  procura  idcntilicar  com  o  Amazona». 
Cí.  Wiescr,  Die  Harte  des  B*rtolomeo  Colombo.  Insbruck.  1893. 

Llll 


Introdução 

pretendia  dever  encontrar-se  o  Paraíso  bíblico  (50) -pois  na  sua  imaginação  exaltada  as  reminiscências 
clássicas  misiuravam-se  aos  êxtases  e  arrebatamentos  de  um  místico  medieval  (51)  Êsle  delírio  religioso 
nâo  prejudicava  a  ambiçào.  por  vezes  áspera,  de  um  megalómano,  exasperado  por  longa  abstinência  de 
ventura,  deslumbrado  petas  visões  de  minas  de  ouro.  bancos  aquáticos  dc  pérolas,  jazidas  de  carbúncu- 
los e  de  esmeraldas.  Clinicamente.  Colombo  foi  já  classificado  por  Lombroso  como  um  herói  patológico, 
acometido  pelo  delírio  das  grandezas,  sôfrego  de  lílulos.  de  riquezas  e  de  honras;  e  infunde  surprèsa 
ver  tão  exaltada  fé,  posta  ao  serviço  de  uma  expedição  mercantil,  em  que  os  Pinzon  entraram  com  sa- 
liente cooperaçáo.  a  título  de  sócios  de  um  negócio  fascinador,  que  prometia  lucros  fabulosos  (52). 


n.o  ç^or- 


.  L^.^^f^l- 


«  .o,  .... 

De  lado,  a  Amírica  s6  é  descoberta  na  sua  conlinuidade  territorial  -  embora  ainda  com  limi 
^  .ntprecsos-pela  expedKâo  clandestina  de  um  dos  consultores  técnicos  de  Portugal  em  To rdesil  T 
Duane  Pacheco  Pere.ra.  em  1498  (53),  e  pelas  viagens  quási  simultâneas  de  Pedro  Alvares  CabrTa  Vera 


nas 


d 
l.r 


ífluaj  ajl(),id4s  do  mar)  '         ^  "  ™'  «  a  'nwísao  das  águas  doces  dos  , 

Cana  dl-  Colombo  .tos  R.                                                          '^'J  opinon  de  estos  súnios  c  sumos  i, 

'    ■  ■'.  i.  íJ.iá-  408, 

 ,    ,   .."ílSe-SV^r"  Colombo  .r.  L-epoc.  deite  Grandi  Scoperie : 

■lenti  sinsoían  delia  suã  dotrhna  co  '  ^  ^cufezzã  di  osserujzione.  nè 
  -..  op.  cit.  pág.  289.  ritj,  e  misetãmenle  distralla  d* 

(S2)    O  CU»IO  tOl«l  da  CxpcdíC^JO  foi  de  1  167  M?  mirMif^lc  A  , 

■'■  ' '''^o  de  maravedis,  sendo  o»T             "  brasifeira)  ou  £  9M). 

■s  n.wtos  pr.i  proprirí1,>ilr  rf,,  tolombo.  Ao  conrr.irio  do  que  por  muilo 

■nto  de  ini.  '     J"""           '""""^ncia  paw  a  .iqui- 

. cr  modo  f ^  1".^"  de  la  Cosa: 

.»pí^ò^<^;S'   ~í  ,  .  ,  '=i 


líoii.  cm  1S08,  reclamando  o  ctJ 


A  Coròa  < 

tempo  Sr 

ti'  .1 

njLiiliiÍ4iii;  u 
foram  considerai. 

'lada  nórida.'«Solu,  ,    -°„,í*^  S'"oví'  Canério(IS02).  composto  com 

*    •'"na  do  descobrimento  da  Amenca  1"*".  Ponce  de  Uon.  Pste 

■*     ■      ■  rtintnca  ,  ^  .^jp^      Cantino.  Harrisse  (Les 


os  Reis.  Durante  trinta 
por  H.  Harrisse.  Paris. 


Corte  fie.ll  et  leurs 
LIV 


Mondej  observa:  -nous  jvons  ,a  u,,     n-  ,    LV^^^"      Cantino.  Harrisse  (Les 


Introdução 


Cruz  e  de  Gaspar  Côrte-Real  à  Terra  Nova.  É  com  a  notícia  destas  duas  últimas  viagens,  realizadas  no 
último  ano  do  século  XV  nas  Américas  setentrional  e  austral,  e  de  outras  misteriosas  navegações  por- 
tuguesas na  América  central,  que  o  embaixador  Alberto  Cantino  manda  compor  em  Lisboa,  em  1502  o 
planisfério  iluminado,  remetido  ao  duque  de  Ferrara  (54).  em  cujo  pergaminho  aparecem  traçadas  a 
Groelândia  e  as  terras  do  Lavrador  e  dos  Dacaláos,  prolongando-se  até  às  regiões  da  América  Austral 
aonde  acostára,  na  róta  da  índia,  por  16«  16',  aproximadamente,  de  Latitude  S.,  a  expedição  de  Cabral 
como  ao  depois  a  de  Afonso  de  Albuquerque,  em  1503  (55).  Éste  mapa.  considerado  em  seguida  ao 
fragmento  de  ]uan  de  la  Cosa.  o  primeiro  grande  monumento  cartográfico  da  América,  representa  um 
depoimento  decisivo  acêrca  do  papel  proeminente,  desempenhado  nas  navegações  do  Atlântico  ocidental 
pelos  antepassados  históricos  dos  Brasileiros  e  revela  ao  mundo  a  ligação  continental  das  regiões  tro- 
picais de  Vera  Cruz  com  as  terras  glaciais  do  Lavrador,  delineando  o  litoral  da  península  da  Flórida, 
aonde  só  em  1508  chegou  Sebastião  d*Ocampo.  São  essas  viagens  — das  quais  uma  proposital  (56),  e 
outra  que,  erròneamente,  se  tem  denominado  incidental  —  que  inspiram  o  primeiro  planisfério  do  século 
XVI  em  que  aparece  o  esboço  do  continente  americano. 

O  primeiro  mapa  do  novo  continente  é.  pois,  português  e  consequência  das  viagens  simultâ- 
neas de  Côrte-Real  e  Pedro  Álvares,  completada  esta  última  por  uma  série  de  expedições  clandesti- 
nas, realizadas  entre  os  anos  de  1500  a  1502  boreal  e  austral  do  continente  americano.  Resultante  da 
concordância  destas  diversas  informações  geográficas,  aparece  a  imagem  da  América,  a  primeira  fi- 
xação pictural  da  idéa  da  unidade  continental,  fundada  na  observação  directa.  Até  êsse  momento, 
nenhum  documento,  de  qualquer  natureza  ou  procedência,  permite  atribuir  à  Espanha  e  aos  seus  na- 
vegadores a  concepção  da  unidade  continental  das  terras  do  Ocidente.  Existe,  sim,  um  outro  documento 
anterior,  mas  que  só  confirma  a  prioridade  da  surpreendente  concepção  portuguesa  do  continente  ociden- 
tal. É  a  carta  de  Pascuáligo,  escrita  de  Lisboa  aos  18  de  Outubro  de  1501.  (57)  relatando  a  chegada  de 

traeé  et  dhrit  êpparcmcnt  <ie  visu  te  liltor.it  des  États-Unis:  fjit  .i"  ■^ídér.tble  qu  inãtlendu* .  .  .  Ncntium  grande  geó- 

grafo confronlou  ainda  o  ptanistírio  de  Cantino  com  a  passagem  do  /.  ííi,  em  que  Duarte  Pjchcco  Feteira  menciona  a 

viagem  de  cNplor.iç.lo  (luo  no  ano  de  1498  empreendeu  para  as  parles  otidvnuls.  Apenas  os  tiistoriadores  mala  modernos,  como 
Errera.  se  relerem  .is  •■>i\--iier(c  che  ignoti  nm-injton  porioghesi  (?)  compierono  intorno  al  iSOl  tango  te  coste  deitã  ftorida  e 
forse  detta  drotina ...» 

(54)  O  planisfério.  enviado  de  Lisboa  a  Hercules  dTsic.  duque  de  Ferrara,  em  dat.i  tlK.ida  anleriormcntc  a  19  de 
Novembro  de  1502,  cncontra-se  na  Biblioteca  Estense  dc  Mddena.  Um  decalque  do  documento  original,  executado  pelos  profet- 
sores  da  Escola  Militar  de  Módena.  Malatesta  Zattcra  c  Antilti,  foi  reproduíldo  etn  fac-simile  por  PIliuski  para  a  obra  dC  Henry 
Harrisse:  <íf5  Cortv-fif.it  ct  i/ofages  au  Nouveau  Monde*  (1863),  com  as  dimensões  X^^.TO  ::  l'n.21.  No  prtlogo  dpso  obra 
escreveu  Henry  Harrisse:  «O  planisfério  de  Cimino,  além  do  inleri>sse  excepcional  que  desperta,  fjirndo-nos  r  as 
regiõti  msitjdas  ou  descobert.is  por  Gaspar  Côrte-Reat,  revela  f.iclos  que  icranlam  um  problema  cosmogrifico  .  ,  por- 
fância  n.io  escapará  ao  leitor.  Não  iàmente  os  geógrafos  rcconhecerJo  nos  contornos  ocidentais  o  protótipo  dos  delinea- 
mentos do  novo  continente,  que  se  nota  em  todas  as  edições  de  geografia  de  Ptolomeu,  publicadas  em  Itália,  na  Alemanha 
0  em  t-ran(a,  até  ao  meado  do  século  XVI,  mas  verão  com  surpresa  que  o  litoral  da  península  da  Flórida  e  da  parte  oriental 
dos  Estados  Unidos  foi  descoberto,  explorado  e  a  êle  deram  nome  navegadores  que  se  ignora  quem  tossem  e  qual  a  sua 
nacionalidade,  doie  anos  antes  pelo  menos  da  mais  antiga  expedição  de  que  haja  memórià'. 

Por  ocasí.1o  do  úllimo  Centenário  do  descobrimento  da  América,  figurou  na  scccAo  portuguesa  da  cxposiçSn  f 
bina  de  Madrid  uma  cOpia  fologr.ilica  do  mapa  de  Cantino,  enviado  pela  Societ.í  Geographica  Italiana  de  Roma  ao  M 
dos  Negócios  Estrangeiros,  de  Portugal.  Esle  monumento  cartográfico  cncontra-se  também  na  colecção  de  reproduçin- .  inUi- 
gnificas,  executadas  sob  a  dirccç-lo  do  historiador  o  geógrafo  americano  Edwar  Lulher  Sfcvenson  l^h.  D.,  editada  em  New 
Drunswiclí  (I90&).  c  que  consta  de  vinte  mapas,  reproduzidos  em  124  lolhas.  nas  dimensões  dos  documentos  cartográficos 
originais,  acompanhados  de  texto  e  mapas  interpretativos,  in  quarto.  O  mapa  de  Cantino  (Carta  de  navigar  per  te  Isole  nova- 
mente trovato  in  le  parle  de  1'lndia)  é  o  numero  um  da  colecção,  como  a  primeira  Imagem  pictural  da  América,  c  está  publi- 
cado em  15  (olhas  de  300  ::  480  mm,  com  a  seguinte  nota  Informativa:  tNcat  to  the  Juan  de  la  Cosa  map  the  oldest  knou/n 
cartographiral  document  on  America.  It  records  tlie  discoverivs  of  the  ihird  r  -f  Colombus  (1498),  ot  the  voyage  ot 

hoieJa  lo  Venezuela  (N90),  of  Cabral  lo  Brazil  (ISOO).  and  of  Corle-Reals  to  Neu  ■  id  (ISOl).  It  appears  to  be  lhe  u/ork 

of  an  Itatian  copyist  hased  upon  Spanish  and  Porluguese  sources. 

(55)  A  I3ahia  Cabrália.  desde  a  ponta  de  Sanio  António,  ao  norte,  afé  à  Corôa  Vermelha,  ao  sul.  compreendendo 
os  recifes  Sequaratvba.  Itassepanoma,  Alagadas,  Baixinha  da  Coróa  Vermelha  c  rocha  da  mesma  Corda,  mede  12.954  metros  de 
comprimento  sobre  5  556  de  largura. 

As  coordenadas  da  ponta  noric,  que  tórma  uma  das  entradas  da  bala,  sAo  a  latitude  de  I6o  15'  35"  e  a  longitude 
de  Ao  9'  15",  referida  ao  meridiano  do  Rio  dc  Janeiro. 

Na  sua  carta  a  D.  Manuel,  o  'bacharel  mestre  Joham.  ffsico  c  cirurgião*,  assinala  a  latitude  dc  17  aráos:  >ayer 
segunda  feira,  que  fueron  27  dc  Abril,  desçendimos  a  Herra,  yo,  e  el  pylato  do  capytan  moor.  e  el  pyloto  de  Sancho  do  Tovar; 
e  tomamos  a  altura  dei  sol,  al  medjo  dja;  e  falíamos  56  grrados,  e  ta  sombra  era  septentrional  (deve  entender^sc  meridional). 
Por  lo  qual  segundo  las  rreglas  dd  estrolabjo,  jusgamos  ser  afastados  de  la  equinoçial.  por  17  grrados*.  (Corpo  (Tron,.  parie 
3.>,  maço  2.  n.o  2)— (Descoberia  por  Varnhagen  e  publicada  na  Revista  Trimestral  do  «Instituto  Histórico  e  Oeogriflco*  do 
Rio  de  janeiro,  em  1843.  a  carta  dc  Jobanes  arttum  et  medicina  bachalaurius  está  transcrita  a  pág.  122.123  de  Alguns  docu- 
mentos da  Torre  do  Tombo.) 

(56)  O  mapa  de  Cantino  é  antecedido  pela  carta  de  Pietro  Pascu.iligo,  escrita  em  18  dc  Outubro  de  ISOl.  extraída 
pelo  paleógrafo  c  historiador  Rank  dos  arquivos  de  Veneza,  e  onde  o  autor  narra  ao  Senado  Veneziano  a  chegada  de  um  dot 
navios  que  partiram  com  Oaspar  Cõrte-Real.  no  rumo  tradiciona.  das  expedições  da  audaz  e  heróica  lamilia :  «Crêem  os  da  dita 
carafella  —  QScreve  Pascuáligo  —  çuc  a  sobredita  terra  à  firme  e  csfã  ligada  com  a  outra  que  o  anno  passado  foi  descoberta 
a  oeste  por  outras  caravellas  de  Sua  Alteza .  .  .  Também  crêem  estar  ligada  com  as  Antilhas,  que  foram  descobertas  pela 
hespanfta  e  com  a  Terra  dos  Papagaios  (Brasil)  ullimamenie  achada  pelos  navios  deste  reino  que  foram  a  Calecut.» 

(57)  M.  Sanulo.  Diari,  códice  Marciano,  VII,  228. 

LV 


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M  ...  .i'i.O. 
CARTA  De 
PASCUAllOO 
(IHI) 


Introdução 


Mipa  d«  Canário,  análogo  ao  d«  CanMno.  na  parta  corr««pondenia  k  matma  ragllo  amarlcana, 

«Mtraldo  do  Ailjt  dp  Kraiachmvr 


1 

1 


introdução 

um  dos  navios  de  Côrte-Roal.  no.  regresso  da  Terra  Nova:  ^quat  terra...  etiam  credono  coniungerse  con 
ie  Andiíie,  che  furono  discoperte  per  li  reali  di  Sp.igna.  et  con  la  terra  dei  Papagá.  nouiter  trovata  per 
la  naue  di  questo  ré  che  andarono  in  Calicut...»  Esta  carta,  encontrada  pelo  historiador  Ranke  na  biblio- 
teca Marciana,  foi  comunicada  a  Humboldt.  A  surprésa  do  genial  geógrafo  devia  ter  sido  grande  perante 
um  documento  em  que  se  provava  que  já  antes  da  primeira  viagem  de  Colombo  a  Honduras  e  Verágua 


C«rt»  oritnui  âm  T«rr»  Nov*.  dc  P.dro  R«ln«l.  ih»,  copiada  Ho  Aila.  d«  Krciichratr 

se  sabia  em  Portugal  que  as  nevosas  terras  setentrionais  do  Ocidente  se  ligavam  sem  solução  de  conti- 
nuidade às  terras  das  aves  faladoras,  no  hemisfério  austral. 

Perante  a  revelação  prodigiosa,  que  abalava  tantas  das  suas  convicções.  Humboldt.  incrédulo, 
exclama :  ^cette  dwination  qui  proclame,  malgré  íabsence  de  tant  de  chainons  intermédiaires  une  liai- 
son  contineníale  entre  le  Brésil  et  les  ferres  glacées  du  Ubrador,  est  trés  surprenante    •  (58)  Faltou 


(Sa)   Humboldt,  Exsmen  Critique,  IV,  a  pig.  263. 


LVII 


Introdução 

3  Humboidl  o  conhccimenro  do  planisfério  dc  Cantino.  Éste  documento  lhe  teria  demonstrado  a  reali- 
dade do  que  chamou  adivinhação.  O  grande  geógrafo  constataria  os  indícios  da  passagem  dos  navios 
po'  armonlc  a  1501.  pelos  mares  da  Amónca  central  e  litorais  dos  Estados-Unídos:  os 

ó!'.  .:L<.:ic<ji.ino:>  quc  supunha  faltarem  para  a  base  experimental  da  concepção  do  continente  ame- 
ru  jno. 

E.  entretanto,  esia  honra  táo  proeminente,  que  confere  aos  antepassados  dos  Brasileiros,  aos 
colonizadores  do  Drasil.  a  prioridade  do  conhecimento  do  continente  americano,  deixamo-la  disputar  sem 
protestos,  fortalecendo  com  o  nosso  consentimento  ou,  pelo  menos,  com  o  nosso  mutismo,  a  presunção 
dc  equidade  nas  glórias  conferidas  a  outros  povos,  se  bem  que  menos  favorecidos  pelo  destino,  mais 
quinhoados  no  7Ôlo  com  que  defendem,  através  dos  descendentes  directos  e  colaterais,  as  suas  honras 
históricas. 


• 

III 
I 

ECENTEMENTE.  alguns  historiadores  e,  mais  pròpriamentc.  alguns  polígrafos,  téem  recla- 
mado para  Portugal,  como  o  sr.  Faustino  da  Fonseca  (59).  os  direitos  de  prioridade  no 
descobrimento  da  América.  Essas  reclamações  assumiram  quási  todas  o  tom  de  um  libelo 
contra  Colombo  e  pretendiam  fundar  esta  reivindicarão  no  debate  ocioso  dos  conheci- 
mentos scientificos  do  genovês  (60)  e  na  sua  suposta  apropriação  de  roteiros  portugueses 
para  a  viagem  às  Antilhas:  ponto  inicial  da  integração  da  América  na  história  da  civilização.  O  desen- 
volvimento dc  tal  tese.  incapaz  de  anular  o  faclo  incontroverso  da  heróica  viagem,  encontrará  forçosa- 
mente no  caminho  obstáculos  intransponíveis.  Os  rigorosos  métodos  da  crflica  histórica  não  se  lhe  podem 
aplicar.  Quaisquer  trabalhos  assim  orientados  terão  de  degenerar  numa  literatura  panfletária  ou  numa 
altercação  nacionalista,  não  pDdendo  assumir  a  gravidade,  a  forte  contextura  de  uma  obra  objectiva  e 
imparcial,  superior  às  paixões  e  às  especulações  patrióticas  e  diaiéclicas.  Certamente,  Colombo  não  era, 
—  muito  longe  estava  de  ser —  na  acepção  superior  da  palavra,  um  homem  de  sciência.  Foi  a  íé  que  o 
inspirou  e  guiou.  Foi  mais  o  Êrro  do  que  a  Verdade  que  o  conduziu  às  Antilhas.  Êle  era  impelido 
pelas  informações,  colhidas  no  convívio  com  os  navegadores  portugueses  e  pela  persuasão  da  veracidade 
da  teoria  toscancliana.  possuindo  sôbre  a  extensão  do  continente  asiático  noções  empíricas  e  formidá- 
velmente  erradas,  pois  colocava  o  ]apâo-a  Cypango  de  Marco  Polo  -  a  sete  mil  milhas  para  o 
oriente  da  sua  real  posição  geográfica(6l)!  Assim  partiu  para  a  índia  pelo  ocidente,  convicto  de  que  ia 
desembarcar  com  os  trajos  de  gala  entre  as  civilizações  asiáticas  milenárias,  nas  terras  dos  pavões  e 
das  especiarias.  Descobrindo  as  Antilhas,  e  não  obstante  4  decepção  que  o  esperava,  imagina  ter  atin- 
gido os  arquipélagos  orientais.  Era  estranho  às  suas  cogitações  o  descobrimento  de  um  novo  mundo. 

A  concepção  geográfica  colombina  difere  fundamentalmente  da  portuguesa,  que  nasce  na  aula 
experimental  dos  mares,  onde  foi  assistida  e  desenvolvida  por  uma  congregação  secular  de  pilotos,  cos- 
mógrafos c  matemáticos  do  valor  de  Alvaro  e  Martins  Esteves.  Pedro  de  Barcelos,  a  dinastia  dos  Dias. 
Pedro  Escobar  e  Pedro  de  Alemquer.  )oão  de  Lisboa,  João  Fernandes  Lavrador,  Fernão  de  Magalhães! 


lirr 
in 


por  Fauslino  da  i  Lisboa  1900  História  dos  Descobrimentos  Portugueses, 

'(M  A  Impnmir  fíò  1,  ,     1    i  Nacional  de  Lisboa,  cm  1917.  (Em  1919  acíiavam-se 
1)0  as  duii  pnmciras  parles  do  1  volume),  A  obra  comndc-sc  de  três  volumes 
ij  para  lamentar  que  até  tioie  nâo  leiílta  sido  dada  à  publicidade 


'í  f  "O  CU  a  sciènda  c< 

para  1! 


r. 


ram  a  proporemos 


fida.  lá  Humboidl.  no  Examen  Critiqut, 
ica  dr  Colombo  a  uma  .in.'itKí'  ritiorosa, 

!Óra 
'  Jas. 

úua,  Orw-Wvn.  ItiVO);  H.  Ui^jnaud 
I'aris,  1892;  Christophe  CÒIomtt, 
i  hisloriadores  e  geógrafos  reduzl- 


•  ■   '■          .  ?A«,^  Lisboa  ao  TapSo  (Cyp-^^ncfo)  a  dist.Wia  mpdM.i  .itniv<i<  do  CinM  r!o  P>n,im.i  fi  de  11.355  milhas  M<-  1852 

10.  quar,                ,                          ,  ^"^  '^'0- 

i i  r/jffí  dí  Cu/dfl.  louio  i.  pjg.  Jí).  "     '    '    '  "              ■     ■  ele,  .ircie. 

LVII! 


Introdução 


Zacuto.  Duarte  Pacheco.  Francisco  Faleiro.  Pedro  Nunes  e  D.  ]o3o  de  Castro  (62).  Há  entre  as  duas  o 
contrasto  da  improvisação  com  a  experiência.  Sem  diminuí-lo  mais  do  que  fizeram  os  seus  críticos  ine- 
xoráveis, pôde  considerar-se  Colombo  um  arquétipo  de  aventureiro,  com  as  capacidades  de  perseverança 
e  de  convicção,  próprias  de  uma  éra  de  fé  ardente,  que  só  a  Reforma  iria  entibiar.  Inutilmente  se  procu- 
rará na  epopeia  marítima  portuguesa  uma  figura  similar.  Os  navegadores  lusos  eram  servidores  do 
Estado,  obedecendo  a  instruções  oficiais,  cumprindo  com  risco  da  vida  um  programa  nacional,  seguindo 
rótas  pre-estabeiccidas  e  preparadas  com  todos  os  recursos  da  scièncla  do  tempo,  para  a  execuçáo  das 
missões  que  lhes  confiava  o  soberano  (63).  Colombo,  pelo  contrário,  negociou  o  preço  do  serviço,  exigiu 
honras,  cargos,  títulos  e  lucros,  impôs  condições,  reclamou  exorbitantes  recompensas  (64). 

Cousa  alguma  naquela  obra  genial  de  organização  e  de  realização  sistemática  dos  Portugueses 
—  porventura  a  mais  extraordinária  que  em  todos  os  tempos  um  pequeno  povo  concebeu  e  executou  — 
é  deixada  ao  acaso,  à  aventura.  Os  chefes  das  expedições  são  pilotos  experimentados,  os  próceres  da 
nobreza  de  sangue,  coadjuvados  petos  cosmógrafos  mais  peritos.  Nenhum  povo  colonizador  teve  ao  seu 
serviço,  naqueles  tempos,  homens  da  têmpera  de  Vasco  da  Gama,  D.  Francisco  de  Almeida,  Duarte 
Pacheco,  D.  )oão  de  Castro,  e  dois  guerreiros-estadistas  das  proporções  cesarianas  de  Afonso  de  Albu- 
querque, cuja  memória  continua  a  ser  venerada  na  Asia,  e  de  Mem  de  Sá.  construtor  do  Estado  do 
Brasil. 

No  estudo  do  problema  geográfico  dos  descobrimentos  do  Atlântico,  é  preciso  atender  à  origem 
experimental  da  convicção  que  levou  os  portugueses  a  perseverar  na  procura  da  índia  pelo  Oriente  c  os 
decidiu  a  preferir  os  incontáveis  riscos  e  as  ruinosas  despesas  de  uma  viagem  gigantesca  à  breve  expe- 
dição que  Toscanelli  e  Monetário  aconselhavam,  para  atingir  pelo  ocidente  os  confins  orientais  da  Asia. 
Se  D.  Afonso  V.  ou  antes  o  Príncipe  D.  João  (65),  houvesse  tentado  pôr  em  prática  o  plano  toscaneliano, 
os  portugueses  não  haveriam  chegado  à  índia  antes  do  que  chegaram,  mas  leriam  descoberto  a  América 
com  uma  antecipação  de  dezoito  anos  sôbre  Colombo.  — se  não  sucedesse  (como  supomos  teria  aconte- 
cido) chegarem  os  navegadores  ás  ilhas  ou  terras  do  litoral  americano,  reconhecerem  que  não  haviam 
atingido  as  regiões  da  Asia,  regressarem  desiludidos  para  prosseguirem  o  périplo  africano,  abandonando 
por  longo  praso  os  descobrimentos  ao  poente.  Idêntico  resultado  adviria  da  expedição  de  Colombo,  se 
o  navegador  náo  tivesse  voltado  da  Hispaniola  convicto  de  haver  atingido  o  objectivo  ambicioso,  que 
animára  o  prudente  Fernando  e  a  entusiasta  Isabel  a  cobrirem  a  aventura  com  a  bandeira  soberana  dos 
reinos  de  Castela  e  Aragão,  desfraldada  nos  tôpos  da  Santa  Maria,  da  Nifia  e  da  Pinta  i(>6). 


(62)  Acluaimcnie.  quaisquer  rtlerínci.is  S  «tscola  dc  Sagres»  só  podem  ler  um  scniirto  (ipurado,  ^rm  rorrospon- 

dl^ncia  com  um.i  ,icadumi.i  n.^ulica,  iundada  p;  '  te,  A  «Escot.!  de  Sagres-  é  o  ciclo  das  ■  das 

c  cusle.idJs  pelo  Inl.mle;  cscoKi  pr,1licj,  cuj.is  .  mrjiTi  »s  próprias  galés  e  earjvi-tas.  V^i  por 
]oào  da  Rocha. 

(63)  «iti  nuestr.t  (epopcya  de  /j  comiuisU  rfc  Amcricj)  fuf  reaSttãdã  en  el  cKltínor  po:  ■  '  ■ys: 
la  de  Porlug,U  /t/('  fc.iUzúd.i  cn  cl  interior  por  /os  fíi'j'i'S,  los  InKinles.  los  Consf/eros,  por  ,ttjin'llos  rol  ■ce- 
bir,  pri'parjr  y  Hcvãr  á  Mi/  tt'rmitio  un,i  Libor  de  litãnes*  -Informe  sobre  l,is  obras  ' /.ts  por  ri  jiíuh  Uva  >'itide. 
no  Bolelin  de  Ij  Real  Academi.i  de  l.i  Hntoria  (Madrid.  Tomo  LXVIll,  pág.  391)  por  D.  1'  Nove  y  Colsoii.  d-i  Real 
Academia  Espantiola  e  da  Real  Academia  de  História,  do  Madrid. 

(64)  As  condições  ii  -  is  por  Colombo  eram  inaceitáveis  cm  Portugal.  Nem  D.  loio  II.  nem  D.  Mar  •  t  i  mait 
acederi.im  a  recompensar  um  t  o  com  iam  exorbitantes  honras  e  poderes,  nunca  concedidos  pela  Corõa  ao  -^Si 
qualificados  servidores,  A  capítui.L^ao  úm  17  dc  Abril  de  1492  consignava  que  Colombo  leria  c  Iransmillri»  aos  h' i  i  nlo 
e  cargo  de  Almiranle  de  lod.is  as  ilhas  e  continentes  do  oceano  que  viesse  a  descobrir,  com  honras  e  prcro<;  4» 
Iribiit.idas  ao  Almirante  dc  i  Colombo  c  í.l'iis  herdeiros  leriam  o  timio  e  o  cargo  de  Vice-rei  c  Ooviui.ulut  UL-ral 
de  tod.is  as  terras  e  contim  :  .-rios.  com  o  direito  de  propor  ã  Coroa  uma  IKm  Irtpitce,  p.in  su.i  cícolha  o  nomeaç.^o, 
dos  governadores  de  cada  iUia  ou  piuviiicia ;  que  1  10  dc  Iodas  as  pedras  p^cClosa^ 

seriam  airíbuidas  ao  almiranle,  como  sua  propriedade,  deduzido  o  cii^^fo  d.i  atin 

Colombo  seria  o  único  juií  qualificado  para  resolver  as  ias  enlt  iMnhoi*  e  O!»  povos  das  n 

que  Colombo  e  seus  herdeiros,  em  todos  os  tempos,  li:.         .^ito  de  i.  ■  r  com  a  8."  parte  das  despe .  .  . 

com  direito  correspondente  à  8.*  parle  dos  lucros. 

(65)  Desde  1474,  ao  Príncipe  Real  D.  ]o.^o  fõra  conliada  por  seu  pai.  o  Rei  D,  Afonso  V.  a  admfnltfraçJo  colo- 
nial. (Barros,  Dec.  I,  L,  3  pAo  IS2)  Carla  de  confirmação  da  admimslraçào  colonial  de  D  loSo.  datada  de  4  do  Maio  de  M8I. 
publicada  nos  Ann.te»  A'  v/í.icí.  N.o  2,  série.  1845,  p-íg.  37  -  Leis  '  oslo  e  10  dr  -  i  '  174, 
publicadas  pelo  sr.  ]o.h  ,  .  .  na  sua  obra  fjstronomie  njulique  ãu  Po  ^^ique  des  <j<  '>'5, 
a  pág.  273  e  27S. 

(66)  De  qualquer  modo.  D-  )oJlo  II  tinha  motivos  para  recusar  as  ofertas  de  Colombo  pelo  preço  exorbilantc  que 
élc  reclamava  a  um  rei  que  dispunha  de  experientes  e  desinteressados  navegadores,  dedicado»  ao  serviço  da  naç.lo.  Como 
observa  o  insuspeito  Humboldt.  no  'Exjmen  critique',  a  América  haveria  sido  descoberta  pelas  nav.  ■  r  -  i  i  '■■  ilo» 
Còrle-Reais  e  pelas  armadas  da  índia,  admitindo-sc,  embora,  que,  por  ocasião  da  primeira  viagem  il  de 
Patos  a  3  de  Agoslo  de  1492,  dezoilo  anos  depois  de  escrita  a  caria  de  Paulo  Ti  >'i  ao  Cónego  I  '.^.n;!!!..  O.  jo.io  11 
nio  suspeitasse  da  exisiíncia  das  terras  ocidentais.  Ora,  esla  suspeita  nào  é  só  i  ,  mas  parece  revelada  por  subsistentes 
provas  que  facultam  ao  historiador  a  tnlerpretaçao  racional  dos  numerosos  enignida  da  navcgaclo  jllAnlica  ocidental. 

LIX 


Introdução 


a  Jndias  Ocidentais:  assim  se  baplizaram  os  arquipélagos  americanos  (67)  Era  uma  ilusào  ma<t 

a  essa  m.ragem  deve  a  Espanha  a  assinalada  glória  da  epopeia  uirramarina.  que  tem  o  semS*  e  as 

'ZTret^s  '  como  ornado  de  pí^^as  ca 


PROBLEMA  Colombino  ainda  nâo  está  resolvido  no  sentido  rigoroso  em  que  só  a 
unan.rn.dade  de  opiniões  autorizadas,  concordes  sòbre  uma  solução,  poderá  torná-la 
dcnn.hva.  Para  H.  V.gnaud  (68).  o  núcleo  da  questão  colombina  reside  na  prova  de 
apócHfa  correspondência  de  Toscanelli.  que  o  historiador  americano  reputa 

clora  da  /í^L^z/fr f  H"'"''^'^  '  ^*»"'^'<^°>  ^«^^'^"'^  ^a  Comissão  dire- 

HnmhnMW7n      .^^"^r^""''  ^  ^  ^lemâo  Sophus  Ruge  admitem  e  sustentam,  de  acordo  com 

1772)1   «7.'  ""^^<l"^"'--^nte.  como  D^Avezac  no  congresso  de  Antíé?^ 

Viq  au*/L  omL"'n^'^^  'h  '  ""^     '  ^*^^"t>^""<^"'--      ^"í^  plano  fôra  mé^o  executor  Para 

fòfZ  t  nt  r  '  Toscanelli:  -A  /o^re  rf^  m/<,rma(ra«.  de  onde  extraiu  a  sua  conuicçlo 

sZn  .uZ  r         ''"í  ^'"'"^'^^  '^^^f^^^^^nte  às  terras  e  ilhas  que  se   supunha  teren^ 

5,rfo  at;;5Mrf^5  nas  reg.ôes  inexploradas  do  Atlântico.  (73).  Chegou  à  América,  procurando  aTiírde  S 

am^par/da  ^erlfmilh^ní  ^"f ^  *  P'™"^'"  viagem -e  adrêde  improvisada. 


V 


regresso 
semeadas 


ÂoZlm^'''"       "  por  Charles  Jourdain.  no 


Journal  de  I  i 

(68)  Toscãnetti  xnd  Cotomhiit 
ctdade  da  corrwp.v 

(1903).  sob  a  fo< 

»  Reply  trom  Mr.  /Uiui 
L*  lenrf  et  h  carie  d. 
comunicada  ao  Conaresw  do»  Ainmcaniiia*, 

(69)  Paolo  dtt  Poito  To 

(TO)    QuI  a  déeoutvrt  ;      ,      .,     ^  , 
Legenda  c  nrifã  Sloria.  MiUo.  IW2. 

(71)    Enarnfit  Crilique.  Vol  I.  a  pig.  227. 

ff/«^ra/«nr.,ríon;S?c/        ' 'íic'í  An1íí^s?,/i,iTX  í  ^""-o^P         "rrf.W  ,«on  ne  le  croit 

(73)    ia  letuc  *7  /a  rjrtí  tf«  Toscanelli.  a  píj.  i09. 

Va.conc.lo».  íit*  1 1  1  """^  ''"'^  «  <^^">nlca  da  Con,p,„„,  ^^^^^  ^ 


101  publicada  cm  Kr^  V  cdiílo  h  ^  '  ^ii- ^larA/j*/,  a/id 

rM  d-^rnfríf*.  Florença.  1892;  Toscanelli.  no  Vol.  V  da  Raccolta 
*      -   ^. .  /f«u«.  de  IS  de  Janeiro  de  1898:  Cristoíero  Colombo  nella 


a  prtmdra  das 
LX 


/cra.fn°«»^^^^  o^^-.o.nol^.ca. 


epist.  Ep.  CXXXVI. 


Introdução 


gido  no  espírito  de  Colombo,  ipara  que.  com  que  fim.  inventaria  a  carta  de  Toscanelli  ao  cónego  portu- 
guês Fernão  Martins?  Pôde  duvidar-se  de  que.  realmente,  Colombo  tenha  escrito  e  recebido  cartas  de 
Toscanelh.  mas  que  Toscanelli  haia  escrito  ao  eclesiástico  português  a  carta,  revelada  por  Colombo, 
parece-nos  uma  interpretação  temerária,  arrojada,  i  Qual  podia  ser  o  interêsse  de  Colombo  em  demonstrar 
que  o  seu  plano -ou  seja  o  plano  de  Toscanelli -desde  1474  era  conhecido  em  Portugal?  E  se  de 
fado.  ele  partiu  à  busca  de  um  mundo  novo.  que  lhe  revelára  o  pilòto  da  Madeira,  i  com  que  fito  teria 


RtConBtruçSo  da  Carta  da  Toicanclll.  segundo  Krciaehinar 

substituído  essa  realidade  por  uma  fantasia  insusleniável.  fonte  das  suas  maiores  desventuras?  Colombo 
volta  da  expedição,  assegurando  a  D.  ]oào  II  e  aos  soberanos  espanhóis,  empreiteiros  da  viagem,  que 
regressava  das  regiões  encantadas  da  Asia.  das  ilhas  descritas  por  Marco  Polo;  persevera,  até  depois  da 
sua  4.^  viagem,  em  afirmar  (e  essa  será  a  sua  desgraça)  que  os  seus  navios  navegaram"  por  entre  os 
arquipélagos  asiáticos.  A  todos  estes  factos  incontroversos.  Vignaud  contrapõe  a  hipótese  imprevista  de 
que  Colombo  saíra  de  Paios  à  descoberta  de  um  novo  mundo  que  lhe  fôra  revelado  por  um  pilôto 
arribado  à  Madeira,  e  que,  para  extinguir  os  rumores  que  já  corriam  de  dever  o  descobrimento  a  indi- 
cações positivas  (76)  e  para  demonstrar  a  concepção  scientífica  a  que  fôra  subordinado  o  empreendimento, 
fabrica  a  carta  e  o  mapa  de  Toscanelli  (77).  Esta  tese.  se  fora  possível  dar-lhe  consislcncia.  serviria,  tanto 
como  as  restantes,  para  salientar  e  demonstrar  a  precedência  portuguesa,  a  preparação  portuguesa,  os 
direitos  portugueses  no  descobrimento  das  terras  ocidentais.  A  aceitar-se  a  versão  do  eminente  historia- 
dor americano,  só  se  explicariam  os  receios  de  Colombo  e  as  precauções  da  Espanha -aquele,  para 


•lu   A  Os  aulores  conlcmporâneos  <lc  Colombo  que  regísiram  o  episódio  das  indi»cdes  oblldss  do  piWto  falorido 

na  Ilha  da  Madeira,  sâo  Oviedo  (La  tlisloria  general  de  las  /ndia-i,  Scvilh.i  [  11  e  IV    1 .1  , 

de  Las  fndiasj  no  Livro  1.  Cap.  XIV.  op.  tOS  cl  scq;  Qomar.1  (Historia  de  Las  in..  XIV  c"xV 

ycQi  irnrncrã  Parte  de  los  Comentários  Reates)  Livro  J.  Cap,  111.   Fernando  Coloiiiúo  dei  S.  Fernando  Lo(ombo) 

Cap,  IX.  Ver  em  Vignaud.  op.  cit..  a  pág.  110  cl  scq,  do  Cap.  The  Slory  of  Itie  Pilol.  so  far  as  ii>c  know.  ^»i»i'*oo,, 

/No  ^aIVIJV^^IÍ^^Í  ''^  '^"^""t"'  ■'  ^'"'''"'Pf^^  iolomh.  por  lules  Mcos.  na  .Rov.sta  Portuguesa  Colonial  e  Marilima». 
(N.o  «2).  Onlo  Rebelo.  Nota  adicional  à  ediçio  do  Livro  de  Mannhariã.  Lisboa.  1903.  Píg.  27S  e  seg. 

LXI 


Introdução 


1  t)  tl  '  M 


3'  r  a  glóna  ilcgil.ma;  csla.  para  defender  o  domínio  das  novas  terras -pelas  fundadas  reclamações 
e  io...,J.C3çòes  de  Portugal.  cQuem.  ar  os  pc  desde  os  princípios  do  século  XV  nave- 

flava  nas  regiões  remotas  do  Allâniico ?  .  ú..  ti  poder-..  -.:uio  os  pilotos  portugueses,  instruir  cilombo 
^bre  a  existência  de  novas  ilhas,  postadas  a  Ocidenie?  cQue  outras  navegações,  a  não  ser  as  dos 
Português^  c  filiadas  nesse  ciclo,  ainda  semi-Iegendário,  das  intrépidas  viagens  de  )oão  Va?  Córte-Rcal 
de  João  Fernandes,  o  Lavrador,  de  Pero  de  Barcelos,  de  Alvaro  da  Fonte  c  de  Vicente  Dias  podiam 
haver  serv.do  de  escola  e  animação  a  Colombo?  A  preparação  portuguesa  da  viagem  nâo  oferece  dúvi- 
das a  nenhum  historiador.  Vignaud  atribui  exclusivamente  a  essa  preparação  o  empreendimento  Colom- 
bino, apresenlando-nos  a  intervenção  menial  de  Toscanelli  como  um  episódio  fraudulento.  A  ausência  da 
carta  de  Toscanell.  em  cousa  alguma  afecta  a  cooperação  portuguesa  no  descobrimento  da  América 
Todavia  a  e.^tenc.a  dessa  carta  é  necessária  para  explicar  a  relutância  portuguesa  em  aceitar  os  servi-" 
ír.olc  /  °  [."'""'''^  """^  ^^^^^^  "  ^«'^'"^  '°90  contra  os  direitos  da  Espanha 

ÍIhÍI  .h«  i""    r*'^'''''-  '  reclamações  só  cessarão  com  o  acordo,  genialmente  preparado  de 

Tordesilhas.  A  perda  de  muitos  documentos  fundamentais,  que  instruiriam  de  modo  cabal  as  reivindica 
çôes  portuguesas,  permitiu  que  o  problema  do  descobrimento  da  América  se  perpetuasse  até  hoie  sem 
solução,  por  ISSO  que  só  dando  como  prólogo  a  ésse  acontecimento  as  navegações  lusitanas  do  At  Ian  ico 
se  consegue  uma  versão  inteligível  da  proeza  colombina  -  mesmo  na  hipótese  de  Vignaud -e  se  conci^ 
HilrT.  aTa  •  aparentemente  contraditórios,  que  entram  na  composição  desta  página  obscura  da 
História.  A  própria  correspondência,  trocada  entre  Toscaneili  e  Colombo.  (78)  pôde  se  uma  fábula  como 

da  carta  de  Toscaneili  a  um  cónego  da  Sé  de  Lisboa,  em  1474.  recomendando  a  D.  Afonso  V  a  v^^^^^^^^^ 
LL„.''nnH  "^'^        ^«'«'"bo.  relacionado  em  Lisboa  com  os  cosmógrafos.  pilLs  e  ar^ 

grafos  portugueses,  podia  ter  conhecido.  ^Mas  devem  também  considerar-se  fábuL  as  car  as  escril" 
Toscanell,  ao  conselheiro  de  D.  Afonso  V.  e  por  Monetário  a  D.  )oão  11(79)   rprimeirrinXldo  . 
róta  do  poente  .dei  rnu,  treue  camino  çue  tt.y  àe  a,ui  a  ias  índias,  llonde         í .  a 
segunda,  invocando  o  De  ccelo  et  mundo,  de  Aristóteles,  e  a  autoridade  éo  cardeaT^e  reX  Iv  e  de 

Sâo  questões  preliminares  a  analisar,  se  bem  que  os  estudos  dos  problemas  náuticos  anexos 
.  csK;s  temas  nos  pro.ectarâo  aparentemente  para  longe  dos  objectivos,  traçados  a  u^estul  dedkado 
a  ac(.ao  portuguesa  na  América  austral.  *;iiuao  aeaicado 

O  que  está  fôra  de  discussão  é  o  conhecimento  que  em  Portugal -séde  de  uma  verdadeira 
^cola  experimental  da  navegação  -  havia  das  doutrinas  em  que  as  opiniões  de  Toscaneili  e  de  Mor^e 
táno  se  baseavam.  Regressando  de  suas  viagens,  o  Infante  D  Pedro  o  à:,^ <ilt^P.TrL.  , 
livro  de  Marco  Polo.  com  que  o  presenteára  o  Sen;do  de  Wneza  ("o .  Data  poif  1^^4^^^^^^^^^ 
o  conhecimento  português  da  fonte  de  onde  emanaram  as  doutrinU  oue  O^lnmL  Li?/'  ' 


*w  '  '  ]oi(|uii.   I  »  V  cvorj,  a  pag.  194      L  Asírono/mc  Natitique 

.r  r.  •    P  ^"f^,<*r^^^         P»--  V-'-"'*-  Fernandes,  o  .temâo  Lisboa.  IS02.  N,  dcdiai.ória  ao  Rei  O  M.nu.1 

'  I  dòssica  r  1^  pressentidas 

■50  nas  intonnj. 


c  de                    ,rtc  do                                              s^u  :>peculum  >  a  existência  de  lerras 

■■  •    -^"10  XIII.  1               on.  o  ..V                                        r*'*           •  r>;           .  .,  e  outro 

'm  as  Ids  o                 ima  qr,v                                               '           'ntonnj.  que.em  con- 

,.'  rion  eoopent 

V^-*  ter  hoc  quod 

■' "■  ■   ■í-!i'i:.iiío  inter  Or/Vo- 
'j  .luri-m  hoc  sil,  non  est 


í 


,  ,   "V" 

rrtt  longe  plusguãm  medtelas  tmjr .  ...  *      **        Ocadentis  usque  jd  Unem  índue  suprj  terrãm 

LXII 


Introdução 

t  Ti7l^toU^rj  u^",*'  '      «P*^^'-^"^'^-  P^^^  às  promessas  de  Colombo  era  mis- 

ler  a  le  s.mpl.sla  de  uma  a,  , :  ...ninma  e  a  cupidez  avenlureira  dos  Pinzon.  Aqueles  fortes  indícios  em 
que  o  v.s.onar,o  fundava  a  inabalável  crença  não  consli.uiam  matéria  nova  para  D.  )oào  II  Com  os 
documentos  que  amda  sobrevivem  nos  arquivos  da  Torre  do  Tombo  póde-se  provar  a  perais  ôncia  das 
To^f  "/''nT''      """"'^^  '''^'''"^  vestígios' nas  doações  de  .eí^Tsusp^  ,ad 

ZrO  iT^^  r^^'"'^'  modernamente  em  sustentar  a  originalidade  da  r  Jcolom! 

r^t?JZ  '   ■    ■  '  quatrocentas  e  quarenta  e  oito  ilhas-  das  especia- 

es/á  no  mar  alto.  longe  da  terra  f.rme  m/7  e  quinhentas  milhas.. .  Chamam  a  este  mar  o  de  Cyn  mas 

^cala  pelfAníliaT  f Hp"''"''"'"*  '  '"^  '  ^^^^        ''^^        "=^^SOu  Colombo,  com 

escala  pela  Antília.  de  onde  nao  passou . . .  Assim  o  navegador  descobriu  a  América. 


S  expedições  portuguesas  para  o  poente,  que  determinaram  o  achamento  dos  Açôres.  con- 
stiluem  um  longo  ciclo,  cuio  exame,  depois  das  investigações  de  Ernesto  do  Canto,  ainda 
nao  foi  ngorosamenio  empreendido,  o  que  não  impede  a  constatação  reiterada  de  via 
-  9^"^  ""'6  rumo.  permitindo  a  verificação  da  inviabilidade  do  plano  de  Paulo  Toscanelli 

e  dc  Jerónimo  Monetário. 

1  í  '?f^''"'       [ioémia  fixa  no  seu  globo  o  ano  de  143 1  como  o  da  expedição,  mandada  pelo 

iníanle  D.  Henrique  a  explorar  o  Atlântico  ocidental;  mas  já  em  1418  Bartolomeu  Perestrélo  descobria 
Porto  Santo;  em  1419.  Gonçalves  Zarco  e  Tristão  Vaz  haviam  descoberto  a  Madeira,  e.  em  1425,  começava 
o  povoamento  das  ilhas  descobertas  (82). 

Eslas  daias  nào  correspondem  com  exactidão  ao  início  das  navegações  e  descobrimentos  por- 
tugueses. No  reinado  de  D.  Afonso  IV.  anteriormente  a  1336.  as  naves  lusitanas  velejavam  até  às  Caná- 
rias-as  msutas  foriunatarum,  \á  desenhadas  numa  carta  do  século  í<l(83)-e,  sete  anos  depois,  uma 
segunda  expedição  dc  conquista  lá  ia  com  maquinas  de  guerra  para  subjugar  os  habitantes  e  tomar 
posse  do  arquipélago  (84).  Até  há  poucos  anos.  as  obiccções  levantadas  sôbre  a  prioridade  portuguesa 
da  redescoberta  das  Canárias  não  podiam,  como  tantas  outras,  ser  contestadas  com  a  prova  concludente. 
A"  fotografia  do  registo  pontifício  da  carta  escrita  por  D.  Afonso  IV  ao  Papa  Clemente  VI.  em  1345,  se 
não  fornece  ainda  essa  prova  irrefutável,  encaminha  para  ela  as  investigações  dos  paleógrafos.  Desde 
que  a  tradução  da  caria,  inserta  nos  Annaes  ^eclesiásticos  de  Baronia.  (85)  foi  publicada  pelo  académico 
Joaquim  José  da  Costa  de  Macedo,  nas  Memorias  da  Academia  Real  de  Sciencias.  de  Lisboa  (86).  e  que 
Ernesto  do  Canto  obteve,  quási  um  século  depois,  a  certidão  da  mesma  carta,  passada  pelo  dr.  Angelo 
Metampo, /jrí/íiu5  custos  dos  Arquivos  da  Santa  Sé.  — a  missiva  original  de  Afonso  IV  nào  foi  ainda 
apresentada  para  o  exame  da  crítica-histórica.  Possuímos  apenas,  reproduzida  nos  Annaes  das  Biblio- 


O  R 


I  f 


(82)  Os  descobrimcnlos  do  Inlantc  principiaram,  segundo  Galvio  e  Faria  c  Sousa,  em  1412.  M  i-^r  itmlle  que  â« 
Ilhas  do  grupo  d.i  Madeira  e  dos  Açores  loram  du.is  vives  enconlradas  pelos  porluguescs.  sendo  a  i  nos  Infdo» 
do  século  XIV,  no  período  da  aclividade  marittma  do  .ilmiranle  Peçanha,  A  expedição  de  conquista  às  Cai  ■■>  reinado  de 
D.  Alonso  IV,  remonta  a  IMI.  No  porlulano  laurenciano  de  I35I  já  figuram  as  ilhas  da  Madeira.  Muilo  y-  iicnlc  com  a 
Antltia  deu-se  o  mesmo  Icnómcno  que  com  os  Açóres,  a  Madeira  e  as  Canárias.  A  sua  lixaçio.  embora  dibih.ui.i,  nos'  porlu- 
lanos  anleriorcs  à  viagem  de  Colombo,  denota  um  descobrimento  remoto,  e  talvez  ocasional,  mas  dc  que  se'  conservou  a 

I !   Nào  é  licito  duvidar  de  que  os  arquipílagos  das  Canírias,  da  M.idoira  e  dos  Açôre»  (c  talvez  mesmo  o  de  Cabo  Verde 
o  na  carta  Mecia  de  Vila  Destes,  daiada  de  \'^l3)  foram  conhecidos  dos  lenido»,  dos  gregos  c  dos  romanos   sob  a' 
'.  os  dois  primeiros,  dc  Ilhas  Afortunadas  e  das  Hispéhdcs.  sendo  arriscado  identificar  com  os  Açdres  as  Cassltc- 
fallam  os  hisioriadores  que  admitem  a  probabilidade  de  haverem  os  fenícios  levado  muito  mais  longe  »  explorações 
oce.j.i.a^,  e  terem  conhecido,  antes  dos  portugueses,  o  mar  dos  Sargaços. 

(83)  No  Comentário  do  Apocalipse  de  S.  João.  do  monge  Beáto  de  Líébana.  Cf.KrcIschmer,  Oeschlchle  der  Oeo- 
grapttie.  a  pág.  53. 


mci 
nii  ■ 
d< 
riii 


(84)  Dca^lev.  í^ti  The  d.itvn  of  modem  ffeogrjphy,  ocup  - 
às  Canárias,  narrada  por  IJoc.icio.  seourdo  inform.içftes  colhidas  <lt>  ri' 
navios  que  partiram  de  Lisboa  p.r  ■■<>  das  í 

D.  Afonso  A  armad.i  ia  ai  ■■  do  quf  ■ 

com  extraordinAriit  rapidez  (S  dias.'')  thegou  as  ilhas  da  Fortuna». 

(85)  Tomo  IV.  pág.  212. 

(86)  Tomo  VI,  parte  1.*.  1819. 


i^nvolvid  '  I  porlu(juc«a  dc  1341 

'  (lorcn!  in  Sevilha:  'De  três 

lur.im  fornviiúoí  peio  lil/io  e  herdeiro  de  D.  Dinis, 
ntoi  levava  maquinas  de  sitio,  cavalos  e  armas,  e 


LXIII 


■ 


Introdução 

thecas  e  Arquivos  NacionaesiSl).  a  fotografia  do  seu  regislo  no  Livro  138  do  Arquivo  do  Vaticano.  No 
estado,  porém,  cm  que  se  encontra  a  questão,  dificilmente  poderá  contcstar  se  que,  no  primeiro  quartel 
do  século  XIV.  prosseguindo  as  tradições  náuticas  dos  fenícios  e  dos  árabes,  os  Portugueses  navegavam 
no  alto  mar,  longe  das    _  


costas.  Foi.  enlreianio.  a 
t'  i'^s  nautas  de  Incompa- 
rável intrepidez,  que,  em 
1419.  percorriam  as  535 
milhas  que  separam  a  Ma- 
deira de  Lisboa;  que  em 
1456  venciam  as  1510 
milhas  marltinr  ^'  '■  S. 
Tiago  de  Cabo  \  .  que 
em  1487  navegavam  as 
5175  milhas,  que  medeiam 
entro  Lisboa  e  o  Cabo  da 
Doa  Esi^i""-'-!  iv  ■  eni 
1498  av.ii  ,  1  mi- 

lhas pelo  mar  alé  Cale- 
cut.—que  se  negou  com- 
petência e  coragem  para 
empreender  a  viagem  de 
4175  milhas,  de  Paios  a 
Cuba,  realizada  por  um 
navegador,  cujas  observa- 
ções para  determinação 
das  laliludes.  pela  aluíra 
do  sol.  náo  podem  sequer 
inspirar  a  menor  confian- 
ça, pois  que  no  cálculo 
mais  simples,  baseado  so- 
bre a  esirèla  polar,  co- 


C.rti  d*  Andrea*  Blanco  lU».  Indicando  a  Anlflla  «  Ilha  do  Bra.tí. 
•  «laiani*  na  Dlblloi.ca  d*  S.  Marco*.  d«  V.n««*  (do  Atlaa  d«  Krclachmer) 


metia  graves  erros,  anotados  e  comentados  por  Dreusing  (88);  e.  ainda  hoie,  os  geógrafos  discutem  sem 
chegarem  a  acordo,  qual  das  actuais  ilhas  do  arquipélago  das  Lucaias  é  a  Guanahani  (89) 

Nas  notas  autógrafas  sôbre  assuntos  astronómicos  (cerca  de  250)  revela-se  frequentemente  a 
■mperlca  de  Co  ombo.  no  calculo  das  latitudes  pela  altura  do  sol.  A  Tabuia  Deciinationl.  de  Zacuto 
de  93-  erumT.  ^N  América,  mostra  erros  inverosimeis.  como  o  de  admitir  uma  fracção 

de  93  em  um  grau!  Numa  passagem  do  seu  Diário  (13  de  Dezembro  de  1492).  lé-se  que  a  latitude  se 
deduz  da  duração  do  d. a  (90).  O  monumento  glorificador  da  Raccolta  Colombiana,  com  que  o  govêrno 
.ta  .ano  concorreu  para  a  comemoração  do  Centenário  do  descobrimento  da  América,  como  homenagem 
nacional  ao  nauta  genovês,  patenteia  as  deficiências  scientificas  do  herói  da  Santa  iAaria.  Isso  nTo  impe 

SeaV^arquipTag^darS^  '       ^^^"^"^  ''''  - 


«8    (Zar  Geschithtc  der  K^rtogr^ph,c  in  HetUerz  Zeitschrift  f.  wiss.  Geographie  II,  pAg.  193). 


con.m^fp  com  .1  nriTÍ^.lo  com  qup  í^-^  n  ifi-n  ,   c  r.»,-  ,i 

Q*^  onípo  das  l  .  ,!-,- 

pelj  tlh.»  ii-  imic.  ; 

Fox.  tl-i  r  icjn.i 
(cl    N-  1.  pig 


'*  "■'     ■■•  '  nunicitciulura  nào  colombina. 

(90)  Colombus  (IW1>  por  Sophus  Ruac.  Píg  250. 

LXIV 


a  blllude  de  Vera  Criiz.  c  que  permiliu 
hoie  divergtm  os  geógrafos  sôbre  quai 
'pud  Washinglon  Irwing)  opina 
L.i,  pela. ilha  Walling;  o  capilão 
pci,i  AVayaguana.  E  no  DiÁno  de  Colombo 
mas  no  lexio.  irânsmitido  por  Las  Casas, 


Introdução 

Cane  d*  Alottio  IV  da  Penugal  ao  Papa  Clamanla  VI,  raprotluitda  do  livro  i»  do  arquivo  do  VaiUaae 

«atPu'-^nmnrati6ÍwfmTTa6  rçcrjnmua  pntci^fnnm:  amnTictrí/^  cnrJJtmuTV«)|niiyi 

ctTi^'Kj6<^iicmtinpami^-p>J^  fniunrr^.  [offrmc^j 

"^m^nCun^çt^^/^  pTijyTTTtoitan^  iffonri  mamtí  j>|ífti/ 

yimjLcim  contm  yriis^  Bm|p^cmo&  m[fítmmtf  eStnmc  jvitciníáxoc  yAOjuifino^fctçii^' 

taTioSTeWucint^^itní^nlu&íJamaíl^^    fncm|c/cv«ofixiÇfí)nmtnnirir  cm»o  iv/liiin^ 

^^^aucnjjiino  patní^Sio^o  (tíítncn^^mmA  çroiíSaa  |àax>f(Xirtc  lumifafie  |itmo 
^^^^cm típcvRi innRe ct*3 uom* filme vir7\ (}pn|"ueÍTv "pemn^lu  ct^|^ líij tumirucmía 
^^SCuuJ^Súom i^mj  o[cu£it>tDSl (1? i u  {\ih\o aii^Jan  tSpíi-  juoni  {"èm  fumiiuJaf^ 

tic  2uoKt/|j  (\iacfp)TO6jiu*tTii^Uu|ytn       mmjjonna  nTi|rn%n  nirmcttyac  men  ^ 


TUI 


 ^;iv  ;^|  -™  p/nwTpmyat  p^yjri  Q^uoeyi^ 


^Vtn'^n^  rnfálírana  wfmitci  lujiríícrt  mu  tomr^triirii^Ti  [i  i(au/  |õrnmc  muaíitn/oòwptf' 


nmci 


-  I  -   ^-  Y  <    '  ^  ciiiTimTD^pTniaircKgiJl»*' 

ífyieo(?Tm*CTmnx6TloeticTOattr^átc0^  ' 


LXV 


Introdução 

Q-^iu^aíín0nniiímim  mtíri)  imtm-cnuiiiVinuô  mm  o:n(tair2  crpSiciiii)  mufnmfc^ 
a>mo|ai^ín'-iu  pnmo  nimAioect^-TPc^^  Co^fí5*Txn^  mr  nog  ct^fr^ce  Snnhimo' 
ruCvrtrvnnn^^pnmjuTi^iuitJí^ucomiat^  p»"ctitiitciítni^Iatcicim'm^ 
^iiKrmnuiftíiiirnifi^^^TnfeviamxeT^  ■ 

'ií^^^"-^-5^^rf^f  "'^"^  prctnme  oE^í^crrooipuinT^    nJ^|íLtÍ6'  iiofmitmvrn 

^-íjuopKtnft íí^oe it»^c/ atnmttiie i^io c\fc  iu4Gfta>  m^úmact^nS  fdé^ 
mtaimmi^culfe^  ffí,:íp,^  l^^^C^ rtVu^^n^  fupiíg.mim  itSnac^m R  ' 
bwudtrraiftjct^^jneouannm, cometi  |x,^^^^ 

nc2J)ao[up»&^cx))iW^  tcnv^,orn  cícnicntwm  ccrrnin  nfemíníive.l  tom  íh/n  " 


Introdução 


CARTA  DE  EL-REI  D.  AFONSO  IV  AO  PAPA  CLEMENTE  VI,  DE  12  DE  FEVEREIRO  DE  1345 

II  ^o","*!'""!,  ^^^^'•^  *  Senhor  CIcmcnIc,  pela  Divina  Provldincia  Sumo  PonliHce  da  Sacrosanla  «  Univírsal 

lfire(a.  Alonso.  Rei  de  Portugal  c  do  Algarve,  liumllde  «  dcvolo  lilho  vo8SO.  com  a  devida  rcveríncin  c  devotamente 
DCija  05  pes. 

Aquele  que  s&brc  a  pedra  angubr  lundou  a  sua  S."  Igrej,!.  quis  que  ■  '  ■  para  o  luluro  governada  por  »ui 

sucessores,  de  manetr.i  que  direiUmínle  em  ludo,  com  o  ptso.  conta  e  medid.i  n  fonthiti,im.->lo  o'.  mais  assíduos  e 

saudáveis  incremcnlos;  para  que.  dilatada      '       m  com  o  aumento  dos  (leis,  enir.iqufti  '  -3os.  lorairnenie 

floresça  a  te  ds  Cristo.  C.  por  Isso.  vós,  mo  sucessor  do  Senhor,  a  quem  foi  o  oiiif.' ea 

dtligtncla  aci-rca  do  rebanho  Crist.lo.  nJo  cuidais  om  quardi-to  d.is  mordeduras  dos  lobo»  mas  amda  em  Io 
como  emendemos  da  carta  que  V.  S.<if  nos  dirigiu,  crl.iiulo  príncipe  a  D  Luis.  nosso  parente,  para  extirpar  a-^  irat 
da  infidelidade,  que  mulilmenle  ocup.im   lód.i  .i  irrr.i  .1  Alortuii.idas  (Canárias),  e  para  pl,inl.ir  a  vinha  .  :  ■  Deus. 

Respondendo,  pois.  d  dita  caria  o  quL-  nos  ocorreu,  din  n  i  ,  :  i^vtrcntemente.  por  sua  ordem,  que  os  nosso»  rj:ui  .u  uram  08 
primeiros  que  acharam  as  mencionada')  ilhas. 

E  nós,  atendendo  a  que  as  relrríit;!*;  ii^ni  cv*nvam  mais  perlo  de  nós  do  que  dc  qu  it-^-  r  outro  príncipe  e  a  que 
por  nos  podiam  mais  comodamcnie  stibjii  ^  para  ali  os  olhos  do  nosso  ent  :.».  e  desejando  pôr  cm 

execução  o  nosso  intento,  mandamos  1.1  ai,   .i  ;  e  algumas  náus  para  explorar  a       ih  - i  lo  da  ti          ,  i 

abordando  às  ditas  ilhas,  se  apoderaram  por  lòrç.i  de  homens,  animais,  e  outra!  cousas,  c  as  trouxeram  com 
a04  nossos  reinos.  Porém,  quando  cuidávamos  em  mandar  uma  annad.i  par.i  conquistar  as  referidas  Ilhas.  >  .,;:íiiu 
dc  cavaleiros  c  peões,  impediu  o  nosso  inlonlo  a  guerra  que  se  aluou  primeiro  enire  nós  r  el-rci  dc  Cam  .  entre 

nós  e  os  reis  sarracenos.  Tudo  isto,  por  ser  notório,  estamos  certos  de  que  n.\o  s  '  uio-o  em  con- 

sideração os  nossos  embaixadores,  que  há  pouco  enviámos  a  V  S  a»,  (como  nos  con  liio  Dom  I  uls) 

julgaram,  e  nao  sem  causa,  que  se  nos  linha  feito  agravo  v     ■     '  i  ido  e  prot-uio  .  i   ■  ;  mo 

D.  Luis;  e  assim  o  fizeram  chegar  aos  vossos  ouvidoí;  n.lo  -ló  iicl.i  t 

Ilhas,  como  pela  comodidade  e  oporii:    '  oi>  outr'  ji 

nós  e  as  noss.is  ocnles  começado  tell/.  ^cr  conv  mor 

oulro,  para  louv  -lo  o  concluir,  ou  an  ,  nue  i^kto  nos  fosii;  toaiui  r  v,  b,  ■> 

obsiante  o  qii'.'  ■,  desejando  seguir  .■  .i;il<>rii';-:firi"  (luc  -írMu-irí'  r  i-i  cbi'  i  i-, 

apostólicos,  ria  da  vossa  e  da  Ap 

vontade  eu.  ■  .  principalmente  porque       -,  i   m  :  >    n  ,    ,  n    ,  D. 

Luis,  nosso  parenie.  o  qual.  assistindo-lhe  a  divina  «raça.  a  voisa  i  i  c  a  da  bi-  Apostólica,  que  em  tamanho  e  tam 

filo  negócio  lhe  dô  rnfio  aiudadora,  se  mostrará  lal  operário  e  cultivador  n  i  ■  uinira  da  vinha  do  Senhor  Sabeoi.  que  í  a  Sanla 
greia  de  Deus,  que,  pelo  seu  ministério,  haja  de  aumenlar-se  para  o  tuturo  a  honr.i  e  glória  da  cristandade. 

Mas  quanto  ao  que  a  vossa  piedade  nos  roga,  e  para  que  mais  al<^i'i  uivrite  nos  exorta  em  o  Senhor,  c  vem  a 
ser  que  cm  reverência  divina  e  da  Santa  Sé  Apostólica  e  por  zelo  da  mesma  fé,  li  por  mui  recomendado  o  referido  prín- 

cipe e  o  negócio  acima  dilo  e  lhe  darmos  o  auxilio  e  favor  que  comodamente  pu..Li,iiii!>,  do  menos  que  o  sobredito  príncipe 
possa  ler  e  tirar  livremente  de  nossos  reinos  e  terras,  á  sua  cusla  c  por  seus  jusios  preços,  navios,  gentes  dc  armas,  e  outras 
cousas  para  o  dilo  intento:  certificamos  3  V.  Benigna  Clemência  que  havemos  por  mui  recomendado  assim  o  príncipe  como  o 
negócio,  ã  vista  do  que  fica  exposto,  e  que  se  comodamente  pudéssemos  lhe  dariamos  auxilio  e  favor. 

iMas  quem  pôde  dar  o  que  n-lo  tem?  ^Ouem  é  que,  tendo  os  seus  carneiros  sedenlo  lue 
nasce  nos  seus  prédios  para  uso  dos  outros  vismhos?  ^Acaso  a  caridade  bem  intendida  nAo  deve  c  ,  ó 

Pai  espiritual,  náo  expusemos,  há  pouco,  a  V.  Santidade,  por  intermédio  dos  nossos  embaixadores,  as  lu  lue 
pela  defesa  e  dil.iiaç.lo  da  fé  católica  havemos  contraído,  e  cm  raz.io  das  quais  vos  temos  suplic.j  uc, 
que  vos  digneis  auxíliar-nos.  concedendo-nos.  com  paternal  piedade,  o  dizimo  das  Igrejas  dos  nossos  remos/  iUucm  acusaiv 
um  rei  de  pedir,  quando  carece?  Nisto,  porém  V.  Santidade  nos  desculpará. 

A  gente  de  guerra  e  os  nossos  navios,  ainda  que  os  tivessemcs  cm  maior  quai  nio  podemos  dislral-los,  e 

enviá-los  em  auxilio  dos  outros,  por  cau^a  da  guerra  que  sustenlamos  e  nos  propomos   ir  com  os  agarénos.  noasoft 

visinhos  pérfidos  e  poderosos.  Quanto,  porém,  a  viveres  e  outras  cousas  necessárias  permitimos  que  os  tevem  livremente  dos 
nossos  reinos  e  terras,  lanio  quanto  fôr  possível,  sem  detrímenio  dèsles  e  dos  meus  súbditos,  por  respeito  para  com  Deus, 
para  com  V.  Santidade  c  a  Sé  Apostólica,  zélo  da  fé.  e  também  por  consideração  com  o  referido  Prfndpe.  nosso  parente,  ao 
qual  dispensaremos  O  mais  possível  todo  o  auxilio  e  favor.  O  Alllssimo  Senhor  conserve  por  dilatados  anos  a  vida  a 
V.  Santidade. 

Dada  em  Monlemór  o  Novo  a  12  dc  Fevereiro  de  134S. 


Traduflo  d«  loaqulm  }e»é  d«  Cosia  d«  Maçado  •  )ea*  Pedro  da  Ceala. 

LXVII 


Introdução 


o  f  OK  fi  r  1  1 


Que  èsse  oceano,  por  onde  Colombo  se  aventurava,  nâo  era,  porém,  um  dos...  mares  nunca 
dantes  nauegados.  isso  prova  se  suficientemente  (91);  como  já  ficaram  também  esclarecidos  na  obra  deci- 
siva de  Densaúde,  fruto  de  vinte  anos  de  estudos  c  pesquisas  laboriosas,  a  origem  peninsular  da  scíència 
náutica  portuguesa  da  época  dos  grandes  descobrimentos  e  o  grau  de  desenvolvimento  que  assumiu 
o  cultivo  das  mal'  is  c  da  astronomia —  como  também  o  das  humanidades  — durante  o  século  em 
que  a  construtora  uo  brasil  foi  a  cstréla  de  maior  grandeza  na  constelarão  das  nações  europeias,  dando 
professores  às  universidades  e  abrindo  nos  mares,  com  as  quilhas  das  naus,  as  estradas  marítimas  dos 
novos  mundos  (92X 

Diogo  Gomes  de  Sintra,  em  As  Relações  do  descobrimento  da  Guiné  e  das  ilhas  dos  Açores, 
Madeira  e  Cabo  Verde,  assinala  que  o  Infante,  «desejando  conhecer  as  regiões  afastadas  do  oceano  oci- 
dental, se  acaso  haveria  ilhas  ou  terra  firme  além  da  descrição  de  Ptolomeu,  enviou  caravelas  para 
procurar  terras»  (93).  O  mapa-mundo  de  Becário  (1435)  regista  a  Antília  e  outras  ilhas  a  oeste  dos 
AçÔres,  com  a  inscrição  */nsute  de  nouo  repertce*  (94),  cQuem  podia  té  las  avistado  num  lempo  em  que 
só  os  Portugueses  navegavam  no  Atlântico  ocidental?  Também  o  mapa  de  Andréa  Bianco  (1436)  reproduz 
a  Antflia  da  carta  de  Decário,  indicando  o  mar  dos  Sargaços:  pormenor  comprovativo  do  fundamento 
com  que  se  assinalava  a  nova  terra,  que  já  não  é  possível  identificar-se  com  a  lenda  platónica.  O  mapa- 
mundo  de  Andréa  Bianco  não  foi  ainda  submetido  a  uma  análise  interpretativa,  inspirada  na  aceitação 
conjéctural,  apriorística,  do  descobrimento  português  do  mar  da  Baga.  do  arquipélago  da  Antília  e  da 
movediça  ilha  Brasil  (95).  Um  tal  estudo  equivaleria  a  condenar  concepções  consagradas  e  daria  motivo  a 
refazer  a  história  dos  descobrimentos  pre  colombinos  do  Atlântico  ocidental,  dada  a  insistência  de  Andréa 
Bianco  em  apresentar  nos.  ainda  em  1448,  numa  carta  do  seu  porlulano.  a  sudoeste  das  ilhas  de  Cabo 
Verde  (só  descobertas  em  1456).  em  frente  da  costa  africana,  essa  ilha  misteriosa,  que.  desta  vez.  se 
assmala  no  mesmo  paralelo  c  nas  proximidades  do  meridiano  em  que,  cincoenta  e  dois  anos  mais  larde, 
os  portugueses  descobririam  uma  extensa  terra,  que  viria  a  chamar-se  o  Brasil . . . 


Bitoí^  ^MrlVL  ^ombifn  de  íois  /«  Antil/es  ont  été  vu€s.  av»nt  U  grande  entrephse  de  Colomb.  par  des 

pilotes  égares  ou  .  >;;,r„rr„.  ,r,.r,,       r,oms  som  rcsiís  inconnus?.  Viatituá.  Amérie  Vespuce.  Paris.  1917  a  pág  H? 

Ailmntlau0         / ,  /  '  "'2?  u*""*.  voi'ãge  dc  Christophe  Colomb  de  frjncíiir  rOeéan 

AUêitnçue  dam  U  .lu. o.  ,  u...  >/..  H.  Harrisse,  Les  Corte  R^jt.  Pjrís.  1883  a  pág  40 

Altadímliet.c^Bl.cíhínXírvínír'''^  *  ''^T'  ''''  grandes  découvertes.  por  Joaquim  Ben  saúde.  (Dem. 

fflímwmrr  r,.,un<r„.       h^onr  Reproduclíon  lac-simllé  du  plus  ancien  eKcmplaire  connu. 

inlroduciion,  Edilíon  allcmande  cl  française:  (Sellenheitcn  aus 
luoj.si  K,  I .  .    ■  .  f  dei  Arte  dei  morear.  Sevilha.  1535,  par  Francisco  Falero  (Por- 

h   a\  .    L\L  \^'^T.T^^.T'  T  íSeltenheiler,  aus  saddenlschcn  D.bllotiieken.  de 

Kdící.  <:,ci.c..h..,.n  au.  sudZU\'í*fôl.oXtrde"^  ''^  ReproduCion  lacslmUÍ,  avec  une 

(93)    A  pÍ3.  28  da  vcrsio  porlugucsa  de  Gabriel  Pereira 

ffr.v          •  lommv  /.in  .n»..^  ^'^^  iK^?rl  .^\\           ^   °'  Piziiganl  está  reproduzido  nos  Monuments  de  l.i  Géo- 

P»'           .5)   dT  ,  X/rfo  (^^^^^^^^^^^^                                           ^  porlulanos  de  Andréa  Bianco  (1436).  de 

1 1  pia  1W>  A  ,  ,  Vo  J  ■  AnilS  Am  .  í  «                   '°                À  viagem  de  Colombo  (Humboldt.  supra. 

-^fT  J.   (^!,tinn  ■        ;          ,           n  Jrqu,pcl.igo  das  Luca.as  aparece  pela  primeira  vez  na  carloqrafia  com  o 

opr  ,  ,  ,,  f'^"'!^     chegou  a  propô-la:  Hisp),mola 

■   Aconteceu  com  a  An     i  o  fluAn,?..^-^^^^        "'""i  cons,der,to.  Ant.li^  Insula-  Sunt  illae 

lhes  nòooV  ^IZÁ  H?!-^    \  y     V^^^)^  ''^  acontecíra  com  outras  d-is  ilhas  atlànlic.is:  os  redesco- 

«na  Ocn.  ,  !  í  perime  a  Eumpa  do  fim  do  SJc«  J^^f  remotamen.e  conhecd.s  e  assi.alad..s.  A  glória  colomb  na 

voltava  da  tm  PortuflJl  pó«^m  essa  IdeSliSío  "Jivcgador  tivesse  anunciado,  no  regresso  da  America,  que 

ngorosamenle  documentados,  imprimem  a  lese  do  almirante  FIcuriol  de  Lanole  na 

-cn,ad:em  l'?(«;'pe,o  «pH^:io^^'iu'*3X^^^^^  ^'^ÍT  °  «^-^P„---en,o  de'um'a'"pl'q^ue:i 

 '  ThMse.  cm  1B«.  ,  ■  ,  rc°      ■  siníÕl.^^^^  r^rh.  ™^      ,  comandante  do  Harllvy.  cm  1738.  e  o  coman- 

sup,  ti,ae  das  ondas;  e  a  TZ^  [  TL  a  '"""«"V^o  ^  altura  de  menos  de  dois  metros  acima  da 

wni  „..|o  f<^.  ,     <  -,ie  Hontm  dtf  um  sículo,  de  um  rochedo,  situado  a  46^  40"  -  25»  29'.  descoberto  em 

sr.tun.,  ,u,  s  ««mplo»  quc  explicariam  alauns  dos  enigmas  que  nos  apresentam  os  monumentos  «no^ 


LKVIII 


8  .íí 


"fel; 


/ 


Introdução 


VHHMMiminilMA 


CORRESPONDÊNCIA  de  Toscanelli  constitui  um  dos  capítulos  de  mais  alto  inler*ssc  na 
questão  colombina  e  que  se  liga,  por  liames  tào  íntimos  como  fortes,  aos  dois  proble 
mas  sucessivos  — e,  porventura  conexos  — da  prioridade  portuguesa  no  conhecimento 
das  terras  ocidentais  e  do  propósito  que,  após  a  exploração  clandestina  de  Duarte 
Pacheco  Pereira,  referida  no  Esmeraldo  de  situ  Orbis.  conduziu  a  segunda  armada  da 
Indía  a  Vera  Cruz. 

Náo  é  possível  obscurecer  a  importância  transcendente  do  facto  de  ser  conhecido  em  Portugal, 
desde  1474,  o  plano  de  uma  viagem  às  índias  pelo  poente,  que  Colombo  pretendeu  realizar  em  1492.  e 
de  cujo  maIògro(%)  resultou  o  descobrimento  de  um  dos  arquipélagos  americanos. 

Las  Casas,  na  Historia  de  las  índias,  e  o  autor  anónimo  das  Historie  deli  Ammiraglio.  atri- 
buem ao  ^bio  florentino  uma  influência  considerável,  senão  decisiva,  no  empreendimento  audacioso  de 
Colombo.  Este  teria  submetido  a  Toscanelli  o  projecto  de  uma  viagem  às  índias  pelo  Ocidente.  Toscanelli 
haveria  respondido.  enviando-Ihe  cópias  de  uma  carta  e  de  um  mapa  que.  em  Julho  de  1474.  mandára  a 
um  cónego  de  Lisboa.  Fernão  Martins,  que  o  consultára  da  parte  do  soberano. 

Tanio  Fernando  Colombo,  suposto  autor  das  Historie,  como  Las  Casas,  arcebispo  de  Chiapa, 
publicam  o  texto  daquela  carta  (sem  data),  escrita  por  Toscanelli  a  Colombo,  e  onde  se  encontra  inserta 
a  cópia  da  epístola,  dirigida  ao  cónego  Fernão  Martins,  — e  ainda  o  texto  de  uma  segunda  carta,  igual- 
mente sem  data  (que  mais  parece  um  complemento  da  anterior  ou  composta  de  passagens  dela  extraídas), 
em  que  Toscanelli  o  anima  a  executar  o  audaz  projecto,  elogiando  o  ânimo  português,  sempre  disposto 
aos  grandes  empreendimentos. 

Ainda  que  patenteando  flagrantes  incorrecções,  impróprias  de  um  sábio  com  a  cultura  de  Tos- 
canelli, os  textos  dessas  cartas,  reproduzidos  na  edição  italiana  quinhentista  das  Historie  e  no  manus- 
crito de  Las  Casas,  constituíam  as  únicas  fontes  de  informação  sòbre  a  intervenção  mental  do  astrónomo 
florentino  no  descobrimento  da  América.  A  autenticidade  da  correspondência  toscaneliana  foi  considerada 
pela  quási  totalidade  dos  historiadores,  desde  Humboldt  a  Errera  (97),  como  inatacável,  ressalvando, 
embora,  a  versão  possivelmente  alteradr  em  que  nos  foi  transmitida. 

A  ninguém  acudira  a  suposição  de  que  Colombo,  ou  os  seus  panegiristas.  tivessem  inventado 
uma  correspondência,  onde  se  confere  a  Toscanelli  a  prioridade,  senão  a  autoria,  do  plano  da  viagem  de 
1492,  e  de  onde  resulta,  sem  compreensível  vantagem  para  o  descobridor,  que  a  primazia  no  conheci- 
mento dèsse  plano  coube  aos  Portugueses. 

Em  1871,  o  historiador  americano  Henri  Harrisse  encontrou,  num  incunábulo  da  Colombina,  de 
Sevilha,  a  cópia,  aparentemente  escrita  pelo  próprio  punho  de  Cristóvão  Colombo,  (ou  por  seu  irmão 
Bartolomeu)  da  mes.na  carta  de  Toscanelli  ao  cónego  Fernão  Martins  — mas.  desta  vez,  em  latim. 

Esta  descoberta  imprevista  parecia  dever  concorrer  para  que  se  dissipassem  quaisquer  dúvidas, 
suscitadas  pela  correspondência  toscaneliana.  Atraindo  as  atenções  dos  críticos,  essa  descoberta  provocou 
os  estudos  dos  membros  da  Sociedade  dos  Americanistas  de  Paris,  Gonzalez  de  la  Rosa  (98)  e  Henry 
Vignaud,  o  último  dos  quais,  numa  obra  exaustiva,  modêlo  de  erudição  e  de  método  analítico,  condenou 
a  correspondência  de  Toscanelli  como  apócrifa,  muito  embora  doclarando-se,  com  probidade  exemplar, 
detido  na  prova  decisiva  da  sua  hipótese,  pela  impossibilidade  de  encontrar  a  explicação  cabal  e  a  justi- 
ficação convincente  da  fraude. 


(96)  *7o3o  Fernandes  Lavrador  e  Pero  de  B.ircellos,  um  pouco  antes,  ou  ao  mesmo  tempo  que  Chrístovio 
Colombo,  descobriram  a  ferra  <jue  ficjrá  sempre  com  o  nome  do  primeiro.*  Brito  Rcbclio,  na  Inlroduc^Ao  cdiçSo  do  Livro 
de  Mãrínhana.  i  pág.  XXVII.  Lisboa,  1903.  Cl.  Ernesto  do  Canto,  Quem  deu  o  nome  i  terrj  do  (..tvr.utor.  ia95. 

(97)  *A  Paolo  dei  Pozzo  Toscanelli  rimane  quindi  Inlero  il  merilo  di  .ivere  idea:  luegno.  onde  Colombo 
fu  Iralto  alia  scoperta  dei  Nuovo  MondO'.  Carlo  Errera.  L'epoca  delle  Gr.mdi  Scoperte  G.                ;  pig,  243.  MlUo,  1902. 

(98)  La  solution  de  lous  tes  problèmea  retatifs  à  Otrísiopht  Colomb  Memória  apresenl.ida  ao  CongrcsM  inlcrna- 
donal  dos  Americanistas.  Paris,  Setembro,  1900, 


LXIX 


Introdução 


USPEITANDO  de  apócrifa  a  correspondência  de  Toscanelli.  negando  consequentemente  a 
influência  que  o  sábio  florentino  teria  exercido  no  ânimo  de  Colombo,  o  historiador 

I-  Vignaud  transfere  para  os  Portugueses  o  mérito  de  haverem  preparado  a  viagem  de 
Colombo  no  Atlântico  ocidental.  E,  todavia,  a  rejeição  da  autenticidade  da  carta  de  Tos- 
canelli ao  cónego  Fernão  Martins  sonega  aos  historiadores  o  incomparável  documento 
que  concorreria  para  decifrar  os  enigmas  persistentes  que  cercam  as  origens  do  descobrimento  da  Amé- 
rica,—pois  o  que  mais  interessa  não  é  saber-se  que  a  sciéncia  náutica  e  a  experiência  portuguesas 
prepararam  e  instruíram  o  navegador  genovês,  mas  quais  os  motivos  que  inspiraram  a  atitude  de 
D.  ]oao  II,  em  relação  ao  projecto  de  Colombo;  que  aconselharam  Portugal  a  insistir  no  caminho  do 
Oriente,  para  atingir  a  índia;  que  dirigiram  a  política  sibilina  do  Tratado  de  Tordesilhas;  que  moveram 
D.  Manuel,  no  mesmo  ano  em  que  Vasco  da  Gama  ancorou  em  Calecut,  a  enviar  Duarte  Pacheco,  a  explo- 
rar «as  partes  ocidentais»;  e  que.  finalmente,  no  ano  seguinte  ao  do  regresso  do  Gama,  levaram  os  navios 
da  segunda  armada  da  índia  a  Vera  Cruz. 

A  carta  de  Paulo  Toscanelli,  de  25  de  ]unho  de  1474.  muito  provávelmente  foi  uma  realidade, 
e  quem  se  incumbe  de  a  confirmar,  de  projectá-la  para  a  posteridade,  é  o  próprio  Colombo,  que  nenhum 
inierèsse  confessado  ou  oculto  teria  em  inventá  la. 

A  influência  do  plano  toscaneliano  sôbre  o  projecto  de  Colombo  aparece-nos  afirmada  por 
múltiplos  indícios.  Vignaud,  com  inatacável  probidade,  não  os  nega;  mas,  na  presença  de  documentos 
visivelmente  truncados  e  deformados,  prefere  considerar  apócrifa  a  correspondência  do  sábio  florentino, 
forjada  à  posteriori,  i  Com  que  fim  ?  i  Para  impor  um  carácter  scientífico  ao  que  não  passava  de  uma 
aventura,  ou.  peor  ainda,  de  uma  expolíaçâo?  Porém,  Colombo  nunca  aproveitou  a  fraude,  e  esta  circuns- 
tância basta  para  fazer  periclitar  aquela  hipótese  (99),  Que  Colombo  fortalecêra.  no  convívio  com  os 
navegadores  portugueses  do  Atlântico,  a  sua  crença  na  existência  de  terras  postadas  a  oeste,  parece 
incontestável.  Éle  próprio  o  afirma.  O  procedimento  de  D.  ]oâo  II  em  recusar  o  plano  de  Colombo  e  de 
nada  tentar,  pelos  seus  próprios  e  poderosos  recursos,  para  experimentá-lo.  permite  supor  que  a  invia- 
bilidade do  projecto  toscaneliano  fôra  já  experimentalmente  constatada,  i  Os  Portugueses  teriam,  pois, 
navegado  para  além  dos  Açores?  Indubitávelmente  navegaram. 

Sendo  assim,  quanto  mais  fortes  e  numerosos  os  argumentos  de  Colombo  para  provar  a  exis- 
tência das  terras  e  ilhas  do  ocidente,  mais  a  convicção  portuguesa  lógicamente  se  fortaleceria  no  sentido 
de  procurar  o  caminho  da-  índia  pelo  nascente.- pois  só  o  pressentimento  ou  conhecimento  daquelas 
terras  justifica  cabalmente  a  rejeição  do  plano  toscaneliano.  Há,  em  tóda  esta  questão,  ainda  confusa,  um 
lacto  que  deve  ser  salientado,  Colombo  não  se  propõe  ir  à  Aniília,  mas  à  Asia.  Para  Colombo,  segundo 
se  depreende  da  correspondência  toscaneliana,  a  existência  da  Antília  não  admite  dúvidas,  pois  que  ela 
constitui  um  ponto  de  referência,  uma  escala  na  heróica  viagem.  Todavia —icaso  extraordinário !--é  a 
eàsa  Aniília  que  èle  vai.  é  essa  Antília  que  cie  imagina  ser  Cypango.  e  essa  Antília  é  a  América.  Ora,  se 
pp<  ontramos  a  Antília  em  carias  e  porlulanos  dos  meados  do  século  XV.  e  se  Toscanelli  (ou  Colombo) 
o  conhecimento  português  dessa  *isla  de  Antil  que  vosotros  llamais  de  Siete  Ciudades.  de  ía  qual 
tcncmos  noticia»  (Las  Casas)  ou  «Serf  ab  insula  Antilia  vobis  nota*  (texto  latino  manuscrito)!  é  forçoso 
inferir  que  a  existência  da  terra  aonde  foi  Colombo,  dessa  Antilia  que  nos  portulanos  do  século  XV 
eslava  assinalada  a  uma  distância  de  30°  a  35o  de  Lisboa,  e  no  Globo  de  Dehaim  a  uns  50°  do  meri- 
diano da  mesma  cidade,  não  era  ignorada  em  Portugal. 

Sob  o  ponto  de  vista  náutico,  a  viagem  de  Colombo  não  oferecia  insuperáveis  dificuldades 
para  os  navegadores  que  haviam  apagado  as  lendas  aterradoras  do  oceano;  que  tinham  provado  a  habi- 
tabilidade do  equador,  a  *Regio  inhabilabilis  propter  nimium  calorem»:  afrontado  os  mistérios  atlânti- 
cos e  aperfeiçoado  os  recursos  da  sciéncia  astronómica  e  geográfica,  na  sua  aplicação  à  orientação  dos 
navios.  O  plano  de  Colombo,  se  teóricamentc  se  baseia  na  doutrina  de  Toscanelli.  na  parte  experimental 
funda-se  nos  conhecimentos  portugueses,  referidos  nas  obras  dos  panegiristas  de  Cristóvão  Colombo 
salientemente  de  Las  Casas  e  Fernando  Colombo.  Muito  ao  contrário  do  que  pretendem  quantos  se 


LXX 


I 


Introdução 

esforçaram  por  demonstrar  a  impossibilidade  portuguesa  de  conceber  a  existência  de  ilhas  e  terras  para 
ocidente,  os  geógraíos  e  os  navegadores  as  suspeitavam  e  as  assinalavam  (lOO). 


AVIAM  decorrido  oito  anos.  em  1482 -data  da  hipotética  viagem  de  Colombo  à  costa  da 
Gumé  e  forte  de  S.  ]orge  da  Mina  (levantado  em  I482),-depois  que  o  sábio  florentino. 
Paulo  Toscanelli.  teria  escrito  a  um  suposto  cónego  Fernão  Martins,  indicando  a  D.  Afonso  V 
o  caminho  mais  curto  de  Lisboa  a  Cvpango  e  à  província  de  Cathay.  Nesse  ano  de  1474. 
o  príncipe  herdeiro.  D.  João,  iniciava,  ainda  no  reinado  paterno,  a  administração  das  coló- 
nias e  navegações  ultramarinas. 

A  coincidência  da  data  de  1474,  na  carta  de  Toscanelli.  com  a  nomeaçSo  do  príncipe  para  o 
cargo  em  que  se  estreava,  num  auspicioso  tirocínio,  o  maior  génio  político  da  realeza,  abre  diante  do 
historiador  as  mais  vastas  perspectivas  e  permite  a  suposição  de  que  um  eclesiástico  (Fernão  Martins. 
Estevão  Martms  ou  Fernão  de  Roris,  pouco  importa,)  escreveu  a  Toscanelli.  solicitando,  em  nome  do  Rei, 
o  parecer  do  sábio  sóbre  o  máximo  problema  com  que  se  defrontava  o  programa  nacional  dos  desco- 
brimentos marítimos. 

Havia  quarenta  anos  que  Gil  Eanes,  pagem  do  Infante,  dobrára  o  atemorizante  Boiador  e  que  o  i-robicma 
Afonso  Gonçalves  Daldaia  atingira  a  linha  do  trópico  de  Câncer,  limite  setentrional  da  zona  tórrida  mahikmo 
Tinham  decorrido  vinte  e  nove  anos  desde  que  Dinis  Dias.  o  primeiro  da  dinastia  insigne  de  navega-  rM^,',"""'* 
dores,  à  qual  o  destino  rcservára  a  glória  de  descobrir  o  finisterra  africano,  passára  em  frente  à  foz  do 
Senegal  — que  delimita  a  raça  preta  da  berbere  e  mauritana -e  chegara  a  Cabo  Verde,  onde  os  negros, 
atónitos  e  aterrados,  altercam  sôbre  se  é  peixe,  ave  ou  fantasma,  o  navio  português.  Alcançára-se  o  IS» 
de  latitude  N.  Desvendaram-se  aos  Portugueses  as  luxuriantes  paisagens  tropicais:  as  primeiras  que  os 
europeus  contemplavam.  A  concepção  clássica  da  inabitabilidade  da  zona  tórrida  prováva-se  errada.  Na 
frase  de  Ruge,  *à  sombra  das  palmeiras  de  Cabo  i/erde  encontrára  o  seu  túmulo  a  geografia  da  Idade 
Média*.  Uma  a  uma.  baqueavam,  perante  a  audácia  impávida  dos  devassadores  dos  oceanos,  dos  pesqui- 
sadores de  mistérios,  as  fábulas  e  as  lendas  da  antiguidade.  Havia  iá  quatro  anos  que  Alvaro  Esteves, 
o  grande  piloto,  penelrára  o  equador  térmico,  na  Costa  do  Ouro.  e  as  embocaduras  do  Niger.  ultrapas- 
sando a  Régio  perusta.  no  equador  matemático,  até  ao  cabo  de  Santa  Catarina,  a  lo  51'  de  latitude  S. 
Tinham  sido  descobertas  mais  as  ilhas  de  Fernando  Pó.  Formosa.  S.  Tomé,  Príncipe  e  Ano  Bom:  as 
*insula  Martini*,  do  globo  de  Dehaim.  O  périplo  da  África  avançava,  mas  era  ainda  difícil  saber  as 
dimensões  que  atingiria.  Assim  como  no  rumo  do  ocidente  se  tinham  visto  aflorar  dos  abismos  oceâni- 
cos o  arquipélago  dos  Açôres.  e.  para  sudoeste,  o  da  Madeira,  -  além  das  Canárias  (as  Malkart,  dos 
fenícios)  tinham-se  achado  as  ilhas  de  Cabo  Verde,  adjacentes  da  Africa.  Para  lá  dos  Açôres.  i  que  ou- 
tras ilhas  emergiriam  do  oceano?  t  Qual  o  caminho  a  tomar  para  atingir  depressa  a  (ndia?  Os  Por- 
tugueses conheciam  o  Livro  de  Marco  Polo,  com  que  a  Senhoria  de  Veneza  presenteára  o  Infante  D.  Pe- 
dro—senão também  o  mapa-mundo,  que  acompanhára  a  dádiva  preciosa.  Nesse  mapa,  a  costa  oriental 


(100)  One  of  the  first  publications  conlaining  some  words  aboul  lhe  discoverícs  ot  tlic  Porluflucse,  Is  VeUsei 
Ferdwjndi .  .  .  Régis  Portugultir  or.itoris  ãd  Innocrnlium  octãvum  ponti/iccm  nuiximum  de  obedienliô  orétio,  s.  I,  e1  a,,  (firsi 
cdition  Rome  1485.  Hain  N.o  15760).  In  aboul  tlie  middk-  ol  thi-  sniall,  un  paginak-d  work  we  rcad  lhe  lollowirq  rcm.trW.ibtc 
words,  which  1  give  hcre  írom  an  edilion  (Kain  N.o  15761)  prinlcd  some  whal  Lilcr  (MM?):  •.Non  dcsunt  ! 
qu.im  plurã  alia  cius  in  chrisli  ihesu  fidcm  cl  fíomjnjm  ccclrsum  nuTítA,  que  si  sigilLilim  recemere  vi-iim  fvi. 
esscl  progrederer,  sed  duo  Umhim  qujm  brevíssimo  fjerstringjm.  Primum  ijuod  eo  regnanle  Hcnrici  pjirui  ciu»  de  que  supra 
meminimus  induslru  ceplj  n.ifigjri  Elhiopiã  est.  Ãllerum  vero  sil  quod  eodem  tempere  in  occeano  .ilhl.tntico  deeem  insuU 
vix  ipsis  orbis  descriptoribus  cognite  ã  noslris  invente  sunt  et  omnes  Lusilaniã  coloníe  reducte.  In  quibus  um  mirã  incolãrum 
trequentia  habitalis  Christiana  íides  fiaud  minore  ceremonta  quam  inter  nos  rolitur.  Ita  uf  rnlhi  vere  alfonsus  Rex  gloriosas 
ãd  chrislianam  religionem  sacralissimam  colendam  non  contentas  maiorum  suorum  finibus  videatur,  nisi  eliam  novas  provin- 
lias,  nova  regna,  novas  insulas  et  QUASI  NOVOS  ET  INCÓGNITOS  ORBES  chrisli  nomíni  et  Romant  ecciesie  et  vobiã 
tandem  pater  beatissime  et  successoríbus  vestris  in  postcrum  addicerel». 

—  A.  E.  Nordenskiôld,  Facsimile- Atlas  to  the  carlv  History  of  Cartography,  a  pig.  62,  VI  Cap.  The  fírsi  map$  o/ 
the  New  World  and  of  the  neu/ly  discovered  paris  of  Africa  and  Asia. 


LXXI 


00 

DA  INUIA 
*TtCA 


A»l- 


■  I  I,  I  -1  III 

oRicNre 


Introdução 

da  Asia.  de  acòrdo  com  a  narração  do  viaiante  veneziano,  deveria  prolongar-se  até  onde  se  encontra  a 
Califórnia;  e  a  ilha  de  Cypango  ocuparia  o  silio  do  México,  aproximadamente,  como  no  globo  de  Be- 
haim.  Nâo  faltavam  motivos  para  que  os  conselheiros  do  príncipe  vacilassem.  Embora  Vígnaud,  es- 
forçando  se  por  salvar  a  tese  da  apocrifia  integral  da  correspondência  de  Toscanelli,  sustente  que  os 

portugueses  nào  pensavam,  em 
1474,  em  executar  o  périplo  da 
Africa,  e  muito  menos  em  atingir  a 
índia,  não  faltam  historiadores  com 
a  convicção  de  que  *para  o  In- 
fante D.  Henrique  a  distinção  en- 
tre a  índia  asiática  e  a  índia 
africana,  ou  Terra  do  Preste  João. 
estava  já  claramente  estabelecida, 
e  que  a  Bula  de  Nicolau  V.  de 
1454.  define  a  índia  como  obje- 
ctivo dos  esforços  do  Infante»  (lOí). 
Ésse  propósito,  se  a  princípio  é 
problemático,  vai-se  esclarecendo 
progressivamente,  numa  evolução 
que  se  acentua  na  Bula  de  13  de 
Março  de  1456,  em  que  Calixto 
III  renova  as  concessões  do  pon- 
tifica seu  antecessor  e  lhes  acres- 
centa a  iurisdiçâo  espiritual  da 
Ordem  de  Cristo  sobre  as  terras, 
desde  o  cabo  Não  até  à  índia: 
•dominium  et  potestas  in  spirí- 
tualibus  duntaxat  in  insulis,  villis, 
portubus,  terris.  et  locis  a  capl- 
tibus  de  Boiador  et  de  Nam  us- 
que  per  totam  Guineam.  et  ultra 
meridionalem  plagam  usque  ad 
Indos  acquisitis  et  acquirendis 
Para  sustentar  que  a  obra  sistemá- 
tica da  circunnavegação  da  Africa 
não  foi  guiada  pela  esperança  de 
achar  o  caminho  das  índias  Afri- 
cana e  Asiática,  seria  preciso  co- 
meçar por  admitir  a  ignorância  eu- 
ropeia da  península  fndica  e  dos 
grandes  impérios  orientais.  Os  co- 
nhecimentos que  da  Asia  pos- 
suíam os  portugueses  seriam  su- 
ficientemente revelados  na  esco- 
lha, pelo  Concílio  de  Lvão.  em 
1245,  do  franciscano  Lourenço  de 
Portugal  para  delegado  do  Papa, 
ao  Grão  Khan  mongólico 


C1»oliuroDeRfco(4ovcrKto. 
C9rraluooo3carrflDcbuú0CTioac8oa8Díea8(CTTa9. 

CCó  pMuiíe^o  od  Wcr  noíTo  rcnboj.q  ncnbuij  faça  a  impjcf 
íítn  Dcftchuroné  t>o  vcnoacin  roDoíloe  fc»rcffnoa  i  rcntxy 
nos  fiem  llçéça  oe  BaUnnm  ffrnái)C5ropcna  cofcuM  na  cor 


Pr«nt««ptclo  «o  Livro  d»  Marco  Polo.  Tr»ducclo  •  lmpr«*«lo  d*  Vaicnilm  F«rn*nd«*  

O  vetun.a  conum.  aUm  do  1..10  dc  M.rco  P«ulo.  jt  outrai  obr»  menclonadM  no  Ululo!  iunio 
(DoaHimplar  da  Diblloiaca  N«tlonal  d«  Lttboa)  ' 

(102).  Pôde  haver  historiadores 
nossos  contemporâneos  que  igno- 
rem os  escritos  dos  primeiros  geógrafos,  mas  os  dirigentes  dos  povos,  que,  no  final  da  Idade  Média  reali- 
zaram os  en  preendimentos  das  descobertas,  nào  podiam  desconhecé-Ios.  As  obras  de  Azurara  de  Duarte 
Pacheco,  de  Barros,  de  Castanheda,  de  Galvão,  de  Rezende  e  Damião  de  Góis.  até  ao  sublime  poeta  épico 


)ulho  de  I9cí""*  ^'  •  Chnstophe  Colomb.  ita  Revlm  Portuguesa  Colonial  e  MiriHma- 

(102)   Beaslev.  Tht  datvn  of  modern  gtography.  Vol.  II,  pig.  276.  (Londres,  1806.) 

LXXII 


Introdução 

cronista  da  apotéose,  lestem unham  o  conhecimento  minudencioso  dos  autores  gregos  e  latinos.  Os  erros 
geográficos,  concernentes  ao  Oriente,  que  conduziram  aos  mapas  de  Marco  Polo  e  Toscanelli  e  ao  globo 
de  Behaim.  projectando  a  Ásia  para  leste,  ináo  datam  de  Eratóstenes?  i  Nào  foram  aceites  por  Ptolomeu? 
Heródoto,  o  «pai  da  história»,  dizia  fundar-se  nas  noticias  mais  fidedignas,  para  afirmar  que  os  índios 
eram  a  gente  que  vivia  mais  perto  da  saída  do  sol.  na  Asia  do  levante,  e  que  estes  extremos  do  mundo 
abundavam  nos  produtos  mais  preciosos.  Estrabão  assinalava  a  (ndia  como  o  primeiro  país  e  o  mais 
extenso  do  Oriente.  Os  contemporâneos  de  Alexandre  Magno,  cujos  guerreiros  tinham  encontrado  o  pa- 
vão em  estado  silvestre,  nas  selvas  indianas,  foram  os  primeiros  a  descrever  as  regiões  meridionais 
da  Asia.  Megasteno  notára  a  configuração  peninsular  da  índia;  Onesecrilo  mencionou  a  ilha  de  Tapro- 
bana (Ceilão).  Ambos  haviam  observado  o  desaparecimento  no  céu  da  Ursa  Maior,  que,  na  (ndia  me- 
ridional, desce  abaixo  do  horizonte  visual.  A  Ásia  não  era  um  mito  ou  a  reminiscência  lendária  de  uma 
realidade  remota,  como  a  Atlântida  de  Platão.  O  veneziano  Marco  Polo  viajára  durante  vinte  e  quatro 
anos  peta  Ásia,  desde  a  Tartária  ao  Japão,  no  fim  do  século  XIII  (103).  A  influência  dos  seus  escritos  já 
se  manifestára  na  cartografia  do  século  XIV.  a  começar  no  mapa  catalão  de  1375.  O  abade  dos  pre- 
monstratenses  de  Poitiers  ditara  uma  geografia  asiática,  dando  à  China  a  denominação  de  Cathay  e  onde 
copiosamente  referia  as  riquezas  fabulosas  da  índia.  São  Luís.  rei  de  França,  confiara,  cm  1256.  ao  fran- 
ciscano Guilherme  de  Rubruck  uma  missão  diplomática  na  Ásia.  O  provincial  da  ordem  dos  franciscanos 
em  Colónia,  ]oào  de  Plano  Carpini,  visitára,  nesse  mesmo  século  Xlíl,  como  embaixador  da  Cúria,  o 
Grão  Khan  da  Mongólia  (104).  A  Asia.  conhecida  pela  civilização  greco-latina.  depois  da  triunfal  expedi- 
ção de  Alexandre,  era.  inconfundivelmente,  o  fito  das  expedições  guerreiro-navais-mercantis.  sistematisadas 
e  desenvolvidas,  desde  o  Infanto  D.  Henrique  até  D.  João  II. 

Fôra.  designadamente,  a  conquista  de  Constantinopla  pelos  turcos,  completando  a  obstrução 
das  vias  terrestres  e  marítimas  meridionais  para  a  Ásia,  (pois  já  desde  1171,  Saiadíno  se  apoderára  do 
Egipto,  fechando  as  comunicações  com  o  mar  Roxo)  que  inspirára  a  audaciosa  cmprésa  das  conquistas 
oceânicas.  O  próprio  périplo  da  África,  considerado  por  Vignaud  fóra  das  cogitações  portuguesas,  nào 
constituía,  sequer,  no  domínio  da  lenda,  como  no  da  realidade,  uma  concepção  original.  Sobreviviam  na 
tradição  o  legendário  périplo  fenício  do  reinado  de  Necao  (600  anos  A.  C)  e  o  périplo  púnico  do  almi- 
rante cartaginês  Hanon.  Sabia-se  que  Políbio,  às  ordens  de  Scipiào,  visitára  as  costas  da  Mauritânia. 
No  século  XIII  (1281),  os  irmãos  Vadimo  e  Guido  de  Vivaldi,  genoveses,  e,  dez  anos  depois,  Ugolino 
Vivaldi  e  Teodósio  Dória,  tinham  empreendido  circunnavegar  o  continente  africano.  *Começjrjm  aquelã 
viagem  com  o  objectivo  temerário  de  procurar  o  ciminho  pelo  Atlântico  ad  partes  Indiae>(l05).  Esta 
índia,  que  os  genoveses  Vivaldi  procuraram  por  mar,  nos  fins  do  século  XllI,  iporque  não  haviam  de 
tentar  achá-la  os  portugueses,  no  século  XV?  i  Falta  o  documento  que  o  declare  peremplóriamente? 
iNem  esse  documento  falia!  (106)  cMas  quem  poderia  supor  que.  mais  de  quatro  séculos  volvidos,  depois 
da  execução  do  plano  gigante,  um  grande  historiador  se  lembraria  de  negar  o  objectivo  da  índia  a  uma 
obra  ininterrupta  e  sistemática  de  exploração  oceânica. .  .  que  atingiu  a  índia?  (107) 

Em  1457,  (dezassete  anos  antes  da  consulta  a  Toscanelli]  Diogo  Gomes  e  João  Gonçalves 
Ribeiro  entraram  no  rio  Gâmbia,  que  subiram  até  à  cidade  de  Cantor,  onde  souberam  que  as  caravanas 


(103)   M  r  >ik  of  sir  Marco  Peto  tha  Vcncuan,  Londres,  1871;  A.  Oartoll,   Vuggt  di  Mjicíi  1'oIq 

secando  la  lexione  •  .  :ii.\no  piú  jnlico,  Florença,  1863. 

(1W)  Journeys  of  William  o/  Rubruck  and  John  ot  Plãn  de  Carpine.  lo  Tjiríarv  in  tfie  13  lhe  o-nl,  Hakluyi  Society. 
I        ■  ■' .  1900;  D'Avezac,  NoUce  sur  Ir  >if  TarU:  ■'  itti  dc  /Vj»  dí  C.irpini  en 

i  r.T,  no  Tomo  IV  do  Rccucd  de  i  ra  da  :  .i  dc  P..    ,       ');  F.  M.  Sctimidl, 

Ui.-b*i  Hubruk's  Rcisc  t/on  Í2&3-I2ÍS,  no  luiiio  XX,  pá^j».  161  -  2S3  da  ^cUi-cliiiU  dn  uc^iílschaft  fui  Lrdiiunde,  Berlim.  1865. 

(105)  C.  Eirera,  Op,  CU.,  a  pág.  178.  •Gi.í  ncl  I29l.  <  ' '  ino  Vifaldi  >  '  ■  quoddam, 
viagium  quod  aliquis  lisque  nunc  faceri'  minime  ailempiavit-,  ■  -^egno  di  m  ad  parles 
InaíA'',  verso  Ijluna  aoe  Ui  quvlle  confrade  che,  da  Sotala  e  dali  Lliupu  aih'  due  grandt  pcimoli.'  Jòialulu;  tiiaiw  vagamente 
comprese  altora  nella  denominaitonc  di  ludia». 

(106)  Carta  de  doaçAo  dc  D.  M»nucl  a  Vasco  da  Oaina,  dc  10  de  Agoslo  de  IS02.  Alguns  documentos  da  Torre 
do  Tombo,  a  pág.  127. 

(107)  •//  est  avM  que,  dés  avaiU  fannfe  1474,  les  Porlugais  miditalenl  datteindre  par  mer  les  eÔtes  occidentates 
de  la  Chine  et  da  Japon*.  Hvnry  Harrlsse,  Les  Cõrle-Real  el  leurs  voyages  au  nouveau -monde,  a  pig.  23.  Paris,  I8S3. 


lu 


LXXIII 


Introdução 

de  Tunis  e  do  Cairo  chegavam  até  ali  e  que,  para  além  do  tempestuoso  promontório  da  Serra  Leôa. 
corriam  rios  para  leste.  Tam  provável  pareceu  a  Diogo  Gomes  chegar  à  índia,  dobrando  a  extremidade 
meridional  da  Africa,  que  trouxe  para  bordo  um  índio  abissínio,  a  fim  de  servir  de  intérprete  aos  Por- 
tugueses. tComo  é.  pois.  possível  sustentar  que.  nas  cogitações  lusitanas,  não  entrava  o  périplo  africano, 
quando  os  Portugueses  sâo  os  iniciadores  e  os  executores  dos  grandes  périplos  continentais? 

Indiscutivelmente,  o  problema  náutico  e  económico  da  segunda  metade  do  século  XV  consistia 
em  achar  o  caminho  marítimo  das  índias,  em  cuja  direcção  se  repeliam,  arrojadas  e  pertinazes,  as  explo- 
rações portuguesas,  t  Porque,  enlâo.  se  hesitava  e  se  consultava,  em  nome  do  Rei,  o  sábio  florentino? 
Porque  as  índias,  no  planeta  esférico,  podiam  igualmente  alingir-se  pelo  Ocidente.  Esta  era  a  concepção 
de  Toscanelli.  Para  se  escrever  com  propriedade,  esta  concepção  nào  podia  deixar  de  ser  geral  a  todos 
os  astrónomos,  geógrafos  e  matemáticos.  É  evidente  que.  sendo  esférica  a  Terra,  se  pôde  atingir  um 
determinado  ponto  dela.  partindo,  indiferentemente,  para  o  nascente  ou  para  o  poente.  O  problema  resu- 
mia  se  em  saber  qual  das  duas  róias  devia  ser  explorada  qual  dos  dois  caminhos  era  o  mais  curto. 


E  os  impérios  da  antiguidade  oriental  estiveram  sempre  em  relação  com  os  povos  mediter- 
râneos da  antiguidade  clássica,  -  que  nào  ignoravam  que.  para  além  da  Pérsia,  havia 
outros  países  «imensuráveis  e  magníficos»,  — e  se  êsse  conhecimento  experimental  do 
Oriente  foi  herdado,  desenvolvido  e  cultivado  pelas  cidades  maritimas  italianas,  que  con- 
tinuaram explorando  o  comércio  do  luxo  asiático,  não  é  menos  certo  e  provado  que  não 
faltavam  aos  geógrafos  do  século  XV  os  patentes  indícios  da  existência  das  terras  ocidentais.  Os  Escan- 
dinavos tinham  já  pisado  o  solo  americano  (108).  O  primeiro  europeu  que  viu  a  América,  provávelmente 
nas  primeiras  décadas  do  século  X.  parece  ter  sido  Guunbiorn.  que.  navegando  para  a  Islândia  foi 
arrastado  para  oeste  pelos  ventos  glaciais  e  as  correntes  e  avistou  as  brumosas  enseadas  que  lhe  con- 
servam o  nome.  para  trás  das  quais  enxergou  a  terra  firme. 

Na  última  década  do  bárbaro  século  X.  aí  se  estabeleceu  Erico,  o  Ruivo,  fugido  da  Noruega 
por  homicídio,  e  que  lhe  chamou  a  Groenlândia:  terra  verde.  A  noticia  do  descobrimento  chegou  até  ás 
cidades  marítimas  da  Alemanha.  Adão  de  Bremen,  na  Gesta  hammaburgensis  ecclesiae  pontificum  refe- 
re  se  a  uma  expedição  de  frisôes  do  rio  Weser  às  terras  setentrionais.  Os  Normandos  levaram  'ainda 
mais  longe  as  arrojadas  viagens  no  mar  das  brumas.  Djorn,  pelo  ano  de  986.  indo  da  Islândia  à  Groen- 
lândia, descobriu  novas  terras,  que  foram  exploradas  por  Leif.  filho  de  Erico,  o  colonizador  Esta  expe- 
dição, que  atravessou  a  regiào  dos  penhascos,  dos  prados  e  das  vinhas  (Vinlândia),  devia  ter  cheoado 
até  perto  de  4lo  de  latitude  N.:  cêrca  do  promontório  do  Estado  de  Massachusetts  (108-A).  Em  princí- 
pios do  século  XII.  )á  possuía  a  Groenlândia  o  primeiro  bispo,  e  continuou  a  tei  prelado  de  mitra  e  bá- 
culo com  residência  na  diocese,  até  Alfr  (1368  a  78).  H.  Major  (109)  fixa  o  ano  de  1406  como  o  último  da 
residência  dos  prelados  na  Groenlândia,  havendo,  desde  essa  data.  só  bispos  titulares  até  1537  Aban- 
donada e  esquecida,  a  Groenlândia  reentrou  na  tréva  e  na  lenda,  desvaneceu-se  como  uma  nuvem  na 
memória  dos  homens,  nào  tendo  sido  considerada  nunca  como  fazendo  parte  integrante  de  um  continente 
transatlântico.  Todavia  em  Portugal,  no  ano  de  1502.  sabe-se  já  (como  constada  carta  de  Pascuáligo) 
que  a  fria  e  inóspita  Groenlândia  é  a  parie  mais  setentrional  do  mesmo  continente  imenso  a  que  per- 
tence  a  cálida  e  luxuriante  Terra  dos  Papagaios. 


I  l.Uilllllll 


(108)  Ouslave  Stonn.  Studics  ot  lhe  Vinland  vovaqes  mémoirei  d#*  li»  Çn^.v-M         a  .■     ^  ^ 

Sornunds  au  X'  suW.-,  1874;  D.  F  da  Cosia.  D^^coui>,-rte  de  rTmén^^^^^^^  Découuerte  de  lAménçue 

(I08-A>  Contudo,  Vignaud.  no  Journal  deg  Améhcénisies  de  Pjrt<  íann  h*'  .<vw« 
decida  dos  escandinavos  atí  4  latllude  cm  que  os  liistoriadoris  géralmeíí^^U^^^^  """"5  P«»>Iomática  a 

lenham  Ido  além  da  Terra  Nova.  seraimenie  colocam  a  VinlAndia,  presumindo  que  éte«  nlo 

(10»)   UofíffM  of  the  Ztni  to  the  Northtrn  Se*s.  Hakluyt  Socicly.  Londres.  1873. 


LXXIV 


Introdução 


UE  noticias  podiam  ter  os  portugueses,  em  1474.  das  terras  misteriosas  do  ocidente  em 
condições  de  iustificarem  uma  consulta  a  Toscanelli?  «tiaenie.  em 


Ml 


Nunca  se  apagaram  por  completo  da  memória  do  homem  europeu  as  relações  ÍV  ^ 
que  havia  entretido,  nas  éras  remotas,  com  o  seu  semelhante  de  outras  e  longínquas  ocdinu  ' 
ilhas  e  mai.  IxX^^^lJ      a  '         iornadas.  a  Oeste  da  Bretanha,  se  encontram  várias 

^f/vLl?  '  ""^.grande  contmenle.  de  chma  benigno.  As  lendas  medievais  de  S.  Brandão  e  das 
Sete  Cidades  parecem  ong.nadas  nas  primeiras  colonizações  cristãs  da  Groenlândia  (I  lO)  Havia  muito! 

('nlstVes^o^cicr  'dTs  '"^^^      Massilia  no 'fim  TXZx^, 

T\nL\  T  Jl  sobre-humanas  proezas,  quando  os  exércitos  macedónios  de  Alexandre  atingiam 

m6  e  I44«  n  Ar.  °  '^^  5e'^n'"onal  do  mundo  para  noroeste.  Nos  mapas  de  Andréa  Bianco  de 
1436  e  1448.  o  Atlant.co  oc.denta!  é  povoado  de  ilhas,  entre  as  quais  figura  a  enigmática  Antilia  a  flor 
m.stenosa  do  oceano,  que  Pedro  de  Medina,  autor  do  Regimiento  <ie  nLgaaon  e  da  Zte  JTnaVual 

a  Lusitams  est  mventa  scd  modo  quando  qucrrilur  non  inuenitur»  (m).  e  que  surge  pela  primeira  vez 
no  mapa  anónimo  de  1424  da  biblioteca  do  grão  duque  de  Weimar  e  nas  cartas  de  Becário  (1426)  Nâo 
faliam  indícios  de  natureza  lendária,  náulica  e  cartográfica,  para  justificar  a  indecisão  portuguesa 
Entre  ou  ras  viagens  ia  realizadas,  no  Atlântico  ocidental,  deve  em  especial  mencionar-se  a  dos  venezia- 
nos. Nicolo  e  Antonio  Zeno.  em  1390.  estudadas  por  Mumboldt.  Major  e  Nordenskiõld  (l  12).  Anteriormente 
a  carta  catalã  (1375)  inscrevia  as  ilhas  Orcades  e  a  Scilàndia.  i^^normeme. 

Esta  série  considerável  de  factos  basta  para  colocar  a  consulta  a  Toscanelli  no  terreno  da  r 
mais  evidente  verosimilhança.  Mas  há  a  acrescentar  que.  justamente  nesta  época -dois  anos  antes  da     '  " 
consulta  ao  sábio  florentino,  como  que  inspirando-a^quere  a  tradição  que  loão  Vaz  Côrle-Real  lenha  STt", 
pela  primeira  vez  visitado  a  Terra  Nova  dos  Bacalhaus.  Quando  mesmo  essa  viagem  audaz  e  proble- 
málica  viesse  a  provar-se  (e  nâo  há  elemento  algum  de  prova  em  favor  dela)  nâo  poderia  dizer-se  com 
veracidade  que  os  Poriugueses  descobriram  a  América  vinte  anos  antes  de  Colombo,  mas  apenas  que 
lá  haviam  estado,  como  os  Escandinavos  indubitavelmente  lá  estiveram,  como  os  anacoretas  iriandcses 
e  os  Venezianos.  Nicolo  e  Antonio  Zeno.  incertamente  lá  foram  ou  lá  pretenderam  e  supozeram  ir  Em 
1472.  dois  anos  antes  da  caria  de  Toscanelli.  haviam  talvez  principiado  as  pertinazes  expedições  dos 
Lorte-Keais  para  o  ngroeste  (1 13),  Como  lucidamente  adverte  Bensaúde.  essa  viagem  de  )oào  Vaz  nada 
teria  de  fenomenal,  antecedendo  28  anos  a  viagem  indiscutida  de  Gaspar  Côrle-Real.  Dos  Açôres  à 
Terra  Nova.  a  distância  é  menor  do  que  o  percurso  de  Lisboa  a  Cabo  Verde. 

A  consulta  do  cónego  de  Lisboa  corresponde  a  uma  situação  de  fundada  perplexidade.  É  o 
rei  de  Portugal  que  indaga  sòbre  «a  róta  mais  curta  para  as  terras  das  especiarias*. 

Sobejavam  razões  que  induziam  a  coroa  a  essa  indagação,  Os  navios  portugueses  traziam  a 
Lisboa  as  notícias  de  ilhas  entrevistas  no  longínquo  horisonte.  iA  Aniília?  i Simples  miragem?  cOs 
arquipélagos  anteriores  às  procuradas  índias?... 

Nunca  um  problema  histórico  se  apresentou  com  mais  lógica  e  verosimilhança  ao  investigador,  «rvi  i^ao 
se  considerarmos  que  o  finisterra  africano  ainda  não  fora  atingido.  O  que  surpreende  é  que  os  historia-  ' 


A.i5n.ir«  .  \  k""^  '^^  ^  .  """'í^*''         ""^P^s  de  Becário.  de  Fra  Mauro  c  dc  Benincjsa.  cslá  sempre  locjilizadj  no 

rtiiantico  ocidcnial.  «ehaim  regisla-a  como  uma  grande  ilha  a  poenle.  nas  proximidades  do  Equador,  A  llh.i  rcndária  v.it  asaim 
descendo  do  setentri.lo  para  as  regiòes  da  Amiírica  ausirul.  e  conliniia  a  aparecer,  depois  do  reconhecimento  do  litoral  .im^ri. 
cano.  nos  mapas  de  Sebasli.lo  Cabol  e  de  Mercator  (N.o»  23,  21  e  76  dos  í^I"         fí  rf»-  f.i  'hit'  dc  i  ij 

Jendária  das  Sete  Cidades  figura  Umbém  no  globo  dc  Nurembergia.  onde  .i  narra  t.  i  nnvo 

bispo  do  Forio,  acompanhado  de  scfs  bispos.  Fernando  Colombo,  no  §  4  u.i^  y/.  li  /im/,  ioujIiiiliUl-  íc  lhe 

refere.  Ruvsch,  no  mapa  Unifersalior  cognit  orbis  tabulú  ex  recfníibu:,  con/rrr.t  <>'  -iihit^   ,  ido  Jk  edIcJo  de 

1503  do  seu  Ptolomeu,  coloca-a  enlre  os  Açòros  e  a  Hispaniola.  onde  ai:  com  a  AntllÍJ 

A  lenda  da  nave  poriugucsa,  que  no  tempo  do  Iníanie  D,  Henrique  lõra  .\  iii.     ,  ,  Poriuqal  é  aindà 

recolhida  por  Fernando  Colombo  (§  9)  e  por  Herrera  (Hisforia  general  dc  /o>  iuctio^  dt  .  „  lis  /sUs  i  Herra 

firme  dcl  M.ir  oicnw.  vtc,  Liv.  í):  -En  liempo  dei  iníanie  D.  Enrique  de  Porlugãl  coi>^  ...  un  n.vio  que  bãbim 

sMido  de  Porlugal  e  no  paró  hasta  dar  a  eltas:  . . 

("O  cr  D  Avezac,  Is/es  de  VAfrique.  Paris.  1849.  a  pág,  27;  Buaclic,  Mémoire  sur  risle  Aniilij,  nas  '■'  \\ 
do  Instituto  de  França,  1806.  Formalconi.  no  Saggio  sulla  náutica  anlica  dei  Veneziani,  nJio  hcsllava,  ii  cm  1789  em  .r 
a  Antili.1  com  a  América.  -  i  .  ■ 

.  ^  .  ^  (112)  — De//o  scoprimenlo  delfisole  Frislanda,  Eslanda,  Engrovelanda  estotitanda  e  Içaria,  fatio  aoto  U  Polo  ar- 
tico  doi  due  frarelli  Zeno.  M.  Nicoló  il  K.  e  M.  Antonio.  Veneza.  1558;  Nordenskjòld.  Perlplus.  a  pio.  86:  Stom  Om  Zenierncs 
rêiser,  Cristiania,  1891 ;  Lucas,  The  Annafs  of  lhe  [^oyages  ot  lhe  brothers  N.  and  A-  Zeno.  Londres.  1898. 

s    iD,t      Oi3)  —  Arquii/o  dos  Açores,  Vol.  4,  pág.  416;  LAsironomie  Nautique  des  Portugais.  etc.  dc  Joaquim  BenMúdc, 

LXXV 


Introdução 


1  a  corrcspúiidôncia  toscaneliana  uma  fraude,  não  tenham  principiado  por  explicar 
nne  poderiam  ter  levado  Colombo  a  falsificar  um  documento  que  lhe  diminuía  a 


de        le  con-  ' 

Oi         >..'05  r 

glória,  e  a  í.  condições  tais,  que  a  invocarão  de  uma  personagem,  quer  verídica,  quer  in- 

existente, só  serviria  para  o  comprometer  e  denunciar  como  um  falsário.  A  êsse  tempo  viveriam  descen- 
dentes colaterais  do  valido  de  D.  Afonso  V.  Seria  demência  dcsafiar-lhes  os  desmentidos.  Comete-se  uma 
iníusliça  contra  Colombo,  imaginando-o  incapaz  de  forjar  documentos  que  melhor  servissem  a  sua  glória 
e  o  seu  ínturèsse.  cm  que  náo  se  testemunhasse  a  anteciparão  do  conhecimento,  por  parte  de  D.  ]oâo  li. 


SEPTENTRION  ALIVM       PARTIVM       NOVA  TABVLA 


Mapa  da*  rcslAaa  per  onda  navtsaram  o*  Irmloa  2*no.  acflundo  Piolomtu  Oa  RotcaUI  (IMI).  Idtnilco  ao  raproduildo  por  Kr«tachin«r 

do  plano  do  florentino  sóbre  o  plano  do  genovês.  Êsse  desprendimento  c  essa  imprudência  nâo  se  con- 
ciliam nem  com  a  ambição  de  Colombo,  nem  com  os  intuitos  dos  seus  panegiristas.  Analisando  propria- 
mente o  problema  da  autenticidade  da  carta,  escrita  cm  25  de  }unho  de  1474  ao  áulico  de  D.  Afonso  V. 
ocorre,  antes  de  mais  nada,  inquirir  a  quem  essa  carta  podia  aproveitar,  e  só  é  possível  concluir-se  que 
o  seu  contexto,  em  1474,  aproveitaria  especialmente  a  Portugal,  que  detinha  o  monopólio  da  navegação 
do  Atlântico.  Em  I57t.  data  da  primeira  publicação,  era  ainda  h  glória  e  à  sciéncia  portuguesas  que  êsses 
documentos  aproveitavam,  pois  já.  de  há  muito,  um  piloto  português,  indo  da  Espanha  às  Molucas.  pro- 
várafque,  de  facto,  o  caminho  para  as  índias  pelo  Ocidente  existia,  mas  era  muitíssimo  mais  extenso  do 
que  a  róta  portuguesa  pelo  Oriente  (1 14).  c  De  onde  provem,  todavia,  o  conhecimento  universal  da  carta 


(114)   De  S.  Lucar  «  «  viagem        Fernão  de  MagalMes  é  de  14475  milhas;  de  Lisboa  a  Calecut. 

320  milnjt  (mimas  de  i9%2  melros). 


Vako  da  Gama  navegou 

LXXVI 


Paolo  d«l  Pozzo  Toicanalll.  ••Hundo  o  r«lr«lo  pinrado  por  Oaoralo  ViaaH,  na  sala  da  Coalmo  It  Vatchio  no  palácio  Vacchio, 
am  rioranta.  (A  psTionaflam  rairauda  ft  diralia  da  Toacanalll,  «  Marcillo  Mclno.  A  piniura  da  Vaaarl  raprodu*  um  ra- 
iralo  da  Alaaalo  5aldovlnatil,  ^ua  axlallu  na  Igrala  da  Santa  Trinllá.) 


( 


Introdução 


de  Toscanelli?  Das  Hhtorie  deli  Ammiraglio,  supostamente  escritas  no  original  espanhol  pelo  próprio 
lilho  de  Cristóvão  Colombo,  e  da  historia  de  Las  índias,  de  frei  Bartolomeu  de  Las  Casas,  bispo  de 
Chiapa.  o  mais  autorisado  panegirista  do  genovês,  e.  talvez,  o  único  historiador  do  grande  acontecimento, 
que  escreveu,  (sem  contar  Pedro  Mártir)  sobre  depoimentos  e  documentos  originais.  Acontece  que! 
durante  séculos,  a  única  versão  conhecida  da  carta  de  Toscanelli  é  a  de  Fernando  Colombo,  relraduzida 
em  espanhol  por  Barcia,  no  I  Vol.  dos  Historiadores  Primitiuos  de  las  índias  Occidentaies.  O  manuscrito 
de  Las  Casas  (115)  só  fica  incorporado  na  bibliografia,  com  a  sua  publicação  no  século  XIXÍI16),  embora 
o  tivessem  consultado  e  conhecido  em  longos  extratos.  nas  transcrições  de  Navarrete  e  em  cópias 
manuscritas,  numerosos  geógrafos  e  historiadores  anteriores,  como  o  eminente  Humboldt  (l  17).  Nào  se 
trata,  pois,  de  uma  invenção  de  Fernando  Colombo,  desde  que  o  Bispo  de  Chiapa,  biógrafo  áustero  do 
grande  homem,  e  incapaz  de  falsidade  consciente,  a  arquivava  também,  com  pequenas  variantes.  A  fonte 
das  versões  italiana  e  espanhola  da  carta  é.  necessáriamenie,  a  mesma.  Entretanto,  nem  a  biografia 
italiana  parece  copiar  Las  Casas,  cuja  obra  nâo  fôra  publicada,  nem  Las  Casas  copta  as  Historie  deli 
Ammiraglio,  que  aparecem  na  Itália  depois  de  escrita  a  Historia  de  las  índias.  Ambos  escrevem  à  vista 
de  documentos,  provindos  do  espólio  do  Almirante,  mas  independentemente  e  com  objectivos  sensivel- 
mente diversos.  Ao  passo  que  o  livro  do  filho  procura  converter  Colombo  num  herói  legendário,  o  livro 
do  arcebispo  narra  as  acções  do  homem,  sem  ocultar  as  suas  fraquezas. 


LI  A 

'■1  i-ii 


Ao  três,  conforme  a  versão  dos  biógrafos  citados,  as  cartas  de  Toscanelli.  Da  primeira,  aprimi  ira 
escrita  ao  cónego  Martins,  só  lemos  conhecimento  pela  segunda,  que  pretende  ser  uma  '  '  ^ 
cópia  da  anterior,  acrescentada  de  algumas  linhas  de  prólogo,  dirigidas  a  Colombo;  e,  , 
finalmente,  uma  terceira  caria,  menos  importante,  que  haveria  sido  escrita  pelo  sábio  llo- 
renlino  ao  navegador  genovês  e  inserta  nas  mesmas  obras.  Comecemos  pela  segunda, 
desde  que.  só  pela  versão  desta  segunda  carta,  conhecemos  (ainda  que  sensivelmente  alterado)  o  texto 
da  primeira,  dirigida  ao  conselheiro  de  D.  Afonso  V,  e  cuio  original,  como  tantos  outros  documentos,  se 
perdeu.  É.  porém,  da  maior  importância  o  facto  de  ser  trazido  ao  tribunal  da  história  um  documento 
desta  magnitude,  pelo  próprio  filho  do  navegador  que  arrebatara  a  Portugal  a  glória  de  descobrir  a 
quarta  parte  do  mundo;  de  ser  éle  o  portador,  o  revelador  da  carta  extraordinária  e  providencial  A  carta 
de  Toscanelli  constitui,  em  última  análise,  a  justificação  plena  de  D.  ]oào  II  e  da  Junta  dos  Matemáticos 
é  o  categórico  depoimento  coevo  da  sciéncia  e  da  consciência  com  que  Portuga!  recusou  os  serviços  de 
Colombo.  ]unta  ao  processo  histórico  peia  parte  adversa,  podia  ser  -contestada  na  sua  autenticidade 
(por  tal  modo  ela  engrandece  a  sciéncia  geográfica  portuguesa)  se  os  paleógrafos  a  houvessem  desen- 
cantado do  sepulcro  dos  arquivos  de  Portugal.  Mas  é  o  filho  de  Cristóvão  Colombo,  o  almirante  de 
Espanha,  que  a  mostra  ao  mundo.  Esta  circunstância  torna-a  inatacável,  muito  embora  Colombo  a  tenha 
visivelmente  adulterado,  como  aconteceu  a  tudo  quanto  foi  atingido  pela  sua  imaginação  dramática  e 
transfiguradora. 

Essa  alteração  é  a  maior  garantia  da  autenticidade  da  carta  de  Toscanelli.  Extraordinário  para- 
doxo: a  falsificação  torna-a  ainda  mais  verdadeira.  Pretendendo  harmonisá-la  com  a  sua  glória,  Colombo, 
ou  seu  filho,  ou  o  desconhecido  autor  das  Historie  deli  Ammiraglio  aplÍcou-lhe  o  estigma  inapagável 
da  veracidade  (118). 

(ItS)   Caicula-se  que  a  Historia  de  las  índias  (oi  concluída  mais  de  meio  sifculo  depois  da  moiic  de  Colombo. 

(116)  Hislori.1  ilc  l3S  índias,  ahora  por  primera  vez  dãda  á  luz  per  el  marques  de  La  Fiiensanta  dei  Valle 
V  D.  7.  Sancho  Rafon.  Madrid,  M.  Ginesta.  1875-  1B76,  5  vol.  ln-4. 

(117)  No  calálogo  de  1914,  a  LivrariJi  Quarllch.  de  Londres,  anunciava  a  Historia  General  de  las  índias  em  um 
M,  S.  de  941  páginas,  com  21  de  index.  do  século  XVII.  e  que  perlencéia  à  livraria  dc  Lord  Sruart  de  Roltiesay.  Era  uma 
cópia  inicgral,  das  mais  pcrleitas  enire  as  muitas  que  circularam  alé  à  imprcssJo  da  obra. 

(118)  Fernand  Colon,  sa  vie,  ses  aeuvres.  ensaio  crllico  por  H.  Hjrrisse.  Pari*.  1872.  D.  Fernando  Colon  Msto^ 
riador  de  su  padre,  pelo  mesmo,  SevIItia.  1871.  Le  Livre  de  Fernan  Colomb,  por  O  Avezac 

LXXVII 


Introdução 


PRIMEIRA  CARTA  DE  TOSCANELLI  A  COLOMBO,  REPRODUZINDO  A  CARTA  ESCRITA 
EM  25  DE  JUNHO  DE  1474  AO  CÓNEGO  FERNAO  MARTINS 


Texto  em  espanhol,  segundo  a  versão  de  LãS 
Casas,  na  Historia  de  la»  Indtas,  escrita  entre 
1527  e  1559.  (Voí.  I.  Cap.  XII,  pâgs.  92-96.  na 
edição  1875-76). 


«A  Cristobal  Columbo,  Paulo, 
físico,  salud: 

«Vo  veo  el  magnifico  v  grande  tu  deseo 
para  haber  de  pasar  adonde  nace  la  especicría, 
y  por  respuesta  de  tu  carta  te  invio  el  treslado 
de  otra  carta  que  ha  dias  yo  escribí  a  un  amigo 

V  iamiliar  dei  Serenisimo  Rey  de  Portugal,  anies 
de  las  guerras  de  Castilla,  a  respuesta  de  oira 
que  por  comision  de  S.  A.  me  escribíó  sobre  el 
dícho  caso,  y  te  invio  otra  tal  carta  de  marear, 
como  es  la  que  yo  le  invié,  por  ta  qual  seràs 
satisfecho  de  tus  demandas;  cuyo  treslado  es  el 
que  sigue(n9). 

«Mucho  placer  hobe  de  saber  la  privanza 

V  familiaridad  que  tienes  con  vuesiro  generosi- 
simo  Y  magnificenllsimo  Rey.  y  bien  que  otras 
muchas  veces  lenga  dicho  dei  muy  breve  camino 
que  hay  de  aqui  a  las  índias,  adonde  nace  la 
especicría,  por  el  camino  de  la  mar  mas  corto 
que  aquel  que  vosotros  hacels  para  Guinea,  di- 
cesme  que  quiere  agora  S.  A.  de  mi  alguna  de- 
claracion  y  á  oio  demonstracion,  porque  se 
enlícnda  y  se  pueda  tomar  el  dicho  camino:  y 
aunque  conozco  de  mi  que  se  lo  puedo  monsirar 
en  forma  de  esfera  como  está  el  mundo,  deter- 
miné  por  mas  fácil  obra  y  mayor  inteligência 
monslrar  el  dicho  camino  por  una  carta  seme- 
jante  à  aquellas  que  sc  hacen  para  navegar,  y 
ansi  la  invio  a  S  M.  hecha  y  debujada  de  mi 
mano;  en  la  cual  eslá  pintado  todo  cl  fin  dei 
Poniente,  tomando  desde  Irlanda  al  Austro  hasta 
el  fin  de  Guinea,  con  todas  las  íslas  que  en  este 


Texto  em  italiano,  segundo  a  versão  de  Fernando 
Colombo,  nas  Historie  delfAmmlragllo  (Cap.  VIU 
foi  16  recto,  na  /.*  edição  de  I57IJ  U20). 


«A  Christoforo  Colombo,  Paolo, 
fisico.  salute: 

<lo  veggo  il  nobile  e  gran  desiderio  tuo  di 
voler  passar  là.  dove  nascono  le  specierie. 

«Onde  per  risposta  d  una  tua  lettera  ti  man- 
do la  copia  d'un'altra  lettera,  che  alquanti  giorni 
fa  io  scrissi  ad  un  mio  amico,  domestico  dei 
sereniss.  Ré  di  Portogallo.  avanli  le  guerre  di 
Castiglia,  in  risposta  d'un'altra,  che  per  commis- 
sione  di  sua  Altezza  egli  mi  scrisse  sopra  deito 
caso:  e  ti  mando  un'allra  caria  navigaloría.  símile 
a  quella,  ch'ío  mandai  a  lui,  per  la  que!  reslcran 
sodisfatte  le  tue  dimande.  La  copia  di  quella  mia 
lettera  è  quesla: 

«A  Fernando  Martinez  canónico  di  Lisbona 
Paolo  Fisico  Salute. 

•Mollo  mi  piacque  intcndere  la  domesti- 
chezza,  che  tu  haí  col  tuo  Serenissimo  £c  Magní- 
ficentís.  Ré,  St  quanlunque  molte  altrc  volte  io 
habbia  raglonato  dei  brevissimo  camino,  che  é 
di  quã  airindíe,  dove  nascono  le  specierie,  per 
la  via  dei  marc.  il  quale  Ío  tengo  piu  breve  di 
quel.  che  voi  fate  per  Quinea,  tu  mi  dici,  che 
Sua  Altezza  vorrebbe  hora  da  me  alcuna  díchia- 
ratione,  o  dimoslralione.  accíoche  s'intenda,  &  si 
possa  prcndere  deito  camino. 

•  La  onde,  come  ch'io  sappia  di  poter  ciò 
mostrarle  con  la  sfera  in  mano,  &  farle  veder, 
come  sta  il  mondo;  nondimeno  ho  deliberato  per 
piu  íacilltá,  S  per  maggiore  intelligenza  dimons- 
trar  detto  camino  per  una  carta,  simile  a  quelle. 
che  si  fanno  per  navigare. 

•  E  cosi  la  mando  a  sua  Maestá.  fatta  e 
disegnala  di  mia  mano  netie  quale  è  dipinto  lutto 
II  fine  dei  Ponente,  pigliando  da  Irlanda  alTAus- 
tro  infino  al  fin  di  Guinea  con  tutte  le  Isole,  che 


(119) 


O 
tti 

mi- 
M.t 

6  vtvié  o  I 
ta  ctrtã  d. 


dei  S.  D.  Fernando  Colombo:  nelle  qtiali  shã  particolare.  A  vera  relationc  delia  vifa.  A  de  talti 
r.'V.>.'fl^r'  n.irfrr  ,  r  ,/,  ,7 ,  ^ /^ff  delVIndic  Occidentãli.  detie  Mondo 

j  tradolte  nell  Italiana  dal  S.  Alfonso  Ulloa. 

(130)   N>  wnio  do  Las  Ca*.i«.  a  iranscríc^o  tpvit  rrrM*  da  caria  a  FemSo  Martins  6  dada  a  seguir  ao  lexio 

'ária  A  pui'''  antecedida  da  seguinte  explicação:  «C/  segundo 

•  lí  Colon,  '  ••'ífor.-.^rle  |'  aftcion,irle  .1  sii  negocio,  fuâ,  que  un 

"30       un  i  se  Itamaba  Hernando  Martinez  y  carlean- 

.'grafia.  m.ii  .   jíjnofi   que  á  la  sazon,  en  tiempo  dei  rey 


sus  pensamiem 
>,  f  enifióle  i 
1  Lisboa,  dl 
iit>al  Colon  f!   ju  í. 


;•  la  que  más  ó  por  me/or  via  sc  descaba  ftjrçr  i  las  rcgiones  marineras  6 
r,>fir;  jí^o  áe  sus  cartas,  v  matéria  de  que  traetaban.  £1  cual.  como  estaba 
on  V  andaba  por  ponerta  en  prática,  acordó  de  escribír  al  dicho 
:nrdio  ã  un  loren/o  Birardo,  ansimismo  florentino,  que  i  la  sazon 
Paulo  la  intincton  que  lenia  y  deseaba  poder  cumplir.  Rescibtda 
ipondiôle  una  carta  en  latin.  encorporando  la  que  /labia  escnplo  al 


l  .líin< 


Hernando  Martinez,  canónigo.  la  qual  yo  vide  y  tuve  en  mi  mano  vuelta  de  latin  en  romance .  .  . » 

Lxxvm 


Introdução 

Camino  son.  en  frente  de  Ias  cuales  derecho  por 
Fomente  esta  pintado  el  comíenzo  dc  las  índias 
con  Ias  islas  y  los  lugares  adonde  podeis  des- 
viar para  la  línea  equinoccial.  y  por  cuánio  espa- 
cio.  es  a  saber,  en  cuánlas  léguas  podeis  llegar 
a  aquellos  lugares  ferlilisimos  y  de  toda  manera 
de  especiena  y  de  ioyas  y  piedras  preciosas;  y 
no  lengais  a  maravilla  si  yo  llamo  Poniente 
adonde  nace  la  especieria.  porque  en  commun 
se  dice  que  nace  en  Levante,  mas  quien  nave- 
gare  al  Poniente  siempre  hallará  las  dichas  par- 
tidas  en  Poniente.  é  quien  fuere  por  tierra  en 
Levante  s.empre  hallara  Ias  mismas  partidas  en 
Levante. 

«Las  rayas  derechas  que  estan  en  luengo 
en  la  dicha  carta  amuestran  la  distancia  que  es 
de  Poniente  ã  Levante;  las  otras  que  son  de 
través  amuestran  la  distancia  que  es  de  seplen- 
Inon  en  Austro.  Tambien  yo  pinte  en  Ia  dicha 
carta  muchos  lugares  en  las  partes  de  índia, 
adonde  se  podria  ir  aconteciendo  algun  caso  de 
tormenta  o  de  vienlos  contrários  o  cualquier  otro 
caso  que  no  se  esperase  acaecer  y  tambien  por- 
que se  sepa  bien  de  todas  aquellas  partidas,  de 
que  débeis  holgar  mucho. 

«V  sabed  que  en  Iodas  aquellas  islãs  no 
viven  ni  tractan  sino  mercaderes.  avisandoos  que 
alh  hay  Ian  gran  cantidad  de  nãos.  marineros. 
mercaderes  con  mercaderias.  como  en  todo  lo 
oiro  dei  mundo,  y  en  especial  en  un  puerto  nobi- 
Iisimo  Mamado  Zaiton.  do  cargan  y  descargan 
cada  ano  100  naos  grandes  de  pimienta.  allende 
Ias  otras  muchas  naos  que  cargan  las  otras  es- 
peciehas. 

«Esla  pátria  es  populatisima.  y  en  ella  hav 
muchas  provindas  y  muchos  reinos  y  ciudades 
sin  cuento  debaio  dei  Senorio  de  un  Príncipe 
que  se  llama  Gran  Khan.  el  cual  nombre  quiere 
decir  en  nuestro  romance.  Rey  de  los  Reyes  el 
asiento  es  Io  mas  dei  íiempo  en  Ia  província 'de 
Catayo.  Sus  aniecesores  desearon  mucho  de  ha- 
ber  platica  è  conversacion  con  crislianos.  y  habla 
doscientos  anos  que  enviaron  al  Sancto  Padre 
para  que  enviase  muchos  sábios  é  doctores  que 
les  ensenasen  nuestra  fe.  mas  aquellos  que  el 
envio,  por  impedimento,  se  volvieron  dei  camino 
Y  tambien  al  Papa  Eugénio  vino  un  embajador 
que  le  contaba  Ia  grande  amisfad  que  elios  tie- 
nen  con  cristianos,  è  vo  hablé  mucho  con  él  é 
de  muchas  cosas  é  de  las  grandezas  de  los  edi- 
fícios reales,  y  de  Ia  grandeza  de  los  rios  en 
ancho  y  en  largo,  cosa  maravillosa.  é  de  la 
muchedumbre  de  Ias  ciudades  que  son  allá  á  la 
Grilla  dellos,  é  como  solamente  en  un  rio  son 
doscientas  ciudades.  y  hay  puentes  de  piedra 


in  tulto  queslo  camino  giacciono;  per  fronte  alie 
qual,  dntlo  per  Ponente  giace  dípinto  il  principio 
den  Indie  con  le  Isole,  e  luoghi.  dove  poleie 
andare:  e  quanto  dal  Polo  Artico  vi  potele  dis- 
costare  per  la  linea  Equinoctiale.  e  per  quanto 
spalio;  cióe  m  quante  leghe  potele  giungere  a 
quei  luoghi  ferlilissimi  d  ogni  sorte  di  specieria 
e  di  gemme.  e  pietre  pretiose. 

«E  non  habbiate  a  maraviglia.  se  lo  chiamo 
Ponente  il  paese.  ove  nasce  in  Levante:  perchio- 
che  coloro,  che  navigheranno  al  Ponente.  sempre 
Iroveranno  delti  luoghi  in  Ponente;  e  quelli.  che 
anderanno  per  terra  al  Levante,  sempre  Irove- 
ranno detti  luoghi  in  Levante. 

•Le  linee  dritte.  que  giacciono  al  lungo  in 
delta  carta,  dismostrano  la  distanza,  che  è  dal 
Ponente  al  Levante;  le  allre.  che  sono  per  obli- 
quo, dimoslrano  la  distanza.  che  è  dalla  Tramon* 
latia  al  Mezzogiorno. 

•Ancora  io  dipinsi  in  detia  carta  molti  luo- 
ghi nelle  parti  dell  india.  dove  si  potrebbe  an- 
dare, avvenendo  alcun  caso  di  fortuna,  o  di  venii 
contrarii.  o  qualunque  altro  caso,  che  non  si 
aspettasse,  che  dovesse  avvenire. 

«Ed  appresso,  per  darvi  piena  informalione 
di  tutii  quei  luoghi.  i  quali  desiderale  mollo 
conoscere,  sapplate.  che  in  lutte  quelle  isole  non 
habitano,  ne  prallicano  altri.  che  mercatanii;  av- 
verlendovi,  quivi  essere  cosi  gran  quanlitá  dí 
navi.  e  di  marinari  con  mercatantie.  come  in  ogni 
altra  parte  dei  mondo,  specialmente  in  un  porlo 
nobilíssimo,  chiamalo  Zaiton.  dove  caricano,  e 
discaricano  ogni  anno  cento  navi  grosse  di  pepe, 
oitre  alie  molíe  altre  navi.  che  caricano  altre 
specierie. 

«Queslo  paese  è  popolalísimo.  e  sono  molte 
provinde,  e  molti  regni.  e  dttà  senza  numero 
solto  il  domínio  di  un  Príncipe  chiamato  il  Gran 
Cane.  il  qual  nome  vuol  dire  Ré  de  Ré,  Ia  resi- 
denza  dei  quale  la  maggíor  parte  dei  tempo  è 
nella  província  dei  Cataio. 

<I  suoi  aniecessori  desíderarono  molto  ha- 
ver prattica  e  amicitia  con  Christiani.  e  gia  du- 
gento  anni  mandarono  Ambasciatori  al  sommo 
Pontefice.  supplicandolo.  che  gli  mandasse  molli 
savii  e  dottori,  che  grinsegnassero  la  nostra  fede, 
ma  per  grímpedimenti,  ch'ebbero  detii  Ambasda- 
tori.  tornanoro  a  dietro  senza  arrívare  a  Roma. 

<E  ancora  a  Papa  Eugénio  IV  venne  uno 
Ambasciatore.  íl  quale  gli  raccontó  la  grande 
amicitia.  che  quei  Principi,  e  i  loro  popoli  hanno 
co  christiani:  E  io  parlai  lungamenie  con  lui  di 
molte  cose,  e  delia  grandezza  delle  fabriche  re- 
Sali,  e  delia  grossezza  dei  fíumí  in  larghezza.  e 

LXXIX 


Introdução 

mármol  muy  anchas  v  niuv  largas,  adornadas  de 
muchas  columnas  de  piedra  mármol.  Esla  pátria 
es  digna  cuanto  nunca  se  hava  hallado,  é  no 
solamcnle  se  puede  haber  en  ella  grandisimas 
ganâncias  ê  muchas  cosas,  mas  aún  sc  puede 
haber  oro  é  plaia  é  piedras  preciosas  é  de  todas 
maneras  de  especieria.  en  gran  suma,  de  la  cual 
nunca  se  Irae  a  estas  nucslras  partes;  v  ver- 
dad  que  hombres  sábios  y  doctos,  filósofos  v 
astrólogos,  y  oiros  grandes  sábios,  en  todas 
arles  de  grande  íngenio.  gobiernan  la  magnifica 
província  6  ordenan  las  balallas. 

<V  de  la  ciudad  de  Lisboa,  en  derecho  por 
el  Poniente,  son  en  la  dicha  carta  26  cspacios, 
y  en  cada  uno  detios  hay  230  millas  hasta  la 
nobilisima  y  gran  ciudad  de  Quinsay,  la  cual 
tiene  al  cerco  100  miltas  que  son  23  léguas,  en 
la  cual  son  10  pucnies  de  piedra  mármol.  El 
nombrc  de  Ia  cual  ciudad  en  nueslro  romance, 
quiere  decir  ciudad  dei  cielo;  de  la  cual  se 
cuentan  cosas  maravillosas  de  la  grandeza  de 
los  artifícios  y  de  las  rcntas  (este  espado  es 
cuasi  la  tcrcera  parte  de  la  esfera),  la  cual  ciu- 
dad es,  en  la  província  de  Mango,  vecina  de  la 
ciudad  dei  Cal^yo,  en  ta  cual  cí\á  lo  mas  dei 
licmpo  el  Rey.  é  de  la  isla  de  Aniíl,  la  que 
vosotros  Mamais  de  Sicte  Ciudadcs.  de  la  cual 
tonemos  notícia,  hasta  la  nobilisima  ista  de  Ci* 
pango  hay  10  cspacios  que  son  2500  millas.  es 
a  saber  b2j  léguas,  la  cual  isla  es  fertilisima  de 
oro  y  de  perlas  y  piedras  preciosas. 

*Sabed  que  de  oro  puro  cobijan  los  templos 
y  las  casas  reaics;  asi  que  por  no  ser  conocido 
cl  camino  es\íin  todas  estas  cosas  encubierias,  y 
a  cila  se  puede  ir  muy  seguramente.  Muchas 
otras  cosas  se  podrian  decir.  mas  conto  os  tenga 
ya  dicho  por  palabra  y  sois  de  buena  conside- 
racion,  sé  que  no  vos  queda  por  entender,  y  por 
tanto  no  me  alargo  mas,  y  esto  sea  por  satis- 
faccion  de  tus  demandas  cuanto  la  brevedad  dei 
liempo  y  mis  occupacíones  me  lian  dado  lugar; 
y  ansi  quedo  muy  presto  a  salisfacer  y  servir 
a  S.  A.  cuanto  mandare  muy  largamente. 

•  Fecha  en  la  ciudad  de  Florência  a  23  de 
]unio  de  1474  afios. 


in  lunghezza,  e  ei  mi  disse  molle  cose  maravi* 
gliose  delia  motiiludine  delle  cittá,  e  luoghí,  che 
son  fondatti  nelle  rive  loro.  e  che  solamcnle  in 
un  hume  si  irovano  dugcnto  cittá  cdifícate  con 
ponti  dí  pietra  di  marmo,  molto  larghi.  e  lunghí 
adornaii  di  molle  colonne. 

■Questo  paese  è  degno  tanto,  quanto  ogni 
altro,  che  si  habbia  trovalo;  e  non  solamente  vi 
si  può  trovar  grandíssimo  guadagno.  e  molle  cose 
ricche;  ma  ancora  oro,  e  argento,  e  pielre  pretiose, 
e  di  ogni  sorte  di  specicria  in  grande  quantílã,  delia 
quale  niai  non  si  poria  in  queste  nostre  parti. 

*Ed  è  il  vero,  che  molii  huomini  dotti,  Fi- 
losofi.  c  Astrologi,  e  altri  grandi  savii  in  tutte  le 
Arti,  e  do  grande  ingegno  govcrnano  quella  gran 
província,  e  ordinano  le  battaglíe. 

•Dalla  città  di  Lisbona  per  drillo  verso  Po- 
nente  sono  in  detta  carta  vcniisei  spatii,  ciascun 
de'quali  contien  dugento  è  cinquanta  míglía  fino 
alia  nobilíssima,  e  gran  città  di  Quisai,  ta  quale 
gira  ccnio  miglia,  che  sono  trentacinque  leghe; 
ove  sono  dicci  ponti  di  pieira  di  marmo. 

«11  nome  di  questa  cittá  significa  Cittá  dei 
cielo,  delia  qual  si  narrano  cose  maravigliose 
intorno  atla  grandezza  de  gríngegni,  e  fabriche, 
e  rendili.  Questo  spatio  è  quasi  la  terza  parle 
dclla  sfera.  Giace  questa  città  nclla  província  di 
Mango,  vicina  alia  provinda  dei  Cataio,  nclla 
quale  sta  la  maggior  parte  dei  tempo  il  Rè. 

•  E  dall  isola  dí  Antilia,  che  voi  chiamate  dí 
selle  cittá,  delia  quale  havete  noticia,  fino  alta 
nobilíssima  isola  di  Cípango  sono  diecí  spalii  che 
fanno  due  míla  c  cinquecenio  miglia.  cÍoè  du- 
gente  e  venlicinquc  leghe:  la  quale  Isola  è  fertí- 
lissima  d'oro.  di  perle,  c  dí  pietre  pretiose. 

*E  sappiate,  che  con  piasire  d'oro  fino  co- 
prono  i  Templí,  e  le  caregali.  Dí  modo  che,  per 
non  esser  conoscíuto  il  camino.  tutte  queste  cose 
si  ritrovano  nascoste.  e  coperle;  e  ad  esse  si 
può  andar  sícuramcnie. 

•Molle  altre  cose  si  potrebbono  díre;  ma, 
come  io  vi  hogia  deito  à  bocca,  e  voi  sicte  pru- 
dente, e  di  buon  giudicio,  mi  rendo  certo,  che 
non  vi  resta  cosa  alcuna  da  intendere:  e  però 
non  sarò  piíi  lungo. 

<E  questo  sia  per  sodisfactione  deite  vostre 
richiesic,  quanto  la  brcvitá  dei  tempo  e  le  mie 
occupalioni  mi  hanno  concesso. 


«E  cosi  resto  prontíssimo  à  sodisfare.  e 
servir  sua  Altezza  compiutamente  in  tullo  quello. 
che  mi  commandcrà. 

•Da  Fiorenza,  à  XXV  Giugno,  delfanno 
MCCCCLXXIIII. 


LXXX 


Introdução 


IS  o  primeiro  e  debatido  documento  que  prova  o  conhecimento  anterior  português  do 
plano  toscaneliano  (executado  por  Colombo),  remontando  a  1474.  e  do  qual  se  conclui 
a  estreita  conexão  da  índia  africana  com  a  índia  asiática,  nos  obiectivos  marítimos  dos 
Portugueses.  Esforçando-se  por  acumular  a  maior  soma  de  indícios  contra  a  autentici- 
dade da  caria  de  Toscanelli.  Vignaud  contesta  que  em  Portugal  se  cogitasse,  nessa 
época,  nas  regiões  industânicas.  Por  uma  singular  coincidência,  como  já  observamos,  o  ano  de  1474  6  o 
do  advento  do  príncipe  D.  )oào  à  administração  colonial  que  precedeu  a  declaração  de  guerra,  suscitada 
pela  sucessão  de  Henrique  IV  ao  trono  de  Castela;  e.  embora  Vignaud  conjecture  que.  desde  1474  a  1479. 
os  Portugueses,  empenhados  na  guerra  com  a  Espanha,  tenham  interrompido  a  sua  acção  nos  mareji 
é  com  a  data  de  28  de  Janeiro  de  1474  que  se  faz  a  concessão  a  Fernão  Teles  das  ilhas  que  mandar 
descobrir,  conquanto  não  sejam  nos  mares  da  Guiné;  em  31  de  Agosto,  regulamcnta-se  o  trânsito  marí- 
timo: em  4  de  Novembro,  é  publicada  a  lei.  estimulando  as  construções  navais;  em  10  dêste  mesmo  mès. 
são  ampliadas  as  concessões  a  Fernão  Teles,  abrangendo  as  ilhas  povoadas  no  Atlântico  Ocidental. 


A 


 "vil; 


Rcproduclo  da  rsconslllulclo  da  pane  do  Mapa  dc  Toacanelll  por  Uilelll.  -  O  mapa  de  Toacanelll,  qua  tarla  acompanhada  a 
caria  ao  cónago  Pernlo  MarMna,  «agundo  a  r«canalUul(ao  de  Uilelll,  na  Raccolia  Colombiana.  Ncala  raconalllultlo,  oa  eapa(oe  alo  da 
cinco  sTaua  cqulvalcnlea  a  «T  > .  tnllhaa  lloreniinaa,  ou  a  n  ■ ,  milhai  romanaa.  ou  M»  alidloa  d«  iM  mairoa.  o  qu»  Aá  como  rMullado 
III.*»  melroa  para  o  aráu  equatorial,  ou  aejam  *OMi.T»  melroa  para  a  cIrcuntarCncla  maalma  lerraalra. 


A  admissão,  nesle  documento,  da  existência  de  ilhas  povoadas  parece  revelar  a  influência  de 
recentes  informações,  quer  derivadas  de  fonte  nacional,  quer  da  fonte  toscaneliana.  Até  aí,  os  Portugue- 
ses só  haviam  encontrado  no  rumo  do  poente  ilhas  desertas.  Os  termos  da  nova  concessão  permitem  a 
suspeita  da  interferência  de  um  novo  factor  que  altera  as  concepções  geográficas  portuguesas  e  con- 
stitui uma  singular  coincidência  que  essa  teoria  se  exteriorise  num  documento  oficial,  precisamente  no  mesmo 
ano  em  que  Toscanelli  responde  à  consulta  do  cónego  Fernão  Martins.  Vignaud  considera  que  esta 
consulta,  dirigida  a  um  sábio  que  nunca  safra  da  Itália,  por  uma  nação  que  dispunha  dos  melhores 
marinheiros  do  mundo  e  os  únicos  que  conheciam  o  Atlântico  (*who  u/ere  then  the  besf  sailors  in  the 
world  and  the  only  ones  acquainíed  with  the  Atlantic...*)  não  tem  justificação.  O  argumento  não  é 
aplicável  a  êste  caso  especial,  pois  era  precisamente  na  Itália,  em  relações  comerciais  terrestres  com  a 
Asia,  que  se  podiam  obter  informações  mais  seguras  sobre  os  países  do  Oriente. 

éAs  informações  do  sábio  são  obsoletas?  Talvez  sejam.  Mas,  nesta  altura,  o  que  parece  inve- 
rosímil ao  severo  analista,  que  argúe,  com  sérios  argumentos,  a  carta  de  Toscanelli  de  conter  noções 
geográficas  anacrór  cas  (121),  já  não  é,  própriamenle  a  nomenclatura  arcaica  da  epístola,  mas  o  projecto 


bNTt 


(121)  Essa  prova  i.  aliás,  uma  das  mais  admlrávelmente  exposliis.  no  trabalho  analflico  do  lilsloríador,  m»  nlo 
basta  para  Invalidar  a  existência  dc  uma  carta,  que  só  conhccomos  por  Intermédio  de  Colombo.  Tudo  parece  Indicar  —  inalalt- 
mos  neste  ponto  —  que  Colombo  nâo  nos  iransmiliu  na  sua  redacção  originai  a  carta  dc  Toscanelli.  bem  deixar  de  acreditar 
que  a  correspondência  rnlre  o  sibio  florentino  e  um  cónego  português  foi  uma  realidade,  pôde  admillr-sc  que  dessa  corropon- 
dência  nos  legou  Colombo  uma  versão  incorrecta  e  incompleta.  A  2.*  e  a  2."  car1.is  devem  ser  parles  Iruncadas  de  uma  tò 
caria  do  Toscanctli  a  Colombo,  ou  mesmo  até  uma  fraude,  executada  sõbre  a  base  da  caria  do  sábio  florentino  ao  cónego  por- 
tuguês. O  que  parece  tcmcrArío  admitir  é  a  n3o  exísléncia  da  carta  de  To&canclli,  dc  1474.  As  oulras  podem  ter  sido  tortidi> 
sòbre  £sse  documento,  e  provavelmente  o  foram. 

»  LXXXI 


Introdução 


portiigufrs  de  atingir  as  índias,  de  estabelecer  relações  marítimas  com  o  Oriente  asiático  Para  Vignaud 
os  Portugueses  náo  meditavam  em  projecto  de  lai  magnitude,,,  que  realizaram  uinie  e  quatro  anos 
depois.  Surpreende  que  o  crítico  perspicaz  nâo  tenha  reparado  que.  dessa  premissa,  se  conclui  que 
Colombo  possuía  ideias  mais  avançadas  e  conhecimentos  geográficos  mais  completos  que  os  dos  cosmó- 
grafos portugueses.  Se.  em  1480.  Colombo  era  capaz  de  conceber  uma  viagem  às  índias  asiáticas  pelo 
Ocidente,  é  extremamente  difícil  sustentar  que  os  dirigentes  de  Portugal  só  tivessem  pensado  no  Indus- 
tâo.  depois  da  proposta  de  Colombo.  A  tese  de  Vignaud  admite  para  o  inculto  Colombo  um  plano  que 
reputa  prematuro  num  Estado  que  fizera  das  expedições  marítimas,  havia  mais  de  meio  século,  um 
empreendimento  nacional  em  grande  escala,  apoiado  na  mais  avançada  cultura  náutica  e  cosmográfica- 
superioridade  que.  aliás,  o  mesmo  Vignaud  reconhece  quando,  procedendo  à  análise  do  hipotético  mapa 
de  Toscanelh.  reconstituido  por  Uzielli.  na  Raccolta  Colombiana  (122).  enalteceu  o  incomparável  conheci- 
mento que  do  Atlântico  tinham  adquirido  os  Portugueses:  <We  may  ivell  then  ask  what  light  such  a 
document  could  throw  on  the  question  of  the  better  route  to  reach  the  Indies ...  and  what  this  map 
w  whtch  Ufas  to  be  found  no  neiv  information  or  suggestion  for  those  who  occupied  themselt/es  with 
cosmography  and  navigation,  could  teach  seamen,  like  the  Portuguese,  who  knew  the  Atlantic  better 
than  any  one,  and  to  whom  no  Portolano  of  the  period  was  unknown».  Entretanto,  na  carta  de  EI-Rei 
D.  Manuel,  de  doação  a  Vasco  da  Gama  de  duzentos  e  trinta  mil  reais  de  renda,  datada  de  10  de 
Janeiro  de  1502  (publicada  a  pág.  127  de  Alguns  Documentos  da  Torre  do  Tombo),  o  monarca  expressa  se 
nestes  lermos  explícitos:  *A  quantos  esta  carta  virem  fazemos  saber  que,  seendo  pello  Vfante  Dom 
Amrnque  meu  tyo  começado  o  descubrimento  da  terra  da  Gufnea  na  era  de  mil  e  quatroçentos  e  trinta 
e  três.  com  entençam  e  desejo  de  pella  costa  da  dieta  terra  de  Gujnea  se  aver  de  descobrir  e  achar 
ã  Vmdja ...» 

Esta  índia,  a  que  se  refere  o  rei  numa  caria  de  doação  ao  descobridor  do  caminho  marítimo 
para  a  Asia  meridional,  quatro  anos  depois  do  descobrimento,  ^póde  porventura  continuar  a  coníundir-se 
com  a  India  africana?  t  Nâo  representa  ésie  documento  a  prova  irrefutável  dos  objectivos  poriugueses? 

A  carta  de  Toscanelli  prova,  implicitamente,  o  intuito  português  de  alcançar  a  índia  asiática 
Esse  objectivo  constitui  um  ponto  preliminar  na  discussão  da  correspondência  loscaneliana 


O  INFANTE  D.  HENRIQUE 


£•!«  r«imo  de  InfanI*  •  doa  úlllmoa  lempoa  da  aua  vida.  U  ouando  AU  uanri»  »>■■.. .t.  

«ua  volira  -.<*.lc.B,.n..  a  ..I.Uncla.  .e„„rla  um  pouco  .pa.lflu.d.  .  ao.  Irn^naa  dõ  17* m   ™..       ^        !  ""i*  " 

-      ■        «  o  Inlatil.  D.  Nanrlqua  «um  doa  raroa  homana  que  Influíram  noa  daatinoa  da  humanidade  c  «  um  doa  «eu.  ..«t«. 
droalro..  Do  cl.rlo  d.,  .ochaa.  com  ,u.  .a  alumiava  na.  vlflllla.  d.  Saara.,  .urdiu  uma  lu.         dV.lúmbrou  a  Í.rr.  iflda  Ê  !  cõn' 
c.pdo  do  co.moa.  qu.  marca  a  Cr.  Mod.rna.  aô  ..  lomíra  po.alv.l  dcpol.  qua  .ata  aiWo.  #..,  h.r/l  .nT.lh«/ra  «íuda^^^^ 
pa*  •  ea  aalre*.  na  aoltdle  do  Promontdrlo  Sacro,  na  «ua  vila  do  Cabo  d*  S  Vleenl..  «nvaineefra.  aatudando  o*  ma- 


AFONSO  LOPES  VIEIRA. 


(122)   Na  pnnchi  X  d«  Toscénelli.  A  reconílltuiçâo  é  execulada  em  projecção  plana  quadrada.  0$  espaços  slo 

de  5*.  cada  grau  Igual  a  67  ,  milhas  florçnttnas.  correspondentes  a  75  [  milhas  romanas,  ou  605  sládlos  de  185  metro*  o 

XtnJÍ  ^^7^111^  """^                ""^                *                         S-otx»  no  círculo  equinocial,  uma  «c- 

LXXKII 


introdução 


OSCANELLI  atingira,  em  1474.  os  setenta  e  sete  anos.  c  morreu  oito  anos  depois  em  I48Z 
roi  neste  penodo  de  oito  anos  que  o  sábio  de  Florença  escreveu  uma  carta  ao  cónego 
ae  Lisboa,  a  comunicou  por  cópia  a  Cristóvão  Colombo,  e  voltou  a  escrever-lhc  pela 
segunda  vez.  a  breve  epistola,  de  que  depois  nos  ocuparemos.  Em  1482-83.  Colombo  vai 

ou  laaanoi^  ■  *  *  ^         "  ^  '^'^e  da  Mina.  recem-construido.  É  nesse  ano  de  1483 

ou  1484  023).  que  geralmente  se  supõe  ter  Cristóvão  Colombo  proposto  a  D.  João  M  a  viagem  à  índia 

at^irl'  T"""  ^^"""^^  ^  máxima  iLS  para 

í  h.rr.l  .  ^^K^^'  -''"'  '"'"'f  conviessem.  Toscanelli  não  protestaria  contra  o  depoente.  Naquela 
altura,  com  o  sab.o  ,a  morto.  Colombo  podia  apresentar  se  como  o  único  confidente  dos  projectos  de 
Toscanelh.  .  Para  que  inventar  a  carta  do  cónego  Fernão  Martins?  É  evidente  que  êle  a  nâo  inventou  e 
que  eia  é.  porventura,  a  única  cousa  autêntica  em  toda  esta  confusa  história 

^''''^.u^"*'^  'í"^^""  '^''^^^     ^'^  ^"^        P^"'^'  o  escrevéra  a  um  cónego  portu- 

guês, expondo  lhe  o  plano  de  uma  viagem  marítima  à  índia,  pelo  poente. 

Na  fórma.  sensivelmente  irregular,  em  que  as  Historie  deli  Ammiraglio  e  a  Historia  de  lâs 
índias  conservam  o  documento  epistolar,  endereçado  a  Colombo,  patenteiam-se  duas  indicações  cronoló- 
gicas. .Ha  uns  dias.  que  Toscanelli  respondera  a  Fernão  Martins,  que  lhe  havia  escrito,  por  encarqo  do 
rei.  Temos,  assim,  (mterprelando  literalmente  a  expressão:  «há  uns  dias>)  que  Toscanelli  haveria  escrito 
a  Colombo  nesse  mesmo  ano  de  1474  (124).  É  deveras  eslranhável.  porque  a  assinatura  de  Colombo 
ainda  figura  em  um  documento  firmado  em  Génova,  no  ano  de  1476.  conquanto  esta  circunstância  não 
baste  para  invalidar  a  veracidade  daquela  primeira  data.  pois  Colombo  poderia  ler  ido  a  Génova  inci- 
dentalmente, nesse  mesmo  ano.  Contra  a  hipótese  conciliadora  levantam  se.  porém,  objecções  irretórquí- 


(123)  Cronologia  colombina,  deduzida  das  pesquisas  e  estudos  dos  mais  recentes  historiadores 


Nascimenio  1451 

Estabelecido  peio  congresso  dos  Ame- 
ricanistdS  dc  Paris,  em  Setembro  de  1900. 

Víitda  para  Porlugat.   1476-1477 

Viagem  j  ísLindta  (?)       ...  Fevereiro  1477 
(Las  Casas) 

Casâmenio  cm  Lisboa  (?)   1478 

com  D.  Filipa  Moniz  Perestrelo,  (?)  fi- 
lha dc  D.  Isabel  ^íoniz  e  Bartolomeu 
Perestrelo.  l.o  donatário  de  Porto  Sanlo. 

Nascimento  de  Diogo  Colombo   1479 

Residência  em  Porto  Santo   1479- 1481 

Viagem  à  Ouiné  (?)  Dezembro  1461  •  1482 

Regresso  a  Porto  Santo  e  passagem  na 

Madeira   1482 

Regresso  a  Lisboa,   1483 

Morte  de  D.  Filipa   1484  (?) 

Proposla  a  D.  João  11    1483  a  I485(?) 

Partida  para  Espanha   1485 


Residência  em  Cadii  I48S-I486 

hóspede  do  Conde  Medina-C<£li. 
Residência  em  Córdova   1485 

hóspede  dc  D.  Alonso  de  Qulnlanilla 

e  i.a  cnircvista  com  a  rainha  Isabel. 

Viagem  a  Salamanca  fim  de  1486 

Córdova.   1487 

recebimento  de  3.000  maravedis. 

MÁlaga  e  regresso  a  Córdova   1487 

Ligarão  com  D.  Dealriz  Enriquez  de 

Arane.  em  Córdova. 

Nascimento  de  Fernando  Colombo    .   .   .  1488 

Viagem  a  Lisboa  Setembro  1488 

Regresso  .1  Fspanha  Abril  1489 

Visita  aos  reis  católicos    .   ,   .  Dezembro  1491 

no  acampamento  de  SM  fé. 

Capituhç.lo  com  os  reis  católicos  -Abril  17  1492 

AditJmento  ã  capitulação  30  1492 

Partida  de  Paios  .   .  .   Agosto  2  1492 


k  tj  j.  '  ^  expressão  -alguns  dias  hà*  ou  *ãlquanti  giorni  ta'  lem  sido  submetida  a  virias  Inlerprolaçóes  Hum. 
bcldt  tradu-Ia  lileralmente:  há  alguns  dias  fFxãmen  critique.  Vol  I.  pag.  224)-  Fiske  iThe  Discovri'  ol  Amenc.i  Vo(  I  paa 
363),  C.  Harkham  <Thc  Journal  ol  Colcmbus.  pág.  3).  Winsor  (Chn^toplu  r  Cclombus,  pág.  108)  traduiem-na :  h.i  al^um  úm/to. 
Nem  Navanete.  nem  W  Irwing.  nem  Roseily  dc  Lorgues,  nem  Mjtor  admilcm  que  eia  possa  abranger  um  praso  que  v.i  além 
do  ano  de  1474  Como,  porém,  os  mais  recentes  estudos  colombinos  fixam  o  ano  de  1476  para  a  chegada  de  Colombo  a  Por- 
tuga  ,  H.  Harrisse,  que  pleíleia  a  aulenlicidade  da  caria,  propõe  que  a  expressão;  'alguns  tlus  há'  srii  didj  a  signllicj(Jo 
ampliatiwa  de  h.i  muito  tempo.  Não  pode.  porém,  á  primeira  vista,  .1  mais  hâbil  dialéctica  aiuslar  uma  ev  iam  clara  a  um 

priso  mínimo  dc  seis  anos.  que  tantos  sào  os  necess.ários  para  lazer  de  Colombo,  após  o  cisamenlo,  ui.  ,  bridor  F  toda- 
via quando  Rauenstcin,  em  nota  da  pág-  XVI.  da  vcrsào  inglesa  do  roteiro  de  Vasco  da  Gama,  cdilada  pela  Hakluvt  Society. 
Iradtiz  o  hA  diás  por  long  jgo.  invocando  para  e&sa  interpretação  oulra  passagem  de  Colombo,  parece  ser.  na  opinião  do  dr. 
Luciano  Pereira  da  Siiva,  «o  único  que  traduz  bem».  «Em  português,  tenho  encontrado  ftomem  df  di.is.  homem  ;J  de  dias 
signlllcando  homem  /á  velho-.  Pódc  admitir-se  que  essa  seja.  de  lado.  a  intenção  da  expressão  colombina.  Que  a  expressão 
n.í  dids  tenha  a  significação  de  hj  tempos,  na  linguagem  portuguesa  do  século  XV.  í  um  lacto  indubitável-  Caminha,  na  sua 
carta,  emprega-a,  quando  diz:  'este  que  o  agasalhou  (ao  degredado)  era  là  de  dias.  .  .  »  Também,  na  carta  de  doaçio  de  el-rel 
a  Manuel  a  Miguel  Corte  Real.  de  15  de  Janeiro  de  1502.  se  lè.  com  a  mesma  significação  ampliadora;  -ÍAiguell  Corte  Reall 
fidállguo  de  nossa  cassa  e  nosso  porteiro  moor  nos  disse  ora  que.  vemdo  elle  como  Gaspar  Corte  Reall  seu  irmaio  avia  dias 
que  partira  desta  cidade  com  tres  navyos  a  descobrir  terra  nova.  da  quall  fá  tinha  achada  parte  delia ,  . . » 

LXXXIII 


Introdução 


veis(l25).  Vejamos  a  outra  indicação  cronológica:  'Antes  das  guerras  de  Castela^  teria  escrito  Tosca- 
nelli.  A  guerra  da  sucessão  de  Castela,  como  judiciosamente  observa  Ruge,  na  crítica  a  que  submeteu 
a  cana,  inserta  nas  Historie  dcU  Ammirag/io.  tendo  durado  de  1474  a  1479(126).  «é  evidente  que  para 
usar  da  expressão,  antes  das  guerras  de  Castela,  devia  estar  já  apaziguado  o  conflito,  pois  ninguém 
assim  se  exprime  no  princípio  ou  durante  uma  guerra,  quando  escreve:  há  alguns  dias».  O  que  se  infere 
do  texto  é  que  Toscanelli  deveria  ter  escrito  o  equivalente  a  há  alguns  anos.  porquanto  a  expressão 
«Aá  dias»,  então  corrente  em  Portugal,  tinha  a  significação  de  há  tempos,  que  Harrisse  lhe  atribui  e  de 
que  encontramos  exemplos  concludentes  na  carta  de  Vaz  de  Caminha  e  na  doação  de  D  Manuel  a 
Miguel  Côrte-Real.  de  15  de  Janeiro  de  1502. 

Afim  de  produzir-se  um  juizo  seguro  sôbre  o  ano  cm  que  Toscanelli  poderia  ter  escrito  a 
Colombo  (eliminado  na  cópia  fornecida  a  Las  Casas),  seria  necessário  estabelecer  documentalmente  a 
data  da  chegada  de  Colombo  a  Portugal.  Fixam  na  uns  em  1472-73  (127);  outros,  os  mais  avançados  no 
exame  da  questão  colombina,  inclinam-se  para  a  data  de  76  (128).  Mas  a  prova  da  viciação  começa  por 
venficar  se  na  ausência  de  data  da  carta.  Não  se  compreende  que,  havendo  Toscanelli  datado  a  carta 
a  Fernão  Martins,  não  houvesse  datado  a  carta  dirigida  a  Colombo.  Uma  falsificação  integral  de  prcfe- 
rénaa  deixaria  sem  data  a  carta  a  Fernão  Martins.  É  inadmissível  que.  no  espaço  de  alguns  dias  antes 
de  haver  recebido  uma  resposta  ou  podido  verificar  o  resultado  do  seu  parecer,  exposto  a  pedido  do 
rei.  Toscanelli  o  comunicasse  a  um  estranho  sem  qualificação  e  se  tivesse  entregue  ao  trabalho  de  traçar 
para  êle  um  novo  mapa  com  o  roteiro  das  índias.  Poderia  argumentar-se  precáriamenie  com  a  qualifi- 
cação de  compatriota  em  que  Colombo  se  tivesse  dirigido  a  Toscanelli.  mas  o  argumento  é  insustentável 
Como  parece  inferir-se  da  2.'  carta,  supostamente  escrita  a  Colombo,  o  sábio  florentino  imaginava  escre- 
ver... a  um  português!  Mesmo  admitindo,  pro  absurdo,  que  entre  essas  duas  cartas  mediaram  apenas 
êiguns  dias.  a  prioridade  do  conhecimento  português  do  plano  toscaneliano  ficaria  do  mesmo  modo 
estabelecida.  Tal,  porém,  não  aconteceu.  A  única  hipótese  aceitável  é  a  que  empresta  à  expressão  «há 
dias.  a  lata  significação  de  há  tempos.  Seria  impossível  admitir  que.  quási  simultâneamente  o  conse- 


ii  escui.ir.-i  .1  proposia  lemcrána  dos  nobilíssimos  Doria  e  Vlvaldl  que  haviam  oaao  com  a  =.  «.fí  /  / 

n«n«  f^^r^Hqal.  OS  estudos  colombinos,  a-pesar  da  sua  inlima  relação  com  as  navegações  portuguesas  do  Atlânlico 

Cindo  ,  .damenie  os  h>5loriadoreS.  A  questão  da  corre spondé- cia  de  Toscanelli%m  cu%s  deb-ites  lêem  .n  eí 

Sílíd»  '^'^  e  gcogr^lid  dos  Eslados-Unidos.  da  Alem.inha  da  Inglaterra  c  da  I  d  lia  só  foi 

d*  "'""a  P°"'^«\**^"'os  portugueses.  Os  colaboradores  do  livro  de  Memoms.  comemoíativrdo  4  o  Cen Ic 


LXXXIV 


Introdução 


Iheiro  do  monarca  e  o  desconhecido  e  humilde  (129)  Cristóvão  Colombo,  cniáo  da  idade  de  23  anos 
houvessem  escnro  ao  sábio  de  Florença.  A  caria  de  Colombo  subentende  o  conhecimento  prévio  di 
consulta,  dirigida  pelo  cónego  de  Lisboa  a  Toscanelli.  tComo  conseguiu  Colombo  essa  indicação?  ^De 
que  circunstâncias  resultou  a  sua  sciència  do  projecto  toscaneliano?  Essa  revelação  t  podiam  dar-lha  as 
expedições,  porvenfura  realizadas  com  rumo  ao  Ocidente,  para  experimentar  a  veracidade  das  alegações 
do  florentino?  iSão  essas  navegações  para  o  poente  que  o  colocam  na  pista  do  segrèdo?  A  convivên- 
cia de  Colombo  com  pilotos,  cosmógrafos  e  cartógrafos  portugueses  tornaria  admissível  esta  conjectura. 
Incimamo  nos.  todavia,  a  acreditar  que  Colombo  conheceu  — se  é  que  a  não  teve  em  seu  poder  — a  carta 
original  de  Toscanelli  ao  cónego  português.  Eis  como  as  Historie  deli  Ammiraglio  {mi  revertidas  para 
o  espanhol,  explicam  a  origem  das  relações  epistolares  entre  Colombo  e  o  sábio  de  Florença:  <esM, 
autoridad.  y  otras  seme/antes  de  este  autor  (Julio  Capitolino),  fueran  las  que  movieron  más  al  Almirante 
para  creer  su  imaginacion.  como  tambien  un  maestro,  contemporâneo  dei  mismo  Almirante,  el  cual  dió 
causa  en  gran  parte  á  que  emprendiese  este  via/e  con  mas  ânimo,  porque  siendo  el  referido  maestro 
Paulo,  amigo  de  Fernando  Martinez,  canónigo  de  Lisboa,  y  escribiendo-se  cartas  uno  á  otro  sobre  la 
nauegación  que  se  hacia  al  pais  de  Guinea.  en  tiempo  dei  rev  D.  Alfonso  de  Portugal,  y  la  que  podia 
hacerse  en  las  partes  dei  Occidente.  Ilegó  á  noticia  dei  Almirante,  que  era  curiosissimo  de  estas  cosas, 
y  al  instante  por  médio  de  Lorenzo  Giraldo.  Florentin,  que  se  fiallaba  en  Lisboa,  escribió  sobre  esto  al 
maestro  Paulo,  y  le  envió  una  esferilla  descubriendole  su  intento  â  quien  el  maestro  Paulo  respondió 
lo  que  se  sigue.  traducido  de  latin  en  nuestra  lengua ...» 

A  carta  de  1474  é  escrita  quando  ainda  reina  D.  Afonso  V.  Colombo  apresenta  o  seu  plano 
a  D.  ]oão  II,  que  subiu  ao  trono  em  1481.  Todas  as  indicações  se  combinam  para  a  afirmação  plausível 
de  que.  só  depois  de  concluída  a  guerra  da  sucessão,  em  1479,  Colombo  leria  podido  dirigir  se  a  Tos- 
canelli, quando  íá  D.  ]oâo  II  e  a  ]unta  dos  Matemáticos  saberiam  experimentalmente  que  a  róia  do 
Ocidente  não  conduzia  à  índia,  pelo  menos  no  espaço  indicado  na  carta  e  no  mapa  do  florentino.  Que  já 
anteriormente  a  1474  se  tinham  realizado  longas  pesquisas  no  Oceano,  rumo  do  poente,  deduz-se  dos 
documentos,  conservados  no  arquivo  da  Tôrre  do  Tombo  e  publicados  por  ocasião  do  último  centenário 
do  descobrimento  da  América  (131). 


CARTA  de  Toscanelli  exerce  tam  grande  influência  sôbre  as  resoluções  de  Colombo, 
dirige-o  com  tam  imperiosa  autoridade  no  caminho  da  esperança,  alimenta  tam  confes- 
sadamente  a  sua  fé,  que,  na  narrativa  empreendida  por  Las  Casas,  com  o  auxílio  do 
Dm/70  que  o  navegador  redigiu  da  viagem  heróica,  ela  é  uma  outra  bússola  que  orienta 
o  nauta  nas  solidões  oceânicas.  Pôde  a  róta  da  pequena  frota  desviar-se  do  itinerário 
toscaneliano  e  não  coincidirem  com  as  realidades  as  indicações  do  sábio  florentino.  (Embora!  As  terras 

(129)  *There  is  no  re/tson  lo  bclieve  thãl  betore  his  lu/entftí/lti  yar  Colombus  was  anylbing  more  ihnn  a  mar- 
cham OT  mariner.  s-tlling  befori'  lhe  m.tst,  anti  joininq  one  shif  afler  anolher  as  opportunilies  for  good  vavaaes  ofhTfd  them- 
selves:  CHRISTOPHER  COLOMBUS.  por  Filson  Voung,  Tom.  l.  pág.  61. 

(130)  Rcporlamo-nos  aqui.  para  maior  simplllicaçào,  á  lractu(âo  espantiola  da  venio  iUMana.  teita  por  Afonso 
Ulloa,  e  publicada  cm  1S71,  segundo  o  manuscríro  original  espanhol,  de  Fernando  Colombo  (?).  que  se  per<l<  '  i  incluiu 
na  sua  obra.  Historiadores  Primitivos  de  las  Índias  Occidentales.  (publicada  cm  1749)  -Cj  Historia  di'  D  C-  n,  ijue 
compuío  en  Castellano  Don  Fernando  Coton,  su  hilo.  y  traduxo  en  toscano  Alfonso  de  Ulloa,  vuelta  a  '■    ■  <r,o. 

Çor  non  parecer  el  original*.  A  passagem  pulilicada  é  transcrita  da  Coleccion  de  libros  raros  e  curiosos  ,  a, 

ol.  V.  (Madrid  1891)  com  o  lilulo  'Historia  dei  Almirante  Don  Cristot>  '  i  en  la  cual  st  da  particular  y  ,  la. 
cion  de  su  vida  y  de  sus  fiectios,  y  dei  dcscubrimiento  de  las  fndias  O.  ^  j,  llamadas  Nuevo  Mundo-  -  l.  .  un 

Fernando  Colon. 

(131)  *A$  navegações  continuam.  Emquanto.  seguindo  o  impufso  que  l/ies  imprimira  o  infante  D.  Henrique,  se 
continuava  a  circumnavegação  da  Africa,  afim  de  encontrar  o  !■  Preste  JoAo  das  índias,  e  os  paizes  que  as  relações 
de  Marco  Paulo  haviam  revelado,  os  particulares,  por  seu  turnr.  i.mdo  a  auctorixaçâo  re.i!  "r.-^rnravam  continuar  a  car- 
reira que  Gonçalo  Velho  e  Machico  fiaviam  aberto  para  o  Occidente.  Assim  nos  apparecem  as  i  .  dadas  a  JoSo  Vogado 
em  1462.  ao  infante  D.  Fernando,  em  l^tsj.  1462  e  1473,  a  Rui  Gonçalves  da  Camara  neste  un  .mm  t  r,-rnj,-'  T  •lies,  em 
28  de  Janeiro  de  1474  de  qualquer  ilha  ou  terra  despovoada.  m,is  quasi  vinte  meies  depois,  a  10  de  A'  ,  e-lhe 
ampliada  a  concessão,  nâo  só  a  terras  desaproveitadas,  mas  a  outras  aproveitadas  e  povoa'1-  .  V  rece  .i:.,  ,  i^uta.em 
clausula  da  segunda  carta.  Que  factos  determinaram  esta  ampliação?. . .  Os  vinte  meies  rf.              entre  uma  e  outra  doação 

permittem  espaço  sufficienle  de  tempo  para  armar  navios,  fazer  uma  primeira  viagem  e  prep.ii  .u  j  ii  .i  ser"'-''  '   '■■  ■net- 

ledora.  Se  Fernão  Telles  não  tem  fallecido  dezoito  meies  depois,  no  primeiro  de  Abril  de  1477.  que  r  te 
não  teriam  seguido?.  .  .  Em  1484  continua  a  serie  das  explorações  para  Occidente.  de  que  dão  testemunho  m  .  ,j,  u^.içJo 

ã  Fernão  Domingues  do  Arco.  de  30  de  Junho  de  esse  anno,  c  as  de  24  de  Jultio  e  4  de  Agosto  de  1486  a  Fernão  Dulmo  e 
João  Affonso  do  Estreito...*  jadnlo  Ignacio  de  Brito  Rebelo,  na  tntroducção  da  edição  do  códice  do  téculo  XVI,  Ltifro  de 
Marinharia,  a  pag.  XXV.  Cf.  Alguns  documentos  da  Torre  do  Tombo;  o  Archivo  dos  Açores,  vol.  IV,  de  pag.  436  em  deante; 
Ernesto  do  Canto,  Quem  deu  o  nome  ã  terra  do  Labrador,  1896. 

LXXXV 


Introdução 


que  éle  apontára  a  Colombo,  que  promctéra  a  D.  Afonso  V.  ali  estavam.  cEram  as  mesmas?  Colombo, 
deslumbrado,  nào  cogila  em  resolver  essa  incógnita.  A  sua  capacidade  de  fé  atinge  os  paramos  do' 
sublime  ou  do  absurdo.  Colombo  nâo  raciocina,  nâo  analisa.  Crê.  Para  os  nossos  tempos  scépticos,  êsse 
último  filho  da  Idade  Média,  contaminado  pela  ânsia  de  riquezas  e  de  glórias,  que  caracteriza  a  aurora 
da  Renascença,  é  quási  ininteligível.  Uns  querem  que  lenha  sido  um  inspirado,  outros  um  sábio,  outros 
ainda,  um  aventureiro,  impelido  c  transfigurado  por  uma  ambição  formidável.  Èie  é  a  consequência  das 
circunstâncias,  mas  uma  consequência  activa,  pois  que  a  sua  obstinação  é  prodigiosa.  Transviado  nas 
Lucaias,  pensa  navegar  por  entre  os  arquipélagos  asiáticos.  A  mísera  e  canibalesca  humanidade  que 
encontra  apresenta  já  caracteres  étnicos  que  a  aproximam  -  julga  êle  — da  família  oriental.  Crêr  é  a  sua 


Recontlltultlo  do  m«pa  d«  Totcanclll  por  O.  P««ch«1.  (Das  AutUnd.  iwt) 
Pro|FC(lo  irapea«tform«.  d*  merldlanoa  convtrgani». 

fÔrça  e  a  sua  missão.  Éle  crê,  inabalàvelmente,  heróicamente,  sem  se  deixar  vencer  pelas  decepções.  Os 
seus  olhos  azuis  de  visionário  e  de  ambicioso,  que  esperavam  contemplar  os  palácios  cobertos  de  ouro 
das  cidades  de  Cypango  e  os  templos  de  mármore  de  Cathay.  orvalham-se  de  lágrimas  de  alegria,  ao 
avistarem  as  paisagens  americanas.  Filho  do  nada.  tendo  tardiamente  e  sem  método  aprendido  o  pouco 
que  sabe.  cosmógrafo  improvisado,  o  antigo  tecelão  genovês  pôde  agradecer  a  Deus  a  ignorância  que  o 
conduz  milagrosamente  à  descoberta  de  um  novo  mundo.  Porque  éle.  nas  intimidades  mais  secretas  da 
consciência,  reconhece  a  sua  insuficiência,  e  só  isso  explica  aquele  apêgo  supersticioso  ao  itinerário  de 
Toscinelli.  A  sua  falta  de  sciència  é  suprida  pela  autoridade  do  sábio  de  Florença.  Ruge  e  D  Avezac 
leem  razão,  quando,  através  das  narrativas  de  Las  Casas,  o  consideram  como  o  executor  fanatizado  e 
dócil  do  plano  toscaneliano. 

E'  impossível  admitir  que  o  virtuoso  Las  Casas  seja  um  falsário  e  minta  conscientemente 
quando,  ao  refcnr  se  h  carta  de  Toscanelli.  escreve:  «/a  qual  vo  mde  y  tui/e  en  mi  mano  vuelta  de 
latm  en  romance*.  Ninguém,  nem  o  próprio  e  probo  Vignaud.  se  aventura  a  imaginá-lo  conivente  de 
uma  fraude,  alias  com  objectivos  inexplicáveis,  quando,  nestas  palavras  categóricas,  se  refere  ao  mapa 
do  sábio  florcntmo:  Wa  carta  de  marear  que  le  Ínvio.  yo.  que  esta  historia  escrito,  tengo  en  mi  poder  > 
LXXXVl 


Introdução 

Para  não  acreditar  na  veracidade  da  intervenção  de  Toscanelli  seria  preciso  admitir  que  Las  Casas  foi 
o  cúmplice  de  uma  mistificação,  cA  que  misterioso  interêsse  obedecia,  porém.  Colombo,  repartindo  a  sua 
glória  com  Toscanelli?  Compreendia-se  que  êle  confiscasse  do  conhecimento  universal  os  documentos 
que  o  protraiam  a  um  plano  secundário  no  extraordinário  empreendimento,  mas  náo  se  compreende  que 
Cristóvão  Colombo,  ou  seu  irmão,  ou  seu  filho,  ou  o  seu  panegirisia,  os  inventassem,  para  diminuir  ta- 
manho feito  diante  da  posteridade.  Colombo  nunca  invocou  a  participação  preponderante  da  opinião  tos- 
canehana,  como  fizeram  os  seus  biógrafos.  São  estes  que  no-la  denunciam  em  todos  os  pormenores.  Se 
aceitássemos  a  inconcebível  necessidade  que  êle  teria  de  apoiar  o  seu  projecto  na  opinião  de  um  sábio, 
nao  poderíamos  explicar  porque  não  fêz  uso  da  correspondência,  mas  muito  menos  compreenderíamos 
a  conveniência  de  Colombo  em  associar  a  essa  falsificação  o  nome  do  rei  de  Portugal  e  de  um  ima- 
ginário cónego  da  Sé  de  Lisboa;  em  certificar  o  conhecimento  português,  anterior  ao  seu,  da  opinião  e 
plano  de  Toscanelli;  em  agravar  essa  inépcia  com  a  confecção  de  uma  segunda  carta,  que  é  a  apologia  do 
caracter  português. 


Reconatllulçlo  do  mapa  de  To*canelM.  por  H.  Wagner 
IDIt  Rekonairuhtlen  der  ToacanctII  -  Kan*  vom  }.  -  l«»>.  no»  AnaU  da  Raal  Socicdada  d«  Scltnciaa  da  OAltlnoan.  im.  n.<>  )  -O  (nap« 
é  elaborado  aegundo  uma  proiccflo  plana  rectangular.  Oa  etpacoí  alo  de  Cinco  graut  de  *•  ■  ■  mllhaa  romanae  de  l.tM  metro* 
no  circulo  Riixlmo  equatorial.  Oa  conlornoa  da  Aala  e  de  Cypango  alo  oa  do  globo  de  Datialm, 


AUTENTICIDADE  do  plano  toscaneltano  aparece-nos  fortemente  confirmada  pelos  vestí- 
gios que  se  entreveem  da  sua  influência  na  viagem  de  Colombo.  Talvez,  se  não 
estivesse  sob  o  domínio  supersticioso  da  sciência  de  Toscanelli,  êle  tivesse  reconhecido 
o  engano  e  admitido  o  descobrimento  de  um  mundo  novo:  glória  maior  que  a  de 
haver  descoberto  um  novo  caminho  para  um  mundo  antigo.  A  narrativa  de  Las  Casas 
documenta  demasiadamente  a  obcessão  toscanetíana  do  navegador.  Alguns  exemplos,  escolhidos  ao  acaso 
entre  muitíssimos:  ^pidió  (Colombo)  á  tos  Reys  que  le  diesen  sus  cartas  para  eí  Gran  Khan,  puesto  que 
Paulo,  físico,  se  engarió  creyendo  que  la  primera  Herra  que  habia  de  hallar  habia  de  ser  tos  reinos  dei 
Gran  Khan...*  (Tom.  I.  pág.  96);  *creo  que  todo  su  viaje  sobre  esta  carta  fundó.  pero  aun  más  se  lo 
quiso  nuestro  Sehor  declarar...*  (Tom.  I,  pág.  96);  *oido  et  Almirante  este  nombre  Cibao  ser  tierrã 
donde  hacia  oro,  de  creer  os  que  se  le  regoci/ó  et  corazon,  y  dobló  su  esperama,  ãcordindose  de  ta 
carta  ó  figura  que  le  envió  Paulo,  físico,  de  la  isla  de  Cipango...*  (Tom.  I.  pág.  394);  •cree  que  esta 
gente  de  Caniba  no  ser  otra  cosa  sino  la  gente  dei  Gran  Khan.  que  debia  ser  de  alH  uecina . . .  Esta 


LXXXVII 


Introdução 

opinion  teria,  y  harto  le  ayudaba  á  tenerla  la  carta  ô  mapa.  que  traia,  de  Pauto,  fisico,  y  la  informacion 
que  le  ttabia  dado  por  sus  cartas...»  (Tom.  I.  pág.  370);  »Tenia  uoluntad  el  Almirante  de  rodear  esta 
Isla  de  Samoeto,  Isabela,  para  ver  si  podia  tener  habla  con  el  Rey  que  creia  haber  en  ella.  para  probar 
si  podia  dei  haber  el  oro  que  traia  ó  tenia.  y  segundo  que  habia  entendido  á  tos  indios  que  traia  con- 
sigo de  la  isla  de  Sant  Salvador,  la  primera  que  descobrió.  Eslaba  por  alli  otra  isla  muy  grande  que 
llamaban  Cuba.  la  qual  creia  que  era  Cipango...*  (Tom.  I,  pág.  314);  *por  aqui  parece  que  se  le  hizo 
el  Camino  mas  cercano  de  lo  que  el  pensaba.  y  el  mundo  mas  largo,  y  no  estar  la  tierra  dei  Gran  Khan 
derechamente  ai  gueste  ó  Poniente,  como  el  florentino  le  habia  escrito,  y,  en  la  figura  que  le  envió 
pintada,  le  habia  certificado.       (Tom.  I,  pág.  315). 

A  concepcáo  toscaneltana  é  uma  como  que  túnica  de  Nessus  da  aventura  de  Colombo. 

Quanto  mais  se  analisa  este  problema  histórico,  mais  avultam  as  provas  da  influência  de  Tos- 
Canelli  na  viagem  às  Antilhas.  Se  a  carta  do  sábio  florentino  fosse  integralmente  falsificada,  não  teria 
sido  preciso  viciá-la,  e,  sobretudo,  não  teria  valido  a  pêna  inventá-la,  pois  que  ela  obscurece  a  glória 
do  descobridor  c  proclama  a  prioridade  portuguesa  no  conhecimento  e  exame  do  projecto  loscaneiiano. 
Entretanto,  essa  fraude  sem  inierêsse  explicável,  ihaveria  sido  tam  minuciosamente  preparada  por  Colom- 
bo, que  até  o  próprio  nome  do  intermediário  da  correspondência  chegou  até  nós! 


sas  e  das  Historie: 


STA  convicção  não  é  abalada  com  o  conhecimento  da  2.»  carta  de  Toscanelli.  que  repete 
quási  ipsis  verbis  a  introdução  da  carta  ao  cónego  Fernão  Martins,  e  pôde  bem  ser  uma 
variante  da  anterior,  denunciando  uma  fraude  arquitectada  sòbre  um  único  documento 
autêntico,  de  que  Colombo  se  teria  servido,  para  improvisar  os  restantes. 

Como  fizemos  com  a  primeira,  transcrevêmo  la  nas  duas  versões  de  Las  Ca- 


ias Casas  (Historia  de  las  índias) 

«A  Cristobal  Columbo,  Paulo, 
fisico.  salud: 

•Vo  rescibi  tus  cartas  con  las  cosas  que 
me  enviaste,  y  con  ellas  rescibi  gran  merced.  Vo 
veo  el  tu  deseo  magnifico  y  grande  a  navegar 
en  las  partes  de  Levante  por  las  de  Poniente, 
como  por  la  carta  que  yo  le  invio  se  amuestra. 
la  cual  se  amostrara  mejor  en  forma  de  esfera 
redonda,  pláceme  mucho  sea  bien  entendida;  y 
que  es  el  dicho  viaje  no  solamente  postble.  mas 
que  es  verdadero  y  cierlo  è  de  honra  è  ganân- 
cia inestimable  y  de  grandisima  fama  entre  todos 
los  crislianos. 

•Mas  vos  no  lo  podreis  bien  conoscer  per- 
fectamente,  salvo  con  la  experiência  ò  con  ta 
ptatica.  como  yo  la  he  tenido  coplosisima.  è  bu- 
ena  ò  verdadera  informacion  de  hombres  magni- 
licos  y  de  grande  saber,  que  son  uenidos  de  las 
dichas  partidas  aqui  en  corte  de  Roma.  y  de 
otros  mercaderes  que  han  traclado  mucho  tiempo 
en  aquellas  partes,  hombres  de  mucha  auctoridad. 

■Asi  que  cuando  se  hara  el  dicho  viaje 
será  à  reinos  poderosos  è  ciudadcs  e  províncias 
nobilísimas.  riquisimas  de  todas  maneras  de  co- 

LXXXVin 


D.  Fernando  Colombo  (Historie  deli  Ammi- 
raglio.  versão  de  Ullõaj 

'A  Christoforo  Colombo,  Paolo, 
fisico,  salute. 

«lo  ho  rícevuto  tue  lettere  con  le  cose,  che 
mi  mandasti,  le  quali  io  hebbi  per  gran  favore: 
e  estimai  íl  tuo  desiderio  nobile.  e  grande,  bra- 
mando tu  dí  navigar  dal  Levante  al  Ponente,  co- 
me per  la  carta.  ch'io  ti  mandai,  si  dimostra:  la 
quale  si  di  mostrera  meglio  in  forma  di  sfera 
rotonda.  Mi  piace  molto,  che  ella  sia  bene  intesa 
e  che  detto  viagio  non  sol  sia  possibile,  ma  ve- 
ro, e  certo,  e  di  honore,  e  guadagno  Incstima- 
bile.  e  dl  grandíssima  fama  appresso  tutti  i  chris- 
tiani. 

•Voi  non  lo  potete  conoscere  perffetamente, 
se  non  con  la  esperientia,  ò  con  la  prattica.  co- 
me io  l  ho  havuta  copiosissimamente,  e  con  buo- 
na.  e  vera  informalione  di  huomint  illustri,  e  di 
gran  sapere,  che  son  venuti  di  detti  luoghi  in 
questa  corte  di  Roma;  e  di  alíri  mercatantl,  che 
hanno  traficato  lungo  tempo  in  quelle  parti,  per- 
sone  di  grande  autoritá. 

«Di  modo  che,  quando  si  fara  detto  uiaggio, 
sara  in  Regni  potenti,  e  in  città,  e  provincie  no- 


Introdução 


sas  en  grande  abundância  y  a  nosoiros  mucho 
nr-i-"rias,  ansi  como  de  todas  maneras  de  ps- 
I  I  en  gran  suma  y  de  joyas  en  grandisima 
(Abundância. 

«Tambien  se  irà  ã  los  dichos  Reyes  y 
Príncipes  que  estan  muy  ganosos.  mas  que  nos, 
de  haber  Irado  ò  lengua  con  crislianos  destas 
nuesiras  partes,  porque  grande  parte  dellos  son 
crislianos,  y  tambien  por  haber  lengua  y  tracto 
con  ios  hombres  sábios  y  de  ingenio  de  aca, 
ansi  en  la  religion  como  en  todas  las  otras  ciên- 
cias, por  la  gran  fama  de  los  impérios  y  regi- 
mientos  que  han  destas  nuestras  parles;  porias 
cuales  cosas  todas  y  otras  muchas  que  se  po- 
driam  decir,  no  me  maravlllo  que  tu  que  eies  de 
gran  corazon  y  toda  la  nacion  de  portugueses, 
que  han  seido  siempre  hombres  generosos  en 
Iodas  grandes  empresas,  te  vea  con  el  corazon 
encendido  y  gran  deseo  de  poner  en  obra  el 
dicho  vlaie.» 


bilissime.  ricchissime.  e  di  ogni  sorte  di  cose.  a 
noi  molto  necessaríe,  abondanti;  cioè  di  ognl 
qualilà  di  specierie  tn  gran  somma.  e  di  gioie 
in  gran  copia. 

<Ció  sara  caro  etiandio  a  quei  Rè,  e  prin- 
cipi,  che  sono  desiderosissimi  di  pratiicare  e  con- 
Iraltar  con  christiani  di  questi  nosiri  paesi.  si 
per  esser  parte  di  lor  christiani,  e  si  ancora  per 
haver  tingua.  e  praftíca  con  gli  huominí  savij  e 
d  ingegno  di  questi  luoghi,  cosi  nella  rellgione. 
come  In  tutle  le  altre  scientie,  per  Ia  gran  fama 
degl'  imperij.  e  reggimenti,  che  hanno  di  quesle 
parti.  Per  lo  qualí  cose,  e  per  mollc  altrc.  che  si 
potrebbono  dire,  non  mi  maraviglio,  che  tu.  che 
sei  di  gran  cuore,  e  tutia  la  natioiíe  Portoghese,  la 
quale  ha  havuto  sempre  huomini  scgnalaii  in  tul- 
te  le  imprese,  sij  col  cuore  acceso,  e  in  gran  de- 
siderio  di  eseguir  deito  viaggio.»  , 


HWf^pHSSUMlNDO  éste  problema,  embora  episódico,  uma  transcendente  importância,  para  docu- 
■fl^lB  mentar  o  conhecimento  português  da  concepçáo  toscaneliana,  contemporâneo  do  infcio 
qH^^^S  administração  colonial  do  príncipe  D.  ]oào,  não  é  possível  deixar  de  submeté-lo  a 

99Wfi      exame  ainda  mais  rigoroso. 

E'  tam  difícil  explicar,  senão  justificar,  os  motivos  que  teriam  levado  Colombo  a  inven- 
tar a  correspondência  de  Toscanelli  com  o  cónego  Fernão  Martins,  que  o  historiador  Filson  Voung,  a 
pág.  105  do  seu  Christopher  Colombiis.  sugere  ter  sido  a  falsificação  das  cartas  de  Toscanelli  empreen- 
dida por  ocasião  da  segunda  estada  de  Colombo  em  Lisboa,  em  1488;  e  arquitecta,  para  explicá-la,  a  se- 
guinte e  inconcebível  hipótese:  Colombo,  com  a  amarga  experiência  dos  primeiros  insucessos  e  conven- 
cido de  que  só  apoiando  as  suas  teorias  em  um  parecer  com  autoridade  scientffica  conseguiria  conven- 
cer o  Rei  e  a  lunta  dos  Matemáticos,  foria.  de  cumplicidade  com  o  irmão  (Bartolomeu)  as  cartas  de  Tosca- 
nelli, destinadas  a  exercerem  uma  influência  decisiva  em  favor  do  seu  audaz  projecto!  Aventando  esta 
hipótese  temerária,  o  historiador  inglês  não  reparou  quanto  ela  é  imprópria  da  sua  sagacidade.  iPara 
demover  a  Junta  dos  Matemáticos.  Colombo  inventaria  um  documenio  em  que  invocava  uma  falsa  corres- 
pondência, trocada  entre  Toscanelli  e  um  imaginário  cónego  Fernão  Martins,  valido  ou  conselheiro  de  D. 
Afonso  V,  pai  do  soberano!  De  duas,  uma:  ou  o  tal  cónego  Fernão  Martins  não  existia,  e  a  fraude  ficaria 
patente,  ou  já  morrera,  como  já  tinha  morrido  Toscanelli.  e  ainda  nesse  caso  não  era  natural  que  D. 
loão  II  e  a  Junta  ignorassem  tam  importante  documenio.  De  qualquer  dos  modos,  a  hipótese  de  Voung 
afigura-se  inaceitável  e  só  serve  para  provar  a  inconsistência  da  tese  negativista,  que  precisa  de  recor- 
rer a  Iam  inverosímeis  expedientes,  para  explicar  o  inexplicável. 

Há,  porém,  argumentos,  na  verdade,  que  se  Impõem  à  consideração  da  critica  histórica.  A  aná- 
lise admirável  e  exaustiva  de  Vignaud  revela  indubitavelmente  que  houve  falsificação. 

Presumivelmente,  as  cartas  não  foram  forjadas  in  totum  por  Cristóvão  Colombo  ou  Bartolo- 
meu Colombo,  mas  alteradas  na  fórma  primitiva  e  acomodadas  à  conveniência  do  descobridor.  A  morte 
de  Toscanelli  garantia  a  impunidade  da  fraude.  Coube  ao  historiador  Henry  Harrisse  a  fortuna  de  co- 
nhecer, em  1871.  por  indicação  do  conservador  da  Biblioteca  Colombina,  de  Sevilha,  D.  )osé  Fernandez 
y  Velasco,  senão  o  original  de  Toscanelli.  pelo  menos  a  reconstituição  em  latim  da  carta  de  1474,  es- 
crita pelo  próprio  punho  de  Colombo,  numa  das  guardas  em  branco  de  um  pequeno  fólio  de  105  páginas 

"  LXXXIX 


Introdução 

(129)  sem  numeração,  impresso  em  caractéres  romanos,  contendo  numa  página  um  diagrama  colorido  à 
máo  e  muitas  notas  marginais,  de  mistura  com  extractos  de  Santo  Agostinho  e  Josephus. 

Harrisse  Iranscreve-a,  verbatim  et  liberatim.  no  volume  adicional  da  Biblioteca  Americana 
Uetuslissima  (130). 


mV«    l^/d//l.?d.JVm  br^^^  PO""9"n.  "p..d.  ,o«  r.compo.,.,  por  Crl.WvIo  Co.ombo-o.  .e«  ,rm««  O.r.olo. 

2". «om»d^«."  Lr •  <*p'-    •p'-»-  *     ««..0,.  to.«. 


TION  NON  ^rníÍA  AsÍa  iSÍNOR^Nn  "'^TO  RIA  RERUM  VBIQUE  OESTARVM.    CVM  LOCORVM  DESCRIP- 

Tnss.  IWJ.*'*'*^'^  ànaiption  ot  works  nlatiag  to  America,  pablíshtd  befuwn  the  years  1492  Mnd  issi.  Paris,  Livraria 


XC 


Introdução 


STE  texto  latino  da  carta  de  Toscanelli  a  Fernão  Martins  apresenta  se  inçado  de  incor- 
recções, que  não  podem  ser  atribuídas  ao  sábio  florentino.  A  demonstração  filológica  de 
Nobert  Sumien  (131)  é  concludente.  Êste  argumento  seria,  porventura,  decisivo  se  não 
reconhecêssemos  que  a  carta  de  Toscanelli  sofreu  alterações  consideráveis,  na  versão  co- 
.r       A       A    '^""^'"^  foi  transmitida.  A  tese  negativista  e  tam  superiormente  concatenada  de 

vignaud  perde  a  força  convincente  se.  aceitando  a  veracidade  de  uma  correspondência  de  Toscanelli 
com  uma  personagem  da  côrte  de  D.  Afonso  V.  relativa  ao  projecto  de  uma  viagem  à  índia  pelo  Oci- 
:  .  ^  toscaneliana  no  empreendimento  de  Colombo),  admitirmos  a 

possibilidade  de  ter  o  navegador  confecionado  com  essa  caHa  verídica  as  duas  cartas  falsas  posteriores 
No  exame  destas  duas  cartas  logo  salta  à  vista  a  uniformidade  da  fórmula  empregada  por  Toscanelli  na 
-í/í)  ueo  et  magnifico  e  grande  deseo  para  haber  de  passar  adonde  nace  la  especieria^  com  a  da  2«' 
veoel  tu  deseo  magnifico  e  grande  de  nauegar  en  las  partes  de  Levante...*  Nâo  só  é  pouco  natu- 
ral que  Toscanelli  guardasse  (e  que  a  remetêsse  a  Colombo)  uma  segunda  via  da  epístola,  que  escreveu 
a  Fernão  Martins,  como  se  afigura  difícil  justificar  os  erros  de  redacção,  cometidos  por  Colombo  se  ti- 
vesse conservado  em  seu  poder  o  texto  de  Toscanelli.  Supomos  que  teria  obtido  em  Portugai  cópia 


XVI 


Inlroduttion. 


Copia  mi fa  xpofaro  coionbo  p  paulií  fixicú  cu 
vna  carra  nauigac*'  || 
Fcrdinâdo  marcini  canónico  vlix*'  paulus  phiftcu^ 
falurC//a.  tua  valitudine  dcgri  :  íimiliantate  9  lege 
vro  gcncrol  li/rjimo  [i]  magnificêrifíimo  f)ncipt 
iocudi  rh  íuir  iurclligcrc /  cú  tecú  alliis  loitirr  su 
dc  brcuiori  via  id  loca  aromatu  p  manrimã  nauigac'* 
$  sir  ca     facití  p  guinei /qucnt  nCic  .  S.  rex.  ame 
quãdji  declarac"  ymo  porius  ad  octuiú  ollcntioiii 
vt  crias  mcdioítcr  dori  illã  viã  capêt  í  inrelligcrct/ 
Ego  aure  ^  \  is  cogicã  poífe  hoc  ostèdi  p  forniâ 
rpcricã  vr  c  múdui  tn  dctcrminaui,  p  (aciliori  ín- 
rcUigtnL"  ac  eriã  ^  faciliori  opa/oJlcdere  viã  illá 
p  $  tarrc  nauigac'"  íiur  iílud  dcciararc/ Mito  ergo 
fiie .  JVI.  cartã  manibs  mcís  factã  í  ^  ddiént'  litora 
vrã  I  infuk  ex  qbj  incipiarr  inrcrfaccre  vcrfiis 
occafu  fcnp  r  loca  ad  tjuc  dcbcarr  pucnirc  i  ipiu 
a  polo  vl  a  linea  eqnoriali  debearr  dcciinarc  :  p 
^ru  spaciô.  f.  p  quot  miliar'  dcbcarf  puenire  ad  ioca 
fertiiilíim»  0ÍG5  aromatu  i  gcmarú  i  nõ  niiremioi 
si  voco  occidcntales  ptes  v  COt  aromata  9  tôitcr 
dicát"  onctaics  qa  nauigátibs  ad  occidêcê  fcnp  ilic 
ptes  iriucniút'  p  fubterrancas  nauigaciones  /  si  cni 
p  tcrrâ  r  p  fupiora  itincra  ad  oriêtê  fcnp  rcpirci'/' 
lince  ergo  recte  i  longirudine  carte  siéte  oAcdút 
diftanc**  ab  oriêtê'  verfus  occidcs  q  autc  tranfutrle 


>  Ugai    rvpcrxnlui,       (  Mifntc 

TCKie  da  caria  d*  Toscanelli  com  a«  abr«vlaturaa,  raconailluldsa 

In-cBlenao  pelo  lllôloao  Norbert  Sumien. 


XVII 


IniroHucíiún. 

n  oílídut  fpacia  anicridie  verfus  fcptenf/rwraui 
Autc  i  carta  diucrfa  loca  ad  íj  puaiirc  poteçrr  .p 
maiori  noricia  nauig"  .  f.  vcff     cafu  aii^  alibi  ^ 
cxiOimarct  vcnirct  /  prin'  aut£  vt  ortêdat  incolis 
ipos  híc  notic"  /  aliquã  p-irO  illius  y  dcbebir  cc 
iocíid]  farf/nõ  cõíidãt'  aun-in  iiiAilis  lí  mtrcarorcs/ 
aicnt'  ibi  eni  tanta  copia  nauiganc"'cft  9  merciino- 
niis  v  t  i  toro  rclicj  orbe  nÕ  íit  íicutí  i  vno  ponu 
nobiiiíimo  vocato  sairõ  '  aferút  ejií  ccnru  naues 
pípcris  m.i^  i  CO  portu  fingulis  anis  dcftrrí/sine 
alus  nauibí  port.mtibf  allia  aromata  /  par'a  illa  cft 
popnlarilima  liirKima  mulrinidinc  puincia^  :  rcgrwy 
J  ciuiratfi  ílnc  numero  '  fuh  vno  jlíncipe  q  dicit' 
magnus  kan  .jj  nome  ííjVrtcai  i  iarnio  xtx  n-gú/ 
cuius  fedes :  reruicncia  c  vt  plimu  i  pnincia  katay/ 
aiUKjui  siii  dcíidcrabãi  cõforciú  xpianoy  lã  lut/ 
loo  /anii*  mifccr^'  ad  pjpã  :  polluLibât  plunmos 
dotos  i  Hdc  vt  lilununarcnrur/scd  q  milVi  ll  tiípcditi 
I  ithicre  rcdicr'  /eriã  rpr  Fugcnij  vcnit  vnus  ad 
cugcniG  q  dc baiiuolctia  ma^crga  xpiaiiosarirmabat 
I  ego  fccG  lor>go  fcrmonc  locut^  fú  dc  mwltr  dc 
magtudinc  cdificiov  rcgaliO  :  dc  inagtudirK  fluuiu 
i  latwidine  1  longirudine  mirabili  i  dc  muititudinc 
ciuitatú  i  ripis  fluuifi  vt  in  vno  flumic/200/c' 
ciuirates  íint   çOirutc   x   põtcs  marmorci  mag 
laritudinis  t  longitudinis  \  ndi  (p  colonpms  ornati/ 


I  knrrrfHf 


•  anni. 
t  nuMiuni. 


(131)  -Visnaud.  La  letfre  et  la  nrle  de  Toscanelli,  apendtce  B.  a  pig  281  e  Mg. 

XCl 


Introdução 

/HtrrniueHjM  da  carta  escrita  ao  cónego,  )á  porvenrura  incorrecta, 

.    .  c  \'        ^  ^'^'^  ^'^  composto  as  outras  duas.  Além  da  irans- 
hec  pit'1  digna  í  vr  p  larinos  qucrai  -nõ  lolu        ^^.^.^       ^^^^^  ^  ^^^^^^  ^^^^.^^  ^        ^^.^^^  1^ 

lucra  mgcncú  cx  ca  capi  polui  auri  argcrui  gcnuy  ^^^^  ^  Colombo  é  Iam  ilógico  e  insignificante,  que  im- 

ois  gcneris  t  aromaiú  t|uc  núi^  ad  nos  dckrut  /  pressiona  pela  vulgaridade;  nem  é  admissível  que  Tos- 

vcv  PP  doctos  viros  philosotos  :  astrólogos  pitos  canelli  transmitisse  o  seu  plano  a  um  desconhecido. 

I  qb]  ingcnij»  :  ariib\  ira  potes  :  magíica  puicii  sem  juslilicar  melhor  essa  prova  rara  de  confiança, 
gubcrnct'  ac  etii  bdU  •ducii  r  hec  p  ali<iitula  A  análise  arguta  de  Vignaud  teve  o  estimá- 

faiiOacitioncl  ad  fuS  petic"  «ptu  brcuicas  ipris  vel  mérito  de  chamar  as  atenções  dos  historiadores 

dedii  I  occupac"  mcc  occplcci"  pat^  ifutuy  rcgic  Para  a  fraude  da  correspondência  toscaneliana.  Essa 

-      I     I         f,-  rt\«.r..  H»fí   flrtr'  fraude,  de  facto,  parece  existir,  mas  não  exclui  a  pro- 
maicílaii  mtu  voct  Utius  fânllaccrc  data   tlor  .    _,    ^         .•■  . 

'  ^  babilidade  de  Toscanelli  ter  escrito  ao  cónego  poriu- 

2Í  "unij  1474"'  guês.  É,  pelo  contrário,  a  existência  dessa  carta  que 

A  civitatc  vlix-  p  occidctc  indirecto  sfit'26'  inspiraria  e  incitaria  Colombo  a  falsificar  a  correspon- 

fpacia  i  cana  figta       ql"l>J  lú  miliaru"  .'ío*  j^^^ja  posterior. 

vfíp  ad  nobilinniã  z  max"  ciuitatc  quifay  circuii  /\  perda  da  epístola  original  do  sábio,  diri- 

ciii  ccmú  miliar*  i  hi  pôtcs  dccc  :  nome  cius  gida  no  ano  de  1474  ao  eclesiástico  de  Lisboa,  não 

fonat'  cita  dei  cicloz/ciuiias  ccli  t  multa  mirada  deve  incluir-sc  entre  os  argumentos  ou  indícios  de  íal- 

dccanarrant  dcmuU.iudincartihaGidcrcdittbs'  sidade.  Trata-se  de  um  documento  de  carácter  parti- 

hoc  fuac-  clt  fere  tcrcia  pars  tocms  fpcrc/quc  cular  como  a  corrospondência  de  Lutéro,  de  Munstcr. 

.  .      .  .      .        ,  ,  ■  J-    L  de  Melanchton  e  do  cardeal  Rembo  com  Damião  dc 

ciuitas  c  I  DUicia  maíi/  t.  vitina  pumcic  katay  -        -  j     ^         -  ^ 

,.iuii«>  ç  ...ag.  j    ,   .  r  1       I  G61S.  Muito  mais  para  surpreender  é  que  nao  se  en- 

i  ^  rcfidcncm  t erre  regia  ell/«d  ab  infula  antiba  Tône  do  Tombo  os  relatórios  dos  capi- 

vob]  nota  ad  infuli  nnbilirimâ  cippagu  íui  dccc  ,^55       armadas,  mandadas  ao  Brasil  desde  Cabral  a 

fpacia  c  cni  ilta  iníula  tcitilirinia  auro  margaritis  Martim  de  Sousa.  Poderia  objectar-se  que  não  lemos 

:  gcmis  t  auro  folido  coopiunt  icnpla  :  domos  certeza  de  haverem  sido  escritcs  esses  relatórios,  m^s 

rcgias/ita  <;p  p  vgnota  itmera  nõ  magna  nia.is  a  objecção  é  insubsistente.  De  alguns,  como  os  de 

fpacia  iianfcCidú/  multa  lonairc  cem  apitus'  dccla-  Pedro  Álvares  Cabral  e  de  seus  pilotos,  sabemos  pela 

rãda  p  d.l.gcns  conlidmior  p  hcc  potcrit  ex  fc  "'"'í'       iJ"  de  Caminha  que  foram  redigidos  e  ex- 

,  .                ,    j ,    -V        ^  pedidos.  Do  verboso  Vespucio  temos  lambem  o  tes- 

ipo  rcliq  ^Ipiccrc/valc  dilccuhmc^                ^  ^3^^^  ^^^^^^^^           ^  ^3^^^, 

gresso  da  expedição  de  1503  ao  Brasil,  os  seus  pa- 
.  »o<«M..M.      .  p^.^       ^^^^^^       ^^j3  p^^^g  lastimará  mais 

tarde,  apresentando-a  como  causa  de  impossibilidade 
na  factura  da  sua  famosa  obra  sobre  o  Novo  Mu,ido.  nunca  publicada.  Não  obstante,  nos  arquivos  de 
Portugal  nem  sequer  se  encontra  um  vestígio  de  Vespucio... 

É  certo  que  o  original  da  carta  de  Toscanelll  desapareceu,  mas  também  não  existe  nenhuma 
prova  documental  da  sua  irrealidade,  antes  possui  a  História  um  documento  que  vale  como  prova  indi- 
recta da  intervenção  de  Toscanelli  na  expedição  do  Atlântico  ocidental,  realizada  por  Colombo:  a  carta 
do  duque  Hercules  d*Este  ao  seu  embaixador  em  Floiença.  Manfredo  Manfredi,  escrita  de  Ferrara  aos 
26  de  junho  de  1494.  e  publicada  na  Raccolta  Cohmbiãiu  (132).  Nessa  carta,  o  duque  d"Esle  incumbe  o 
seu  embaixador  de  proceder  a  buscas  no  espólio  de  Toscanelli  (falecido  em  1482),  no  sentido  de  desco- 
brir quaisquer  noticias  referentes  às  ilhas  recém-descobertas  por  Colombo.  Vignaud  reconhece  que  esta 
diligência  parece  demonstrar  que  na  Itália  não  eram  ignoradas  as  idéas  de  Toscanelli  sõbre  a  róta  da 
índia  pelo  ocidente,  e  porventura  se  suspeitava  de  que  êle  entretivera  uma  correspondência  epistolar  sõbre 
o  assunto,  —  muito  embora  se  não  prove  que  o  destinatário  dessa  correspondência  fosse  Colombo. 


(1)2)  Fõittí  Itãtiine,  Vol.  1.  pig.  14S. 

XCII 


Introdução 


FerdtMMJo  martifii  canoiuco  vlix^trnu.  p>«l«4  ph,»ia,»  «lut»,    de  tu*  faliiu4ÍM  de  port»  &  hmiluHuie  nm  rtçr  vtUro  g«i>ereuuimi> 

BUKnilkc-liM.mo  printipc  ÍocuxIki  miii  íuii  inullicerc  .         lecun  «lliu  locutu  mm  de  breuiori  v»  ad  loa  aroiTUlui  p«r  nuriiiiiiM 

r«u.jt«.^m  (it  ea  qiNM  í»c.i«  p«.  juímm*  querít  m.*<  ^muitmw,  rex  a  me  qua«dam  dechimtiMem  ymo  pcHiu*  .  '  ,m  vl 

«um  mediocriter  doli  ilJam  vi««  cap»rt«c  &  intdlifícfc-t     Euo  .ui^  qM««v.t  çognmoM  poMC  hoc  otie«li  |v.  ^rm.,i        ,  ,     .    ,  ,  ,  ,  ..Ju, 

u*»n  drtermiiuui  pro  faciliorí  inicUig«nca  «  aam  pr»  ractliorí  oprrc  o.iMdcre  vum  ilbM  p«r  qMai  caru  n.  .  f,wt  illud  d«Urai« 

M.Ki  crjto  luc  M<ii*//aci  caru-  nunibw  moi  facu*.      qm  duiKMnixr  Ikon  v«/r«  &  iiwule  w  qMboi  incip.au  iictraíere  wrwi»  occuum  «np/r 

&  loca  ad  que  drbcaii^  p^rxienirr  &  ^uaMtwm  a  polo  v«l  a  línet  cqninotiali  dcbeuUi  dediíure  «  p*r  qM«iu«  »paciu«t  •í./w/  p*r  quoi  mil.am  debmtú 

prrxjaun  ad  loca  rmiliMÍma  omm^n  uwxaxwm  &  gmaruat    &  no*  mircmini  >i  voco  occúlcnuka  p«rtc>  véi  au»i  aninuu  »•<  cfmmNnxtet 

dicMmtMr  orintaln  q»ã  nauigutibw  ad  ocò.lcic*.  «rpw  iUc  pano  \num\»ntur  prr  tubwrnnMi  nauÍKacioflM    Si  oniat  ptr  tcrmat  &  p«i-  lup^Hora 

mncra  ad  oricmcM  ttnper  nprrittmtmr  .  I.nec  ergo  nxtc  ia  longiiudine  caflc  ligNatc  o»lc«diuil  diiunctnm  nb  orienlCM  vmui  occkIcm 

qMc  auKM  iranwcne  Mmi  (>»tci*dg«t  apaci»  a  meridic  vcttus  w|>lrni*-.9iM!m  .  nouui  autc".  i«  catu  diucru  loa  ad  qw  p#nienire  poMtlw 

pro  maion  notícia  nnuigaii/rMm  vUúft  vtmut  w)  caau  aJiquo  alibi  qtMw  cxíiiitnarcHi  venife»(  pai-tin  «uIcm  vi  MieNdaMt  incotii  iprat  haim  noticiam 

altqiui»  patric  llliu»  quoJ  debtbit  oie  íocuikImm  ulu  no*  coKnidaxi  aiii/<x  in  iníulii  míi  mcrcaiorei  .  aterit  ibi  cni-i  Unu  íopia  naui- 

guntimm  «1  itim  mcrcimonii»  vl  i*  tolo  relíquo  orbe  no»  liwt  licuii  in  vno  |»rtu  nob.li*imo  v<i.:aio  mio*  ,  utjum  entm  ccntuM 

nauoi  pipefít  magire  i*  oo  porm  tingutia  aanii  dderri  .  aine  alít*  nauibau  poitaniibw  atita  aromau  .  paiHa  illa  cat 

popuiaiisima  diií^mn  mullitudine  p^ouinciarvai  &  regnorBiN  &  ciuiuiuM  linc  numero  ,  tub  vno  pnncipe  qw  diciwr  macnui 

kan  qKorf  nomcn  ligHiíicat  íh  latino  rcJC  reguw  ,  cuiua  icdes  &  rcaidcneia  cj/  vi  pliihmuM  íh  p»wjincia  kauy  .  aniiqui  tvi 

dctidcnbaal  contorciu»»  chni/ianDr»»  am  twii  .wa  a»ní  miaceraat  ad  papam  &  potiulabajit  plurimoa  doioa  ia  ftde  vi  illumína- 

reniur     »cd  qm  miwi  sumí  mpcdiíi  in  itinert  rcdicruni    ctiao)  tmpdr*  EuKçnii  vtnil  vnui  od  eugeniiwi  q«(  de  bcniuolotia 

cnagiu  erga  chtu/uimt  iiftrnwbni  &  ego  lecum  longo  urmone  locutKj  t»m  de  mullu  de  magnitudinc  edificiof-i»  regaliuM 

&  dc  magnitudinc  fluuium  in  bttiudine  &  tongiiudine  mirabtli  &  de  muliimdine  ciuiintum  i«  itpíi  íIuuíum  vi  in  vno 

flumi<M  loa  c  ciuiutea  lini  ««liiwie  &  ponte»  maraiOTO  magm  latitudinta  &  longiiudinit  vndiqw  colonpnis 

ornaii     hec  paiHa  digna  cj/  vt  prr  Uiinoi  qucramr  no«  wtuni  qma  lucra  ingenci.t  ex  cm  capi  poiuni  auri  argenii 

f^ttUímm  ommi»  gencri»  St  aromaiuoi  que  nunqwim  ari  noa  d^ferMntur    vctum  p»vp//p  doctoi  víroa  phi)'>ioío>  &  atirotogoa  p«ritoa 

&  qiribw  ingeniia  &  ariibm  ÍU  poiem  &  magwífiea  pnmincia  gubcrnadar  ac  cliaw  bella  /«iducani  .  hoc  pro  aliqMMiuU  tauira[cione] 

ad  tiiiUK  pdicMncra  qiMNtuiN  breuitat  tímptríi  dedit  à  occupacMina  mcc  (unccpKcriiHl  paratiM  in  fuiuruM  regie  maieilMi  qiutnliMi  volei  laiiui 

saiitracctv  .  diXA  Huri-n/ic  .15  iunii  1474. 

A  duitate  vlixt/o«ii  ptr  occidcotcm  índimio  suni  .16,  tpacta  in  CAtu  lignau  qMorvm  qaolib*/  haitt  miliario.   ijo.  viqM  ad  nobilifÍm[am] 

&  maxrmm  ciuiuiem  quÍMay  circuil  enijpi  ccniuiw  miliara  &  hmin  poniea  dccejo  &  nome*  eíui  tonal  ciu  dei  ciclo  ciuiiu 

ccli  Si  mullA  miranda  de  ea  narrantrfr  dc  mulliludinc  artiticiuM  &  dc  reditibw  .  tioc  tpaciMm  mi  fere  lercia  piu-i 

tociui  apcft    que  ciuiiai  ei/  ím  pwiiircia  mangi  uiAuí  vicina  pwuincie  hatay  in  qiu  rciidcncia  ferre  rvgia  cai  .  Scd  ah 

iniula  antilia  vobu  nou  ad  iniulan»  nobilrtimam  ^ippangu  tumi  dcce»»  ipacia  tir  eniw  itb  iniuU  (criiliMma  aurfoj 

margariiia  &  geinni»  &  auro  tolido  coop«r-iuni  tenpta  &  domot  rcgioi  lu  ^uo^  ptr  ygnoin  ilincra  no*  m4C'i'.i^ 

matii  tpacia  imn^runduin    mulu  fonaMC  ejfcni  apfniui  docUrai«d4  W  diligcn»  (on^ideraiui  pgr  hec  poic^ij 

Cl  se  ipifO  ntiqjra  prMpicere    vale  díiccliiimc. 

Rcproduildo  da  Obra  de  Henry  Vlgnaud.  "ToacanellI  and  Columbua" 


t)i      ■  O 


ÚNICO  argumento,  aparentemente  embaraçoso,  que  nos  apresenta  a  tese  da  apocriffa, 
consiste  nas  dúvidas  que  pairam  sobre  a  existência  de  um  cónego  Pernão  Martins,  que  "Ao  mamtins 
leria  vivido  no  reinado  de  D.  Afonso  V.  iPóde  esta  lacuna  bastar  para  estabelecer  fun- 
dadas suspeições  sobre  a  autenticidade  da  correspondência  de  Toscanelli,  dirigida  a 
um  homem  que  não  deixou  nenhum  indício  de  passagem  pela  terra,  embora  a  cor- 
respondência no-lo  apresente  como  uma  personagem  considerável  do  seu  tempo,  valido  e  conselheiro  do 
Rei? 

Confundindo-o  com  Estevão  Martins,  Varnhagen  considerava  resolvido  o  problema,  tanto  mais 
que  nunca  lhe  perpassou  pelo  espírito,  pouco  dotado  para  a  análise,  a  suspeita  de  uma  fraude.  Mas  não 
há  indício  de  Toscanelli  haver  conhecido  o  capelão  de  D.  Afonso  V,  que  acompanhou  o  monarca 
a  França. 

Seria,  pois,  necessário  encontrar  um  cónego  português  de  nome  parecido,  que  se  provasse  ter 
conhecido  Toscanelli.  Nesse  caso,  a  identificação  apresentaria  circunstâncias  convincentes. 

É  exactamente  porque  concordamos  com  Vignaud,  sóbre  a  manifesta  corrupção  do  texto  ori- 

XCIII 


Introdução 


gmal  da  carta  de  Toscanelli,  que  presumimos,  por  analogia,  haver  sido  também  alterado  o  nome  do 
destinatário  da  caria.  Esta  hipótese  é  tanto  mais  verosimil  quanto  é  certo  que  só  por  intermédio  do 
autor  anónimo  das  fiistorie  e  de  Us  Casas  temos  notícia  dtese  cónego  Fernão  Martins  A  cópia 
do  texto  latmo  da  caria  de  Toscanelli.  escrita  por  Cristóvão  (ou  Bartolomeu)  Colombo  no  exemplar  da 
Mtstona  Rerum  Ubique  Oestarum.  nâo  menciona  o  nome  do  cónego.  É  provável  que  os  herdeiros  ou 

os  panegirislas  de  Colombo  o  lenham  alterado  involuntá- 
riamente.  As  abreviaturas  de  Fernão,  de  Estevão,  de  Mar- 
tins e  de  Roriz  prestam  se  a  confusões  na  caligrafia  qui- 
nhentista. Ora.  houve  um  cónego  da  Sé  de  Lisboa  que 
conheceu  Toscanelli.  Ésse  conhecimento  prova  se  de  um 
modo  irretorquível,  pois  que  ésse  cónego  assinou,  junta- 
mente com  Toscanelli,  o  testamento  do  Cardeal  de  Cusa, 
falecido  em  6  de  Agosto  de  1464  (133).  Somente,  ésse 
c««mpio«  iit.* Imitado»,  damontirando  ■  coniutie  cópego  nSo  SC  chama  Fcmão  Martins,  mas  Fernão  Ro* 
l^*:  :T,Z:^:'"'" r^mio.  í..  Hz.  Até  prova  em  contrário,  reconhecemos,  de  acôrdo 

com  Uzielli.  nesle  cónego  Fernão  Roriz  o  destinatário  da 
carta,  escnia  por  Toscanelli  em  1474.  carta  de  que  se  ulílisou  Colombo  e  que  tanto  contribuiu  para  ca- 
pacitá  lo  da  viabilidade  de  uma  viagem  à  fndia  pelo  poente.  (134). 


Fcrnlo  Martini,  ««flundo 
a  gralU  da  prlmrlra 
maUd*  do  S«culo  XV. 


CaitvloManina,  ••flgndo 
a  gralla  doa  rvglatoa 
d«  O.  Alonao  V. 


Ao  é  possível  contestar  que  a  carta  de  Toscanelli  se  baseia  num  sistema  cosmográfico  se- 
melhante ao  de  Marino  de  Tyro.  conhecido  através  da  critica  de  Ptolomeu  e  só  univer- 
salisado  pela  imprensa  nesse  mesmo  ano  de  1474. 

A  esta  objecção  e  a  todas  as  que  decorrem  da  apreciação  desta  circunstância, 
pela  surprésa  de  ver  adoptada  por  um  sábio  da  envergadura  de  Toscanelli  um  sistema 
CUJOS  erros  fundamentais  Ptolomeu  patenteára.  Sophus  Ruge  e  H.  Wagner  responderam  com  argumentos 
que  lhes  reduzem  consideráuelmente  o  alcance.  Toscanelli  corrigiu  os  cálculos  de  Marino  de  Tyro  fun- 
dado  na  experiência  das  viagens  de  Marco  Polo  e  Conti  e  das  Navegações  portuguesas.  A  largura  do 
Oceano,  entre  Lisboa  e  as  projecções  mais  orientais  da  Ásia.  era  calculada  em  I30o.  Se  cada  espaço  de 
5  graus  no  paralelo  41  equivalia,  no  mapa  de  Toscanelli,  a  250  milhas  (24.000  milhas  na  circunferência 
equatorial),  a  distancia  ocidental  de  Lisboa  a  Quinsay  seria  apenas  de  6.500  milhas.  Toscanelli  podia  con- 
ceber êsle  sistema  congénere  ao  de  Marino  de  Tyro,  mas  nenhum  geógrafo  reconhece  a  Colombo  a  cul- 
mra  e  as  capacidades  requeridas  para  Iam  arrojados  cálculos,  que  atentavam  contra  o  dogma  ptolomaico 
O  lacto  das  Ideias  de  Colombo  serem  idênticas  às  da  carta  de  Toscanelli  nâo  prova  absolutamente  que 
lenha  sido  êle  quem  manipulou  a  carta.  A  discussão  travada  acerca  da  sciéncia  geográfica  de  Toscanelli 
uma  vez  que  não  possuímos  elementos  bastantes  de  verificação  para  conduzir-nos  a  uma  prova  enira 
no  domínio  das  mais  ousadas  conjecturas  (135). 

A  fé  de  que  se  mostrou  animado  Colombo  só  podia  ter-Ihe  sido  insuflada  pela  opinião  pres- 
tigiosa de  um  sábio.  Que  o  sistema  de  onde  se  originou  o  plano  toscaneliano  era  erróneo  reconhece- 
ram-no.  segundo  todas  as  presunções,  os  portugueses  que  confiaram  à  iniciativa  particular  as  explora- 
ções no  Atlântico  ocidental  e  se  recusaram  a  aceitar  os  serviços  de  Colombo,- convictos,  como  se 


e  d^lendeu  nr.lu^iS^o''l,í';í7^^^^^  í^^y  ^'"^         ^^enUnc^lo  de^^-se  a  UzlelH,  que  a  apresentou 

(134)   Qui  a  découMTt  VAmérique  ?  por  Ccsare  de  Lollis.  na  Revue  des  Revuei.  de  15  de  Janeiro  de  1898. 
(13i)   Sophus  Ruge.  Biogrãphie  des  Christoph  Colombes,  Dre»dcn.  1890. 

XCiV 


Introdução 


XZ^^tto^ZTZt  ''''  '  '  descobhr.se  ao  Ocidente  do  arqui- 

So  ^  '''''  constituíam  prolongamentos  orientais  do  continente 

milhanca  d^\Z'ff '  sumariamente  empreendida,  do  problema  loscaneliano.  resulta  a  Inverosi- 

rias  fer^H..       K  f '""^  documentos  que  atribuem  a  outrem  as  teo- 

^ria  Ah^^^^^  embora  erróneas,  que  o  levaram  a  descobrir  as  Antilhas,  e.  mais  tarde,  a  terra  firme  de 
Pár  a.  Ai.as  essa  h.potese  coloca  Vignaud  perante  uma  série  de  dificuldades  insolúveis  como  seTam  a 

aX^hou. "  ""'"^  '  ■  '^'<^       "oiombo  nuncT  l 

manimit;,r5^  T^^Ty  ^'"ericano  procura  em  vão  resolver  essas  dificuldades,  atribuindo  a 

mampulaçào  a  Bartolomeu  ou  a  Luís  Colombo,  iustificando-a  com  a  conveniência  de  destruir  o  boato 

oroiect  dt"ir  rPH^^^^K^'"'  '''''''''  '  ^^"^'^^^^  ^olombo  e  o  sêí 

proiecto  de  ,r  redescobrir  as  terras  misteriosas  de  onde  êle  viera.  Mas  estas  conclusões  levantam  outras 

e  numerosas  ob.ecções.  Se  a  reconstituição  do  te.to  latino  no  incunábulo  da  Colombina  é  da  mào  de 
Cristóvão  Colombo,  como  afirmam  alguns  paleógrafos,  a  fraude  é  da  sua  autoria,  e  não  a  podemos  atri- 
buir à  intenção  pre  citada,  vislo  só  muito  depois  da  morte  de  Colombo  a  história  do  piloto  da  Madeira 
se  ter  propagado  nas  obras  de  Oviedo  e  Gomara.  É  Vignaud  o  primeiro  a  reconhecer  a  fragilidade  das 
conclusões  da  sua  laboriosa  lese.  Se  os  autores  da  falsificação  foram  os  Colombos.  ccomo  se  explica 
que,  Só  em  1571,  na  edição  italiana  das  Historie  deli  Ammiragiio.  houvesse  sido  utilizada  quando  há 
muito  tinham  morrido  todos  eles?  Se  o  duque  Hercules  dEste  suspeitou,  em  1494.  da  intervenção  de 
Toscanelh  no  descobrimento  das  índias  Ocidentais,  écomo  conciliar  com  estes  factos  a  hipótese  sus- 
tentada de  que  a  correspondência  toscaneliana  foi  só  muito  posteriormente  forjada  para  fins  misle- 
nosos  ? 

A  tese  da  apocrifia  integral  da  correspondência  toscaneliana  (que  testemunha  a  prioridade  do 
conhecimento  português  do  plano  de  Colombo)  não  pôde  prevalecer  sobre  a  prova  documental  que  de- 
põe a  favor  da  autenticidade.  ' 

Se  a  correspondência  de  Toscanelli  não  existiu,  ié.  então,  obra  da  fantasia  de  um  loucol 
Um  grande  homem  que  inventa  uma  correspondência  de  cuio  teor  resulta  que  náo  passou  de  simples 
executor  de  um  plano  alheio,  de  um  descobridor  que  forja  uma  correspondência  em  que  se  esforça  por 
provar  o  conhecimento  anterior  que  do  seu  plano  tivera  a  côrte  portuguesa,  de  um  ambicioso  que  se 
dedica  a  reduzir  voluntáriamente  a  própria  glória -eis  o  tríplice  absurdo  a  que  conduz  a  tese  da  aoo- 
crifia.  *^ 

A  análise  do  historiador  Vignaud  patenteia  as  viciações  que  sofreu  a  correspondência  de  Tos- 
canelli, mas  não  prova  que  essa  correspondência  tenha  sido  inventada  pelos  biógrafos  e  herdeiros  de 
Colombo. 


lUANDO  Colombo  expoz  a  D.  )oão  II  o  seu  projecto,  oito  anos  haviam  decorrido  desde 
que  Toscanelli  comunicára  à  Ccróa  de  Portugal  o  mesmo  plano.  Desde  1474  a  1492,  as 
expedições  para  o  ocidente,  de  iniciativa  particular,  tinham  continuado;  mas  nem  Fer- 
não Teles,  nem  Fernão  Domingues  do  Arco,  nem  Fernão  d  Ulmo.  nem  ]oào  Afonso  do 
Estreito,  nos  seus  pedidos  de  doação  de  ilhas  e  terra  firme,  mencionam  a  índia  ou 
deixam  sequer  de  leve  suspeitar  a  crença  de  que  as  terras  demandadas  pertençam  ao  continente  asiá- 
tico, não  obstante  a  concepção  da  esferoícidade  da  terra  permitir  essa  credulidade.  Há  só  um  meio  de 
justificar  a  ausência  de  referências  às  ilhas  asiáticas:  a  sciência  de  que  entre  a  Europa  e  a  Ásia  se  in- 
tercalavam outras  terras,  essas  mesmas  aonde  os  Escandinavos  tinham  aporiado  desde  o  século  X  com 
as  expedições  de  Gunnbjorn  e  de  Erico,  o  Ruivo,  que  o  Zeni  e  o  polaco  )oão  de  Szkolny  haviam  já 
porventura  visitado,  levados  no  sôpro  irresistível  dos  ventos  tempestuosos;  aquelas  mesmas  terras  que 

XCV 


Introdução 


*un  uecino  de  la  isla  de  la  Madera,  el  a/lo  de  1484,  pidio  at  Rey  de  Portugal  licencia  par.t  ir  descu- 
brír,.  que  juraba  que  ueiã  cada  atio  y  siempre  de  uma  manera*. 

A  carta  de  Toscanclli  ao  cónego  Fernão  Roriz,  conhecida  através  da  cópia,  presumf- 
vetmcnle  alterada,  da  redacção  primitiva,  feita  pelo  próprio  punho  de  Colombo,  coniinúa  incorpo- 
rada no  processo  histórico  das  navegaç&es  portuguesas,  conservando  a  significação  da  prioridade 
do  conhecimento  português  do  plano  de  Toscanelli,  renovado  por  Colombo  o  Monetário,  e  rcve* 


lando  a  origem  experi- 
mental do  seu  tríplice 
repúdio,  fundado  no 
conhecimento  da  invia- 
bilidade de  se  atingir 
a  fndia  pelo  poente. 
Êsse  repúdio  não  im 
plica,  poróm,  de  modo 
algum,  a  incredulidade 
na  eKistèncía  de  outras 
terras  no  Ocidente,  pa 
ra  lá  dos  Acòres,  pois 
não  só  essas  terras 
eram  motivo  de  navega- 
ções, como  de  doações. 

Todos  os  historia- 
dores que  se  ocuparam 
da  correspondência  de 
Toscaneili  e  dela  extraí- 
ram conclusões,  como 
d'Avezac,  Uzielli,  Lollis, 
Harrissc.  Ruge  e  Vi- 
gnaud.  só  se  ocupam  de 
um  aspecto  do  probie* 
ma,  a  saber:  que  a  au- 
tenticidade dessa  cor- 
respondência concede- 
ria  ao  £ábio  florentino 
a  mais  nobre  parte  da 
glória  colombina.  Ainda 
outra  é  a  conclusilo 
que  poderá  atíngír-se. 


CrUldvIo  Colombo,  cegundo  O  rciralo  do  mu*eu  navil  dc  Madrid, 
atribuído  ■  AniOnio  d*l  Rincon 


:  ;ando  fórj  de  t^da  a 
dúvida  a  preparação  su- 
bsidiária portuguesa  do 
planodcColombo-  pois 
que  êle  próprio  a  cerlifi- 
ca  —  o  que  nos  interessa 
é  salientar  que  a  corres- 
pondência de  Toscanelli 
prova,  acima  de  tudo,  a 
prioridade  portuguesa 
no  conhecimento  do 
plano  de  Colombo,  e 
prova  ainda,  conjeclu- 
ralmenle.  que  êsse  pla- 
no seductor  não  foi 
executado  pela  razão  da 
falta  de  convicção  no 
seu  êxito:  pelo  motivo 
de  que  as  informações 
colhidas  nas  pesquisas 
do  Atlântico  Ocidental 
certificavam  a  inviabi- 
lidade de  se  atingir  a 
fndia  pelo  poente,  o 
que  ficou  demonstrado 
com  a  viagem  de  Co- 
lombo,—que  nâo  pas- 
sou da  Anillia.  iá  ante- 
riormente incorporada 
na  cartografia  quinhen- 
tista. Se  a  distância  dos 
Açôres,  da  Madeira  e 


das  Canárias  h  f:ulia  fosse  a  que  indicava  Toscanelli,  nSo  teriam  ns  esquadras  dos  potentados  orien- 
tais, as  armadas  de  Cathay  c  Cypango  vindo  ã  Europa,  iou  não  haveriam  sido  avistadas  dessas  vi- 
gias semeadas  no  Atlântico?  íNão  tinham  iá  os  navegadores  orientais,  como  revelou  Afonso  de  Al- 
buquerque, na  comunicação  ao  rei,  de  l  de  Abril  de  1512,  (com  que  lhe  enviava  uma  carta  náu- 
tica de  um  piloto  de  }ava.)  atingido  os  litorais  da  Patagónia,  aniecipando-se  aos  europeus  no  conhe- 
cimento do  continente  ulfra-africano  ? 


•  •  • 
• 


IH 


KfTSSifyai  S  factos  apurados  permitem  estabelecer  de  modo  incontroverso  que,  se  Colombo,  tecelão 
e  depois  marinheiro,  nasceu  em  Génova,  o  descobridor  nasceu  em  Portugal. 

Foi  na  convivência  com  os  pilotos  e  cosmógrafos  portugueses;  na  loja  de  car- 
tógrafo e  instrumentos  náuticos  de  seu  irmão  Bartolomeu;  na  Lisboa  do  século  XV,  ma- 
triz dos  navegadores,  verdadeira  capital  geográfica  da  Europa;  no  ambiente  da  epopeia 
maritima  portuguesa;  ouvindo,  depois,  as  narrações  dos  açorianos;  e,  talvez,  como  sus- 
peita Vignaud,  e  como  o  afirmaram  Oviedo.  Gomara.  Acoste,  Benzoni.  Mariana.  Garcilaso  de  la  Vega, 
Torquemada.  Gregório  Garcia.  Pizarro,  e  tantos  outros,  recolhendo  a  confidência  do  anónimo  piloto 

XCVI 


introdução 


(136).  falecido  na  Madeira,  ao  regressar  da  trágica  viagem  à  Antflia  -  que  Cristóvão  Colombo  concebeu  o 
projecto  de  ir  pelo  ocidente  ao  oriente,  convicto  de  que  as  terras  entrevistas  pelos  marinheiros  por- 
tugueses, no  Atlântico  ocidental,  de  onde  as  correntes  e  os  ventos  traziam  canas,  semelhantes  às  da  ín- 
dia, troncos  de  árvores  desconhecidas  e  cadáveres  de  íeições  estranhas,  eram  os  arquipélagos  asiáticos 
de  Marco  Polo. 

Até  à  chegada  a  Lisboa  presumivelmente  no  fim  de  1476  —  Colombo,  embora  dado  à  vida  do 
mar,  nunca  se  ocupara  de  descobrimentos. 

As  esquadras  italianas  desempenhavam  no  Mediterrâneo  uma  missão  mercantil.  Nem  Génova, 
nem  a  opulenta  Veneza,  no  fim  do  século  KV.  se  dedicavam  aos  descobrimentos  de  terras.  Os  navios 
venezianos  e  genoveses,  que  transpunham  as  colunas  de  Hércules,  faziam  viagens  de  cabotagem  até  ao 
mar  do  Norte.  Os  interesses  comerciais  da  poderosa  república  dos  Doges,  rainha  do  Adriático  —  destro- 
nada no  século  XVI  pelos  portugueses  —  fixavam  os  roteiros  das  esquadras.  Uma  sábia  política,  desde  o 
século  XII,  obtivéra  dos  imperadores  gregos  de  Dyzâncío  privilégios  excepcionais  e  a  concessão  de  múl- 
tiplos portos  de  escala  na  costa  do  Peloponéso,  no  Arquipélago,  no  gôlfo  de  Volo,  nos  Dardanelos  e  no 
Mármara,  que  permitiam  às  galeras  venezianas  atingirem  Constantinopla,  circularem  no  mar  Negro,  vele- 
jarem até  à  Criméa  e  aos  confins  do  mar  de  Azof.  Cândia,  Rhodes  e  Chypre  constituíam,  no  Egeu.  outros 
tantos  portos  de  escala  para  a  penetração  do  Oriente  latino.  Na  costa  da  Syria,  Tyro  era  o  fóco  irra- 
diante e  o  entreposto  do  comércio  veneziano.  Os  seus  mercadores  infiltravam-se,  chegavam  a  Laodícéa. 
a  I3evrouth,  a  Caifa  e  Sidónia,  traficavam  desde  Antiochia  a  Jerusalém,  penetravam  até  Damasco  e  Ba- 
gdad, captavam  em  Alexandria  os  produtos  da  índia  e  da  Arábia,  as  especiarias  preciosas,  o  ruibarbo,  o 
almíscar  do  Thibet,  a  pimenta,  a  canela,  a  noz-moscada,  o  cravo,  a  cânfora,  o  aloés,  o  incenso  arábico, 
as  tâmaras  da  Lybia.  o  sândalo,  a  goma:  todas  as  mercadorias  que  as  caravanas  asiáticas  conduziam 
aos  portos  do  Levante  (137).  Era  èsse  tráfico  opulento  que  os  portugueses,  predecessores  dos  Britânicos 
no  comércio  da  idade  moderna,  cobiçavam  e  que  os  arrojava  para  o  oceano,  à  procura  dos  caminhos 
que  conduziam  aos  países  das  especiarias. 

Havia  mais  de  meio  século  que  o  infante  O.  Henrique  lançara  ao  mar  as  caravelas,  como 
activa  matilha  aquática  à  caça  das  ilhas.  Os  portugueses  iam  gradualmente  erguendo  o  véu  de  mistério 
que  encobria  duas  terças  partes  do  planeta.  Eram  éles  os  reveladores  do  orbe  ignoto,  cuja  audácia  não 
trepidava  ante  a  missão  temerária  de,  embarcados  em  frágeis  naves,  arrostando  contra  o  pavor  das  ten- 
das e  a  fúria  das  tempestades,  procurarem  nos  oceanos  as  terras  desconhecidas  e  traçarem  no  mapa  lí- 
quido os  caminhos  marítimos  inter-continentais.  A  civilização  moderna  é  urdida  sôbre  essa  trama  de  fa- 
çanhas prodigiosas. 


M  Lisboa,  hóspede  do  irmão,  vivendo  na  loja  do  cartógrafo,  no  bairro  da  gente  do  mar—    .i<>mbo  cm 


cujos  restos  ainda  hoje  ostentam  nos  umbrais  das  portas,  como  um  estigma  de  glória, 
as  naus  e  caravelas  esculpidas  no  líoz  — Colombo  vê  entrar  e  sair  no  estuário  as  naves 
aventurosas  que  vão  e  voltam  das  paragens  remótas  da  África  e  dos  arquipélagos  atlân- 
ticos. Ali  convive  com  os  pilotos  e  os  cosmógrafos,  escuta  as  narrações  dos  marinhei- 
ros, é  o  espectador  enlevado  de  um  dos  mais  grandiosos  dramas  que  os  povos  eleitos  representaram 
sõbre  a  terra. 

Lisboa  era.  então,  o  cais  cosmopolita  de  onde  a  Europa  se  projectava  para  o  mundo  desco- 
nhecido. Gente  de  todos  os  países  afluía  à  capital  portuguesa  (138).  Pululavam  os  aventureiros  e  os  mer- 
cadores. As  sciências,  as  artes  e  as  letras  atingiam  o  esplendor,  que  fulguraria  por  todo  um  século  até 


)0000»OOOOOQC 


(136)  É  Garcllaso  de  la  Vega  C|iie,  peli  primeira  vez.  nos  Commenlãhos  Rtslet.  o  Identlllca  com  o  pUôto  de 
Huelva.  Allonso  Sanchez,  dizendo  ter  ouvido  contar  ao  pai  a  tiislórla  do  pilôlo.  alirado  peU  lempesUdc  ia  Anillhat. 

(137)  Une  republique  pUnaennc.  Venizc,  por  Charles  Diehl.  Paris.  1916. 


(138)   Lisboa  conquislára  ji  esM  posição  no  século  XIV.  como  ccrtilica  a  ChroniCM  de  D.  Fernjndo.dt  Femlo 
as  inlormaçõcs  do  cronisia  escreveu  Oliveira  Martins:  *A  alfandega  de  Lisboa  rendia  no  tempo  de  D.  Fernêndo 
de  35  a  40000  dobras  ou,  proximamenfe,  êSO  contos  da  nossa  moeda.  Não  admira  a  exiguidade  da  somma;  vefa-se  antes  neiía 
a  expressão  do  caracter  de  porto-franco  da  Lisboa  de  então.  Com  effeito.  o  mesmo  ehronista  nos  dix  que  um  anno  se  carre- 
garam *12000  toneis  de  vinho,  afora  os  que  levaram  os  njvtos  da  segunda  carregação  em  março:  Muitaa  veie»,  ante  a  ctda- 

u  XCVII 


Lopes.  Com 
de  35  a  40000 


IH>A 


Introdução 


ao  epílogo  do  poema  épico.  £]á  corriam  rumores  entre  a  gente  marítima,  de  que  o  plano  legado  pelo 
Infante  aos  gráo-meslrcs,  seus  sucessores  na  Ordem  de  Cristo,  abrangia  o  contômo  da  Africa  até  ao  mar 
Vermelho  e  ao  gôlfo  Pérsico  ?  Possivelmente  e  do  èxito  do  grandioso  cmpreendimonto  resultaria  para  os 
genoveses,  e  principalmente  para  os  venezianos  —  que  detinham  o  monopólio  do  tráfico  de  mercadorias 
com  o  Oriente,  por  intermédio  do  Egipto  — incalculáveis  prejuízos.  Portugal  avançava  cautamenie  na  exe- 


Ucboa  no  «éculo  XVI  Oravura  «m  cobre  da  cdlfflo  talina  da  obra  d*  Hans  Stadcn  aftbr*  o  Draan  <Francfon  im) 


cuçao  do  projecto  gigantesco,  para  não  alarmar  os  interesses  ameaçados  das  Repúblicas  mediterrâneas, 
tanto  mais  que  os  pilõtos  da  Ligúria  e  do  Adriático,  estabelecidos  em  Lisboa,  e  os  delegados  e  embaixa- 
dores das  cidades  marítimas  italianas  exerciam  uma  hábil  espionagem,  informando-se  com  as  tripulaçCes 
sôbre  os  menores  acontecimentos  marítimos  (139).  Foi  assim  que  Pascuáligo,  Cantino  e  Crelico  obtiveram 


rfr,  havia  400  e  500  '  de  ruTTegscio,  e  msís  100  ou  150  em  S.tcavcm  e  no  Montijo  i  carga  de  sal  e  de  vinho.  8m  frente 

de  Lisboa,  nota  o  (<  a  selva  àcs  navios  era  fstnanha  que  as  barcas  da  outra  banda  não  podiam  cruzar  entre  ellas  e 

ir  (ornar  terra  em  íunivi.  liram  ainda  estes  navios  ãS  barcas  da  marinha  primitiva?  Não;  eram  navios  de  coberta,  da  lota- 
(.10  media  de  lOO  lonfis,  como  então  se  ditia ;  e  perante  os  números  anteriormente  expostos,  parece-me  nSo  ser  exaggerado 
elevar  o  movimento  marilimo  annuat  do  porto  de  250  a  300  mil  toneladas,  tísses  navios  iam  e  vinham  de  Lisboa  para  In- 
glaterra, para  a  Itália,  cru/ando  no  mar  do  Norte  e  no  Mediterrâneo,  levando  os  produclos  agrícolas  nacionaes  e  trazendo- 
tos  e  manufacturas.  Quem  girava  com  rsfe  comtnercio  marítimo?  Eitrangriros  principalmente.  Já  desde  então  se  de- 
I-  .1  o  caracter  cosmopolita  da  nossa  historia.  Lisboa,  diz  rernão  Lopes,  té  grande  cidide  de  muitas  e  desvairadas  gen- 
tes: Havia  ahi  estantes  (residências)  de  muitas  terras  e  muitas  casas  de  cada  nação:  genovezes,  lombardos,  aragonezes, 
marroquinos,  milanezes,  corsos,  biscamhos,  fruindo  privilégios  e  isenções  de  que  os  soberanos  não  eram  avaros*.  Portugal 
nos  Mares,  a  pig.  21. 

(139)  Eri  I4S1-92,  as  Còrte»  de  Évora  observaram  ao  rei  a  conveniinda  de  vigiar  os  florentinos  e  genoveses,  que 
eram  numerosos  em  Lisboa. 


XCVIII 


Introdução 

as  sensacionais  informações  das  suas  cartas,  que  nenhum  cronista,  nesse  tempo,  conseguiu  igualar,  quanto 
mais  suplantar.  O  mapa  anónimo  de  Cantino  aparece-nos  como  o  mais  completo  documento  dessa  sagaz 
espionagem,  que  conta  ainda  no  activo  a  aquisição  da  narrativa,  ctiamada  do  «pilòto  anónimo»,  da  frota 
de  Cabral,  conhecida  geralmente  da  tradução  de  Ramuzio,  mas  que  iá  em  1507  Montalbodo  publicara  nos 
Paesi  nuovamente  refroi/ati  (140), 

No  ano  de  1476.  quando  o  humilde  Colombo,  na  penúria,  vem  esiabclecer-se  em  Portugal  e 
•brigar-se  na  casa  de  Bartolomeu,  o  Tejo  oferecia-llie  o  espectáculo  de  um  acampamento  naval,  fóco  di- 
rigente e  absorvente  das  viagens  oceânicas  e  dos  descobrimentos.  Muito  mais  do  que  Veneza,  rainha  do 
comércio,  Lisboa  era  a  Roma  dos  mares,  séde  de  todos  os  conhecimentos  e  progressos  náuticos  do 
tempo,  a  escola  de  altos  estudos  dos  navegadores.  Nos  estaleiros  da  Ribeira  Nova  trabalhavam  os  mais 
hábeis  construtores  de  navios:  vendiam-se  em  Lisboa  os  melhores  planisférios,  astrolábios  e  quadrantes; 
confecionauam-se  com  mais  perfeição  do  que  em  qualquer  parte  as  cartas  e  porlulanos  iluminados  a 
ouro  e  púrpura;  obtinham-se  as  melhores  cópias  das  obras  astronómicas;  encontravam-se  os  pilotos 
mais  audazes  e  experimentados.  Cosmópolis  marítima,  para  a  segunda  cidade  das  sete  colinas,  aberta  a 
todos  os  estrangeiros,  corriam  os  homens  seduzidos  pelas  viagens,  os  hábeis  pintores  de  planisférios,  os 
aventureiros,  atraídos  pela  cupidez  do  lucro  e  pela  tentação  viril  das  navegações  heróicas.  Embora  pouco 
letrado,  Bartolomeu  tinha  fama  de  hábil  na  confecção  dos  portulanos.  António  Gallo,  secretário  do  Se- 
nado de  Génova,  refere-se  no  De  Nãi/igatione  Columbi  per  inaccessum  Antea  Oceanum  commentarío- 
lus  ao  estabelecimento  do  cartógrafo  genovês  em  Lisboa  e  ao  seu  talento  na  pintura  de  cartas  de  ma- 
rear: tSed  Bartholomeus,  minor  natu.  in  Lusitânia,  demum  U/issipone  consisteraf.  ubi  intentas  qucestui 
tabuUs  pingendis  operam  dcdit.  queis  ad  usum  nauticum;  etc  Agostino  Giustiniani  confirma  ler  sido 
Bartolomeu  quem  ensinou  Colombo  a  desenhar  as  cartas  e  a  iluminar  os  planisférios  (141).  Munôz.  es- 
clarecido por  tantas  informações  concordes,  consídera-o  um  bom  cartógrafo  e  artífice  de  instrumentos 
náuticos.  (142)  Cristóvão  Colombo  cursava  uma  escola  excelente  para  a  missão  de  predestinado.  Traba- 
lhando com  o  compasso  e  o  cálamo  ao  lado  do  irmão  (143)  — que,  mais  de  uma  vez,  nas  horas  de  atri- 
bulação, havia  de  ser  seu  amparo  fiel  -  Cristóvão  Colombo  medita  e  sonha...  Não  parece  impossível, 
antes  se  afigura  provável,  que  nesse  meio  tivesse  oblido  as  primeiras  informações  da  correspondência  de 
Toscanelli  com  um  cónego  da  Sé  de  Lisboa,  pois  geralmente  as  carias  eram  expedidas  por  intermédio 
de  passageiros  e  tripulantes  das  naus.  Mas  a  germinação  do  grande  proiecto.  que  devia  fazer  do  calí- 
grafo  e  cartógrafo  um  descobridor  de  novos  mundos,  não  podia  deixar  de  ser  lenta.  Serão  precisos  o  casa- 
mento e  a  elevação  social  que  de  aí  lhe  proveio;  a  enirada  na  família  de  um  dos  antigos  servidores  do 
Infante;  a  leitura  e  o  esludo  do  espólio  do  donatário  de  Pòrlo  Santo;  a  residência  nos  Açôres  e  as  notí- 
cias colhidas  naquele  posto  avançado  da  conquista  portuguesa  do  Atlântico  ocidental;  as  narrativas  das 
equipagens  das  naus  e  as  informações  reiteradas,  insistentes,  das  ilhas  que,  nos  confins  do  poente,  emer- 
giam do  Atlântico;  o  encontro  providencial  da  Madeira,  que  favorecia  o  predestinado,  cotocando-o  frente 
a  frente  do  anónimo  piloto,  arremessado  pelos  ventos  às  ilhas  misteriosas  do  além. —  para  que.  no  geno- 
vês humilde,  contagiado  pelo  delírio  heróico  em  que  vivia  a  alma  portuguesa,  nascesse  o  descobridor. 
A  cultura  que  o  iluminou,  as  informações  que  o  guiaram,  o  heroísmo  que  o  empolgou  são  portugueses: 
tanto  como  a  sua  mulher,  a  sacrificada  Isabel  Moniz  Perestrêlo,  tanto  como  o  seu  único  filho  legítimo, 
D.  Diogo.  Até  ao  fim  da  vida.  naturalisado  espanhol,  arrastando  os  títulos  platónicos  como  um  outro  Rei 
Lear  da  glória,  vergado  ao  pêso  da  ingratidão.  Colombo  considerará  sempre  Portugal  como  a  escola  In- 
signe onde  os  navegadores  aprenderam  o  caminho  dos  mundos  novos,  desafiando  os  perigos  que  os 
guardavam. 

A  falta  de  confiança  que  o  antigo  pintor  de  planisférios  e  futuro  inventor  da  doutrina  incon- 
gruente da  protuberância  do  planeta  inspirava  aos  conselheiros  do  monarca  português,  aos  cosmógrafos 
e  políticos  da  Junta  dos  Matemáticos,  e  em  geral  a  todos  os  capitães  de  longo  curso,  que  constituíam  a 
plêiada  gloriosa  dos  exploradores  do  Oceano,  era  tanto  mais  iustificada,  quanto  o  seu  plano  e  os  argu- 
mentos em  que  o  fundava  não  ofereciam  novidade  para  o  rei  Impenetrável  e  os  seus  áulicos  eruditos. 


(140)  As  quatro  narrativas  de  Vespúdo  foram  também  remelldas  de  Lisboa  para  a  Lor«na,  cm  1504.  por  Domê- 
nico Benvenuti. 

(141)  Numa  caria  de  1501  aos  Reis  Calólicos  Colombo  agradcda  a  Deu»,  entre  outro»  dons.  o  *ingtnlo  en  Im 
ãníma  y  rnsnos  para  debu/ãr  lã  esfera,  y  en  eUj  las  ciadades,  rios,  montaHa$,  istas  y  puertos,  todo  en  tu  próprio  sitio». 

(142)  Historia  dei  Nuevo  Mundo,  de  Muftoz.  Madrid,  1793. 

(143)  Las  Casas,  liisioria  de  Las  índias,  tomo  t.  pâg.  236:  Algunos  dias  se  sustente  con  la  industria  de  su  buea 
ingenio  y  trabajo  de  sus  manos,  /taciendo  o  pintando  cartas  de  marear,  las  euaies  sabia  muy  bien  hacer,  vendlendolas  a  loa 
navegantes*. 


XCIX 


introdução 


pire  os  quais  *le  nâo  passava,  como  o  descreve  ]oâo  de  Darros,  nas  Décadas,  de  um  *homem  fsfêdor 
êt  glorioso  em  mostrar  suas  habilidades  &  mais  fantástico.  .  .  que  certo  no  que  dizia: 

Colombo  desempenhou  uma  missão  superior  à  sua  condição  social  e  mediana  cultura.  A  fé 
de  um  predestinado,  essa  fé  que  «move  montanhas»,  ainda  uma  vez  revelou  o  poder  onlpotente  na  exis- 
tência dramática  do  antigo  tecelão:  •Christophurus  Cohmbus.  lanarias  de  )anua*. . .  A  biografia  atribuída 
ao  filho  enobrecido  e  erudflo  do  Almirante  tem  o  propósito  de  uma  transfiguração  da  realidade,  exal- 
çando o  herói  do  berço  humilde  ^  altura  da  sua  proeza,  dando-lhe  as  proporções  de  uma  personagem 
lendária.  Mas  se  todo  èsse  estórço  foi  em  pura  perda  para  a  posteridade,  já  desde  Oiustiniani.  com  mais 
motivo  não  conseguiria  iludir  os  contemporâneos.  Desde  que  veio  fixar  se  em  Lisboa,  nos  últimos  anos 
do  reinado  de  D.  Afonso  V,  e  rccolher-se  à  protecção  do  irmão,  eram  notórias  a  humilde  origem  e  a 
cultura  rudimentar  do  imigrado  genovês.  O  seu  casamento  com  D.  Filipa  Moniz,  filha  da  segunda  mulher 
de  Perestrèlo,  neta  de  Gil  Aires  Moniz.  —  que  fôra  escrivão  da  puridade  de  NunAlvares,  — é  um  ponto 
ainda  obscuro  da  sua  biografia.  Até  hoie.  não  se  descobriu  o  assento  dôste  matrimónio,  nem  sequer  o 
do  bapllsmo  do  filho  que  dèle  nasceu.  O  mais  forte  indício  que  possuímos  da  veracidade  daquela  união, 
corroborando  as  informações  de  Las  Casas,  encontramo-lo  no  testamento  de  D.  Diogo  Colombo,  na  pas- 
sagem em  que  se  refere  à  sepultura  da  mâi,  na  capela  da  Piedade,  na  igreja  do  Carmo,  em  Lisboa,  jazigo 
de  sua  linhagem.  Ora.  o  fundador  dessa  capeta,  como  se  !è  na  Chronica  dos  Carmelitas,  de  frei  José 
Pereira  de  SanfAna,  foi  Gil  Aires,  e  os  filhos  dèste,  Vasco  Gil  Moniz,  tio  e  tutor  de  Bartolomeu  Peres- 
frélo.  Diogo  Gil  e  Guiomar  Gil  sustentaram  uma  demanda  para  reivindicar  o  direito  a  serem  sepultados 
na  dita  capela  da  Piedade,  ou  Nossa  Senhora  do  Pranto.  A  êsie  casamento  poderiam  atribuir  se  as  faci- 
lidades que  Colombo  encontrou  para  ser  admitido  à  presença  do  rei.  e  o  conhecimento  da  carta  de 
Toscanelli:  mas  infundem  desconfianças  a  falta  de  noticias  sôbre  quaisquer  diligências  de  Monizes  e 
Peresirélos  om  favor  de  Colombo  e  o  silêncio  obstinado  que  ôle  mantém  acêrca  da  família  nobre  a  que 
conseguiu  ligar-se.  Do  que  se  depreende  dos  seus  biógrafos,  tendo  casado  em  Lisboa  com  D.  Filipa. 
Moniz,  filha  da  viuva  de  Perestrèlo.  D.  Isabel.  Cristóvão  Colombo  acabára  por  ir  viver  nas  terras  do 
cunhado.  Pedro  Corrêa,  na  ilha  de  Pôrlo  Santo,  doada  pelo  infante  D.  Henrique,  em  1  de  Novembro  de 
1446(144).  a  Bartolomeu  Perestrèlo  *por  elle  seer  o  primeiro  que  per  seu  mandado  a  dieta  ylha  pobrou» . . . 

Ês!e  casamento  teria  colocado  Colombo  em  mais  (ntimo  contacto  com  os  navegadores  portu- 
gueses, dando-lhe  ingresso  na  família  de  um  dos  heróis  da  'caualaria  do  oceano»,  criada  pelo  Infante- 
^E  a  êsses  laços  de  parentesco  que  Colombo  terá  devido,  pelo  estimulo  que  êles  trouxeram  à  sua 
ambição,  a  gloriosa  carreira  de  descobridor  da  América?  Talvez;  como  Vespúclo  deveu  à  presença  nas 
expedições  portuguesas  de  I50I  e  1503  a  honra  exorbitante  de  ver  dado  o  seu  nome  ao  novo  conti- 
nente, que  os  vastos  empreendimentos  marítimos  dos  Portugueses  levaram  a  inscrever  no  planisfério. 


O  próprio  Colombo  e  são  o  seu  panegirista  Las  Casas  e  o  biógrafo  das  Historie  deli 
Ammiraglio  que  se  anticipam  aos  reivindicadores  da  preparação  portuguesa  do  descobri- 
mento da  América,  revclando-a  com  numerosos  pormenores.  Desintegrar  a  viagem  colom- 
bina das  viagens  quási  centenárias  dos  navegadores  portugueses,  isso  se  afigura  impos- 
sível, tam  estreitos  são  os  élos  que  a  vinculam  aos  empreendimentos  maritimos  lusitanos. 
Os  arquipélagos  atlânticos,  que  representam  um  papel  essencial  no  futuro  descobrimento  das  Antilhas, 
foram  fixados  ou  reintegrados  no  mapa  do  mundo  pelas  expedições  intrépidas  dos  Portugueses.  Desde 
Humboldl,  os  geógrafos  unànimemente  reconhecem  que  a  revelação  do  conlinentc  ocidental  seria  infali- 
velmente feita  pelos  Portugueses  no  decurso  das  suas  navegações  para  noroeste  e  sudoeste,  se  Colombo 
nào  conseguisse  obter  no  acampamento  de  Granada  o  concurso  de  Fernando  e  Isabel. 

A  sciéncia  náutica  portuguesa  achava  se,  nos  fms  do  século  XV,  aparelhada  com  os  conheci- 
mentos necessários  para  empreender  uma  viagem  como  a  de  Colombo,  totalmente  realizada  no  hemisfério 
norte,  guiada  pela  estrela  polar,  com  a  duração  de  quarenta  e  dois  dias.  assim  distribuídos:  de  Paios  às 
Canárias,  sele  dias;  das  Canárias  à  Guanahani,  trinta  e  cinco  dias. 


(144)   ChuiceUrii  de  D.  Afonso  V.  livro  33.  a  8S. 

c 


1 


Introdução 

n*«nM  n/r''***'*  ^"^  Q"^^*"'^^*  Qaffarel  fá  reconhecia,  referindo-se  ao  legendário 

pínplo  de  Hannon.  que  .ce  voyagc  présenUit  de  toutes  autres  difficulfés  qu-urt  ucf^age  en  Améríauê. 

«  nlTnUWnf  II'  '"""^  ^"3'^  P^°'<''"3      Europa  do  que  geralmenle  se  supõe.  Basta  examinar 

o  planisféno  para  se  constatar  quanto  é  relativamente  estreito  o  palco  marítimo  do  Atlântico  cm  que  se 
STJ./T'u  Colombo.  Comparado  à  extensão  do  Pacífico,  por  cujas  imensas  solidões  o  portu- 
H^^h^fl.  Magalhães  guiou  os  navios  castelhanos,  o  Atlântico  aparece-nos  como  um  mar  interior. 

H.rl  1  "P'"*^^^"'^  "/^  q"3dro  sintético  da  proximidade  a  que  ficam  os  litorais  americanos  dos 
20  2Í  Ut  .íw  !  ^^^l^^^PO  conhecidos.  Do  cabo  Roxo.  próximo  à  Serra  Leôa. 

(20  20  Lat.  N.  - 190  14  Long.)  ao  cabo  de  S.  Roque.  (S-  28'  17"  Lat.  N.-37o  37"  26"  Long)  a  distância  é 

V^r«K  '""V  ^"'"^  '  '  ****  '-"'^  Quilómetros.  O  cabo  Barclay,  na  região  de 

.^'r  Qj^^^^lâ^íl-a.íego  ,o'  Lat.  N..260  48-  Long.)  aproxima-se  tanto  do  cabo  Wralh.  na  Escócia 
(580  39  Lai.  N..70  18'  Long.)  e  de  Stadtland.  na  Noruega  (62»  7*  Lat.  N.).  que  a  distância  entre  estes' 
pontos  e.  respechvamenle.  de  1392  e  1552  quilómetros,  o  que  explica  a  viabilidade  das  navegações 
escandmavas  dos  séculos  X  a  XII.  suficientemente  demonstradas,  a  ponto  de  nâo  permitirem  dúvidas 
sobre  o  descobrimento  e  colonização  da  Groenlândia  e  da  Vinlàndia  pelos  povos  da  Europa  setentrional 
quatro  séculos  anies  que  Colombo  emprcendêsse  a  sua  viagem  às  Antilhas.  Essas  distâncias  interconti- 
nentais apresentavam-se  ainda  sensivelmente  diminuídas  para  os  Portugueses.  Da  foz  do  Tejo  à  Ilha  de 
S  Miguel,  nos  Açôres.  a  distância  é  de  1372  quilómetros.  Da  ilha  do  Corvo,  a  mais  ocidental  do  arqui- 
pélago açoreano,  à  costa  americana,  a  distância  é  de  2.288  quilómetros.  Bartolomeu  Dias.  na  viagem  ao 
cabo  da  Doa  Esperança,  em  1487.  navegou  9.610  quilómetros:  o  quádruplo  da  distância  do  Corvo  ao 
litoral  americano.  De  Lisboa  a  Calecut.  Vasco  da  Gama  navegou  17.612  quilómetros.  Se  compararmos  a 
róta  de  Colombo,  de  4,250  milhas,  com  a  de  Cabral,  que  venceu  11.320  milhas,  no  percurso  de  Belém  à 
India,  verifica-se  que  as  viagens  portuguesas  sSo  muito  mais  extensas  que  as  expedições  colombinas 
R«"P''"'ando  a'9uns  dos  cálculos  reGnidos  por  Humboldt  e  passando  em  revista  os  vestígios 
históricos  das  navegações  no  Atlântico.  Gaffarel  escrevia  em  1869:  <//  se  peut  donc  que  fAt/jntique  j 
été  de  bonne  heure  parcouru  par  de  hardis  maríns,  et  que  que/ques  uns  dentre  eux.  p/us  audacieux 
ou  plus  heureux,  aient  découuert  CAmérique  avant  íépoque  officieile». 

Em  auxilio  das  aproximações  favoráveis  à  passagem  intercontinental  de  alguns  ponto»  litorâ- 
nios  da  Europa,  da  Africa  e  da  América,  vinham  ainda  as  correntes  marítimas,  os  imensos  rios  pelás- 
gicos,  como  o  Guíf  Stream.  que  desempenharam  um  papel  proeminente  nas  expedições  portuguesas  e 
espanholas,  trazendo  às  ilhas  do  Atlântico  os  vestígios  e  avisos  das  terras  americanas.  As  praias  dos 
Açôres  as  correntes  marinhas  lançavam  troncos  dc  arvores  desconhecidas,  pinheiros  e  bambus  gigantes- 
cos (146),  Aqueles  marinheiros,  tam  práticos  em  orientar-se  pelo  vôo  das  aves.  tam  exercitados  no  cálculo 
da  terra  próxima,  que.  pela  côr  das  águas,  a  passagem  fortuita  de  uma  alga  ou  de  umas  hervas  fluctuan 
tes.  anteviam  as  ilhas,  não  poderiam  ficar  insensíveis  às  consecutivas  provas  materiais  da  existência  de 
outros  arquipélagos,  demorando  a  poente,  emergindo  do  tumulto  perene  das  ondas.  Martim  Vicente 
encontrára  por  400  léguas  a  oeste  do  cabo  de  S.  Vicente  •un  pedaço  de  madero  labrado  por  artificio, 
i  à  lo  que  se  juzgaba  non  con  hierro.  de  lo  qual  i  por  haber  ventado  muchos  dias  poniente.  imaginabà 
que  aquel  paio  vénia  de  alguna  isla* . . .  Pedro  Correia,  cunhado  de  Colombo,  vira  também,  nas  proxi- 
midades da  Madeira,  um  madeiro  trabalhado  por  mâo  humana,  vogando  nas  ondas  e  impelido  dos  lados 
do  Ocidente.  Bambus  idênticos  aos  citados  por  Ptolomeu  como  originários  da  índia,  eram  lançados  pelas 
ondas  às  costas  açoreanas  Na  Graciosa  e  no  Faial  o  mar  depositava  troncos  de  arvores  dc  ignorada 
espécie  na  flora  europeia,  verdadeiras  mensagens  das  terras  misteriosas  do  ocidente,  «fn  la  isla  de 
Flores  becho  la  mar  dos  cuerpos  de  hombres  muertos  que  mostraban  tener  las  caras  mui  anchas  i  de 
otro  gosto  que  tenian  los  cbristianos».  No  §  5  da  biografia  paterna.  D.  Fernando  Colon  assinala  que  êsse 
conjunto  de  revelações  materiais  (tantas  vezes  citadas  e  transcritas  das  Historie  deli  Ammiraglio.  da 
Historia  de  ias  índias,  de  Las  Casas,  de  Herrera  e  de  Oviedo)  haviam  poderosamente  concorrido  para 
fortalecer  a  convicção  de  Colombo,  levando-o  a  identificar  com  a  Asia  as  terras  de  oeste. 

Essas  terras  não  eram  uma  miragem  de  Colombo,  pois  tinham  já  sido  motivo  de  doações. 
Ao  seu  encontro  haviam  navegado  as  intemeratas  caravelas  portuguesas.  Colombo  nlo  procurou  sequer 
ocultá-lo.  No  Diário  da  1.^  viagem,  a  9  de  Agosto,  na  ilha  de  Gomera.  êle  *se  acuerda  que.  estando  en 


(145)  Reunel,  Oeographieal  systhfm  ot  Merodotus.  pág.  672.  Qu.itrrradre.  Buletin  de  VAcãdémie  dea  Inscriplionê 
1846.  pág.  382.  Oallarel.  Etudc  sur  h-s  rãpporis  de  rAméwiçue  et  de  1'Ancien  Conlinent  ãvani  Christophe  Colomb.  plg,  ^2.  ' 

(146)  Humboldt  examinou  em  Tenerite  um  Ironco  dc  eedrela  odoratã,  que  fupoz  oriundo  das  Honduras. 

a 


Introdução 

Portugal  el  ano  de  1484.  vino  uno  de  ta  ista  de  la  Madera  aí  Rey  a  le  pedire  una  carabela  para  ir  a 
^ta  herra  que  u,a.  el  cuaí  juraba  que  cada  ano  la  via>...  António  Leme  coniára  também  a  Colombo 
haver  descoberto  três  ilhas  para  as  bandas  ocidentais  dos  Açores... 

Seria  t3o  fastidioso  como  inútil  acompanhar  oar  et  passu  os  historiadores  espanhóis  na  prova 
da  cooperação  portuguesa  no  plano  Colombino,  t  um  fado  admitido  por  todos  os  americanistas  que 
Lolombo  nâo  poderia  ter  concebido  o  seu  projecto  sem  a  anterior  e  prolongada  residência  em  Portugal 
be  os  seus  esforços  se  malograram  em  obter  da  Coroa  portuguesa  os  meios  de  executar  o  plano  de  Tos- 
caríeis foi  lustamente  porque  êsse  plano  não  apresentava  novidade  nem  imediato  interesse  O  abandono 
pelo  Estado  as  iniciativas  particulares  das  expedições  ocidentais  revela  que  os  cosmógrafos  portugueses 
haviam  definitivamente  estabelecido  a  prova  da  impossibilidade  de  se  atingir  a  índia  pelo  poente  e  essa 
persuasão  denota  a  posse  de  conhecimentos  geográficos  exiraordináriamenie  avançados  D  João  II 
recusa  os  serviços  de  Colombo  porque  não  lhe  faltam  ousados  navegadores  para  empreenderem  a  explo- 
ração do  mar  ocidental,  mas  essa  recusa  não  prova  contra  o  conhecimento  das  terras  do  ocidente  pois 
elas  eram  motivo  de  concessões  e  objectivo  de  expedições.  Essa  sciència  ficaria  demonstrada  no  tratado 


ONDUZINDO  até  às  últimas  consequências  a  tése  negativista  da  autenticidade  da  cor- 
respondência toscaneliana,  Vignaud  julgou  descobrir  na  confidência  do  pilôto  falecido 
na  Madeira,  o  misterioso  objectivo  da  fraude  colombina  (147).  Pelo  modo  como  aparece 
integrado  na  História,  êste  episódio  tem  um  sugestivo  aspecto  de  veracidade  mas  está 
longe  de  reunir  as  condições  de  autenticidade  da  carta  de  Toscanelli.  Falsificar  a  carta 
e  o  mapa  de  um  sábio  para  os  sobrepor  à  informação  e  ao  roteiro  de  um  anónimo  pilôto,  não  vemos 
onde  nisso  estivesse  o  mlerésse  de  Colombo,  que  nunca  invocou  publicamente,  enquanto  vivo.  a  direcção 
menlal  de  Toscanelli.  ^ 

...    /'^^  .f^'?í .'^^  P"^**^  emprestada  por  muitos  historiadores  uma  importância 

exorbitante  e  indevida?  Mesmo  admitindo  a  hipótese  de  ser  Português  o  marinheiro  que  regressára  das 
Antilhas,  para  onde  o  impelira  a  tempestade,  êste  facto  só  viria  confirmar,  com  um  novo  depoimento,  a 
suficientemente  provada  participação  e  preparação  portuguesas  no  plano  de  navegar  o  Atlântico,  para  o 
Ocidente,  ao  encontro  da  India.  ^ 

Supõe  se  que  a  história  do  pilôto  remonta  aos  tempos  da  1.*  viagem  e  teria  sido  difundida 
l^la  tnpulaçào  da  esquadra  do  descobrimento,  entre  a  qual  não  era  bemquisto  o  Almirante,  que  dispu- 
fára  mesquinhamente  ao  marinheiro  da  Pinta.  Rodrigo  de  Triana,  as  alvíçaras  de  20.000  maravedis 
promendas  pelos  reis  ao  primeiro  que  assinalasse  terra.  Mas  seria  então  preciso  admitir  que  o  próprio 
Colombo  houvesse  revelado  aos  Pinzon.  ou  a  qualquer  outro  dos  companheiros  da  expedição,  que  a  sua 
proeza  se  limitava  a  percorrer  a  rota  de  um  precursor:  aquele  pilôto  que  atravessara  o  Atlântico 
r  ln!  ^  •'^"'Pora.s  levado  nas  asas  dos  ventos,  e  que  fòra  morrer  à  Madeira.  legando-lhe.  à  hora 
da  morte,  o  seu  segrêdo.  Sena  necessário  admitir  o  inverosímil 

Oui.rfn^fni^írtr*'  "^^""""f  °  '"«P^esso  onde  é  narrado  o  episódio:  a  Historia  general  de  las  índias, 
t  JZ  ^"^  "°  ^^^^im.  O  historiador  espanhol  só  o  regista  para  lhe 

patentear  a  falsidade  e  a  origem  suspeita.  Las  Casas,  no  capítulo  XIV.  do  Livro  I  da  tUstoria  de  las 

l^^^n""?"^   r  P'*'  ^"^  Espaniola.  quando  a  visitou  em  1502. 

ainda  em  yida  de  Colombo,  que  <los  primeros  que  fueron  a  descobrir  y  poblar  ta  isla  habian  oido  a 
los  naturales  que  poços  afios  antes  que  llegasen  habian  aportado  alli  otros  ttombrcs  blancos  y  barbados 
como  ellosK  Isto  significaria  que  outros  marinheiros  europeus,  antes  dos  espanhóis,  tinham  chegado  às 


(H8)  Op.  df.  Livro  I,  Cap.  I  c  IV. 


CII 


Introdução 

da  lenda  ^,L'>!ÍmT X'Z'"'''f'  P'""'"^^^"  '555.  Oomara  repete  Oviedo,  ma,  aceita  a  veracidade 

V  ofZ  ZZZ        ^    ^  nauegacion.  Otros  uiscaino,  que  contrataba  en  Inglaterra  ^  Lncia 

LTchaoJX  '  í  ^  tolamente  concuerdan  todos  (7)  en  aue 

y  con  la  marca  v  altura  de  las  tierras.  novamente  vistas  e  halladas . . 

 ,     .  singular,  à  medida  que  os  historiadores  se  distanciam  dos  aconlecimentos  mais  oormp 

nores  a,untam  ao  lendário  episódio  do  pilôto  da  Madeira.  Garcilaso  de  la  Vega.  To  uTo  l  Cap  H  da 
ceZ  7r  f  cornn,ent,inos  Reales  ,ue  tratan  de  el  origen  de  los  Incas,  publicados  em  M9  - 
htuln!  ^/^^^^^'V"^'  'í^'  '  "'^Sem  de  Colombo- narra-nos  o  episódio  na  versa-o  definh.la  com  Que 
Se  s  u  oat  oTn  r?'-  '!,-'^°"^'''°  P^í.  durante  a  infância,  e.  mais  tarde  a  amigos 

de  seu  pa.,  que  o  tmham  escutado  da  bôca  dos  tripulantes  da  Santa  Maria,  da  Pinta  e  da  Nifia  Fixando 
para  o  encontro  de  Colombo  com  o  pilôto  o  ano  de  1483  ou  1484  (149).  e  confessando  ser  multo  duvi 
Sanchez  (^^^.j  ^^'""^  P^o-^^el  ser  êle  um  marinheiro  de  Huelva,  chamado  Alonso 

w-         ^-^  5^^^.^*  "«"^  Acosta  (151).  nem  Frutuoso  lhe  mencionam  o 

f  cada  com  IZZ\   T      ^^^f       T  '  Personagem  aparece  conieCuralmente  den." 

ficada  com  Alonso  Sanchez.  Aires  de  Casal,  na  Corographia  Brasílica  (Vol.  I.  pág.  2)  chama-lhe  Francisco 
Fernando  Colombo,  no  cap.  IX.  último  parágrafo,  das  Historie  deli  Ammiragll.  atribui  a  Vicente  Dias 
a  aventura  contada  por  Oviedo.  Tam  pouco  os  historiadores  estão  de  acordo  sobre  qual  a  ilha  em  que 
Shríl'rHp  r  m''!.^'-""^"'"'"  '^"^^^"^  inconsciente,  descobridor  da  América.  Oviedo  hesita  entre 
Cabo  Verde  e  a  Madeira.  Gomara  e  Garcilaso  optam  por  uma  das  ilhas  do  arquipélago  açoreano 
Frutuoso  (Saudades  da  Terra),  Garibay  (Los  XL  libros  dei  compendio  historial  de  las  cTrTnicTy  Z. 
versai  „stona  de  todos  los  reynos  de  Espana).  Mariana  (Historia  general  de  Esparta)  indicam  a  Made"rá 

fr.nMi.  n,2.ír P^''        ^^''"'"''^  'P'^"'^"  Sanchez  como  o  provável  herói  da 

tragédia  marítima,  lança  definitivamente  êste  obscuro  episódio  para  o  Índex  dos  problemas  insolúveis- 
Com  excepção  de  Las  Casas,  que  fixa  a  origem  da  sua  narrativa,  declarando  repelir  o  que  os  primeiros 
colonizadores  da  Haiti  ouviram  dos  naturais  da  ilha.  os  restantes  historiadores  não  autenticam  com 
qualquer  referencia  concreta  as  suas  dramáticas  narrações.  Oviedo,  o  primeiro  de  todos,  registando  o 
episódio,  adverte:  <Para  mi  yo  lo  tengo  por  falso,  é  como  diçe  el  Augustino:  Melius  est  dubitare  de 
ocullis.  quam  htigare  de  incertis». 

A  versão  portuguesa  não  é  melhor  fundada  que  a  versão  espanhola,  conquanto  os  primeiros 
e  mais  idóneos  narradores  admitam  a  hipótese  de  ser  português  o  denunciador  da  existência  da  América 
e  começar  só  em  Garcilaso,  um  século  depois,  a  reivindicação  da  sua  naturalidade  espanhola  O  jesuita 
Manuel  Fialho,  na  Évora  Gloriosa,  impressa  em  Roma.  em  1728.  dá-nos  a  primeira  versão  portuguesa 
circunstanciada  do  misterioso  drama.  O  piloto  chamava-se  Afonso  Sanches,  era  mestre  duma  caravela 
de  Cascais  e  tinha  por  ofício  carregar  assucar  na  Madeira  e  trazê-lo  a  Lisboa.  Fazendo  nesse  ano  de 
1486  (?)  a  costumada  viagem,  uma  tormenta,  apartando-o  do  rumo.  impeliu-o  para  o  poente,  desarvorado, 
por  espaço  de  muitos  dias,  até  que  avistou  terra  e  desembarcou,  para  reparar  o  velame  e  refrescar' 
fazendo  depois  pròa  a  leste  e  regressando  à  Madeira,  onde  chegou  moribundo,  recolhendo-se  na  esta- 


lóslo.  da  vida^de  CoiSmba*  P^^^nd^  ler  sido  em  H86.  data  que  n3o  concorda  com  a  reUdo  crono- 

M»rfriH  ?àJ-  rP^t^-/^  '"'"""'l  "í'  Alonso  Sanchez  de  Huelua.  no  Boletim  da  Real  AcadenUa  de  Hlltorij  d« 

Madrid.  Vol.  XXI.  1892;  D.  José  Ferrer  de  Coulo.  Coton  y  Alonso  Sanchez.  Madrid.  1857.  niwoní,  om 

^«  t.  *í^'íi  Acosta,  I590-/yi5/onj  natural  y  moral  de  las  índias.  Livro  I,  Cap.  XIX:  "Porque  puet  ãssi  sucedia  en  el 
í.fr,t.'.T'í  .  "ostro  tiempo  quando  aquel  mannero  fcuyo  nombre  aun  no  sabemos,  para  que  neíocio  fan  grande  no  li 
VJi  V.Kt  tJÍ  í'.""  *  P?^l  aviendo  por  un  lerrible  importuno  temporal  reconocfdo  el  nuetfo  mundo,  dexo  per  paga 

dei  buen  hospedage  a  Chrislobal  Colon  la  noticia  de  cosa  tan  grande" 


CIU 


Introdução 

Ugem  de  Colombo:  um  genovês  estabelecido  no  Funchal,  que  pintava  cartas  de  marear  e  a  quem  leoára 
por  gratidão,  o  roleiro  da  nova  terra. 

O  hisloriador  Henry  Vignaud  passa  em  revista,  com  a  habitua)  e  rigorosa  minúcia  as  fomes 
espanholas  do  episódio  do  pilôto  da  Madeira  (152),  sem  conseguir  apurar  uma  versáo  com"  visos  de 
autenticidade  indiscutível,  o  que  não  obsta  a  que  persista  na  convicção  da  sua  veracidade,  como  única 
explicação  da  fraude  posterior  das  cartas  de  Toscanelli. 

Preferimos  aceitar  a  versão  plausível  de  Fernando  Colombo,  que  no  Cap.  IX  das  Historie 


referindo-se  à  passagem  de  Oviedo,  rectifica-a,  declarando  que  foi  Vicente  Dias,  um  português  de  Tavir», 
regressando  da  Ou.né  à  Terceira,  com  escala  pela  Madeira,  quem  contára  a  Colombo  ter  avistado  uma 
Ilha  no  rumo  do  poente,  para  onde  o  vento  lhe  impelira,  durante  dias.  o  navio. 

Colombo  nSo  procura  ocultar  as  informações  portuguesas  que  recolhêra  sôbre  a  existência  das 
terras  ocidentais.  Nio  só  as  encontramos  mencionadas  em  seus  biógrafos,  como  no  Diário,  quando  anco- 
rado em  Comera,  nas  Caninas.  Colombo  recorda  que  um  homem  viéra  da  Madeira,  em  1484  pedir  ao 
rei  de  Portugal  uma  caravela,  para  descobrir  uma  ilha  que  descobrira  e  que  jurava  ver  cada  ano  sempre 
na  mesma  direcçio.  llsia  bem  pôde  ser  a  origem  da  lenda  do  pilôio.  acrescentada  pelos  tripulantes  da 
expedição  com  a  noticia  do  misterioso  portulano-io  de  Toscanelli  ?- por  que  se  guiava  Colombo  e 
cuia  procedência  nunca  revelára  aos  próprios  Pinzon. 

Esta  singela  fórmula  de  interpretação  tem  a  vantagem  de  apoiar-se  nos  factos  incontroversos 
e  de  conciliar  as  palavras  tam  significativas  de  Las  Casas:  *esto.  al  ménos.  me  parece  que  sin  algum 
duda  podemos  creer:  que  ó  por  esta  occasión,  ó  por  tas  otras.  ó  por  parte  deltas,  ó  por  todas  juntas 
cuando  él  se  determino,  tan  cierto  iba  de  descubrir  to  que  descubrio  y  bailar  lo  que  halló  como  si 


(IS2)    ToscsneUi  and  Columbus.  C«p.  V. 

CIV 


Introdução 

ZT,''có'Z  TesLZ'Z  T'"'  """""■■■•<'")•        '  -auiçâo  lei,a  a  Colombo,  pelo 

iiwai  aa  (.oroa  ae  tspanha,  no  decurso  da  demanda  de  D.  Diogo,  de  haver  o  almiraniP  rf.«,-„h„rt„  l 

r.„'  „i  f        ""'"í"''  ''«''«"«M).  Nâo  é  preciso  inclu  r  nó  lÔngri  vê márt  da  prep. 

bracL'de  r".?'      """"  o  <"=P°™«"«>  do  P"ó.o  de  Cascais  ou  dfnuelv     aleddo  n« 

do  .ande';:i  =^         ^ní^^  ^d^^  ^ZTl  ^u:^:a«t^;e^rr:^°~ 

a  bciencia  náutica  de  Portugal,  que  transformou  o  tece- 

Ião  num  almirante;  muito  embora  sejam  portuguesas  as 

fontes  em  que  se  inspirou  e  onde  collieu  a  convicção  do 

êxito,  -  admiremos  a  fé  sublime.!  tam  portuguesa  tam- 
bém! que  impele  as  trés  pequenas  naves,  de  cem.  cin- 

eoenta  e  quarenta  toneladas,  pelas  solidões  imensas  dos 

mares,  Olhe-se  o  planisfério;  meça-se  a  longura  da  der- 
rota, onde  não  há  uma  escala,  um  ponto  de  socorro,  e 

associemo-nos  à  admiração  universal  que  circunda  èste 

crente.  Certamente,  êle  caminha  inspirado  por  um  érro. 

O  que  éle  pensa  ir  descobrir  é  a  opulenta  civilização 

de  Cathay  e  Cypango.  Mas  não  é  a  primeira  vez  que. 

perseguindo  uma  ilusão,  se  alcança  uma  realidade.  O 
destino  condú-lo,  sem  que  o  suspeite  e  jamais  o  saiba, 
a  um  continente  novo,  a  uma  dessas  massas  continentais, 
entrevistas  pelo  génio  de  Cicero  e  de  Séneca,  pela  refle- 
xão de  Macróbio,  pela  sciència  de  Estrabão  e  de  Aris- 
tóteles. Admiremos  em  Colombo  um  dos  gloriosos  discí- 
pulos da  escola  náutica  portuguesa.  Sem  a  sombra  de 
uma  dúvida,  êle  não  é  um  santo.  Tanto  como  a  fé  o 
conduz  a  ambição.  O  contrato  que  firmou  dá-lhe  a  juris- 
dição de  governador  das  terras  descobertas,  nomeia-o 
almirante  do  Atlântico  ocidental  e  garante-lhe  quinhão 
considerável  na  partilha  dos  lucros  fabulosos.  Como  se 
lôra  pouco,  Colombo  ainda  extorque  por  avidez  a  um 
pobre  marinheiro  as  alvíçaras.  prometidas  pelos  reis  ao 
primeiro  que  enxergasse  a  (erra  procurada!  A  sua  con- 
duta não  lem,  não  podia  ler,  a  grandiosa  solenidade,  o 
desinteresse  patriótico  de  um  D.  Francisco  de  Almeida, 
de  um  Duarte  Pacheco,  de  um  Pedro  Alvares  Cabral 

de  um  Afonso  de  Albuquerque,  de  um  D.  ]o.io  de'  Castro.  Logo.  à  míngua  de  ouro  se  apodéra 
de  maturas  humanas  e  m.c.a  a  escravatura  na  América.  O  sangue  corre  logo  no  primeiro  contacrdot 
civilizados  com  os  bárbaros.  Empolga-o  a  cobiça  do  metal  precioso.  As  páginas  do  seu  D.ér  o  TmX 
decem  no  confronto  com  a  narrat.va  do  escrivão  Caminha.  Não  esqueçamos,  porém,  que  a  sua  fortuna 
-i  am  brevel-era  o  resultado  de  uma  obstinação  formidável,  de  uma  luta  emocionante  contra  a  des 
ventura  de  incalculáveis  vic.ssKudes  e  sacrifícios.  Êle.  realmente,  inaugura  uma  nova  éra  na  história  da 
humanidade.  E  um  escolhido  do  Destino.  Veneremos  a  sua  memória  e  vejamos  na  sua  façanha  um  novo 
certificado  da  sciencia  náutica  lusitana,  pois  era  ela  que  ia  ao  leme  da  Sanfa  Maria,  da  Pinta  e  da 
Niria.  guiando  os  nautas  sobre  os  abismos  oceânicos  e  conduzindo-os  à  imortalidade 

Acabou  por  se  reconhecer  que  aquelas  Antílias.  aonde  fora  Colombo,  faziam  parle  de  um 
novo  continente  A  prioridade  desse  conhecimento  é  uma  das  maiores  glórias  da  gente  lusitana,  herdada 
por  sua  descendência  na  America.  Apagada  a  denominação  sobreposta  e  errónea  de  índias  Ocidentais 
reapareceu  e  sobreviveu  a  nomenclatura  cartográfica,  com  que  sempre  as  designaram  os  Portugueses* 


a  fni^/a  ae  Colombo.  Pac.«lmll«  de  uma  flravur>  «m  mm- 
dcira  de  nn,  da  cdl^lo  da  Epiitoim  Chriiloft  Colon  cul 
eUt  notU»  mutto  dabtt :  d»  $ntullt  indlc  taprm  «tnçtm  no- 
P9r  /avnllê....  dirisida  a  RaUal  Sanctiai.  Ictouralro  da 
ral  O.  Fernando,  d*  Caaiela,  «  traduilda  para  o  latim 
por  Leandro  da  Cotco. 


<IS3)   Op.  dl.  pág.  106. 

(154)   NAvarrele.  Coiec.  Viages.  etc.  VoL  III,  Prob*nz*§  det  Pt$e*l. 


OJ 


Introdução 


Mas  não  só  no  arquipélago,  onde  Colombo  desfraldou  o  estandarte  de  Castela  e  Aragão,  ficou  o  nome 
da  AnMIia,  afinado  como  uma  reivindicarão.  No  extrêmo  norte,  o  do  Lavrador;  no  extrémo  sul,  o  de  Ma- 
galhães—são marcos  eternos  que  atestam  a  lide  dos  nautas  lusitanos,  antepassados  dos  Brasileiros, 
pelos  mares  americanos.  Enquanto  èsses  nomes  perdurarem  como  sentinelas  da  glória  de  Portugal 
nos  dois  hemisférios,  e.  peto  grandioso  espaço  de  seis  mil  e  seiscentos  quilómetros  de  litorais  do  Novo 
Mundo,  um  gigantesco  império  de  nome  português  mantiver  entre  os  povos  da  terra,  como  sua  língua, 
o  mesmo  idioma  em  que  rezou  Nun'Alvares  e  escreveu  LuEs  de  Camões,  será  impossível  excluir  os  desco- 
brimentos da  América  do  ciclo  épico  das  navegações  portuguesas,  em  que  se  integra  o  próprio  Colombo, 
discípulo  daquela  escola  náutica  de  onde  saíram  os  reveladores  das  regiões  incógnitas  da  terra  ()55X 

ATADA  de  14  de  ]ulho  de  1493,  (quatro  meses  e  oito  dias  depois  da  chegada  de  Colombo 
a  Lisboa,  de  regresso  da  expedirão  que  partira  de  Paios  a  3  de  Agosto  do  ano  anterior, 
e  quando  ainda  nào  havia  disso  sciència  na  Alemanha)  a  carta  do  dr.  Jerónimo  Míinz- 
meister.  de  Nurembérgia.  foi  incorporada  nas  edições  portuguesas  do  Tratado  da  Esphe- 
ra  (156),  de  Sacrobosco:  volume  de  40  páginas,  ornadas  de  32  toscas  gravuras,  que  con- 
stituía o  livro,  por  assim  dizer  escolar,  dos  marinheiros  portugueses,  resumindo  elementarmente  a  sciência 
contemporânea  da  astronomia,  segundo  a  concepção  piolomaica.  Da  primeira  tradução  portuguesa  do 
original  latino  de  Sacrobosco  são  conhecidas  duas  edições  (exemplares  de  Mogúncia  e  de  Évora),  tendo 
o  insigne  matemático  Pedro  Nunes  publicado  uma  terceira,  aumentada  com  cinco  capítulos,  ou  tratados, 
em  1537  (Lisboa,  Germão  Galhardc,  impressor).  O  confronto  analítico  das  duas  edições,  a  que  procedeu 
Joaquim  Densaúde  (157),  revelou  no  exemplar  de  Évora  evidente  superioridade  de  conhecimentos  e  de 
método  expositivo  sòbre  o  exemplar  de  Mogúncia,  o  que  permite  assinalar,  como  anterior  à  de  Évora, 
esta  edição,  que  Hartig  iá  considera,  «pelo  aspecto  e  conteúdo>,  uma  reimpressão  mal  cuidada,  denun- 
ciadora de  um  trabalho  urgente.  Que  o  exemplar  português  do  Tratado  da  £sphera  da  biblioteca  bávara, 
impresso  em  Lisboa  por  Herman  de  Campos,  seia  anterior  a  1512.  e  que  a  data,  fixada  por  Luciano 
Cordeiro  para  o  exemplar  de  Évora  (1519-20)  pareça  incerta  e  possa  ser  antecipada  com  verosimilhança, 
são  circunstâncias  que  nada  influem  na  significação  histórica  que  assume  a  incorporação,  nas  duas  edi- 
ções do  Tratado,  da  carta  de  Monetário  (158). 

£  Quais  podiam  ser  os  motivos  que  aconselharam  a  inclusão  dèsse  documento  em  um  livro 
oficial,  destinado  ao  ensino  rudimentar  da  astronomia,  aplicada  à  navegação? 

Na  data  provável  em  que  a  missiva  do  dr.  Monetário  foi  incluída  pela  primeira  vez  no  Tra- 
tado da  Eòphera,  *tirada  de  lati  cn  liguajen  por  mestre  aluaro  da  torre  mestre  em  theologia  da  ordem 
de  sam  domingos  pregador  do  dicto  senhor  rej/»,  a  prctenção  colombina  do  descobrimento  dos  arquipé- 
lagos asiáticos  nào  sofrera  ainda  uma  solene  e  universal  contestação.  D.  loão  II  morrera  a  25  de  Outu- 
bro de  1495.  O  Tratado  de  Tordesilhas  fòra  assinado  a  7  de  Junho  do  ano  anterior,  instituindo  o  meri- 
diano de  demarcação,  que  abandonava  definitivamente  e  baldadamente  à  Espanha  o  caminho  da  fndia 

(155)  Prinrl|>Jis  trabalhos  do  histori.'tdor  Henry  Vlgnaud,  dedicados  à  quesiSo  da  correspondência  toscaneliana: 
Lã  lettrc  et  la  cjrle  ■  7f,  Paris.  \90l  ;  sttr  V.-ulhcnticití  dc  la  letire  de  Toscanelli  dc  25  Juin  apresen- 
tada ao  Concjrcsso  In  do»  AmcriCJnit:  L-dida  das  rcsposlas  a  Q.  UzíeIH,  Hermann  Wagner  c  L.  Gallois.  Paris, 
1902;  r-  and  loluiiiliuí..  Londres,  1902;  iúnti.  Carias  a  Sir  tiements  R,  Maritham  e  a  C.  Raymond  DeazUy.  Londres, 
1903;  /(/.  .1.1  de  Sir  Clcments  R,  Markham  e  resposta.  Londres.  1903;  L.i  route  de  Indes  cl  les  mdicãtions  que  Toscanelli 
suratt  Ijurriif}.  ,(  Colomb.  carl.i  ao  dr.  )ules  Mces  e  dr.  Soptius  Ruge.  Paris.  1903,  Sophus  Ruge  el  ses  vues  sur  Cotomb,  no 
«Journal  dc  la  Socieie  des  Américanistes»,  vol.  III.  n.*  I;  Hisloire  Cnttque  de  la  grande  entrepnse  de  Cotomb,  Paris.  1911. 

(156)  « Tractado  da  Sptiera  do  mundo  íyrada  de  lalim  em  li/guoagem  com  ha  caria  que  hun  grande  doulor  aleiman 
mandou  ao  rey  de  putlugalt  dom  Joham  el  seyudo*.  (Incunábulo  da  Blbiioleca  Real  de  Munich).  'impresso  em  ha  cidade  dt 
Lixboa  por  hermão  de  Campos  com  graça  e  prwilegio* . . . 

A  úliima  InscriçAo  do  incunábulo  da  Biblioteca  Real  de  Mogúnda  está  incompleta  por  motivo  da  deteriorado  no 
papel  do  Irontiftplcio,  e  foi  reconsiiluida  pelo  perito  em  incunábulos  ibéricos.  Conrad  Haebler. 

(157)  rAstronomie  Nautique  au  Portugal,  ele  Bem,  1912. 

(153)  No  seu  estudo  sòbre  As  Tábuas  náuticas  portuguesas  e  o  Almanaeh  Perpetuam  de  Zacuto,  publicado  no 
VoL  IX  do  Boletim  da  Scounda  Classe  da  ^cadcmia  das  Sdénctas  de  Lisboa,  o  dr.  Luciano  Pereira  da  Silva  fixa  o  ano  de 
ISI7  como  o  da  tmpresslo  do  Regimento  de  cvora. 

CVl 


Introdução 

pelo  Ocidente  Prelendeu-se  fazer  acreditar  que  D.  ]oâo  II.  nesse  acôrdo.  que  é  uma  obra  prima  de 
sagacidade,  sufiaente  para  revelar  a  consumada  sciência  política  do  maior  monarca  de  Portugal  foi  ven- 
cido. Apreciada  a  solução  com  qualrocenlos  e  vinte  e  seis  anos  de  intervalo,  èsse  iufzo  erróneo  tem  um 
aspecto  de  pálida  veracidade.  Mas  não  é  com  o  critério  actual  do  valor  da  América  que  pôde  emitir-se 
opinião  sôbre  um  documento  do  fim  do  século  XV.  Em  1494,  V/asco  da  Gama  nào  partira  para  a  índia- 
Cristóvão  Colombo  ainda  proclamava  urbi  et  orbi  que  as  caravelas  e  os  galeões  espanhóis  navegavam 
nas  aguas  de  Cypango  e  Cathay.  nas  proximidades  das  regiões  dos  aromáticos  e  das  especiarias 
U.  ]oào  II  sabia,  porém,  que  o  caminho  da  índia,  desde  a  viagem  marítima  de  Bartolomeu  Dias  (1487.88) 
e  da  viagem  terrestre  de  Pero  da  Covilhã,  estava  achado  pelo  Oriente,  e  teria  motivos  para  calcular  que 
entre  a  Espanha  e  o  seu  objectivo  ambicioso  se  intercalavam  a  Ocidente  terras  extensas  O  fito  econó* 
mico  e  político  dos  descobrimentos  era  a  índia,  só  a  índia.  Terras  novas  e  imensas  já  Portugal  desco- 
brira e  submetera  ao  seu  domínio  na  África.  Eram  o  Oriente  das  especiarias,  a  civilização  e  a  riqueza 
asiáticas,  o  manancial  da  fortuna  veneziana,  as  terras  opulentas  aonde  já  Salomão  mandara  buscar  as 
pérolas  e  as  sedas,  que  a  Espanha  e  Portugal  procuravam,  em  competição,  atingir.  D.  João  II  abando- 
nando  a  Espanha  o  falso  caminho  do  Ocidente,  reconquistara  o  monopólio  da  róta  do  Oriente  Fôra  uma 
grande  vitória  diplomática.  A  carta  do  dr.  Monetário,  incluida  no  Tratado  da  Esphera.  proclama  que 
Portugal  desistiu  consciente  e  voluntáriamente  de  ir  à  índia,  navegando  no  hemisfério  norte  para  o 
poente,  d  Porque  desistiu?  £  Porque.  Irés  vezes,  que  se  saiba,  opôs  objecções  a  um  plano,  apresentado 
sucessivamente  por  Toscanelli  (1474).  por  Colombo  (1484),  e  por  Monetário  (1493)?  Da  primeira  e  segunda 
vez.  ainda  se  poderia,  com  o  desconhecimento  dos  factos  e  indícios  averiguados,  explicar  a  recusa  pelo 
lemor  de  avançar  demais  pelo  mar  dentro -e  já  se  mostrou  o  que  vale  e  que  crédito  pôde  merecer  esta 
mesquinha  interpretação,  que  profana  as  memórias  de  uma  legião  de  heróis  e  de  sábios,  t  Mas  como 
explicar  a  terceira  recusa,  quando  já  Colombo  regressára  triunfante,  das  ilhas  maravilhosas,  onde  encon- 
trara... cambais,  e  que  èle  afiançava,  convictamente,  serem  as  ilhas  anteriores  e  adjacentes  à  opulenta 
Cypango.  de  Marco  Polo? 

Em  1474,  no  preciso  momento  em  que  D.  João.  ainda  em  vida  do  pai,  idealista  e  cavalheiresco, 
assume  a  administração  colonial  do  reino,  quando  Toscanelli  aconselha  a  róta  do  Ocidente  para  as 
índias,  nenhum  obstáculo,  nem  mesmo  a  próxima  guerra  com  Castela,  embaraçava  êsse  empreendimento. 
?Porque  não  é  executado?  As  vantagens  pareciam  imensas:  iquási  metade  do  caminho!  ieconomia 
enorme  de  custo  e  de  tempo!  Colombo  baseava-se  sôbre  a  distância  calculada  em  I.ISO  léguas  entre  as 
Canárias  e  Cypango.  ou  1.350  léguas  de  Lisboa,  ou  950  léguas  dos  Açôres(I59).  lEra  aos  navegadores 
que  tinham  percorrido  os  2.833  quilómetros  que  separam  o  estuário  do  Tejo  da  ilha  de  S.  Tiago  de 
Cabo  Verde,  que  se  atribuía  o  lemor  de  navegar  em  linha  recta  as  950  léguas  que.  no  mapa  de  Tosca- 
nelli. separavam  os  Açóres  de  Cathay!  O  argumento  é  de  insólita  ridicularia.  principalmente  quando  nos 
lembramos  de  que.  em  1488.  Bartolo- 

BTíSfStidíracartaíaHiIou  T^ifrcnímo^monfero  Doiifoi 
alcmí  Dacioaoe  Knoíúberd;flcm  íZHoiwnbaQo  ítreutlT» 
woíftc^-Dó  '^Q\?m\po  fcgúDo  oeportufjal.^bK  \?o  ocT 
cobamíto  co  rrar  Oceano  *i  pouln^i3  oo  gram  /Cam  oe 
^Tata? tfraoa oc  lanm  em  lingoa3cmpo2  mertrí  Siuaro 
oa  ca:rc;ine(lrc  rni  \\?  olo^ia  oa  o«H3n  oc  fjm  oo.Tingo* 
p2egaoo2  00  oiro  ^\poi  iRce*:-  •* 


meu  Dias  atingiu  o  Cabo  da  Doa  Es 
perança  (quatro  anos  antes  da  expedi 
çâo  de  Colombo),  a  7.896  quilómetros 
de  Lisboa. 

Mas  se  não  foi  o  temor  do 
Atlântico,  c  podia  ter  sido  o  receio  de 
Castela?  A  situação  financeira  e  naval 
da  Espanha,  em  1492.  pôde  aferir-se 
por  estes  factos  incontroversos:  O  te- 
souro real  estava  vasio.  Luis  de  Sant- 
'Angel  adianiára  à  Rainha  5.300  duca- 
dos para  o  armamento  da  fróta  de  Co- 
lombo. Martin  Alonso  Pínzon  auxiliára 
com  a  sua  influência  o  equipamento  da 
expedição.  A  esquadra  que  ia.  com  a 


©  IhtnílTtmo  címricíifllmo.Joliwne  IRo'  oe  ^ 
tugal  *i  ooe  algarues  n  oa  mâuntartia  manuma:  % 
Inoenroi  p?ímef 20  oas  pftwe  foifunaoas  iCono' 

 rifls  oa  maxx^  n  ooe  afoics.  I^fcroninio  mon* 

tario  oouroBaldDáffUf  bumiloofmnte  fcencoiTKnoa.|^.^ 
(U£c  q^e  cflc  {omai  ttcmSk  00  ro-cmlTtmo  Jnfanuoõ^Zln 


Kl 


lULML. 


(159)   Admilindo,  com  a  maioria  dos  malemálicos  e  geóqralos.  aue  as  milhás  do  mana      Totran.iii  •««  a. 


CVII 


Introdução 


tni  tio  que  nuca  pnDoeíhr  a  frabaH»  nem  oefpf  frts  poí  * 
oncobíira  reoonooaoae  ren-ae  pra  lua  ínouííríaftieftc  iri 
outonos  arcc  00  pouos  inarinrroe  oa  Crtnopia  t)o  nur  oc 
wymxc  areeho  trópico  oe  iCapacomo  cófuas  m.rciiounaa 
aílícofrio  ©uiofiráoa  Ocp.irapfoiJ)ifTk,7ira  £ícrauoe'Zou 
firas  CoufaDXomt^oqunhnfíiTitx!  s;in(wae  pera  rrlomio: 
«tnoítmioaoe  '2slc;ii.'2taii4)anrf»ipgram  p:oucrto./£  nan 
pe  Wiuíoa  qiiccnibzcuc  foiípo  os  tv  Kt^jíopin  quafi  befías  em 
wndpança  bum^na  aíicnaoosoo  culro  niuiiio  oiCpTi  pcrlaia 

wnl?ama6Ui3roar  a  rdigianicflit^o 
Ira.iConriDeranoo  cílco  couíie.  iK^aníinIíanoimiicriíTvim 
«ct  oc  ihomdnopqms  conuioar  cua  magcrtaoe  a  bufc^r  aia 
ra  ototfll  oc  catar  "«ip  naiípoíquí  fflnflotclee  confblTa  mi 
WnDoIíurofi-gunoooccdoftmuriDo-etarribéScncano^n 
lo  liurooon nJtut^ee t  ^cm oc  aliaco  caroeal  muf  Irtraoo 
■awflfoaDcr  OUÍTO0  umproa  varóre  ifLÍurccícoscófiníím 
aguo  t>op;inopooooíiei«f  Ip.ibifaiicbferacíKgaDoafajao 
WDo  ocaDcteahíauíl  fam  fmaco  00  defanlea  quea  muf  roa 
flqw  ticftcsooua  (ugawz tantíc aocímaoqueiifo;m£mnl9 
gktm  00  oiiciiíf  as  pMpas  oaa  ilt^au  oos  açoicaSã 
Ji»^  inf&iOoe:po:qafl'r  t»  oiga.-niup  círtos  argumêtoe.pol' 
loíqceocmoarafíuoafcpiouaflqucllj  ma.ir  cm  poucos  oiaa 
IMMcgarfc  contra  ^ataç^ojutal  n  nó  k  rroune  aifh^ano 
oofroíimi  fpmcaa  osqce  Diffrãfoomcnr.-Ijíjaquarmparte 
M  ttira  cOar  Oílhibcrta  ao  maar:':  a  terra  ftgúoo  aa  trco  fiiae 
p3KUQGÍ^^z%iSC»ã  fobÍ3o  iiMrpciquciiatuciifaeqiKpciten 
ctfti  a  pabitaçam  oa  Ifcrra  :ntír0  fc  a  Oe  cren-  a  dpcnoicia 
«píouaucfg  crtojiaoquc  ao  Fm.iginaíóf9fíiTitnllicae.l^oi 
que  CCTfo  íabcre  quç  muptoo  oiiiojoaoos  oflronomoe ;  nc* 
^romm-  fllsiiúiit)abiiaça/n  ocbafio  Doeiropicoe  í  fciii* 
tioc(O6.Ãla0guacecoiifiioíuacr>.irtefmm  vâs  ^fnlfas  ptoa 
«rperítDda.  iHuni  fí^  oiimoa  que  a  tírra  nani  efla  alamw 
ra  fob  niflr.niars  peílo  coiiti\ir!o  |?o  maar  eOa  inwnerlb. 
/E>amoq  a  rcooiiocja  oibuular  ocUa  ,  abonoani  também 


bandeira  de  Espanha,  fundear  nos  por- 
to? de  Cafhay  orienlal,  compunha-se  de 
Irès  pequeno?  navios,  somando  cento 
e  noventa  toneladas,  só  um  dos  quais 
com  coberta  inteira,  e  os  outros  dois 
com  coberta  de  proa  e  pôpa.  A  tripu- 
lação dificilmente  recrutada.  compU' 
nha-se  de  120  homens.  Colombo  co- 
mandava a  5.7/7A7 /í1<Tr;j ;  Martin  Alonso 
Pinzon  a  Pinr,i,  levando  por  piloto  o 
irmão.  Francisco  Martín;  c.  finalmente. 
Vicente  Vafiez  Pinzon  era  o  coman- 
dante da  M/í,7.  Com  propriedade  se 
lhe  poderia  chamar  a  expedição  dos 
Pinzon.  Os  riscos  que  èles  corriam  não 
devem  aquilatar-se  de  tnenores  que  os 
de  Colombo,  e,  embora  tivessem  con- 
tribuído com  a  sua  influência  no  equi- 
pamento da  fróta.  do  êxito  da  aven- 
tura não  podiam  esperar  nem  honras 
nem  glórias.  Estas  todas  iriam  para  o 
genovês  que  ensaiava  por  conta  alheia 
e  benefício  próprio  o  pl.mo  de  Tosca- 
nclli,  considerado  inviável  pela  nação, 
onde  èlo.  Colombo,  aprendèra  experi- 
mentalmente tudo  o  que  sabia...  Esta 
Espanha,  que  assim  modestamente  se 
estreiava  nas  longínquas  descobertas,  e 
que  s6  um  século  mais  tarde  reuniria 
os  cento  e  trinta  navios  da  Invencível 
Armada,  não  podia  Infundir  temor  ao 
grande  político  sôbre  cuja  cabeça  ge- 
nial assentava  a  coroa  portuguesa.  Êle 
sempre  moslrára.  com  energia  terrível, 
e  até  sanguinária,  que  sabia  querer, 
impor  e  mandar.  Na  hora  em  que  Co- 
lombo, «recebido  triunfalmente  cm  ^zi- 


linca  tomaram  parle  H""^hr>M.,  Peschcl.  Rug..  Uzlelli,  D  Avezuc.  Hermann  Wagner  e  H.nry  Vignaud. 

Daco  eomoreo  .dulô  hÍ^;?/ .  f  •    h^.  '  ^  ''J"".'""  °        P"'''^-''^  ài:  atingir  o  oriente  pelo  ocidente,  abrangia  o  es- 

KE  com  ,odt  Ji^Ã  nJ^^^  ° da  Luropa  c  da  Afnca.  ^da  Irlanda  à  Ouinéí  até  às  Imibrias  oncnta.í  da 

26  Moa^õ.  cíí.  um  S*^ao  II,  n.,?*^  """/ "**  «,P*íO  intcrrncdlario.  A  díMincia  de  Lisboa  a  Quinsay  achava-se  div.dida  em 
26  espaços  «d^  "7,''*'"  *^f^2M  milhas,  ./a  q,j.il  audJd  es.  en  /a  proi^mcrj  de  fiUngo.  vecina  de  la  audad  dei  CUayo . . . 

f»con.lit>,irl^TT<."Xi'',r..íl?r^"l\~'^«'l!"'"^  ^  °  ""^P*  "^^       nieridiano»  paraletos  entre  si  ou  convergentes.  Na 

pecon.l,t>ur.lc>  .1,  I  eschel.  •«'uaim.-nte  condciada.  a  pro,ecçio  adoptada  é  Irape/iforme.com  meridianos  convergentes  D-Avezac 

L'!'  '     L«^Í^LV.''1''';°Í™''''''  "«"'"''o  "^t^^-  ToscanUI..  na  Raccolta  Colomb,,na,  e  H.rmann  Wagner. 

o,„  Tnf.?r  «  '"í"^"  *■'">  Pfoiccçâo  plana  graduada,  com  meridianos  e 

i    ,     a      „         ,    I?„?"^  .c  ..?«°«  ''T*""**'  '^^"So      la  d,cha  caria  amucsiran  la  d.sUnciA 

S«o  ■Tos^^nolli  .ue  ik/V^V  ÍJ^r/.íí^^íVí.íX';  ,  1 ' ~  "  "  ^  ^  <> 

terçar»  n,r/i'rf^'"l*,''^f/J!..?'"i"^);  como  l.cou  d.io.      ^.paços  de  240  milhas  cada  um,  equivalentes  a  ^quasi  la 

óíobo  LZlXr  !r"i'r«^         c.mro.írsia.  Qd...se  erradamenlo  deduzir  que  o  mapa  iotal  do 

SiSad  X  IMO  "       -"''f»"-  com  os  quais  nào  poderia  obter-se 

um.  d  ,  dos  ^^l^<^^^^^^fl"^J^^j'^  do  globo  ;.,  ,  ,  ui  n\o  úiz  que  os  26  espaços  sSo.  exaclamenie,  a  terça 

Jlmo  .  1;  nVn  \li\^JJri  /  t  '    /'  ^'^"^"^  ^'í'""^'          "  ^^Sncr.  que  Toscanelli  dividia  o  circulo  iX 

íi         '  ^*  espaços  de  5"  cada  um.  que  perfazem  os  360  araus  A  este  rt* suliida      ch.-oa  opia  Aniii*/.  rfi 

carta  a  t  ctaao  Kun..  pois  o  cilculo  da  dislAn.ia  enlre  os  do,s  continentes  íu  unfcrmentc  1 30  gr^uf  Beha^m  oS  re- 

5rre'r  '■'"'■ÍSm^rilíi^^rr-  ^'^"'«■„f «"VSCh.  em  .b07.Vurorp'oblemafse  Jrigin^^ 

firau  de  to      ,  u  espaço  <f  de  2W>  milhas,  diz  a  cana.  de  onde  se  condui  que  o  grau  é  de  M  milhas  em  um  paralelo  ao 

CVIII 


Introdução 


e  a  alguns  índios  escravisados,  a  Espa- 
nha eslava  empenhada  numa  grande  luta 
com  a  França,  por  um  grave  lillgio  de 
fronteiras.  Em  1493,  quando  Behaim  re- 
gressa a  Portugal,  depois  de  uma  ausên- 
cia de  três  anos  na  Alemanha,  portador 
da  carta  do  Dr.  Monetário  a  D.  loSo  II. 


•tÇQoabaftáçaô^rriíílCjae.CfanJlprttârtnbcWPettlUFrfl-  cetona.  (leo).  com  veemente  orgulho 
U09O63c3airrnielhl0  0€fcíágdrn(Mrinm»Su«0CÍ  ?  mesquinhos  da  eKpedl- 

©qiiania  glozia  alcançaraa  íe  fcjcras  fyo  oiiâue  b^bmiá  'i^''"'"**'^  ^  algumas  aves  exóticas 
fir  coutxwoo  eo  teu  onocntc:  t  amUm  quanto  pioucrto  os 
comerooe  tcDaí^iiií^^e  tiiarefaraa  os  U^s  oo  oxíenic  m* 
butanae:-;  twym  voes  os  íhete  marauiíbaooefcfogigarl 
mup  Iditíiknuao  kii  fenI?o:io.5a  tclouuom  poí  grancv  fwm 
cjpc  oeíUonáos-z  Sralicoe  í  qb  íTUitanoaãpolomoBlci*' 

JCom|?og^anOeouqijeOcÍ]f^5fcam-qucn  datada  de  H  de  lulho.  na  qual  o  sábio 

tloequcOdWprOOaiequcpaOcOatíUacftrtflafoçnouarncnU  recomenda  ao  rei  uma  viagem  para 
lílb:OaagranOc3lt>aOe^rulanOQ;<ÍucC02rop02COHatr^^  oeste  (seis  anos  depois  da  expedição  de 
ta9legU0ae.1iaquaIagran0irima  WitaçamOcgvntCOODJlO  Bartolomeu  Dias  e  19  após  a  carta  idén- 
lbll>oaODODUofillI;?OlOOque.í3èfl^eí?cfla<(píDÍ^aC*'  ''^a  de  Paulo  Toscanelli).  Ôle  trás  impli 

barc09leuitarteaiu  cm  íouuoJca  conoDcoRoa  ooirol^ercu  *  —  — '  

Ics^ztoerascambriTire  te  apíejpera  erteíámntwpoi  compa 
nt)cv?oOcputaDOCH)  noflòrep  XH^anmiliiino  i>oía\\?o2tm 
tiat>o  boomío  fihgularnKnie  pcra  cfío  a^^bar.?  ouiroe  mu^« 
co8niarínl;>e^ro0  felxooiee  cjuc  noucgaram  Ija  largura  00 
uar.tOínanoocamintvTweEHjàerooapxapcr  íua  inCHíftrta 
per  <|uac»am£ct>iliiio:o  ^aarolabio  ^ourroBlngait)oe  on« 
fst  nmi  fiio  iion  catim  OBanotara.?  maf  o  naucganama  p;af8 
Oíicival  fob  btía  tcmpcmiifa  rau^  tempcraoa  Oo  aan^z  Domar 
nwvto&infiiiooourgiinwuosfaniptllosquaeôluamarteílaoe  .«  ^  ^  ,  . 

po|-facíbnu^i]i^arec^.caA  re:tZeT"L:sr:Ts^icr'rs 

■C.£  tu  inefinoce  ml  íÇ  tOOatoCOufeo  com  tua  -nounna:    Redonda,  perdia  a  batalha  de  Toro  Uma 

mte  a  vtij)3  eraminaa.  C  po;  lanto  efcreucr  tmviae  couíae  única  causa  explica  e  justifica  a  regeiçâo 

Odtat^íratXlflçeOiraqucmCOTrcquenflmactJCgUfaoca-  por  Portugal  do  piano  de  Toscanelli- 

haJwotOQOpOOerOÍOCOnferueancmíCUpropDrtiocacaba  Colombo  Monetário:  o  conhecimento  ex- 

ÍW>t)0  camml>0  00llfâr  Ó  (CU0CaiiaIIcr2O6  finascdcbSDOCÒ  perimontal  da  sua  inviablHdade.  Para  che- 

imnOJlallOaOe.OaleOCÍnOiÚbergvl  vilIaDcalta^lcmanbíia  gar  a  êste  resultado,  para  atingir  esta 

q|uat02$e  oc  jPuHpo.faUuia  oenul  1  quatiocentoe'2  noucnra 
^treaamioa. 


citamente  à  Coroa  portuguesa  o  convite, 
o  apoio  e  a  aliança  de  Maximiliano,  im- 
perador do  Sacro  Impório  Romano,  pai 
do  futuro  rei  de  Castela  e  Aragão,  Fi- 
lipe de  Brabante,  casado  em  1496  com 
]oana  de  Aragão,  filha  de  Fernando  e 
Isabel,  e  de  cujo  casamento  nasceria  o 
grande  Carlos  V,  imperador  da  Alema- 
nha e  rei  de  Espanha. 

Passára  o  tempo  em  que  um 
rei  imprudente  e  idealista,  último  repre- 


Carta  do  Dr.  lerOnlmo  MonoiArlo,  (Mdnjtmalaiar)  de  NurambArdU.  dirigida  ao 
ral  D.  ]o3o  II  [>ariu:i>l,  daiadi  dc  II  da  )ulhe  d«  l«t>.  a  publicada  no 
TrUaOt  da  Cifffrvra  (atcmplar  da  Évora). 


convicção,  era  indispensável  sondar  o 
Atlântico  para  o  ocidente.  Isto  fizera-se. 

Desde  que,  em  1474,  o  prín- 
cipe D.  loâo  assume  a  administração  co- 
lonial, no  mesmo  ano  em  que  Toscanelli 


escreve  a  carta  ao  cónego  da  Sé  de  Lis- 
boa, as  navegações  para  o  poente,  do  iniciativa  particular,  recomeçam. 

Sem  que  precisemos  dc  proceder  a  novas  indagações  — que  seriam  apenas  de  interêsse  aces- 


N.  do  inSpico      Câncer.  Uzlclli.  atribuindo  ao  gnu  equatonal  a  medida  de  67  2  milhas.  (lund.ido  em  aponlamento»  do  próprio 

3 

Toscanelli)  obtém  j  nprcsentaçjo  do  grau  dc  50  milhas  no  paralelo  de  Lisboa.  Enirelanto,  a  milha  dc  67  2  ao  grju  kvú  uma 

3 

medida  esícndalim-fi  "  .nllna.  nJo  sendo  crivei  que  com  ela  tompuíesse  Toscineltl  um  mapa,  deshnado  aos  m.irinheiro» 
portugueses  .  .  0&  os  chegaram,  porém,  a  um  entendimcnlu  Concordou-sc  cm  que  as  milhas  deviam  ser  romanis,  M 

milhas  por  praii  no  "U        •li*  paralelo  (latiludo  em  que  era  colocada  Lisboa)  produiem.  assim.  74  000  mciios  e  no  gr.iu  equa- 
torial de  67  2  milhas.  100,1^6  2  metros.  Na  realidade,  o  grau  equatorial  mede  111.277.5  metros  c  no  qujdrjgòíiino  paralelo 
3  3 

•5.357.7  metros.  Chega-sc  á  condusJo  de  que.  no  paralelo  de  Lisboa,  a  circunfcríncia  terrestre  era.  pelo  cJIculo  roscancllano 

de  26.610  quilómclros.  O  .iríjumcnlo  mais  forle  conlr.i  ,i  hipolese  da  milha  florentina  consiste  em  que  cada  grau  corresponde- 
ria a  til  077  melros,  ou  stia  um  lotai  dc  'íOa<>3J20  melros  para  a  circunferência  mixima  da  terra:  28S.220  metro»  mais  do  quc 
na  r  Ora,  a  concL-pi.5o  loíicantliã- fotno  a  dc  Monetário,  reduzia  e  nio  ampliava  a  cirxrunfcr^nda  do  globo;  e  tttt 

teu,  >  >e  obtini  com  .i  :idopç.lo  das  i.iillias  romanas 

i\  vantagem  do  cimlnho  por  ocidenk*  era  domonslrada  por  éste  modo: 

Dc  Lisboa  a  Quiitbav  pelo  poente  . . .    130  graus    (26  espaços) 

De  Lisboa  a  Quinsay  pelo  nascente. .   230  graus   (46  cspacos) 

(160)    i  Ú  com  fundado  receio  que  os  historiadores  iioje  repetem  a  Irase  consagrada,  pois  que  no  Dnr.ino  da  mu- 
nicipalidade de  Barcelona,  referente  ao  ano  de  H93,  nem  a  mais  breve  referência  se  encontra  i  iccepclo  de  Colombo  I 


CIX 


Introdução 


tóno  neste  trabalho  -  encontramos  reQnidos  no  volume  comemorativo  do  quarto  Centenário  do  desco- 
brimento da  Aménca.  Alguns  Documentos  da  Torre  do  Tombo,  os  vestígios  sobreviventes,  e  íá  aqui  ci- 
lados,  dessas  sondagens  do  Atlântico  ocidental.  Com  a  data  de  28  de  Janeiro  de  1474  depara-se-nos  a 
pâgmas  38.  a  cana  de  D.  Afonso  V.  fazendo  doação  a  Fernão  Teles  das  ilhas  que  achar  pessoalmente 
ou  por  seus  homens  e  navios  no  mar  oceano,  para  as  povoar,  ^nom  sendo  porem  as  taaes  ylhas  nas  par- 
tes  da  Oumee\  e  declarando  que  o  mesmo  poderá  haver  as  ilhas  Foreiras.  que  adquiriu  por  contrato 
com  Diogo  de  Teive.  o  qual,  iuntamente  com  seu  pai.  João  de  Teive.  as  descobrira  havia  pouco  (Livro 
das  Ilhas.  fl.  5  v.o).  Logo  a  pág.  40.  encontramos  a  carta  de  10  de  Novembro  de  1475.  ampliando  a  doa- 
ção a  Fernão  Teles,  'governador  e  mordomo  moor  da  princesa  minha  muyto  amada  e  prezada  filha  de 
quaesquer  ylhas,  que  achar  per  ssy  e  per  seus  nauios  ou  homens,  que  a  ysso  mande  ou  que  per  'elle 
ãs  uaão  buscar,  com  lanfo  que  nom  seiam  em  os  mares  de  Guinea.  segundo  mays  compridamente  he 
comtheudo  em  a  dita  carta.  £  porque  em  a  dita  carta  nom  declara  de  ylhas  despovoadas,  e  que  o  dito 
temam  Telles  per  ssy  ou  per  outrem  mande  povoar,  e  poderia  ser  que.  em  elle  as  assy  mandando  bus- 
car, seus  navi^os  ou  fenfe  achariam  as  Sete  Cidades  ou  alguuas  outras  i^lhas  poboadas  que  ao  presente 
nom  som  navegadas...  eu  declaro  per  esta  mvnha  carta...  que  me  praaz  que  aja  em  ellas  todo  aquelle 
senhorio  e  sopreolidade  e  poder  em  os  moradores,  e  pêra  eíles  aquelles  mesmos  privillegios  e  liberda- 
des, que  per  a  dita  carta  pêra  os  moradores  das  outras  {/lhas  def/*.  etc... 

l  Dever  se  há  entrever  nos  termos  da  doação  a  lição  de  viagens  anteriores  ou  a  influência  da 
concepção  loscancliana  ?  A  experiência  demonstrára  serem  desertas  todas  as  ilhas  até  ali  achadas  no 
nimo  do  ocidente.  A  generalização  do  facto  experimental  levára  a  considerar  despovoadas  as  ilhas  que 
demorassem  no  mesmo  rumo,  perdidas  no  Atlântico.  Mas  a  tése  de  Toscanelli  faz  admitir  o  descobri- 
mento das  Ilhas  habitadas,  a  oeste:  presumivelmente;  as  ferras  da  Groenlândia,  que  figuravam  no  mapa 
catalão  de  1375.  às  quais  se  refere  a  epístola  de  Monetário:  <d  grande  Ilha  da  Grulanda.  que  corre  por 
costa  ccc  leguoas.  na  quall  ha  grandíssima  habitaçam  de  gente>,  e  a  misteriosa  Aniília,  onde  a  tradição 
localizava,  segundo  se  depreende  da  carta  de  Toscanelli.  as  lendárias  Sete  Cidades. 

Esta  carta  de  doação  tem  um  valor  histórico  documental  e  interpretativo  considerável  Seria 
pueni  admitir  que  D.  Aíonso  V  cercásse  de  tantos  resguardos  um  assunto  alheio  à  realidade  e  legislasse 
sôbre  ele  com  tanta  minúcia.e  absurdo  supor  que  a  um  homem  de  tam  alta  estirpe,  que  o  soberano  confessa 
•tem  tectos  a  mym  em  os  ditos  meus  regnos  tantos  e  tão  ass^^nados  servyços^  se  concedessem  privilé- 
gios em  tenras  que  se  presumisse  não  existirem  ou  aonde  éle  não  diligenciasse  mandar  seus  navios 
O  contrário,  porém,  se  consigna  nesta  passagem  da  carta:  'por  o  dito  Fernam  Telles  teer  vontade  de  as 
mandar  buscar  e  descobrir,  e  cuydar  que  de  serem  achadas  podiam  vyr  gramdes  proveytos  a  meus 
regnos*. 

t  positivo  que  se  procuram  na  imensidade  dos  mares  as  terras  e  ilhas  incógnitas  e  povoadas 
do  Ocidente  — que  haveriam  de  chamar-se.  um  dia,  a  América. 


1'  I 

Ati 

C  t  ...  in 
TO&tANCLLI 


M  1480.  num  dos  artigos  do  tratado,  celebrado  por  D.  Afonso  V  com  Fernando  e  Isabel,  em 
Toledo,  aos  6  de  Março.  Portugal  cede  as  ilhas  Canárias  à  Espanha,  e  obtém  em  troca 
das  ilhas  sáfaras  o  reconhecimento  da  *posesion  casi  posesion  en  que  estan  en  todos  los 
 II  fff^rras,  rrescates  de  Ou/nea,  con  sus  minas  de  oro.  e  quatesquier  oh-as  yslas.  cos- 
tas, tierras.  descubiertas  ã  por  descobrir,  faltadas  &  por  faltar,  yslas  de  la  Madera  Puerto 
Sancto,  &  Desierta.  &  todas  las  yslas  de  los  Açores.  V  islãs  de  las  Flores,  e  asy  las  islãs  de  Cabo  Verde 
e  todas  las  islas  que  agora  tiene  descubiertas.  e  qualesquier  otras  islãs  que  se  faltarem  o  conquirieren 
de  las  yslas  de  Canária  pera  baxo  contra  Gujnea.  porque  todo  lo  que  es  faltado  e  se  fallare  conquerir 
o  descobierto  finca  a  los  dichos  Rey  e  Príncipe  de  Portugal  e  sus  reynos.  tirando  solamente  las  islas 
de  Canária,  a  saber,  Lançarote.  Palma.  Fuerte  Ventura,  la  Gomera.  el  Fierro,  ia  Graciosa,  la  Gran  Caná- 
ria, Tenerife...* 

Êste  inventário  sucinto  do  nascente  império  colonial  português,  em  grande  parte  composto  de 
ilhas  espalhadas  peta  amplidão  oceânica,  como  outras  tantas  esculcas.  «postos  de  escala  e  de  esperança» 
conhrma  a  prioridade  portuguesa  no  descobrimeuto  e  conquista  das  anárias.  e  descerra  nos  a  visão 
CX 


Introdução 


grandiosa  do  programa  de  D.  }oáo  11.  Os  direitos  sôbre  as  terras  a  descobrir  sSo  amplíssimos.  Nâo 
os  negociaria  Portugal  em  troca  de  outras  concessões,  outorgando  o  cerlo  pelo  incerto,  se  nâo  corres- 
pondesse a  assinatura  do  tratado  de  Toledo  ao  período  das  grandes  explorações  do  oceano.  O  herdeiro 
do  Irono  mandava  pesquisar  o  Atlànlico,  de  nascente  a  poente.  O  seu  guante  de  (erro  íá  se  fazia  sentir 
no  govèrno  do  Estado.  Nesse  mesmo  ano  de  1480.  um  mès  depois  da  assinatura  do  tratado  Í6  d'Abril), 
é  expedida  ordem  aos  capitães  dos  navios,  enviados  à  Guiné,  para  capturarem  os  navios  estrangeiros  que 
encontrassem  fóra  dos  limites  marcados  nas  estipulações  da  paz.  e  deitassem  ao  mar  as  tripulações 
(Chanc.  de  D.  Afonso  V.  liv.  32»  fl.  63),  sem  mais  processo. 

Depois  do  discípulo  do  Rei  Artur,  é  o  discípulo  de  Machiauelo  que  vai  reger  os  destinos  da 
nação.  Rodeado  pelos  cavaleiros-cosmógrafos,  formados  na  escola  prática  do  Infante,  no  trono  de  Por- 
tugal está  um  gigante.  A  carta  do  Dr.  Monetário,  de  que  é  portador  Martinho  da  Dohémia.  e  escrita  quando 
ainda  na  Alemanha  se  ignorava  o  regresso  de  Colombo,  repete,  depois  de  um  arrebatado  elogio  ao  so- 
berano, o  plano  e  os  argumentos  de  Toscanelli  (161)-  Ao  passo,  porém,  que  a  exortação  de  Paulo  dei 
P0020  Toscanelli  pôde  ser  considerada  apócrifa  por  um  historiador  da  envergadura  de  Vignaud.  a  exor- 
!ação  de  Hieronvmus  Múnzer,  de  Nurembérgia  (identificado  por  Schmelter  desde  1848)  está  acima  de  to- 
das as  suspeitas.  O  Dr.  Monetário  visitou  Portugal  em  1494  e  deixou  uma  descrição  da  viagem,  em  que 
refere  as  audiências  que  D.  ]oão  II  lhe  concedeu  em  Évora,  no  decurso  do  mès  de  Novembro  daquele 
ano  (162).  A  sua  carta  quási  que  se  poJería  dizer  que  autentica  a  anterior,  mostrando  que  o  plano  tos- 
caneliano  era  uma  concepção  verdadeiramente  transcendental,  fóra  do  alcance  de  um  homem  da  elemen- 
tar cultura  de  Colombo,  e  que  constituía  assunto  privativo  das  cogitações  dos  sábios. 

Miinzmeister  é.  em  Nurembérgia.  o  equivalente  de  Toscanelli  em  Florença,  e  a  sua  missiva  a 
D.  loão  II.  denunciando  que  a  mesma  ideia  do  flotcntino  ocorrera  à  escola  alemá  de  Regiomontano,  pa- 
rece uma  réplica  da  carta  a  Fernão  Roriz.  Em  14  de  lulho  de  1493,  o  sábio  alemão  e  Martinho  da  Dohé- 
mia (que  havia  três  anos  estava  na  Alemanha)  ignoravam  a  partida  e  o  regresso  de  Colombo.  O  Dr.  Mo- 
netário propõe  ao  rei  de  Portugal  o  mesmo  projecto  de  Toscanelli,  recorrendo  aos  mesmos  argumentos, 
inspirados  na  leitura  dos  polígrafos  medievais.  Da  comparação,  iá  feita  por  Harrisse  (163),  das  razões 
alegadas  pelos  sábios  florentino  e  nurembergués  ressalta,  manifesta,  uma  identidade  quási  absoluta,  que 
permitiria  a  suspeita  do  conhecimento  anterior  da  caria  de  Toscanelli  por  Martinho  da  Bohémia.  — com- 
panheiro de  Diogo  Cão  na  segunda  viagem  à  Africa,  armado  cavaleiro  de  Cristo  por  D.  João  II,  genro 
do  1.0  capitão  donatário  das  ilhas  do  Faial  e  Pico,  autor  do  globo  em  que  escrevera  na  legenda  dos 
Açòres:  *pâra  o  poente  está  o  mar  chamado  Oceano,  onde  também  se  nauega  para  mais  longe  do  que 
indica  Ptolomeu*  e  que  é  o  portador  da  epistola  de  Monetário!  Ambos  se  fundam  na  doutrina  das  mes- 
mas autoridades:  Aristóteles.  Séneca,  e  o  Cardeal  Pierre  d"Aillv,  —  que  repete  os  argumentos  de  Rogério 
Bacon. 

Como,  porém,  nenhumas  relações  iámais  existiram  entre  o  sábio  Monetário  e  o  cartógrafo  Co- 
lombo, não  é  possível-  para  os  que  atribuem  ao  descobridor  das  Antilhas  a  falsificação  do  documento 
loscaneliano  —  atribuir-lhe  qualquer  sugestão  próxima  ou  remota  no  convite,  dirigido  pelo  sapiente  ale- 
mão a  D.  loâo  II,  em  nome  do  imperador  Maximíliano.  O  confronto  das  duas  cartas,  de  Toscanelli  e  de 
Monetário,  demonstra,  de  modo  insofismável,  a  identidade  de  opinião  dos  dois  sábios,  e  a  referência  à 
Groenlândia  indica  claramente  que  o  conhecimento  das  terras  ocidentais  nâo  constituía  um  mistério.  Aos 
Portugueses  coubera,  porventura,  apurar  que  essas  terras  se  prolongavam  para  o  sul  das  regiões  árticas, 
como  a  éles  coube,  em  I50I.  antes  de  mais  ninguém,  relacionarem  geográficamente  aquelas  regiões  com 
os  territórios  austrais,  incluídos  na  esfera  de  posse  portuguesa,  criada  pelo  Tratado  de  Tordesilhas. 

É,  precisamente,  depois  de  se  travar  conhecimento  com  a  carta  do  Dr.  Monetário,  que  melhor 
pôde  ajuizar-se  da  autenticidade  da  carta  de  Toscanelli  e  recapitular  as  circunstâncias  em  que  ela  foi 
escrita.  O  cónego  Fernão  Roriz  desempenhou  )unto  do  sábio  de  Florença  a  mesma  acção  de  intermediá- 
rio que  Maninho  da  Bohémia  iunio  do  Dr.  Monetário,  com  a  única  diferença  de  que.  desta  vez,  )á  nâo  é 
o  rei  que  solicita  a  consulta.  Essa  solicitação,  todavia,  justificava-se  plenamente  em  1474. 


•onn  rrTTTTTvrrriTTinnrrv» 

(161)  C(.  loaquim  Dcnsaúde,  CAstronomie  Nautique  au  Portugal,  págs.  162  a  195. 

(162)  Hunstmann  hieronymus  Múnzer,  Bericht  uber  die  Enideckung  der  Guines,  mit  emMtender  Erklirung, 
pelo  Dr.  F.  Kunslmann.  Abhandiung  der  Akademie  der  Wlssenscliallen,  Múnchcn.  Histonche  aawe.  Tomo  7  118SS).  pigs.  2t9 
a  362. 

(163)  Harrisse.  Christoplie  Colomb  devant  {'Histoire,  a  pág.  51. 

CXI 


Introdução 


rmfK  de  Pkolo  dei  Pozzo  Toscanelli  espalhára  se  por  tòda  a  Itália,  onde  Porlugal  man- 
tinha as  mai8  esireilas  relações  politicas,  comerciais  e  eclesiásticas.  Na  Atenas  italiana  o 
(lisc  pulo  do  famoso  Drunelleschi.  o  fonstrulor  do  gnomon  da  catedral  de  Florença  oue 
corrigira  os  pontos  solsticiais.  as  variações  da  eciiplica  e  as  Tábuas  Afonsinas,  passava 
recolhèn,  .Ahr.  ^'n         ""^.'^  geógrafo  do  seu  tempo,  aquele  que  maior  número  de  informações 

V  cõ  s",ar  Toscanelli^  Po'       n  '"'^"'"'^^  portugueses,  i  Porque  mandára  D.  Afonso 

a^^lu7ara?raídn.  '  ^^''^^"^.f^'^^'^"*:^-       ^^^ulo  XV.  era  uma  das  sédes  do  comércio  oriental,  aonde 

vlrdâs  oioL^^t  ^mpreend.menlos  comerciais  e  financeiros  dos  Médicis.  os  mercadores  que  volta- 
^Hn.t  H    PK^  «"'emporâneo  de  Toscanelli.  comentador  de  Veroilio  e 

Í^i^ó  de  Van  r'.^''"""''      ^''"iotecáno  florentino  interrogando  os  estrangeiros  que  habi"v  m  o 

im  O  seu  nroiecto  loZe!  ^7"''  ''"''"'^                                             """"'«^  Asia 

uma  concenc^o  tnm          ^  f    '^''^"'^  ""^  """'"^^  '""^^                «                especiarias  é 

Tear  Sen.l  T          '  ''^  '                                    interpunham  a  oeste  pôde  ex- 

£  as  i  r^^^^^  ^í"^  ^  'Snorância  de  Colombo  confun- 

r^n.nL  n?.      ,    !  arqu.pélagos  asiáticos,  para  que  pudesse  medir-se  em  tôda  a  grandesa 

cu^nr  nl  J  '  ^««'^^^'"•«^      ^"^'«8  motivos  que  tinham  determinado  D.  loão  II  a  re- 

cusar  os  serviços  do  genovês...  ic 

associadas^ao  ""conhJlli^^^^H"  P°^'"9"^sas  das  terras  entrevistas  e  doadas  no  Atlântico  ocidental 
romo  Hcf       ""f'"""^"'»        P^oiecto  de  Toscanelli.  que  .mpeliram  Colombo  à  expediç.io  temerária. 

carda  do  To7r.  .ir"'p  ""To   "°  «-«"í^^  '«^es  da 

S^íieirMonetàrió  "  """'^     '       '''''  ^  '""^^"'^^ 

..cc,  H  °  induziram  a  aconselhar  o  rei  de  Portugal  éle  os  enumera  na  sua  carta 

atestado  de  honra,  passado  pela  sciéncia  do  Renascimento  alemão  à  sciència  náutica  portuguesa  que  di- 
rigia as  armadas  lusitanas,  ampliadoras  do  mundo,  quando  iam 

*âbrindo  aquelles  mares 
Que  geração  alguma  n.lo  abriu* 

CARTA  DO  DR.  MONETÁRIO  (166) 

.^0  sereníssimo  e  inuictissimo  Jo/tanne  rey  de  purtugai  e  dos  aígarues  e  da  mauritania  ma- 
rmma  e  muemtor  primiro  das  jlhas  fortunadas  canárias  da  madeira  e  dos  açores,  hieronimo  moUtario 
doutor  aiemâ  muy  umildosamcnte  se  encomenda,  porque  ate  que  este  louuor  reçebeste  do  serenissimo 
míante  dõ  anrnque  teu  tio  que  nunca  perdoaste  a  trabalho  nem  despesas  pera  descobrir  a  redondeza 
das  terras  e  pera  tua  mdustria  fezeste  tributários  ate  os  pouos  marítimos  da  ethiopia  e  o  mar  de  gui- 
neea  alee  ho  trópico  de  caprícorno  com  suas  mercadurias.  asy  como  ouro:  granas  de  para^^so,  pimenta 
escrauos  e  outras  cousas  com  ho  qual  ingenho  ganhaste  pera  ty  louuor.  immortalidade  e  gloria  e  tam'- 
òen  mu^  gram  proueito.  e  nam  he  duuída  que  em  breue  tempo  os  de  ethiopia  quasi  bestas  em  seme- 
lhança  humana  alienados  do  culto  dfuino,  dispan  per  tua  industria  sua  bestialidade  e  uenham  a  quar- 
dar  a  religtam  cathohca.  Considerando  estas  cousas  Maxlmilfano.  Inultlsslmo  rey  de  Romanos  quis 
conuldar  tua  magestade  a  buscar  a  terra  orlentall  de  catay  muy  rica.  porque  Aristóteles  confessa  em 
fim  do  huro  sequndo  de  ceio  e  mundo,  e  também  Séneca  no  quinto  liuro  dos  naturaaes  e  pedro  de 
altaco  cardeall  muf  letrado  na  sua  jdade  e  outros  muf  muytos  barões  esclaresçidos  confessam  diguo 


n     D  í^"?  comenlárwrt  das  Ororgiras,  dc  Ver^dio.  (IMO).  Undi»o  escreveu:  .f^o  autem  mterfui  ouum  Flortn- 

tiMi  lUos  Psulus  phrsicvs  diligenter  quãt-que  mttrrcgarft:  -"<tr«  immui  quum  riortn- 

(16^)  A  pás       do  IV  Cipílulo.  n*  ediçio  de  1892.  comfinorativa  do  a  *  Centenário  do  descobrimento  da  Amírita. 

ar.nBcHç.lo*"*^  '^'^^^1»  SíTSí/r.'^"  "^^"'""''"'^  '^'^  sunro<Oo  rt..  .^r- viaturas  e  a  ortografia  do  exemplar  de  Évor.. 

f™«.«  a     ^  Dr^Mori-iArio  Uu  .                                                  .  .^ras  de  tiistoriadores  contemporúneos.  O 

WiràucH.Mol  ».  tomo  if^       '  *                           "           '                           "  P*9-        Qn.«crl  e  Haíllfl.  ílStor.sciJi 

CXII 


introdução 


tio  principio  do  oriente  abitauel  seer  achegado  asaz  ao  fim  do  occidente  auitaueU:  sam  sinaes  os  ele- 
fantes que  ha  muytos  aqui  nestes  dous  lugares,  e  também  as  canas  que  ha  tormenta  lança  da  praya 
do  oriente  as  prayas  das  jlhas  dos  açores.  Sam  também  infinidos:  porque  asy  ho  diga:  muy  certos  ar- 
gumentos, pálios  quaes  demonstratiuos  se  proua  aquelle  maar  em  poucoí  diai  nauegarte  contra  catay 
orlentatl.  e  nom  te  trouue  alfragano  e  outros  sem  esperiença.  os  quaes  diserom  soomente  hua  quarta 
parte  da  terra  estar  descuberta  ao  maar.  e  ha  terra  segudo  as  tres  suas  partes  estar  alagada  sob  ho 
maar.  porque  nas  cousas  que  pertençem  a  habitaçam  da  terra  mais  se  a  de  creer  a  esperiença  e  as 
prouaues  estarias  que  as  ymaginaçioôes  fantásticas.  Porque  certo  sabes  que  muitos  autorizados  astró- 
nomos negarom  ser  alguma  habitaçam  debaixo  dos  trópicos  e  equinoçios.  As  quaes  cousas  tu  achaste 
serem  uaSs  e  falsas  por  tua  esperiencia.  nam  seja  duuida  que  a  terra  nam  esta  alagada  sob  ho  mar: 
mais  pello  contrairá  o  maar  estaa  immerso.  Et  ainda  a  redondeza  orbicular  delia.  Abondam  também  a 
ty  as  abastanças  e  riquezas,  e  sam  a  ty  marinheiros  muy  sábios  os  quaes  a  sy  mesmo  deseiam  ganhar 
immortalidade  e  gloria.  O  quanta  gloria  alcançaras,  se  fezeres  o  oriente  habitauell  seer  conhesçido  ao 
teu  ocçidente.  e  também  quanto  proueito  os  commercios  te  daram  que  mais  farás  as  jlhas  do  oriente 
tributarias,  e  muytas  vezes  os  reys  marauilhados  se  sogigaram  muy  teuemente  ao  teu  senhorio.  ]a  te 
louuam  por  grande  príncipe  os  alemãos  e  jtalicos  e  os  rutanos  apolonios  scithos,  e  os  que  moram  de- 
baixo da  seca  estreita  do  polo  artico:  con  ho  grande  duque  de  moscauia.  que  nam  ha  muytos  annos 
que  debaixo  da  sequiedade  da  dieta  estreita  foy  nouamente  sabida  a  grande  Ilha  de  grulanda,  que  corre 
por  costa.  ccc.  leguoas.  na  quall  ha  grandíssima  habitaçam  de  gente  do  dicto  senhorio  do  dicto  senhor 
duque.  Mais  se  esta  espediçam  acabares  aleuantarteam  em  louuores  como  deus:  ou  outro  Hercules,  e 
terás  tam  ben  se  te  apraz  pêra  este  caminho  por  companheiro  deputado  de  nosso  rey  MaxImiHano  ho 
senhor  martlnho  boémio  singularmente  pera  esto  acabar:  e  outros  muy  muytos  marinheiros  sabe- 
dores que  nauegaram  ha  largura  do  maar  tomando  caminho  das  /lhas  dos  açores  por  sua  industria 
per  quadrante  chitindro  e  astrolábio  e  outros  jngenhos:  onde  nem  frio  nem  calma  os  anojara  e  mais 
nauegaram  a  praya  orientall  sob  huua  temperança  muy  temperada  do  aar:  e  do  maar.  muytos  jnfindos 
argumentos  sam  pellos  quaes  tua  magestade  pode  seer  estimada.  Mais  que  aproueita  esporear  a  quem 
corre.  Et  tu  mesmo  es  tall  :  que  todalas  cousas  com  tua  industria  ate  a  unha  examinas,  e  portanto  es- 
creuer  muytas  cousas  desta  cousa  he  jmpedir  a  quem  corre:  que  nam  achegue  ao  cabo.  ho  todo  pode- 
roso conserue  aty  em  teu  propósito  e  acabado  o  caminho  do  maar  de  teus  caualieiros  sejas  celebrado 
com  immortalidade:  vale.  de  numberga  vila  da  alta  alemanha  a.  14.  de  julho:  salutis  de  mill  e  quafro- 
çentos  e  nouenta  e  tres  annos.* 

|eMONSTRADA  a  política  de  mislério.  aplicada  sistemáticamente  pela  Coroa  portuguesa  à 
exploração  das  terras  ocidentais,  ter-se  há  transposto  um  dos  maiores  obstáculos  ergui- 
dos até  hoje  perante  os  historiadores,  que  os  tém  impedido  de  abranger  o  panorama 
histórico  do  sucessivo  e  metódico  reconhecimento  do  litoral  americano  pelas  activas  ar- 
madas de  Portugal. 

Essa  política  de  sigillo  inclui  a  viagem  de  Duarte  Pacheco  Pereira,  em  1498;  outras  misterio- 
sas explorações  na  América  centrai,  de  que  há  vestígios  no  mapa  de  Cantino  (!67);  a  viagem  de  Pedro 
Álvares  Cabral,  em  1500;  a  expedição  do  comando,  atribuído  a  André  Gonçalves,  (168)  Gonçalo  Coelho 
(169)  ou  D.  Nuno  Manuel  (170).  em  1501 ;  a  de  Gonçalo  Coelho,  em  1503;  a  exploração  das  costas  seten- 


I  Oli  l  ULik  I  1  \S 


(167)   Porventura  identificáveis  com  a  referida  no  Esmeraldo. 

(163)  Gaspar  Correa,  nas  Lfnii.is  da  India.  a  pig,  152  do  Vol.  I,  depois  de  contar  cOmo  André  Gonçalves  foi  de 
Porlo  Seguro  mandado  a  Lisboa  com  a  nova  do  dcscobrimenro.  continua:  «  .  .  .tornou  a  El-Rey,  e  houve  muyfo  prazer  e  logo 
armou  navios  em  que  tornou  a  mandar  André  Gonçalues  a  descobrir  esta  terra,  porque  mandou  experimentar  o  pao  t  acha- 
ram que  fazia  muy  fina  côr  vermelha,  com  que  logo  fez  contracto  com  mercadores  que  lhe  comprarão  o  pao  a  peso,  que 
toram  carregar  este  brasil,  de  que  houve  grande  trato.  .  . » 

(169)  Lafileau.  na  Histoire  des  Conquêtes  et  Découverfes  des  Portugals.  a  pág,  134  do  Vol.  I:  *Ayant  apprts  peu 
de  temps  après  la  d&ouverte  du  Brésil.  par  le  relour  du  vaisseau.  que  Cabral  avail  depeché,  il  fit  un  autre  armemení  de  six 
vaisseaux  sous  la  conduite  de  Gonsalvo  Coelho,  pour  alter  en  prendre  une  plus  ample  connaissance  et  une  possession  plus 
assurée». 

Embora  sob  a  rubrica  de  1501,  Lafltcau.  cuidentemcnle.  confunde  com  a  de  1503  a  expedlçSo  de  ISOI. 

(170)  Vamhagen.  na  sua  Historia  Geral  do  Brasil,  (3,«  edtçào,  revista  por  C.  dc  Abreu),  a  pág.  128  do  VoL  I: 
A  capitania  da  nova  frolilha  foi  pelo  rei  D.  Manuel,  segundo  as  conjecturas  mais  admissiueís,  confiada  a  um  dos  seus  favo- 
recidos, D.  Nuno  Manuel,  ao  depois  guarda-mór  e  almolacé-mór  da  sua  casa,  irmSo  do  seu  camareiro-mór  D.  João  Manuel, 
e  ambos  filhí?s  de  D.  João,  bispo  da  Guarda,  e  de  Justa  Rodrigues,  ama  que  tòra  do  mesmo  rei: 

"  CXIII 


Introdução 


trionais  do  Brasil,  em  cujos  mares  leriam  navegado  Joào  Coelho  e  ]oâo  de  Lisboa  (que  deu  o  nome  a 
um  dos  rios  ao  N.  do  Maranhão);  e  a  yiagem  de  1514.  a  que  se  refere  a  narrativa  do  Zeitung  aus  Bre- 
sUig  Landt,  no  decurso  da  qual  )oâo  de  Lisboa  descobriu  o  esruário  do  Praia  (17I). 

A  exposição  que  vimos  desenvolvendo  admite  a  veracidade  da  expedição  referida  por  Duarte 
Pacheco,  no  Esmeraldo  de  Situ  Orbis,  indispensável  à  compreensão  do  desvio  intencional  de  Cabral, 
conduzindo  lógicamenie  à  fone  presunção  de  um  anterior  conhecimento  da  existência  das  terras  da  Amé- 
rica do  Sul.  que  elucidaria  as  reivindicações  de  D.  ]oào  II  e  tôda  a  sua  politica  marítima.  É  êsse  con- 
junlo  de  acontecimentos  que  torna  compreensível  o  enigma  cartográfico  do  planisfério  de  Cantino:  que 
permite  explicar  a  concepção  da  unidade  continental  da  América,  (por  Humboldt  atribuída  a  um  prodígio 
de  adivinhação):  e  que  nos  coloca  perante  a  hipótese  surpreendente  do  conhecimento  português  pre- 
colombino  das  terras  americanas,  permitindo-nos  entrever,  talvez,  os  sólidos  motivos  que  levaram  Por- 
tugal a  despresar  os  conselhos  de  Toscanelli  e  Monetário,  a  recusar  os  oferecimentos  de  Colombo  e  a 
ruH   M     >    perseverar  com  pertinácia  na  róta  do  Oriente,  para  alcançar  as  índias. 

t  '  Os  mesmos  motivos  que  aconselharam  os  historiadores  prudentes  a  suspeitarem  da  viagem  de 

Duarte  Pacheco  (sem  a  qual  esta  página  da  história  do  mundo  se  apresenta  ininteligível)  impuseram-se 
ao  Visconde  de  Santarém  para  duvidar  das  3.»  e  4.»  viagens  de  Vespúcio.  A  análise  da  tése  de  Sanla- 
t  rem.  compendiada  nas  Recherches  hisíoriques.  critiques  et  bibliographiques  sur  Americ  Wespuce  et  ses 

liuio  ifoyages.  constitui  o  mais  convincente  dos  argumentos  em  favor  das  hipóteses  expostas  nesla  Introdução. 

O  conceito  de  Ampère:  «//  uaux  rnieux  présenter  comme  douteux  des  f^iits  réels.  que  da- 
voir  affirmé  des  faits  douteux»  (172),  se  pôde  evitar  precipitações  de  julgamento,  inquinou  a  crítica 
histórica  de  um  negativismo  sistemático.  Aplicando-o  rigorosamente.  Santarém,  no  caso  de  Vespúcio.  como 
Vignaud,  no  caso  de  Toscanelli,  pretenderam  mostrar- nos.  como  plausíveis  falsidades,  verdades  apenas 
obscurecidas. 

Foi  em  1826.  que  D.  Martín  Fernandez  Navarrete,  o  compilador  e  comentador  da  Coíeccion  de 
los  uiages  y  descubrimientos  que  hicieron  por  mar  los  EspaHoíes  desde  fines  dei  sigío  XI/  (173).  con- 
sultou o  Visconde  de  Santarém  sÔbre  as  explorações  que  Vespúcio  afirma  haver  empreendido  por  in- 
cumbência de  Portugal,  concluindo  Santarém  por  admitir  a  inveracidade  dessas  alegações,  e  indo  assim 
ao  encontro  dos  interesses  do  historiador  espanhol,  que  nâo  podia  deixar  de  reconhecer  que  as  cartas 
de  Vespúcio  transferiram  para  Portugal  uma  parte  considerável  das  glórias  marítimas  da  Espanha  no 
Novo  Mundo. 

Respondendo  a  Navarrete.  Santarém  começava  por  informá-lo  de  que  nem  nos  documentos  das 
Chanceílarias  originaes  de  D.  Manuel  (1495  a  1503  indusivé).  nem  nos  82.902  documentos  do  Corpo 
chronohgico.  nem  nos  6.095  documentos  reunidos  no  chamado  Corpo  das  gavetas,  nem  ainda  nos  nu- 
merosos maços  de  cartas  de  reis.  principes  e  outras  personagens,  depositadas  nos  arquivos  reais,  en- 
contrára  menção  ou  vestígio  de  Américo  Vespúcio.  Com  a  sua  proverbial  probidade  de  investigador.  San- 
tarém nâo  limitou  à  Tôrrc  do  Tombo  a  indagação,  pois  notificou  a  Navarrete  que  também  na  colecção 
de  Manuscritos  da  Biblioteca  de  Paris  as  investigações  não  tinham  logrado  encontrar  rastro  de  Vespú- 
cio. Por  consequência,  as  pretensões  do  loquaz  florentino  deviam  ser  encaradas  como  suspeitas  e  ligar-se 
pouca  lé  a  tudo  quanto  èle  narrára  nas  cartas  a  Pedro  Soderini.  traduzidas  e  publicadas  só  em  I8I2 
pela  Academia  Real  das  Sciéncias,  na  Cotlecçâo  de  Noticias  para  seruirem  á  historia  o  á  geograptiia  das 
nações  ultramarinas.  A  opinião  de  Santarém  não  foi  abalada  pela  narração  do  «piloto  anónimo.»  onde 
se  testemunha  que  Pedro  Alvares,  regressando  a  Portugal,  (onde  chegou  no  mes  de  julho  de  1501)  en- 


«  j  j  *  "C^oino  05  hcspanhoes  n,Jo  pretendum  ter  descoberto  o  rio  da  Prata  antes  de  1516.  a  attirmacão  de  Alvaro 
Mendes  de  Vasconcel/os  (sôbre  ã  prioridade  porluguosâ  do  descobrimento)  jpen.is  impliciva  que  a  armada  de  D.  Nuno  viria 
anteriormente.  Que  veio  em  ISI4,  demonstrou  o  recentemente  l<-  Cueblcr,  por  meio  de  uma  copia  manuscripla  d.i  gazeta 
allemS.  encontcida  no  arcliivo  da  família  Fufjger».  Capisirjro  de  Abreu,  cm  noI.i,  a  pág,  I2S,  da  3,^  edição  da  flfíton.!  Geral 
do  Orjíí/  de  Vjmijjgen  A  àa\à  de  IbH  contcre  com  a  Inlormaçâo  de  Gaspar  Correa:  .Partto-se  (Fernão  de  M.igalhães)  das 
Canárias  de  Tananíe  e  fof  demandar  o  Cabo  Verde,  d'onde  atravessou  i  costa  do  fírasil.  e  for  entrar  em  hum  no  ove  se  chama 
Janeiro.  .  .  E  d  aquy  foráo  navegando  at,*  chegarem  ao  cabo  de  Santa  Mana.  que  Joèo  de  Lisboa  descobrira  no  armo  de 
tjl4. . . .  Lendas  da  lndi.t.  Tomo  II,  pág.  628.  E  a  esta  mesma  expediçio  de  ]oào  de  Lisboa  que  se  rclcrc  a  passagem  de 
Herrera:  "tret  cerros  que  pareciam  Islas,  tas  quales  dixo  el  piloto  Cirjvjflo  (Vasco  Saltego  de  Carvalho)  qve  eram  el  cabo 
de  Santa  Mari.i.  que  lo  sabia  por  nlacion  de  Juan  de  Lisboa,  piloto  português,  qve  avia  estado  en  et"  Década  II  Llv  9 
Cap.  10.  Todavia,  desta  viagem  de  Joio  de  Lisboa,  descobridor  do  Rio  da  Praia,  também  nJo  ficaram  noticias  nos  arquivos, 
t  mâlt  uma  expediçio  clandi-stma  a  somar  ài  anteriores;  e  enquanto  alguns  historiadores  pretendem  ler  sido  os  espanhóis 
que  detcobnram  o  brasil  setenlrtonal,  prova-se  que  os  portugueses  alé  descobriram  os  litorais  da  Argentina... 

(!72)  Ampère,  Nistoire  liltéraire  de  lã  France.  Tomo.  1.  Intr. 

(173)   Que  Humboldt  considerou  <uin  dos  monumentos  históricos  dos  tempos  modernos.,  a  p4g.  IS  da  Introdução 
do  cxamen  Critique.  •    r  »  » 

CXIV 


Introdução 

conirára  na  passagem  por  Cabo  Verde  uma  esquadra  de  três  navios,  justamente  aquela  em  que  se 
achava  o  homem  predestinado  a  legar  o  nome  ao  novo  continente. 

Santarém  não  é  fácil  de  convencer.  A  passagem  em  que  se  regista  o  encontro  em  Besene- 
gue  de  Irês  navios,  mandados  a  reconhecer  as  terras  de  Santa  Cruz.  não  a  reputa,  apesar  da  coincidên- 
cia das  datas,  bastante  decisiva,  para  dela  concluir  que  Vespúcio  navegava  na  esquadra.  Todavia,  a  coin- 
cidência é  de  tal  ordem,  que  equivale  a  uma  prova.  <hegamos  ao  Cabo  de  Boa  Esperança,  dia  de  Pas. 
coa  de  flores...  abordamos  na  primeira  terra  junto  com  Cabo  Verde,  que  se  chama  Besenegue  aonde 
acfiamos  tres  nauios  que  eí-rei  de  Portugal  mandara  para  descobrir  a  terra  noua,  que  nós  tínhamos 
achado  quando  htamos  para  Calicut...*  t  uma  afirmação  categórica,  corroborada,  pelo  que  respeita  a 
essa  escala  de  Cabral,  pelos  depoimentos  do  rei  D.  Manuel  na  carta  ao  rei  de  Espanha,  conhecida  na 
tradução  italiana,  publicada  em  Roma,  no  ano  de  1505,  por  mestre  ]oào  de  Dosicken  (  *et  arrivorno  a 
Bezebiche  giunto  con  Capo  Verte...*),  de  ]oào  de  Barros,  de  Damião  de  Góis  e  de  Castanheda  O 
nome  de  Bezebiche.  empregado  por  D.  Manuel,  em  relação  a  um  pôrto  junto  de  Cabo  Verde,  é  aplicado 
à  mesma  localidade  por  Giovanni  da  Empoll.  na  carta  ao  pai.  publicada  no  Archiuo  Storico  Italiano 
(Append..  Tom.  ÍII.  1846.  de  pág.  35  a  pág.  84);  *fummo...  a  uista  dei  Capo  Verde,  chiamato  Bisighicci, 
principio  delf Etiópia  inferiore.  Al  quale  luogo  giunsi  molto  malato  di  grandíssima  febre  e  fui' di  tal 
sorte  aggrauato  delia  mallatia ...  e  navigando  alia  terra  di  Santa  Croce,  chiamata  Brasil,  sanai  dei 
tutto...*  Barros  refere-se  igualmente  ao  pório  de  Bezeguiche,  no  Liv.  VI.  cap.  II  da  Asia.  Imperturbável, 
o  historiador  invoca  Damião  de  Góis  em  auxílio  da  sua  Incredulidade.  1  Pois  é  crível  que  o  mais  ins- 
truído dos  cronistas,  contemporâneo  dessas  viagens,  guarda-mór  do  aquivo  rea!  da  Tòrre  do  Tombo 
desde  1548.  tam  mal  informado  estivesse  sòbre  Vespúcio  e  se  limitasse  a  referir  o  encontro  de  Cabral 
em  Cabo  Verde  com  a  nau  de  Diogo  Dias,  que  se  separara  da  esquadra  no  caminho  da  índia? 

Geralmente  aceites,  hoje.  as  informações  de  Vespúcio  como  fidedignas,  (descontando-lhes  os 
exageros  da  sua  presunção  pedaniesca)  o  argumento  de  Santarém  perdeu  totalmente  o  valor. 

i  E  admissível  que  o  guarda-mór  da  Tòrre  do  Tombo  não  conhecesse  os  livros  c  os  papeis 
de  Américo  Vespúcio,  que  éste  assevera  haver  entregado  ao  rei.  ao  chegar  a  Lisboa?  pregunta  Santa- 
rém. Não  s6  e  possível,  como  também  essa  ignorância  abrange  os  relatórios  de  Cabral  e  dos  capitães 
da  sua  esquadra,  a  carta  de  Caminha,  o  relatório  de  Gonçalo  Coelho  e  o  manuscrito  do  Esmeraldo.  Se 
êsses  documentos  tivessem  sido  manuseados  pelos  cronistas,  outra,  muito  diversa,  haveria  sido  a  narra- 
tiva que  em  todos  lèmos  sóbre  o  descobrimento  de  Vera  Cruz. 

Santarém  confirma-se  nas  suas  dúvidas  com  a  ausência  de  referências  às  viagens  de  Vespú- 
cio, na  correspondência  diplomática  de  Ruy  de  Sande  e  Mendes  de  Vasconcelos.  Essas  referências  não 
podiam  ali  encontrar-se,  tratando  se  de  expedições  cujo  alcance  a  Coroa  portuguesa  tinha  o  maior  inte- 
resse em  conservar  desconhecidas  à  Espanha.  Entretanto,  é  o  próprio  D.  Manuel,  na  carta  ao  rei  de 
Castela,  escrita  em  Março  de  1505  (174),  quem  confirma  a  viagem  de  1501.  Quanto  à  segunda  viagem,  a 
de  1503.  Pedro  de  Mari<í  refere-se-lhe  no  V  Dialogo,  embora  não  designando  o  ano.  mas  citando  o  facto 
de  haver  D.  Manuel  mandado  a  Santa  Cruz  uma  esquadra  de  seis  velas,  comandada  por  Gonçalo  Coelho. 
Damião  de  Góis  é  ainda  mais  peremptório,  designando  a  data  da  partida  dos  seis  navios:  a  10  de  ]u- 


(174)  A  carta  de  D.  Manuel,  cujo  original  nho  se  encontrou  .linda.  loÍ  vertida  para  italiano  c  ímpretsa  cm  Roma 
peio  lipògraio  Joào  de  besiclien.  em  Outubro  de  IM)S.  Dessa  edlçJo  apenas  existem  três  exemplares;  um  na  Marciana,  de 
Vene3a.  ouiro  descoberto  por  Vamliagem.  na  biblioteca  Corsini.  de  Kiorcnça,  e  o  terceiro  na  Colombm.i,  de  Sevilha.  O  biblió- 
filo ingli^s  tiurnell  publicou  de&ta  cana  uma  versáo  inglesa,  cm  edição  limitada  de  exemplares,  com  o  titulo:  The  if.ilian  uer' 
ston  ot  a  Lelter  Itum  thv  Kmy  or  Portugal  (Dom  Manuel/  to  lhe  King  of  Castilla  (terdmand),  ivnttcn  in  1505,  giving  an 
ãccouni  of  lhe  voyjgfS  and  conquestes  tn  lhe  t.ist  índias-  frotn  1500  lo  IS05.  A-  D.  —  Repnnieà  from  lhe  copy  (pnnled 
by  J.  BeStcken  at  home  m  ISOSj  in  lhe  Marciana  Lwrary  at  Ventce  (one  of  the  three  new  in  existencfj  tvilh  Notes  by  A.  C. 
Burnell.  Fh.  O.  Lomlon;  í^nnied  not  for  sale  Dy  Mns  Wyman  and  Sons.  1881.  Uma  reprodução  literal  do  protótipo  romano 
e  a  sua  tradução  em  português  foi  publicada  por  l^rospero  Peragallo  no  volume  de  Memorias  da  Commiss.}o  l\>rluguesa  do 
Centenario  do  Descobrimenio  da  Amertca,  edição  da  Academia  das  Scièncias  de  Lisboa,  acompanhada  de  comenlário». 

Seria  arriscado  pronunciarmo-nos  sòbre  a  aulcnlicidade  déste  documento,  publicado  na  iL^lia  i-m  vid.i  de  D.  Ma- 
nuel. tComo  desapareceu  dos  arquivos  de  Espanha?  tComo  aparece  Iradu/ido  eni  Roma,  no  ano  de  1'  ''  r  analogia 
com  a  publicação  em  VcncíJ  da  relação  da  viagem  de  Cabral,  deve-se  atribuir  ã  organização  3dmir.ivel  da  i'm  vene- 
ziana na  t^panha  e  em  Portugal  a  aquisição  do  original  ou  da  sua  cópia?  Hã  anti-ccdenles  que  permitem  esi  '  vera- 
cidade uos  taclos  narrados  no  documento  não  pode  ser  posta  em  duvida;  ^mas  é^ses  fados  loram  agrupado   epia- 

loiar  ou.  realmente,  consiavam,  literalmenie  trasladados  de  uma  missiva  de  D.  Manuel  ao  rei  Católico?  f:'  uma  quMiSo 
em  aberio. 

Na  sua  obra.  tantas  vezes  citada,  Bra/il,  Zeferino  Candido  dedica  um  capitulo  ã  prova  de  apocrltia  de  outra  caria 
de  D.  Manuel  aoi»  reis  Católicos,  datada  de  29  de  ]ulho  de  ISOl.  e  conhecida  por  uma  versão  espanhola,  publicada  por  Navar- 
rete, no  Vol.  111.  pãg.  94.  n.^  XIII.  da  toleccion  de  los  tiiagcs.  Todavia,  dez  anos  antes  da  publicação  daquele  trabalho,  no  Dollt- 
imo  delia  Socim  Oivaralica  lidlian.t  (Vol.  Ill,  pag.  271  e  seg.  da  3.«  Sene)  o  professor  Belgrano,  de  Qénova,  publicava  o  lexto 
original,  português,  da  cana  de  D.  Manuel,  encontrado  no  Arquivo  do  Estado  de  Veneza,  c  que  velo  destruir  a  laboriosa  argu- 
mentação do  erudito  histonograto. 


cxv 


Introdução 

nho  de  1503.  O  relatório  de  Gonçalo  Coelho,  destinado  a  D.  João  III  e  incorporado  no  arquivo  secreto 
da  Coroa,  perdeu-se  como  os  anteriores.  Néle  se  encontrariam,  possivelmente,  acusações  severas  ao  cos- 
mógrafo florentino  que  teria  motivado  o  regresso  de  Vespúcio  a  Espanha.  Pela  primeira  vez,  admitindo 
(CQ  nota)  a  presença  de  Vespúcio  na  segunda  esquadra  de  Gonçalo  Coelho.  Santarém  pregunta  se  o 
facto  de  estar  confiado  o  comando  àquele  capitão  português  não  destrói  as  pretensões  do  florentino  aos 
descobrimentos  que  éle  se  atribui. 

Ésie  é  o  ponto  de  vista  em  que  deve  ser  colocada  a  questão.  Vespúcio,  nas  suas  famosas 
cartas,  só  dele  fala,  só  louva  os  seus  actos  e  a  sua  sciência  — aliás  medíocre,  como  foi  fácil  provar— só 
se  preocupa  com  a  própria  fama.  As  pretensões  do  ambicioso  florentino  teem  pouco  ou  nenhum  funda- 
mento. O  antigo  empregado  dos  Médícis,  o  improvisado  cosmógrafo  não  comandava  as  esquadras  de 
Portugal.  Equiparar  a  situação  de  Vespúcio  nas  expedições  portuguesas  de  1501  e  1503,  com  a  do  por- 
tuguês Fernão  de  Magalhães  na  esquadra  espanhola,  é  totalmente  impossível.  Vespúcio  viajava  em  um 
posto  secundário,  sob  as  ordens  imediatas  do  capitào-mór  (175).  Os  Espanhóis  viaiavam  sob  o  comando 
de  um  Português;  e  como  se  a  Providência  quisera  assinalar  essa  posição  de  domínio,  colocou  Fernão 
de  Magalhães  perante  uma  insubordinação  dos  capitães  e  das  tripulações.  E'  conhecida  a  energia  auto- 
ritária com  que  éle  dominou  a  insurreição,  mandando  apunhalar  Luis  de  Mendoza,  capitão  da  Victoria, 
e  depois  esquartejar  o  seu  cadáver,  decapitar  Gaspar  de  Quesada,  capitão  da  Conception,  e  abandonar 
nas  praias  inóspitas  da  Patagónia  a  D.  Juan  de  Cartagena,  vedor  geral  da  armada,  a  quem,  anterior- 
mente, destituíra  das  honras  do  cargo. 

Revendo  e  analisando  os  seus  próprios  argumentos,  Santarém  acaba  por  ínclínar-se  para  a 
opinião  de  Munoz,  aceitando  a  presença  de  Vespúcio  nas  duas  expedições  de  1501  e  1503,  e  atríbuindo- 
Ihc  o  mesmo  proceiimenio  com  os  portugueses  que  já  tivera  com  Hojeda,  usurpando-lhes  a  glória  dos 
emprecndimenlos,  depreciando  lhes  a  competência  e  fazendo-se  passar  pelo  protagonista  do  grandioso 
drama  marítimo  de  que  foi.  nos  mares  da  América  austral,  apenas  um  dos  actores. 

A  pretensão  de  Vespúcio  não  vai.  porém,  contra  o  que  alegam  os  seus  detractores,  até  ao  ex- 
Irémo  de  apresentar-se  como  comandante  das  armadas.  Referindo  se  presumivelmente  a  Gonçalo  Coelho, 
embora  sem  nonieá-lo,  chama-lhe  o  *nosso  capitão-mór*  e  transporta  de  si  para  éle  o  epíteto  de  presun- 
çoso. Vespúcio  inclui-se  no  número  dos  capitães  das  náus.  É  possível,  embora  não  provável  que,  na 
expedição  de  1503,  lhe  tenha  sido  confiado  um  comando,  em  prémio  dos  serviços  prestados  na  expedi- 
ção anterior,  de  1501.  Santarém  verbera  a  injustiça  com  que  Vespúcio  ligou  o  nome  ao  Novo  Mundo, 
quando  não  passava  de  um  subalterno  nas  esquadras  que  revelaram  o  continente  e  definitiuan-.ente  dis- 
siparam a  fantasmagoria  asiática  de  Colombo.  Mas  não  foi  Vespúcio  quem  impôs  o  nome  à  quarta  parte 
do  mundo.  Apenas  com  a  publicidade  das  suas  narrativas  êle  contribuiu  para  que  a  terra  nova  fosse  bap- 
tizada de  América.  Tudo  isto  sâo  incidentes  laterais  da  questão.  A  culpa,  se  culpa  houve,  deveremos 
atribui-la  à  politica  de  segrèdo.  implantada  por  D.  ]oão  II  e  continuada  pelo  seu  sucessor,  —  pois  en- 
quanto as  missivas  de  Américo  Vespúcio  emocionavam  a  Europa.  ]oão  de  Barros  nem  sequer  ciiava  a 
expedição  de  1501  ao  Brasil,  limitando  se  a  registar  a  de  João  da  Nova  à  índia;  e  o  mesmo  silêncio 
observava  com  a  de  1503,  consignando  apenas,  nesse  ano,  a  armada  comandada  por  Afonso  de  Albu- 
querque, destinada  ao  Oriente.  A  confusão  que  Santarém  estabelece  entre  a  expedição  de  1501  a  Santa 
Cruz  e  a  armada  da  índia,  do  co-nando  de  João  da  Nova,  a  que  se  agregara  a  nau  do  armador  floren- 
tino Bartolomeu  Marchioni,  comandada  por  Fernando  Vinet,  é  inadmissivel.  Nada  existe  de  comum  entre 
as  duts.  O  facto  de  Osório,  na  sua  pomposa  De  Rebus  Emmanuelis  Régis  (Livro  XII),  omitir  as  duas 
expedições,  só  demonstra  o  desconíiecimenlo.  aliás  tam  provado,  dos  cronistas  sobre  quanto  se  refere  às 
explorações  iniciais  do  litoral  da  América  austral. 

Cabe  nesta  altura  uma  referência  à  carta  em  que  Giovanni  Mattéo  Crético.  funcionário  díplo- 


(I7S)  A  leitura  dos  primeiros  parágrafos  da  primeira  carta  de  Vespúcio  a  Sodcrini  deixa  a  persuasão  de  que  era 
éle  o  comandante  da  armadj  *Je  ISOl :  "AprescntãnJo-me  j  El-Ket  D.  Manuel,  n  osttou  elle  grande  praser  com  j  minha  cfie- 
ggàa   c  to<ro't  me  fue  fossi'  CJ'ii  ires  naus  su.is,  que  estavam  a  pique  a  descobrir  terras  lovas"  porque  a  minha  in- 

'  '?ar  pa  a  o  Sul  pelo  mar  Atlântico,  iiartimos  deste  porio  de  Elhiopia" ...  Porem,  logo  depois  de  escrever,  com 

I"  I.  o  episodio  que  afcslnala  o  primeiro  coniaclo  da  armada  com  os  indios  aniropofagos,  Vtspúcio  escrvve: 

'■i'esou-wi  iá/ií  muito,  vendo  com  os  nossos  próprios  olhos  as  crueldades,  que  comefião  com  o  luorit'.  parecendo  a  todos 
tf  ã  injuria  inio<e  attel;  e  estando  mais  de  quarenta  dos  nossos  com  o  propósito  iie  sjitar  em  terra  e  de  umgar  tão  crus 
morte  «  arfo  t<Ío  b  i'm/  e  deshumano,  o  Cai>il.\o-mór  não  o  qutz  consentir .. ."  Havia,  pois,  acima  da  píO=apia  do  florentino,  um 
comandante  português,  embora  adiante  Vespúcio  declare  que,  tiavendo  já  bons  dez  mezes  que  navegavam.  Itie  foi  conttado  o 
comando  absoluto  da  esquadra. 


CXVI 


Introdução 

má(ico  de  Veneza  em  Lisboa.  (176)  informa  que  a  armada  de  1500  descobriu  «uma  lerra  firme  que  cos- 
leára  por  mais  de  quinhentas  léguas,  sem  lhe  encontrar  fim».  Crético  utilisa  as  informações  exageradas 
da  viagem  de  regresso  de  Gaspar  de  Lemos,  de  Vera  Cruz  a  Lisboa,  cuios  pormenores  ignoramos,  ou 
revela,  nessa  sua  carta,  que  a  espionagem  veneziana  era  também  iludida,  pois  é  êle  mesmo  quem  cor- 
rige, dias  depois,  a  informação  errónea,  obtendo  o  descrilivo  circunstânciado  da  viagem  de  Cabral  co- 
nhecido por  «narração  do  pilôto  anónimo»  {177). 

Esta  exploração  do  litoral  brasileiro  poderia  ter  sido  realisada.  independentemente  da  esquadra 
de  Cabral,  por  um  navio  ou  Hotilha  que.  partindo  de  Lisboa  depois  do  regresso  de  Gaspar  de  Lemos 
(e  talvez  sob  o  comando  de  André  Gonçalves),  tivesse  voltado  da  Terra  dos  Papagaios  pelo  mesmo 
tempo  em  que  Cabral  regressava  da  índia.  O  planisfério  de  Cantino,  registando  uma  exploração  diferente, 
anterior  ou  simultânea  à  narrada  por  Vespúcio.  abre  caminho  a  esta  hipóiese. 

No  ano  de  1507,  a  concepção  portuguesa  do  novo  continente  universaliza  se  com  a  publicação 
do  mapa  de  Waldseemuller.  onde  a  terra  nova  aparece  com  o  nome  de  América,  acompanhando  a  pu- 
blicação das  cartas  de  Vespúcio  na  Cosmographi^  Introductio.  insuper  quatuor  Ameríci  Vespucii  navi- 
gationis,  saída  dos  préios  lorènos  de  S.  Deodato. 

Não  vemos  motivo  de  fundada  queixa  para  Portugal  em  que  llacomylo.  Aplano  (178),  Va- 
diano  (179)  e  Camers  (180)  reivindiquem  para  Vespúcio.  navegando  numa  esquadra  portuguesa,  sob  o 
comando  de  um  português,  a  revelação  do  continente  americano.  A  Europa  ouvira  insistentemente  pro- 
clamar que  o  arquipélago  das  Antilhas  e  a  própria  terra  de  Pária  constituíam  prolongamentos  da  Ásia. 
São  as  expedições  portuguesas  que  revelam  ao  mundo  a  ilusão  colombina  e  é  Américo  Vespúcio  o 
arauto  dessa  grandiosa  revelação. 

Se  Barleu  (I8I)  incorre  no  êrro  de  atribuir  a  Vespúcio  o  descobrimento  da  América  do  Sul, 
atenua-o.  reconhecendo  que  o  realisou  por  ordem  do  rei  de  Portugal.  Efectivamente,  embarcando  nas  ar- 
madas portuguesas  de  1501  e  1503,  o  florentino  foi  um  dos  descobridores  e  o  seu  primeiro,  embora  fan- 
tasioso cronista. 

As  dúvidas,  estabelecidas  sôbre  a  veracidade  das  quatro  viagens  de  Vespúcio,  só  atingem  a  1.", 
remontando  a  Las  Casas  (182)  e  Herrera  a  acusação  de  terem  sido  falsificadas  as  datas  das  suas  duas 
primeiras  viagens  ao  Novo  Mundo,  com  o  objectivo  de  se  arrogar  a  glória  do  descobrimento  da  Amé- 


>.         í  "Tirã^^oschi.  Foscjtrinl.  Humboldt,  H.irriue  e  Varnhagen  chamam-o  de  Lorenzo,  todos  seguindo  a  Tira- 

òosctu.  Segundo  documentos,  porém.  d.i  Universidade  dv  Pádua  (onde  M  professor)  e  da  Dibliofhecé  Marciana,  seu  nome  4 
Giovanni  Matiéo.   Jose  Carlos  Rodrigues.  Catalogo  da  biblioteca  Brasiliense,  a  pág.  438. 

(177)  Todavia.  Capistrano  dc  Abreu  admire  que  a  frota  de  Cabral  tenha  seguido  h  visl.i  do  litoral  do  Brasil  por 
mutlos  dias.  ale  cnconirar  os  vcnios  lauorâvcis  á  manobra  de  nvcrsao  para  a  montagem  do  Cabo  da  Boa  Esperança  cirando 
a  caria  de  Domênico  Pi3.im.  escrita  de  Lisboa  em  27  de  Julho  de  IWl  e  Inserta  na  Raccolta  Colombiana,  parle  3.«,  I  pig. 
43  45.  c  na  qual  se  tunda  o  historiador  para  escrever,  a  pág  51  do  seu  opúsculo,  O  Descobrimento  do  Brasil-  "A  2  de  Maio 
Pedr'alvares  Cãbr.il  U-v.uUou  ancora  c  fci  beirando  a  costa,  espaço  de  duas  mil  milhas,  isto  é.  quinhentas  léguas,  alem  de 
Porto  Seguro,  sem  c/ivg.tr  ,i  mr-lhe  tim..."  Esia  conlusSo  ongma-be  num  equívoco.  A  carta  de  Domênico  Pisani  dl  OiovannL 
que  lôra  a  Lisboa  com  Pascuáligo.  oratore  em  Portucjal.  "per  rcndere  piu  decorosa  fambasciata  siraordinaria".  reproduz  a 
carta  de  Cretico,  puolicada  por  Montalboddo,  nos  Paesi  novamente  retrovali  et  Novo  Mondo  (liv.  VI)  e  que  se  encontra  no 
Vol.  V,  M.  S,  da  Crónica  Delfina  tl.i  Bibuot^ca  de  Brescia.  Na  sua  caria,  dirigida  ao  doge  Leonardo  Loredan  Domênico  PlsariL 
diz:  "Sereniss  me  príncipes.  Credo  vosira  serenit.i.  per  Ititere  dei  magnifico  ambassador  domino  Pietro  Pasqualigo,  dottor, 
hablia  inteso  quello  fio  per  Capitolo  di  una  leltera  di  missier  Creticho  dottor.  che  é  apud  regem  Lusilanie,  de  27  Julio  in 
Lisbona..."  E  nesta  altura  principia  a  transcriçàc  da  caria  de  Ciético.  Tendo  sido  este  mesmo  Ciéllco  o  autor  compilador  ou 
simples  tradutor  da  "narraçio  do  pilòto  anónimo",  tontorme  se  verifica  da  carta  de  Angelo  Trevisan  di  Bernardino,  de  21  de 
Agosto  de  ISOI,  conclui-te  que  a  nanacào  corrige  as  inlormaçôes  erróneas,  transmitidas  anteriormcnie  por  Crético  a  Pisani.  A 
etquadra  de  Cabral  nâo  navegou,  pois,  ao  longo  da  costa  do  Brasil  pelo  espado  de  duas  mil  milhas,  como  pretende  Capli- 
trano.  tundando-se  na  >  pistola  de  Pisam. 

(178)  Cosmographicus  Liber  Petri  Apiani  Mathemalico  studiose  collectus,  1524.  A  pág.  H.  Aplano  (Pedro  Dle- 
nlvitz)  abre  o  IV  cap..  discorrendo  sobre  a  Amén  a,  chamada  a  quarta  parte  do  mundo,  que  tomou  o  nome  de  Américo  Vcí- 
púcto.  No  globo,  inserto  a  pág.  2,  vé  íc  a  Amínca  lígcrada  numa  ilha  com  a  legenda  Ameri,  e  Apiano  explica  que  assim  é 
considerada  por  estar  cercada  de  agua  por  todos  os  lados. 

(179)  Carla  de  Vadlano  (Joachim  Watt)  a  Rodolphus  Agrícola,  de  Viena,  reprodusida  por  WInsor.  da  edição  vie- 
nense de  1515.  a  pig.  1S2  do  II  Vol,  da  Narrative  and  criticai  history  ot  America.  Vadiano  lnscr«  na  sua  tradução  de  Pom- 
ponio  Mela  (1522)  um  mapa  onde  o  novo  conlinenie  ausiral  ostinla  a  legenda  América  Província. 

(180)  O  Irade  Camers  fjo.innis  Ctmertis  Minori  tani,  Artium,  et  Sacnr  Theologix  Doetoris)  foi  o  anotador  da 
edição  vienense  de  15  O  da  antiga  colelànea  histórica  do  gramático  Solino.  para  a  qual  Aplano  coníecionou  o  segundo  mapa, 
(o  primeiro  é  o  de  W.ildseemúller  —  liacomvlo)  em  que  o  novo  conlinenie  aparece  com  o  nome  de  América.  O  confronto  diste 
documento  cartográfico  e  de  todos  os  outros  publicados  nas  suas  primeiras  décadas  do  século  y.V\  com  o  planisfério  portu- 
gut)s  de  Cantino  (1502),  mostra  que  a  tontc  informativa  portuguesa  é  comum  a  todos  éles.  Na  cana  de  Apiano  a  América  do 
Sul.  quási  inteiramente  descoberta  e  explorada  pelos  portugueses  no  litoral  Atlântico,  aparece  multo  mala  conhecida  do  que  a 
parte  setentrional  do  continente. 

(181)  Gasparis  Barlael  Reram  per  octennium  in  BrsslHa,  efe.  Amslerdam,  1647. 

(Id2)  Las  Casas  dedica  os  cap.  140  e  144  a  149  do  Livro  1  da  Historia  de  las  índias,  à  crillca  das  prelens6e« 
de  Vespúdo. 


CXVII 


Introdução 

rica.  Alguns  historiadores  admitem  que  Vespúcio  antecedeu  nas  suas  narrativas  a  viagem  verídica  com 
Hojeda  de  uma  outra  imaginária  viagem,  deslocando  para  ela  parte  dos  factos  relacionados  com  a  de 
1499.  Isto,  todavia,  não  afecta  a  autenticidade  das  viagens  ulteriores,  feitas  por  conta  de  Portugal. 

Os  longos  debates  eruditos,  a  que  deu  pretexto  a  pseudo  reivindicação  de  Vespúcio,  de  haver 
descoberto  a  terra  firme  americana  antes  de  Colombo,  tenderam  a  estabelecer  a  identificação  da  viagem 

de  1497  com  a  de  1499,  assentando-se 
que  Colombo  avistou  a  terra  firme  em 
1498.  um  ano  antes  de  Hojeda,  La  Cosa 
e  Vespúcio  (183). 

Esta  discussão  erudita  intciou-se. 
desenvolveu-se,  documentou-se  e  ultimou- 
se  na  ignorância  do  manuscrito  do  Esme- 
raldo de  Situ  Oibis,  que  parece  assinalar 
a  prioridade  portuguesa  do  conhecimento 
do  continente  americano  remontando  à  ex- 
ploração clandestina  de  Duarte  Pacheco 
Pereira  no  ano  de  1498, 

l  Mas  era.  ao  menos,  Vespúcio  o 
grande  cosmógrafo  que  os  seus  panegi- 
ristas  exalçam  e  sobrepõem  aos  portu- 
gueses ?  Restaurada  a  crítica  histórica  em 
bases  scientificas,  os  matemáiicos-geógra- 
fos,  desde  Navarrete  a  Luciano  Pereira 
da  Silva,  reduziram  a  modestas  propor- 
ções essa  fama  exorbitante.  ]á  o  emi- 
nente autor  da  Colecion  de  los  viages,  subme- 
tendo a  rigorosa  análise  a  cosmografia 
vespuciana,  constatava  muitos  dos  erros 
de  cálculo  de  que  enfermam  as  suas  nar- 
rativas. Segundo  a  relação  de  Vespúcio 
na  2.»  viagem,  a  distância  da  terra,  calcu- 
lada pelo  navegador,  correspondia  a  666 
2/3  léguas  marinhas  c  a  direcção  ao  Su- 
doeste: distância  e  direcção  que  coloca- 
riam Vespúcio  com  os  seus  navios  a  165 
léguas  para  além  do  litoral  do  Brasil  se- 
tentrional, em  pleno  continente.  A  mesma 
róta  e  a  latitude  de  5<>  S.  colocavam-no  a 
58  léguas  para  além  da  costa.  Há  erros 
ainda  mais  consideráveis  nos  seus  cálcu- 
los de  navegação  na  América  meridional. 
A  róta.  designada  por  Vespúcio  ao  Su- 
doeste e  à  distância  de  933  1/3  léguas  marinhas,  localizava  os  navios,  como  observa  Navarrete,  no  conti- 
nente, na  latitude  19»  15'  S..  e  a  390  léguas  do  litoral.  A  inteligência  de  Vespúcio  que  se  revela  nas  suas 
extasiadas  narrativas  — embora  inferiores  às  de  Caminha  e  Pero  Lopes  e  literariamente  mediocres  — nunca 
pôde  desembaraçar-se  de  uma  ostensiva  presunção  charlatanesca  como  quando  pretende  fazer-se  pas- 
sar pelo  mentor  da  esquadra  e  o  único  a  bordo  que  sabia  usar  do  astrolábio  e  do  quadrante,  a  um 
tempo  em  que  todos  os  marítimos  portugueses  se  serviam  dos  Regimentos  para  determinarem  as  latitu- 
des pelo  astrolábio  e  o  quadrante;  ou  quando  divaga  sòbre  os  diâmetros  e  semi-diámetros  das  estrelas. 

Essa  vaidade  pedantesca  denuncia-se  em  todos  os  escritos,  onde  êle  oculta  os  nomes  dos 


AM  r  RIC .  V  E  SPUCCIUS 

Rvtraio  da  Am*rlce  V*ap(lcla,  ■«gundo  uma  gravura  anilga 


(1S3)  A  d.itA  dc  I  '  a  expedição  de  Hojeda,  foi  prov.ida  iurídicamente  pelo  depoimento  ajuramentado 
do  próprio  Hoteda  c  dc  Andre  <  do*:  -jous  pilotos,  .i  qu.indo  do  famoso  processo  intentado  contra  D.  Diogo  Co- 
lombo, o  filho  ponugu(s  e  suces^  -nbo.  Vídc  AjcimN-,  Op.  dt.  Tomo  III.  Henry  Vign.iud  reuniu  no  seu 
PMl»  recente  trabalha  de  Invcsiig.;^  \'r'.rvjr'\  publicado  cm  1917  pelo  editor  Leroux,  de  Paris.  lOílo'  os 
nuteriâis  indltpens-lvels  ao  etiudo  da  perlou  ^clareccndo.  completando  e  ampliando  a  argun 
aglomerada  deadi  Vamiusc"  '  Uzielli,  o  ilti-i  '    '         io  conseguiu  corrigir  muitos  dos  erros  em  cii' 

CXVIII 


Introdução 

chefes  e  companheiros,  amesquinhando-os  para  se  engrandecer,  a  ponto  de  proclamar-se  o  mais  sábio 
dos  navegadores  do  mundo:  <navigandi  disciplina  magis  callebam  q.  omnes  nauderi  toíius  orbis»  Nem 
mesmo  Crisiovao  Colombo  lhe  merece  uma  palavra  de  saudade  e  de  elogio.  A  única  vez  que  o  menciona 
relere-se-lhe  nestes  lermos  sècos:  *venimusque  ad  Antigliae  insulam  quam  paucis  nuper  ab  annis 
Lítnstophorus  Cotombus  discoperuit*  (Cf.  em  Navarrete,  pág.  261). 

E.  contudo,  essas  narrativas  de  Vespúcio,  onde  há  iá  uma  antecipação  do  Barão  de  Munchhau-     consi  oucn 
sen,  comam  a  Europa,  despertavam  o  entusiasmo,  infiuiam  nas  idéas  e  na  política  do  tempo  enquanto  '''^^  "-^ 
que  os  Portugueses,  submetidos  à  conveniência  nacional  de  um  mutismo,  que  parecia  uma  ah  '       o  das   "  ' 
suas  mais  legitimas  glórias,  guardando  sobre  o  conhecimento  das  terras  austrais  o  mesmo  mk  .i  .o  que 
haviam  sabido  guardar  sòbre  as  terras  setentrionais  -  e  ainda  mais  precavidos  pelo  exemplo  de  Colombo. 

sequestravam  do  conhecimento  universal,  como  tesouro  avaramente  escondido,  a  sua  sciência  da  aeo- 
grafia  do  planeta.  ^ 

Ésse  pertinaz  silêncio  é  uma  das  mais  extraordinárias  provas  de  disciplina  patriótica  a  que 
se  submeteu  um  povo  e  bastaria  para  documentar  o  carácter  sui  generis  do  Português.  Iam  avêsso  à 
ênfase  dos  seus  ilustres  visinhos  peninsulares.  Ésse  silêncio,  imposto  pelas  conveniências  da  Pátria, 
erigido  em  sistema,  não  só  subtraiu  ao  conhecimento  da  Europa  e  dos  próprios  cronistas  os  documentos 
originais,  acerca  das  explorações  do  mar  do  Ocidente,  como  permitiu  que,  ainda  três  séculos  depois, 
Slanisláo  Canovai.  no  £/ogio  d" Amerigo  Vespucci.  premiado  pela  Academia  etrusca  de  Cortona.  reivindi- 
casse para  o  venturoso  florentino  a  glória  do  descobrimento  do  Brasil,  e  que,  ainda  hoje,  alguns  raros 
escritores  iniquamente  reclamem,  como  preito  à  verdade  e  à  justiça,  a  transferência  para  os  Espanhóis 
dessa  glória,  destituindo  dela  os  antepassados  dos  Brasileiros.  Estes  esquecem  que  o  Brasil  é,  geográ- 
ficamenle,  uma  realização  portuguesa,  que  foram  os  Portugueses  e  os  seus  filhos  Brasileiros  que  lhe 
marcaram  os  limites  pelo  descobrimento  e  a  conquista.  As  suas  objecções  são  tam  frágeis  que.  para 
eliminá-las,  haveria  bastado  que  Portugal  não  tivesse  reivindicado,  conquistado  e  defendido  à  mão 
armada  contra  os  Franceses  de  Ravardière,  os  Holandeses  de  Ariansson  e  os  Britânicos  de  Roger  Norlh, 
os  lerrilórios  a  N.  do  cabo  de  S.  Roque,  deixando  fóra  das  fronteiras  do  imenso  império  essas  terras, 
pagas  com  tanio  sacrifício,  lanto  heroísmo  e  tanto  sangue.  Excluídas  do  território  brasileiro  essas  regiões, 
ter-se  ia  destruído  o  único  pretexto,  invocado  pela  pequena  falange  de  historiadores  que  proclamam  haver 
sido  o  Brasil  descoberto  pelos  Espanhóis  — sem  que  um  trabalho  de  investigação  histórica  anterior  a 
éste  tenha  rigorosa  e  minuciosamente  examinado  as  pretensões  falaciosas,  atribuídas  a  Hojeda.  Pinzon 
e  Lepe.  que  andam  na  história  engalanados  de  indevidos  louros,  pelo  que  respeita  às  suas  navegações 
hipotéticas  nas  costas  setentrionais  do  Brasil,  anteriormente  à  escala  de  Cabral. 


•f  ^  I* 


POLÍTICA  portuguesa  de  segredo,  justificada  pela  falta  de  recursos  humanos,  para  defen- 
der da  rivalidade,  cobiça  e  concorrência  das  outras  nações  um  tam  gigantesco  domínio, 
até  hoje  deixou  o  rastro  na  história  confusa  do  descobrimento  da  América.  O  Elogio 
de  Canovai,  professor  de  física-malemálica  da  Escola  Pia,  dedicado  ao  ministro  de 
Luís  XVI  na  corte  de  Toscana,  o  mestre  de  campo  de  cavalaria  )ean  Louis  de  Duríort. 
é,  no  género,  um  dos  mais  elucidativos  documentos  dessa  errónea  literatura  histórica.  Canovai  escreveu 
a  sua  dissertação  em  1788.  nas  vésperas  da  Revolução  Francesa,  no  século  dos  enciclopedistas,  e  — 
quási  unicamente  fundado  nas  cartas  de  Vespúcio  (184),  na  Storia  delia  Letteratura  Italiana,  de  Tiraboschi. 
numa  tradução  da  Histoire  philosophique  et  politique,  de  Reynal,  na  Histoire  Générale  des  \/ot;ages  e 
nas  narrativas  de  Cook.  — concluí  que  Vespúcio  e  não  Cabral  descobriu  o  Brasil;  que  Vespúcio  e  não 
Colombo  descobriu  a  América  (185).  Aliás.  Tiraboschi  transmite  a  versão  exacta:  *Gli  Scrittor  Portoghesi 
sostengono  che  il  primo  scoprítor  dei  Brasile  fu  il  loro  Pietro  Alvarez  de  Cabral  nel  1500...  Che  il 


(184)  Na  edição  italiana  de  I74S.  Com  um  escrúpulo  que  a  sua  dissertação  está  longe  de  merecer.  Canovai  di, 
num  avucriimemo.  a  magra  resenha  bibliográfica  das  fontes  em  que  fundou  os  seus  absurdos  erros. 

(185)  "In  tal  guisa  Amerigo  è  veramente  la  Cornacchia  delia  lavalj.  le  penne  delle  quali  si  tece  bello.  gli  ven- 

Íron  lolte  ad  una  aigli  uccelli  o  proprietar/  o  piu  forli.  e  Colombo  che  chiama  sua  la  Tetra  Ferma,  e  Cabral  che  suo  pretená» 
I  Brasile.  lo  lasciano  atfalto  ígnudo".  Elogio  d" Amerigo  Vespucci,  do  P.  Stanlsláo  Canovai.  Florença.  1788-  PJg.  68,  Questiona 
VII:  Se  la  scoperla  dei  Urasile  sia  devula  ad  Amerigo. 


CXIX 


Ame* 
tico 


o  nA  1^1  suo  DO 

rOHTl 


Introdução 

Vespucci  nauigasse  air  America  Meridionale  per  eommissione  dei  Re  di  Portogallo,  é  certo . . .  ma  ch'ei 

COSMOGRAPHIAB  ~ 

Capadodam/PaunpJuLam/  Lidjã/  CúidV  Ann«# 
nias  maíorem  &  miuortm.  Colchídcn/Hircaniam 
Hiberíam/Albaníamr&praecerea  multas  quas  Gra 
gíllaum  cnumerare  longa  mora  eíTeC.  Ica  didla  ab  d 
US  nomínis  rcgina. 

Nunc  vcTO  &  hcç  partes  funt  ladus  luflratar/  bC 
alia  quarta  pars  per  AmcricQ  Vefputiumc  vt  in  fc# 
quaitibus  audictur)inucnta  eft:quã  non  vídeo  cur 
quis  iurevctctab  Américo  inuentore  fagacis  ingc 
ni)  viro  Amcrigcn  quafí  Amerící  terram/fiue  Ame 
rícam  diccndam:cum  ÔC  Europa  &C  Afia  a  mulieri* 
bus  Tua  fortica  fint  nomina.Eius  fitú  &  gentis  mo* 
reb  ex  bis  binis  Amerící  nauigationibus  quj  fequii 
cur  liquide  inrcllígi  datur, 

Hunc  in  modum  terra  iam  quadripartíta  cogno 
fcicun  Sc  funt  tres  prímx  partes  cõanentes:  quartt 
cft  infula:  cum  omni  quâ(^  marí  circúdata  cõfpicia 
tur.  Et  lícet  maré  vnú  fitqucadmodum  &  ipfateU 
lus:multís  tamen  finibus  diftin(fhim/  &  innumerís 
rcpletum  infulis  varia  fibi  noia  aíTunfiitrqua»  in  Cof 
f  ríícía»  mographiç  tabulis  confpiciuntur:  &  Pnfcianus  in 
tralatione  Dionifij  talibus  cnumerat  verfibus» 
Circuit  Oceani  gurgcs  tamen  vndicp  vaftus 
Qui  ^uis  vnus  fit/plurima  nomína  fumit, 
Ftnibus  Hcfperris  Athiantícus  íllevocatur 
AtBoreçqua  gcns  furit  Armiafpa  fubarmis 
Dicií  illc  piga  necnon  Saiur.  ide  mortuus  cíl  alij$; 


veramente  fosse  il  primo 
a  scoprire  il  Brasiíe.  non 
parmi  che  possa  con  cer- 
tezza  affermarsi* ...  Invo- 
cando Empoli,  Pedro  Már- 
tir e  Orlétio  (186),  Canovai 
consegue  provar,  apenas, 
que  Vespúcio  viajou  nas 
esquadrasportuguesas  que 
exploraram  cm  1501  e  1503 
grande  parte  da  costa 
oriental  da  América  meri- 
dional (187).  As  mesmas 
razões  que  teria  Vespúcio 
para  apresentar  se  como 
descobridor  das  terras 
avistadas  e  exploradas  pe- 
las frotas  portuguesas  (que 
éle  não  comandava)  teria 
mestre  João,  o  fisico  e  astró- 
nomo da  expedição  de  Ca- 
bral, para  usurpar  ao  almi- 
rante a  honra  histórica  do 
desembarque  em  Vera  Cruz. 

Vivendo  na  hora 
maravilhosa  dos  descobri- 
mentos dos  mundos  no- 
vos, contemporâneo  de 
Bartolomeu  Dias,  de  Co- 
lombo, de  Vasco  da  Gama 
e  de  Cabral,  a  ambição 
não  consentia  a  Vespúcio 
que  se  satisfizesse  com  um 
lugar  subalterno  na  plêia- 
da imortal  dos  navegado- 
res. Quis  demais.  Obteve 
ainda  mais  do  que  pudéra 
ter  querido  no  paroxismo 
da  ambição. 

Martinho  Waltze- 
multer  (ou  U/aldseemiilter), 

Página  da  Coimographltc  Mnilucllo  da  IIbcori ylo.  Impr«<»a  am  imt.  em  que  pala  primeira  vai  que  helenísára  0  nOme, 
é  propoato  o  noma  de  AmCrUa  para  o  novo  mundo.  Foiogralada  do  «Kcmplar  da  Blblloi«c«  enmn  pra  Hp  háhifn  PnlrP 
N.ctonal  do  Rio  da  Janalro.  aquialclo  do  Sr.  Dr.  ]oȎ  Carloa  Rodriguaa.  ^"'"^  naOIIO  enire 

OS  scíentislas  da  Renas- 
cença, em  llacomytus,  e  a  quem  Humboldt  chama  «homem  obscuro»  com  altivo  desdém,  publicára  em 


(106)  "Ohl  dov-  ò  ora  Giovanni  da  Empoli.  11  contemporâneo  dei  Vespucd.  che  awisa  I  Portogtiesl  suol  prlncipall 
dl  ctseni  trovato  tanto  avanli  per  mexio  la  terra  dcHã  vera  Croce  Ofver  dei  Bresil  cosi  nominala,  altre  volte  discoperta  per 
Amerigo  Vespucd:  dov"  è  Pleito  Marlire,  to  Scrittore  a  eui.  secondo  II  Sig.  Tiraboschi,  non  si  puó  dare  eccezione.  e  da  cui 
iappiamo  che  Amerigho  fu  il  primo  ctie  per  ordine  dei  Re  di  Portogallo  navigò  tanto  verso  mezzoefi  che  passato  I  Equino- 
tiaie  gradi  55  discoperse  terre  infinite:  qucsia  Inlinità  âl  terre  mcridionall  è  dívenula  un  punto  malemalico.  un  nulla;  e  lo 
Btesso  Dratllc,  si  piccola  cosa  In  contronio  dciríntinito.  aparifene  a  Cabrall . . .  "Op.  cit.  pág.  69.  ..."Abramo  Oiielio,  si  rí- 
nomalo  por  Ic  sua  Carla  e  per  um  dotio  Tesoro  Geográfico  ove  cosi  si  csprimc  "hu/us  (Continentis  Occidenlalis).  partem  quae 
versus  Mendiem  est  detexit  (Vespuccius).  Ego  âmbort/m  (Columbi  <fi  Vespuccii)  verae  gloriac  consultum  rnalim,  A  hujus 
parlem  borealem  Colvmbanum,  australem  aulcm  Americam  vocari".  Se  Orlelio  nega  ingluslamcntc  a!  Vespucd  la  scoperta 
di  Parla,  aimcno  fill  concede  quella  dei  Drasile:  da  un  avero  nemico  si  prende  tutlo.  "Op.  Cit.  pág.  71. 

(187)  Na  ctliçâo  romana  do  Ptolomeu  de  1508,  o  monge  Celesimo  Marcos  de  Benevente  assinala  terem  os  portuguc- 
•CS  reconhecido  o  litoral  da  Am<írica  do  Sul  até  aos  37.o  de  lalitude  Sul.  Teriam,  pois.  ultrapassado  o  Rio  da  Prata  por  2.o;  e  des- 
cendo atí  SO.o  haveriam  chegado  á  distãnda  de  2  l/4.o  do  estreito  dc  Magalhães.  —  Humboldt,  Enamen  Critique,  Tomo  2,  pá^.  7. 


CXX 


Introdução 


1507  uma  Cosmogralia.  editada  pelo  gimnásio  de  S.  Deodato,  apensa  a  um  mapa  mundo  de  parede,  onde. 
peta  primeira  vez.  o  novo  continente  é  designado  com  o  nome  de  América.  A  tradução  latina  das  qua- 
tro cartas  de  Vespúcio,  pelo  abade  Basino  de  Sinecura,  com  a  dedicatória  a  Renato.  Rei  de  lerusalem 
e  Sicília  e  Duque  da  Lorena,  serviu  de  pretexto  a  Ilacomylo  para  propôr.  no  seu  medíocre  tratado  cos- 
mográfico,  o  nome  de  Ameaça  para  o  novo  continente. 

A  grande  iniustiça  histórica  consumou-se  e  nada  podem  contra  ela  os  protestos  dos  historia- 
dores. É  um  geógrafo  alemão  que  nunca  vira  os  mares  e  as  regiões  americanas,  que  não  conhecia 
Colombo,  nem  o  Lavrador,  nem  Duarte  Pacheco,  nem  Gaspar  Côrte-Real,  nem  Cabral,  nem  Gaspar  de 
Lemos,  nem  Gonçalo  Coelho,  nem  André  Gonçalves,  nem  Hojeda.  nem  os  Pinzon.  nem  Vespúcio.  nem 
João  de  Lisboa,  — nenhum  dos  descobridores  da  América  -que  baptizava  para  todos  os  séculos  o  Mundo 
Novo.  ao  qual  os  reveladores  do  continente  sempre  se  haviam  esquecido  de  dar  um  nome.  As  cartas 
de  Vespúcio  tinham  profundamente  interessado  os  geógrafos,  os  polflicos,  os  historiadores,  os  comer- 
ciantes europeus.  Colombo  persistia  em  colocar  as  Antilhas  entre  os  arquipélagos  asiáticos  e  desvalor!- 
sava  a  proeza  com  os  seus  arroubos  místicos.  Os  homens  da  Renascença  já  mal  compreendiam  aquela 
sobrevivência  do  iluminismo  medievaL  Os  Portugueses,  por  seu  turno,  calavam-se  e  pareciam  só  ter 
interêsse  em  ocultar  o  que  sabiam  acerca  dos  mistérios  da  natureza,  que  haviam  violado  com  sôbre- 
humana  audácia.  Vespúcio.  emancipado  dos  interesses  que  impunham  um  heróico  silêncio  aos  Portugue- 
ses, revelou  à  humanidade  ocidental  as  maravilhas  insuspeitas  do  Novo  Mundo.  •Gli  alberi  sono  — 
escreve  è\e  —  di  tanta  belfeza  e  di  tanta  soat/ita  che  pensammo  essere  nel  Paradiso  Terrestre...  Se  nel 
Mondo  é  alcun  Paradiso  Terrestre,  senza  dubbio  dee  esser  nom  molto  lontano  da  questi  luoghi . .  .»{]8S). 

Certamente,  ête  foi  apenas  o  usofruluário  das  glórias  alheias,  mas  ninguém  poderá  contestar 
que  tenha  sido  Vespúcio  o  revelador,  embora  não  o  descobridor,  do  Novo  Mundo. 

Ilacomylo,  na  Cosmographice  introductio  insuper  quatuor  Americi  Vespudi  navigationes,  e  logo 
depois  Apiano,  Vadiano  e  Camers,  propagaram  por  Strasburgo,  Friburgo  e  Viena,  com  a  glória  imere- 
cida do  florentino,  o  nome  da  renascida  Atlântida,  que  se  mostrara  aos  homens,  emergindo  dos  abismos 
do  oceano.  O  mapa  de  Apiano  (1520).  embora  inscrevendo  na  parte  meridional  do  continente  o  nome 
de  América,  ainda  atribui  o  descobrimento  da  terra  ocidental  a  Colombo,  mas  )á  em  1529,  no  Cosmogra- 
phicus  liber  Petri  Appiani  studiose  correctas  per  Oemman  Phr^sium,  editado  em  Antuérpia,  se  lé: 
•Quarta  pars  mundi  ab  America  [/espucio  e/usdem  inuentore  nomen  sortitur . . . » 

*0s  erros  admitidos  e  consagrados  no  decurso  dos  séculos  triumpham  frequentemente  da 
sc/encra» —  reconhece  bantarem  com  melancolia.  As  consciências  rectas  nunca,  porém,  descrêem  da  justiça. 
Ao  historiador  resta  ainda  uma  esperança:  <(7  a  point  de  prescription  contre  la  uerité,  ou  bien  si  Fon 
s'est  écarté  du  i/rai.  il  est  toujours  temps  reuenir,  puisque  on  peut  découvrir  avec  te  temps  des  fau- 
tes,  des  érreurs  et  des  faussetés  qu'on  n'aurait  pas  d'abord  aperçues». 

A  sentença  dos  beneditinos  serve  de  estímulo  a  quantos  se  dedicam  à  tarefa  laboriosa  e 
ingrata  de  substituir  mentiras  consagradas  por  verdades  ainda  sem  adopção.  A  presente  obra  é  escrita 
com  a  fé  nessa  doutrina  e  com  a  esperança  de  se  deslocar  uma  das  pedras  do  túmulo  em  que  dorme, 
amortalhada,  a  verdade. 

A  reconstituição  que  propomos  da  página  truncada  e  ilógica  do  descobrimento  do  Brasil  não 
se  apoia,  apenas,  em  documentos,  em  fortes  indícios  e  presunções,  na  integração  de  factos  isolados  no 
quadro  geral  das  navegações  portuguesas  do  Atlântico,  mas  pôde  ainda  encontrar  autoridade  em  inter- 
pretações anteriores.  Se  o  grande  Humboldt  não  houvesse  renunciado  a  encontrar  uma  explicação 
racional  para  as  revelações  contidas  na  carta  do  embaixador  veneziano  Pascu^ligo,  anterior  às  reivindi- 
cações de  Vespúcio.  e  não  tivesse  resolvido  as  dificuldades  aparentes  que  esse  documento  apresentava 
à  interpretação  de  um  historiador-geógrafo  da  sua  excepcional  grandeza,  atribuindo  a  um  prodígio  feno- 
menal de  adivinhação  o  que  não  podia  ser  senão  o  resultado  da  sciência  experimental  portuguesa  (190), 
de  há  muito  que  a  história  do  descobrimento  das  Américas  setentrional  e  austral  se  nos  apresentaria 
sem  as  soluções  de  continuidade  que  a  mutilam  e  sem  os  ilogismos  que  a  obscurecem.  Por  mais  de 
uma  vez.  o  génio  de  Humboldt  entreviu  o  que  supomos  ser  a  verdade,  e  dela  se  afastou,  porventura 
receoso  de  avançar  por  um  caminho  que  o  conduziria  à  necessidade  de  reconstruir  desde  os  alicerces 

(ISd)  'fidea  di  ãver  trovsfo  tn  Americn  il  Paradiso  Terrestre  fu  comune  a  Colombo  e  ad  Amerigo:  ma  laddove 
il  Colombo  ne  parló  con  un  fanatismo  tanto  grossotano  da  muovere  a  compassione  ed  a  riso.  Amerigo  toccó  queslo  pensiero 
con  una  iobnela  e  con  una  delicatezza  che  fa  onorc  al  suo  buon  senso*.  Canovai.  Op.  dt.  pág.  19. 

(189)  Entre  os  maiores  propagadores  da  glória  de  Vespúcio  nAo  se  pódc  omirlr  Monlalbodo.  cuia  colecçlo,  impretu 
em  Veneu,  no  ano  de  1507.  lem  o  titulo  Paesi  nuovamente  retroi/att,  e  Nuevo  Mondo  de  Américo  Vesputio  Florentino  intitolato. 

(190)  Enamen  Critique,  lom.  IV.  pifl.  263. 

„  CXXI 


Introdução 

a  obra  monumental,  fruto  laborioso  de  tantas  meditações,  de  longas  pesquisas  e  de  transcendentes 
estudos  (191). 

No  tomo  11,  a  pág.  5  c  6  do  Examen  critique  de  rfiistoire  de  la  géograpbie  du  Nouueau 
Continent,  encontra-se  a  passagem,  que  perfeitamente  se  integra  nestas  considerações  criticas:  «7'*'  troutfé 
dans  la  belle  édition  de  ta  géograpbie  de  Ptolémâe.  faite  á  Rome  en  I50S.  findice  des  navigations  por- 
tugaises  te  tong  des  côtes  orientates  de  ÍAmérique  du  sud.  qui  avaient  été  poussées  jusquà  SO^  de 
latitude  australe.  II  c  est  dit  en  mème  temps  que  fon  n'a  pas  encore  atteint  fextrémité  du  continent. 
Cetie  édition.  imprimée  par  Evangelista  Tossinus,  et  rédigée  par  Mare  de  Bénévent  et  Jean  Cotta  de 
Wrone,  renferme  une  mappe-monde  de  Ruysch  (Nova  et  universalior  orbis  cognitltabula,  à  Johanne 
Ruysch,  Germano,  etaborala).  dans  laquelle  ÍAmérique  méridionale  est  représentée  comme  une  Ue  d'une 
étendue  immense.  sous  te  nom  de  Terra  Sanctoe  Crucis,  sive  Mundus  Novus.  On  ^  voit  le  cap  Sancloe- 
Cnicis;  c'est  la  position  du  cap  Saint-Augustin.  et  la  côte  qui  s'ensuit  au  sud.  On  (/  remarque  la  note 
suiuante:  Nautce  lusitani  partem  hanc  terrce  huius  observarunt  et  usque  ad  elevalionem  poli  antarciici 
50  graduum  pervenerunt.  nondum  tamen  ad  ejus  finem  austrinum. 

*Cette  même  édition  romaine  de  1508  offre  une  dissertation  qui  porte  le  titre:  Nova  orbis 
descriptio,  ac  nova  Oceani  navígatio  qua  Lisbona  ad  Indicum  pervenilur  pelagus;  à  Marco  Beneventano 
monacho  Coelestino  edita.  Le  chapitre  XIV  porte:  Terra  SanctcE  Crucis  decresci!  usque  ad  lalitudinem 
37°  aust.  quamque  ad  Archiploi  usque  ad  50«  auslr.  navigarint,  ut  ferunt;  quam  reliquam  portionem  des- 
criptam  non  reperí.  etc» 

Humboldl  conclui  que  os  descobrimentos  de  Cabral  e  Gaspar  de  Lemos  (de  a  I7o  de 
latitude  austral)  haviam  por  tal  maneira  impressionado  a  côrte  de  Lisboa,  que  se  pensou  logo  em  repetir 
na  América  a  façanha  do  périplo  africano.  «//  me  parait  par  conséquent  assez  probable  —  obsQtvi  Hum- 
boldl  — fluV/  f  ait  eu.  de  1500  à  1508,  une  suite  de  teníatiues  portugaises  au  sud  de  Porto  Seguro, 
dans  la  Terra  Sane  Ice -Cru  eis.  et  que  de  vagues  notions  de  ces  tentatives  aient  servi  de  base  à  une 
multitude  de  cartes  marines  que  fon  fabriquait  dans  les  ports  les  plus  fréquentés: 

Santarém,  comentando  êste  parecer,  que  enfeixa  os  dados  principais  do  problema  dos  desco- 
brimentos portugueses  da  América  austral,  organizou  uma  relação  dessas  expedições  iniciais  e  notou  a 
circunstância  dos  editores  do  Ptolomeu  de  1508.  (que  estavam  informados  provavelmente  da  verdade  e 
conheciam  com  exactidão  os  acontecimentos)  guardarem  *um  profundo  silencio  sobre  as  pretendidas 
viagens  e  descobrimentos  de  Vespucio». 

A  relação  organizada  por  Santarém  é  a  seguinte: 

750/ —  Expedição  comandada  por  Gonçalo  Coelho  (192),  (Galvão,  autor  contemporâneo,  regista  que  esta 
armada  avistou  terra  na  Lat.  de  5©  S.  e  a  costeou  até  aos  32»  de  Lat.  austral). 

/5fl3_  Depois  do  regresso  da  anterior  expedição,  uma  outra  foi  enviada  de  Portugal,  composta  de  seis 
navios,  comandada  por  Cristóvão  Jacques.  que  explorou  e  reconheceu  a  costa  até  ao  cabo  das 
Virgens,  à  entrada  do  estreito  de  Magalhães. 

1503  (10  de  ]unho)  — Segunda  expedição  de  Gonçalo  Coelho.  (Damião  de  Góis  dá  notícia  de  que  D.  Ma- 
nuel enviou  êste  capitão  a  reconhecer  a  Terra  de  Santa-Cruz.  partindo  de  Lisboa  a  10  de  ]u- 
nho  com  seis  navios.  Osório  igualmente  a  menciona:  *Classem  Gundisalvo  Coello,  commisit  qui 
regionem  à  Caprale  exploratam,  quam  Brasiliam  vocant.  perlustraret:) 


(191)   Humboldt  ignorava  o  mapa  de  Cantino.  9ó  posleriormcnlc  descoberto,  c  o  manuscrito  do  Esmeraldo. 

A  atribuição  do  comando  de  Gonçalo  Coelho  a  armada  do  1501  cncontra-sc  (anieriormentc  a  Laliteau)  no 
Tratado  Dfs.-'f"fr'i}  do  Braíil.  debicado  a  Cristovio  de  Mour.i  p  publicado  em  1825.  cem  o  lilulo  de  Noticia  do  Brjsil.  no 
lomo  111  da  de  norinas  pJira  ã  historia  e  gcogr-iphid  nnas.  ediçào  da  Academia  Real  das  Scien- 

das    c  cm  >  V.  rnli  ini  Ti  ilnhiiMi  ^  Gabriel  Soares  de  Si  -  '^  nho      Bahia  e  vereador  da  Camar.i,  Desta 

obra  »e  serv  nj,  nos  Diálogos  de  Vanj  limonj       ediçào).  Frei  Vicente  do  Salvador.  Frei  An- 

tónio labo.T  ^  do  Cjsal.  e  depois  Souiey  e  Ferdinand  Denis.  Existem  em  Porlugal  diversas  có- 

pias manusi  lioicca  dc  tvora.  outras  \tís  na  Diblioteci  Municip.il  do  Pòrlo.  mais  irés  na  Dlblio- 

leca  da  Aca>  -  i  i  urre  do  Tombo,  e  ainda  outras  na  Dibtioieca  Nacional  de  Lisboa  (que  para  lá  loram 

removidas  i'  do  Paço  das  Necessidades).  Na  ordem  cronológica,  o  TrJisdo  Descnptwo  do  Brjsd  é  a  segunda  obra 

Que  SC  CScrvvcu  ^-m  lin.Mi,.  p  u-sa  sòbrea  terra  brasileira  (1587).  A  Mistona  da  Provinciã  de  S,inlj  Cruz,  de  Pero  dc  Ma- 
«ItUic*  de  Oandavo.  cii).>  a  a  D,  Leonii  Pereira  é  escrita  por  Luis  de  Camões,  foi  impressa  em  1576. 

Ml  diversas  cai^uii  do  Trjt.ido    a  de  1830.  de  Paris,  no  Pjtnota  Brãsileiro;  a  de  1851.  do  Instituto  Histórico 
do  Rio  de  ]aneiro;  a  de  1879  aipografM  de  loào  Ignácío  da  Silva.  Rio  de  Janeiro).  _      r,  <  - 

Aires  do  Casal  Martin  e  Ft  Denis,  atribulam  a  aulona  do  Tratado,  (composto  de  duas  parles:  Hoteiro  ue- 

ral.  com  74  apitulos.  c  MemoriAl  f  .ir  l.  das  grand<.-s.ts  da  Bahi.i  de  Todos  os  Santos,  de  sua  íerrilidade  e  das  nota- 

ivis  partes  que  tem.  com  196  capítulos)  a  i  lancisco  da  Cunha,  Foi  Vamhagen.  na  sua  Memória  -  Reflexões  Criticas  acerca  do 
í?ol«ro- apresentada  i  Academia  das  Sdências  de  Lisboa  (1839)  e  publicada  no  Tomo  V.  N  o  ii  da  Collecção  de  Notiaas.^ne. 
lundado  no  Abbade  de  Sever.  Bibholheca  Lusitana.  VoL  2.<»  pãB-  321.  reivindicou  para  Oabnel  Soares  dc  Sousa  a  palcrmdade 
do  Roteiro. 


CXXII 


Introdução 


o  Mapa  mundi  ku',  . u,  u >  i m*, cu|%  •ptoducto  sproen i.i nu <  c > r .1  m j  ,11.  j .  u^.-  _.^i<  - j  1 .  ^.1 ,  >.< m  1  l m  1,  ^ >ji  1  u  ]>  no  Atlas,  aa 
mais  r«ccnlce  deicobertaa  »it  Iqucla  éjiocí.  Ab  mulllpllce*  Inacrlçfiaa  laHnat,  que  preenchem  virias  ponroa  deaia  carta  am  pre- 
lado ctfnica,  iornam>a  uma  das  mala  Inlereiaante»  da  ápoca.  A  AnUII»,  corlada  pelo  meridiano  lii>,  eiil  aubllnhada  por  uma  la- 
Senda  que  púde  Icr-se  com  o  aualllo  da  uma  lupa.  Na  coala  do  Draall  nlo  ■«  vt  a  deaignacle  de  PORTO  SEQURO,  maa,  am  com- 
panaaclo,  llsura-se  o  MONTE  PASCOAL  bem  nllldamania. 


Introdução 

/50J  — No  mesmo  ano.  o  grande  capitão  Afonso  de  Albuquerque,  a  caminho  da  índia,  surge  âncoras 
num  ponto  do  litoral  de  Santa  Cruz.  como  pòrto  de  escala. 

1505  — fK  armada  comandada  por  D.  Francisco  d'Almelda,  saída  do  Tejo  a  25  de  Março,  explora,  a  cami- 

nho da  índia,  o  litoral  da  Terra  de  Santa  Cruz. 

1506  ~  Tristão  da  Cunha,  comandando  uma  armada  de  onze  navios,  que  partiu  de  Lisboa  a  6  de  Março. 

procede  ao  reconhecimento  da  costa  dc  Santa  Cruz. 

Sáo  salientes  as  confusões  introduzidas  neste  sumário  cronológico  das  primeiras  armadas 
portuguesas  que  exploraram  o  litoral  das  novas  terras  austrais. 

Quanto  à  1.*  (1501),  o  que  sabemos  consta  de  Gaspar  Corrêa  e  das  cartas  de  Vespúcio. 
Vamhagen  atribui  o  seu  comando  a  D.  Nuno  Manuel,  fundado  na  carta  escrita  de  Medina  dei  Campo 
a  D.  ]oâo  III  pelo  embaixador  de  Portugal  Alvaro  Mendes  de  Vasconcelos,  datada  de  14  de  Dezembro 
de  1531.  em  que  reivindica  para  os  Portugueses  a  prioridade  do  descobrimento  do  Rio  da  Prata,  reali- 
zado por  uma  armada  de  O.  Nuno.  que.  a  mandado  de  O.  Manuel,  'foi  descobrir  ao  dito  rio*  (193).  Há 
uma  corrente  de  opinião  erudita,  originada  numa  memória  de  Cândido  Mendes  de  Almeida  (194),  no 
sentido  de  atribuir  a  André  Gonçalves  o  comando  desta  expedição. 

A  2.»  é  problemática,  embora  haia  motivos  para  acreditar  que  Cristóvão  lacques  andou  pelo 
Brasil  durante  o  reinado  de  O.  Manuel,  chegando  ao  Rio  da  Prata,  onde  o  mapa  de  Diogo  Ribeiro,  de 
1529,  assinala  uma  ilha  com  o  seu  nome  (195).  Varnhagen.  fundando-se  na  caria  de  Pero  Rondinelli, 
escrita  de  Sevilha  aos  3  de  Outubro  de  1502,  e  publicada  na  parte  3.».  volume  2.°.  pág.  121  da  Raccolta 
Colombiana,  relativa  ao  arrendamento  da  exploração  do  pau  brasil  a  uma  sociedade  de  cristãos  novos 
(196),  acredita  que  Fernão  de  Noronha  fazia  parte  da  expedição  de  1503,  tendo  então  descoberto  a  ilha 
a  que  deu  o  nome  de  S.  João,  mais  tarde  substituído  pelo  do  donatário. 

Porém,  a  ilha  de  Fernão  de  Noronha,  baptizada  com  o  nome  de  Quaresma.  \à  aparece  no  mapa 
de  Cantino,  em  1502. 

A  3.*  viagem  citada  por  Santarém,  do  comando  de  Gonçalo  Coelho,  está  definitivamente  auten- 
ticada. As  4.».  5.»  e  6."  não  devem  compreender -se  na  série  propriamente  dita  de  explorações  da  costa 
brasileira.  O  Drasil  servíu-lhes.  apenas,  de  pòrto  de  escala. 

O  érro  capital  em  que  Santarém  incorria  avulta  na  ilação  que  pretende  tirar  desta  enumeração 
defeituosa  de  viagens  portuguesas  à  América  Austral,  quando  assevera  que  elas  bastam  para  «demonstrar 
a  falsidade  das  narrações  de  Vespúcio».  O  historiador  desorienta  se  na  obscuridade  que  cérca  éste  ciclo 
de  expedições  clandestinas  e  chega  a  discutir  a  presença  de  Vespúcio  na  esquadra  de  Cabral  (absoluta- 
mente fóra  da  questão),  citando  o  testemunho  de  Napione  no  Ssame  critico  dei  primo  Viaggio  dei  Ves- 
puci,  invocando  o  silêncio  de  Castanheda,  o  de  Galvão  e  o  de  ]osé  Teixeira  no  De  Portugalice  ortu 
regni.  initiis . . . 

A  conclusão  a  que  conduzem  as  pesquisas  de  Santarém,  de  não  se  encontrar  menção  de  Ves- 
púcio nos  escritores  portugueses  do  século  XVI.  nem  nos  arquivos  de  Portugal,  é  Iam  verídica  como  é 
indubitável  que  Vespúcio  não  descobriu  a  América  central  antes  de  Colombo  e  o  Brasil  antes  dos  Por- 
tugueses. Isso  não  invalida,  entretanto,  o  depoimento  de  Vespúcio.  pois,  realmente,  êle  participou  em  duas 
das  expedições  a  que  se  deve  a  constatação  portuguesa  da  grande  massa  continental,  intercalada  entre 
a  Europa,  a  Africa  e  a  Asia.  Se  o  descobrimento  dos  grandes  rios.  que  desaguam  ao  N.  da  equinocial, 
leria  iá  permitido  a  Colombo,  Hojeda  e  Pinzon  a  percepção  do  continente  ocidental,  a  verdade  é 
que  ela  só  aparece  firmemente  documentada,  pelo  que  respeita  ã  América  do  Sul,  no  mapa  português  de 
(iantino,  elaborado  em  1502.  onde  se  registam  os  resultados  das  navegações  do  Lavrador,  de  Gaspar 
Cõrle-Real,  de  Pedro  Alvares  Cabral,  e  de  outras  misteriosas  explorações  nos  hemisférios  setentrional 
e  austral. 


(193)  Cândido  Mendes  de  Almeida,  na  Revitlé  do  lastilulo  Histórico,  Vol.  XL,  pÁg.  201 ;  e  Zeferino  Cindido,  na 
tiu  obra  Brêzil.  iratanm  dcsenvolvidamenic  da  liipólcsc  de  Vemttagen.  concernente  a  D.  Nuno  Manuel. 

(194)  A  '  ybrt  ú  Historià  Pslria,  Itdas  na  se»sio  do  Instituto  Histórico  de  10  de  Dezembro  de  1875:  Quem 
Uvou  M  nottaa  dj  .  '  / j  do  Drusil  ? 

(195)  A  k\t  SC  reterc  um  documento  publicado  por  Medina,  a  págs.  37  a  42  de  Los  viâfes  de  Diego  Gãrci*  de  Mo- 
guer  ãt  rio  de  Ia  PiAtã  (Santiago  do  Chile.  1908).  iá  impresso  antes  no  Vol.  I  do  seu  tuãn  Dijs  de  Solis.  Cf.  Capistrano  de 
Abreu,  nos  Prolegomenos  ao  Uvro  II  da  Hurcru  do  Brjsil.  de  l^rei  Vicente  do  Salvador,  a  plg.  72, 

(196)  De  que  te  ocupa  o  relatório  do  veneziano  Leonardo  de  Cha  de  Masser.  publicado  no  Volume  das  Memo- 
n*s  dá  Comissão  Portuguesa  do  Centenario  do  descottrimento  da  Amenca. 

CXXIV 


introdução 

A  incredulidade  de  Santarém  tinha  precedentes.  As  suas  opiniões  concordam  com  as  de  Aires 
do  Casal  na  Corographia  Brasílica.  Ésse  movimento  de  suspeição  contra  Vespúcio  é,  porventura,  origi- 
nado na  sua  pedaniêsca  preocupação  de  diminuir  a  competência  náutica  dos  mais  experientes  navega- 
dores do  seu  tempo,  representando  para  a  posteridade  um  papel  de  super  homem. 

Munòz,  na  Historia  dei  Nueuo  Mundo,  já  reduzira  às  devidas  proporções  a  sciência  do  floren- 
tino, que  o  proíessor  Luciano  Pereira  da  Silva  examinou  com  a  competência  de  um  scientista.  'Quando 
Vespúcio  perdia  o  sono  da  noite,  procurando  descobrir  uma  estrela  polar  do  sul.  havia  já  meio  século 
que  de  bordo  das  naus  portuguesas  se  começara  o  estudo  das  constelações  austrais»  (197). 

A  vaidade  ambiciosa  de  V^espúcio  não  diminui,  contudo,  a  importância  que  assumiram  as  suas 
cartas  na  história  do  descobrimento  da  América.  A  essas  epístolas,  dirigidas  a  Lourenço  de  Médicis  e  a 
Soderini,  a  Europa  do  século  XVI  deveu  o  conhecimento  das  expedições  de  1501  e  1503,  que  concedem 
a  Portugal  a  prioridade  no  descobrimento  de  grande  parte  do  litoral  leste  da  América  do  Sul  e  que 
comprovam  a  dupla  e  genial  tentativa,  quási  simultânea,  de  descobrir  as  passagens  do  Noroeste  (Côrte 
Real)  e  do  Sudoeste  (Gonçalo  Coelho). 

Las  Casas  já  discutira  as  pretensões  atribuídas  a  Vespúcio  e  lançára  à  margem  do  processo 
histórico  a  sentença  definitiva,  restabelecendo  a  verdade  nesta  sintese  perfeita:  <0  almirante  (Colombo) 
foi  o  primeiro  que  descobriu  a  terra  firme  de  Pária.  Nojeda  foi  o  primeiro  que  a  viu  depois  do  almi- 
rante. Estava  com  èle  Américo.  O  almirante  partira  de  S.  Lucar  a  30  de  Maio  de  1498.  e  Hojeda  e 
Amrico  no  ano  seguinte,  1499». 

Na  mesma  sobriedade  podem  condensar-se  as  reivindicações  do  descobrimento  da  América 
do  Sul.  oculto  nas  densas  sombras  de  uma  política  de  prudência. 

Os  litorais  atlânticos  da  América  austral  foram  reconhecidos  por  uma  série  de  expedições  por- 
tuguesas, que  se  sucedem  de  1498  (?)  a  I5I4.  Em  duas  dessas  armadas  viajou  Vespúcio.  Essa  circuns- 
tância vaieu  ao  improvisado  cosmógrafo  florentino  a  glória  indevida  de  vêr  baptizada  com  o  seu  nome 
a  quarta  parle  do  mundo.  De  qualquer  modo.  foi  o  nome  de  um  dos  tripulantes  das  armadas  portuguesas 
de  1501  e  1503,  que  sugeriu  a  Ilacomvio  a  designação  de  América  para  o  novo  continente. 


Ml  MO  HA 

A  M  1  H  U  A 


PMMIIbI^  obscuridades  que  dificultam  a  narrativa  do  descobrimento  da  América  austral  confirmam  ^ 
r^^SH  «umj  única  e  constante  preoccupação,  melhodicamente  adoptada,  de  occultar  os  proje-  ',V,^,  ^ 
■vÍHaW  f^i^S^t^s  e  os  progressos  das  construcções  navaes,  denunciada  no  decreto  de  13  ' 

iií^&a3  de  Novembro  de  1504,  que  ordena  o  segredo  da  cartographia.  A  rivalidade  das  duas 
nações  (Portugal  e  tiespanha)  explica  demasiadamente  as  precauções  e  o  silencio  que 
envolvem  os  esforços  produzidos  nas  vésperas  dos  grandiosos  acontecimentos  que  iam  produzir-se.  Com 
justo  motivo.  Portugal  mostrava-se  zeloso  dos  seus  successos  maritimos.  havendo-se  tornado  a  Cosmo- 
polis  para  onde  convergiam  todas  as  noticias  dos  descobrimentos  e  onde  se  encontravam  os  últimos 
progressos  na  arte  da  navegação.  Volvendo-se  a  fiespanha  em  temerosa  concorrente,  impunha-se  com 
maior  força  a  necessidade  dessas  medidas  de  prudência.  A  raridade  do  Regimento  (de  cujas  primeiras 
edições  só  se  conhecem  os  exemplares  de  Mogúncia  e  de  Évora)  constitue  uma  nova  prova  dos  cuida- 
dos empregados  para  conservar  secretos  os  estudos  de  uma  questão  capital,  que  acabava  de  ser  resol- 
vida. O  Regimento  e  o  Tratado  da  Esphera.  reunidos,  constituíam  uma  obra  de  grande  alcance,  simul- 
taneamente guia  dos  navegantes  e  vulgarisadora  da  astronomia  náutica.  Este  livro,  essencialmente 
portuguez,  era  a  cfiave  do  vasto  programma  colonial  de  D.  João.  Lido,  relido,  verificado  e  meditado, 
conduziu  á  mais  audaz  das  emprezas  marítimas  de  todos  os  tempos:  a  viagem  em  torno  do  mundo, 
por  Fernão  de  Magalhães*  (198). 

Foi  a  esla  política  de  mistério  que  D.  ]oão  II  deveu  o  êxito  nas  negociações  conclusas  no 
tratado  de  Tordesilhas.  "Depois  que  a  fiespanha,  seduzida  por  Colombo,  se  apresenta  em  1492  como 

(197)  AstTonomtJ  dos  Lusiatias.  por  Luciano  Pcrelrj  da  Silva,  a  pág.  169. 

(198)  BenMúde.  Op.  dt.  pás.  202. 


CXXV 


Introdução 

concorrente  no  domínio  das  descobertas»,  essa  sábia  polffica  aparecc-nos  cada  vez  mais  sislemálica. 
O  segrèdo  sôbre  os  objectivos  das  expedições  era  tam  cautelosamente  mantido,  que  o  próprio  Dehaim, 
portador  da  carta  do  dr  Monetário  para  D.  ]oào  II.  parece  ignorar  a  convicção  portuguesa,  la  inaba- 
lável, da  viabilidade  de  se  atingir  a  índia  asiática  pelo  oriente,  patenteada  na  entrega  a  Vasco  da  Gama 

das  cartas  reais  para  os  príncipes  hindús. 

Em  1504,  D.  Manuel  proibia  que  as  cartas  náuticas  registassem  indicações  para  a  navegação 
além  das  ilhas  de  S.  Tomé  e  Príncipe.  Um  outro  decreto  do  mesmo  ano  dilatava  até  ao  rio  Manicongo. 
a  70  de  Lat.  S.  a  zona  excluída  da  prolbiçáo  anterior: 

•  ...que  nenhuuns  mestres  de  faxer  as  ditãs  cartas  as  nam  fezesem  mais  que  ate  as  ditas  ilhas;  e 
aquellas  cartas  que  eram  fectas  de  mais  nattegaçam  fossem  todas  levadas  a  Jor/e  de  Vasconcellos  pera 
tho  tyrar.  e  ysto  tudo  sob  as  penas  no  dito  nosso  aluara  comth\fudas;  porem  agora  por  este  presente 
nos  praz.  que  homde  as  ditas  cartas  nam  aviam  de  ser  feitas  salvo  ate  as  ditas  jlhas,  se  estenda  mais 
ãtee  o  rio  de  Manicomguo;  e  nas  que  são  fectas  fique  a  navegaçam  ate  o  dito  r{/o  e  de  allff  por  diante 
não  pasem  em  mar  nem  per  costa,  sob  as  pennas  em  noso  alvará  comth{fudas . . .  •  (199). 

É  esta  lei,  como  judiciosamente  observa  Densaúde.  que  explica  a  supressão  de  todas  as  lati- 
tudes ao  sul  do  equador  no  exemplar  do  Regimento,  da  biblioteca  de  Mogôncia.  ]á  Garção  Stockler,  há 
um  século,  no  Ensaio  fiistorico,  reconhecia  que  «o  excessivo  cuidado  com  que  D.  João  II  recatava  dos 
estrangeiros  a  noticia  das  derrotas  e  methodos  de  navegar,  e  com  que  procurava  difficultar-lhes  o 
conhecimento  dos  paizes  descobertos  pelos  seus  navegadores,  o  determinou  a  proceder  sobre  tudo  que 
dizia  respeito  aos  mesmos  descobrimentos  com  tão  misterioso  segredo,  que  não  será  fácil,  /á  agora, 
achar  meios  de  os  elucidar  completamente...» 

Não  era  só  da  Espanha  que  Portugal  tinha  a  acautelar  se.  A  emoção  causada  em  Veneza  pelo 
ftxilo  da  viagem  de  Vasco  da  Gama  inspirava  uma  contra-política  de  descrédito,  em  que  se  afirmava  o 
génio  italiano.  Até  1498,  os  produtos  da  índia  chegavam  à  Europa  por  intermédio  dos  mercadores  árabes 
do  Egipto,  que  os  vendiam  aos  venezianos.  Os  pesados  direitos  aduaneiros  a  que  eram  submetidas  as 
mercadorias  asiáticas  nos  portos  da  Arábia  e  do  Egipto,  as  exacçôes  dos  sultões  e  dos  seus  agentes 
encareciam  considerávelmente  os  produtos  da  índia  nos  mercados  do  Cairo  e  de  Alexandria.  Os  Portu- 
gueses iam  buscar  directamente  aos  países  produtores  as  especiarias,  dispensando  os  intermediários,  e, 
por  isso,  em  condições  que  tomavam  impossível  qualquer  tentativa  de  concorrência.  O  quintal  de  pimenta, 
que  se  vendia  cm  Calecut  por  3  ducados,  só  se  obtinha  em  Alexandria  por  80.  Lisboa  lançou  nos  mer- 
cados a  pimenta  por  40  ducados,  c,  tam  grande  era  ainda  a  margem  de  lucro,  que  o  preço  desceu  a  20 
ducados  na  luta  emocionante,  que  nenhum  economista  ainda  descreveu,  em  que  se  empenharam  na 
aurora  do  século  XV)  as  duas  cidades  rivais.  Em  1503,  a  esquadra  de  Vasco  da  Gama  trazia  para  Lisboa 
36.000  quintais  de  pimenta,  canela,  gengibre  e  noz-moscada,  sem  contar  as  pedras  preciosas,  as  pérolas 
e  as  párias.  Veneza,  compreendendo  imediatamente  que  eram  3  prosperidade  e  a  própria  existência  do 
seu  comércio  que  estavam  sob  a  ameaça  de  total  destruição,  lutou  energicamente  para  disputar  a  Por- 
tugal a  supremacia  do  mercado  asiático.  Foram  enviados  a  Lisboa  emissários,  encarregados  de  colhèr 
informações,  de  vigiar  a  partida  e  a  chegada  das  armadas,  de  desacreditar  Portugal  junto  aos  embaixa- 
dores dos  reis  indianos.  Ao  mesmo  tempo,  a  diplomacia  veneziana  não  se  mantinha  inactiva  no  Egipto. 
Em  1502,  Benedetto  Sanudo  era  enviado  ao  Cairo  em  missão  secreta,  para  informar  o  sultão  das  desas- 
trosas consequências  financeiras  com  que  Portugal  ameaçava  o  Egipto,  desviando  o  tráfico  das  especia- 
rias. Essas  habilissimas  intrigas  não  tardaram  a  produzir  os  resultados  desejados.  O  sultão  ameaçou 
destruir  o  templo  de  Jerusalém,  o  sepulcro  de  Cristo  e  o  mosteiro  do  monte  Sinay.  se  os  Portugueses 
não  desistissem  das  suas  emprêsas  na  índia.  Era  desconhecer  a  fibra  dos  homens  que  haviam  dominado 
os  oceanos,  supô-los  capazes  de  se  atemorisarem  com  as  ameaças  do  Sultão  do  Egipto.  Em  resposta 
ao  desafio.  D.  Manuel  mandou  por  vice-rei  ao  Oriente  a  D.  Francisco  de  Almeida,  com  uma  armada  de 
vinte  e  duas  velas,  e  inaugurou  a  epopeia  guerreira— e  também  da  perdição!  — em  que  foram  heróis 
máximos,  de  vera  estatura  romana,  Duarte  Pacheco.  Afonso  de  Albuquerque  e  D.  loâo  de  Castro. 

As  razões  que  ditavam  essa  mesma  táctica  de  mistério,  adoptada  também  por  D.  Manuel  para 
as  explorações  do  Novo  Mundo,  iam  provar-se  justificadas,  pois  não  tardaria  que  as  cobiças  francesa, 
espanhola,  inglesa  e  holandesa  abatessem  sõbre  os  imensos  domínios  portugueses  da  América  austral, 
obrigando  a  nação  pigmeia  a  defendê-los  com  energia  leonina,  batalhando  desde  o  Oyapoc  ao  Rio  da 
Prata,  vertendo  caudais  de  sangue  para  conservar  intacto  o  património  territorial  dos  futuros  Brasileiros, 


(199)  Alsuns  documentos  do  Arquivo  Nacional  da  Tòrre  do  Tombo.  pig.  139. 

CXXVI 


Introdução 

pelejando  com  as  quatro  maiores  potências  marítimas  do  mundo,  suas  contendoras,  desbaratando  nessa 
luta  épica  as  sobrevivenles  energias  da  idade  da  epopeia,  exaurindo-se  como  o  pelicano  na  pugna  formi- 
dável, afrontando,  durante  três  séculos  quási  ininterruptos,  as  ciladas  da  guerra  e  da  diplomacia,  para 
legar  intacto  o  Brasil  a  seus  filfios.  fierdeiros  e  continuadores  da  sua  glória. 


E.  desde  U74,  Portugal  conhecia  o  plano  Colombino,  que  fôra  submetido  por  Toscanelli  a 
D.  Afonso  V;  se  o  recusára  Irés  vezes  sucessivas:  em  1474,  em  1484-85  e  em  1493;  se  , 
Colombo  se  orientou  por  informações  e  conhecimentos  obtidos  em  Portugal  para  ir  às 
Antilhas  -  c  pôde  deduzir-se  dèste  encadeamento  de  factos  que  em  Portugal  se  conhecia 


experimentalmenle  ou  admitia,  hipotélicamenle,  a  existência  de  terras  entre  a  Europa  e  a 
Asia,  no  Ocidente,  por  analogia  com  o  que  acontecia  a  Oriente? 

A  atitude  de  D.  loào  II  em  relação  a  Colombo,  as  reivindicações  que  conduziram  ao  tratado 
de  Tordesilhas,  a  expedição  clandestina  de  Duarte  Pacheco,  o  desvio  de  Cabral  e  a  sua  escala  em  Vera 
Cruz  suportam  esta  conjectura. 

Forçosamente,  estes  factos  devem  ter  concorrido  para  a  produção  de  um  ou  mais  certificados 
concludentes,  que  expliquem  as  concessões  pre-colombinas  de  terras  e  ilhas  situadas  a  poente,  a  repro- 
vação do  plano  Toscanelli-Colombo-Monetário  para  alcançar  a  índia  pelo  Ocidente,  as  reclamações  de 
D.  ]oâo  11  junio  da  còrte  de  Espanha,  para  alterar  a  demarcação  da  bula  pontifícia  de  4  de  Maio  de 
1493,  as  expedições  do  Lavrador  e  dos  Cortes- Reais  para  noroeste,  e,  finalmente,  os  reconhecimentos 
das  terras  austrais  e  setentrionais,  desde  1498  a  1514. 

A  concepção  portuguesa  do  continente  americano,  mantida  em  sigilo  por  uma  política  de  mis- 
tério, que  ameaçava  com  a  pèna  de  morte  (200)  a  saída  para  o  estrangeiro  de  documentos  cartográficos, 
está  documentalmente  provada  pela  arguta  espionagem  italiana.  Aos  17  de  Outubro  de  1501.  o  embai- 
xador do  duque  de  Ferrara  escrevia  a  Hercules  de  Éste,  dando-lhe  conta  de  uma  das  duas  caravelas  de 
CÔrte-Real.  que  voltara  «rfun  grandíssimo  paese.  at  qual  con  grandíssima  allegrexa  se  acostarno,  et 
correndo  molfi  et  grande  fiumi  doici  per  quetia  regione  al  mare,  per  uno  de  epsi,  forsi  una  legha  fra 
terra  intrarno:  et  in  quella  dismontati  trouarno  copia  de  suavissimi  et  diversi  fructi,  et  albori  et  pini 
de  si  smisurata  alteza  et  grosseza,  che  serebbono  troppo  per  arboro  de  la  piu  gran  nave  che  vade  in 
mare». 

Neste  momento.  Colombo  continuava  e  continuaria  imaginando  que  as  Antilhas  faziam  parte 
do  continente  asiático.  Todavia,  em  Portugal,  os  navegadores,  que  vinham  das  terras  do  ocidente,  não 
incorriam  no  erro  colombino:  persistiam  em  não  confundir  as  índias  com  as  novas  terras  setentrionais 
e  austrais  do  poente.  Referindo-se  ao  navio  que  ficára  na  Terra  Nova,  Cantino  noticia  que  •lattro  com- 
pagno  he  deliberalo  andar  tanto  per  quella  costa,  che  vole  intender  se  quella  è  insula,  o  pur  terra 
ferma*. 

Pietro  Pascuálígo.  escrevendo  no  dia  seguinte,  18  de  Outubro,  ao  Senado  de  Veneza,  sôbre  o 
mesmo  acontecimento  -  o  regresso  de  «un<5  di  doe  carauelle,  quale  1'anno  passato  la  majestá  dei  ditto 
re  mandó  a  discopir  terra  verso  le  parte  de  tramontana,  ~é  muito  mais  explícito  do  que  o  embaixador 
de  Ferrara:  *Credono  quasti  di  la  carauella.  escreve  o  sagaz  veneziano,  la  soprascritta  terra  esser  terra 
ferma,  et  conjungersi  con  altra  terra,  la  qual  Panno  passato  soto  la  tramontana  fu  discoperta  da  taltre 
carauelle  de  questa  majestá,  licet  non  potesseno  arit/ar  a  quella,  per  esser  et  mar  agiazato  con  grandís- 
sima quantifá  di  neve,  in  modo  ch'è  monti  qual  terra.  Etiam  credono  conjungersi  con  te  Andilie,  che 
furono  discoperte  per  H  reali  di  Spagna,  et  con  la  terra  dei  papagà,  nouiter  trovata  per  te  naue  di  questo 
re  che  andarono  in  Calícut. . .  > 

No  dia  seguinte,  19  do  mesmo  mês  de  Outubro,  Pietro  Pascuáligo  repete,  na  carta  aos  irmãos, 


(200)  Ulterius  êspetiêmo  di  zorno  in  zorno  da  tysbona  tí  nostro  doutore,  che  lassó  II  el  «ostro  magnifico  em- 
bassjtor  el  Qual  a  mia  instancia  ha  fado  un'opereta  dei  viar.o  dei  Calicut  (a  chamada  narrarão  do  pllôto  anónimo),  de  la  qual 
ue  fjró  copia  i  la  magniftcencia  vostra,  de  carta  de  qual  viazo  non  f  posstbile  haverne  che  el  R«  ha  messo  pena  de  vila  á 
chi  la  di  fora...*  Carla  de  Travisan  a  Malipicro,  de  21  de  Agosto  de  ISOt. 

CXXVII 


Introdução 

que  os  Porluguwes  ^credeno  che  sia  terra  ferma  la  qual  continue  in  una  altra  terra  che  lanno  passato, 

fo  discoperta  sotto  la  tramontana ...  *  ,■      ,   .     a   a  ■ 

É  neste  ano  de  I50I  que  o  rei  de  Portugal  manda  explorar  o  litoral  da  Aménca  austral, 
quando  em  Espanha  ainda  se  acredita  na  miragem  das  índias  Ocidentais  (201).  ,   ^  . 

iOue  outra  conclusão  poderá  CKtrair-se  desta  série  de  provas,  a  que  o  mapa  de  Cantmo  apõe 
a  decisiva  conlinnaçào  cartográfica,  senão  a  da  prioridade  portuguesa  no  conhecimento  e  revela<:ao  do 
Novo  Mundo?  A  prova  documental  de  que  os  Portugueses  suspeitaram,  primeiro  do  que  mnguém.  que 
ao  Ocidente  se  interpunha  uma  outra  massa  continental,  é  incontestável  e  inconlesrada.  Essa  prova  surge 
no  ano  de  1501  (202),  cA  concepção  portuguesa  do  continente  resultou  das  expedições  do  ano  anterior 
ou  poderá  ser  recuada?  cA  viagem  narrada  por  Duarte  Pacheco  no  Esmeraldo  consente  deslocar  para 
1498  essa  suspeita,  senào  essa  constatação  prodigiosa?  Os  dizeres  de  Cristóvão  Colombo  aos  rers  Cató- 
licos mencionados  em  Las  Casas,  informando  os  soberanos  da  resolução  de  ir  verificar  a  veracidade  da 
palavra  de  D.  loào  II.  de  que  *no  Austro  hauia  terras^,  inâo  permitirá  transferir  ainda  para  data  ante- 
rior o  primeiro  indicio  dessa  concepção  surpreendente?  Possuiríamos,  então,  a  visão  integral  da  politica 
de  D  )oào  II.  e  saberíamos  porque  D.  Manuel  escolheu  o  caminho  mais  longo  do  Oriente  para  enviar 
por  Vasco  da  Gama  as  suas  cartas  aos  rajás  da  índia,  que  as  receberam.  -  de  preferencia  a  enviar-lhas 
pelo  breue  caminho  do  Ocidente,  por  onde  seguira  Colombo,  portador  da  carta  de  Fernando  e  Isabel 
para  o  Grào  Khan...  e  que  nunca  chegou  ao  seu  destino. 


f  MASIADAMENTE  se  verificou  a  impossibilidade  de  narrar  com  verosimilhança  o  desco- 
brimento da  América,  sem  admitir  que  os  Portugueses,  recusando  a  proposta  de  Colombo, 
acreditassem  que  a  circum  navegação  da  Africa  era  o  único  caminho  viável  para  as 
índias,  e  porventura  tivessem  levado  Iam  longe  as  explorações  do  Atlântico  Ocidental, 
que  houvessem  adquirido  a  convicção  experimental  dos  erros  geográficos  de  Marco  Polo 
e  Toscanelli  (203). 

Que  a  existência  das  lenas  de  oeste  era  conhecida  ou  suspeitada,  é  um  facto  documental- 
mente provado. 

Ora.  o  plano  de  Toscanelli  repousava  sóbre  a  doutrina  da  esferoícidade  da  terra,  já  incontro- 
versa, e  como  todas  as  informações  geográficas  sôbre  a  Ásia  se  associavam  para  representá-la  como  um 
continente  prolongado  muito  para  além  do  trópico  de  Câncer,  é  intuitivo  que  tôda  a  navegação  que  se 
fizesse  nos  paralelos  de  Lisboa.  Açôres.  Madeira.  Canárias  ou  Cabo  Verde,  atingiria  a  Ásia  pelo  poente. 
Só,  pois.  3  sciencia  da  interposição  de  terras  explicaria  cabalmente  a  perseverança  do  périplo  africano, 
já  depois  da  viagem  de  Colombo.  Essa  sciència  dar-nos  ia  a  exacta  interpretação  das  negociações  de 
Tordesilhas.  É  essa  sciència  conjectura!  que  imprime  à  viagem  de  Duarte  Pacheco,  em  1498,  uma  signi- 
ficação em  harmonia  com  as  sábias  palavras  em  que  a  narra  o  guerreiro  cosmógrafo.  Ê.  por  sua  vez, 
aquela  viagem  secreta  que  esclarece  o  enigma  da  diversão  de  Cabral  até  à  costa  americana  austral, 
conciliando  a  opinião  dos  técnicos  navais  com  a  verdade  histórica  restaurada.  São  lodos  estes  factos 
cronologicamente  encadeados,  desde  as  explorações  do  ciclo  dos  Corte- Reais  até  às  explorações  austral 
e  setentrional  dos  anos  de  1500  e  ISOI,  que  tornam  perfeitamente  compreensível  a  adivinhação— que  se 


COM  Tm  nota.  a  páq.  216  da  ftua  obra,  ToíCinelti  inó  Columbus.  c  reterfndo-se  aos  apontamentos  carlo^rálicos 
il    I  nbo,  anal  nor  Wieser  em  Dte  Kjrte  des  Bjirtolomec  Colombo  (Innsbruck.  1893),  Vignaud  conclui  que 

.  mãp  .  n  iilt  to  undersiAnd  how  il  is  possible  to  mainlãin  Ikc  opinion  Ihjt  Columbus  teMiscd  he 

AaJ  dimíitird  .1  Sitt-  Worttí,  wlin/i  ifjs  nol  lhe  Indics". 

(202)  T'  -r.  na  caria  Mundus  Novus.  e«cni.i  a  Lourenco  de  Médicis,  entre  1502  e  1503.  que  Vespúcio  afirma  niti- 
damente que  A*.  ocidental»  kAo  partes  de  um  continente  independente  <la  Asi.i,  Esta  concepção  í  reeditada  na  carta  a 
Soderlnl,  de  1  '  '  ro  de  1504.  O  simple»  conironio  cronológico  bastj  para  abalar  a  lese  sustentada  por  Vígnaud  na  sua 
tiltima  obra.  -  (1917.  Cmest  Lcroux,  editor.  Paris),  de  que  ao  navegador  florcntmo  deve  ser  conferida  a  glória 
desta  concepi..n'  1  i  '  ''^  menos,  ela  lôra  engendrada  em  Portugal  Vespúcio  só  a  certifica  na  cana  a 
Lourenco  de  Mt-  Francesco  de  M^dlds.  o  opulento  mercador  de  Florença,  escrita  em 
Uaboa.  no  refirev-.i       iviJi  .ni,,ii.>  ik> Ju^ui --.i  .1  Aim-  tj...!  Ausiral. 

(300)   Luaano  Cordeiro,  L»  part  dfS  Portugatí  dans  la  dtcouverlr  de  1'Amérique,  IS76. 

CXXVIIl 


Introdução 

afigurou  sobrenatural  a  Humboldl-dos  inlormadores  de  Pascuáligo  e  que  orienlam  o  cariógralo  anónimo 
que  coníecionou  com  os  resultados  das  viagens  empreendidas  para  o  noroeste,  o  oeste  e  o  sudoeste 
desde  1498  a  1501.  o  mapa  de  Cantino. 

No  tempo  em  que  o  génio  de  Humboldl  reinou  sôbre  os  domínios  da  geografia  e  da  história, 
a  cultura  náutica  portuguesa  não  parecia  à  altura  de  tamanhas  concepções,  e  o  esfôrço  dos  seus  conti- 
nuadores aplicou-se  em  fortalecer  a  tese  errónea  do  mestre,  reivindicando  para  a  douta  Alemanha  a 
honra  de  haver  ensinado  os  cosmógrafos  portugueses  e  não  admitindo,  consequentemente,  que  lá  se 
ignorasse  o  que  faziam  e  pensavam  os  discípulos.  Hoje.  porém,  depois  dos  trabalhos  críticos  de  Ravens- 
tein.  de  Donsaúde  e  de  Luciano  Pereira  da  Silva,  já  nào  é  possível  aceitar,  neste  assunto,  as  doutrinas  da 
escola  humboldtiana.  Isso  criou  e  impôs  a  necessidade  de  rever  e  reformar  a  história  dos  descobri- 
mentos do  Atlântico  ocidental,  entregando  aos  Portugueses  a  glória  de  terem,  primeiro  do  que  ninguém, 
suspeitado  da  existência  de  um  novo  continente.  É  nessa  concepção  que  se  integra  Vespúcio,  como  o 
seu  arauto  e  colaborador,  mas  nào  seu  inventor.  São  os  Portugueses  que  oferecem  ao  antigo  mercador 
florentino  a  oportunidade  de  constatar  a  veracidade  da  doutrina  cosmográfica  portuguesa.  Sào  os  Portu- 
gueses os  primeiros  a  íixar  num  mapa  o  esboço  do  novo  continente;  sào  éles  que.  até  à  primeira  dícada 
do  século  XVI,  com  as  expedições  sucessivas  de  ]oâo  Fernandes  Lavrador,  de  Duarte  Pacheco  Pereira, 
de  Gaspar  e  Miguel  Còrte-Real.  de  Pedro  Alvares  Cabral,  de  André  Gonçalves  (?)  de  Gonçalo  Coelho 
e  de  ]oão  de  Lisboa  (204).  reconhecem,  em  confronto  com  os  Espanhóis,  uma  linha  de  costa,  nos  dois 
hemisférios  do  continente  novo,  incomparàvelmente  maior  do  que  a  explorada  pelos  navegadores  do 
ciclo  Colombino,  por  meio  de  uma  série  assombrosa  de  expedições  concatenadas,  que  atingem,  no  ano 
de  1501,  as  paragens  remotas  da  América  meridional. 

É  dentro  dêste  quadro  que  as  cartas  de  Toscanelli  e  Monetário  assumem  uma  importância 
considerável.  A  de  Monetário  comprova  a  de  Toscanelli,  pela  similar  regeição  de  um  plano  idêntico.  A 
viagem  de  Duarte  I-^acheco  explica  a  plausibilidade  do  mapa  de  Disagudo  e  esclarece  a  intencionalidade 
do  desvio  de  Cabral  (205).  O  mistério  de  que  sc  rodeou  a  expedição  de  1498  é  o  mesmo  de  que  se 
cercaram  as  expedições  de  1501  e  1503  e  o  mesmo  sigilo  das  instruções  a  que  obedeceu  Cabral,  em 
1500. 

A  recapitulação  sintética,  por  ordem  cronológica,  dos  acontecimentos  que  estabelecem  as  duas 
prioridades  portuguesas  do  conhecimento  das  terras  do  ocidente  e  da  concepção  continental,  melhor 
permitirá  ajuizar  da  lógica  com  que  éles  se  sucedem  e  relacionam,  O  exame  analítico,  realizado  em  pro- 
gressão cronológica,  dos  motivos  que  conduziram  os  Portugueses  a  dar  ao  mundo  o  exemplo  de  perti- 
nácia do  périplo  da  África  como  róta  da  índia,  iniciado  em  1433  (206)  e  coroado  em  1498  por  um  com- 


(204)  O  que  tica  fára  âc  duvida  é  que  Joio  de  Lisboa  foi  mais  do  que  uma  vci  is  ferras  da  Amírica.  que  des- 
cobriu o  cabo  de  SàiUa  Mâru  c  proujvelmfn/r  o  Rio  d.t  Praia,  t.tnfo  que  a  sua  gr/tnde  auclarid.id>'  cr,!  invocada  c  seguida 
na  celebre  viagem  rfc  Fernão  de  Mjgjlhães.  pois.  como  di/  Herrerj.  (Dcc.  II.  Llv.  9,  cap.  10,*)  o  piloto  João  Carvalho,  portu- 
guês que  .icomp.inh.iva  o  grande  navegador,  quando  avistaram  Ires  serras  que  pareciam  ilhas,  diasr  "que  eran  el  Cabo  de 
Sjiita  Mana  que  lo  íabia  por  relacion  dc  Juan  de  Lisboa,  piloto  português  que  .ivia  estado  en  el  \  Brito  Rcbclo.  op.  cH. 
pág.  XLVII. 

(205)  «ffi  ce  qui  concerne  Cabal,  disons  toutefois.  qu'il  ne  sauralt  y  avoir  aucun  </  r  te  fait  qu'il  n'est 
pas  le  premier  découvreur  portugai^  rf«  Brasil.  Nous  possédoiis  á  cel  figard  deux  témoignages  tri.  .  t,  Le  premier  est 
celui  de  Duarte  Pacheco,  cosmograptie.  navigateur  diplom.ite  et  haut  fonctionnaire,  dont  le  ciractvre  iiopire  loute  confíance, 
qui  dit  lut-mèmc  que.  le  roi  D.  ManorI  layant  erwoi-<\  en  1498.  ,'i  la  découv.  rte  du  côté  de  VOccident.  il  constjl.i  fextslence 
d'un  vasle  continent  qui  s  étendail  au-delà  du  2So  degré  de  latitude  austnile  ct  qui  ótait  três  peuplé.  Le  second  lómoignage 
est  celui  de  Maitre  João,  médecin  de  Cabral,  qui  dans  une  lellre  d.jfíe  de  la  Vera  Cru/,  du  t."  mai  tSOO,  qii'il  adress.i  au 
roi  pour  1'aviser  de  la  decouverte  de  la  terre  de  la  Vr.iie  Croix.  lui  dtt  que.  s  il  v.-ut  corinaStre  la  situation  de  cette  terre,  il 
n'a  qu'à  se  faire  presenler  la  mappemonde  de  Pero  Vaz  Bisagudo  ou  elle  est  indiquóe.  ce  qui  suppose  mUess-iirement  que 
crtte  terre  ai/ait  élé  vue  antérieurement  et  qu'on  en  avail  relevé  la  situation.  Ces  deux  découvertes,  à  moins  que  celle  de 
Pacheco  ne  soit  celle  porteé  sur  la  carte  menlionnée  par  João,  ce  qui  est  íort  possible.  assurent  en  fait  aux  Portugaís.  la 
phorifé  pour  cel  ércnement .  .  ,  •  Henry  Vígnaud,  Americ  Vespuce,  pigs.  144  c  14S.  1917. 

O  eminenie  hlsloriador.  depois  de  haver  conslalado  a  aurenllcidade  dos  textos  em  que  essa  prioridade  te  rcveti 
lriconte»t.ível,  acrescenta:  -Mais  cette  priorité  n'a  aucune  imporlance.Une  decouverte  n  esi  cffeclive  que  lorsqu'elle  j  une  suite. . .» 
£  uma  conclusão  desconcertante.  A  sequência  do  descobrimento  é.  pelo  conirário.  evidente.  Duarte  Pacheco  afsinálj-o  num* 
obra  cosmográfica;  BÍ5.i9udo  regista-o  num  mapa-mundo;  Cabral  conságra-o  na  escala  cm  Vera  Cruz;  as  expedições  cm  ISOl 
e  1S03  ampliam-no  alé  aos  litorais  meridionais  do  novo  crniinenic;  díle  resulta  a  criacio  dc  um  gigantesco  lmp4Írío.  ^Como, 
pois,  nio  teve  seQuOncia  aquele  descobrimento? 

(206)  "A  quantos  esta  nossa  carta  virem,  fazemos  saber  que.  seendo  pello  Vfante  Dom  Amrrique  meu  tf  o  começ,\do 
o  descobrimento  da  terra  Ciu\'nee  na  era  de  mil  quatroçenlos  e  Ir^/nla  e  Ires,  com  enlençom  e  desejo  de  peita  costa  d,t  dieta  terra 
de  Guynee  se  aver  de  descobrir  e  achar  a  Vmdya"...  Carta  de  El- Rei  D.  Manuel,  de  áoaçio  a  Vasco  da  Oama.  de  duzentos  c 
trinta  mil  reais  dc  renda,  importe  dos  trezentos  mil  reais  que  llic  foram  dados,  pelos  serviços  que  (èz  no  descobrimento  da 
índia.  V  dc  outras  mercês,  entre  as  quais  a  do  titulo  de  Dom  e  a  do  cargo  dc  Almirante  da  Ináia.  ~  Alguns  documentos  d» 
Torre  do  Tombo.  Pág.  127. 


11 


CXXIX 


Introdução 

plelo  rriunlo.  quando  legado  a  eleito,  corrigirá  o  Exsme  Crítico,  de  Humboldt  f  ^^«'«'"V^n.^n^^nrPiu' 
«nLbras  remanescentes  que  obscurecem  a  história  do  descobrimento  da  Aménca.  Essa  luz  nao  preiu- 
Skarra  fllórrco^encional  de  Colombo,  atenuada  pela  iniustiça  que  baptizou  com  o  nome  de  Aménco 
V«rúcio.Cô  o  ao^e^^^^^  de  Portugal,  o  con.monte  a  que  o  almirante  das  Ind.as  ^c.denta.s  se  esque^ 
cfcTa  de  dar  um  nome.  obstmado  cm  considera-lo.  no  seu  .lumm.smo  mfst.co.  como  P^°'«"9amenIo 
dessa  Asia  das  maravilhas,  obcessào  cúpida  da  civilização  sensual.sta  da  Renascença.  Se  "ão  resolve 
com  propriedade  o  descobrimento  da  Quarta  Parie  do  Mundo,  a  expedição  de  Paios  nao  de.xa  de  con- 
.tituir  o  acontecimento  inicial  de  um  novo  período  da  história  da  humanidade,  prólogo  das  explorações 
sistemáticas  das  novas  terras  ocidentais  -  pois  que  é.  enfim,  o  pnme.ro  acto  de  posse  oficial  da  America 

pelos  povos  cristãos  da  Europa.  ^  ,    .  j 

O  descobrimento  implica,  porém,  a  consciência  do  que  se  descobriu  e  Colombo  voltou  da  sua 
3.-  viagem,  ignorando  que  avistára  em  Pária  a  terra  firme  do  continente,  entrevisto  pela  imaginação  poé- 
tica de  Séneca  e  que  se  erguia  como  uma  muralha,  só  transposta  por  Fernão  de  Magalhães,  entre  a 
prôa  das  suas  frágeis  caravelas  e  os  tesouros  estonteadores  da  milenária  civilização  asiática.  Aconteceu- 
Ihe  o  mesmo  que  aos  audazes  navegadores  da  Escandinávia  e  da  Islândia,  que.  desde  o  século  X.  haviam 
pisado  na  Groenlândia  as  terras  americanas  e  se  imaginavam  nas  extremas  ilhas  setentrionais  do  Oci- 
dente europeu.  j     a  £  ■ 

Com  mais  fundamento  sc  poderia  atribuir  a  Gunnbjorn  o  descobrimento  da  América,  se 
nào  militasse  contra  éle  e  os  seus  rudes  e  intrépidos  sucessores,  no  domínio  das  terras  agrestes,  a 
mesma  objecção  de  ignorância  em  que  persistiu  Colombo.  Todavia  -  e  é  nisto  que  reside  a  justificação 
da  perene  glória  colombina  enquanto  que  a  colonização  escandinava  se  extinguiu,  sem  haver  revelado 
a  América,  as  viagens  de  Colombo  provocaram  incessantes  expedições  para  o  poente,  em  Irés  ou  quatro 
das  quais  navegou,  sob  as  bandeiras  de  Castela  e  Portugal,  o  aventuroso  e  venturoso  Vespúcio.  Se  fosse 
possível  provar  irrelulàvelmente  que  alguma  das  expedições  heróicas  dos  Corte- Reais  atingira  antes  de 
Colombo  as  terras  americanas,  ésse  arrojado  empreendimento  nào  conseguiria,  ainda  assim,  eclipsar  a 
glória  de  Colombo,  pois  das  navegações  dos  Côrte- Reais  só  em  1500  a  de  Gaspar  teve  influencia  na 
geografia  americana,  nào  tendo  resultado  das  anteriores  (devido,  porventura,  ao  mistério  com  que  se 
acautelavam  as  expedições  marítimas  portuguesas)  o  advento  da  Integração  da  América  na  órbita  da 
civilização  europeia  — e  é  èsle  facto  memorável  que  a  viagem  de  Colombo  comemora.  As  maiores  causas 
dependem,  frequentemente,  de  circunstâncias  mínimas.  Haveria  bastado  que  as  muitas  referências  a  ilhas 
e  terras  do  poente,  que  se  encontram  em  documentos  do  século  XV  nos  arquivos  portugueses,  mencio- 
nassem por  um  mesmo  nome  genérico  essas  terras  entrevistas,  ou  apenas  suspeitadas,  para  que  a  viagem 
de  Colombo  nos  aparecêssc  com  o  carácter  inconfundível  de  uma  expedição  de  reconhecimento,  e  não 
de  descobrimento.  Mas  essa  terra  omónima  nunca  foi  designada  pelos  nautas  nos  portulanos.  Como  ves- 
tígio do  conhecimento  português  anterior  da  América  ficou,  apenas,  a  denominação  e  localização  carto- 
gráfica da  Antília.  que  sobreviveu  à  nomenclatura  colombina.  Nào  obstante,  c  impossível  desintegrar  a 
viagem  de  Colombo  das  viagens,  já  quási  centenárias,  dos  navegadores  poriugueses  no  Atlântico,  e  cousa 
nenhuma  pôde  parecer  mais  infundada  do  que  a  pretensão  de  conferir  aos  Espanhóis  a  precedência  no 
descobrimento  do  Drasii.  disputando-a  aos  Portugueses,  que  já  em  1493  reclamavam  da  Espanha  os 
direitos  às  terras  tropicais  e  que  em  1498.  dois  anos  antes  das  viagens  de  Hojeda  e  de  Pinzon,  haviam 
reconhecido  a  existência  da  imensurável  terra  firme,  que  se  projectava,  a  perder  de  vista,  para  tá  do 
trópico  de  Capricórnio...  A  viagem  clandestina  de  Duarte  Pacheco  Pereira,  assinalada  no  Esmeraldo  de 
Situ  Orbis.  e  que  tem  na  similitude  da  viagem,  igualmente  clandestina,  de  1501.  uma  indirecta  confir- 
mação, desmorona  os  falsos  ensinamentos  geográficos,  fundados  no  êrro.  e  elimina  do  caminho  do 
historiador  os  dois  maiores  temas  de  controvérsia  que  surgem  no  preâmbulo  da  História  do  Brasil;  — a 
famigerada  precedência  espanhola  no  descobrimento  e  a  casualidade  da  aterragem  de  Cabral,  em  Vera 
Cruz. 

A  reivindicação  portuguesa  não  deve  paralisar  se  nestes  limites;  antes  progredir  até  à  recla- 
mação dos  direitos  à  prioridade  da  concepção  da  unidade  continental  da  América.  Neste  vasto  panorama 
histórico,  o  comparecimento  da  esquadra  de  1500  no  porto  seguro  de  Vera  Cruz  conserva  a  significação 
de  uma  primeira  e  maravilhosa  página  da  História  do  Brasil,  composta  na  linguagem  ingénua  e  embe- 
vecida de  Caminha  e  contrastando,  pelo  lirismo  que  a  Impregna,  com  a  ansiedade  cúpida  da  scena 
histórica  das  Lucaias.  onde.  das  alcáçovas  e  chapliéus  das  naus  logo  se  grita  pelo  ouro,  e  que  inaugura 
a  escravatura  do  indío  —  ouro  humano  que  vai  substituir,  nas  alvíçaras  da  expedição  interesseira,  as 
riquezas  astálicas. 

O  primeiro  volume  desta  obra  terá  por  objecto  a  narração  do  descobrimento  e  exploração  dos 
litorais  brasileiros,  compreendendo  a  primeira  série  de  expedições  náuticas,  abrangendo  a  viagem  narrada 

CXXX 


Introdução 


na  Neue  Zeitung  aus  Presilg  Umlt  (207).  e  o  início  do  trânsito  marítimo  comercial  nos  mares  ame- 
ricanos austrais,  pelas  frotas  mercantes  dos  cristãos  novos. 

Veremos  os  antepassados  europeus  dos  Brasileiros —  na  posse  «de  um  nome  e  de  uma  língua 
que,  num  momento.  íoram  os  órgãos  da  civilização  da  Europa»  -  apontar  nas  regiões  ignotas  das  águas 
lutar  contra  os  elementos,  afrontando  as  solidões  atlânticas,  ferindo  sôbre  os  abismos  oceânicos  a  tre- 
menda batalha  contra  o  desconhecido,  arrancando  aos  segredos  do  universo  os  litorais  de  Santa  Cruz. 
decorados  pelas  sombrias  florestas  da  Serra  do  Mar.  Na  segunda  parte  do  prólogo  do  drama  histórico, 
já  os  veremos  lutando  contra  os  homens  rivais,  disputando  lhes  a  posse  da  terra  descoberta.  Os  cava- 
leiros do  oceano  pousarão  o  astrolábio  e  retomarão  a  espada.  As  naves  do  descobrimento  sucederão  as 
naus  de  batalha.  Os  mares  americanos  ouvirão  o  estampido  dos  canhoneios.  Nos  castelos  da  prõa.  o 
cosmógrafo  ansioso,  que  pesquisa  nos  horisontes  resplandecentes  ou  enublados  as  terras  novas,  cede 
o  logar  ao  guerreiro  que  persegue  as  naus  inimigas  e  comanda,  no  fragor  da  peleja,  a  manobra  iracunda 
da  abordagem. 

O  drama  bélico,  prolongado  por  mais  de  um  século,  continua  sem  pausa  o  drama  náutico.  Os* 
Portugueses  não  terão  para  combater  já  apenas  as  fúrias  das  procelas,  mas  as  armadas  francesas,  a 
pirataria  infrene,  os  índios  indómitos  e  antropófagos,  a  natureza  formidável,  as  florestas  que  parecem  aos 
primeiros  colonizadores,  no  paroxismo  da  seiva,  intransponíveis  muralhas,  por  tal  modo  os  arvoredos 
centenários  se  abraçam,  entrelaçados  pelas  rijas  cadeias  dos  cipós,  num  luxurioso  amplexo  nupcial.  Depois 
dos  abismos  aquáticos,  os  conquistadores  defrontam  êsses  outros  abismos  vegetais,  as  húmidas  selvas, 
por  cuja  trama  impenetrável  espreitam  os  índios  detrás  dos  Ipés  e  das  perobas,  com  o  arco  distendido 
e  a  flecha  hervada.  O  quadro  paradisíaco  de  Vera  Cruz  desvanece-se.  Ao  prólogo  edénico.  pintado  por 
Caminha  com  as  suaves  tintas  e  as  ingénuas  atitudes  de  um  Van  Evck,  numa  unção  quási  mística,  suce- 
derá uma  tragédia  grandiosa  e  sinistra,  pois  o  destino  traçára  que,  em  prémio  de  haverem  descoberto 
um  dos  recônditos  paraísos  da  terra,  os  descobridores  o  disputassem  a  ferro  e  fogo,  o  regassem  de 
lágrimas  e  sangue,  nele  padecessem  os  suplícios  e  repetissem  as  proezas  dos  homens  das  primeiras 
idades,  condenados  ainda  à  punição  gloriosa  de  terem  de  defender  à  mão  armada,  no  espaço  dc  dois 
séculos  de  lutas  portentosas,  o  território  intacto  e  imenso  em  que  fundariam,  sob  o  signo  estelar  do 
Cruzeiro,  uma  das  cinco  maiores  nações  do  mundo. 


1,11 1,1 1  ■  t,i,i,^,j^|t„^ftB^,.  1  if^f^ 

(207)  Konrad  Haebler  <Dle  Neue  Zeltung  aus  Presilg  Landt,  im  Fúrstiich  Fuggerschen  Archiv-Son- 
derab  aus  der  ZcílschrifI  der  Ceselhchaft  fur  Erdkunde  zu  Berlin.  Tomo  XXX.  1895)  revelou  a  existência  de  uma  cópia  ma- 
nuscríra  da  Oazeta  no  arquivo  dos  Fuggers,  Êsir  achado  esclareceu  as  dúvidas  anlcrlores.  fixando  a  época  de  ISia-ISM  para 
a  expedição  ao  Rio  da  Praia  Tendo  sido  a  narrativa  aproveitada  por  Schõncr,  cm  1515,  para  o  tratado  da  RrásiLie  Rt'^Ío, 
éssc  ano  marcava,  contra  a  opinião  precipitada  dc  Humboldt  (Fxamen  Critique,  a  págs.  239  346  do  Tom.  \i)  o  llmlle  máximo 
cronológico  da  expedição  O  manuscrito  dos  arquivos  dos  Fuggers  assinala  a  dala  de  12  de  Outubro  dc  tSI4  para  a  chegada  do 
navio  à  Madeira,  o  que  fortifica  a  presunc.)o  de  ser  capitAo  da  niu  o  pilòto  '\oko  de  Lisboa.  (Ct.  Rodolpho  R.  Schuller,  A 
Nova  OãZfla  da  Terra  do  Brasil,  Rio.  1914:  Capíslrwiw  de  Abreu.  O  Brasil  tia  século  XV/.  Rio,  1880:  O  descobrimento  do 
Brasil  pelos  Portugueses,  Rio.  1900).  Os  Fuggers  entretivoram  GStreiIa&  relações  comcrci.iis  e  financeiras  com  os  Portugucscf. 
No  s<ículo  XVI.  detinham  quási  o  monopólio  do  cobre  na  Europa,  de  que  Portugal  ora  avultado  consumidor  para  a  construção 
das  armadas.  D.  Manuel  checou  a  propor-lhes,  com  a  compensiçào  do  direito  de  participação  no  comércio  colonial,  o  torne- 
cimenio  de  todos  os  navios  de  que  carecêsse  a  coroa  para  a  navegação  das  Indi3!<.  Damiáo  de  Góis  (oi  agente  dot  Fuggers, 
05  quais  cm  1S&7.  estavam  ainda  de  posse  dc  tlluloa  da  divida  portuguesa,  no  valor  de  40.000  ducados,  (/ijeblea,  Die  Qts- 
chíchle  der  Fugger'schen  in  SpsnlenJ. 


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CAPÍTULO  I 


A  ERA  MANUELINA 

POR 

JÚLIO  DflMTflS 


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R  ERR  MRNUELINR 


IZER  ao  Brasil  quem  foi,  no  século  XVI,  o  povo  que  o  revelou  ao  mundo 
e  fez  dele,  em  trezentos  anos.  um  formidável  e  florescente  império,  o 
mesmo  é  que  desenrolar  os  mais  antigos  pergaminhos  da  nobreza  brasi- 
leira; o  mesmo  é  que  ler-lfie  a  sua  própria  carta  de  brasão,  onde  esplen- 
dem, opulentas  de  esmaltes  e  de  metais  heráldicos,  as  mais  puras  glórias 
dum  património  comum.  Se  a  maravilha  da  civilização  portuguesa  de  qui- 
nhentos, que  encheu  de  assombro  a  Europa,  que  uniu  num  abraço  lumi- 
noso o  Ocidente  e  o  Oriente,  constitui  um  título  de  legítimo  orgulho  para 
um  povo.  èle  não  nos  pertence  hoie  exclusivamente  a  nós,  homens  de  Por- 
tugal; é  a  herança  comum  das  duas  Lusitânias  daquém  e  dalém  Atlântico; 
pertence  a  ambas,  num  igual  quinhão  de  glória;  ambas  justamente  se  des- 
vanecem, venerando,  como  figuras  tutelares  da  epopeia  nacional,  os  mesmos  heróis  e  os  mesmos  após- 
tolos, os  mesmos  precursores  e  os  mesmos  mártires.  A  grandeza  de  Portugal  no  século  XVI  é  a  primeira 
e  a  mais  nobre  pedra  d^armas  da  história  do  Brasil.  Evocá-la.  é  prestar  cullo.  não  apenas  ao  passado 
duma  nação,  mas  ao  gemo  duma  raça.  Assim  eu  pudesse,  obscuro  pintor  de  apagadas  tintas,  levantar 
animar,  ressurgir,  em  grandes  frescos  murais,  em  largas  tapeçarias  historiadas,  o  tumulto  heróico  a  ri- 
queza magnífica,  o  esplendor  ofuscante  do  Portugal  de  O.  Manuel  I.-que  atroou  o  mar  com  a  artilha- 
na  das  suas  naus,  que  deslumbrou  Paris  com  a  sciência  dos  seus  doutores,  que  confundiu  Veneza 
com  a  opulência  do  seu  comércio,  que  saudou  Roma.  n  Roma  vermelha  de  Leão  X.  a  Roma  augusta 
de  Miguel  Angelo,  mandando-lhe  o  focinho  hirsuto  das  sua;,  onças  e  a  tromba  orgulhosa  dos  seus  ele- 
fantes .' 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


pniTTMf,,M  nA    w^^v^^  jjg^  iij^  Infante  português,  neto  duma  mulher  do  povo  e  filho  daquela  princesa  de  Len- 
castre que  simbolizou  num  pílriteíro  de  ouro  a  pureza  do  cant  britânico,  precursor  genial 


cuja  fisionomia  dura  nos  aparece,  com  o  seu  mongil  roxo  e  o  seu  chapéu  de  Borgonha, 
nas  tábuas  de  Nuno  Gonçalves  e  na  iluminura  do  códice  de  Azurara,  refuglou-se,  como 
uma  águia,  no  rochedo  de  Sagres,  construiu  a  sua  Terça  Naval,  rodeou-se  de  cosmógrafos, 
de  cartógrafos  maiorquínos.  de  iluminadores,  de  navegadores,  e  consagrou  a  vida  inteira, 
tôda  a  energia  de  que  era  capaz  a  sua  natureza  áspera,  taciturna  e  intratável,  à  realização  metódica  do 
grande  pensamento  que  o  dominava.  iQue  pensamento  era  ésse?  Conhecemo-lo  hoje.  em  tôda  a  sua  im- 
prevista extensão,  pelas  palavras  dum  dos  homens  de  mar  do  Infante.  Diogo  Gomes,  no  seu  relatório  De 
prima  inventione  Gutnejp.  publicado,  há  setenta  anos.  pelo  Dr.  Schmeller.  D.  Henrique  tinha  em  vista  dois 
fins:  o  primeiro,  descobrir  o  caminho  da  índia.  (')  contornando  o  extremo  sul  da  Africa,  que  êle  previa 
rodeado  de  mar,  como  na  caria  de  Marino  Sanuto  e  no  portuiano  laurenciano;  o  segundo,  navegar  para  o 
ocidente  h  procura  de  ilhas  ou  de  terra  firme,  ^insulas  an  /erram  firmam  ulfra  descriptionem  Tohmei; 
(')  o  que  demonstra  que  o  Infante  leve  a  previsão  genial  do  continente  americano.  Ambos  éstes  pensa- 
mentos se  converteram  em  fúlgidas  realidades,  menos  de  quarenta  anos  depois  da  sua  morte :  um  deu- 
nos  o  império  do  Oriente;  o  outro  deu-nos  o  Brasil.  As  sementes  lançadas  por  D.  Henrique  à  ferra 
desentranharam-se  nos  pomos  de  ouro  da  epopeia  manuelina.  É  essa  epopeia  que  nos  atribui  um  lugar 
de  honra  na  história  da  civilização.  O  ciclo  de  descobrimentos  do  século  XV.  sem  os  quais  Portugal  te- 
ria vivido  a  existência  efémera  dum  dos  muitos  estados  em  que  se  dividiu  a  península  até  ao  reinado 
de  Fernando  e  Isabel,  não  influiu  apenas  na  nossa  política  interna,  consolidando  a  independência  e  com- 
pletando a  unidade  da  nação;  constituiu  um  acontecimento  europeu;  reperculiu-se  no  mundo  inteiro;  à 
revolução  geográfica,  feita  pelas  quilhas  das  naus  e  das  caravelas  portuguesas,  correspondeu,  no  velho 
continente,  uma  verdadeira  revolução  política,  económica  e  comercial.  O  centro  de  gravidade  da  Eu- 
ropa deslocou  se.  A  hegemonia  das  nações  mediterrâneas  -  Veneza.  Génova.  Maiorca,  Barcelona  - ,  sub- 
stituíu  se  a  hegemonia  das  nações  atlânticas  -  Portugal,  depois  a  Inglaterra,  a  Holanda,  atiradas  por 
nós  para  a  opulência  e  para  a  glória.  O  comércio  do  Oriente,  que  até  então  se  fizera  pela  via  Aden- 
-Alexandrla-Veneza.  a  dorso  dc  camêio  e  no  bôjo  das  galés  venezianas,  genovesas  e  turcas,  passou  a  ser 
leito,  em  melhores  condições  de  preço  para  as  mercadorias,  pelo  novo  e  radioso  caminho  do  Atlântico. 
O  pequeno  Portugal,  senhor  da  navegação,  mobilizando  armadas  sôbre  armadas,  apertando  na  dextra 
potente  o  sceplro  dominador  dos  mares,  converteu-se.  de  súbito,  numa  das  maiores  potências  europêas. 
Lisboa,  ainda  ontem  a  capital  dum  insignificante  reino  da  península,  que  parecia  erguer  a  médo  para  o 
céu  os  coruchéos  da  sua  alcáçova,  viu  se.  repentinamente,  transformada  na  metrópole  comercial  do  mundo 


MARAVILHOSA  Lisboa  do  século  XVI! 

Evoco  a  com  orgulho  e  com  deslumbramento.  Tenho  a  nos  olhos  e  no  coração. 
Ouço  o  seu  tumulto,  céga  me  o  seu  esplendor.  Era  a  grande  cidade  náutica  e  comercial  em 
que  abrira,  como  uma  romã  ao  sol.  o  velho  burgo  judengo  e  sombrio  de  D.  loão  II.  Era 
a  segunda  Veneza,  o  grande  entreposto  europeu  aberto  ao  comércio  do  Oriente,  luminosa 
Cosmópolis  onde  pululavam  os  novos-ricos  da  Renascença;  os  comerciantes  da  pimenta,  do  ouro  de 
Solala.  do  marfim  da  Guiné,  do  âmbar,  do  benjoim,  das  lacas;  os  oportunistas  da  exportação  da  prata 
em  reais  castelhanos;  os  mercadores  genoveses,  biscaínhos.  sevilhanos.  Ingleses,  flamengos,  árabes  que 


A  RUA  NOVA  DOS  MERCADORES 
R««entiltul(lo,  ««^lundo  o  -Llwro  d«  Hora*-,  de  D.  Manual 


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amar  oero  íunZ  i  ?'  europeus  o  mercado  lisboeta  e  uinham  procurar  nêle  as  especiarias  para  a,  der- 
deTa  rRu^Nova  n^M  'h''  ™J^'>-^'-va  para  dar  a  .mpressâo  do  seu  movimento  e  da  sua  g^^. 
enfiava  peb  RurNnl  n    np ^"'"^  ^'"^^  ""erto  de  hei^a.  e 

C^òrstas  cor,.nHn  ^0  í""do.  pouco  mais  ou  menos  onde  hoje  é  a  Rua  dos 

PacóTa  RfbL^^  '^'^^^  '  ^°  3  í»^"^^  do  poente  até  ao 

meiar  de  opas  dJ  brn^H  '^^"^  ^^^^^^      ""9"as.  num  confuso  cha- 

da    asas  da  n^t  '       ^7'""  ^'^  ^  '^'''^  P«^°*  í^"andres. 

ArLzens  da  MopH.  p  .  w  do  almo.anfado  da  Ribeira  e  da  Alcaidaria  do  mar.  dos  Juízos  e  dos 
T7dTVt^Un  A  ^"■^«■P"^-  f""^  crematística.  na  nevrose  de  negócio  que  dominou  tôda 
Lntrn.irnoc  .    í  '  "''^nifica  de  D.  iManuel.  Por  um  momento,  palpitou  ali.  nos  ses- 

P^IL^       ^  Mercadores,  o  coração  comercial  da  Europa.  Era  uma  caile 

empedrada,  direila.  ladeada  de  casas  de  três 

e  quatro   sobrados,   com  telhados  flamengos, 
rótulas,  chaminés  mudéjares  que  denunciavam  a 
colaboração  de  alvanéos  árabes,  ausência  de 
sacadas  e  varandas,  em  harmonia  com  o  alvará 
manuelino  que  as  proibira,  e  um  tam  grande  ar 
de  nobreza,  de  opulência  e  de  conforto,  que 
se  diria  uma  rua  moderna  de  Bruges.  Arra- 
sou-a  o  terremoto;  mas  nós  ainda  a  podemos 
ver.  coruscanle.  doirada  de  sol.  iluminada  pelo 
pincel  delicado  de  António  de  Holanda  nessa 
jóia  da  pintura  membranácea  portuguesa,  que 
é  o  livro  de  Horas  de  D.  Manuel.  Lá  está,  a  um 
canto  da  página  do  ofício-dos-mortos,  «belíssima 
e  povoada  de  nobres  edifícios»,  como  a  des- 
creve em  1571  o  ilustre  Venturino;  com  as  suas 
lojas  sumptuosas,  herdeiras  do  comércio  da  Sí- 
ria e  de  Alexandria,  cheias  de  pratas,  de  panos 
de  Flandres,  de  sêdas  da  China,  de  mariolas 
de  Constantinopla,  de  brocados  de  Florença,  de 
corais,  de  espelhos,  de  lacas,  de  âmbar,  de  pé- 
rolas, de  benjoim,  de  almíscar,  como  a  pintam, 
na  sua  relação  de  viagem,  os  embaixadores 
de  Veneza.  Tron  e   Lippomani.   Basta  olhá-la 
para  ter  a  impressão  da  grandeza  da  Lisboa 
quinhentista,  civilizada  à  fòrça,  um  pouco  par- 
i/enue.  mas  cesária  e  magnífica.  Era   a  rua 
dos  banqueiros  (já  então  havia  seis  na  ar- 
quí-avó  da  rua  dos  Capelistas!),  dos  «mercado- 
res de  tôda  a  mercadoria»,  dos  vendedores  de 
porcelanas  da  índia,  dos  livreiros  (contavam  se 

54.  pojados  de  obras  latinas,  francesas,  portuguesas  e  castelhanas),  dos  lapidários,  dos  tapcceiros 
dos  guadamecileiros.  dos  luveiros.  dos  douradores.  dos  perfumistas.  de  fti/ft-^u^n//.- formidável  ba- 
zar cosmopolita  diante  do  qual  passeavam  as  elegantes  lisboetas  do  século  XVL  «as  mais  lindas 
mulheres  de  Ioda  a  península-,  no  dizer  de  Lippomani,  bojudas  de  verdugadins.  pintadas  de  loiro 
como  as  venezianas,  com  os  peitos  à  mostra  como  as  descreve  uon  Poppau;  os  mercadores  novos-ri- 
cos.  com  os  seus  mongfs  de  escarlata  inglesa  e  os  seus  colares-de- ombros  de  ouro  de  Rodes-  os 
solenes  desembargadores  da  Suplicação  e  do  Cível,  apoiados  às  suas  varas  de  prata;  os  fidalgos' ve- 
lhos, bamboleando  nas  liteiras,  porque  ainda,  ao  tempo,  não  havia  côches  em  Lisboa;  os  burgueses  so- 
berbos, embrulhados  em  pelotes  e  íerragoulos  de  dozeno,  tratando-se  uns  aos  outros  por  «senhoria»  • 
os  mouros,  de  aljubas  brancas,  com  a  sua  braga  de  ferro  na  perna;  os  negrinhos,  que  tanto  impres- 
sionaram o  erudito  Nicolau  Clenardo;  todo  o  povo  da  cidade,  curtido,  tisnado  de  sol,  arrastando  os 


o»  m«rcador«« 


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5 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


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sócos  de  madeira,  mutlo  semelhanre  no  tipo  ao  povo  grego  (Trone  Lippomani).  em  cuja  honrada 
multidão  se  insinuavam  os  cortadores  de  bòlsas,  os  picões  de  navalha  que  a  lei  mandava  marcar 
a  togo  na  lesta  ftSl5).  os  vadios,  os  mendigos,  os  ciganos,  os  frades  vadios  também  -  mendicantes 
franciscanos  de  alforge  às  costas,  trinos,  carmelitas,  bentos  orgulhosos,  cónegos  azuis  de  Sanio  Eloi, 
caminhando  graves,  dois  a  dois.  Tanto  Iuko  se  exibia  em  Lisboa,  nos  passeios  da  Rua  Nova  e  no 
terreiro  do  Pa^o  da  Ribeira,  que  o  rei,  obedecendo  aos  princípios  de  economia  política  dominantes 
no  tempo,  teve  de  o  proibir  pelas  pragmáticas  sucessivas  de  1520.  1524,  I&35  e  1537.  E  ésse  luxo  não 
se  limitava  aos  trajos;  ia  até  ao  interior  das  habitações,  tam  pesadas  de  tapeies  e  de  argenta- 
rias, que  os  estrangeiros,  deslumbrados  pelo  brilho  dos  gomis,  dos  bamegais,  das  almaraias,  chama- 
vam à  riquíssima  Lisboa— a  «cidade  da  prata*.  Olhando  a  Rua  Nova  dos  Mercadores,  na  iluminura  preciosa 
de  António  de  Holanda,  tem-se  a  impressão  do  que  seriam  por  dentro  esses  edifícios,  mais  sumptuosos 
ainda  do  que  os  da  vetha  Paris  do  século  XVI.  Os  embaixadores  venezianos,  que  nos  visitaram 

em  1 580.  descrevem  nos 
os  aposentos  dos  ricos 
mercadores  portugueses, 
«forrados  de  damascos  e 
de  finíssimos  panos  de 
Arrás  no  inverno,  de  cou- 
ros doirados  e  pintados 
a  que  chamam  guadame- 
cins  no  verão>;  e  )orge 
Braunio  fala  nos.  com  en- 
tusiasmo, das  porias  e 
paredes  de  madeira  do 
Oriente  doirada,  dos  azu* 
lejos  preciosos,  dos  co- 
fres de  Flandres,  dos  ta- 
petes da  Pérsia,  das  louças 
do  ]apão,  das  enormes 
albarradas  da  China,  da 
altura  dum  homem,  dos 
guadamecins  mudéjares, 
das  pesadas  pratas  bali- 
das e  lampejantes,  entre 
as  quais  sorria,  húmido,  o 
barro  vermelho  dos  púca- 
ros de  Extremoz  e  de  Mon- 
temór.  cQue  admira  que 
.  a  Rua  Nova  fòsse  um  es- 

pelho de  riqueza.- se  nela  por  momentos  resplandeceu  a  vida  do  povo  que  teve  na  sua  mão  o  co- 
mércio do  mundo,  que  deu  o  Brasil  à  civilização,  que  fundou  na  índia  um  império,  que  deslum- 
brou Roma  com  as  suas  embaixadas,  que  encheu  com  os  seus  sábios  as  universidades  de  Tolosa, 
de  Montpellier  e  de  Paris,  e  cujo  rei.  D.  Manuel,  senhor  duma  esquadra  de  duzentas  naus,  cruzava  to- 
das as  costas  e  dominava  lodos  os  mares  ? 


Mulhere*  da  povo 


A  ERA  MANUELINA 


ARA  estar  mais  perto  do  oceano,  no  coração  da  cidade  nova  dos  mercadores,  o  Rei  Ven-  „  P*r« 

turoso.  o  Seleuco  dos  braços  compridos,  desceu  da  alcáçova  e  instalou-se  no  Paço  da   r  a 

K.be.ra.  acabado  de  construir,  sôbre  o  Tejo,  peJas  mãos  plebeias  de  André  Pires,  «mestre  mv«uW"' 
da  obra  de  pedra.»  ^'A^ut^ 

Ainda  hoie  o  podemos  ver-ou,  melhor,  sonhar-nas  estampas  de  Braunio 
na  tábua  de  ]orge  Afonso,  na  iluminura  do  apógrafo  de  Fernão  Lopes,  ésse  velho  Paco 
manuelino  meio  capela,  meio  arsenal,  com  o  seu  coruchéo  doirado,  a  sua  varanda-das-damas.  o  seu 
hJ  T«i  JI^^Tk^  '        "Z'*"'  ''''90S  e  das  Pazes,  abertas  para  o  Terreiro  inundado 

de  sol.  A  l  habitou,  rodeado  dum  luxo  asiático,  o  senhor  da  conquista  e  do  comércio  da  Etiópia,  Arábia 
Pérsia  e  India.  Ali  se  reuniram  os  homens  da  Junta  dos  Matemáticos,  que  durante  um  momento  foram 
o  cérebro  das  navegações  portuguesas. -o  bispo  Orliz.  o  alemão  Beheim.  os  judeus  mestre  Ro- 
drigo  e  mestre  Jose,  o  fí- 
sico mestre  Filipe,  mais 
tarde  lente  de  astronomia 
na  Universidade  de  Lis- 
boa. Dali  se  governou  o 
mar  até  aos  confins  do 
Oriente.  Ali  viveu  um  dos 
maiores  sonhos  de  glória 
que  algum  dia  teem  ilumi- 
nado o  mundo.  Era  na 
sala  maior  daquele  Paço 
ribeirinho  -  a  Sala  dos 
Embaixadores  -armada 
de  tapeçarias  de  Flan- 
dres com  a  «tomada  da 
índia»,  que  D.  Manuel 
recebia  os  enviados  da 
Senhoria  de  Veneza,  os 
legados  do  Papa.  os  em- 
baixadores de  Castela;  ah 
dava  os  seus  saraus;  ali 
se  faziam  os  seus  ban- 
quetes, aromáticos  de  es- 
peciarias e  conservas,  ful- 
gentes da  maravilhosa 
argentaria,  lavrada  por 

Diogo  Roís.  por  João  Lopes,  por  Heitor  Gonçalves,  os  grandes  ourives  manuelinos  da  prata. 

Estou  a  ver  o  monarca,  revestido  duma  opa  de  brocado  roxo  de  três  altos,  mandada  vir 
pela  feitoria  de  Bruges,  uma  coifa  de  réde  de  ouro  na  cabeça,  os  braços  enormes  pendurados, 
</a  complession  sua  flaca.  debite  e  de  poco  spirito*.  como  o  descreve  o  enviado  veneziano  Leo- 
nardo Masser,  os  seus  olhos  <entre  verdes  e  brancos»  (na  expressão  de  Damião  de  Gois),  a  sua 
fisionomia  tam  característica,  perpetuada  no  tripíico  de  João  Provost.  no  Fons  Vitae,  de  V/an  Oorlcv, 
nas  iluminuras  da  Leitura  Noua  e  da  crónica  de  Ruí  de  Pina.  na  magnífica  estátua  ajoelhada  " 
do  pórtico  axial  dos  Jerónimos.  Espécie  de  Constantino  Porfirogenela  devorado  de  preocupações  dc 
cerimonial,  deslumbrado  de  civilização,  no  fundo  essencialmente  melómano,  fazia-se  acompanhar  de 
músicos  e  de  cantores  a  todas  as  horas  do  dia  e  da  noite,  charamelas,  orios,  sacabuxas.  harpas, 
tamboris,  rabecas,  tangedores  mouriscos  de  alaúde  e  pandeiro,  dançarinas  de  sócos  doirados,  que' 
tocavam,  que  cantavam,  que  bailavam  quando  êle  comia,  quando  êle  dava  despacho,  quando  êle  se 
vestia  na  guarda-roupa,  quando  éle  se  metia  na  cama.  A  música,  na  capela  e  na  câmara  de  D. 
Manuel  chegára  — diz  Garcia  de  Rezende  — à  «mais  alia  perfeição.»  Gonçalo  de  Baena;  Mateus 
de  Fontes  mestre  da  capela  real.  cónego  da  Sé  de  Lisboa;  Francisco  Velez,  autor  do  tra- 
tado sôbre  canto-chão  de  cinco  cordas  Francisco  Rodrigues  e  o  Sarzedo,  cantores;  o  Bada- 
joz; o  Vila  Castim,  em  que  Gil  Vicente  fala;  o  Arriaga;  o  Francisquinho;  o  cego.  «grão  sabedor 
nos  órgãos»   (Rezende),   começavam  a   tornar  afamada  em   França  e  na  Itália  a  músici  poriu- 


Momcna  do  povo 


7 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


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guwa.  (')  Excitado,  fatigado,  neuraslenizado  pelo  duro  oíício  de  soberano  dum  grande  império.  D. 
Manuel  precisava  de  sentir  o  bulício  e  o  movimento  em  volta  de  si.  Quando  a  música  não  era  suliciénte* 
mandava,  como  um  césar  romano,  lanhar  uns  contra  os  outros  o  rinoceronlc  e  os  elefantes  que  o  pre- 
cediam, em  cortejo,  nas 
ruas  da  cidade.  A  sua  fa- 
ma, o  seu  esplendor  atrafam 
os  estrangeiros  pasmados. 
Gentis-homens  polacos  vi- 
nham de  propósito  a  Lis- 
boa para  D.  Manuel  os 
armar  cavaleiros.  Em  hon- 
ra do  rei  de  Portugal  re- 
presentavam se  comédias 
no  Vaticano,  perante  Leão 
X.  A  sua  magnificência,  o 
seu  poder  espantavam  os 
próprios  enviados  da  re- 
pública de  Veneza.— a  Ve- 
neza luminosa  de  Geor- 
geone  e  de  Ticiano,  dos 
mercadores  e  das  corte- 
sãs. Bastava  que  D,  Ma- 
nuel assomasse  à  janela 
da  sua  guarda-roupa  para 
ter  a  impressão  exacta  da 
própria  grandeza.  Diante 
dêle  scintilava  o  Tejo.  coa- 
lhado de  naus,  de  carra- 
ças, de  urcas,  de  galés,  de 
caravelas,  toda  a  armada 
grossa  e  subtil,  que  levava 
o  terror  ao  Oriente  e  as- 
segurava a  Portugal  a  su- 
premacia dos  mares.  À 
mão  direita,  forte  na  sua 
pesada  silharia.  ficava  a 
Casa  dos  Contos,  o  tesouro 
real.  onde  se  empilhavam 
as  cento  e  setenta  barras 
de  ouro  que  vinham  cada 
ano  de  Sofala.  A  mão  es- 
querda, açapado,  armoria- 
do, enorme,  orgulhoso  do 
seu  poder,  dormia  o  arse- 
nal manuelino,  o  célebre 
Armazém  do  Reino,  formi- 
dável  ventre  de  pedra  po- 

da  Europa:  ,s  bombardas  grossas  de  D.  ,oâo  M.  de  .iro  rasteiro  à  „or  da  ás.J.^^^uetorõatm  ,a"''' e"Í' 
das  as  caravelas  portuguesas;  os  berços  de  grande  .iro.  inventados  por  D.  Manuel  os  cameTos  Talcões. 


D*ialh«  do  pânico  a.ial  <le«  Tvranlmos  r  Eitaiua  erania  d*  D.  AUnucI 


ro»  de  adules,  de  pandeiros,  de  manicordlos.  12  ^'<"e'">».      «ne.  eram  te.  os  carplnlelros  orsanistas,  3;  os  carplnlel^ 


8 


A  ERA  MANUELINA 


leões,  pedreiros,  selvagens  de  bronze,  fundidos  por  mestre  Cervaz.  por  meslre  Guterre  por  mestre  Estê- 
vão nas  taracenas  da  Porla-da-Cruz;  quarenta  mil  corpos  darmas  para  gente  de  pé-  três  mil  cotas 
faldradas  de  Milão;  lanças,  piques,  espadas,  alabardas.  rodelas,  arnezes  para  cem  mil  iiomens  dos  ar- 
meiros  e  alfagemes  de  Évora,  de  Coimbra,  de  Lamego,  da  Covilhã;  espingardas  das  taracenas  de  Pi- 
nhel:  cossoleles  flamengos  de  Antuérpia  e  de  Bruges;  morriões  de  ferro  de  Í3ilbá0'  coxoles  braçais 
goriais  celadas  e  arcabuzes  da  Doémia.-três  gigantescas  salas  de  armaria,  que  assombraram  ô  cardial 
Alexandrmo.  que  fizeram  morder  os  beiços  até  ao  sangue  a  Leonardo  Masser.  e  que,  com  a  Casa  da  Pól- 
vora de  Lisboa,  com  a  armaria  de  Santarém,  com  as  ferrarias  de  Porta  de  Oura.  constituíam  um  dos  mais 
perfeitos,  um  dos  mais  maravilhosos  instrumentos  de  conquista  e  de  dominação  que  podia  ambicionar  nas 
suas  maos  poderosas  um  monarca  da  Renascença.  -La  force  existe;  nous  ne  sommes  pas  surs  de  rexistence 
díi  droit.'  (')  D.  Manuel,  para  manter  o  seu  direito.- vira-se  obrigado  a  organizar  a  sua  íôrça.  Portugal  nâo 
leria  sido  a  metrópole  comercial  do  mundo,  se  nSo  se  (ornasse  a  primeira  potência  naval  e  militar  da  Europa 


O  pnncipio  do  scculo  XVI.  o  que  nos  fez  admirados  foi  a  nossa  opulência;  mas  o  que  nos 
Icz  respeitados  foi  o  nosso  poder.  Os  nossos  embaixadores  eram  recebidos  em  lôdas  as  ^ 
cortes  estrangeiras  mais  do  que  com  assombro -com  veneração.  A  sua  palavra  como  ou- 
trora  a  dos  enviados  da  Senhoria  de  Veneza,  tinha  a  fòrça  de  um  decreto,  O  povo  corria 
a  ve-Ios  passar  na  rua;  os  soberanos  assentavam-nos  à  sua  mesa.  Portugal  já  não  era  a 
pequena  nação  sombria  e  tenaz  que  procurava  penosamenle  a  sua  expansão  na  Africa  e  enviava  a  medo 
as  suas  caravelas  para  o  sul:  convertêra-se  num  grande  império;  dominava  os  mares;  fazia  ouvir  em 
três  oceanos  a  voz  da  sua  artilharia. 

As  embaixadas  de  D.  Manuel  constituíram  sempre  um  acontecimento.  Mas  nenhuma  teve  o  es- 
plendor, a  ressonância  europeia,  e,  portanto,  o  signiíicado  político  da  embaixada  de  Tristão  da  Cunha 
ao  Papa.  A  entrada  Inunfal  dos  embaixadores  porlugueses  em  Roma.  no  dia  12  de  março  de  15I4  é 
um  facto  memorável  na  história  da  diplomacia  mundial.  Nem  as  embaixadas  de  D  ]oâo  V  a  cie 
mente  XI  se  lhe  comparam;  porque,  se  Portugal,  no  século  XVIII.  era  ainda  admirado  pela  sua  riqueza 
ia  não  era  temido  pela  sua  força.  Nunca  nos  envolveu,  como  nessa  jornada  de  glória  uma  atmosfera 
de  tam  supersticioso  respeito  e  de  tam  viva  curiosidade.  O  povo  apinhava-se  nas  ruas  da  cidade  ponti- 
fícia, colgadas  de  tapeçarias  e  doiradas  de  soL  «Ruas,  ianelas.  telhados  e  frades  dependurados  das 
paredes  foi  coisa  maravilhosa».  -  diz.  em  caria  a  D.  Manuel,  um  dos  doutores  da  embaixada  O  Ma- 
gnífico, irmão  do  Papa.  as  sumptuosas  irmãs  de  Leão  X.  em  andas  riquíssimas  de  brocado  o  governa- 
dor dc  Roma.  os  embaixadores  de  Castela,  de  França,  da  Polónia,  de  Inglaterra,  de  Milão  de  Veneza 
de  Bolonha,  os  grandes  Fabião  Colona  e  Marco  António  Colona,  os  arcebispos  e  bispos,  de  mitras  de 
Santo  Estevão  e  de  pluviais  bizantinos  recamados  de  ouro,  os  cardiais  vermelhos  sob  umbelas  verme- 
lhas, a  nobreza  palatina  que  Corrégio  e  Rafael  pintaram,  tudo  foi  esperar  às  porias  da  cidade  de  S 
Pedro,  entre  o  dangor  de  sessenta  trombetas  de  prata,  à  freme  duma  onda  de  pálios,  de  cruzes  de  lan- 
ças, de  bandeiras,  os  enviados  ilusirissimos  de  Sua  Alteza  o  rei  de  Portugal,  imperador  do  Oriente  E 
entretanto,  apesar  de  se  tratar  da  corte  dum  Médicis  e  do  séquito  dum  Papa.  todo  o  brilho  daquela 
comitiva  se  apagou  quando  apareceu,  como  um  clarão,  refulgente  de  ouro  e  de  pedrarias  precedida 
da  onça  c  do  elefante  da  índia,  a  embaixada  de  D.  Manuel.  Tristão  da  Cunha,  toucado,  quási  vestido 
de  pérolas,  deslumbrava.  Faiscavam,  como  labaredas,  as  dalmáticas  dos  arautos  e  dos  reis-d'armas  por- 


ma 


{')   Fouiilé,  Psycholosic  du  Peupíe  trançais,  píg.  76. 

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9 


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HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


tugucses.  Os  doutores  Pacheco  e  )oâo  de  Faria,  a  cavalo,  as  murças  vermelhas  sangrando  sôbre  opas 
roçagantes  de  brocado,  respondiam  no  mais  escultural  latim  às  saíidacões  dos  cardiais.  Aos  sinais  do 
comaca,  o  elefante,  erguendo  a  tromba  cinzenta,  espirrando,  urrando,  dançando,  saiidava  o  vigário  de 

Deus  que.  do  alto  do  castelo  de  Santo  An- 


gelo,  «risonho  como  um  menino»  (diz  um  dos 
embaixadores)  assistia  ao  desfilar  daquele  ru- 
tilante préstito.  De  repente,  o  povo  da  cidade 
eterna,  da  cidade  que  então  era.  não  o  cére- 
bro, mas  o  coração  do  mundo,  maravilhado, 
electrizado,  rompeu  em  gritos,  em  vivas,  em 
aclamações:— «iPortugal!  Portugal!»  Numa  sala 
doirada  do  Vaticano,  tocada  pelas  mãos  divi- 
nas de  Miguel  Angelo,  os  cómicos  palatinos  de 
Bartolomeu  de  Tôrres  Navarro,  poeta  e  mestre 
da  Capela  Sixtina,  representaram  a  Trophéa. 
em  que  Ptolomeu  exalta  os  descobrimentos 
portugueses.  Os  banquetes,  os  festins,  o  entu- 
siasmo por  Portugal  não  tiveram  limites.  «Nom 
era  obediência,  mas  triunfo  de  Vossa  Alteza, 
que  entrava  em  Roma!*  —  diz,  na  carta  ao  rei, 
o  doutor  ]oão  de  Faria.  E  Tristão  da  Cunha, 
orgulhoso,  scintilante  sob  o  seu  chapéu  de  pé- 
rolas, acrescenta;  «El  Rey  nosso  senhor  he  oje 
o  mais  nomeado  princepe  que  ha  no  mundo 
e  o  melhor  quysto  asy  do  Papa  como  dos  car- 
deaes.  como  de  toda  a  outra  jente.»  O  que 
Roma  em  delírio  saudava  não  era  um  homem 

—  iah,  não!—;  era  a  obra  formidável  duma  na- 
ção inteira.  Essa  obra.  cujas  realizações  suces- 
sivas marcam  pontos  màxlmamente  luminosos 

—  Iníante  de  Sagres,  o  precursor;  Gil  Eanes, 
o  desencantador  do  mar;  Gama  e  Bartolomeu 
Dias.  a  revolução  geográfica;  Cabral,  o  Brasil; 
Albuquerque,  o  império  do  Oriente  — fê-la  a 
nobreza,  de  cujo  veio  germânico  e  dólico-louro 
nos  provém  a  tradição  da  combatividade  ca- 
valheiresca; fé-Ia  a  nova  burguesia,  rica,  ju- 
denga  e  mercadora,  de  D.  ]oão  II;  fê-la  o 

fôrça,  de  energia,  de  sacrifício  e  de  abnegação. 


EitBddart*  d*  D.  Manual  no  corl«|e  Irluntal  do  Imparador  Maalnlllano 


povo,  húmus  vivo  da  raça.  expressão  sublime  de 


v 


NOBREZA,  que  ajudou  a  fazer  a  epopeia  manuelina,  tem  o  seu  tríplice  monumento  no  Livro 
do  Armeiro  Mór.  no  Liuro  da  Nobreza,  de  António  Godinho,  e  no  teto  oitavado  e  doirado 
da  «Sala  dos  Veados»  de  Sintra.  São  estes  os  três  grandes  tombos  heráldicos  da  aristo- 
cracia portuguesa  do  princípio  do  século  XVI. 

O  primeiro,  na  ordem  das  iniciativas  de  D.  Manuel,  foi  o  Livro  do  Armeiro  Mór, 
ordenado  pelos  reis  de  armas  António  e  ]oão  Rodrigues  e  iluminado  pelo  mestre  tudesco  Arriet,  que  da 
Alemanha  trouxe  a  moda  dos  grandes  paquifes  e  o  abuso  da  côr  verde  na  iluminura.  O  segundo,  o  Li- 
•TO  dã  Nobreza,  do  arauto  e  ilumínador  Godinho,  veio  corrigir  o  primeiro,  onde  havia,  como  no  escudo 
10 


INTERIOR  DOS  ICRÕNrMOS     A  NAVE  CENTRAL 


A  ERA  MANUELINA 


u:,  ^  w  "^""^  ""^  "^""^  "sa  das  colunas  onde  nasceu  e  morreu  Afonso  \1  à  , 

hmL^r        .  """'"^  ^^"^^  »  P^"»'  """-^  «"'"^a  «pulência  de  côres  e  de  ouíÕ 

i  ™o    imo  ,a?s'"é  nos  ca"':^''  e  duas  famíhas  nobres  de  Portugal.  É  nas  fômas  membía  á  eas  dís  ^ 

Barcelos  o  ntli  n    r  '-  k  '  ""^  S"""""  "^^""«^li"''^,  o  Duque  de  Bragança  e  Conde  de 

li^-  o  cónl  Ho  M  "^''"'^^  «e  Torres  Novas;  o  Marquês  de  Vila  Real  e  Conde  de  Alçou 

m"' o  letrado  Cond/n  v'  '  ''"f «  Coutinhos.  timbrados  do  leopardo  vermelho  armado  de  ouro;  o  cí 
óal    o  CnndP  H.  D     ,  ""^S"""^       ""^O"""  de  crescentes  de  praia;  o  Conde  de  Tentu- 

^rL  r  das  três  faixas  veiradas  dos  Vasconcelos;  o  Conde  de  Linhares 

pnmo  do  re,;  o  Conde  da  Fetra,  sôbre  campo  vermelho  a  cruz  de  prata  llorida  dos  Pereiras-  o  CoTde 

sanles  de  prata  dos  Castros,  a 

onça  azul  dos  Alaídes.  o  des- 

Irochero  de  ouro  dos  Manuers. 

a  donzela  dos  Menezes,  a  asa 

vermelha  e  os  cinco  escudetes 

de  azul  dos  Aibuquerques.  o 

naire  nascente  dos  Gamas,  o 

búfalo  dos  Sás,  a  águia  azul 

dos  Eças.  com  a  cruz  negra  sô- 
bre o  peito,  os  seis  besantes 
de  ouro  dos  Almeidas,  as  flores 
de  lis  verde  dos  Mirandas,  em 
campo  de  ouro  o  dragão  vo- 
lante de  vermelho  dos  Alber- 
garias, os  caldeiros  negros  e 
as  serpes  de  ouro  dos  Pache- 
cos,  o  grifo  dos  Cunhas,  os  seis 
besantes  e  a  cruz-dobre  dos 
Meios,  o  cavalo  branco  dos  Ta- 
vares,—tôda  a  armaria  do  ci- 
clo  heróico  das  descobertas, 
tôda  a  heráldica  dos  homens 
que  lufaram  com  o  mar.  que 
se  bateram  no  Oriente,  que 
criaram  na  índia  um  Império, 
formidáveis  maiúsculas  G  Gama. 

Castro.  Almeida.  Pacheco,  Albuquerque!)  de  que  mais  tarde  um  fidalgo  barbirruivo.  insubmisso  e  des- 
graçado,  blasonando  ele  próprio  duma  serpente  de  prata  entre  penhas  verdes,  se  havia  de  servir  oari» 
escrever  a  mais  bela  epopeia  do  mundo.  *^ 

Mas,  se  são  grandiosas  as  letras  capitulares,  não  merecem  menos  o  nosso  culto  e  a  nossa 
gratidão  as  mmusculas.  *cette  armée  humble  et  noire*.  os  descendentes  da  <arraya  meuda.  e  dos  <ven 
tres-ao-sol»  de  Fernão  Lopes,  o  povo,  que,  se  não  foi  o  pensamento  e  a  vontade,  foi  a  realização  e  o 
braço  das  navegações  portuguesas.  E  ele  que  nos  sorri  dos  grotescos  e  dos  modilhões  das  catedrais- 
é  êle  que  canta  e  que  baila,  ao  som  de  telhas  e  de  adufes,  nas  folias  e  nas  chacotas  de  Gil  Vicente-  é 
êle,  robusto  e  hirsuto,  que  forja  as  armas  nas  ferrarias  de  Santarém  e  nas  taracenas  de  Cata-que  f^arás- 
é  êle.  calafate,  carpinteiro,  estrinqueiro.  breador,  que,  à  luz  de  archotes,  nos  varadouros  e  estaleiros  da' 
Ribeira,  levanta  carcassas  de  caravelas  e  de  náus;  é  êle  que  combate  com  o  mar;  é  êle  que  enche  a 
históna  dolorosa  dos  nauh-ágios;  é  éle  que  mata.  que  sofre,  que  mone  para  unir  dois  oceanos  e  para 
criar  fres  impérios.  Foi  o  povo  que  nos  deu  011  Eanes,  o  das  rosas  de  Santa-Maria.  símbolos  do  mar 
desvendado.  E  o  povo  que  nos  dá  Pero  d  Alemquer-o  pilôto.  É  ainda  o  povo  que  nos  lega  a  ri- 
sonha bravura  de  Lopo  Barriga,  a  melhor  lança  de  tôda  a  Africa.  Da  costa  algarvia,  de  Cascais  do 


TIpM  da  nobreia  portusucia  de  Ivmpo  d*  D.  Manual 


O  POVO  NO 

■  ■    I  I  1 


11 


A  ERA  MANUELINA 


Pôrlo.  da  gente  de  Ílhavo,  de  puro  sangue  fenício,  provém  os  marinheiros  das  armadas  de  D  Manuel 
nelos  daqueles  que  Nuno  Gonçalves  pintou  nas  tábuas  de  S.  Vicente.  Do  povo  tisnado  e  humilde  hú- 
mus virginal  onde  se  acumulam  tôdas  as  energias  criadoras  duma  raça.  surgem  os  artistas,  os  imaginá- 
rios, os  alvanéos  obscuros  que  íixam  para  a  imortalidade,  na  pedra  sagrada  dos  Jerónimos,  a  alma  in- 
quieta da  epopeia  da  índia... 


RES  padrões  da  arquitectura  religiosa  portuguesa  marcam  os  trís  momentos  decisivos  da 
história  da  nacionalidade:  Alcobaça,  a  fundação;  a  Batalha,  a  emancipação;  os  Jerónimos, 
a  expansão.  O  primeiro,  com  as  suas  três  naves,  as  suas  abóbadas  de  ogivas  e  arcos  mes- 
tres moldados,  os  seus  macissos  pilares  onde  esbeltas  colunas  se  embebem,  tam  semelhante 
no  tipo  à  catedral  de  Poitiers.  -  representa  a  epopeia  bárbara  de  Afonso  Henriques.  O  se- 
gundo, maravilha  do  gótico  inglês,  brincada,  alada,  eriçada  de  torres,  de  agulhas,  de  flechas,  de  coruchéos 
llor  ogival  que  Murphy  exaltou  e  em  cujo  pórtico  se  encontra  todo  o  programa  iconográfico  da  Legenda 
Doirada  de  ]acques  de  Voragine.  -  representa  a  epopeia  cavalheiresca  de  D.  ]oào  I.  O  terceiro  -  Santa 
Mana  de  Belém  -esbelta  náu  de  pedra,  sonhada  por  Giovane  Potassi,  feita  com  a  vintena  dos  rendi- 
mentos das  casas  da  índia  e  da  Mina,  trabalhada  pelos  alvanéos  ribeirinhos  no  lioz  doirado  das  pedreiras 
de  Alcantara,  enriquecida  de  cordagens.  de  vergas,  de  algas,  de  madréporas.  de  monstros,  de  dia- 
mames,  de  esferas  armilares.  de  cruzes  de  Cristo,  sob  a  dupla  sugestão  do  Oriente  e  do  mar.  -  repre- 
senta, na  sua  expressiva  desarmonia,  a  ofuscante,  a  resplandecente  epopeia  de  D.  Manuel. 

Os  lerónimos!  Lusíadas  de  pedra,  escritos  pelas  mãos  plebeias  de  mestre  Boytaca  e  de  mes- 
tre João  de  Castilho!  Como  tudo,  nesse  mosteiro,  evoca  o  ciclo  glorioso  das  navegações!  O  pórtico  late- 
ral, com  o  seu  tímpano  da  Virgem,  com  a  sua  fuga  de  arquruoltas  povoadas  de  profetas  e  de  doutores, 
com  o  seu  colunelo  coroado  da  figura  do  Infante  de  Sagres,  com  os  seus  capitéis,  as  suas  impostas,' 
os  seus  intradorsos  arrendados  e  modelados  pelo  opulento  naturalismo  dos  imaginários  da  Renascença] 
—  dir-se  ia.  na  sua  grandeza,  o  arco  de  triunfo  por  onde  Portugal,  senhor  dos  mares,  entrou  na  histó- 
ria da  civilização.  Nas  vastas  naves,  divididas  pelos  seis  mais  belos  pilares  que  algum  dia  sustentaram 
o  artezonado  duma  abóbada  gótica,  parecem  ressoar  ainda  os  passos  augustos  dos  heróis,  dos  capitães, 
dos  almirantes,  dos  governadores,  dos  více-reis.  dos  super-homens  da  índia.  Dos  recantos  do  cruzeiro  e 
da  ábside.  acordadas  pela  alma  colorida  e  luminosa  das  vidraças,  surgem  as  grandes  figuras  patriarcais. 
-Vasco  da  Gama.  orgulhoso,  debaixo  de  pálio:  D.  ]oâo  de  Castro,  coroado  de  louros  como  um  varão 
de  Plutarco;  Francisco  de  Almeida,  abraçado  ao  cadáver  sangrento  do  filho;  Duarte  Pacheco,  arrastando 
as  cadeias  do  cativeiro;  Afonso  de  Albuquerque,  o  criador  de  impérios,  com  os  seus  olhos  de  águia, 
o  seu  tabardo  negro,  a  sua  coifa  de  ouro  na  cabeça,  a  sua  barba  branca  atada,  na  ponta  como  a  do 
Cid  Campeador.  A  nossa  imaginação  enche  a  igreia  duma  multidão  de  espectros  —  Tenaz  serei!  Tenaz  se- 
rei!- .  faz  retinir  armas,  levantar  cruzes  de  prata,  clangorar  trombetas,  arrastar  pluviais,  scintilar  bácu- 
los e  dalmáticas  na  penumbra.  O  génio  dos  arquitectos,  dos  imaginários,  dos  ornamentistas  manuelinos— 
Doytaca.  João  de  Castilho,  Diogo  de  Torralva.  Jerónimo  de  Ruão —  desperta  por  tôda  a  parte,  diante  dos 
nossos  olhos,  os  fantasmas  adormecidos  do  passado.  Dos  brulescos,  dos  monstros,  dos  fálus.  dos  masca- 
rões.  dos  anjos  báquicos  que  ornam  as  colunas  das  naves  -  as  maravilhosas  colunas  que  assombraram 
Taylor!  — é  o  povo,  são  os  marinheiros,  é  a  ralé  sublime  das  armadas  que  nos  espreita,  risonha,  tisnada, 
gadelhuda,  ululante,  possessa  de  naufrágios,  de  incêndios,  de  conquistas,  de  esplendores,  de  devasta- 
ções,—de  glória.  No  claustro,  no  enorme  claustro  mordido  de  sol.  as  sugestões  do  mar  esplendem, 
entrelaçam-se  na  pedra  doirada,  torcendo  cordagens  nas  arquivollas  e  no  intradorso  das  aduelas, 
enroscando  monstros,  plantas,  sereias,  frutos,  grifos,  centauros,  epicrâneos,  hipocampos,  hipocentauros  nos 
capiteis,  nas  pilastras.  nos  pinázios,  que  a  mào  de  mestre  Benavente  trabalhou,  animando  os  olhos,  as 
frontes,  as  bôcas  de  pedra  de  Paulo  da  Gama.  de  Nicolau  Coelho,  de  Álvares  Cabral,  que  há  cinco  sécu- 
los, da  sombra  daquela  crasta  manuelina,  sorriem  para  a  imortalidade.  Aos  nossos  ouvidos  latejam  no- 
mes humildes:  Simão  da  Rosa  Aleixo  Pires,  que  afeiçoaram  os  chumbos  e  os  latões  das  vidraças  e  das 

13 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


fenestragens;  Diogo  Fernandes,  que  féz  os  balaústres  da  ousía;  Manuel  de  Carvalho.  Baltazar  Rodri- 
gues, aluanéos,  que  trabalharam  a  pedra,  voluptuosamente,  em  êxtase,  em  oração.  Repercu(e-se  em  nós  o 
espanto  das  gerações.  A  voz  do  silêncio,  que  Pelladan  ouvia  nas  catedrais  de  França,  infiltra-nos,  pene- 
tra-nos  de  fé,  de  m  no  e  de  assombro.  Compreendemos  então  as  palavras  de  Filipe  11,  quando,  vestido 
pela  primeira  vez  di.  branca,  levantou  os  olhos  às  profundas,  às  maravilhosas  abóbadas  dos  Jerónimos: 
—  iNo  hemos  hecho  nadie  en  el  Escurial! 

Mas  em  Santa  Maria  de  Belém  não  havia  apenas  ~  iah.  nãol  — a  obra  dos  arquitectos,  o  labor 
dos  imaginários  omamentistas  que  arrancaram  à  pedra  de  Alcântara  a  tipologia  da  Legenda  Áurea  e  os 
motivos  naturalistas  da  fauna  e  da  flora  do  Oriente.  Havia  também  a  obra  dos  pintores,  a  obra  dos  ouri- 
ves do  ouro,  a  obra  dos  iluminadores  em  pergaminho,  verdadeiro  tesouro  dos  monges  hierosolimitas.  Lá 
estavam  os  retábulos,  os  painéis  de  Gregório  Lopes,  de  Gaspar  Vaz.  de  Fernão  Gomes,  mandado  à  Itá- 

*  ouRivf  <  'ia  a  expensas  de  D.  Manuel,  cujas  figuras  se  diriam  tocadas  pelo  doloroso  misticismo  de  um  Van  der 
Wevden.  Ali  resplandeceram  o  cális,  a  cruz  e  a  custódia  manuelina  fabricada  por  Gil  Vicente  com  o  pri- 
meiro ouro  de  Quilòa.  peças  singulares  da  ourivesaria  portuguesa,  que  então  se  desentranhava  (i  havia 

itKO^.Hoii  ^"^  ^^^^^^  quatrocentos  e  trinta  ourives!)  em  maravilhas  de  arte  religiosa  e  nas  baixelas  opulentas - 
cântaros,  ptchéis.  copas,  escudelas,  bátegas,  gomis,  albarradas.  barnegais.  almaraias.  cerofalas  -  que  acen- 
diam montanhas  de  ouro  sôbre  os  mantéis  franceses  das  mesas  dos  fidalgos  e  dos  mercadores.  Para  os 
Jerónimos  mandou  D  Manuel,  no  seu  testamento,  os  sete  livros  da  Bíblia  e  o  Mesfre  das  Sentenças, 
joias  da  ilummura  italiana  do  fim  do  século  XV.  que  Vante  di  Gabriello  Aclavanti  pintou  e  recamou  de 
ouro  brunido,  e  que  um  dos  Papas.  Júlio  II  ou  Leão  X.  ofereceu  ao  rei  de  Portugal.  Ali  se  amontoa- 
vam, em  arcazes  flamengos,  os  paramentos  bordados  em  Veneza,  em  Florença,  em  Chipre,  em  Bizâncio 
em  Palermo,  no  Oriente,  com  as  armas  do  reino  e  de  S.  Jerónimo  falseando  ouro  dos  sebastos,  dos  au-' 
rifrigros.  da  pesada  escarcha  dos  aurisamiios  e  dos  maromaques  preciosos.  A  grande  nau  de  pedra  de 
D.  Manuel  trasbordava  de  riquezas.  E.  como  timoneiro,  êle  lá  estava  à  pôpa.  em  estátua  orante.  ajoe- 
lhado diante  do  tímpano  da  porta  axial  da  igreja,  junio  dessa  mesma  imagem  de  S.  Jerónimo  que  levou 
o  rei  de  Espanha  a  bradar,  deslumbrado: 

—  /Mira,  mira,  que  me  quiere  hablar! 


11  mob 


AS  a  arquitectura  manuelina,  tam  representativa  e  tam  original,  não  se  reduz  aos  Jerónimos. 
Ela  esplende  nas  Capeias  Imperfeitas  da  Batalha,  que  mestre  Mateus  Fernandes  brincou 
como  uma  renda  de  pedra ;  no  convento  de  Cristo,  de  Tomar,  onde  o  génio  de  João  de 
Castilho  floriu  a  mais  bela  janela  do  mundo;  na  Madre  de  Deus.  para  onde  Lucca  delia 
Robia  mandou  os  seus  baixos- relevos  policromos;  na  antiga  Misericórdia  de  Lisboa  cons- 
truída sôbre  a  sinagoga  de  Vila  Nova  de  Gibraltar  pelas  mãos  piedosas  de  Fernandes  de  Évora;  no 
sumptuoso  Hospital  de  Todos  os  Santos,  que  dominava  o  Rossio  com  os  seus  trinta  e  cinco  arcos  e 
onde  três  ecónomos.  cónegos  azuis  de  S.  João  Evangelista,  administravam  a  assistência  a  mais  de  cem 
doentes;  nos  paços  de  Évora  e  de  Sintra;  na  abóbada  dos  nós.  da  Sé  de  Viseu  -  em  dezenas  de  mos- 
teiros (Jesus  de  Setúbal.  Conceição  de  Évora,  e  iquantos  mais!)  onde  as  janelas  geminadas,  as  galerias, 
as  naves,  os  rosetôes  coloridos,  a  fuga  de  arquivoltas  dos  pórticos  nos  dizem  ainda  o  que  foi.  por  êsse 
Portugal  fóra.  o  movimento  do  gótico  flamejante  manuelino.  E  não  apenas  na  arquitectura  religiosa  e  ci- 
vil; também  na  arquitectura  militar.  Aí  está.  recortada  na  crosta  de  ouro  do  poente  em  chamas  a  linda 
tórre  de  Belém,  debuxada  talvez  por  Garcia  de  Rezende;  ai  estão,  por  tòda  a  parte,  os  velhos  castelos 
que  são  a  heráldica  da  nossa  paisagem,  a  corôa  dos  nossos  campos,  padrões  venerandos  cujas  relíquias 
dionisianas  e  pré-dionisianas  D.  Manuel  restaurou,  florindo  lhes  as  alcáçovas  pelas  mãos  de  mesh-e  To- 
más Fernandes.  methorando-Ihes  as  condições  defensivas,  fazendo  déles  o  que  no  seu  carinhoso  códice 
nos  mostra  Duarte  de  Armas. 

iComo  êles  nos  falam  da  nossa  grandeza,  os  velhíssimos  castelos  de  Portugal!  iCom  que  elo- 
quência êsses  restos  desdentados  da  arquitectura  militar  e  senhorial  nos  ensinam  a  nossa  história!  iCom 

14 


TOHur  -  CONVERTO  DB  CRISTO 


NOSSA  SENHORA    DAS  NEVCS 
PAINEL  OE  lOnaC  AFONSO 


A  ERA  MANUELINA 


iOliuroregiinto 


oooc  noa  oc  r^cmlingcwflí  poitu 
giís.<marraaabo4íf5ofcnbíwnii 
DomçcrimorcgqDoánofffluDftíon 
ttm  na  bf  nojw  eu  jgdica.  Capucálo 

pivncfU)  Da  molba  Éinu  rudna. 

for  fc  CHI  rra* 

v^u  N^uiiinMiii  I  orrgno Dcíama 
i'íi''jl.-  'j?^^^^  Uru.nópoíaurr 
^lyJ  '"^^^i^aosfamanfaiioe  poMiitófcnó 
;f;>7J  moftrafTí  fer  cófrairo  aa  fu  j  nif  (rrna  ooan 

-  nJxaflIcauiaoiaoartuPDifapoUoeqnó 
foficm  pi7  ocamHibo  Oo60f  nfi067C .  mad 
fltoropcaDifpoOcofnTmxfíTiíaDcDoca 
minbo orequiT  affv  po?  quanto  famana 
wanrrí  lu  W.1 1  ffunlJiIca  (íleo  fccrgo  a 
ícrcJOcfichcniçiMDcDírjmanaon 
oci7ju3afonrcquc(3cobab)ira]qui 
00  Pimba  Dfmffoporariia.7conipíouoci' 
poocamo  p:incipf  oe  íictxm  alli  moíou 
■çma  oaquítia  çiMDc.  i  quanOo  Wfo  aa 
^  wamoitflíirouaqucUfCflmpoBiofcpbroj 
j^-ftlboffgttncwf.líínogfndi,(.£crflaçer 
^  caoíboiaocfcrra^ieílorí  oijpomKy 
ffrar  qu(  njnba  caufa  ou  rayom  ot  ftar  am 
ftMOo.po«itKpcr  gráof  fcato  00  Dia  rra' 
Mlbaramipxrguar.  £  cito  íof  íignalque 
aiua  payíom  auma  oc  fm  arai  bcM  fan 
gaDooucanfflOobíofnibo:  fcguntwacar 
n.'  &a  foíf  allr^  oo  qual  noe  auonoe  bo  cf' 

'íbccanfdDoaquílIcpaqufoecan» 
íaooe  re^cbmi  foíça  7rífrdto.  f  aoiguaco 
L,  OíaqucUcoqualfcnosoefempararlogofo 
V>  nioe  fdOigaooíncdnmioof.'ífcfojpí&» 
fmtf  fereinoe  foace   njM.pojquf  aTua 

'ojfallfvanoeínou.taruafraqucv  noerc 
cnou  filbouftlrnomfolianifiiícanaturc 
va  bumanal  rnai»  aiiiPa  op  fftcfquc  fcm 
^ícrca  oa  narurf  aqucUfequf  adk  <on 
umba  ftlbar.  ©  uoc  «n  qnro  ae  pf  naefom 
CTcroíariuao&arimiPí  piTfíaa.ifomtí' 
mmunbaisquf  Dcdjramaoarurcjfl  buma 
naf(vri>íroaot-ira-7nom  fingioa  Cnitan 
toioinourpoPfr5aonraniflcatipcnalií>a 


bfeaíTifpíÍMfBtomo  cnponn  toudlaft 
quf  rsuaroamanofía  bumana  narurami 
eocnuú.  affi  como  aufr  fanic  t  írot  quanoo 
n«TT  tcuomannjmmto .  i  mftrja  i  tmioj 
quan!>opcfqii<trmapardbaooalguúpc' 
ngooou  oarnpno.ialTtcomoqufAura': 
mo  faiíiaçomfaOflmáoTcoufwfíiiiciW 
Ií0.noni  rcícbftioo  pfrotoooeoeDffotoe 
(DípcaaíA  alTf  coniooofflçae  oduarra/ 
OOTque br  ba  nem  hibciioufrotirooolJoí 
Cínl:a"fpÚ3ceanicomoronipfía>3igno' 
nnçi  1  rfuctíairiíTiro  Da caruí cófra ofpú. 

CipoqufTcripomoiírarapfTOaPfDabu  7 
manalnaruraquífomaralíTrauaatrabal  ^ 
baripflOíÇCTgecoufjíquffompfopnaii  ' 
00  t»mf  .1  qucmHWcfTo  mafmomoítrar 
quf  fUi-auia  ourra  narurr^i  tpooiT  (obx 
obumaniDaoefiíjiaalgúaawwolwDi 
iímaa«cmdIa.«nDequíoortn/nbfl«ín' 
tiueça  Da  nmjocoiuinal  quf  nó  wírcou 
Df  coirTcfTfon  oeo:po  foi  íimiõ  auu  fiiinc 
t  canfaço.T  qu  jiioo  laraua  midír  obNr  a 
JirtUDc  Diutna  onró  atDOa  quf  nom  comcf 
ifno  fluufanicfionrfDffwncanrauaBm.'- 
baqu<rouuffrctra&a'bwLCfoiomrco3  C 
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rançaOocofiwocrpo.po:quv(jmpou(o 
cufíMDjauíaDaflcourjfl  q  juia  Dí  coma 

quciiorraíiaconifigomanrijmfiiro  alcuiJ  ^ 
oumaniar.CimobuuanioIbcrDorc 
Snoocfamanalroaqudlaaoaotoeíi  ' 
íbem.CanraraauaJiDcmSoanDolbco  ^ 
roíboiaogoapoiomíbalboiraoigaDoca  " 
minbo.econboíí0oo8molbaenia<>fiiU 
DaeoomantompoituoaipowjueanVco' 
mooeiuof^erãoeuifoôodlcacnilouuoít 
ftnJKo  0(  6e  rni  a  arcúíifctnafTi  nmW  orf 

fJmanfjno8]Êrgc^rurMopboau. 
toií-cíhouraDfurerccTcõboaoopoMalí 

rrírconbOíiooocícngo-iordigK)(o-n.ae 
aicapie  aaDurfcconbo(c  oedmgoeooe 


Uri.  plflln.  do  Incuntbulo  -VITA  CMHISTI-.  Impr...»  .»  Lfbo.  per  Nleer.u  tf.  a.«4nl. 

•  Valtntin  d«  Morávla.  na  aao  da  km 


17 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


que  ternura  eu  os  evoco  neste  momento,  aos  avós  proféticos  da  nacionalidade,  a  todos  èles,  desde  a 
fronteira  none  até  à  costa  sul  do  país, —  desde  Valdevez,  onde  a  torre  albarrã  do  castelo  da  Giela  le- 
vanta nas  névoas  da  manhã  o  seu  perfil  de  granito  doirada.  Mé  Silves,  cujas  fortes  quadrelas,  cujos 
cubelo5  nearos.  cujas  cisternas  mouriscas  nos  recordam  o  poder  dos  almóadas  e  a  grandeza  duma  civi- 
lização que  nós  ajudamos  a  extinguir!  iQuc  diversidade  de  aspectos,  de  traçados,  de  arquitectura,  de  ma- 
teriais, -  a  principiar  nos  pesados  silhares  do  castelo  de  Guimarães,  a  acabar  nos  coruchéos  de  tíjôlo 
dos  torreóes  normandos  de  Viana  do  Alemlejo!  iOue  variedade  de  tipos  de  tõrre  de  menagem,  -  a  forte 
albarrã  de  Bragança,  com  a  sua  janela  geminada  ogival  e  a  sua  pedra  de  armas;  a  tõrre  de  Montalegre, 
com  as  suas  balhesteiras,  por  onde  se  lançava  sôbre  os  assaltantes  o  fogo  grecisco;  a  beta  tõrre  de 
Beja,  opulenta  de  brutescos  e  de  lumieiras  góticas;  a  de  Exircmoz.  mais  bela  ainda,  armoriada,  aberta 
de  ajimezes.  coroada  de  varandas  sõbre  possantes  malacâes;  a  torre  das  cinco  quinas,  de  Évora;  a 
lôrre  heptágona  de  Freixo  de  Espada  à  Cinta;  a  lòrre  das  cabaças  de  Santarém,  —  expressões  vivas  de 
lôdas  as  épocas,  de  tôdas  as  civilizações,  de  todos  os  estilos,  desde  o  primitivo  românico  da  tõrre  de 
Mumadona,  até  à  clara  influência  mudéjar  nas  lumieiras  geminadas,  de  duplo  arco  em  ferradura,  que  fe- 
nesiram  a  alcáçova  onde  morreu  Santa  Isabel!  c  Quem  não  se  sentiu  peneirado  de  emoção  perante  os 
castelos  de  Guatdim  Pais,  —  Almurol  com  as  suas  onze  tòrres.  Pombal.  Tomar,  em  cuios  adarves  flutuou 
o  pendão  negro  e  branco  dos  Templários?  tQuem  não  se  possuiu  do  orgulho  do  passado,  olhando  o 
castelo  de  Leiria,  com  a  grandiosa  alcáçova  de  D.  Dinis,  o  dc  Óbidos,  com  as  suas  extensas  barbacans, 
o  de  TÔrres  Vedras.  ainda  contrafortado  de  cubelos  mouriscos,  o  de  Santarém,  o  de  Palmela,  o  de  Sintra, 
que  confunde  com  a  rocha  os  lanços  das  suas  quadrelas  e  recorta  as  suas  tòrres  de  segurança  no  céu 
doirado  do  roi*nte?  t  E.  mais  para  o  norte. -  Lousã:  Montemór.  com  a  sua  ianela  de  delicadas  arqui- 
voltas.  donde  as  imantas  olhavam  os  campos  do  Mondego;  o  castelo  da  Feira,  com  os  seus  coruchéos; 
a  Giela.  com  o  seu  Paço;  Leça  do  Bailio,  aconchegada  à  tórre  quadrada  dos  cavaleiros  de  Malta?  Mas 
foi  sobretudo  nos  castelos  do  Alemtejo  que  os  alvanéos  de  D.  Manuel  tocaram.  Foi  nas  íôrres  de  de- 
fesa das  fronteiras  de  Odiana  que  mais  trabalharam  os  marrões  e  as  lurías  de  Tomás  Fernandes.  E  são 
precisamente  èsscs  castelos  Portalegre.  Alegrete,  Arronches,  Assumar.  Monforte,  Borba,  Extremoz,  Vila- 
Viçosa.  Alandroal.  Redondo.  Viana.  Monsaraz  os  mais  ricos  de  arquitectura  e  de  pormenores  etnográ- 
ficos, aqueles  que  maior  originalidade  oferecem  na  sua  construção,  pela  associação  do  tijolo  com  a  pedra, 
pela  acção  evidente  da  mão-dc-obra  árabe  (ios  lindos  ajimezes  de  Alvito!),  pela  profusão  de  brutescos. 
de  pedras  de  armas,  de  cachorros  trabalhados,  de  goteiras,  de  gárgulas,  de  pingadouros  manuelinos  com 
que  os  alvanéos  do  princípio  do  século  XVI  enriqueceram  as  tòrres  albarràs  de  D.  Dinis.  Mas  — iai  de- 
les!—a  importância  militar  dos  velhos  castros  medievos  durou  pouco.  Os  progressos  da  arte  da  guerra, 
sobretudo  da  casirametação.  na  segunda  metade  do  século  XVI.  atenuaram  consideravelmente  o  seu  va- 
lor defensivo.  A  situação  política  da  península,  assegurada  por  sucessivas  alianças  dinásticas,  reduziu  ao 
mínimo  as  preocupações  de  defesa  tcrrilorial,  É  na  Africa,  é  na  índia,  é  no  mar  que  combatem  os  por- 
tugueses de  D.  Manuel.  O  nosso  clarão  épico  acende-se  no  Oriente  —  para  iluminar  o  mundo.  É  lá,  nas 
praças  tantas  vezes  cercadas,  que  resplandecem  as  «façanhas  façanhosas»  de  Garcia  de  Rezende,  t  lá 
que  as  mulheres  de  Diu.  esplêndidas  de  sacrifício,  vendem  as  suas  jóias  para  reconstruir  pedra  a  pedra, 
com  lágrimas  de  júbilo  e  de  orgulho,  os  baluartes  arrazados  da  fortaleza... 


O 

seus  heróis 
Nun'Alvares. 

18 


ARQUITECTURA  manuelina  foi  grande;  mas  não  o  foi  menos  a  sua  pintura.  Aos  nomes 
de  )oao  de  Castilho,  dc  Tomás  Fernandes,  de  lerónimo  Bovtaca,  de  Diogo  de  Torralua, 
de  Benavente,  de  Mateus  Fernandes,  de  Jerónimo  de  Ruão,  contrapõe-se  a  estirpe  de  Jú- 
piter dos  nossos  «primitivos»,  cujas  agiografias  nos  revelam  tõda  a  côr.  tôda  a  opulência, 
lodo  o  faus<o  do  século  de  D.  Manuel. 

ciclo  de  D.  João  I  leve  um  pintor  —  mestre  António  Florentim  — que  deixou  a  imagem  dos 
nos  frescos  da  igreja  de  S.  Francisco,  do  Põrlo.  e  que  pintou  para  o  Carmo  o  retrato  de 
de  que  a  tábua  do  palácio  Pombal  é  uma  réplica,  devida  talvez  ao  pincel  do  mestre  de  S. 


ADORAÇAO  DOS  MAOOS 
d*  Crlat6vSo  dv  Figueiredo 
(Mwicu  Njtional  de  Arit  AniiHA.  Lliboa) 


i 

  J 


A  ERA  MANUELINA 


3ii  nirmínc Wmíní nofln^c   rD i;fijttífT  íp.t»cl'r5c  t(n t» cprir 
(bíbiifti/lnnpit  b:cuiflníioODí   fiofnui- jiiifrftiuc:>iiattir.íp 
pinumcfnnii  nomjmíitpcrbo    ^tte fel cntfftgt botar  la neg 
roefiCT-um  iífiiíimfcnalibue 
ticbuequáilccuú  frAiuiitinbuo 
per  totQ  oníii  orailú.  moit 
tborcnfiecccé  cdcbjflnDú.i  piío 

ptiii  tónica  at>uciiiue7*fíi  regulo* 
ntcr  póílur  fcinprr  itcr  Tcno  Ule 
Pcccmb:ie  1  tcrcio  nonoofiuft)* 
mcnfif  rbirflicacurocucncnt. 
jbi  vcrcffftú  ici  aiioicf  rcncnt 
i  Cl  c  f  n  I  ca- Ir  j  n  ilcn  u  r  i  fccíoA  fc 
nópíojrioj.!  cclcbítiriirttpfiica. 
€r  fimiIiifT  obfcmin?U5  f  tí  quo 
libj  alio  fffto  iaoirc  i  t>niaet>i< . 


t  (omno  (urti^Hunt^^ 
psopioi  t  notr^i  latus  quá  cu  crc 

OOTiVitcl  olAtc  frPCTtj .  ftmifl 
>uf  aevénú .  ipc  rfwmpioi 
ciTTi  cnmoipcc£>  ruppticunL  Q,irf 

rcaUum.ialu.itii  munDúdR^u 
©ú.cwiãe  me  rcmcfiú.  XJr^P^» 
fcmutiDi  ccfpfTc.vriiponlueoc 
tbolamc^cóiidiíebciuíiiiíimj. 
rtrgini»  mMnQ  (tauriilJ.  {  jjiud 
fo:ti  pctcntic.gmu  (untúruroij 
cricuia  tcrrcfirtj .  nufu  kumvr 
fiú^m.  5c?c^uniLiragii.rm 


Bento.  O  ciclo  de  D.  Afonso  V  possuiu  o  seu  pintor  também  -  o  grande  Nuno  Gonçalves -que.  no  as- 
sombroso  políptico  de  S.  Vicente,  padrão  máximo  da  pintura  portuguesa,  legou  à  imortalidade  a  figura  do 
Infante  D.  Henrique,  o  precursor  e  o  patriarca  das  navegações,  e  que.  segundo  tôdas  as  probabilidades 
debuxou  os  cartões  para  as  maraviltiosas  tapeçarias  da  conquista  de  Arzila,  guardadas  pela  Espanha  na 
Casa  do  Infantado.  Ao  ciclo  de  D.  Ma- 
nuel corresponde,  não  apenas  um  pintcr, 
mas  uma  pintura;  não  apenas  um  mestre. 
—  mas  uma  escola  ('). 

As  novas  condições  do  país. 
convertido  em  entreposto  do  comércio  do 
Oriente;  o  consequente  engrandecimento 
do  poder  real;  a  intensificação  das  nos- 
sas relações  internacionais,  sôbre  tudo 
com  a  Flandres,  por  intermédio  das  fei- 
torias de  Bruges  e  de  Antuérpia,  e  com 
a  Roma  de  Rafael,  de  AAiguel  Angelo  e 
de  ]úlio  Romano,  criaram  um  meio  favo- 
rável ao  desenvolvimento  da  arte.  e,  em 
especial,  da  pintura.  Lisboa,  com  os  seus 
selenla  e  seis  pintores,  os  seus  quarenta 
e  sete  desenhadores,  os  seus  dez  ilumi- 
nadores-carlógrafos.  tornou  se,  no  prin- 
cípio do  século  XVI.  um  notável  centro 
de  cultura  artística.  Foi  a  expressão  bri- 
lhante do  nosso  cezarismo.  D.  Manuel 
manda  pintores  à  Itália;  artistas  italianos, 
como  Luca  delia  Robia.  trabalham  para 
Portugal;  mas  é  a  Flandres  que  exerce 
uma  influência  mais  directa  sôbre  a  obra 
dos  «primitivos»  manuelinos.  Não  só  se 
sucedem  as  encomendas  de  quadros  aos 
mestres  flamengos  (o  fríptico  de  Nossa 
Senhora  da  Misericórdia,  de  ]oào  Provost; 
o  políptico  da  Sé  de  Évora,  de  Gérard 
David,  com  o  admirável  painel  da  Senhora 
da  Graça;  o  Fons  Vitdi.  atribuído  a  Ber- 
nardo von  Oorley);  mas  muitos  portugue- 
ses vão  aprender  á  Flandres  (Eduardo 
Portugalois  era,  em  ISO,  discípulo  de 
Quentin  Metsys),  e  muitos  mestres  da 
Flandres  veem  pintar  para  Portugal,  como 
Frei  Carlos,  como  Francisco  Henriques 
(filho  de  português  e  de  brabantina).  como  outros  que  trabalhavam  na  oficina  de  Jorge  Afonso,  a  S 
Dommgos,  nacionalizando-se  ale  certo  ponto  na  emoção  e  nos  processos,  adoptando  as  nossas  «tinias 
opalinas.,  sentindo,  como  nos.  a  nossa  luz  e  a  nossa  paisagem.  A  esta  poussée  de  estrangeirismo,  nalu- 


pafcha.ablxicp:íiíT>nKii  jucn  

njeonivroíú^vifiiUãnaialieoo  poic.tKflieafdopcrftoi.  x  auo 

mini  offifi  bK  niancrirvííe  nó  dl  f^'""  Píuegloiu-wo  pif  i  filio. 

ÍPirbuBT»fiiaeifcn*)libiiti.  fuá  fíefimul  paroílito.iícnipiicnw 
lú  fit  ?  cí  brávirdc  i  d  oiliiô feio        ainc.í t  t>ic  br*  i  r-uc  itqiíÊ 

nípQcc.p:ouii(€nuo(õríciur.  iceoiíúnirao  vefE!a0-  ft>Aici0'»- 

£.1  í^e  frilfi  tjr. l(crionu5  nicnr^ t  fcnjlib* f  n-b"  p  tciú  úTJuriii j. 

qj  túcnóaguuroffincfwufinn.  IRwatíffhírtUpn-.cinulwpIuíiir 

fl)mnâ  btécfffe flpiur.  i  fil 5dc  ""f*^""*  p.?»pcnamrcfrn) ri (jírmirt 

ODuftii  idflliip.vtPtmf.iufiDii  foluatcwn.  a^j  nnJt^.tiriCacrwmi 

plf r  furi ir  ipni  fc flii.i  quo  nuii^  P"'      ^ icTiginqoe.ft danud v9 

offm  bif çgi6 Ã^xtw.  sabba  »»pl*t (crrorum.  fljidito. 
10    vffpfr«6.afíf  f>r  fi-nalceoi.  inifl  ?nc  potcnna?  rua 

fútur.nifi  ffflú  iioiir  Uónú  mtf  r.  \J  rcni-vrab  imincnbcTKCíJ 


Hfiicnt. 


L' jpifulum. 
jCfctJífflrmíuntTíí 
ai  oftp.ifufniúbo 
WÍMcrméluftú.irc 
gnabirrcnf-iptcnfl 
cntifaactiuoiauj 
tíuftíciãintcna. 
rmMnutfTpwccwirur.i  mrliuf 


td!u  nrórú  puulie.  tc  maeaniur 
DMfcgoitc  cripuicUbcronufaU 
inh.qma  fómf.Wcáruríiflia 
vie  t  líiij.i  fctfie  ri0  fcquftteoí» 
n.piout  í  fcT.ii.  frquhi  piotia 
víô  1  buif.noranrur.  aT>  <cç>\t^ 
flfíf  ífl^bf*%oioiího.qBCTc/ 
pfalmifhi.£tííncnDú  i^o^9Gi 


BrcvIJrlo  Dracir«n*e.    Obra  Imprcita  mm  Braga  por  Joio  Ohariina,  al«- 
mlo.  no  ano  de  t«M,  -CaampUr  da  Biblioteca  Nacional  da  Litboa. 


A  PINTURA 


ni.,  ,  p*  nossos  -primilivos-  comc(.irjm  agorj  a  ser  estudados.  EsinngeiroB  como  Racívniki  Robinion  lusll 

'^í^'^''"'': como  Ramalho  Onigio.  Joaquim  da  Vasconcelos.  Souw  Wlcrbo.  Jo.é  fSÍÍSo  mÍ- 
ximi  ano  dc  AragJo.  Antonio  Augusio  Gonça  vl-s.  leem  procurado  esclarecer  os  múltiplos  problemas  qurdS  r"sDcilo  à 
«KiMcnca  de  uma  ou  várias  escolas  de  pmiura  em  Portugal  nos  séculos  XV  e  XVI.  e  à  ideniiflcaçílo  daí  lábui.  subSnIcí 
com  os  seus  presumidos  autores  mercê  duma  vasta  polinímia  encontrada  nos  documentos  dos  nossos  íroulvo»  públicos  Ao 
mesmo  tempo,  un,  ilustre  c  erudno  arlisla.  o  pintor  Luciano  Trclre.  sujeitando  a  Iratamenlo  algumas  lábuls  do»  .pr  Svos° 
portugueses  (,quc  .urprcendenie  restauro  o  dos  painéis  dc  Nuno  Gonçalves!)  permitiu-nos  admira-Ios  em  iodo  o  esSSí  di 
sua  beleza  onsinal.  Apesar  disso,  o  estudo  dos  nossos  .gôlicjs.  pode  conslderar-sc  na  intincw,  lendo,  r/iw  m» lor  SirlV 
um  caracter  provisono  as  idenilficaçõcs  Jle  hojc  leJIas.  au^  maior  pane. 


19 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ral  numa  sociedade  e  numa  côrte  civilizadas  à  pressa,  correspondeu  uma  intensa,  uma  deslumbrante 
floração  de  pintores  nacionais.  Dois  focos  disputaram  a  primazia  na  glória:  Vizeu -Coimbra  e  Lisboa. 
No  primeiro,  mestre  Velascus.  forte,  audacioso,  violento  de  côr,  pinta  o  5.  Pedro  do  mosteiro  de  Ta- 
rouca, tipo  rude  de  plebeu  sob  uma  tiara  de  campainhas  de  oiro,  o  Pentecostes  de  Coimbra,  a  Ceia 
do  Paço  episcopal  de  Fontelo;  Caspar  Vaz  levanta,  com  a  unção  e  a  ternura  dum  primitivo  italiano,  o 

encantador  políptico  da  Virgem,  de  Ta- 

|fo0Dfofe0.  ScnbozDc  roenie  maraui]t>o 


BlcomopoDcce  Oi3írqorcn[x)26toooomp 
Ç)oaocamno0iDolio0nemno0  vofíoe  Dcotoiq 
be  maf  02  fcnl^oí  que  eliee. 
C£oniooemperaoo2  enuiou  bufcarad  rdiqucae 
Deiefu  rpopoilo  fcu  mcftrc  fallaXapuollo.y 


rouca;  Vasco  Fernandes,  que  BertauM 
injustamente  reduziu  às  proporções  de 
'un  peintre  médiocre  que  n'a  fait  que 
copier»,  (')  executa  essa  página  de  in- 
quietante naturalismo,  que  é  o  Calvário 
da  Sé  de  Vizeu,  e  a  maravilha  do  S. 
Pedro,  grandioso,  solene,  barbado  como 
Júlio  II,  envolvido  num  estoláo  bizan- 
tino povoado  de  icones.  assentado  no 
seu  amplo  faldistório  da  Renascença. 
No  segundo  foco  —  Lisboa  —  esplende 
a  escola  de  )orge  Afonso,  pintor  e 
arauto  de  D.  Manuel.  É  éste  mestre 
que  pinta  o  admirável  políptico  de  S. 
Francisco  d'Évora.  cuias  figuras  vivem 
sôbre  fundos  de  ouro,  como  numa  ico- 
noslase;  é  éle  que  sonha  a  doce  figura 
de  Santa  Maria  das  Neves;  é  ao  seu 
lado  que  trabalham,  na  oficina  de  S. 
Domingos,  Gregório  Lopes,  o  mestre  do 
retábulo  do  Convento  de  Cristo,  de 
Tomar,  o  flamengo  Francisco  Henri- 
ques, que  o  rei  nomeia  passavante. 
Pero  Vaz,  e,  com  êles,  sete  pintores 
vindos  da  Flandres.  Tôda  a  sumptuo- 
sidade da  Lisboa  manuelina,  da  Ve- 
neza atlântica,  da  cidade  dos  Argonau- 
tas, que  trouxera  duma  nova  Cólchida 
um  novo  velo  de  ouro,  resplandece 
nos  painéis  de  ]orge  Afonso  e  nas  tá- 
buas doutro  grande  artista,  Cristóvam 
de  Figueiredo,  pintor  do  cardial  D. 
Afonso,  mestre  do  Catuárío  de  Santa 
Cruz,  do  retábulo  do  Paraíso,  das  for- 
midáveis cabeças  dos  Doadores,  das 
magestosas  figuras  dos  Reis  Magos, 
que.  pela  riqueza   dos  estofos,  das 
jóias,  das  espadas,  parecem  ter  saído 
da  faustuosa  guarda-roupa  de  D.  Ma* 
nuel.  Lá  estão,  nas  personagens  episó- 
dicas das  agiografias  dos  dois  pintores,  os  tipos  vistos  e  observados  por  éles  na  Lisboa  do  século  XVI. 
—  os  alabardeiros  que  se  debruçavam  da  galeria  das  Damas;  os  soldados  de  Mazagão,  vestidos  de  enor- 
mes couras.  jogando  ao  sol  à  porta  do  Armazém  das  Armas ;  as  mulheres  pintadas  de  loiro,  embrulha- 


Êfponocoocmpcraoojao  meftre  falia  cu 
ro0  Digo  1  voe  nianoo  que  fe^nb  aflTf 
ilcomo  roôDiyeôquc  logo  ago:a  voo  apa* 

rdbec0papafíjremib:lhialYcnocaqllef3fop:ofe 
ía|foYquccu  pjomero  quefeo  fantopfera  niegua^ 
reçe  oeíla  enfiTiniDaDe.i  oeíla  Docça  q  eu  vingareY 
flruarno2rc.eDi3eeflpillaro  meuaDiáraoo  qconio 

menõenuioiiorreburoqmeDeucDreteánoe^oap 
lt?e  cda  caru  niuitpa.  Êviílo  ga^^  o  nidlrc  falia  apa 

Página  úm  MIatdrIa  do  Imperador  Veapaalano 
Imprcaalo  lalla  atn  Llatooa  por  Valvniln  dc  Morivla  am  im 
ea*mplsr  único  conhatido.  parlancanta  1  Dibllotaca  Nacional  da  Uaboa. 


(')  EmUe  Dertâuii,  Lã  RenêíssMce  en  Espagne  et  en  Portugal. 

20 


A  DEPOSICAO  NO  TÚMULO 
úe  CrUlóvlo  a»  Flgu«lr«do 
(Muieu  Nacional  <)•  Arlc  Anilsa,  LItboa) 


■ 


I 


A  ERA  MANUELINA 


voo*>(uo.tO^IUfobioa  qiuneo  ufmcrn.oint*-'jít  iílIc.0un<M(«if 

lo?4Uftiiuoo4tecíMDícftríDeOo(«  becnomuoa.c^muf pjfjbcr.viuoc» 

aoorj  aaramoite  fariw t nem  .ao qiujco  bj ítcftú poot  wpnar. £ 

huutn  onrcmplo  wjaiO  fins  Xpra  atjiico  (tbòoc  ccmjojr  (o  fcruw  . 

jauc  mifo  cniro  fdirjiu  tu  pjmw  ouir'' fo  bico murntuiiobooo.íon» 

lUDopamc.-iCMvliiioJjomunoopd  abtauítuíJíJidlcituI  £iqtIíot«» 

lotomarPorjmcqiKinicauijrciw.  fthàocpcofitògrjwiTiinoftfUWOo 

CaflOM  fabciioo  que  fatto c^walUo  (ortçò.eOMpieàiiuiítpo:  qõêiw 

-^i**^^*"^''''^*^'"^'"'^'"^'-'""  iwwlofiooqpfwmrt}.'  KcfpÒDtiIc. 

ripn4(*  1  millaurci) rnjra c/ítaitíciuc  pmeiumât po:ócf6l»hoiiK  incn* 

íonbCiUm  fiu  «roj«  (,  i  nom  Ix  nc  incrcçimóo juciu  itó tcínáoo aj  «»' 

jdTiiroqalffuu rcp:íguniO  £a inup  jó.  ixfffiwnainãc  poi ^ ft  juilwnj 

M9«}csí«núOl)aôlofa.qucrfiit>o«  oumÉnoafccflimjrijoócSpoiKotrí     *  ilumin.ira 

Ihíflpwgumarouuumhjrcpollaàrc  bJlfwfcRratíaiTc.ífríorainhfpwã 

que Ifx picfiuiiiúfrem.  £  aiTp p:imf?/  acrcícnico orfe/o.  Comoft  moftra 

Tí>Uxorefponc<cotV'>íp-cí;""WiTnri.  namolftcrfbjnancaffliurtajnctepoi 

CcrtorTcan^qocotífjcitOZfcma  líobomcicbumlfoctomo  fcmoitrj 

£flinoqucw>;f)orniiãxr  otooalla*  natnccftnafhtiiunej.ãrõfcnauarar 

coube cfcoDioao  n"    c i  cc:  q  ft) jú*  t jxIU  Q uirainr tf  poíq mo «xfl C« 

wtJíroinaruralfilbocftfonoqualcftj  qiDarfocifioqfomilfwwctfloíôuí 

Cfíóoio'  («wH"  tcfouí^  Pa  fabccviia  i  nhauFi  quawfoíaobCTnf p:ouotofe 

t1éçía(ítfí)«»ítrqi"0of)faccujbt-lf)o  ^                  ,  ' 

l)ôccfrDi)1Do>l)ire(cberecô.1xx  «í-UagCÍDOnoOia  niCCfino 

notar  ftoúooauoflfn/xt.qucnreina^  CaarjcnTIorn. 

iidraelMeet>cnogara)m»e.r.£jf'  ■  —  — 
f  00.  €0<coo  1  £]Our[o  rnilt)o:eo.  C>  0 
baproo :  fom  00  tmpoíue»  que  (bm 
«lUilf  naoj.  "f^clloqual  oiy  3txrrmf 
00  a  qiuiro  fopitioUoo.C  Ibcf  a  (ma 
1 CT  aqui  craquarf  ra)ia.£  taaco  bdf 
fcpoocnormanDarfanpaoamcu  M> 
cooDfforn.  fonucm  ^a  fabcr.  Te  u  pia$ 
Danu  âux.benotempouaco  1  vioa 
longa  1 1!  ■  £  a  rrjó  he :  poi  q  a  olouQo 
oobeene  tcpoiaaco.  (omo  (om  ao  kii* 
0ae  t  homrraú  1  amigoo .  nqucjao  1 
foafif  (cmcibantco  aaa  vtite  (on  f au 
Cl  oe  ptuãf  iJOUfTOd  oc  tncrcfcr . 
àHfiiXo  apíoucUcm  khi  aquaes 


tas.  que  tanto  irritaram  o  sábio  Nico- 
lau Clenardo;  os  calafates  hirsutos  que 
no  varadouro,  a   poente  do  Paço  da 
Ribeira,   breavam   e   estopavam  o  ta- 
boado  das  náus  da  índia.  O  Paço,  os 
mosteiros,  as  igrejas,  os  hospitais,  as 
novas  misericórdias  encheram-se  de  re- 
tábulos, de  painéis,  de  polípticos  em  que 
às  vezes  apareciam,  aos  pés  da  Vir- 
gem, as  figuras  orantes  de  D.  Manuel,  das 
Rainhas,  do  papa  Leão  X,  dos  infantes 
portugueses.  E,  ao  passo  que  os  pinto- 
res em  tábua  enriqueciam  altares  e  san- 
tuários, espaldares  de  arcazes  e  cadeira- 
dos  de  capítulo,  os  pintores  em  pergaminho, 
monges  de  Alcobaça  ou  mestres  secula- 
res,  iluminavam  livros  de  Horas,  crónicas 
de  reis,  cartulários  das  Ordens  militares, 
códices  da  grandiosa  Leitura  Nova.  en- 
riquecendo de  minio.  de  sinoble.  de  ouro 
brunido,  de  capitais,  de  iniciais,  de  tarjas, 
as  fôlhas  membranáceas  que  o  seu  esti- 
lete  mordia  sôbre  o  atril  dos  scriptoría 
ou  sôbre  as  estantes  de  arquibanco.  Os 
nomes  de  alguns  dos  mestres  da  ilumi- 
nura manuelina  — Alvaro  Dias  de  Froilas. 
António  Fernandes  -  pouco  falam  à  nossa 
imaginação.  Um  nome.  porém,  passa  as 
fronteiras:  o  de  António  de  Holanda, 
que  pintou  em  Toledo  o  retrato  de  Car- 
los V;  que  trabalhou  em  Tomar  no  car- 
tório da  Ordem  de  Cristo;  que  inventou 
a  iluminura  a  branco,  preto  e  ouro;  que 
enriqueceu  as  fôlhas  do  Livro  de  horas 
de  D.  Manuel,  e  cuja  glória  bastava  para 
que  o  gordo  Garcia  de  Rezende,  mú- 
sico, poeta,  diplomata,  pintor  êle  pró- 
prio—o «peixe  tamboril»,  como  lhe  chama 
Gil  Vicente -pudesse  dizer  com  orgulho  nos  versos  da  Miscelânea: 

«Pinctores.  luminadores 
agora  no  cume  estão, 
ouriveses,  sculptores ...» 


Obra  lmpr«...  na  cidadã  do  PÒrto  por  Rodrigo  Alvar...  no  ano  de  i«n 
Bsamplar  da  Blbllottca  Nacional  dc  Uaboa 


21 


HISTÓRIA  DA  COLONMZACAO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


IL  VICENTE! 

<:  E  o  que  é  a  obra  do  parriarca  do  leatro  português,  senâo  uma  pintura  maravi- 
lhosa? iO  que  sâo  os  autos  pastoris,  com  os  seus  vaqueiros  de  samarra  e  as  suas  cha* 
colas  h  Virgem,  senâo  presépios  vivos,  tocados  pela  ingénua  unção  de  ]orge  Afonso  ou 
de  Cristóvam  de  Figueiredo?  cO  que  são  as  tragicomédias  do  Mestre,  senáo  tapetarias 


sumptuosas  onde  grandes  figuras  dorradas  passam,  gesticulando  ?  c  O  que  é  a  Trilogia  dãs  Barcas,  tam 
bela.  que  Lope  de  Vega  a  imitou,  tam  profunda  nos  seus  conceitos  filosóficos,  que  Erasmo  aprendeu 
português  para  a  lèr,  —  senão  um  fone  c  dramático  Holbein.  um  fresco  formidável  da  Dança  da  iVione 
em  que  os  cadáveres  dos  reis,  dos  papas,  dos  cardiais.  dos  bispos,  bailam  arrastando  as  opas,  as  púr- 
puras, os  pluviais,  as  dalmáticas  ? 


LUboa  no  tempo  do  O.  Manuol.-Gravura  tstratds  óa  obra  Intitulada  •CIviíaiaa  Orbla 


Foi  além.  no  Paço  da  Ribeira,  junto  ao  leito  duma  rainha  puérpera,  numa  pequena  recamara 
armada  de  razcs.  com  a  história  de  David  e  de  Saúl.  que  Qi!  Vicente,  vestido  dc  vaqueiro,  com  o  seu 
caiado,  os  seus  ceifões,  a  sua  manta  do  Alemtejo.  representou  pela  primeira  vez  o  Auto  da  Visitação. 
D.  Manuel  soma;  a  Duqueza  de  Bragança  e  as  duas  rainhas  velhas  — D.  Beatriz  e  D.  Leonor  — assen- 
tadas sôbre  bancais  de  tela  de  ouro,  seguiam  encantadas  a  representação;  bailando  ao  som  de  adufes 
e  de  gaitas  de  foles,  zagais,  pastores,  porqueiros,  risonhos,  felpudos  de  samarras  e  de  pelicos,  traziam 
22 


A  ERA  MANUELINA 


à  panda  ovos.  mel,  cântaros  de  leite  fresco,  cordeiros  brancos  com  as  patas  atadas  de  flores  Aca- 
bava de  nascer,  na  câmara  doirada  do  Rei  do  Mar.  nâo  apenas  o  teatro  português,  mas  o  teatro  de 
toda  a  Espanha,  -  porque  as  éclogas  de  Enciiia.  os  diálogos  do  Velho  de  Toledo,  o  poema  de  Rabi 
dom  Santo  nâo  t.nham  passado  de  tentativas  irregulares.  É  no  ciclo  manuelino  que  surge  com  Gil 
Vicente,  a  pr.me.ra  íarça  popular  espanhola  -  Quem  tem  Farelos    :  é.  mais  larde.  no  ciclo  joanino  que 

'  ''^9^'^'"  '■*^2ular  da  península  -  a  Castro,  episódio  amoroso 

medieval  dramatizado,  segundo  o  cânon  grego,  nos  versos  brancos  de  Giangiorgio  Trlssino  Dir-se-ia 
ao  lado  duma  pintura  flamenga,  gorda  e  rica  de  còr.  o  mármore  dum  baixo-relévo  da  Renascença  Da 
guarda-roupa  de  D.  Manuel- verdadeira  pepinière  de  glórias  -  nâo  saem  apenas  poetas:  sai  uma  litera- 
tura inteira.  E  aí  que  o  doce  Bernardim,  o  rouxinol  das  saudades,  sonha  a  novela  pastoril  da  Ali'- 


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^     Wl-OU  i.íàV>OSA.  kLOKl.H  nS  ^ 


TvrrsruRi',  d*  Oaorgiu*  Oraun  01  Fr«nci«cua  Hahanbvrglua.  Colonlaa  Agrippinac.  isri 

nina  e  Moça.  E  aí  que  Garcia  de  Rezende,  com  o  seu  ventre  enorme  e  a  sua  carapuça  de  veludo,  toca 
viola  e  medita  as  trovas  da  Miscelàneã.  Aí  se  forma  o  grande  espírito  de  Damiáo  de  Góis.  o  mestre 
em  cujas  mãos  a  prosa  portuguesa  tem  a  opulência  e  os  lampejos  da  prata  lavrada,  o  amigo  íntimo 
de  Lutero,  do  Cardial  Dembo,  de  Melanchton.  de  Paulo  111.  de  Jacob  Fugger.  o  cronista  a  quem 
Erasmo,  em  1544.  dedica  o  seu  Compendium  Rhetorices.  Aí.  como  simples  moço  da  guarda-roupa  se 
cria  João  de  Barros,  historiador  da  Asta.  iam  notável,  que  Veneza  o  incluí  na  lista  dos  «grandes 


23 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


homens.,  que  Pio  IV  manda  colocar  o  seu  retrato  no  Vaticano  ao  lado  do  de  Ptolomeu  que  Luís  Vi- 
ves^ Erasmo.  Guilherme  Boudée    a  alma  da  Renascença  humanista -se  curvam  peranlé  a  sua  obra 
veMadeiro  arco  triunfal  da  epopeia  portuguesa  do  Oriente.  Se  tivesse  pressentido  a  glória  dêsles  dois 
homens.  D.  João  II  não  se  dirigiria  a  Angelo  Policiano,  «wro  peritissimo  et  amico  suo>  pedindo  lhe 
para  escrever  a  história  de  Portugal.  Nâo  sâo  já  apenas  as  navegações  portuguesas  que  espantam 
o  mundo;  é  a  nossa  cultura,  são  os  nossos  sábios,  os  nossos  humanistas,  os  nossos  doutores  os  nos- 
sos poetas  Abraão  Zacuto,  o  auctor  das  Tábuas  Astronómicas,  aperfeiçoa  o  astrolábio  de  que' se  serve 
Vasco  da  Gama.  Pedro  Nunes.  Garcia  d*Orta.  precursores  geniais,  criam  sciència  nova:  o  primeiro  tem 
a  intuição  das  leis  da  decomposição  da  luz.  inida  o  estudo  da  loxodrómia.  inventa  o  nónio;  o  segundo 
descreve  pela  primeira  vez  o  cólera  asiático,  revela  à  terapêutica  o  fruto  da  stri^chna  nox  uomica  Por- 
tugal acende-se  num  darão -para  iluminar  a  Europa.  É  certo  que  os  estudos  cosmográficos  e  o  "inter- 
câmbio universitário  — sôbre  tudo  por  ocasião 
da  reforma  de   1504,  que  iniciou  o  huma- 
nismo francês,  e  da  de  1537,  que  transferiu  a 
Universidade  para  Coimbra  e  incorporou  nela 
os  estudos  de  Santa  Cruz -trazem  para  o 
nosso  país  uma  onda  de  sábios  estrangeiros. 
Aqui  estiveram  os  alemães  Deheim  e  Fabrí- 
cio; Qs  escoceses  Scott  e  Jorge  Buchanam,  o 
poeta  mestre  de  Maria  Stuart;  Nicolau  Grouchy, 
que  traduziu  Castanheda;  Guilherme  Guerenle* 
cujas  tragédias  laíinas  Montaigne  celebrou; 
os  italianos  Rosetto  e  Fábio  Arnánio;  Elias 
Vinetus;  Cataldo  Sfculo;  o  ilustre  Clenardo. 
—  e  tantos  outros  grandes  espíritos  da  Re- 
nascença. Mas,    em    compensação,  ique  ra- 
diosa   plêiada    de   sábios   nós  espalhamos 
pelo  mundo  inteiro!  Aires  Barbosa,  latinista, 
helenista  notável,  condiscípulo  em  Florença 
de  João  de  Médicis  (depois  Leão  X),  inau- 
gura o  estudo  da  língua  grega  em  Espa- 
nha, onde  se  torna  o  mestre  dos  mestres; 
Amato  Lusitano  deslumbra  a  Itália;  Aquiles 
Estaço,  doutorado  em  Lovaina  e  em  Paris,  he- 
lenista, amigo  e  bibliotecário  do  cardial  Sforza, 
ensina  na  Universidade  de  Sapiência  e  funda,' 
êle  próprio,  uma  biblioteca  em  Roma;  Fran-' 
cisco  Sanchez,  autor  da  síntese  negativista 
Quod  nihil  scitur.  professa  nas  Universidades 
de  Tolosa  e  de  Montpellier;  Diogo  de  Gou- 
vêa,  o  Velho  -  tronco  da  dinastia  ilustre  dos 
pedagogos  Gouvêas  —  funda  o  Colégio  de  Sl.* 
Bárbara,  em  Paris,  e  a  sua  fama  é  fanla  que 
Ferne!  lhe  consagra  o  Monatosphoenum ;  An- 


r 


DAMiAhíV5  A  Goes. 

Jrur)xíiSr  ^mtu-  enarrat  afJía  ScQmíf 
J^manu  (Carrt  .Jutius  in  'Occacfy 
^caUa  vt  laífom  firà  data fcnpta  (fíutxã, 
jC7>úoÍ^aeccpa  nomm  aê  JÚy/oHiA. 


(Rttrcie  d»  A.  DOrcr) 


d  ffe/t  AriíôS'  sZ,t:IT''V  °  '"^'^"^  -  disputa  "em 

Lò^n  lrnr.ih„  ?       Fernandina,  émulo  do  grande  criador  do  Corpus  iurís  e  laime  Aca 

capêio  vermelho,  ensmam  na  Universidade  de  Bourges;  Pedro  Fernandes  de  Évora  e  oiogo  ie  Teivt 


( ' )  f  SM/5,  n. 

24 


A  ERA  MANUELINA 


professam  tatim  e  grego  na  Universidade  de  Paris;  loao  Ribeiro,  na  de  Deauvais;  Frei  Agostinho  da 
Trindade,  na  de  Tolosa;  o  elegante  Francisco  de  Holanda,  autor  do  Tratado  de  Pintura  Antiga,  vive 
na  intimidade  de  Miguel  Ângelo,  de  Giulio  Clovio,  de  Sebastiano  dei  Piombo,  do  erudito  Lactanzio 
Tolomei;  Manuel  de  Teive  é  o  discípulo  amado  de  Fernel;  António  Pinheiro,  sôbre  cuja  cabeça  res- 
plandece a  mitra,  é  o  discípulo  querido  de  Strebée;  André  de  Rezende,  latinista,  arqueólogo,  alma  to- 
cada da  graça  da  Renascença,  dísiingue-se  em  Lovaína;  ]oáo  Fernandes  da  Costa  e  o  padre  Vilhegas 
são  reitores  no  colégio  de  Guvena;~tiès  portugueses  insignes.  Guilherme  de  Gouvéa,  Alvaro  da ''f' 
Fonseca.  Diogo  de  Gouvêa.  o  Moço  descrevo  com  comoção  e  com  orgulho  os  seus  nomes!)  merecein 
a  honra  de  ser  eleitos  em  claustro  pleno,  nos  anos  de  1530.  de  1538,  de  1547,  reitores  da  Universi- 
dade  de  Paris,  então  — na  frase  de  Ramus-a  Universidade  do  mundo. 

A  êste  alto  grau  de  cultura  da  sociedade  portuguesa  da  Renascença  corresponde  o  desenvolvi-  *  '«i-Rr»!** 
mento  da  indústria  da  tipografia  e  do  comércio  do  livro.  Aos  primeiros  ensaios  que,  no  fim  do  século 
XV,  realizaram  os  impressores  alemães,  italianos  e  judeus  em  Faro.  Lisboa,  Leiria,  Draga  -Samuel 
Gascon.  Rabi  Elieser.  Abraão  d'Ortas.  Rabi  Tozorba,  Nicolau  de  Saxónia.  Valentim  de  Morávia.  Ermâr 
de  Campis.  Pedro  Bonshomens  —  sucedeu  uma  produção  tam  considerável,  que  Garcia  dc  Rezende  re 
gista  o  facto  de,  mercê  da  «letra  de  fórma  achada»,  crescerem  a  cada  passo  as  livrarias;  Cristóvam  de 
Oliveira  conta,  na  abastada  Lisboa  do  século  XVI.  cinco  oficinas  tipográficas  e  cincoenla  e  quatro  lojas 
de  livros;  e  não  só  os  embaixadores  de  Veneza,  Tron  e  Lippomanr,  mas  o  próprio  cardíal  Alexandrino, 
espanlam  se  de  ver  a  riqueza,  a  abundância,  a  variedade  do  mercado  dc  livros  da  Rua  Nova.  Lisboa 
não  era  apenas  a  metrópole  comercial  da  Renascença;  foi  lambem,  no  século  de  D.  Manuel  e  de 
D.  }oão  III,  um  dos  mais  intensos  focos  de  pensamento  da  Europa.  Se  hoje  é  a  França  que  ensina  a 
pensar  o  mundo,  houve  tempo-  que  o  diga  a  Universidade  de  Paris,  que  o  digam  as  sombras  glorio- 
sas de  Rabelais  e  de  Montaigne! —em  que  foi  Portugal  que  ensinou  a  pensar  a  França! 


|1S  o  que  era  o  povo  cujas  naus.  na  manhã  de  22  de  abril  de  1500.  avislando  pela  primeira 
vez  aquela  montanha  verdejante,  frondosa,  magnífica,  prolongada  de  vagas  cordilheiras 
coroada  duma  atmosfera  de  ouro  fluido,  —  descobriram  o  Brasil  e  ofereceram  à  civilização 
um  império  formidável. 

Mal  daquelas  nações  que  se  contentam  com  as  glórias  do  passado,  e,  caídas  em 
êxtase  perante  a  imagem  do  que  loram,  esquecem  a  realidade  do  que  são.  iMas,  mal  dos  países,  também 
que  não  sentem  o  legitimo  orgulho  das  suas  tradições,  dos  seus  antepassados,  das  suas  glórias  remotas! 
da  carta  de  brasão  da  sua  nobreza  secular,  que  não  palpitam,  que  não  vibram,  que  não  comungam  naquele 
culto  dos  heroísmos,  dos  esplendores,  dos  sacrifícios  e  das  virtudes  do  passado,  indispensável  ao 
próprio  sentimento  da  sua  continuidade  histórica  e  à  própria  permanência  da  sua  unidade  nacional! 


4 


25 


CAPÍTULO  II 

A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 
■ 

DESDE  O  INFANTE  A  D.  JOÃO  DE  CASTRO 

PELO 

PROF.  LCJCIfíMO  PEREIRA  Dfí  SILVfí 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


DESDE  O  INFANTE  A  D.  JOÀO  DE  CASTRO 


•  Conceito  digno  foi  do  ramo  claro 

Do  venturoso  Rei  que  arou  primeiro 

O  mjr,  por  ir  deitãr  do  ninho  caro 
O  morador  de  Abilã  derradeiro. 

(Os  Lusíadas.  Vllt.  71) 


1-0  CONCEITO  DO  INFANTE  NAVEGADOR 


UANDO  a  rainha  D.  Filipa,  no  seu  leito  de  morte,  se  despedia  dos  filhos 
maiores,  entregando-lhes  as  espadas  com  que  iriam  à  tomada  de  Ceuta,  de- 
pois de  encomendar  a  defesa  dos  povos  ao  futuro  rei  D.  Duarte,  e  a  das 
donas  e  donzelas  ao  Infante  D.  Pedro,  assim  falou  ao  Infante  D.  Henrique, 
o  «ramo  claro»  que  ela  especialmente  amava: 

■  Bem  vistes  a  repartição,  que  fiz  das  outras  espadas  que  dei  a  vossos 
irmãos,  e  esta  terceira  guardei  para  vós,  a  qual  eu  lenho  que  assi  como 
vós  sois  forte,  assi  é  ela.  E  porque  a  um  de  vossos  irmãos  encomendei 
os  povos,  e  a  outro  as  donas  e  donzelas,  a  vós  quero  encomendar  lodolos 
senhores,  cavaleiros  fidalgos  e  escudeiros  destes  reinos,  os  quais  vos  en- 
comendo que  hajais  em  vosso  especial  encargo...  Eu  vos  dou  esta  espada  com  a  minha  benção,  com  a 
qual  vos  encomendo  e  rogo  que  queirais  ser  cavaleiro*  ('). 

Em  21  do  mês  seguinte,  agosto  de  1415,  foi  o  assalto  à  cidade  de  Ceuta.  A  bandeira  qua- 
drada de  D.  fienrique  foi  a  primeira  a  entrar  pelas  porias  da  cidade.  *de  cuja  sombra  èle  não  era  mui 
afastado».  E  tam  superiormente  se  mostrou,  na  áspera  peleja,  a  sua  rigeza  de  braço  e  fortaleza  de  ânimo 
que  D.  )oào  I  o  quis  armar  cavaleiro  na  tarde  désse  mesmo  dia.  Mas  o  Infante  só  quis  receber  tal 


( )  Azurara,  Cfironicj  da  tomada  de  Ceuta.  Cap.  XLI,  edlcSo  da  Academia  das  SdCndas  de  Lisboa,  1915,  pig.  124. 

29 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


honra  jiin  -M^nte  com  os  irmãos  mais  velhos.  A  heroicidade  de  D.  Henrique  na  jornada  de  Ceuta  nào 
loi  esqii.        pelo  canlor  dos  Lusíadas: 

Olha  cã  dous  Infantes,  Pedro  e  Henrique. 
Progénie  generosa  de  loane, 
Aquele  faz  que  fama  ilustre  fique 
Déle  em  Germânia,  com  que  a  morte  engane: 
Éste  que  ela  nos  mares  o  publique 
Por  seu  descobridor,  e  desengane 
De  Ceuta  a  maura  túmida  vaidade, 
^  Primeiro  entrando  as  portas  da  cidade. 

{Lusíadas.  VIII.  37). 


Mas  ao  descobridor  dos  mares  eram  precisos  aqueles  cavaleiros  que  sua  Mãe  lhe  encomen- 
dara. Por  isso  a  sua  casa  foi  escola  de  homens  valorosos,  destemidos  e  fortes,  capazes  de  se  arrisca- 
rem aos  maiores  perigos.  «Éste  foi  o  príncipe  sem  coroa,  segundo  meu  cuidar>.  observa  Azurara  (').  «que 
mais  e  melhor  gente  leve  de  sua  criarão».  E  ]oâo  de  Barros  diz(  ):  «Foi  mui  amador  da  criação  dos 
Fidalgos  por  os  doutrinar  em  bons  costumes;  e  tanto  zelou  esta  criação,  que  se  pôde  dizer  sua  casa 
ser  uma  escola  de  virtuosa  nobreza,  onde  a  maior  parte  da  Fidalguia  dèste  Reino  se  criou,  aos  quais 
êle  liberalmente  mantinha,  e  satisfazia  de  seus  serviços».  *Enlre  os  primeiros  descobridores  mais  de  50 
eram  criados  do  Infante»,  nota  o  Visconde  de  Santarém  (  ).  Eram  criados  do  Infante,  como  os  dois  man* 
cebos  Hector  Homem  e  Diogo  Lopes  de  Almeid:],  os  heróis  da  cavalgada  da  primeira  incursão  na  Africa 
desconhecida,  ambos,  segundo  Barros  ('),  «homens  Fidalgos  e  especiais  cavaleiros,  criados  na  escola  da 
nobreza  e  virtude  daquele  tempo,  que  foi  a  casa  dèsle  excelente  Principe  Infante  D.  Henrique». 

Fundador  de  uma  Escola  nova.  de  observação  directa  da  Natureza,  que  ia  suplantar  a  Escola 
de  Alexandria,  os  seus  discípulos  iriam  arrostar  com  os  lerrores  dos  mares  desconhecidos.  As  bancadas 
de  estudo  iam  ser  as  pranchas  das  caravelas,  impelidas  pelos  ventos  sóbre  as  ondas.  Os  seus  navega- 
dores, que  iam  fundar  a  moderna  geografia,  não  aspiravam  aos  graus  de  licenciado  c  doutor  das  Uni- 
versidades medievais.  Outro  grau  cobiçavam:  aquele  com  que  foi  recompensado  o  jóven  Anião  Gonçal- 
ves, quando,  arriscando  a  vida  na  tomada  dos  primeiros  cativos,  conseguiu  satisfazer  o  requerimento 
insistente  do  Infante,  de  lhe  levarem  «língua  da  terra»: 

«O  feito  assi  acabado,  como  temos  escrito,  juntaram-se  lodos  assi  como  foram  na  peleja,  e  co- 
meçaram de  requerer  Anião  Gonçalves  que  fosse  cavaleiro,  o  qual  menosprezando  seu  trabalho,  dizia  que 
não  era  razão  que.  por  tam  pequeno  serviço,  houvesse  de  receber  tamanha  honra,  maíormentd  que  sua 
idade  não  o  requeria,  nem  éle  por  sua  vontade  nunca  o  seria,  salvo  depois  que  passasse  por  maiores 
feitos.  E  finalmente  assi  por  os  sobejos  requerimentos  dos  outros,  como  por  Nuno  Tristão  sentir  que  era 
razão,  houve  de  fazer  Antão  Gonçalves  cavaleiro,  ainda  que  fõsse  contra  seu  querer;  por  cuja  razão 
dali  avante  chamaram  aquele  lugar:  o  pòrto  do  Cavaleiro.  E  assi  foi  èsle  o  primeiro  cavaleiro  que  foi 
feito  em  aquelas  partes*  C). 

A  coragem  ousada  era  a  qualidade  primordial;  ela  distinguia  também  os  estrangeiros  de  boa- 
mente admitidos  a  lomar  parle  na  árdua  empresa,  como  aquele  Baltasar,  gentil-homem  da  casa  do  Impe- 


(')  Azur^rd,  Chrontcà  de  Ouiné,  C»p.  IV. 

(1  Birro».  Déc^dj  I,  Liv.  I.  Cjp  XVI 

O  Aturara.  Chronicã  de  Ouiné,  Paris.  IMl.  pi^.  Xl. 

(•)  DuTOt.  Décãds  I,  Uv.  I,  Cap.  V. 

C)  Aiuran,  Chrcnica  de  Ouiné,  Op.  XIII. 

30 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


rador  da  Alemanha,  que.  lendo  vindo  à  romada  de  Ceuta,  onde  foi  feito  cavaleiro,  dizia  desejar  muito, 
antes  de  partir  de  Portugal,  ver  alguma  grande  tormenta.  E  nâo  lhe  íoi  a  fortuna  escassa  no  cumpri- 
mento de  seu  desejo,  porque,  indo  depois  com  Antão  Goncalves,  <foi  a  tormenta  tam  grande  que  por 
maravilha  escaparam  de  perdição»  ('). 

No  palácio  do  Infante  tinham  honroso  acolhimento  os  que  cultivavam  as  artes  e  scièncias 
auxiliares  da  navegação:  astrónomos,  roteirislas  e  cartógrafos,  construtores  de  instrumentos  e  constru- 
tores navais.  Os  seus  cavaleiros  podiam  af  examinar  os  formosos  portulanos  medievais,  maravilhas  de 
cartografia,  e  seus  respectivos  roteiros,  manejar  os  quadrantes  e  astrolábios  com  suas  complicadas 
peças,  finamcnie  gravadas,  seguir  no  firmamento  o  curso  dos  astros.  Mas  o  Navegador  resumia  o  Esta- 
tuto fundamental  da  sua  escola  em  quatro  palavras:  Talent  de  bien  faire.  desejo  de  altos  feitos.  Da  escola 
porluguc&a  de  navegação,  fundada  por  èle,  foram  genuínos  representantes  as  nobres  figuras  de  Duarte 
Pacheco  Pereira  e  D.  ]oâo  de  Castro,  homens  de  sciència  e  homens  de  acção,  ao  mesmo  tempo  navega- 
dores, cartógrafos  e  soldados,  sem  ambições  de  riqueza,  prezando  acima  de  tudo  a  glória  de  sua  pátria. 

Damião  de  Goes,  tratando  «das  causas  que  moveram  o  Infante  D.  Henrique  a  querer  desco- 
brir terras  e  mares  pela  costa  d'Africa.  até  chegar  à  fndia,  e  da  certeza  que  leve  para  o  mandar 
fazer»  O.  depois  de  o  declarar,  além  de  mui  arriscado  cavaleiro,  muilo  dado  ao  estudo  das  letras,  prin- 
cipalmente da  astronomia  e  geografia,  conta  como.  para  melhor  exercitar  tam  virtuosas  artes,  depois  que 
tornou  do  cêrco  de  Ceuta,  escolheu  sua  morada  e  residência  no  Cabo  de  S.  Vicente,  onde  fundou  a 
Vila  do  lnfanl^  (').  e  daí  determinou  mandar  navios  ao  longo  da  costa  d'Africa,  «com  tenção  de  chegar 
ao  fim  de  seus  pensamentos,  que  era  descobrir,  destas  partes  ocidentais,  a  navegação  para  a  índia 
oriental»  A  certeza  de*poder  realizar  o  seu  propósito  foi  adquirida  primeiramente,  segundo  Goes,  na 
leitura  dos  geógrafos  antigos,  <os  verdadeiros  autores  em  que  continuamente  estudava,  crendo  o  que 
escreviam  como  cousas  escritas  por  homens,  e  assl  as  cria,  e  duvidava,  como  se  deve  fazer  a  todalas 
que  dos  homens  e  de  seus  juízos  procedem,  nas  quais,  com  a  certeza,  está  sempre  junta  a  dúvida». 
Entre  outros  autores,  cita  êle  Estrabão,  Plínio.  Cornélio  Nepos  e  Pompónio  Mela,  os  quais  contam  via- 
gens de  circunnavegação  da  África,  que  consideram  como  uma  península.  Para  Estrabão  (')  o  continente 
africano  tem  a  fórma  geral  de  um  triângulo  rectângulo  cujo  catéto  maior  é  a  costa  do  Mediterrâneo 
desde  as  Colunas  de  Hercules  ao  Egipto,  seguindo  o  catéto  menor  a  linha  do  Nilo  até  à  Etiópia,  donde 
a  hipotenusa,  foimada  pela  costa  do  Oceano,  se  estende  até  ao  extremo  ocidental  da  Mauritânia.  A  África 
é  assim  reduzida  a  menos  de  um  terço  da  sua  verdadeira  grandeza,  com  uma  dimensão  norte-sul  metade 
da  extensão  lesle-oeste.  O  Atlântico  banha  tôda  a  margem  sul  da  Líbia. 

Goes,  naturalmente,  não  fala  de  Ptolomeu,  para  quem  o  Oceano  Índico  era  uma  grande  lagòa. 
fechando  assim  tòda  a  comunicação  entre  èste  mar  e  o  Atlântico,  loão  de  Darros  é  que  imagina  o 
Infante  animando  ]oão  Gonçalves  Zarco  e  Tristão  Vaz  a  passarem  o  Cabo  Bojador,  dizendo-lhes  que  «se- 
gundo mostravam  as  távoas  de  Ptolomeu»  (').  a  costa  continuava  sempre  para  o  sul  até  se  meter  debaixo 
da  linha  equinocial.  O  conlôrno  da  costa  ocidental  africana,  segundo  o  geógrafo  alexandrino,  a  que  Barros 
se  refere,  levou  cartógrafos  da  Renascença  a  porfiarem  em  colocar  a  linha  equinocial  através  do  Sudão,  ape- 
sar de  verem  nas  cartas  marítimas  portuguesas  o  equador  já  traçado  sõbre  o  mar  até  à  Ilha  de  S.  Tomé  O 

Ptolomeu  oferece  um  exemplo  notável  de  quanto  um  sábio  eminente  pódc  concorrer  para 
retardar  o  conhecimento  da  verdade.  Para  que  os  êrros  geográficos  de  Ptolomeu  (*)  fossem  considerados 
verdades  respeitáveis  bastou  a  sua  autoridade  de  grande  astrónomo.  Para  que  èsses  érros  fõssem  jul- 


(■)  Azurara.  Chronicã  de  Ouiné,  Cap.  XVI. 

O   DAtniSo  de  Ooes.  C/ironícs  do  Príncipe  D.  )oam,  Cap.  VII,  ediçlo  dc  Coimbra.  I90S.  pigt.  H-16. 

C)  A  respeito  da  situação  da  Vila  do  Infante,  veja-se  o  arllgo  de  Driio  Rebelo  em  O  Occidente,  17.»  ano.  vol. 
XVII.  n.o  SM.  11  de  março  dc  18«. 

(■)  Alrolaguirrc  y  Duvalc.  na  sua  obra  Crislóbjl  Coión  y  Pjblo  dei  Poeto  ToscãnelU,  Madrid,  1901.  mosira  bem, 
conlra  Vignaud,  que  ès:e  era  o  obiectivo  do  Infante,  no  Cap.  VI  da  !.•  Parte,  inlilulado  «fiaalidad  que  perseguian  lo»  portu* 
gue&cs  con  sus  empresas  de  descubrimicnto». 

0)   Bunburv.  Hislory  of  ancienf  Geography,  Vol.  II.  London,  1879,  pág.  Z7f. 

(•)    Darrcs.  Déiãdã  I.  Liv.  I,  Cap.  II. 

(O  L.  Qallois,  Les  giographet  allemands  de  la  Renãisssnce,  Paris,  IWO,  pág.  SO. 

O  Sõbre  os  êrros  geográficos  de  Piolomeu,  veja-se:  Nordcnskt6ld.  Fac-simile  Aftas,  pág.  32. 

3t 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


gados  como  tais,  foi  precisa  lòda  a  audácia  dos  navegadores  portugueses,  que,  em  1471,  passaram  o 
equador  no  fundo  do  Oôlfo  de  Guiné,  desconhecido  do  geógrafo  alexandrino;  em  1487.  irromperam,  com 
Bartolomeu  Dias,  no  Oceano  Indico;  e  em  1511,  depois  da  tomada  de  Malaca,  acabaram  dc  desfazer  a 
lagõa  piotomaica,  entrando,  com  António  de  Abreu,  pelo  Oceano  Pacifico,  em  demanda  das  Molucas. 
Assim,  desde  a  sua  praia  ocidental,  os  portugueses 

Passaram  ainda  além  da  Taprobana, 

como  se  celebra  na  primeira  estância  dos  Lusiadas.  onde  a  Taprobana  é  a  Ilha  de  Sumatra  ('). 

Depois  de  citar  os  geógrafos  atrás  mencionados,  conclui  Goes  que  foi  com  o  oráculo  dèstes 
testemunhos,  «e  doutros  mais  que  o  Infante  teria  sabidos,  per  muitas  informações  que  cada  dia  tomava 
dc  mouros  Alarves  c  Azenegues,  práticos  nas  cousas  d'Alrica»,  que  êle  se  resolveu  a  mandar  descobrir. 
Enlre  ésscs  testemunhos  não  podemos  nós  deixar  de  incluir  o  dos  admiráveis  mapas  medievais,  derivados 
do  portulano-normal.  a  que  Nordenskíuld  chama  a  Iltada  da  cartografia,  onde  as  costas  do  Mediterrâneo  são 
delineadas  já  com  tanta  exactidão.  Nos  atlas  da  idade  média  encontra-se,  por  vezes,  além  das  folhas  das  re- 
giòes  compreendidas  no  portutano-normal,  um  mapa  mundi  com  uma  Africa  circunnavegável.  Assim  sucede 
com  o  alias  de  Marino  Sanudo  que  acompanha  o  Liber  secretorum  fidelium  Crucis,  escrito  entre  1306  e 
1321.  e  com  o  de  Petrus  Vesconte,  do  ano  1320.  em  cujo  mapa  mundi  ( )  o  contórno  da  Africa  é  do  tipo 
estrabónico.  No  conhecido  mapa  do  Porlulano  Laurenziano,  de  1351,  a  Africa  é  também  cercada  por  mar. 

Em  Ceuta  pódc  êle  colher  informações  sóbre  a  cosia  oesle  e  sul  da  Guiné  e  saber  das  estra- 
das comerciais  por  onde  as  caravanas  dos  mouros  iam,  através  do  Sahara,  ao  Sudão,  buscar  o  sal-gema 
a  Tagaza,  o  oiro  em  pó  a  Tombuclú  e  ao  reino  mandinga  de  Meli,  ao  sul  do  Niger.  Cartas  do  século 
XIV  continham  também  já  dados  positivos  sobre  o  Sahara  e  o  Sudão,  que  o  renascimento  ptolomaico 
veto  obscurecer  (').  No  mapa  de  Angelino  Dulcert,  1339.  o  Sahara  é  povoado  de  oásis;  no  mapa  catalão 
de  1375  figuram  Tombuctú  e  as  grandes  cidades  da  bacia  do  Niger. 

Assim  o  Infante  pôde  conceber  o  seu  plano  da  passagem  sueste  para  a  índia,  ao  longo  da 
costa  africana,  com  confiança  de  êxito.  Êste  conceito  é  celebrado  nos  Lusíadas,  bem  como  as  fases 
principais  da  sua  realização,  pela  boca  do  Gama,  falando  ao  Saitorím: 

Sabe  que  há  muitos  anos  que  os  antigos 

Reis  nossos  firmemente  propuseram 

De  vencer  os  trabalhos,  e  os  perigos. 

Que  sempre  às  grandes  cousas  se  opuseram: 

E  descobrindo  os  mares  inimigos 

Do  quieto  descanso,  pretenderam 

De  saber  que  fim  tinham,  e  onde  estavam 

As  derradeiras  praias  que  lavavam. 

Conceito  digno  foi  do  ramo  claro 

Do  venturoso  Rei  que  arou  primeiro 

O  mar.  por  ir  deitar  do  ninho  caro 

O  morador  de  Abila  derradeiro. 

Êste  por  sua  indústria,  e  engenho  raro. 

Num  madeiro  ajuntando  outro  madeiro. 

Descobrir  pôde  a  parte  que  faz  clara 

De  Argos,  da  Hidra  a  luz.  da  Lebre,  e  da  Ara. 

(VIU.  70-71.) 


(')  o  nome  dc       -  '  <nj  aplicou-se,  no  scculo  XVI,  à  Ilha  de  Ceilão  e  à  de  Sumalra.  Folheando,  por  exemplo, 
o  FãC-simite  AUãs.  dc  Noí  J.  cnronlram-sc  os.  mjpjs  n.'>*  XXXIl.  XSXV,  XL,  XM,  XLIII,  XLIV.  XLV,  XLVIII,  c  XLIX, 

COO)  o  nome  Tãprobtnã  apliv  iJu  j  Ilha  de  Sumatra.  A  Taprobana  do  Canlo  !  dos  £r.  como  na  Ode  que  C  -sere- 

veu  para  os  Colóquios  de  Garcia  de  Orla:  <TaprobJinlco  Achem,  que  o  mar  molesta'.  tira;  a  dO  Canto  X  i 

(')   Nordenskjõlií.  Periplus,  pigs.  17  c  S7. 

(  ')  Veta-se:  Dt^couivrrf  d'une  rfiãtion  de  voyige  ditée  da  Touat  et  dectivãnt,  en  1447,  te  bassin  da  Niger,  par  Ch. 
de  la  Ronacre,  Conservatcur  i  la  DIMiorhèque  Natlonal«  (Extraí!  du  Dulletin  de  lê  Seclion  de  Gíographie,  191B),  Paris,  1919. 


32 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


R  "landadas  pelo  Infanle.  seguem  sistemáticamente.  umas  após  outras,  já  para  além 

do  Cabo  Boiador.  Olhos  portugueses  enlevam-se  na  contemplação  e  esludo  das  constelações  austrais. 

Na  estância  imediata  canta-se  o  feito  de  Bartolomeu  Dias.  Os  portugueses  dobram,  em  1487 
o  Cabo  da  Boa  Esperança,  onde  a  Ursa  Maior  era  constelação  circumpolar  oculta: 

Crescendo  c*os  sucessos  bons  primeiros 
No  peito  as  ousadias,  descobriram 
Pouco  e  pouco  caminhos  estrangeiros 
Que  uns  sucedendo  aos  outros  prosseguiram: 
De  Africa  os  moradores  derradeiros 
Austrais,  que  nunca  as  sele  flamas  viram. 
Foram  vistos  de  nós,  airás  deixando 
Quantos  estão  os  Trópicos  queimando. 

Finalmente,  alinge-se  a  índia,  com  Vasco  da  Gama,  que  acaba  por  falar  de  si  e  dos  da  sua 
Irota.  como  último  eio  da  cadeia  de  navegadores  que  se  sucederam  desde  a  passagem  do  Boiador  até 
à  chegada  a  Calicut: 


Assi  com  firme  peito  e  com  tamanho 
Propósito  vencemos  a  Fortuna. 
Até  que  nós  no  teu  terreno  estranho 
•  Viemos  pôr  a  última  coluna. 

Na  Escola  portuguesa  de  navegação,  fundada  pelo  Infante,  cujo  preceito  fundamental  era  a 
observação  directa  da  Natureza  (').  se  formaram  Colombo  e  Fernão  de  Magalhães.  O  primeiro  aqui  ama- 
dureceu os  seus  projectos.  «Estando  en  Portugal,  empezó  á  conjelurar  que  dei  mismo  modo  que  los 
portugueses  navegaron  tan  lejos  aí  Mediodía,  podria  navegarse  la  vuella  de  Occidente.  y  hallar  tiena 
en  aquel  viaje»,  diz  o  próprio  filho  de  Colombo  (').  Fernão  de  Magalhães,  que  foi  quem  primeiro  circun- 
navegou  o  globo,  fez  a  primeira  metade  dessa  circun  navegação  ao  serviço  de  Portugal,  pois  esteve  com 
Albuquerque  na  tomada  de  Malaca,  e  de  lá  partiu  a  explorar  o  Oceano  Pacífico  O. 

O  Infante  D.  Henrique,  levando,  com  indomável  persistência,  a  nação  portuguesa  a  empenhar- 
se  na  descoberta  do  caminho  marítimo  para  as  regiões  por  onde  andára  Marco  Polo.  no  desejo  veemente 
de  dilatar  «a  Fé  e  o  Império»,  dissipou  o  terror  dos  mares  e  da  zona  tórrida,  dando  o  impulso  que 
levou  os  povos  europeus  à  sua  expansão  pelo  globo.  Romperam-se  os  acanhados  limites  medievais. 


(')  «We  tiavc  come  lo  lhe  time  whcn  explorers  wcre  nol  Plolemat»  or  Slrabonlans  or  Scriplurisis.  but  Nat- 
urallsts  —  men  wlio  eKamincd  Ihings  alresl»,  lor  Ihcmselvcs».  (Deaziev.  Prínce  Henry  the  NaW3.itor.  London,  1901.  plg.  14S.) 

O    Fernando  Colón.  Historia  dei  Almirante  D.  Cristobal  Coión,  Madrid.  1892.  Cap-  V,  pág.  25. 

*En  Portugal  cs  dondo  Colón  comicnza  á  esludiar  seriamente  la  cienda  cosmognilicj  ;  sus  libros  se  coniervan 
en  Ia  Biblioteca  colombina,  v  conticncn  en  las  mirgenes  gran  número  de  nota»  que  palpa blemenlc  demuestran  que  el  Almi- 
rante saludaba  por  primcra  veí  esta  ciência;  ninguna  dc  ellas  arraia  cl  menor  indicio  de  que  Colón  luvlera  ya  loimado  con- 
ceplos  próprios-  (Aitolagulrre  y  Duvale,  Cnsfóbjl  Colón  y  Pablo  dei  P.  Toscunelli.  Madrid,  1903.  pig.  370). 

(')  «Magellan  was  the  firsi  to  cireumnavigale  the  eanh ;  for,  when  in  the  Ponuguese  service.  he  had  rcachffl  fb  - 
Moluccas  from  the  east,  while  ten  years  latcr.  u/hen  under  lhe  Spanish  llag,  he  arrived  thcre  (rom  lhe  wesi*  (Nord. 
Periplus.  píg.  197,  nota).  Argensola,  na  sua  Conquistj  dí-  Ijs  MoIucjí.  Madrid,  1609.  págs.  6  e  15.  diz:  «Este  [Afonso  ú.  ..lui 
querquel.  no  contento  con  las  priineras  conquisias.  envió  desde  Malaca  a  Antonio  Dabrcu.  Francisco  Serrano  y  Hernando  de 
Magallanes  en  tres  baxeics  a  descubrir  lai  Molucas.  Todo»  estes  Ires  capitanes  lomaron  dilerentes  viaies.  De  Magallanes  vol- 
veremos luego  a  tratar...  En  este  mismo  llempo,  habíendo  Magallanes  paíado  seiscientas  kguas  adelanle  hacia  Malaca,  se 
hallaba  cn  unas  Islas,  desde  donde  se  correspondia  com  Serrano-,  Esta  viagem  de  Mi'>'  >  tf  admitida  por  Navarrete  fCo- 
leccion  <te  los  viajes,  tomo  IV.  1937.  pig.  XXVII)  c  por  Paslells  (El  destubrtmiento  d,  'lo  dr  Mjg.ill.ints.  Madrid.  IWO. 

píg.  S8).  Castanheda  fHistoríi  do  detcobnmento  f  conquista  da  tndíA,  11*».  Ill,  cap  L.\AV)  nomeia  como  capitáos  da  armada 
mandada  por  Albuquerque,  em  dezembro  de  1511.  à  descoberta  á^%  ilhas  do  cravo.  António  de  Abreu,  Francisco  Serrlo  o 
Simào  Alonso  Disagudo.  do  que  poderá  concluir-se  que  Magalhães  nâo  iria  como  capitão.  Oonçalo  Fernandez  de  Oviedo,  con- 
temporâneo de  Magalhães,  diz  na  sua  Historia  general  de  las  índias,  liv.  XX.  Cap.  1 :  .y  el  Fernando  de  Magallanes  diestro 
en  las  cosas  de  la  mar  y  que  por  vista  de  o/os  lenia  mucha  noticia  de  la  índia  Oriental  y  de  Ias  islas  dei  M.\luro  y  Espe- 
eiaría...'  Antonio  Blasques.  bibliotecário  da  R,  Sodcdade  Oeográlica  de  Madrid,  pretende  reivindicar  para  Magjlhles  a  auto- 
ria do  Livro  de  Duarte  Barbosa  Na  publitiçao  desta  Sodedade,  Tres  relaciones  de  turras  y  descubnm tentos  dei  SIglo 
XVI,  Madrid.  1921,  é  incluído  aquele  livro  com  o  título:  <Descripcion  de  los  remos,  costas,  purrtos  e  islãs  que  hay  desde- 
et  Oibo  de  liuena  Esperania  hasta  los  Leyquios,  por  Fernando  de  Magallanes,  piloto  português  que  ló  vió  y  anduvo  lodo>.  O 
nunuscrito  da  Biblioteca  Nacional  de  Madrid,  em  que  se  atribui  a  obra  a  Magalhães,  que  lo  vió  y  anduvo  todo,  é,  segundo 
António  Blasques,  dos  princípios  do  século  XVI.  Em  Espanha  sabia-se  que  FemSo  de  Magalhles.  quando  para  U  tof.  linha  |á 
navegado  no  Oceano  Pacifico.  O  Livro,  por<m.  í  de  Barbosa,  e  alo  de  Magalhles.  como  adiante  mostraremos. 


33 


HISTORIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Com  os  descobrimentos  portugueses  a  marcha  da  civilizarão  tomou  um  rumo  novo:  começou  a  Idade 
moderna. 

Vamos  tentar  descrever  os  meios  de  que  dispunham,  para  se  dirigirem  sôbre  os  mares,  os 
audazes  navegadores  que  levaram  o  homem  à  posse  da  Terra  e  alargaram  o  âmbito  das  sciências, 
dando  lhes  nova  base  de  observação  e  experiência. 


2-0  ASTROLÁBIO  ESFÉRICO 


Q 


S  Litros  dei  Sãber  de  astronomia  dei  re\^  D.  Alfonso  X  de  Castilla,  esplêndida  obra  publi- 
cada pelo  académico  Rico  v  Sínobas,  por  decreto  do  governo  de  Espanha,  contém  no  Tomo 
II  (Madrid,  1863)  os  livros  dos  astrolábios.  Cada  astrolábio  é  h'atado  em  dois  livros,  redigidos 
no  século  XIII  pelo  sábio  Rabiçag,  el  de  Toledo,  por  ordem  de  Afonso  X.  Numa  singela 
linguagem,  modelar  de  precisão  e  clareza,  ensína-se.  no  primeiro,  o  fabrico  de  cada  uma 
das  peças  do  instrumento  e  descreve  se,  no  segundo,  a  maneira  de  o  usar  na  resolução  de  dezenas  de 
problemas  astronómicos  e  topográficos.  Os  Libros  deli  astrolábio  redondo  precedem  os  Libros  deli  astro- 
lábio llano.  Começa-se  pelo  astrolábio  esférico,  ou  redondo,  mais  fácil  de  compreender,  por  ser  uma 
simples  reprodução,  em  pequeno  modelo,  dos  movimentos  celestes.  Entender-se  há  melhor  depois  o  astro- 
lábio planisférico,  ou  plano,  que  dèle  deriva.  «Los  astrolábios  redondos  cuemo  la  esfera,  deben  consi- 
derar-se  semblança  v  arquétipo  dei  Universo,  ó  cuemo  la  madre,  orígen  v  fundan^ento  de  todos  los  otros 
instrumentos  astronómicos*  (').  Éste  instrumento,  matriz  de  todos  os  outros,  dispensa  o  estudo  da  repre- 
sentação da  esfera  em  plano. 

O  astrolábio  redondo  é  formado  por  uma  esfera,  às  vezes,  de  ouro  ou  prata,  mais  geralmente 
de  latão,  sòbre  a  qual  se  move  uma  meia-esfera,  chamada  rêde.  feita  de  fôlha  metálica,  que.  pela  sua 
face  côncava  interna,  assenta  perfeitamente  na  superfície  convexa  da  esfera,  deslizando  sôbre  ela,  em 
tômo  dos  poios  do  equador. 

Metade  da  esfera  é  destinada  a  representar  o  hemisfério  celeste  que  assenta  sôbre  o  hori- 
zoite  da  localidade  onde  se  observa.  O  ponto  superior  Z  é  o  zénite;  o  círculo  S  E  N  é  o  horizonte. 

Círculos  menores  horizontais,  gravados  na  superfície,  são 
as  almocântaras  (*),  que  se  elevam,  equidistantes,  até 
ao  zénite,  para  marcarem  as  alturas  dos  astros.  Semi- 
círculos verticais  cruzam-se  no  zénite,  descendo  até 
ao  círculo  graduado  do  horizonte,  para  aí  indicarem 
os  azimutes,  ou  as  amplitudes.  Entre  êles  esco- 
Ihe-se  um  para  meridiano  do  lugar;  o  que  lhe  é  per- 
pendicular será  o  primeiro  vertical;  estes  dois  inter- 
ceptam o  horizonte  nos  quatro  pontos  cardíais  N,  E, 
S,  W.  As  alturas  das  almocântaras  contam-se  num 
circulo  vertical  graduado;  os  azimutes  dos  verticais 
contam-se  no  horizonte  a  partir  do  meridiano,  e  as 
amplitudes  a  partir  do  primeiro  vertical. 

Como  o  instrumento  deve  servir  a  mais  que  uma 
localidade,  e  a  latitude  geográfica  é  igual  à  altura  do 
polo  em  cada  lugar,  escolhem-se  no  meridiano  pontos 

Pi.  P»,  P>  a  diferentes  alturas  acima  do  horizonte. 

os  quais  servirão  de  poto  aparente  do  equador.  Na 
direcção  dos  diâmetros  Pt  Pi,  PiP;,  PjPi,  ....  que 
passam  por  estes  pontos,  fura-se  a  esfera.  Num  des- 
tes diâmetros  furados  passará  a  vara  de  ferro  que  serve  de  eixo  à  rêde  hemisférica,  a  qual  ficará 
assim  com  o  ponto,  que  nela  representa  o  polo  do  equador,  colocado  em  sua  verdadeira  altura. 


34 


(')  Libns  dtí  sãbcr,  Tomo  It,  pig.  84. 

O  Sõbre  ■  palavra  atmocànUra,  vcja-sc  a  nossa  Astronomu  dos  LusiãdãS,  pig.  139.  nota. 


ilstvolábio  Csfcvico 


(século  x\u) 


I  I 


1 

r 


5^ 


L  ih 


riaURA  REPRODUZIDA  DOS  'LIBROS  DCL  ASTROLÁBIO  RCDONDO •.  COKTIDOS  NOS 
•  LIDROS  DEL  SADCR  DE  ASTRONOMIA  DEL  REV  O.  AFONSO  XI  DC  CASTILLA* 


ESTAMPA  I 


I 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


riB.  I 


A  rêde  é  uma  calote  esférica,  geralmente  feita  de  latão,  destinada  a  representar  o  hemisfério 
do  firmamento,  situado  ao  norte  da  eclíplica.  com  algumas  das  principais  estrêlas,  de  latitude  iboreal 
portanto.  O  círculo  da  sua  base.  SS  ífig.  2),  que  é  a  eclíplica.  divide  se  nos  12  signos,  e  cada  signo  nos 
seus  30  graus.  Sobre  o  seu  polo  R.  que  é  o  polo  do  zodíaco,  move-se  uma  alidade  de  perfil  semi- 
circular (fig.  3).  que  desce  até  à  graduarão  dos  si- 
gnos, sustentando  em  seus  extremos  duas  compridas 
pínulas,  de  altura  maior  que  o  semí-diámetro  da  rêde, 
para  se  poderem  observar  os  astros,  através  dos  res- 
pectivos orifícios,  sem  impedimento  da  esfera. 

Com  centro  num  ponto  da  rêde,  distante  de 
R  tanto  como  a  excentricidade  da  órbita  solar,  na  di- 
recção do  ponto  do  zodíaco  que  marca  o  auge  do 
sol.  traça-se,  na  superfície  convexa,  um  circulo  MM  .  o 
qual  se  divide  em  365  partes,  correspondentes  aos 
365  dias  do  ano;  os  traços  de  divisão  indicam  os 
meses  e  dias.  É  o  círculo  da  equãção  do  sol.  também 
chamado  círculo  dos  meses.  A  alidade,  girando  por 
cima  déle,  mostra  a  correspondência  entre  os  pontos 
dos  dois  círculos  MM  e  SS  .  e  assim  se  sabe  a  mar- 
cha do  sol  na  eclíptica  e  o  seu  lugar  nos  signos  em  cada  dia  do  ano,  dispensando  se  uma  lábua  de 
longitudes  solares. 

fazendo  depois  centro  no  ponto  P,  distante  de  R.  no  coluro  dos  solstíclos.  um  número  de 
graus  igual  à  inclinação  da  ediptica.  descreve  se  um  outro  círculo  menor  EE  ,  paralelo  portanto  ao 
equador,  ao  qual  se  chama  o  equador  do  dia.  É  no  ponto  P  que  se  abre  o  orifício,  por  onde  passa  a 
vara  de  ferro  que  se  enfiará  num  dos  diâmetros  furados  da  esfera:  em  volta  dêste  ponto,  polo  do  equa- 
dor, girará  a  rêde  sôbre  a  esfera,  figurando  o  movimento  diurno  das  estrêlas. 

Cada  estrela  fixa  será  representada  na  rède 
pelos  pontos  correspondentes  às  suas  longitudes  e  la- 
'  "         titudes  celestes.  Cada  um  dêstes  pontos  é  o  vértice  de 

um  ponteiro  ou  denticulo  que  se  desenha  na  rêde  com 
a  sua  base  sóbre  algum  dos  círculos,  o  dos  signos,  o 
dos  meses  ou  o  do  equador.  Depois  lima-se  a  rêde, 
abrindo-a,  tirando  lhe  fóra  todos  os  bocados  que  se  pos- 
sam dispensar,  deixando  apenas  os  aros  dos  círculos 
necessários,  com  os  ponteiros  das  estrêlas  apoiados  nê- 
les.  Colocada  a  rêde  sobre  a  esfera,  pode  ver  se,  atra- 
vés das  suas  aberturas,  a  teia  das  almocântaras  e  círcu- 
los verticais,  traçados  na  esfera,  como  mostra  a  Estampa 
1.  iunta.  reproduzida  dos  Libros  dei  saber;  e  assim  se 
tem  uma  imagem  exacta  do  movimento  diurno  dos  as- 
tros acima  do  horizonte  de  algum  dos  lugares  para  os 
quais  o  astrolábio  se  construiu.  O  movimento  do  sol  e  dos  planetas  é  representado  pelo  dos  pontos 
do  zodíaco  por  eles  ocupados  em  cada  dia. 

Entre  o  círculo  dos  meses  e  o  dos  signos  há  dois  quartos  de  círculo:  um.  dividido  em  90 
graus,  para  se  medir  a  altura  dos  astros  observados  através  dos  orifícios  das  pínulas  da  alidade;  e  o 
outro,  justaposto  a  éste.  dividido  em  24  dígitos,  ou  dedos,  para  servir  de  escala  allímetra,  correspon- 
dendo 12  à  sombra  recta  e  12  à  sombra  versa,  de  que  adiante  falaremos.  No  bordo  da  rêde.  na  cabeça 
ou  princípio  de  Capricórnio,  fixa  se  o  anel  de  suspensão  do  astrolábio. 


Explicada  no  Livro  I  a  construção  do  instrumento,  segue  se  o  Livro  II  do  astrolábio  redondo, 
com  135  capítulos,  cm  que  se  ensinam  a  resolver  quási  outros  tantos  problemas  astronómicos,  geográ- 
ficos e  geodésicos.  Como  exemplo  que  nos  interessa,  transcrevemos  a  regra  para  determinar  a  latitude 
geográfica  de  um  lugar  por  meio  da  altura  meridiana  do  sol: 


35 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  00  BRASIL 


«CAPITOLO  LXVn 

Oe  saber  las  ladezas  de  Ias  cíbdades,  dei  grado  dei  sol  et 
de  la  su  altura  en  qual  dia  quier 

Si  esto  quísíeres  saber,  toma  Ia  altura  dei  sol  en  médio  daquel  dia,  et  guárdala,  et  sabe  la 
dcciinacion  daquel  grado,  et  guárdala  otrossi.  et  si  fuer  miridional  annádela  sobre  la  altura,  et  si  fuer 
seplenirional  mínguata  dende,  et  lo  que  fuer  ell  altura  despues  deli  annadimiento  ó  dei  minsuamíento, 
aquella  será  Ia  altura  de  la  cabeça  de  Aries  en  to  cibdat,  et  mínguala  de  .XC.  et  fincará  Ia  Iade2a>(*). 

Manda-se  assim  juntar  ou  tirar  da  altura  meridiana  observada  do  sol  a  sua  declinação,  segundo  èle 
andar  ao  sul  ou  ao  norte  do  equador.  O  resultado,  subtraído  de  90.  dá  a  latitude  da  localidade.  Não  se  fala 
ainda  em  sombras,  que  se  subentende  correrem  sempre  ao  norte,  pois  euidenlemente  se  consideram,  nesta 
regra,  apenas  lugares  situados  ao  norte  do  trópico  de  Câncer.  Quando  os  portugueses  navegaram  na  zona 
tórrida,  foi  preciso  generalizar  esta  regra,  para  se  formular  o  Regimento  da  altura  do  polo  ao  meio  dia. 


3  —  0  ASTROLÁBIO  PLANISFÉRICO 

>  opinião  dos  astrónomos  afonsinos,  o  astrolábio  planisférico,  ou  plano,  como  mais  sim- 
plp-menle  o  designam,  foi  invenção  de  Ptolomeu.  O  astrónomo  ale,<andrino,  que  tratou  o 
pro  >lema  da  representação  da  esfera  em  plano,  vendo  quam  trabalhoso  era  o  fabrico  do 
astrolábio  redondo,  pela  extrema  dificuldade  da  moldagem  de  superfícies  esféricas  matemá- 
licamente  perfeitas,  e  quam  incómodo  era  o  seu  transporte,  teria  inventado  o  astrolábio  pla- 
nisférico, fàcilmente  portátil  e  de  mais  simples  construção.  Assim  se  lê  no  Prólogo  do  astrolábio  plano: 

<  Et  porque  ouo  Ptolomeo  que  era  estnimente  muv  grieue  de  traer  de  un  logar  á  otro  por  Ia 
grandez  déll.  et  otrossf  de  fazer,  dc  redondo  que  era  tornóie  llano  en  el  logar  o  eran  los  signos  et  las 
otras  estreitas  que  eran  cerca  dellos>. 

O  astrolábio  planisférico  é,  porém,  anterior  a  Ptolomeu,  tendo  sido  inventado  por  Eudoxo 
de  Cnido  (circa  3S0.  a.  C).  ou  por  Apolônio  de  Perga  (circa  240.  a.  C),  mais  provávelmente  pelo 
primeiro ().  É  um  instrumento  de  origem  grega,  transmitido  pelos  árabes  à  Europa  ocidental.  No  fim 
do  século  VIII.  Messahala,  astrónomo  árabe,  judeu  de  religião,  escreveu  um  tratado  sôbre  o  astrolábio 
planisférico.  cuja  versão  latina  se  intitulava  *Compositio  et  Operatio  astrolabii*.  O  tratado  (*)  que.  sôbre 
o  mesmo  instrumento,  comp&s.  em  1391.  o  poeta  inglês  Chaucer,  autor  dos  Canterbury  Tales,  para 
uso  de  seu  filho  Luis,  estudante  em  Ovford.  é  principalmente  baseado  na  obra  de  Messahala.  Pelos  Libras 
dei  saber  de  astronomia  ficamos  sabendo  como,  em  Toledo,  os  artífices  construíam  o  instrumento  no  século 
XIII  e  como  os  astrónomos  dêle  usavam. 

A  passagem  do  astrolábio  redondo  para  o  planisférico  operou-se.  substituindo  o  hemisfério  côn- 
cavo da  rêde  pela  sua  projecção  sôbre  o  plano  do  equador,  ficando  assim  a  rêde  reduzida  a  uma  placa 
circular  móvel.  A  projecção  escolhida  foi  a  estereográfica,  que  tem  a  vantagem  de  ser  isogónica,  o  que 
quere  dizer  que  os  ângulos  das  linhas  imaginadas  na  superfície  esférica  se  conservam  os  mesmos  em 
projecção.  Além  disso,  qualquer  circulo  da  esfera  se  projecta  segundo  um  circulo,  ou  uma  recta,  linhas 
fáceis  de  traçar. 

o   L  bros  dei  saber,  Tomo  11,  pig.  196. 

(■»   Nau.  Le  trailí  sur  faslrolsbe  plan  de  Sévíre  Stbokt,  éfíit  ju  Vil»  siicle  d'après  des  sources  greeques. 

Pari».  IS99. 

O  A  trestfst  on  lhe  ãstrolabe  by  Oeoffrey  Chaucer,  A.  D.  1391,  London,  Ctiaucer  Sotíeiy,  1872. 

36 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


O  ponio  de  vista  é  o  polo  sul  P'  (fig.  4)  da  esfera  celeste.  O  plano  do  equador  EE'  é  o  plano 
de  projecção,  a  qual  é  assim  eslereográfica  polar.  Uma  esirêla  S  do  hemisfério  boreal  projecta  se  em  s; 
uma  estrèla  S  do  hemisfério  austral,  em  5  .  Só  se  pro- 
jectam os  pontos  da  porção  da  esfera  celeste  situada  ao 
norte  do  trópico  de  Capricórnio  TT'.  Assim  o  ponto  cen- 
tral da  projecção  será  o  ponto  p,  que  representará  o  polo 
norte,  e  o  limite  externo  será  o  circulo  tf,  projecção  do 
trópico  de  Capricórnio. 

A  fórma  que  a  rede  desta  maneira  toma  é  a  da 
placa  circular  metálica,  recortada  de  aberturas,  que  mostra 
a  figura  junta  (fig.  5).  transcrita  dos  Libros  dei  Sâber  (Tomo 
n.  pág.  235).  Aí  se  vé  o  zodiaco  com  seus  signos;  Aries, 
Tãurus.  Gemini.  etc,  bem  como  os  ponteiros  ou  denlícu- 
los  das  estrêias  com  seus  nomes,  como  Ala  dei  cauallo. 
Pie  dosso.  Addãbaran.  O  círculo  limite  externo  é  o  trópico 
de  Capricórnio.  Os  diâmetros,  vertical  e  horizontal,  sao 
respectivamente  os  coluros  dos  solslícios  e  dos  equinó- 
cios. O  centro  representa  o  polo  boreal,  e  em  volta  déle, 
sôbre  uma  cavilha  que  atravessa  o  instrumento,  gira  a 
rède.  também  chamada  aranha,  dando  a  imagem  do  mo- 
vimento diurno  dos  astros.  Para  representar  os  plane- 
tas servem  os  pontos  do  zodiaco  por  èles  ocupados  em 
cada  dia.  ^ 

A  teia  das  almocâniaras  e  círculos  verticais,  tra- 
çada na  metade  superior  da  esfera  do  astrolábio  redondo, 
é  também  projectada  no  plano  do  equador  e  representada' 
num  disco  metálico  de  diâmetro  igual  ao  da  réde  ou 
aranha.  É  essa  teia  que  se  vê  na  parle  superior  da  figura 
(fig.  6),  extraída,  como  a  anterior,  dos  Libros  dei  saber  (Tomo 

11.  pág.  240).  As  almocântaras  sobem  desde  a  curva  do 
horizonte,  numeradas  de  6  em  6  graus  de  altura  (6, 

12,  18,  24,  30...),  diminuindo  sucessivamente  de  raio, 
até  ao  ponto  em  que  se  projecta  o  zénite.  Dêste  ponto 
irradia  o  feixe  dos  círculos  verticais  que  vão,  em  tô- 
das  as  direcções,  marcar  os  azimutes,  ou  as  ampli* 
tudes.  como  na  figura,  numeradas  de  10  em  10  graus. 
O  centro  do  disco  é  o  polo.  e  o  diâmetro  vertical  que 
por  êle  passa  e  pelo  zénite,  é  o  meridiano.  O  círculo 
da  periferia  do  disco  é  o  trópico  de  Capricórnio,  e 
os  dois  circulos  interiores,  concêntricos  com  êle,  são 
o  equador  e  o  trópico  de  Câncer. 

As  linhas  da  parle  inferior,  numeradas  desde 
T  1  XII,  são  as  linhas  horárias  que  marcam  as  horas 
chamadas  desiguais,  ou  temporais,  por  variarem  com 
a  duraçio  do  dia  c  da  noite.  Horas  tais  do  dia  re- 
sultam da  divisão  por  12  do  tempo  decorrido  desde 
o  nascer  ao  pór  do  sol,  e  as  da  noite  de  igual  divi- 
são do  tempo  que  vai  do  ocaso  ao  nascimento  do 
sol,  A  hora  sexta  é  contada  no  meridiano.  As  linhas 
horárias  permitiam  usar  o  astrolábio  como  relógio. 
Para  se  saber  a  hora  da  noite,  observava-se.  pela 
medeclina,  a  altura  de  uma  das  eslrèlas  representa- 
das nos  denticulos  da  aranha,  levava-se  depois  a  ponta  dèsse  denticulo  à  almocãntara  correspondente 
à  altura  observada,  e  via-se  em  que  linha  horária  se  ia  colocar  o  ponto  do  zodíaco  ocupado  pelo  sol 
nesse  dia.  Assim  se  tinha  a  hora  da  noite.  O  arco  circular  descrito  por  êste  ponto  abaixo  da  curva 

37 


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HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


do  horizonte  era  o  arco  da  noite  de  que  fala  Azurara,  a  quem  o  uso  do  astrolábio  era  familiar  (•)  ao 
descrever  as  vigílias  do  Infante  D.  Henrique: 

•Oh!  quantas  vezes  o  achou  o  sol  assentado  naquele  lugar  onde  o  leixara  o  dia  danle.  velando  todoo 
arco  da  noite  sem  receber  nenhum  descanso,  cercado  de  gentes  de  diversas  nações»  {Chronica  de  Ouiné,  Cap.  VI). 

Como  a  distância  do  zénite  ao  polo  varia  com  o  logar  de  observação,  era  necessário  fazer 

discos  diferentes  para  as  diferentes  latitudes  geo- 
gráficas. Cada  astrolábio  tinha,  por  isso.  um  jogo 
destes  discos,  chamados  lâminas  ou  discos  de  la- 
titude. Na  lâmina  representada  na  Fig.  6  lê-se- 
ladeza  XL,  latitude  de  Toledo. 

O  iôgo  dos  discos  entrava  numa  caixa 
circular,  chamada  <mãe  do  astrolábio»,  deixando  se 
por  cima  o  disco  conveniente  para  o  lugar  de  obser- 
vação. SÔbre  éste  disco,  que  se  fixava  na  caixa  por 
um  chanfro,  girava  a  aranha,  figurando  o  movi- 
mento diurno  dos  astros  no  hemisfério  celeste  do 
lugar,  vendo-se  através  das  suas  aberturas  as  li- 
nhas do  disco,  como  mostra  a  parte  branca  do  de- 
senho do  rosto  do  astrolábio  (Estampa  ÍI). 

Tendo  considerado  o  astrolábio  pelo  lado 
do  rosto,  resta-nos  descrevê-lo  pelo  lado  do  dorso, 
que,  para  o  nosso  fim,  é  *  parte  mais  importante. 
O  dorso  é  a  face  externa  da  chapa  que  serve  de 
fundo  à  mãe  do  astrolábio,  cuia  superfície  circular 
se  aproveita  o  melhor  possível,  como  se  vê  na  fi- 
gura,   reproduzida  dos  Libros  dei  saber  (Tomo  II, 
pág.  246)  e  completada  (fig.  8  e  estampa  11). 
O  circulo  externo,  no  bordo  do  dorso  do  astrolábio,  é  dividido  em  quatro  quadrantes,  gradua- 
dos de  O  a  90  graus,  a  partir  do  diâmetro  horizontal,  para  cima  e  para  baixo.  Esles  quadrantes  são  cha- 
mados quartos  de  altura,  por  medirem  a  altura  dos  astros,  que  se  observam  com  uma  alidade  de  pínulas 
luradas  que  gira  em  tômo  do  centro  do  instrumento,  deslisando  as  suas  pontas  sobre  esta  graduação. 

Segue-se.  dentro  déste.  o  circulo  dos  signos,  que  representa  o  zodíaco  dividido  nos  seus  12  si- 
gnos e  cada  um  destes  em  30  graus.  Os  pontos  solstíciais  estão  no  diâmetro  vertical,  ficando  o  princípio 
de  Câncer  debaixo  do  anel  de  suspensão.  As  cabeças  de  Aries  e  de  Libra  estão  no  diâmetro  horizontal 


FI9. 


Tounu 


ddo  rli>  A„,««  'í**!*^  ""do  peloi  que  se  dedicavam  à  astrologia  judiciária.  Era  instrumento  bem  conhe. 

Duarte  de  Menezes.  Cap.  34.  dlj  que  éte  próprio  se  ocupára  do 
horóscopo  do  rei  D,  Alonso  V.  pois  declara  -ter  vista  mui  bem 
sua  consiclacio,  pela  qual  bem  tinha  conhecidas  a  maior  parte  de 
suat  virtudes  e  mclinações».  Na  Fig,  6  a  linha  inferior  da  teia  de 
aJmocàntaras  e  drcuío»  verticais  e  o  horizonte,  mas  muitos  astro- 
wwos  tinham,  abaixo  do  horl/onte.  ainda  a  hnha  do  crepúsculo 
onde  começava  o  crepúsculo  oncnial  ou  matutino,  e  onde  termi- 
nava  o  vespertino,  quando  o  sol  nela  passava.  Azurara  tem  na 
mente  um  dèstes  astrolábios  quando  descreve  o  romper  d'alva 
no  dia  da  lomada  de  Ceuta i  -Pequena  lardança  pòs  o  sol  em 
começar  seu  diumal  trabalho,  ca  era  isto  uma  quarta -feir.!,  21  dias 
dO  mes  de  Agosto,  em  a  qual  aquela  Imperial  planeia  entrava  em 
seis  graus  do  signo  que  se  chama  de  Virgo.  e  em  aquela  hor.i 
que  Uanimedes  começou  de  romper  a  primeira  teia  do  orienl.il 
crepúsculo.  (Cftronica  ás  lomada  de  Ceu/j.  Cap.  68).  -A  primeira 
teia  do  oriental  <maiinal)  crepúsculo'  é  uma  maneira  abreviada  de 
aizer!  a  primeira  malha  da  teta  das  almocSntaras.  a  malha  inferior 
onae  começa  o  crepúsculo  matutino.  Ganimedes  e  o  signo  do 
Aquário,  entre  o  qual  e  o  de  Virgo.  onde  eslava  o  sol  {fig,  7).  me- 
««i?!^  f O  »o'  subia  na  linha  crepuscular 

38 


Fig.  1 


Cl  5 1 V  ol  á  b  i  o  P  l  a  i\  i  0  for  i  c  o 

Hei  Cl  1 011 50, 0  ^cih  i  o 

5eculoXm 


ixLua:>í\*liUtinla 


í  ' 

riOURAS  DO  ROSTO  C  OORH  OO  ASTROLÁBIO  SCOUN 
DO  OS  «LIBROS  DEL  ASTROLÁBIO  IL.M40>,  CONTIDO» 
NOS  «LIOROS  DCL  SAUl:R  Dt  ASTRONOMIA  DEL  Kl:V 
D.  ArONSO  XI  DC  CASTILLA*. 


ESTAMPA 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


.on..«  •  f  ^'3"*'®  ^^'^     ^^'''^"^^  ""^  P0"«  excêntrico,  pois  que  o  seu 

centro  e  desviado  na  direcção  do  ponto  do  zodíaco  que  indica  o  .  h     h  r  u  wu 

auge  do  sol  na  época.  É  dividido  em  365  partes,  correspondentes 
aos  365  dias  do  ano.  distribuídos  pelos  12  meses.  A  alidade,  cor- 
rendo sobre  os  dois  círculos,  o  dos  meses  e  o  dos  signos,  estabe- 
lece a  correspondência  entre  êles.  Assim  se  lem  a  marcha  anual  do 
sol  na  echpt.ca.  Os  dois  círculos  resumem  no  pequeno  espaço  do 
dorso  do  astrolábio  a  <tabla  de  saber  en  quál  grado  dei  zodíaco 
es  el  sol.  que  o  astrónomo  afonsino  põe  no  fim  do  Libro  II  deli 
astrolábio  flano. 

Finalmente,  dentro  do  círculo  dos  meses  está  o  qua- 
drado das  sombras,  ou  escala  allímetra.  O  lado  inferior  horizontal 
dividido  em  12  dígitos  ou  dedos,  mede  a 
sombra  de  um  estilo  vertical,  quando  o  sol 
está  a  mais  de  45  graus  de  altura  sôbre  o 
horizonte  (fig.  9).  É  a  sombra  tendida,  mais 
geralmente  designada  depois  por  sombra 
recta.  O  lado  vertical,  dividido  também  em 
12  dígitos,  mede  a  sombra  de  um  estilo  ho- 
rizontal, quando  o  sol  está  em  altura  infe- 
rior a  45  graus  (fig.  lO).  A  esta  sombra  cha- 


PIg.  ■ 


0  1*60    10  II 

PIg.  «  "a- 

mou-se  sombra  conversa,  ou  mais  simples- 
mente, sombra  versa.  A  escala  da  sombra 
versa  dá  a  tangente  trigonométrica,  e  a  da 
sombra  recta  a  cotangenle  do  ângulo  da 

altura  de  qualquer 
objecto  visado  com  a 
alidade.  Com  a  escala 
das  sombras  resol- 

viam-se  problemas  de  altimetria  e  planimetria.  como  saber  a  altura  de  um  edifício, 
a  profundidade  de  um  poço  (fig.  11).  a  largura  de  um  rio. 

A  alidade  de  pínulas  furadas,  que  gira  em  tôrno  do  centro,  teve  entre 
nós  o  nome  de  mediclínio,  do  latim  mediclinium,  tomando  depois  a  fórma  femi- 
nina medicíina  ou  medecfina. 

O  célebre  compêndio  De  Sphaera  de  Sacrobosco.  frade  inglês  que  foi 
professor  na  Universidade  de  Paris,  onde  morreu  em  1256,  traz  a  aplicação  do 
astrolábio  à  medição  do  grau  do  meridiano  terrestre.  O  trecho  que  disso  trata  é 
assim  traduzido  por  Pedro  Nunes: 

«O  cérco  de  lôda  a  terra,  segundo  dizem  os  filósofos  Ambrósio  Ma- 
"t-'"*  '  ^^^"^slenes.  é  de  252000  estádios,  dando  a  cada  uma  das  360  partes  do 
sioeiíi.r.  oppenhrim.  iiM.  zodiaco  700  estadios.  E  O  modo  que  se  tem  para  se  isto  alcançar  é  este.  Toma- 
remos o  astrolábio,  e  em  noite  clara  e  estrelada,  olharemos  o  polo  por  ambos 
os  buracos  do  mediclínio,  que  é  a  regra  que  joga  no  centro,  e  notaremos  a  quantos  graus  está  o  me- 
diclínio; depois  disso  iremos  direitos  ao  norte  até  que  outra  noite  nos  amostre  o  mediclínio  estar 
o  polo  mais  alto  um  grau.  Se  medirmos  éste  espaço  de  caminho,  acharemos  que  são  700  estádios,  e 

39 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


dando  outro  lanro  a  cada  um  dos  360  graus,  acharemos  quanto  seja  o  cerco  de  lôda  a  Terra»  (Tratado 
da  Sphera.  1537.  pág.  13  da  edição  fac-similada). 

Esla  avaliação  do  grau  do  meridiano  em  700  estádios  é  devida  a  Eratóstenes.  Como  é  sabido 
Ptolomeu  adoptou  500  estádios,  seguindo  Possidónto.  ' 


4  —  0  astrolAoio  Náutico 


jAS  muitas  aplicações  a  que  se  prestava  o  astrolábio  planisférico.  só  uma  era  essencial  ao 
navegante:  a  determinação  da  altura  dos  astros.  E  assim  o  astrolábio  náutico  resultou  do 
planisférico  por  simplificação.  A  aranha  e  os  discos  de  latitude  foram  postos  de  parte 
por  Inúleis^  acabando  por  aproveitar-se  apenas  o  círculo  externo  graduado  e  a  medeclina. 
As  dimensões  do  instrumento,  assim  simplificado,  foram  aumentadas,  o  que  facultou  uma 
melhor  divisão  do  limbo  circular,  podendo  apreciar-se  fracções  menores  do  grau. 

Na  Carta  Universal  de  Diogo  Ribeiro,  do  ano  de  1529  (reproduzida  no  Períplus  de  Nordens- 
kfõld.  mapa  XLIX).  enconlra-se.  junto  do  canto  inferior  do  extremo  oriental  do  mapa.  o  astrolábio  marítimo, 
que  se  copia  na  Fíg.  13.  E  um  disco  circular  cheio,  com  seu  anel  de  suspensão,  tendo  os  dois  quadrantes' 
superiores  divididos,  de  O  a  90  graus,  a  contar  do  diâmetro  horizontal.  Sobre  os  dois  quadrantes  inferio- 
res conserva-se  ainda  a  escala  altimetra  das  sombras.  Em  volta  do  centro  move-se  a  medeclina  com  as 
duas  pfnulas  furadas.  Temos  aqui.  bem  patente,  o  dorso  do  astrolábio  planisférico  (fíg.  8).  já  sem  os 
dois  círculos,  do  zodíaco  e  dos  meses.  Estes  dois  círculos  ainda  se  vêem  -desenhados  no  outro  ex- 
trêmo  da  carta  de  Diogo  Ribeiro,  sobre  o  Oceano  Pacífico. 

O  astrolábio  geralmente  usado  pelos  navegantes  era  ainda  mais  simples.  A  escala  altimetra 
desapareceu  e  parte  de  cada  um  dos  quatro  quadrantes  íoi  vasada.  de  modo  que  o  astrolábio  tomou 
a  fórma  de  uma  roda  de  quatro  raios,  em  cujo  centro  girava  a  alidade.  Assim  o  astrolábio  constava  se- 


gundo a  nomenclatura  usada 
por  D.  ]oão  de  Castro,  de 
duas  parles :  a  roda,  com  seu 
anel  de  suspensão,  e  a  me- 
decima  ('). 


No  Compendio  dei  arte  de  nave- 
gar, de  Rodrigo  Çamorano,  Sevilha,  1591, 
encontra  se  o  processo  de  fabricar  um  astro- 
lábio de  madeira  ou  metal (').  Transcrevemos 
apenas  a  figura  (fig.  14).  onde  se  vêem  sepa- 
radas: a  roda,  com  sua  laçada  de  suspensão, 
a  medeclina  e  a  cavilha  sóbre  que  ela  se  deve 
mover  no  centro  da  roda.  O  fio  de  prumo 
serve  para  verificar  a  verticalidade  do  diâ- 
metro que  passa  na  divisão  90  da  graduação. 

Se  o  instrumento  era  de  pequenas 
dimensões,  suspendia-se  duma  das  mãos  para 
observar.  Querendo  tomar  a  altura  duma  es- 
trela, erguia-se  o  braço  com  o  Instrumento 
até  ficar  o  ôlho  junto  da  extremidade  inferior  da  medeclina.  que  se  movia 
até  se  ver  a  estrêla  através  dos  orifícios  de  ambas  as  pínulas.  A  medeclina 
marcava  então,  no  limbo  graduado,  a  altura  do  astro  acima  do  horizonte. 

Para  tomar  a  altura  do  sol  segula-se,  porém,  um  método  comple- 
tamente diferente.  Não  se  olhava  para  o  sol  através  dos  buracos  da  mede- 
clina. Suspenso  o  instrumento  duma  das  mãos  (fig.  12),  estendia-se  o  braço 
para  a  frente,  colocando-se  o  observador  de  modo  a  orientar  a  roda  no  plano 
vertical  do  sol.  Tendo  assim  em  frente  o  astrolábio,  dirigia-se  a  medeclina 
com  a  outra  mão,  de  modo  que  a  sombra  da  pínula  mais  alta  viésse  cobrir 
a  pínula  de  baixo.  Entào  um  ralo  de  luz  solar  passava  através  dos  orifícios 
das  pínulas.  A  leitura  do  limbo  dava  a  altura  do  sol  nesse  momento 
Se  o  mstrumento  era  de  grandes  dimensões,  como  o  astrolábio  de  latão,  de  meio  metro  de 


Ps.  Il~  P«sag«m  do  aol  no  at- 
tr«llblD.  Cópia  do  Itt^lmltntD  rfe 
nar*^tton  d»  Ptdro  da  Modina, 
••vilha,  tMa. 


(■)  Roteiro  de  Lisboa  *  Goa,  Lisboa,  1882,  pig.  36S. 

(Õ   Ve^-M  a  nossa  Astronomia  doi  Lusíadas,  Coimbra.  I9lS.  pjg.  124. 


40 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


di.imelro  (fig.  15),  cxislenie  no  Observatório  Asironômico  da  Universidade  de  Coimbra  (')  então  suspen 
dia-se.  por  uma  corda,  de  tr^s  paus.  juntos  pela  parle  superior  à  maneira  de  cábrea.  Assim  conta  ]oio 
de  Barros  (O  que  Vasco  da  Gama.  em  novembro  de  1497.  na  Bahia  de  Santa  Helena,  armou  o  astrolá- 
bio de  pau  de  3  palmos  de  diãmelro.  que  levavam, 
além  de  outros  mais  pequenos  de  latão.  A  figura 
(íig.  16)  é  uma  reconstituição  do  modo  de  instalar 
um  dèsses  instrumentos. 

O  astrolábio  permite  observar  a  altura  do 
sol  ao  meio  dia  verdadeiro,  isto  é,  na  sua  passagem 
pelo  meridiano,  sem  necessidade  de  relógio.  O 
observador,  tendo  o  astrolábio  suspenso  diante  de 
si,  um  pouco  antes  da  passagem  do  sol  no  meri- 
diano, e  a  medeclina  dirigida  de  modo  que  a  som- 
bra da  pinula  alta  cubra  sempre  a  pínula  baixa,  passando 
pelos  dois  orifícios  a  luz  solar,  vai  vendo  a  extremidade 
superior  da  medeclina  subir  constantemente,  marcando  um 
ângulo  sempre  maior  na  graduação;  conserva-se  depois  es- 
tacionária, para  baixar  em  seguida,  quando  o  sol  já  desce 
do  outro  lado  do  meridiano.  A  altura  correspondente  à 
posição  em  que  a  medeclina  estaciona   durante  algum 
tempo  é   a  máxima  altura   atingida  pelo  sol  e  portanto 
a  altura  dèste  astro  na  sua  culminação  superior,  isto  é, 
ao  meio-dia  verdadeirq.  O  astrolábio  dá.  pois.  por  si  só.  a 
altura  meridiana  do  sol,  com  a  qual  se  fazia  a  conta  da 
latitude. 

A  êste  processo  de  determinar  a  altura  do  sol 


ri9.  ij 


1  de  Maio  de  ISOO. 


ao  meio-dia  pelo  emprègo  puro  e  simples  do 
astrolábio,  seguindo,  como  a  fiel  de  balança,  o 
movimento  da  medeclina,  quando  o  sol  se  apro- 
ximava do  meridiano,  ale  que  ela  se  tornava  al- 
gum tempo  estacionária  antes  de  baixar,  indican- 
do assim  a  altura  máxima,  chamaram  os  nossos 
marinheiros  pesar  o  sot. 

Para  facilitar  a  conta  da  altura  do  polo, 
acabaram  os  astrolábios  portugueses  por  ter  a 
graduação  em  sentido  inverso  do  que  atrás  ficou 
indicado.  O  zero  mudou  para  a  parte  superior,  na 
direcção  do  zénite,  e  daí  vinha  correndo  a  gra- 
duação até  90  graus,  no  exirêmo  do  diâmetro  ho 
rizontal.  A  leitura  do  instrumento  dava  imediala- 
mente  a  distância  zenital  do  sol.  complemento  da 
altura.  Por  isso  no  Compendio  dei  arte  de  naue- 
gar  do  Çamorano.  já  citado,  há  um  capitulo  in- 
titulado: Otra  manera  de  hazer  la  cuenta  a!  sol, 
como  lo  usan  cn  Portugal. 

O  astrolábio  era  considerado  o  melhor 
dos  instrumentos.  A  altura  do  sol  toma-se  «me- 
jor  con  estrolabio  que  non  con  quadrante  nin 
con  oiro  ningud  estrumento\  diz  Mestre  ]oâo 
na  carta  escrita  de  Vera  Cruz  a  D.  Manuel,  em 
O  astrolábio  é  «o  melhor  instrumento  de  todos-,    diz  D.  João  de  Castro 


FlQ.  14 


(')   Ibiaem,  pig.  127. 

O   Barros.  Dérsdã  I,  LIv.  IV,  Cap.  II. 


41 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


numa  nora  do  Roteiro  de  Lisboa  a  Goa.  que  adiante  transcreveremos.  Tinha,  porém,  um  defeito. 
Guando  o  sol  passava  no  meridiano  perto  do  zenile.  era  extremamente  difícil  tomar-lhe  a  altura 

com  o  astrolábio.  Por  isso,  D.  }oão  de  Castro  diz  que 
«será  necessário  dar  alguma  Regra  aos  homens  do 
mar,  para  saberem  usar,  e  se  aproveitarem  da  altura 
nestes  tempos  duvidosos  em  que  o  sol  anda  muito  vi- 
zinho de  seu  zénite;  pelo  que  terão  aviso  que.  quando 
quer  que  o  sol  andar  perto  de  suas  cabeças,  não  to- 
marão altura  ao  meio  dia  sem  uma  agulha  diante,  e 
os  que  puderem  ter  um  estilo  perpendicular  sôbre  uma 
linha  de  norte  sul,  será  muito  melhor»  (').  Em  todo  o 
caso  recomenda,  noutro  passo  (0.  o  uso  da  balesti- 
Iha  quando  o  sol  estiver  a  menos  de  seis  graus  do 
zénite. 

É  a  êste  defeito  do  astrolábio  que  o  P.«  An- 
tónio Vieira  alude  no  sermão  prègado  na  quinta  do- 
minga da  quaresma,  o  chamado  domingo  das  verda- 
des, em  1654.  na  cidade  de  S.  Luís  do  Maranhão,  em 
cujas  paragens  êsse  defeito  se  manifestava  quando  o 
sol  andava  perto  dos 
equinócios: 

«É  experiência 

rifl.  I»  inaudita  a  que  agora 

direi,  e  não  sei  que  fé 
lhe  darão  os  matemáticos  que  estão  mais  longe  da  linha. 
Quere  pesar  o  sol  um  piloto  nesta  cidade  onde  estamos, 
e  não  no  pôrto,  onde  está  surto  o  seu  navio,  senão  com 
os  pés  em  terra:  toma  o  astrolábio  na  mão  com  tôda 
a  quietação  e  segurança.  iE  que  lhe  acontece?  l Coisa 
prodigiosa!  Um  dia  acha  que  está  o  Maranhão  em  um 
grau;  outro  dia  em  meio;  outro  dia  em  dois;  outro  dia 
em  nenhum.  E  esta  é  a  causa  porque  os  pilotos  que 
não  são  práticos  nesta  costa,  areiam,  e  se  têm  perdido 
tantos  nela>. 

O  astrolábio  náutico  filia-se  no  astrolábio 
planisférico,  e  êste  fabrícava-se  com  perfeição,  no  sé- 
culo XMI.  na  Península,  como  mostram  os  livros  afon- 
sinos de  astronomia.  Afirmou-se  durante  muito  tempo 
que  êste  astrolábio  fôra  importado  de  Nuremberg  por 
Martim  Behaim,  no  século  XV.  Não  havia  necessi- 
dade de  trazer  de  fóra  da  Península  um  instrumento 
que  já  nela  se  construía  dois  séculos  antes.  Quando 

Behaim  veio  para  Portugal,  linha  morrido,  dez  anos  antes,  o  cronista  Azurara,  a  quem  o  instrumento 
era  familiar. 


Plg-  i>-A>troldt)lo  luspento  da  c«brllha.- 
Modllo  escolar  contlrultfo  no  Inttlluto  auparlor 
i«cnico  dc  Llaboa. 


(')  Roteiro  de  Lisboi  a  Goa,  Lisboa.  1882,  pás.  364. 
O  Ibidem,  pig.  354.  nota. 

42 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


5—0  QUADRANTE 


lo  Tomo  l[[  dos  Libres  dei  saber  de  astronomia  encontra-se  o  Libro  dei  quadrante  que 
o  rei  D.  Afonso  mandou  redigir  ao  sábio  Rabiçag.  el  de  Toledo,  no  ano  de  1277.  en- 
carregando-o  especialmente  da  parle  relativa  à  construção  do  insirumenlo.  que  ao  tempo 
não  andava  devidamente  tratada.  Aí  se  ensina  minuciosamente  a  construir  um  quadrante 
de  madeira.  É  um  quarto  de  círculo,  limitado  portanto  por  dois  raios  perpendiculares, 
cujo  bordo  circunferencial,  ou  limbo,  é  dividido  em  90  graus.  Esla  graduação  serve  para  medir  a  al- 
tura dos  astros  sóbre  o  horizonte.  Para  isso,  sobre  um  dos  raios  limites,  aquele  em  que  termina  a  gra- 
duação, levanlam-se  duas  pínulas  furadas,  uma  sôbre  o  vértice  do  quadrante,  e  a  outra  junto  do  grau 
90.  Do  vértice,  centro  do  arco  do  quadrante,  pende  um  fio  de 

prumo,  chamado  alidade,  que  desliza  sôbre  o  plano  do  instrumento»  ^ 
quando  êsle  está  uerlical.  Ao  tomar  uma  altura,  a  pinula  do  vértice 

fica  para  cima.  visando-se  a  estrela  com  o  òlho  junto  da  ptnula  / 
que  está  sôbre  o  grau  90.  O  fio  de  prumo  marca  na  graduação  um 
ângulo  a  (fig.  17),  igual  à  altura  a'  da  estrela  sôbre  o  horizonte. 

Se  se  trata,  porém,  do  sol.  não  se  olha  através  dos  orifí- 
cios das  pínulas;  toma-se  o  quadrante  na  mão  e  coloca-se  no  plano 
vertical  do  sol,  de  forma  que  um  raio  de  luz  solar  se  enfie  pela 
pinula  do  vértice  e  venha  passar  na  pínula  baixa. 

Feita  a  graduação  da  altura,  que  ocupa  no  limbo  a  estrei- 
ta faixa  cir- 


ris.  iT 


cular.  su- 
ficiente pa- 
ra nela  se 
marcarem 
os  nume- 
rais dos  .  , 

graus,  ^^5_'  

traça  -  se  * 

um  quarto  de  círculo  mais  a  dentro,  a  uns  três  dedos 
de  distância.  Assim  se  limita  uma  faixa  circular  mais 
larga,  que  se  escava  lòda  com  a  profundidade  bas- 
tante para  dentro  dela  poder  deslizar  uma  régua 
circular  de  pequena  espessura,  chamada  cursor 
(la  Corredera),  que  toma  uma  extensão  de  côrca  de 
50  graus  paralelamente  ao  limbo  (fig,  18).  Neste 
cursor  móvel  há  uma  série  de  divisões  em  arcos 
concêntricos,  traçados  segundo  a  declinação  que 
o  sol  vai  tendo  em  cada  dia  do  ano.  no  seu  per- 
curso ao  longo  dos  signos  (fig.  19)  (').  No  qua- 
drante afonsino  a  inclinação  da  edíptica  sôbre  o 
equador  tem  o  valor  de  23°  32^  29  .  O  comêço 
de  Aries  coloca-se  no  raio  mediano  do  cursor, 
ocupando  o  signo  todo  uma  extensão  de  11° 
31'  II  ',  que  era  a  declinação  do  comêço  de  Tau- 
rus.  Este  segundo  signo  ocupa  mais  8°  43'  2^ .  e  o  signo  seguinte.  Gemini,  mais  3°  18  16  perfazendo  os 
três  o  total  de  23o  32  29  ,  declinação  máxima,  correspondente  ao  comêço  de  Câncer.  A  divisão 
de  cada  signo  em  30  graus  também  se  faz,  apertando  cada  vez  mais  os  traços,  segundo  varia  a  de- 


Flg.  II 


í.»J, 


(')   Nas  figuras  18  e  19.  reproduildas  do  Libro  dei  guadr.inte  porá  rMificãr,  comido  no»  Ubro$  dei  ssber  tomo 
III,  as  duas  pinulas  furadas  devem  Imaginar-sc  ambas  perpendiculares  ao  plano  da  figura. 


43 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


clinação  correspondente  a  cada  grau.  Assim  os  três  signos  da  primavera  seguem-se,  no  bordo  externo  do 
cursor,  no  mesmo  sentido  em  que  cresce  a  numeração  dos  90  graus  do  limbo.  Os  signos  do  verão,  Câncer. 
Leo  e  l/irgo.  sucedem  se.  em  ordem  inversa,  no  bordo  interno  do  cursor,  em  correspondência  com  os  primei- 
ros. Os  seis  signos  austrais,  desde  Libra  a  Pisces,  ocupam  posições  simétricas  na  outra  metade  do  cursor. 


Plg.  II  -  O  4U«ilnni«  dos  L»rM  M  Mft«r  tfe  ãsirwtomia,  lomo  III.  pjg,  jm 


Por  cima  dos  signos  mais  próximos  do  limbo,  desde  Capricórnio  a  Oemini.  gravam-se  as  divi- 
sões, em  dias.  dos  meses  cm  que  o  sol  os  percorre,  de  janeiro  (venero)  a  maio  (mayo).  Em  volta  dos  ou- 
tros signos  correm  os  meses,  desde  julho  a  novembro.  Nos  tôpos  ficam  os  meses  de  dezembro  e  junho,  em 
que  o  sol  passa  nos  soislíclos.  O  fío-alidade  estabelece  a  correspondência  entre  as  divisões  dos  meses,  as 
dos  signos  e  a  graduação  do  limbo,  tendo-se  assim  a  marcha  anual  do  sol,  em  longitude  e  declinação. 

Para  ter  a  latitude  reográfica  de  um  lugar  situado  ao  norte  dos  trópicos,  toma-se  a  altura 

44 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


mendiana  do  sol  com  o  mstrumenro.  Conservando  o  fio  no  grau  de  allura  assim  marcado,  move  se  o 
cursor  até  que  o  traço  do  signo,  ocupado  pelo  sol  nesse  dia.  venha  colocar-se  debaÍKO  do  fio.  O  grau 
do  limbo,  em  frente  do  qual  vier  ficar  o  comêco  de  Aries,  é  a  altura  da  cabeça  ou  ponto  de  Aries  na 
sua  passagem  mendiana.  igual  à  inclinação  do  equador  sôbre  o  horizonte,  complemento  da  latitude  do 
ugar.  Assim  o  cursor  serve  de  régua  de  cálculo  para  apiicaçáo  do  processo  <de  saber  las  ladezas  de 
Ias  cibdades».  que  atrás  transcrevemos  no  final  do  nosso  resumo  do  astrolábio  esférico.  A  subtracção  ou 
soma  da  declinação  à  altura  solar  observada  faz-se  mecánicamente.  em  virtude  da  situação  dos  signos 
austrais  e  dos  setentrionais,  a  um  e  outro  lado  da  linha  mediana  do  cursor, 

Na  parle  do  plano  interior  à  faxa  escavada  vèem  se  as  seis  linhas  horárias  (fig.  19).  que  dflo 
as  horas  desiguais  ou  temporais.  A  sexta,  ou  linha  do  meio  dia.  é  um  seml-círculo  com  o  seu  centro  no 
raio  limite  do  quadrante  onde  estão  as  pínulas;  néle  estão  também  os  centros  das  outras  linhas  horárias, 
arcos  de  circulo  que  vém.  desde  o  vértice  do  quadrante,  dividir  em  sextos  o  bordo  interno  da  faxa 
escavada.  Para  a  marcação  das  horas  corre  no  fio-alidade.  com  atrito  rijo.  uma  conta  que  os  árabes 
chamavam  almun.  e  que  depois  se  chamou  m.irgjht.i.  por  ser  feita  geralmente  de  uma  pérola  furada. 
Coloca-se  o  cursor  em  posição,  fazendo-o  deslisar  na  cavidade  alé  que  o  traço  do  comôço  de  Aries  fique 
em  frente  do  grau  do  limbo,  correspondente  ao  complemento  da  latitude  do  lugar,  em  que  se  quer  saber 
a  hora  em  certo  dia.  Retesa-se  em  seguida  o  fio-alidade  na  direcção  do  grau  do  zodíaco,  ocupado  pelo 
sol  nesse  dia,  nota-se  o  ponto  em  que  éle  intercepta  a  linha  semi-circular  do  meio-dla.  e  corre-se  com 
a  marganta  ao  longo  do  fio  até  ficar  nesse  ponto,  Fica  assim  o  instrumento  com  o  cursor  e  a  margarifa 
dispostos  para  a  observação  da  hora.  Toma-se  a  altura  do  sol.  A  linha  horária,  em  que  vier  colocar-se 
a  marganta,  é  a  hora  procurada.  Se  fòr  depois  do  meio  dia,  tem  de  subiraír  se  de  12  o  número  da  linha 
horária,  indicada  pela  marganta.  Foi  de  êste  uso.  multo  espalhado,  do  quadrante,  para  determinar  a  hora 
do  dia,  que  resultou  a  aplicação  da  palavra  qu.tcirãnte.  como  sinónimo  de  n'l6gio. 

Finalmenle.  sobre  o  vértice  do  instrumento  está  o  quadrado  das  sombras,  ou  escala  altlmetra, 
dividido  nos  12  dígitos  da  sombra  recta  (espandida)  e  da  sombra  versa  (conversa). 

O  quadrante  de  que  damos  tam  resumida  notícia,  é  da  espécie  chamada  de  cursor.  Rico  v 
Sinobas  distingue  quatro  espécies  de  quadrantes  usadas  pelos  árabes  (').  Não  podemos,  nem  precisamos, 
entrar  em  mais  pormenores.  A  lodos  éles.  que  oram  feitos  de  madeira  ou  metat.  é  comum  a  parte  repre- 
sentada na  Fig,  17.  o  quarto  de  altura  com  suas  pínulas  e  fio  de  prumo,  e  esta  é  a  parte  essencial  e 
única  necessária  para  o  uso  náutico. 

Reproduz-se  na  Fig.  20  o  desenho  do  quadrante  que  se  vè  na  Cartinha,  impressa  cm  1539, 
que  acompanha  a  OramAtica  da  lingua  porfugncsa  de  )oão  de  Barros  V).  Esta  cartinha  contém  um 
abecedário  cm  que  cada  letra  é  acompanhada  pela  figura  de  um  objecto  de  que  ela  é  a 
Quadratt     inicial:  assim  à  letra  /)  junta-se  uma  nau.  ao  q  um  quadrante,  ao  z  o  cinto  do  zo- 
diãco.  Dêstes  três  objectos  que  se  prendem  com  a  navegação,  interessa-nos  aqui  o  qua- 
drante, instrumento  comum  nesse  tempo.  O  quadro  da  metade  inferior  da  figura  serve 
de  caixilho  à  letra  q.  Por  cima  déie  vè-se  o  quadrante  com  o  fio  de  prumo,  o  limbo  gra- 
duado,  e  a  escala  altimetra.  Assim  ]oâo  de  Barros  chamava  a  atenção  dos  meninos  que 
Bill  ^.JlK     aprendiam  a  ler  para  ésie  instrumento,  que.  pelo  seu  limbo  graduado,  se  prestava  à  de- 
'         *       terminação  da  altura  dos  astros,  e  pela  escala  aitfmetra  resolvia  problemas  de  topografia 
Fia.»  náutico  do  quadrante  a  primeira  menção  conhecida  é  a  de  Diogo  Go- 

mes na  narrativa  da  sua  viagem  ã  costa  da  Guiné,  cm  1462,  e  chegada  às  Ilhas  de  Cabo 
Verde,  quando  diz:  -E  eu  tinha  um  quadrante,  quando  fui  a  estes  países»  (')-  Desta  informação  de 
Diogo  Gomes  voltaremos  a  tratar  adiante. 

Se  temos  insistido  nas  nossas  referências  aos  Libros  de/  saber  de  astronomia  é  porque  esta 
importante  obra.  existindo  na  côrte  portuguesa  desde  o  tempo  do  rei  D.  Dinis,  devia  ser  bem  conhecida 
do  Infante  D.  Henrique.  O  rei  português  D.  Dinis,  por  sua  mãe  D.  Beatriz  de  Gusmão,  filha  de  Afonso  X, 
era  neto  do  rei  de  Castela.  Sobre  as  relações  enire  éste  e  o  neto  lusitano  diz  Rico  y  Sinobas:  «No  fue 
en  este  terreno  donde  los  enemigos  de  la  personalidad  de  Ian  sábio  Rey  (Alfonso  X)  le  buscaron  por 


O  Libros  dei  sãbcr  de  astronomiã,  tomo  III,  págs.  XLI.  XLII. 

<')   CompUãçio  de  variai  otrras  do  insigne  portuguex  Jojm  de  Barrjs,  rcimprcsiJo  dc  Lisboa.  I7ÍS.  pig.  Z 
(>)  Do  descobrimvnto  új  Guiné,  tradução  do  Ijtim  por  Odt>ri«l  Pcnrirj,  in  tioietim  da  Sociedade  de  Qeonraohia. 
17.I  série,  I89S-I699.  pág.  286.  *  ^ 


45 


risura  d«  Piolom.u  com  um  Quadrante  na  mio.  r^roduilda  do  grande  mapa-mundl  d»  WaldieemOller  de  iwf 
.«  que  aparece  pela  primalr.  ve.  o  nome  An#rtca  (Prol.  Fi.cher  und  Prol.  Wie.er.  o;,  H^rt,  mit  O^m 

/Umta_Amtrika  ãm  dtm  Uhr»  ÍSffl...  4—  li.  Watdt—mO/ler.  Innibrucfc,  im,  mapa  n."  3) 


46 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


entonces.  para  legitimar  ante  el  porvenir  su  levantamiento  revolucionário;  fue  en  la  parte  predilecta  de 
sus  estúdios,  en  aquellos  que  le  permetió  su  padre  San  Fernando,  en  los  que  dirigió  su  madre  de 
nacion  alemana,  y  los  mismos  que  à  su  vez  Don  Alfonso  recomendó  à  su  nie/o  D.  Dionis  de  Portugal 
por  los  cuales.  como  à  su  abuelo.  le  llamaron  el  sábio  Rey  de  Lusitânia.  (').  O  rei  português,  por  quem' 
Afonso  X  leve  um  carinhoso  afecto,  frequentou  e  visitou  repetidas  vezes,  quando  Infante,  a  côrte  de 
Castela,  em  Sevilha  e  Toledo,  «distravéndo-se  mucho  su  venerando  abuelo.  en  médio  de  su  fortuna  e 
sus  desgracias,  con  Ias  sei^alcs  que  daba  de  aficion  al  estúdio  de  tas  ciências  cl  que  habia  de  ser 
el  sábio  Rey  de  Portugal.  O.  D.  Dinis  possuiu  as  obras  de  seu  avô  e.  entre  elas.  as  astronómicas.  Rico 
y  Sinobas  crê  que  do  códice  membranáceo  dos  Libros  dei  saber  de  astronomia,  hoje  conservado  na 
Universidade  de  Madrid,  o  qual  se  julga  ser  o  livro  original  do  sábio  rei  castelhano,  se  fôz  a  cópia  para 
uso  do  rei  português,  seu  nelo  {').  As  descrições  dos  instrumentos  e  seus  usos,  contidas  nestes  Libros 
de  astronomia,  devem  considerar  se  bem  conhecidas  do  Infante  D.  Henrique  e  dos  seus  colaboradores 


6  — A  DALESTILHA 


($VAROA5 


Norte 


S  instrumentos  de  altura,  usados  pelos  nossos  mareantes  no  século 
I  XV.  foram  o  astrolábio  e  o  quadrante.  A  balestilha  parece  não  ter 
i  sido  empregada,  quer  na  marinha  portuguesa,  quer  na  espanhola, 
j    senão  no  segundo  quartel  do  século  XVI. 

Duírle  Pacheco  no  seu  Esmeraldo,  cujos  primeiros  catorze 
capítulos  foram  escritos  em  t505.  só  se  refere  aos  dois  primeiros  (Liv.  I.  Cap.  X): 
«A  altura  do  sol  se  deve  tomar  justamente  ao  meio-dia  com  o  astrolábio  ou 
quadrante».  Também  são  estes  dois  instrumentos 
os  únicos  mencionados  no  Regimento  do  estro- 
lábio  e  do  quadrante  (1509?)  da  Biblioteca  de 
Munich.  O  inventário  dos  instrumentos  levados 
na  armada  de  Fernão  de  Magalhães,  em  I5I9, 
é  êste:  23  cartas  de  marear  em  pergaminho.  6 
pares  de  compassos.  21  quadrantes  de  madeira, 
6  astrolábios  de  metal,  l  astrolábio  de  madeira, 
35  agulhas  de  marear.  4  caixas  grandes  para  4 
agulhas,  18  relógios  de  areia  (ampulhetas)  (*). 
Não  se  menciona  a  balestilha.  Na  Carta  Univer- 
sal de  Diogo  Ribeiro,  de  1529,  já  citada,  estão 
desenhados  o  quadrante  e  o  astrolábio  marítimo, 
mas  não  aparece  nela  a  balestilha.  Pedro  Nunes 
é  que  se  refere  a  ela  no  Tratado  em  defensam 
da  carta  de  marear,  publicado  em  1537,  quando 
entre  as  coisas,  sobre  as  quais  diz  que  os  pilotos 

,    ,  .     •■  w«»wi-w«ç«o  aa  raiar  com  a  Daitailins. 

ta  am  <com  sua  ma  linguagem  e  tam  bárbaros   ,   .  „ 

nomes»  (-).  enuméra  <aslrolábios,  quadrantes,  ba- 

Ihestilhas  (')  e  relógios».  E  D.  Joào  de  Castro  recomenda  o  seu  emprêgo  para  evitar  as  dúvidas 


Obacnfatlo  da  Polar  com  a  balaalllha. 


(■)   Lit>ros  dei  saber.  Tomo  I.  Madrid,  1863,  pio-  VI. 
C)  Ibidem,  pág,  LXX. 

(»)    Libros  dei  s.iber,  Tomo  V.  Madrid.  1867.  pág.  7 

(')    Navarrete.  Collecion  de  los  vicies,  lomo  IV,  p-lg.  8. 

C)    Tratado  da  Spitcra.  de  Pedro  Nunes,  ediç^lo  fac-similada,  pág.  126. 

('■)  Pedro  Nunes  escreve  balhestilha.  como  se  lâ  lambém  no  Lifro  de  Marinharia,  o  que  mostra  que  o  nome  te 
originou  como  dimlnuliyo  àe  bdlhesta.  nome  porlugués  com  que  se  designou  .intigamentc  a  bésia,  arma  de  guerra,  O  insiru- 
menio  loi  assim  designado  pela  sua  semelhança  com  a  bòsta;  lambém  a  aritudc  do  observador  6  como  a  do  oésteiro  (lio  21) 
Parece-nos  esta  a  verdadeira  elimologi.i,  e  nJo  a  que  propõe  o  Prof,  W  Tom.ischeh  fDIe  lopographhcben  C.tpitrI  des  irtdischeit 
St-espíegels  Mofiit.  Viena.  1897.  pág,  14),  suj^erindo  que  o  nome  do  instrumento  provém  do  árabe  al-balisti,  altura  e  nlo  do  latlin 
bãlisla.  O  nome  balestilha,  com  a  lórma  pnmiliva  balhestitha,  proveio  do  nome  ponuguía  balheslã,  derivado  do  latim  ballêta 


47 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


B 


resultantes  do  uso  do  astrolábio  ao  tomar  o  sol  perlo  do  zenile.  numa  nota  do  Roteiro  de  Lisboa 
a  Goa  (Lisboa.  1882,  pág.  354);  <e  sempre  acontecerão  estas  dúvidas,  quando  quer  que  nos  achamos 
debaixo  do  sol  ou  quási,  porque,  por  razão  de  o  lermos  perpendicular,  ncs  faz  muitas  mostras  e  apa- 
rências, que  causam  engano  nos  que  em  tal  tempo  querem  saber  a  elevação  do  polo  por  seu  m£io, 
pelo  que  em  tais  tempos  se  não  deve  usar  do  as- 
trolábio, mas  aproveilar-nos  da  balestilha,  e  estréia  ^  ♦ 

do  norte:  e  se  caso  lôr  que  venhamos  estar  de- 
baixo do  sol  da  banda  do  sul  da  linha,  então  po- 
demos obrar  com  a  balestilha  pelo  Crií/eiro:  e  até 
nos  afastarmos  do  sol  6  graus  conhecidamente,  não 
deixaremos  o  instrumento  da  balestilha,  e  destes  b 
graus  por  diante  tomaremos  a  usar  do  astrolábio 
por  ser  o  meltior  instrumento  de  todos;  mas  não 
tendo  balestilha  o  pilóto,  ou  não  sabendo  usar  dela,  em  tal  caso  é  melhor  encomendar-sc  à  sua  estima- 
tiva, que  porfiar  com  o  astrolábio  no  tempo  que  o  sol  anda  sobre  nós».  Pedro  de  Medina  fala  da  bales- 
tilha na  sua  Arte  de  navegar.  1545. 

A  primeira  descrição  conhecida  da  balestilha  é  a  de  Levi  ben  Gerson,  judeu  da  Catalunha, 
traduzida  para  latim  em  1342.  O  instrumento  é  designado  pelo  nome  «baculus  ]acobi».  Purbáchio  (1423- 
1462)  chama-lhe  depois  «virga  vísoria»,  e  Regiomontano  (1436  1475)  «radius  astronomicus». 

A  balestilha  é  formada  por  uma  vara  AB  (hg.  22)  de  secção  quadrada,  de  3  a  4  palmos  de  com- 
primento, chamada  virote,  na  qual  se  enfia,  por 
um  agulheiro  quadrado,  uma  vara  menor  CD, 
chamada  soalha  que, corre  perpendicularmente 
sòbre  o  virote. 

Querendo  tomar  a  altura  de  um  astro, 
coloca-se  junto  do  ôlho  direito  uma  das  extre- 
midades, A,  do  virote  e  move-se  sóbre  éste  a 
soalha  até  que  peto  seu  extrêmo  inferior  C.  se 
vise  o  horizonte^ pelo  extremo  superior  D.  o  as- 
tro. O  ângulo  LAO  é  a  altura  do  astro. 

Estando  o  virote  e  a  soalha  reparti- 
dos em  divisões  iguais,  a  razão  do  número  de 
divisões  da  semi-soalha  para  o  das  divisões 
abrangidas  até  E  sòbre  o  virote,  «f.  é  a  tan- 
gente de  metade  do  ângulo  observado.  Tem  de 
usar-se  uma  tabela  para  se  obter  o  número  de 
graus  do  ângulo.  É  um  problema  análogo  ao  de 
passar,  no  quadrado  das  sombras,  de  dedos,  ou 
dígitos,  para  graus. 

Pedro  Nunes,  no  seu  tratado  De  regulis 
et  instrumentis  ('),  classificando  a  balestilha  (radius 
astronomicus)  do  muito  própria  (aptissimum  instru- 
mentum)  para  medir  a  distância  entre  dois  astros, 
explica  o  cálculo  a  fazer  para  utilizar  a  tabela  de 
Purbáchio.  destmada  ao  Quadrado  geométrico,  na  determinação  do  número  de  graus  do  ângulo  observado. 

Cálculo  e  tabela  se  dispensam,  dividindo  logo  o  virote  directamente  em  graus,  como  ]oão  Werner 
aconselha  já  em  1514  O.  Neste  caso  os  traços  de  divisão,  correspondentes  aos  graus,  não  são  equidistan- 
tes. Na  Arte  de  Navegar  do  Çamorano.  já  cilada,  encontra-se  um  processo  gráfico  elementar  de  fazer  esta 
graduação.  Transcrevemos  a  figura  (fig^3)  que  se  entende  fàcilmente.  Do  semi  circulo  CFEA.  traçado  numa 
tábua,  divide-se  um  semi-quadranie,  fE,  em  90  partes,  cada  uma  igual  portanto  a  meio  grau,  e  tiram-se, 


FIS.  u 


(•)    PeH  Nonii  Opera.  Basilp^e,  1S66,  pág,  74. 
grana  dc  P.iLÍÍ  ctT oSSMi^c^^rwí^rad^i^.rciuL''*  '  '"'"'"^  '°  «^«> 

48 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


pelos  pontos  de  divisão,  raios  que  se  prolongam.  O  virote  é  colocado  em  GJ  paralelamente  a  df.  a 
uma  distância  OB  igual  ao  comprimento  da  semi-soalha.  Sôbre  èle  se  marcam  entào,  nos  pontos  em  que 
o  interceptam  os  diferentes  raios,  números  iguais  ao  número  de  meios  graus  do  ângulo  que  cada  raio 
faz  com  D  E.  Observando  com  o  instrumento  assim  graduado,  a  posição  em  que  ficar  a  soalha  dá 
logo,  em  graus,  o  ângulo  tomado. 

D.  joáo  de  Castro  recomenda  a  balestilha  para  tomar  a  altura  do  Norte  ou  do  Cruzeiro  do 
Sul.  Pedro  Nunes  acha-a  sobretudo  boa  para  medir  distâncias  entre  os  astros,  menores  que  90  graus. 

Para  tomar  a  altura  do  sol,  encontra-se  no  Livro  de  Marinharia  V)  um  «Regimento  para  to- 
mar o  sol  pela  balheslilha»,  em  que  se  recomenda:  «Quando  tomares  o  sol  pela  balestllha,...  lerás  lai 
aviso  que  o  tomes  por  cima,  porque  é  melhor  para  te  nâo  cegar.  E  quando  o  tomares  por  cima,  tirarás 
15  minutos,  e  tomando-o  no  meio  não  lhe  acrescentarás  nem  tirarás  nenhuma  cousa». 

A  correcção  de  15  é  em  quanto  se  avaliava  o  semi-diâmetro  aparente  do  sol.  Aconselha-se  o 
observador  a  que  dirija  sôbre  o  sol  a  soalha,  ajustando  o  seu  exirêmo  superior  no  bordo  superior  do 
disco  solar,  para  que  a  luz  o  não  cegue.  Para  evitar  êsle  inconveniente  da  observação  com  a  cara  ao 
sol,  modiílcou-se  mais  tarde  o  instrumento,  para  se  poder  observar  de  revés,  isto  é.  de  cosias  para  êle. 

Também  se  acabou  por  usar  quatro  soalhas  de  dimensões  diferentes,  a  menor  das  quais  era 
o  martineíe.  fazendo-se  as  graduações  correspondentes  sôbre  cada  uma  das  quatro  faces  do  virote  ('). 


7  — REGIMENTO  DA  ESTRÊLA  DO  NORTE 


URSA  Menor,  a  que  os  nossos  marinheiros  chamavam  a  Buzina  V).  era  por  íles  apro- 
veitada como  relógio  para  saberem  as  horas  da  noile.  No  Regimento  da  declinãçãm 
do  sol  da  Biblioteca  de  Évora,  encontra-se  o  •Regimento  para  se  saber  as  horas  da 
noile  pela  estrela  do  norte  e  suas  guardas>,  o  qual  resumimos  na  figura  junta  (fig.  24). 
O  centro  é  o  polo  em  volla  do  qual  a  Estrela  do  Norte,  descrevia,  na  segunda 
metade  do  século  XV,  um  pequeno  círculo  de  cérca  de  3  graus  e  meio  de  raio.  Das  duas  Guarda?,  a 
mais  brilhante,  X  era  chamada  Guarda  dianteira,  por  ir  adiante  no  movimento  diurno,  chegando  primeiro 
ao  meridiano.  Observavam-se  as  posições  do  alinhamento  como  as  de  um  ponteiro  para  Indi- 
car as  horas.  Para  definir  essas  posições,  imaginava- se  um  homem  em  pé  no  polo  celeste,  vol- 
tado para  a  Terra,  com  os  braços  estendidos  horizontalmente,  o  esquerdo  para  leste,  portanto.  Os  ralos 
horizontais  do  círculo  descrito  em  vcita  do  polo  eram  chamados  braço  esquerdo  ou  de  leste,  e  braço 
direito  ou  braço  de  oeste.  Os  raios  inclinados  a  45°  eram  as  linhas,  sendo  os  superiores  designados 
por  ombro  esquerdo  e  ombro  direito.  Os  verticais  eram  o  da  Cabeça  e  o  do  Pé.  Os  marinheiros 
tinham  tendência  a  avaliar  os  movimentos  circulares,  nâo  por  graus,  mas  petos  rumos  da  agulha,  ima- 
ginando sôbre  o  círculo  uma  Rosa  dos  ventos.  Assim,  para  o  movimento  das  Guardas  em  volta  do  polo, 
imaginavam  nêle  uma  Rosa  com  o  norte  para  cima.  Quando  as  Guardas  iam  na  tinha  do  Ombro 
esquerdo,  diziam  também  que  estavam  em  nordeste;  e  quando  no  Ombro  direito,  que  estavam  em 
noroeste.  Estas  oito  posições  do  alinhamento  't'?  eram  assemelhadas  aos  8  rumos  principais  da  agulha. 
Na  Rosa  dos  ventos  os  ângulos  dos  8  rumos  fundamentais  são  divididos  em  4  partes  para  se  marcarem 
os  32  rumos  da  agulha.  Nesta  roda  do  movimento  da  Buzina  cada  um  dos  S  semi-quadrantes  é  dividido 
apenas  em  3  partes  iguais,  resultando  assim  as  24  posições  equidistantes,  ocupadas  sucessivamente  pela 
constelação  nas  24  horas  do  dia.  Estes  24  raios  eram  os  «rumos  horários». 


(')  livro  de  Mãrinh»ria.  coordenado  por  J.  ].  de  Brito  Rebelo,  Lisboa.  1903.  plg.  41. 
(')   Manuel  Pimeniel,  Arte  rfc  njvegar.  Lisboa.  1762,  págs,  18  e  142. 

(>}   Os  navegadores  Italianos  viam  na  Ursa  Menor  uma  corneta  com  a  ponta  voltada  para  o  polo  e  a  parte  mali 
larga,  a  bõca,  sòbre  as  duas  Guardas.  A  ela  se  relere  Dante  no  Paraíso.  c;intc  XIII,  10-12: 

Imni.igini  la  bocca  di  qut;!  corno, 
Que  comincia  in  punta  dello  slelo. 
A  cui  la  prima  mota  va  dinlorno. 
A  prima  ruotã  é  o  primeiro  movei,  a  esfera  mais  alia,  que  sc  supunha  mover-se  em  lòrno  dos  poios,  comuni- 
cando a  rotafâo  diurna  às  esferas  Inicriorcs. 

'  49 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Hombro 
dírcir* 


Sc  numa  noite  sucede  estar  a  Guarda  dianteira  na  Cabeça  à  hora  da  meia-noite,  o  mesmo 
nSo  sucederá  nas  noites  seguintes  por  causa  do  movimento  anual  do  sol  para  oriente.  O  alinhamento  P 
vai  estando  cada  vez  mais  inclinado  para  oeste  à  meia-noite,  nos  dias  sucessivos.  Como  o  dia  solar 
médio  é  maior  que  o  dia  sideral 
cèrca  de  4  minutos,  no  fim  de  15 
dias  haverá  um  desvio  corres- 
pondente a  uma  hora.  e  por- 
tanto a  Guarda  dianteira  marcará 
meia-noite  no  primeiro  <rumo> 
a  seguir  à  Cabeça,  para  oesle. 
E  assim  de  15  em  15  dias,  de 
modo  que.  no  decorrer  do  ano. 
irá  marcando  a  meía-noíte  nos  24 
rumos  seguidamente.  E  esta  in- 
dicação do  rumo  da  meia-noite 
é  suficiente,  pois  déle  se  dedu- 
zem fàcilmente  as  horas  corres- 
pondentes aos  outros  rumos  na 
mesma  época:  «sabendo  em  cada 
mês  as  guardas  em  que  rumo  fa- 
zem meia-noite,  logo  contareis  as 
horas  antes  da  meia-noite,  ou  de- 
pois, sem  errardes  quási  nada». 
A  avaliação  do  rumo  horário  em 
que  Iam  as  Guardas  era  feita  à 
simples  vista,  sem  emprego  de 
instrumento. 

Transcrevemos,  em  parle. 

Guardas: 


ris.  M 


r  c 

O  Regimento  das  horas  da  noite  pela  Estrêla  do  norte  e  suas 


«Janeiro  meado,  meia-noite  no  braço  esquerdo. 

E  em  fim  de  ianeiro  uma  hora  acima  do  braço 
Fevereiro  meado,  meia-noite  duas  horas  acima  do  braço, 

E  em  fim  de  fevereiro,  na  linha  do  ombro  esquerdo 
Março  meado,  meia-noite  uma  hora  em  cima  da  linha, 

E  em  íim  de  março,  duas  horas  acima  da  linha.' 
Abnl  meado,  meia-noite  na  cabeça. 

E  em  fim  de  abril,  uma  hora  abaixo  da  cabeça. 


Dezembro  meado,  meia-noite  uma  hora  acima  dá  linha  ' 
E  em  fim  de  dezembro,  duas  horas  acima  da  linha». 


contagem  d^astoras  ^uTnrTZ'"'  7,  ^""i  ^onsejheiro.  escrito  entre  os  anos  de  1428  a  1437.  desta 

amanhecer  pda  rodfn^n  T  !        "^'^  ""^^  ""^n'"  Tioras  hão-de  decorrer  a.é  ao 

duas  ÍS.  rlr^aforr-  a:  aSer  ""^  ^  ""^'^  """'^  ^  "^'^  O- 

fica.  Como'*es"ré  ?m  "cJri  """i'"  i-nPo"anle:  a  determinação  da  latitude  geográ- 


50 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


Esfrêla  do  Norte,  se  esta  estivesse  precisamente  no  polo.  Estando  ela,  porém,  na  segunda  metade  do 
século  XV.  a  uma  distância  aproximada  de  3  graus  e  meio  (no  ano  dc  1400  era  de  3o.98  e  no  de  ISCO, 
de  30.42  ('))  era  preciso  fazer-se  uma  correcção  correspondente  às  diferenças  de  altura  nas  suas  diversas 
posições  sôbre  o  pequeno  círculo  por  ela  descrito  em  tôrno  do  polo.  Consideraram-5e  as  posições  mar- 
cadas pela  passagem  da  Guarda  dianteira  nos  oito  rumos  principais:  os  dois  horizontais,  os  dois  verti- 
cais e  05  quatro  inclinados  a  45o  como  indica  a  figura.  Para  simplificar  o  desenho  (fig.  25),  nSo  se 
representaram  as  8  posições  da  Polar,  que  se  colocou  no  centro.  Mas  deve  ter  se  presente  que  esta 

estrèla  («  Ursae  Minoris)  e  a  Guarda 
♦  3  dianteira  (3  Ursae  Minoris)  tinham,  no 


século  XV,  uma  diferença  de  ascençSo 
recta  de  220  graus  (2I9o,82  no  ano 
de  1400,  e  219ojl  no  ano  de  15O0(*)) 
de  modo  que,  quando  esta  última  ia 
num  dos  oito  rumos,  a  primeira  apro- 
ximava-se  do  rumo  imediato  ao  rumo 
opõsto  do  outro  lado  do  polo.  Assim, 
quando  as  Guardas  iam  no  rumo  (Li- 
nha) abaixo  do  Draço  de  oeste,  a 
Estrêla  do  Norte  ia  próximo  da  sua 
culminação  superior,  30'/*  acima  do 
polo.  Devia  então  fazer-se,  na  altura 
observada  desta  estrela,  uma  correcção 
subtrativa  de  3o'/f-  A  figura  resume 
o  «Regimento  do  norte»  que  se  en- 
contra no  Regimento  do  estrolabh  da 
Biblioteca  de  Munich  (1509?)  e  no  Re- 
gimento da  declinaçam  do  sol  da  Bi- 
blioteca de  Évora  (1517).  Os  números 
em  volta  indicam,  com  seu  sinal,  as  cor- 
reçôes  a  fazer  na  altura  observada  da 


Polar,  segundo  o  rumo  em  que  se  en- 
contrava o  alinhamento  «f»  das  duas  estrelas  de  2.»  grandeza  da  Buzina.  Transcrevemos  a  primeira  parte 
do  «Regimento  da  estréla  do  norte»,  com  a  redacção  que." se  lê  no  manual  náutico  da  Biblioteca  de  Évora: 

«Item  quando  as  guardas  estão  no  braço  de  oeste,  está  a  guarda  dianteira,  com  a  es- 
trêla do  norte,  leste  e  oeste.  E  a  estrêla  do  norte  está  acima  do  eixo  um  grau  e  meio. 

E  quando  as  guardas  estão  na  linha  abaixo  do  braço  de  oeste,  está  uma  guarda  por 
outra  leste  e  oeste.  E  a  estrêla  do  norte  está  acima  do  eixo  três  graus  e  meio. 

Guando  as  guardas  estão  no  pé.  está  a  guarda  dianteira,  com  a  estrêla  do  norte,  norte 
e  sul.  E  a  estrèla  do  norte  está  acima  do  eixo  três  graus. 

E  quando  as  guardas  estão  na  linha  acima  do  pé,  está  uma  guarda  por  outra,  norte 
e  sul.  E  a  estrêla  do  norte  está  acima  do  eixo  meio  grau. 

E  quando  as  guardas  forem  em  cada  um  dos  sobreditos  quatro  rumos,  da  altura  que  to- 
mares tirarás  os  graus  que  a  estrêla  está  acima  do  eixo.  E  os  outros  que  ficarem  estarás 
arredado  da  linha  equinocial  para  a  parte  do  norte». 

Nos  outros  quatro  rumos  anda  a  Estréla  do  Norte  abaixo  do  eixo,  e  as  correcções  a  fazer  sSo 
aditivas,  com  números  iguais  aos  dos  rumes  opostos,  como  se  vê  na  figura  (fíg.  25). 

Estas  regras,  de  origem  portuguesa,  foram  formuladas  em  Lisboa.  Conserva-nos  a  prova  disto 


(')  Neugebauer,  SfernlJÍeln  von  4000  vor  Chr.  zur  Gegenwart,  Leipzig,  1912. 
O  lt>idtm. 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


CABEÇA 
41 


a  figura  que,  no  Regimento  de  Munich.  precede  o  «Regimento  do  Norte».  É  uma  circunferência  com  8 
raios  (lig.  26),  a  que  correspondem  outros  tantos  números,  que  são  evidentemente  as  alturas  da  Estrela 
do  Norte  em  Lisboa,  nas  diferentes  posições  da  Ursa  Menor, 
segundo  os  oito  rumos.  Mas  deve  notar-se  que  os  números 
colocados  na  extremidade  de  cada  raio  indicam  a  altura 
da  Polar  quando  as  Guardas  estão  na  situação  diametral- 
mente oposta.  ]á  vimos  que,  quando  a  Guarda  dianteira  vai 
num  rumo,  a  Polar  se  aproxima  do  rumo  imediato  ao  rumo 
oposto.  Aqui  recorda-se  esta  situação,  oposta  relativamente 
ao  polo,  colocando  simplesmente  o  número  que  Indica  a 
altura  da  Estrèla  do  Norte,  para  cada  posição  das  Guar- 
das, no  outro  exlrémo  do  diâmetro.  Assim,  se  elas  vão  na 
linha  abaixo  do  Braço  de  oeste,  a  altura  da  Polar,  obser- 
vada em  Lisboa,  é  42,  que  se  lê  na  linha  oposta,  no  Ombro 
esquerdo. 

Os  números  37  e  40,  colocados  nos  Braços,  dão  a 
média  de  38o  J  para  a  latitude  de  Lisboa  (').  A  semi  diferença 
I  daqueles  números  indica  a  correcção  a  fazer  nas  alturas 
da  Polar,  observadas  quando  as  Guardas  estão  nos  Braços 
de  leste  e  de  oeste,  aditiva  no  primeiro  caso,  subtractiva  no 


37 


40 


35 


FÍ9.  M 


segundo,  para  se  ter  a  altura  do  polo.  A  semi -diferença  3  dos  números  41  e  35,  da  Cabeça  e  Pé.  é  a 

correcção  a  fazer  nestas  duas  posições.  Final- 
mente as  semi-d!ferença,s  .)  e  3  J,  dos  núme- 
ros das  Linhas,  são  as  correcções  correspon- 
dentes a  cada  um  dos  diâmetros  inclinados.  Os 
números  3,  3  3,  1  {,  \  colocados  na  periferia 
da  penúltima  figura  (fig.  25),  que  resume  o 
Regimento  da  Estrela  do  Norte,  resultaram 
assim  dos  desta  última  (fig.  26).  Éste  Regi- 
mento foi  dêste  modo  formulado  sóbre  a  base 
de  observações  feitas  em  Lisboa  sõbre  a  Po- 
lar, com  o  astrolábio  ou  quadrante,  nas  di- 
ferentes situações  da  Ursa  Menor. 

As  alturas  da  Estrèla  do  Norte  em 
Lisboa,  registadas  nesta  roda  do  manual  náu- 
tico de  Munich,  são  expressas  em  graus  intei- 
ros. No  manual  da  Biblioteca  de  Évora  apa- 
rece uma  roda  semelhante,  com  as  alturas 
avaliadas  em  graus  e  suas  h-acções(0-  Nesta 
última  porém  (fig.  27),  não  se  lendo  já  em 
vista  a  situação  da  Polar,  mas  apenas  a  re- 
gra a  aplicar,  para  evitar  confusões,  os  núme- 
ros foram  colocados  no  próprio  rumo  em  que 
estão  as  Guardas  quando  se  toma  a  Estrela 


41 

Plfl.  n  -  riBura  rvproduilda  do  fftf/iiMnto  d*  Cvora 


do  Norte  pelo  astrolábio.  Nos  números  do  diâmetro  horizontal  esqueceu  fazer  esta  troca  e  assim  fica- 


n  ^  .  *L*  *  "«"'««ÍP  a«>gráfica  do  Observatório  Astronómico  de  Lisboa  (Tapada)  é  de  38o  42' 30  \5  (Frederico  Oom. 
Dêdos  astronómicos  pãra  os  Almanjitiuf:.  de  1922.  Li&boa.  192!).  v        «  «  jy  ,3  trreaenco  uom. 

M)«.««  A  ^'^  f^^miíiando  com  o  Ex.-»  Snr.  Pedro  de  Azevedo,  cuio  auxilio  solicitamos,  o  exemplar  originai  pertencente  à  Bi- 
SS.  ,  «  """""OS  CO"»  «  fracções  que  sc  encontram  na  lísi.,  de  alturas  das  iò- 

i  ■     .   .     S  "S*""^'-  Pa««"-nos  ser  a  mais  provável  a  leitura  «jue  apresentamos  na  Figura  28  Ainda  assim  esta 

tcitura  e  muito  duvidosa.  No  R.portor,o  dos  tempos  de  Valentim  Fernandes,  edição  de  1552.enconlra.sl  uma  (.guffseSanle* 
nas  Unlias  inchnadas  lí-se.  em  tôdas,  a  mesma  tracção  ^.  ma»  os  números  dos  diâmetros,  horizontat  e  vertical,  slo  inteiros. 
52 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


ram  êles  como  vestígio  da  disposição  primitiva.  Eslas  rodas  constituem  por  si  s6  um  Regimento  ex- 
posio  gralicamente.  para  a  determinação  da  laiiludc.  Observada  em  qualquer  lugar  a  Estrela  do  Norte 
comparava-se  a  altura  tomada  com  o  número  da  roda  em  igual  posição  da  Ursa  Menor.  Assim  se  ti- 
nha a  diferença  da  latitude  do  lugar  para  a  de  Lisboa.  E  como  esta  era  sabida,  ficava  determinada  a  do 
mgar.  lem  uma  feição  bem  nacional  estas  figuras  circulares,  onde  se  vè  a  variação  da  altura  da  Polar 
no  seu  giro  diurno  sôbre  o  horizonle  de  Lisboa. 

O  Regimento  da  Estrela  do  Norte  dá  3  graus  e  meio  como  desvio  máximo  desta  estrôla  acima 
ou  abaixo  do  polo.  sendo  portanto  êste  o  número  de  graus  do  raio  do  circulo  diurno  por  ela  descrito 
Comentando  êste  Regimento,  diz  Pedro  Nunes  no  Tratado  em  defensam  da  carta  de  marear  impresso 
em  1537,  luntamenle  com  o  Tratado  da  Sphera: 

«No  regimento  que  têm  os  pilotos  para  lomar  a  altura  do  polo  pela  eslrÔIa  há  êrro  porque 
diz  que  da  estrela  ao  polo  há  três  graus  e  meio  e  são  quatro  graus  e  nove  ou  dez  minutos.  O  mais 
que  dizem  que  quando  uma  guarda  estiver  com  a  outra  cm  tal  rumo  que  a  estrèla  do  norte  estará 
abaixo  ou  acima  do  eixo  tantos  graus,  etc,  não  tenho  isto  por  certo  e  o  melhor  é  tomar  a  estréla  quando 
esiá  mais  alta  ou  baixa,  porque  então  está  no  meridiano,  e  acrescentar  ou  tirar  os  quatro  graus  e  dez 
minutos  que  há  dela  ao  polo». 

Na  tradução  latina,  muito  ampliada,  da* 
quele  Tratado,  publicada  em  Dâle  em  1566  com  o 
título  De  regulis  et  instrumentis  etc.  Pedro  Nunes 
apoia  a  sua  opinião  na  autoridade  de  ]oão  Wer- 
ner, que  adoptava  um  valor  de  precessão  de  que 
resultava  aquela  distância  polar  da  Estréla  do  Norte 
para  o  ano  de  1500  (').  Ora  a  distância  polar  da  « 
Ursae  Minoris  era:  3». 98  em  1400;  30.42  em  1500; 
^  e  20.86  em  1600  Neste  exemplo  se  vê  a  superio- 
ridade  da  observação  directa  sôbre  a  teoria.  Os  nos- 
sos pilotos  é  que  estavam  bem  próximo  da  ver- 
dade, e  o  cosmógrafo-mór.  seguindo  a  opinião  do 
sábio  de  Nuremberg.  laborava  em  êrro. 

c  Quando  começou  a  usar  se  o  Regimento 
do  Norte?  Não  se  pôde  responder  precisamente. 
Diogo  Gomes,  na  sua  narrativa  De  prima  invendone 
Guineae,  a  propósito  da  sua  viagem  à  Guiné  em 
1462,  conta  que  tinha  um  quadrante,  dizendo:  «Et 
ego  habebam  quadranfem,  quando  ivi  ad  partes  istas; 
et  scripsi  in  tabula  quadrantis  altitudinem  poli  artici, 
et  ipsum  meliorem  inveni  quam  cartam».  Diogo 
Gomes,  quando  foi  para  aquelas  partes,  levava  um  quadrante;  escreveu  nêle  a  altura  do  Norte,  e  achou-o 
melhor  que  a  carta  de  marear.  Do  modo  como  se  exprime  depreende-se  que  aquilo  que  escreveu  no 
instrumento  o  valorizou  para  o  uso  que  délo  queria  fazer.  I^arece-nos  para  isto  bastante  elucidativo  o 
trecho  seguinte,  que  se  encontra  no  Reportório  dos  tempos  de  Valentim  Fernandes,  subordinado  ao  titulo 
«De  como  se  há  de  navegar  pelo  quadrante»: 

«Partindo  algum  de  Lisboa  pare  mentes  onde  lhe  cai  a  chumbada,  s.  em  qual  grau  e  põe 
ali  um  sinal  sôbre  o  quadrante,  em  tal  tempo  quando  as  estrelas  das  guardas  estão  leste  oeste  com  a 
estréla  do  norte.  E  depois,  um  dia,  ou  dois,  ou  mais,  quando  quer  que  quizerdes  no  mar  saber  quanto 
o  vosso  navio  eslá  diferenciado  de  Lisboa,  vereis  a  quantos  graus  vos  cai  então  o  chumbo,  ou  de  um 


(1)  «E;iin  sfellam  quac  In  exlreniKate  caudae  MInorIs  Ursae  posila  psi,  Iddrco  polarcm  esse  dicuni,  quia  cst 
nostro  tcmporc  árctico  polo  vicmUaima:  IrlbuH  cnim  tantum  gradibus  cum  minulls  HO  ab  fodfm  polo  díslare  nostrac  aetalis 
nautae  aflirmanl.  Sed  sl  vcruj  csl  stt-llamm  lix.irum  molus  loannls  WrriiTi  calculo  roportus  per  tabulas  Alphonil  quaiuor 
gradus  conllnel  ea  dislanlia  cum  mlnutis  (ero  9  nostro  lempore  Id  csl  anno  I500>  (Pcifl  Nonii  Opera,  Basllcac.  1566,  plg.  8S). 

(í)   Neugebauer,  Slerntsfeln  von  tOOO  vor  CItr.  bis  zum  Gegcnu/arf,  Leipzig,  1912. 


53 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


cabo  ou  do  outro  de  vosso  primeiro  ponto ...  E  assim  de  todolos  lugares  fareis  onde  quer  que  vos 
partirdes,  como  se  diz  agora  de  Lisboa*. 

Diogo  Gomes  deve  ter  assim  notado  no  quadrante  os  graus  de  altura  da  Polar  em  Lisboa, 
coTTCspondentes  a  uma  ou  mais  posições  das  Guardas.  Era  um  modo  de  escrever  um  Regimento  do 
Norte,  equivalente  ao  que  resume  a  roda  do  Regimento  de  Munich.  embora  numa  fase  anterior  mais 
simples.  Actiou  o  quadrante  melhor  que  a  carta,  porque  nesta,  é  certo,  se  vai  traçando  a  derrota  pelos 
rumos  percorridos  e  distâncias  estimadas,  mas  os  êrros  vâo-se  acumulando,  e  por  isso  acrescenta: 
«certum  est  quod  in  carta (')  videtur  via  marinandi,  sed  semel  errata  nunquam  redeunt  ad  primum  pro- 
positum».  Vendo  que  a  latitude  determinada  com  o  instrumento  de  altura  era  diferente  da  latitude  resul- 
tante da  derrota  marcada  na  carta,  prefere  a  primeira,  reconhecendo  os  defeitos  do  processo  de  navega* 
ção  por  distâncias  estimadas  e  rumos,  de  que  adiante  nos  ocuparemos. 

Na  relação  de  Diogo  Gomes  de  Sintra  encontra  se  a  primeira  referência  ao  uso  do  quadrante 
para  a  medição  da  altura  dos  lugares  pela  Estrela  do  Norte.  Isto  não  significa,  porém,  que  êle  fòsse  o 
primeiro  navegador  português  que  tal  fizesse,  nem  êle  isso  afirma. 

]á  nos  Ubros  deí  saber  de  astronomia  (Tomo  II,  pág.  276)  se  encontra,  entre  os  capEtulos  dos 
Libros  dei  astrolábio  Uano,  um  que  trata  «De  saber  la  ladeza  de  la  vila  por  las  estrellas  fixas».  Manda-se 
tomar  alguma  das  estrêlas  que  estão  cêrca  do  polo  setentrional,  quando  ela  fôr  na  sua  maior  altura,  e 
quando  na  altura  mínima.  A  média  das  duas  alturas  observadas  é  a  latitude  do  lugar.  Entre  as  estrelas 
circumpolares  especializa-se  <la  estrella  à  que  dizen  Algedi,  que  es  en  cabo  de  la  cola  de  la  orsa  menor», 
a  qual  é  a  mesma  Estrèla  do  Norte  dos  nossos  navegadores.  Os  nossos,  porém,  tendo  observado  em 
Lisboa  que  a  diferença  de  altura,  nas  duas  culminações,  era  de  7  graus,  entenderam  que  bastava  obser- 
var a  Potar  numa  delas,  fazendo  a  correcção  de  3°  em  qualquer  latitude  em  que  se  achassem,  o  que 
era  certo.  As  culminações  merídianas  correspondiam  aproximadamente  à  passagem  das  Guardas  nos 
rumos  horários  de  nordeste  e  sudoeste.  Nos  outros  rumos  a  Polar  ficava  fóra  do  meridiano,  e  as  cor- 
recções propostas  no  Regimento  do  Norte  não  podiam  rigorosamente  aplicar  se  a  tôda  e  qualquer  lati- 
tude. É  o  que  demonstra  Pedro  Nunes  no  tratado  latino  De  regulis  et  instrumentis,  onde  mostra  que, 
estando  a  Polar  fóra  do  meridiano,  e  num  mesmo  e  determinado  rumo  horário,  a  diferença  de  alturas  do 
polo  e  da  Polar  varia  com  a  latitude  dos  diferentes  lugares,  considerados  debaixo  do  mesmo  meridiano,  e 
é  por  isso  de  opinião  que  os  cânones  daquele  Regimento  foram  formulados  por  algum  Matemático  impe- 
rito (*)■  Os  autores  do  Regimento  não  eram  naturalmente  grandes  matemáticos,  mas  eram  excelentes 
observadores.  Tendo  estabelecido  as  8  regras,  não  lhes  ocorreu  examinar  se  os  números  propostos  eram 
rigorosamente  aplicáveis  a  qualquer  latitude,  como  sucedia  nas  culminações  meridíanas.  Mas  que  obser- 
vavam admiràvelmente,  com  o  astrolábio  e  quadrante,  mostra-o  bem  a  determinação  que  fizeram  da  dis- 
tância polar  da  preciosa  Estrèla  do  Norte,  que  avaliaram  em  30  l,  número  muito  maís  exacto  do  que 
os  4  graus  e  10  minutos,  propostos  por  Pedro  Nunes,  segundo  o  cálculo  de  }oão  Werner,  perito 
matemático. 


(*)  t  pre(erEve)  a  leitura  cartam  e  carta,  de  Schmeller,  no  (redio  citado.  Com  a  leitura  costam  e  costa  fica  o 
tr«c>io  sem  sentido,  como  na  tradução  de  Oabríel  Pereira  (Boletim  da  Sociedade  de  Geografia  de  Lisboa,  I898-1899 
pis-  286). 

O  «Caeterum  naulae  quonlam  paucas  admodum  slellas  cognilas  habent,  per  eam  lanlum  quae  est  in  exlremltale 
caudac  Mlnoris  Ursae.  et  duas  postrcmi  iateiis  quadriiaterí  eiusdem  Imaginis,  quae  in  lota  fermê  pljgd  hac  Boreali  lota  nocte 
cunspicuae  sunt.  airiludincm  poli  arctid  inquirunt.  Et  quia  non  qualibei  nocle  eaedem  steilae  ad  meridianum  perveniunt.  quos- 
dam  propterea  cânones  liabent,  quos  ab  aliquo  forlasse  imperito  Mathemalico  acceperunt.  ex  quibus  eticiunt  quantum  polarís 
stellae  altlludo,  In  quollbet  tpsius  Situ,  maior  sit,  aul  minor  poli  Dorcalls  etev.«ione.  Slc  Igitur  quavis  nocte,  non  scmel  tantum, 
sed  Kaepius.  cx  explorata  polarís  siellae  allitudine,  et  cognila  dislantia  ejusdem  i  silu  meridiani,  poli  eievationem  manileslaní 
Heri  puiant:  íalluntur  tamen  saepissimè.  Nam  cum  stelia  extra  meridlanum  posila  est,  non  una  atque  eadcm  differenlia  in  omni 
horizonte  dcprcssior  est,  aul  elcvalloi»  (Petri  Nonii  Opera,  Daslleae,  Ii66,  págs.  92,  93). 


54 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


•  — REGIMENTO  DA  ALTURA  DO  POLO  AO  MEIO-DIA 


REGIMENTO  para  achar  a  latitude  por  meio  da  altura  do  sol.  observada  ao  meio-dia.  e 
da  sua  declinação,  dada  pelas  tábuas,  encontra  se  já,  embora  numa  fase  mais  simples,  nos 
Libros  dei  saber  de  astronomia  de  Afonso  X,  como  aplicação  dos  astrolábios:  no  Cap. 
67  (De  saber  las  Iade2as  de  las  cibdades)  do  segundo  Livro  do  astrolábio  redondo,  e  no 

ladeza  de  qual  vllla  quisieres)  do  segundo  Livro  do  astrolábio 
plano.  Manda  se  tomar  a  altura  do  sol  ao  meio-dia,  que  é  o  mais  alto  que  pôde  subir.  Se  o  sol  anda 
nos  signos  austrais,  soma-se.  com  a  altura  observada,  a  sua  declinação  nesse  dia;  se  anda  nos  signos 
setentrionais,  subtrai-se  a  declinação  da  altura.  A  diferença  do  número,  assim  obtido,  para  90  é  a  /a- 
deza,  ou  latitude  procurada. 

Nesla  regra  não  se  fala  ainda  em  sombras.  Subentende-se  que  elas  correm  ao  norte  no 
momento  da  observação,  por  se  supor  sempre  o  sol  ao  sul  do  zénite,  na  sua  passagem  meridiana.  NSo 
se  pensa  ainda  num  lugar  situado  na  zona  tórrida,  onde  o  sol  pôde  passar  ao  norte  do  observador. 
Temos  ali  um  «Regimento  da  altura  do  polo  ao  meio-dia».  formulado  apenas  para  situações  ao  norte  do 
trópico  de  Câncer. 

Quando,  porém,  os  navegadores  portugueses  entraram  pela  zona  lórrida,  sulcando  o  Atlântico 
|á  entre  o  trópico  de  Câncer  e  o  equador,  e  viram 


as  Ursas,  a  pesar-de  Juno, 
Danharem  se  nas  águas  de  Neptuno, 


e  as  Guardas  da  Duzina  a  passarem  por  baixo  do  horizonte,  prejudicando  a  aplicação  do  Regimento  da 
Estrêla  do  norte,  foi  preciso  redigir  regras  mais  gerais  para  achar  a  latitude  pelo  sol.  Começou  por 
fazer-se  a  generalização  a  todo  o  hemisfério  boreal.  Consideraram-se  três  casos,  mais  um  do  que  nos 
Libros  dei  saber,  o  de  passar  o  sol  ao  norte  do  zénite,  indicado  pelas  sombras  projectadas  ao  sul,  fenó- 
meno pela  primeira  vez  observado  pelos  nossos  marinheiros  naquelas  paragens.  Formularam-se  enlSo 
as  três  regras  para  achar  as  latitudes  ao  norte  do  equador,  que  se  encontram  ainda  no  Regimento  do 
estrolabio  da  Biblioteca  de  Munich  (páginas  4  e  5  da  edição  fac-similada); 

1)  Quando  o  sol  está  em  algum  dos  seis  signos  da  banda  do  norte  da  equinocial,  «se  a 
sombra  te  fizer  ao  norte,  tirarás  a  altura  que  tomaste  de  90,  e  o  que  ficar  aiuntarás  à  declinação»; 

2)  «...  mas  se  a  sombra  vai  para  o  sul. . . .  ajuntarás  a  altura  que  tomaste  com  a  declinação 
e  o  que  sobejar  de  90  é  o  que  estás  afastado  da  linha»; 

3)  Quando  o  sol,  porém,  anda  nos  signos  da  banda  do  sul.  «toma  a  altura  do  sol,  como  já 
disse,  e  olha  nesta  tavoada  a  declinação  que  o  sol  tem  em  aquele  dia,  e  ajunta  tudo:  e  o  que  fôr  tira-o 
de  90  e  o  que  sobejar,  é  o  que  estás  afastado  da  linha». 

Estas  três  regras  são  apenas  aplicáveis  no  hemisfério  boreal,  como  se  observa  por  fim:  «e  ôsle 
regimento  é  o  que  has  de  ter  do  norte  até  a  linha  equinocial». 

Quando  os  navegadores  portugueses  passaram  o  equador  em  I47I  foi  preciso  completar  o 
Regimento  com  a  determinação  das  latitudes  austrais.  Era  fácil;  bastava  permutar  entre  si  as  palavras 
norte  e  sul.  As  regras  para  as  latitudes  ao  sul  do  equador  enconiram-se,  a  seguir,  no  manual  de  Munich 
(págs.  6  e  7  da  edição  fac-similada): 

«Mas  da  linha  equinocial  por  diante,  para  o  sul,  é  o  regimento  pelo  contrário,  convém  saber»: 

1)  «Quando  o  sol  estiver  nos  signos  da  banda  do  sul,...  e  se  a  sombra  fôr  para  o  sul,  olha 
quanto  é  a  altura  e  tira  de  90,  e  o  que  ficar  ajuntarás  com  a  declinação  do  sol  daquele  dia,  e  outro 
tanto  estás  afastado  da  linha  para  o  sul>; 

2)  «...  E  se  a  sombra  fôr  para  o  norte,...  então  ajuntarás  a  altura  com  a  declinação,  e  o 
que  fôr  mais  de  90,  é  o  que  estás  afastado  da  linha»; 

3)  «...  E  se  o  sol  estiver  nos  signos  que  são  da  banda  do  norte,  tomarás  a  altura  do  sol 


65 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


e  a  declinarão  daquele  dia.  e  ajuntarás  tudo:  o  que  fôr  tira-o  de  90(*),  e  o  que  ficar  é  o  que  estás  afas- 
tado da  tintia». 

A  primeira  destas  três  úllimas  regras  era  aplicável  quando  Vasco  da  Gama,  em  9  de  novembro 
de  1497.  foi  3  terra  tomar  o  sol  ao  meio-dia  com  o  astrolábio  de  pau  de  3  palmos  de  diâmetro.  As 
tábuas  davam  o  sol  em  26»  38  do  signo  de  Scórpio.  com  uma  declinação  austral  de  19«30  ,  como  adiante 
veremos.  As  sombras  corriam  ao  sul.  Tinham,  pois.  o  sol  ao  norte  do  zénite,  e  como  êle  estava  num  signo 
austral,  nâo  podiam  os  nossos  navegadores  duvidar  da  situação  da  armada  no  hemisfério  sul.  Suspenso 
o  astrolábio  da  cabrilha  armada  em  terra,  observaram  uma  altura  máxima  de  77».  Tirando  77  de  90. 
acharam  uma  diferença  de  13o  que.  somada  com  I9<'30.  lhes  deu  32o30  .  É  esta  a  latitude  da  Angra  de 
Sanla  Helena  que  se  lê  na  Tábua  das  latitudes  geográficas  do  Esmeraldo  de  situ  orbis  de  Duarte 
Pacheco. 

O  Regimento,  exposto  no  manual  náutico  de  Munich,  resultante  da  simples  justaposição  dos 
preceitos  sucessivamente  formulados,  para  o  hemisfério  boreal  e  depois  para  o  austral,  ficava  imper- 
feito. A  sua  aplicação  exigia  o  conhecimento  prévio  do  hemisfério  em  que  se  navegava,  e  isso  podia  ser 
muitas  vezes  objecto  de  dúvida,  quando  o  navio  se  achava  nas  regiões  equatoriais.  Duarte  Pacheco 
Pereira,  que  andou  fazendo  observações  junto  do  Cabo  de  Lopo  Gonçalves,  notou  naturalmente  ésse 
inconveniente  e  deu  ao  Regimento  uma  nova  fórma  mais  perfeita,  isenta  desse  defeito.  Destas  observa- 
ções lala  èle  no  Cap.  1 1  do  Livro  2.o  do  Esmeraldo: 

«e  êste  Cabo  de  Lopo  Gonçalves  pontualmente  jaz  debaixo  do  círculo  da  equinocial  (0.  e  nesta 
terra  há  muita  habitação  de  gente,  os  quais  são  negros,  que  em  nenhuma  parte  do  mundo  pôde  mais 
haver;  e  a  experiência  nos  tem  ensinado,  porque  por  muitos  anos  e  tempos  que  esla  região  das  Etiópias 
da  Guiné  temos  navegadas  e  praticadas,  em  muitos  lugares  tomamos  as  alturas  do  sol  e  sua  declinação, 
para  se  saber  os  graus  que  cada  lugar  se  afasta  em  ladeza  da  mesma  equinocial  para  cada  um  dos 
poios,  e  achamos  que  êste  círculo  vai  por  cima  dêsle  promontório,  e  temos  sabido  que  neste  lugar  em 
todolos  dias  do  ano  é  igual  o  dia  da  noite,  e  se  alguma  diferença  tem,  é  tam  pouca  que  quási  se  não 
sente». 

Duarte  Pacheco  andou  fazendo  explorações  na  Guiné  por  ordem  de  D.  ]oâo  II,  como  êle 
refere  logo  no  Prólogo:  «e  por  não  alargar  mais  a  matéria,  deixo  de  dizer  as  particularidades  de  muitas 
cousas  que  êste  glorioso  príncipe  mandou  descobrir  por  mim  e  por  outros  seus  capitães  em  muitos 
lugares  e  rios  da  costa  da  Guiné».  Quando  Bartolomeu  Dias.  em  1487,  regressava  do  descobrimento  do 
Cabo  da  Boa  Esperança,  encontrou-o  na  Ilha  do  Príncipe  muito  doente,  e  por  isso  sem  disposição  «para 
por  si  ir  descobrir  os  rios  da  costa,  a  que  o  EIRei  mandava»,  e  trouxe-o  consigo  para  Lisboa,  como 
conta  Barros  (O- 

Os  primeiros  capítulos  do  Esmeraldo,  e  entre  êles  o  Cap.  IO.»  do  primeiro  Livro  «De  como  se 
hâo  de  ajuntar  os  graus  que  o  sol  subir  aos  graus  de  sua  declinação,  etc»,  foram  escritos  em  1505,  pois 
no  Cap.  14  do  Livro  I  diz:  «porque  vai  ora  em  90  anos  que  Ceuta  foi  tomada»,  o  que  teve  lugar  no  ano 
de  1415.  Em  julho  de  1505  regressára  éle  da  índia,  em  tòda  a  glória  dos  seus  admiráveis  feitos  na 
guerra  com  o  rei  de  Calicut. 

Duarte  Pacheco,  naquele  IO.»  capítulo  do  primeiro  livro,  distingue  três  casos  apenas,  que  têm 
lugar  indistintamente  num  e  noutro  hemisfério:  o  primeiro,  para  «quem  estiver  em  lugar  que  o  sol  seja 
entre  éle  e  a  tinha  equinocial,  ora  esteja  da  dita  linha  para  o  polo  árctico  ora  para  o  polo  antárctico»; 
o  segundo,  para  «quem  fòr  em  lugar  que  esteja  entre  o  sol  e  a  Unha  equinocial,  ora  seja  para  um  polo. 
ora  para  outro»;  e  o  terceiro,  «se  estiveres  em  lugar  que  a  linha  equinocial  esteja  entre  ti  e  o  sol,  ora 
seja  para  um  polo  ora  para  outro».  É  claro  que,  nos  dois  primeiros  casos,  o  observador  estará  no  mesmo 
hemisfério  em  que  anda  o  sol;  no  terceiro,  estará  no  hemisfério  oposto.  Por  fim,  observa: 

«Necessário  é.  a  quem  quizer  entender  esta  nossa  obra.  que  saiba  os  meses  em  que  se  o  sol 
move  da  equinocial  para  o  trópico  de  Câncer  e  assi  o  de  Capricórnio,  segundo  atrás  é  dito  no  capítulo 


(■)  As  palavras  que  acrescentamos  em  itálico  faltam  evidenlemenlc  no  texto,  como  mostram  os  próprios  exemplos 
numéricos  <\ue  lá  se  »e^uem  a  regra. 

(')   A  tisla  de  latitudes  do  Esmeratdo  sitúa  o  Cabo  de  Lopo  Gonçalves  em  0«10 .  ao  sul 
O   Barros.  Décxda  I,  Liv.  111.  Cap.  IV. 


56 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


nove.  porque,  sabendo  o  tempo  em  que  o  sol  corre  para  uma  parte  ou  para  outra,  e  assi  as  decli- 
nações dêle  e  as  diferenças  das  sombras  que  faz  segundo  o  mês  em  que  é  áquem  ou  além  da  equino- 
cial, assim  entenderá  esta  obra*. 

É  pois  de  Duarte  Pacheco  Pereira  esta  melhor  redacção  do  Regimento  da  altura  do  polo  ao 
meio-dia,  que  êle  chama  nossa  obra.  em  que  se  dispensa  o  conhecimento  prévio  da  situação  do  navio 
ao  norte  ou  ao  sul  da  linha,  e  se  atende  às  três  posições  relativas  do  sol,  zénite  e  equador.  O  modo 
de  distinguir  os  três  casos,  como  é  necessário  para  entender  a  sua  obra.  não  chega  a  ser  completamente 
explicado  por  èle,  supondo  que  os  navegantes  o  saberão  bem  fazer  pelas  declinações  do  sol  e  diferen- 
ças das  sombras. 

Para  melhor  entendimento  dos  pilotos,  julgou-se  depois  preferível  desdobrar  as  Irés  regras  de 
Duarte  Pacheco,  formulando-as  separadamente  para  o  tempo  em  que  o  sol  andásse  ao  norte  do  equa- 
dor, que  era  de  ll  de  março  a  14  de  setembro,  e  para  o  tempo  em  que  estivesse  ao  sul,  de  14  de 
setembro  a  10  de  março,  tornando  explícito  o  modo  prático  de  distinguir  os  três  casos.  Assim  se  encon- 
tram no  Regimento  da  dedinaçam  do  sol,  da  Biblioteca  de  Évora: 

<E  quando  o  sol  fôr  da  banda  do  norte  da  linha  eqíiinocíal  e  fizer  a  sombra  ao  norte,  da 
altura  que  tomares,  verás  quantos  graus  faliam  para  90.  E  com  estes  que  faltarem  para  90  ajuntarás  a 
declinação  daquele  dia.  Tudo  iunto,  tanto  estarás  arredado  da  linha  para  a  parle  do  norte. 

E  se  neste  lempo  que  o  sol  andar  da  banda  do  norte  da  linha  equinocial,  e  tomares  a  altura 
do  sol  e  as  sombras  forem  para  o  sul,  aqui  ajuntarás  a  declinação  com  a  altura  que  tomares.  E  se 
passarem  de  90,  aqueles  que  passarem,  estarás  da  banda  do  norle  da  equinocial.  E  se  não  chegarem  a 
90,  aqueles  que  menos 'forem  de  90,  aqueles  estarás  arredado  para  a  banda  do  sul>. 

Nâo  transcrevemos  as  três  regras  relativas  às  estações  do  outono  e  inverno,  em  que  o  sol 
anda  da  banda  do  sul.  que  fàcllmente  se  deduzem  destas,  permutando  entre  sí  as  palavras  norfe  e  sui 

Preceitos  semelhantes  se  encontram  no  Liuro  de  Marinharia,  divididos  em  duas  partes,  a  pri- 
meira intitulada  — «Regimento  da  altura  do  sol  quando  anda  da  banda  do  norte»,  e  a  segunda  — 'Regi- 
mento do  sol  da  parte  do  sul>(').  Assim  os  seis  casos  que  na  fórma  antiquada,  conservada  no  manual 
náutico  de  Munich,  se  distribuíam  em  dois  grupos  conforme  a  posição  do  observador  ao  norte  ou  sul 
do  equador,  passaram  a  agrupar-se  em  duas  parles  caracterizadas  pela  situação,  sempre  sabida,  do  sol 
ao  norle  ou  ao  sul  da  linha,  resultando  do  próprio  cálculo  a  latitude  com  a  indicação  de  ser  boreal  ou 
ausiral.  No  manual  náutico  de  Évora  ainda  nisto  se  insiste:  <E  avisar-te-has  que  sempre  faças  a  conta 
ao  som  das  sombras,  e  segundo  que  responder  a  conta,  assim  has  de  dizer  a  que  parle  da  linha  estás>, 
Éste  aperfeiçoamento  é  origináriamente  devido  a  Duarte  Pacheco,  que  por  muilos  anos  andou  tomando 
alturas  nas  regiões  equatoriais. 

A  respeito  da  maneira  de  observar  o  sentido  das  sombras,  lê-se  no  Lii/ro  de  Marinharia: 
«tomando  a  altura,  verás  para  qual  parte  pendem  as  sombras,  primeiramente  verás  pela  sombra  da  tua 
cabeça  ou  pela  sombra  dos  mastros  da  nau  ou  de  qualquer  pau  que  estiver  empinado  direito,  então 
verás  se  te  pendem  para  a  parte  do  norte,  se  para  a  parte  do  suU. 

O  Regimento  foi  aplicado  na  expedição  de  Cabral,  em  que  ía  Duarte  Pacheco,  quando  chega- 
ram ao  Brasil.  Na  carta  escrita  de  Vera  Cruz  a  D.  Manuel,  em  I  de  maio  de  1500,  conla-lhe  o  bacharel 
Mestre  ]oão  que,  em  27  de  abril,  foi  a  terra  com  o  pilõlo  de  Alvares  Cabral  e  o  de  Sancho  de  Tovar 
para  tomarem  a  altura  do  sol  ao  meio-dia,  e  que  acharam  uma  altura  máxima  de  56<^.  O  sol  estava  então 
em  I603O  do  signo  de  Tauro,  com  uma  declinação  boreal  de  la^si  ,  segundo  as  tábuas  que  levavam, 
calculadas  peto  Atmanach  de  Zacuto.  O  sol  andava  ao  norte  da  linha,  e  como  as  sombras  corriam  ao 
sul.  somaram  a  altura  com  a  declinação  do  dia,  o  que  deu  72o51  .  O  equador  estava  pois  inclinado 
72051  ao  norte,  ficando  *enlre  éles  e  o  sol».  Subtraíram  este  número  de  90,  e  concluíram  que  estavam 
numa  latitude  austral  de  n°9  .  Mesire  loão.  arredondando  esta  conta,  participa  ao  rei  que  se  achavam 
afastados  da  equinocial  por  17  graus:  «tomamos  el  altura  dei  sol  al  médio  dia  e  falíamos  56  grados  e 
Ia  sombra  era  septentrional  por  lo  qual  segund  las  regias  dei  estrolabio  iusgamos  ser  afastados  de  la 


(')  Livro  de  Marinharia,  coordenado  por  Brito  Rebelo,  LllbOJ.  1903.  pigs.  32,  33. 


57 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


equinocial  por  17  grados,  e  por  consvsuiente  tener  el  altura  dei  polo  antartico  en  17  grados>.  Nota-se 
que  êle  diga  que  a  «sombra  era  septentrional>.  Há  aqui  um  equívoco  e\fidenle.  O  sol,  então  num  signo 
boreal,  passava  no  meridiano  ao  norle  do  zénite.  Quando  escreveu  aquelas  palavras  estava  pensando  na 
situaçáo  setentrional  do  sol.  causa  do  sentido  das  sombras,  t  um  lapsus  calami.  Ao  fechar  a  sua  carta, 
faz  esta  crítica  do  processo  de  determinação  da  lalilude  pela  altura  do  sol.  e  dos  instrumentos:  «pera  la 
mar  mejor  es  regyr-se  por  el  altura  dei  sol  que  non  por  ninguna  eslrella,  e  mejor  con  estrolabio  que 
non  con  quadrante  nin  otro  ningud  estrumento>. 

Para  facilitar  a  conta  do  sol  fèz  se  em  Portugal  uma  modificação  no  astrolábio.  Dispôs-se  a 
graduação  a  partir  do  zero,  colocado  na  extremidade  superior  do  diâmetro  verlical,  e  correndo  de  aí 
para  baixo  até  terminar  em  90  no  diâmetro  horizontal.  Então  o  instrumento  passou  a  medir  a  distância 
zenital,  em  vez  da  altura.  Foi  para  astrolábios  assim  graduados  que  Pedro  Nunes  redigiu  o  «Regimento 
da  altura  do  polo  ao  meÍo-día>  que  se  lê  no  Tratado  em  defensam  da  carta  de  marear,  de  1537,  de  que 
transcrevemos  a  primeira  parte: 

«Se  o  sot  tem  declinação  para  o  norte  e  as  sombras  vão  para  o  norte,  saberemos  pelo  astro- 
lábio ao  meio  dia,  que  é  na  maior  altura,  quantos  graus  há  de  nós  ao  sol.  e  acrescentaremos  a  decli- 
nação daquele  dia;  e  o  que  somar  será  o  que  estamos  apartados  da  linha  eqiiinocial  para  o  norte. 

Mas  se  o  sol  tem  declinação  para  o  norle  e  as  sombras  vão  para  o  sul,  saberemos  pelo  astro- 
lábio quanto  há  de  nós  ao  sol.  e  pelo  regimento  a  declinação;  e  se  forem  iguais,  estaremos  na  eqiiino- 
ciai;  e  se  forem  desiguais,  tiraremos  o  menor  número  do  maior,  porque  o  que  ficar,  isso  estaremos 
apartados  da  eqiiinocial,  e  será  para  o  norle  se  a  declinação  era  maior,  e  será  para  o  sul,  se  a  decli- 
nação era  menor». 

(. 

A  segunda  parte  é  repetição  desta  primeira,  mudando  norte  em  sul.  e  reciprocamente. 

Êle  próprio  nos  dá  noutra  obra  sua  um  exemplo  da  aplicação  do  seu  Regimento.  Tendo,  no 
dia  do  sotstício  estival,  observado  em  Coimbra  a  distância  zenital  meridiana  do  sol  com  um  astrolábio 
de  dois  palmos  de  diâmetro,  construído  com  muita  precisão,  achou  um  ângulo  de  17  graus  exactos  (*)• 
A  declinação  do  sol  era  então  máxima,  de  23o  30  ,  portanto,  segundo  o  valor  por  ele  adoptado  para  a 
inclinação  da  eclíplica.  O  sol  declinava  ao  norte,  e  para  o  norte  iam  as  sombras.  Somando  17°  com 
23030,  resultou-lhe  para  latitude  de  Coimbra:  40° 30  (esta  latitude  é  de  40»  12  ). 

No  Liuro  de  Marinharia  (pág.  40)  vem  um  «Regimento  dallura  do  sol,  pela  banda  de  cima  do 
astrolábio,  de  menos  trabalho  e  melhor».  O  que  se  chama  «altura  contada  pela  banda  de  cima»  é  a  dis* 
lãncia  zenital.  A  conta  assim  feita  é  classificada  como  de  menos  trabalho  e  melhor.  Rodrigo  Çamorano 
dedica  a  êste  processo  um  capitulo  do  seu  Compendio  dei  arte  de  nauegar,  1591,  intitulado  «Otra  ma- 
nera  de  hazer  la  cuenta  al  sol,  como  lo  usan  en  Portugal»,  que  é  baseado  no  cânon  de  Pedro  Nunes, 
como  èle  o  publicou  em  1566.  mais  simplificado,  com  o  titulo:  <De  invenienda  loci  lalíludine  per  radium 
meridianum  anlíquus  cânon  noster»  O-  Então  o  cosmógrafo-mór  não  julga  já  necessária  a  consideração 
de  regras  em  separado,  para  o  sol  nos  signos  boreais  e  nos  austrais,  como  èle  fazia  ainda  em  1537  (*). 

As  regras  do  astrolábio  mais  fáceis  de  todas  são  as  que  se  encontram  no  Lioro  de  Marinha- 
ria (pág.  65)  com  o  título  «Regimento  desta  declinação»,  que  é  de  uma  simplicidade  notável.  A  «declina- 
ção* a  que  se  refere  èste  titulo  é  a  que  se  encontra  nas  páginas  imediatas  (págs.  67  a  82),  que  conteem 
as  tábuas  solares  para  um  quadriénio.  Mas  o  que  nessas  tábuas  se  chama  declinação  é  a  distância  do 


O  «Cum  enim  Aslrolabium  quoddatn  recl^  labrefaclum  nacti  essemus,  cujus  dtameter  duorum  palmonim  eral,  tiaud 
pwici^  annis  acstivo  tompore.  Solom  obsorv.ivitnus,  minlmamque  dísiantiam  i  vertic^li  puncio  Conimbricae,  sraduum  praecisè 
repehmus  17.  El  quoniam  maHima  Solis  d«cttn^tio  nostro  lempore  Or.  cominei  23.  min.  30.  feré.  conciu&iinu»  idcirco  laUludi- 
nem  Conimbrlcae.  Or.  40.  min.  30  ierè>  (Pelri  Nonh  Opera,  Daslleae,  1^66,  plg.  64). 

O   Ibidem,  pág.  9S. 

0)  Vollou-se  assim  aos  mesmos  tris  casos  considerados  por  Duarte  Pacheco,  embora  formulados  doulra  maneira. 
No  Livro  de  Marinharia,  pág.  43,  encontram-se  as  expressões  iconcordia  da  sombra  com  o  lempo>  c  «discórdia  da  sombra 
com  o  tempo»,  das  quais  a  primeira  se  emprega  para  significar  que  as  sombras  conem  ao  norle.  ao  tempo  em  que  o  sol  anda 
ao  norle  da  linha,  ou  que  as  sombras  correm  ao  sul,  andando  o  sol  nos  signos  austrais,  e  a  segunda  significa  que  as  som- 
bras correm  ao  rortp  and.indo  o  sol  para  o  sul  da  linha,  e  inversamcnie.  Empregando  esla  linguagem,  podem  traduzir-sc  assim 
os  Irés  casos  g  ipais  do  cinon  acima  retendo:  1)  com  Côniordu  da  sombra  com  o  tempo,  soma-se  a  disiãnda 

xenital  com  a  ii<  i  se  a  latitude  com  o  mesmo  sinal  da  declinação;  2)  com  discórdia  da  sombra  com  o  lempo, 

e  sendo  a  decimarão  maior  que  a  disl&ncia  zenital,  a  dileren^a  das  duas  será  a  latitude  com  o  mesmo  sin,il  da  declinaçio; 
3)  com  diicordia  da  sombra  com  o  tempo,  sendo  a  dislAnda  zenital  maior  que  a  decimando,  a  diferença  das  duas  será  a  lati- 
tude com  sinal  contrário  ao  da  declinação. 


58 


A  ARTE  DC  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


sol  ao  polo  norte  em  cada  dia,  variando  entre  um  mínimo  de  66o  30^  no  dia  do  solstício  estival,  e  um 
máximo  de  lis» 30'  no  solstício  hiemal,  o  que  corresponde  a  uma  inclinação  de  23» 30  da  ecHplica  sôbre 
o  equador.  Ravenstein  (<)  achou  singulares  estas  declinações,  que  são  afinal  as  distâncias  polares  do 
sol  contadas  do  norte,  passando-lhe  naturalmente  desper- 
cebida a  sua  aplicação.  Estas  distâncias  polares  dcsti- 
navam-se  a  ser  usadas  com  astrolábios  graduados  desde  O 
a  180.  de  um  extrèmo  ao  outro  do  diâmetro  horizontal 
(fig.  29).  O  zero  deve  voltar-se  sempre  ao  norte  no  mo- 
mento da  observação.  Se  o  sol  está  ao  norte  do  zé- 
nite, a  sua^altura,  é  menor  que  90;  se  está  ao  sul.  a  sua 
altura,  HCS,  será  contada  maior  que  90.  Esta  maneira 
de  observar  é  assim  explicada:  «tomando  a  altura  ao 
meio-dla,  verás  a  parte  que  o  teu  astrolábio  declina  ao 
norte,  começando  debaixo,  do  primeiro  grau  para  cima.  até 
onde  estiver  a  ponta  da  medeclina  que  é  a  altura  donde 
ficou  o  sol*.  É  claro  que,  se  a  altura  assim  tomada  fôr 
maior  que  a  distância  do  sol  ao  polo  norte,  ficará  êste 
polo  acima  do  horizonte;  no  caso  contrário,  ficará  abaixo. 
Assim  resultam,  dèsle  modo  dc  medir  a  altura  do  sol,  as 
regras  simplicissimas  do  Livro  de  Marinharia: 


H- — 

(Mb) 


<Se  a  altura  do  astrolábio  fôr  maior  que  a  declinação  laliás  distância  polar  norte], 
tirando  a  menor  ^a  maior,  o  que  ficar  estarás  da  parte  do  norte. 

Se  a  declinação  Idistância  polar  norte)  fôr  maior  que  a  altura,  tirando  um  do  outro, 
o  que  ficar  estarás  da  parte  do  sul. 

Se  fôr  a  altura  igual  com  a  declinação  [distância  polar],  estarás  na  linha». 

Nestes  concisos  preceitos  ficam  compreendidos  todos  os  casos  possíveis.  Não  há  distinções  de 
sombras  a  fazer.  O  Regimento  atinge  a  sua  simplicidade  máxima  com  um  astrolábio  assim  graduado. 


9  — tAduas  do  sol 


S  regras  para  achar  a  altura  do  polo  ao  meio-dÍa  tinham  de  ser  acompanhadas  de  tabe- 
las em  que  se  enconlrásse  fàcilmente  a  declinação  do  sol  em  cada  dia.  Assim  sucede 
nos  dois  manuais  náuticos  portugueses,  conservados,  em  exemplar  único,  na  Biblioteca 
de  Munich  e  na  de  Évora,  os  quais  representam  duas  fases  bem  distintas  na  confecção 
das  tábuas  solares.  O  Regimento  de  Munich,  que,  segundo  o  Snr.  Joaquim  DcnsaúdeO), 
deve  ter  sido  impresso  posteriormente  a  1509,  contém  um  calendário  onde,  juntamente  com  os  nomes 
dos  Santos,  se  dão  para  todos  os  dias  do  ano,  o  -lugar  do  soI>  na  eclíptica,  expresso  nos  signos  e  graus 
inteiros  de  cada  signo,  e  a  declinação  em  graus  e  minutos.  O  calendário  começa  em  março  e  termina 
em  fevereiro,  repetindo-se  em  29  deste  mês  os  mesmos  números  do  primeiro  dia  de  março.  Dispõe-se 
assim  de  uma  tábua  única  para  aplicar  em  qualquer  ano.  No  Regimento  de  Évora,  porém,  ao  calendário 
expressamente  designado  por  «ano  do  bissexto»,  onde  os  lugares  do  sol  são  íá  contados  em  graus  e 
minutos,  como  as  declinações,  seguem-se  três  tábuas  de  declinações  solares  para  os  anos:  primeiro, 
segundo  e  terceiro  depois  do  bissexto.  Os  anos  começam  no  mês  de  ianeiro.  e  nio  no  de  março. 
Teem  se  assim  tábuas  para  o  ciclo  quadrienal  do  bissexto,  e  como  estio  calculadas  para  o  quadriénio 


í'>   «Amonq  thcse  are  Iwo  Mis  of  dcclínalion  rabies.  lhe  one  ol  Itic  usual  lype,  the  orher  peculiar,  Inasmuch  ai 
Itie  DOini  ol  rcfercnce  lor  what  its  author  called  .declinaiion-  Is  thc  North  Polc.  Thus  decf.  23»  S.  i»  expreswd  by        t  23<» 
1 13° .  whllsl  decL  23»  N.  Is  given  as  90o-23o    67»»  (Ravenstein.  tAarttn  Behãim,  his  U(e  and  Ais  globe,  London.  1908, 

pis.  19).      ^   j   Bensaúde,  Lastronomie  nautiqtie  êu  Portuffat  à  lipoque  det  grandes  découvtrlts,  Oem.  1917,  pÍB-  "O- 

59 


HISTÓRÍA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


de  1517  e  1520,  pôde  concluír-se  a  data  de  impressão  do  Regimento  de  Évora  em  1517.  A  tábua  única  ■ 
anual,  muito  Imperfeila.  do  Regimento  de  Munich,  onde  os  lugares  do  sol  sào  ainda  expressos  cm  sim- 
ples graus  inieiros.  corresponde,  na  evolução  da  sciéncia  asironómica,  cultivada  em  Portugal  para  uso  da 
navegação,  a  um  período  bem  anterior  à  data  da  sua  publicação  em  1509,  ou  depois.  A  análise  do 
manual  náutico  de  Munich  mostra  que  êle  é  composto  de  partes  provenientes  de  épocas  mais  antigas 
do  que  o  ano  em  que  foi  impresso,  o  que  aumenta  o  seu  valor  histórico. 
^  ^  Em  25  de  fevereiro  de  1496  (sole  existente  In  I5o53  35    Piscium  sub  ceio  Leyree)  acabou  de 

*"         ■*  imprimlr-se  cm  Leiria  o  Almanach  perpetuam  de  Abraão  Zacuto.  traduzido  do  hebreu  para  latim  pelo 
'         seu  discípulo  ]osé  Vizinho.  Zacuto,  que  ensinára  astronomia  na  Universidade  de  Salamanca,  eslava  então 
em  Portugal,  para  onde  viera  cm  1192,  quando  os  judeus  foram  expulsos  de  Espanha.  D.  João  II  tinha-o 
feito  seu  astrónomo,  continuando  a  sè-lo  de  D.  Manuel,  até  que,  ordenada  por  êsie  a  expulsão  dos  judeus, 
em  dezembro  de  1496,  Zacuto  fugiu  para  Tunis  em  1497,  morrendo  em  Damasco  por  1535. 

A  parte  dêsle  Almanach  perpetuam  que  agora  nos  interessa  são  as 
quatro  tábuas  com  os  lugares  do  sol  na  eclíplica,  Isto  é.  com  as  longitudes 
solares,  expressas  cm  signos,  e  graus,  minutos  c  segundos  de  cada  signo,  para 
cada  dia  dos  anos  de  1473  (tabula  prima  soIis).  1474  (tabula  secunda),  1475 
(tabula  tertia)  e  1476  (tabula  quarta).  Para  aplicação  destas  tábuas,  relativas 
a  um  ciclo  de  quatro  anos,  que  é  o  do  bissexto,  a  outro  qualquer  quadriénio 
serve  a  Tabula  equationis  solis,  a  qual  dá  a  correcção  a  fazer  para  anos  futu- 
ros ou  anteriores,  à  razão  de  I  46  '  por  cada  revolução  de  quatro  anos.  A 
tabela,  de  que  transcrevemos  apenas  as  12  primeiras  linhas,  contém  as  cor- 
recções até  34  revoluções.  Assim,  para  o  quadriénio  de  1517  a  1520.  44  anos 
posterior  ao  das  tábuas,  o  número  de  revoluções  decorridas  é  11;  tem  dc 
acrescentar  se  19  25  a  todos  os  lugares  do  sol  do  Almanach,  para  se  terem 
os  dos  anos  1517,  1518,  1519  e  1520. 

Sabidos  05  lugares  do  sol,  enlrava-se  com  êles  na  Tabula  declina- 
tionis  pUmetarum  et  solis  ab  equinotiafi,  para  se  obter  a  sua  declinação.  Esta 
tabula  declinationis  eslá  calculada  apenas  para  os  lugares  expressos  em  graus 
inteiros  dos  signos;  para  fracções  de  graus  faz  se  a  costumada  Interpolação 
proporcional.  A  declinação  correspondente  aos  pontos  solstíciais  é  de  23^33, 
sendo  esta  portanto  a  inclinação  da  eclíplica  sòbre  o  equador  que  serviu  de 
base  ao  cálculo  da  tábua;  èste  foi  o  valor  achado  pelos  astrónomos  do  califa 
Almamon,  pelo  ano  830.  no  observatório  de  Bagdad.  Uma  tabela  semelhante 

a  esta  de  Zacuto  enconlra-se  nos  Libros  dei  saber  de  astronomia,  tomo  IV.  pág.  6,  com  o  título  «Tabla 
dc  ta  dedinacton  dei  sol*,  a  qual  se  diz  «rectificada  en  este  nuestro  tiempo»,  mas  nessa  a  declinação 
máxima  é  de  23o32  30  . 

Fazendo  em  todos  os  lugares  do  sol  das  quatro  tábuas  do  Almanach  a  correcção  por  acrés- 
cimo de  19  25  ,  a  que  nos  referimos  já,  e  entrando  depois  com  êles  na  Tabula  declinationis.  lem-se  as 
*sTAi»i.<?no  tabelas  de  declinação  para  o  quadriénio  de  1517  a  1320.  Sào  os  números  assim  calculados  que  se  encon- 
^  ^  tram  nas  tabelas  de  declinação  do  Regimento  de  ÉvoraC),  tendo  sido  cncorporados  no  calendário  (ano 
do  bissexto)  os  do  ano  de  1520.  As  mesmas  tabelas  constituem  o  primeiro  grupo  de  tábuas  do  Livro  de 
Marinharia  (págs.  49  a  64),  correspondendo  portanto  ao  mesmo  quadriénio  (').  A  tabela  do  ano  bissexto 
aparece  também  no  calendário  do  Reportório  dos  tempos  de  Valentim  Fernandes,  atribuíndo-se  aí  o  cál- 
culo a  Gaspar  Nicolas,  o  autor  do  Tratado  da  pratica  darismética. 


TABULA  EQUATIONIS 

SOLtS 

rcvol. 

Sr- 

mio. 

sec 

1 

0° 

1 

46 

2 

0 

3 

32 

3 

0 

5 

18 

4 

0 

7 

4 

5 

0 

8 

50 

6 

0 

10 

36 

7 

0 

12 

22 

8 

0 

14 

8 

9 

0 

15 

54 

10 

0 

17 

40 

11 

0 

19 

25 

12 

0 

21 

11 

íMí««,rf.J'L^r'*'*í  *'^]^**  '°  ffffi^^cnfo  ào  estrolãbio  da  Biblioteca  de  Évora»,  no  Boletim  da  Bibhotecã  da 

vnivetiiaãae  ae  CoimbM.  Vol,  VI.  págs.  65  a  79. 

rf*  M„inh>F}  1^*^  Iu8*rcs  do  sol  que  serviram  para  calcuUr  estas  declinações  eslào  no  segundo  grupo  de  tábuas  do  Livro 
«  Al  jr-nft  (pígs  67  a  82  numeraçio  a  prelo),  Nota-se  que  faltam  os  verdadeiros  valores  para  os  meses  dc  julho  a  outu- 
ore  .  iro  ano  depois  do  bissexto,  eslanío.  em  vez  déles.  copiados  os  números  de  iguais  meses  do  ano  terceiro  depois 

Sa  rp:.in..n..  «í^í"  **  i°  "''Simçnto  de  Evora  estão,  a  par  das  declinações,  os  lugares  do  sol;  os  do  primeiro  semestre 
ííff^^tS™  ,  r  *"oi"«*«íí'o,.0«0);  o»  do  segundo  semestre  sâo  os  do  primeiro  ano  depois  do  bissexto  (1517).  Estas 
Ijí.^rirdn^'n.  S^í"?  precisas  para  o  cálculo  das  laiitudes  geográficas,  bastando,  a  respeilo  da 

SbSs  doJ  "da^^ao  noftP  ou  ao  sul  da  linha  equmocial.  havia  menos  cuidado  na  cop.a  das 

raocus  oos  lugares  do  «ol.  que  eram  dispensáveis  para  o  naveganle. 


60 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


Mestre  losé  Vizinho,  tradutor  da  obra  de  Zacuto,  não  era  apenas  um  sábio  de  gabinete.  Em 
1485('),  por  ordem  de  D.  ]oào  II,  percorreu  a  costa  da  Guiné,  tomando  alturas  pelas  regras  do  sol.  Dis- 
cípulo do  autor  do  Atmanach  perpetuam,  escrito  em  hebreu  de  1473  a  1478.  e  interessado  na  prática  de 
observações  e  cálculos  para  a  determinação  das  latitudes  geográficas,  é  natural  que  fizesse  aplicação  da 
obra  de  Zacuto.  logo  que  dela  leve  conhecimento,  à  confecção  de  tabelas  de  declinação  do  lipo  quadrie- 
nal. Traduzido,  porém,  o  Almanjch  e  impresso  em  1496.  não  é  admissível  que  dele  se  nào  fizesse  uso 
para  o  cálculo  de  tabelas,  semelhantes  às  do  Regimento  de  Évora,  destinadas  a  servirem  na  viagem  de 
Vasco  da  Gama.  Para  o  quadriénio  de  1497  a  1500.  posterior  24  anos  ao  de  1473  a  1476,  a  correcção  a  a^tAmm-ím 
fazer  nos  lugares  do  sol  das  tábuas  de  Zacuto  era  de  10  36  correspondente  às  6  revoluções  de  4  anos, 
decorridas  entre  os  dois  quadriénios.  Entrando  com  os  lugares  assim  corrigidos  na  Tabula  decimationum,  oa  uama 
oblinham-se  as  tabelas  de  declinações  solares  para  os  quatro  anos.  desde  o  da  partida  do  Gama  até  ao 
de  1500,  em  que  saiu  Cabral.  Duarte  Pacheco  Pereira,  narrando  no  Esmeraldo  (Cap.  2.o  do  quarto  Livro) 
os  preparativos  da  expedição  de  Vasco  da  Gama.  diz  que  nela  se  fizeram  tantas  e  tam  grossas  despesas 
com  Iam  poucas  naus.  que  por  não  parecerem  graves  de  ouvir  e  crer.  as  deixa  de  contar  pelo  miúdo;  que 
os  navios  se  fizeram  por  singulares  mestres  e  oficiais;  que  mantimentos,  armaria  e  bombardaria.  tudo  foi 
dado  em  abastança  muilo  maior  do  que  convinha  à  necessidade  do  caso;  e  que  «assim  foram  mandados  nesta 
viagem  os  principais  pilotos  e  mareantes  e  mais  sabedores  na  arte  da  marinharia  que  se  nesta  pátria 
acharam».  Então  as  lábuas  necessárias  para  o  tam  importante  Regimento  da  altura  do  polo  pelas  regras 
do  sol  haviam  de  merecer  também  especial  cuidado,  devendo  ser  confecionadas  pelos  cosmógrafos  mais 
sabedores,  aplicando  os  preceitos  contidos  nas  obras  dc  astronomia  reputadas  as  melhores.  Não  é  natu- 
ral que  na  armada  do  Gama.  preparada  com  tanta  despeza  e  solicitude,  fosse  usada  a  tabela  única  anual 
do  tipo  mais  grosseiro,  que  ainda  se  vè  no  Regimento  de  Munich.  deixando  desaproveitada  como  inútil  a 


LUOAR  DO  SOL 

DECLINAÇÃO  DO  SOL 

LUOAR  DO  SOL 

DECLINAÇÃO  DO  SOL 

do 
mis 
de 

março 

No  ano  dc  1497 
segundo  0 
Almdtijch  de 
Zaculo 

Noanodc  1497 

segundo  o 
Aíniânjch  de 
Zacuto 

No  ano  primeiro 
depois  do  bis- 
ãCKto  da  Sumã 
de  Enciso 

No  ano  de  ISOO 
segundo  o 
Almanach  de 
Zacuto 

No  ano  de  I5O0 

segundo  o 
Atmanach  de 
Zacuto 

No  ano  bissexto 
da  Suma 
dc  Enclio 

Pisces 

Pisces 

1 

20» 

37'  6" 

3o  44  ,2 

3* 

44 

20» 

53  18 

3o 

37  ,3 

30 

37 

2 

21 

36  35 

3  20,4 

3 

21 

21 

52  47 

3 

13.9 

3 

13 

3 

22 

36  4 

2  57.2 

2 

57 

22 

52  16 

2 

51,0 

2 

5 

4 

23 

35  32 

2  33,8 

2 

34 

23 

51  43 

2 

27.3 

2 

27 

5 

24 

34  57 

2  10,0 

2 

10 

24 

51  7 

2 

3.6 

2 

3 

6 

25 

34  22 

1  46.2 

1 

46 

25 

50  32 

1 

39,8 

1 

40 

obra,  acabada  de  publicar,  de  Zacuto.  astrónomo  de  D  ]oão  II  e  de  D.  Manuel.  O  cálculo,  aliás  fácil, 
acima  indicado,  foi  decerto  feito  pelo  próprio  tradutor  Mestre  ]osé  Vizinho.  E  as  novas  tabelas  para  o 
quadriénio  1497-1500  puderam  ainda  servir  aos  pilotos  de  Alvares  Cabral. 

Como  pequena  amostra  do  resultado  do  cálculo  que  devia  ter  sido  feito,  damos  no  quadro 
junto  os  valores  das  declinações  calculadas  pelo  Almanach  perpetuam  para  os  primeiros  dias  de  março 
dos  anos,  primeiro  e  último,  do  quadriénio  de  1497  a  1500.  Quando  em  1497  Vasco  da  Gama,  na  Angra 
de  Santa  Helena,  foi  a  terra  tomar  o  sol  para  saber  a  latitude  em  que  estava,  deve  ter  encontrado,  no 


(')  Consta  de  uma  das  notas  à  margem  das  páginas  do  exemplar  da  Hísioriá  rerum  ubitjue  gestarum  de  Silvio 
Piccolomlnl  (depois  Papa  Pio  II).  impressa  em  Veneza  em  1477,  pertencente  a  Colombo,  (|ue  so  conserva  na  Biblioteca  Colom- 
bina, em  Seviltia:  <...  rex  Porlugaltae  miãít  In  Uulnuj  anno  Domlnl  I49ã  maglstcr  Joscplus,  Iíkícus  ejut  et  islrolosui.  ad 
complcndum  slttludlnem  solis  In  lota  Ouinea...'. 

61 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


dia  9  de  novembro  do  primeiro  ano  depois  do  bissexto.  19o  30'  para  valor  da  declinação,  correspondente 
à  situação  do  sol  em  26o  38  do  signo  de  Scórpio.  No  dia  27  de  abril  de  1500,  Mestre  João,  quando 
observou  o  sol  em  V/era  Cruz  para  aplicar  as  regras  do  astrolábio,  achou  na  tabela  do  ano  bissexto  uma 
declinação  solar  de  16^51,  correspondente  ao  lugar  do  sol  em  16o30  do  signo  de  Tauro  nesse  dia. 
A  comparação  dos  números  calculados  pelo  Almanach  de  Zacuto 
com  os  números  correspondentes  das  tabelas  de  declinação  do 
sol  da  Suma  de  geographia  de  Enciso,  edição  de  Sevilha  de  1519. 
leva  a  crer  que  estas  últimas  tabelas  reproduzem  ainda  as  que 
foram  nas  naus  do  Gama.  O  quadro  anterior  permite  comparar  al- 
guns números  provenientes  do  Almanach  perpciuum  com  os  da 
Sumê  de  Enciso  ('). 

O  Regimento  de  Muních  oferece  apenas  a  tábua  única 
anual  contida  no  calendário,  com  as  longitudes  solares  expressas 
em  simples  graus  Inteiros,  seguidas  das  declinações  corresponden- 
tes, em  graus  e  minutos,  sendo  a  máxima,  nos  dias  solstíciais,  de 
23033.  Estas  declinações  são  as  de  uma  tábua  igual  à  Tabula 
decHnationis  incluída  no  Almanach  perpetuum,  a  qual  é  natural 
achar-se  já  em  obras  anteriores,  pois  a  inclinação  de  23o33  da 
ecliptica  fôra  adoptada  no  século  IX  pelos  astrónomos  de  Alma- 

mon.  Uma  tabela  de  longitudes 
em  graus  inteiros,  semelhante  à 
do  Regimento,  encontra-se  nos 
Libros  dei  saber  de  astronomia. 
lomo  II,  onde  vém,  como  apên- 
dice aos  dois  livros  do  astrolá- 
bio plano,  uma  «tabla  de  saber  en  qual  grado  dei  zodíaco  es  et 
sol»,  também  em  graus  redondos.  No  pequeno  quadro  junto  pôde 
fazer-se  a  comparação  das  duas  tábuas  para  uma  paríe  do  mês  de 
março:  na  do  Regimento  a  entrada  no  signo  de  Aries  é  já  mais 
cedo,  em  resultado  do  movimento  de  precessão.  Nos  Libros  dei  saber, 
tomo  II,  ensína-se  o  processo  gráfico  para  determinar  a  correspon- 
dência entre  os  dias  do  ano  e  as  posições  do  sol  na  roda  do 
zodíaco,  quando  se  trata  de  traçar  no  dorso  do  astrolábio  os  dois 
círculos,  dos  meses  e  dos  signos,  que.  como  vimos  na  Fig.  8,  resu- 
mem num  pequeno  espaço  uma  tabela  de  longitudes.  Traçado  o  cír- 
culo do  zodíaco  com  o  centro  em  O  (fig.  30)  e  dividido  nos  12  signos  e  seus  graus,  tira  se  o  raio  OC 
para  o  ponio  C  da  cclíptica  em  que  tiver  lugar  o  auge.  ou  apogeu  do  sol.  Toma-se  uma  fracção  Oo 
dêste  raio.  Igual  à  excentricidade  da  órbita  solar,  e  êste  ponto  o  é  centro  do  círculo  dos  meses,  que  se 
traça  dentro  do  primeiro  e  se  divide  nas  365  partes  que  representam  os  dias  do  ano.  Sabido  o  dia  em 
que  o  sol  passa  debaixo  do  ponto  C,  que  marca  o  seu  auge.  a  êsse  dia  corresponderá  a  divisão  que  contém 
o  ponto  c  e  a  seguir  se  numeram  todas  as  divisões,  dlstribuíndo-as  pelos  dias  dos  12  meses.  O  semestre 


Dias 
do  tnfts 

de 
março 

LUGAR 

DO  SOL 

íaOTOS  OfI 

saber 

Keffimfttlo 
de  Munkli 

1 

Pisces  190 

Pisces  20» 

2 

20 

21 

3 

21 

22 

4 

22 

23 

5 

23 

24 

6 

24 

25 

7 

25 

26 

8 

26 

27 

9 

27 

28 

10 

28 

29 

II 

29 

Aries  1 

12 

30 

2 

13 

Aries '  1 

3 

Fig.  m 


nas  1 

11 

O 

•1 

I-; 


^cdiMcAeValT/ íri^m ^^^T^  "".ífJ' *>"'^         «nuilo  lácil  verificar  esta  Identificação;  traz  ape- 
RÍÍÍraLraue  as  Sb^s  1  ^nH^^^  <l"«<lriín.o  para  quadriénio.  Nâo  livemos  tempo  de  fazei  uma  anâfse 

^/  i  wi     »^  I    ■     ^  Enciso  \ím  mmtos  érros,  que  devem  provir  das  sucessivas  cópias  ou  imorcssões 

•  Por  U  regia  6  labla       dicha  podras  saber  en  4 


ugno  Mia  el  sol  en  qual  quier  d>a  dei  afto.  y  en  que  orados 
S  W  dedlnadon  iiene  en  qual^iuier  gra  do.  aul  mismo  po- 

{Sarna,  de  Endso). 

62 


«Por  aque;/«  tauoãài  poderás  saber  e  que  signo  esta/ 
no  so//  em  ^Içuer  dya  do  ano:  £1  em  que  graao  &  que  de- 
clinafam  tem  em  ^Iquer  graao.  asy  mesmo  poderás  saber  ha 
altura  do  pollo  ou  o  4  estas  afastado  da  linha  equinoçlall ..... 

(Regimento  de  Mui^cti). 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


fnbabitdueU 


do  verão  fica  com  mais  uma  semana  que  o  do  inverno.  A  mededina,  girando  em  volta  do  centro  O  sôbre 
os  dois  círculos,  indica  a  correspondência  entre  os  365  dias  do  ano  e  os  360  graus  do  zodíaco.  É  a  teoria 
do  excêntrico,  em  que  a  Terra  ocupa  um  ponto  O  e  o  sol  descreve  um  círculo  com  movimento  uniíórme 
em  volta  de  outro  ponto  o.  teoria  conhecida  de  Azurara,  cuio  astrolábio  mostrava  a  linha  Oc  do  auge  do 
sol  dirigida  para  o  comêço  de  Câncer,  e  portanto  o  pcrigeu  no  ponto  oposto,  comêço  de  Capricórnio: 

•Vejo  aqueles  Garamantes  e  aqueles  Etiopios.  que  vivem  sob  a  sombra  do  monte  Cáucaso, 
negros  em  color  porque  jazem  de  sob  o  opósito  do  auge  do  sol,  o  qual  sendo  na  cabeça  de  Capricórnio, 
e  a  eles  em  estranha  quentura,  segundo  se  mostra  pelo  movimento  do  centro  de  seu  excêntrico,  ou  por 
outra  maneira,  porque  vesinham  com  a  cinta  queimada ...  •('). 

Os  lugares  do  sol  em  simples  graus,  que  serviram  de  base  para  as  declinações  do  manual  de 
Munich,  se  nâo  foram  copiados  de  alguma  lábua  análoga  à  dos  Libros  dei  saber,  podiam  ter  sido  tirados 
da  roda  de  um  astrolábio,  como  foi  naturalmente  num  dêstes  Instrumentos  que  Azurara  leu  a  posição 
do  sol  por  êle  indicada  para  o  dia  18  de  julho  de  1415,  em  que  morreu  a  rainha  D.  Filipa  (*).  A  tábua 
daquele  manual  náutico  nào  pôde  considerar-se  como  representando  o  estado  dos  conhecimentos  astro- 
nómicos em  Portugal  no  ano  da  sua  impressão,  depois  de  1509.  O  Almanach  perpetuiim,  publicado  em 
1496.  permitia  cálculo  mais  perfeito,  e  nào  pôde  pensar-se  que  só  fôsse  aproveitado  20  anos  depois,  para 
a  confecção  das  tábuas  do  Regimento  de  Évora,  calculadas  para  o 
quadriénio  1517-1520.  As  tabelas  da  Suma  de  Enciso  provêm  de 
época  anterior  aos  dois  Regimentos,  e  foram  calculadas  pelo 
Almanach.  A  obra  de  Zacuto  deve  até  ter  sido  aplicada  pelo  seu 
discípulo  losé  Vizinho,  mesmo  antes  de  ser  impressa  em  Leiria. 

O  Regimento  de  Munich,  que  os  peritos  bibliógrafos  clas- 
sificam como  reimpressão  mal  cuidada,  é.  na  sua  linha  geral,  um 
livro  antiquado  para  o  tempo  em  que  foi  impresso,  o  que  lhe  dá 
grande  interêsse  histórico.  As  regras  do  sol  para  a  determinação 
da  altura  do  polo  conservam  nêle,  como  vimos,  uma  fórma  menos 
perfeita  do  que  a  de  Duarte  Pacheco,  e  éste  escrevia  o  capítulo 
respectivo  do  Esmeraldo  em  1505.  Se.  quando  lemos  neste  Regi- 
mento, a  respeito  de  Lisboa,  — «Emxemplo  diguo  que  esta  çidade 
«staa  afastada  da  lynha  38  graaos  e  dous  terços>(')  — ,  nos  sur- 
preende éste  valor  da  latitude  de  Lisboa,  muito  mais  exacto  que  o 
de  39  graus  da  lista  de  laliludes  do  Regimento  de  Évora,  maior 
surpresa  ainda  nos  causa,  por  motivo  contrário  (pois  havia  já  tan- 
tos anos  que  os  Portugueses  tinham  ultrapassado  o  equador),  o  que 
se  lê  no  Cap.  II  do  Tractado  da  Spera  anexo.  Aí  se  traduz  sem  o  menor  reparo  a  afirmação,  feita  por 
Sacrobosco,  da  inabitabilidade  da  zona  tórrida,  pela  grande  quentura  do  sol.  c  das  zonas  frígidas  pelo 
grande  frio,  afirmação  ilustrada  por  uma  figura  com  o  letreiro  intiabitaueU,  pôsto  sôbre  aquelas  zonas 
(fig.  31).  O  mesmo  se  repete  no  Tractado  da  Spera  do  Regimento  de  Évora.  Pedro  Nunes,  na  sua  tra- 
dução da  obra  de  Sacrobosco  em  1537,  não  deixa  de  anotar  à  margem:  <As  navegações  dos  Portugueses 
nos  amostraram  que  não  há  terra  tam  destemperada,  por  quente  nem  por  fria,  em  que  nào  haja  homens»  (*). 


Ilnbabitaoell 

ria.  II.  raproduilda  «lo  Regimenta  da  Munich 


(')    Azurara.  Chronicã  de  Qtiinó,  Cap.  11, 

O  «Os  Inlantes  liveram  seu  conselho  ac£rca  da  enterraçao  da  Rainfia,  c  acordaram,  porque  o  tempo  era  quente, 
ca  era  quando  o  sot  csiava  cm  dous  grau»  do  signo  do  LeSo,  que  a  soterrassem  de  noite {Cttronicã  da  tomada  de  Ceuta, 
edição  dirigida  por  Esteves  Pereira,  pag.  139). 

(')   Piq.  7  da  edi^áo  fac-simllada,  Municli,  1914. 

(*j   O  mesmo  assunto  era,  porém,  já  versado  por  Duarte  Paclicco  no  Cap.  I.o  do  Livro  4.o  do  Esmeraldo:  *Pow.' 

fpónio  Mella  ro  princípio  do  seu  segundo  livro  c  assi  no  meto  do  terceiro  DE  SVTU  ORDIS.  e  Mcslrc  )oJo  dc  Sacrobowo, 
nglés,  CKceienIe  aulor.  na  arte  da  .isironomía  no  tim  do  terceiro  capítulo  de  seu  Tratado  da  Espera,  cada  um  dâstes  cm  seu 
lugar,  ambos  disseram  que  as  panes  da  equinocial  enm  inabiláveis  pola  muito  grande  qui-nlura  do  sol;  donde  parece  que 
segundo  sua  tenção  aquela  tórrida  zona  por  esta  causa  se  n^o  podia  navegar,  pois  que  a  lortakva  do  sol  impedia  nlo  haver 
af  hablIaçJlo  de  gente;  o  que  tudo  isto  é  falso;  certamente  temos  multa  c  multa  razJo  de  nos  espantar  de  Iam  excelentes 
homcnH.  como  estes  foram,  e  assi  Plínio  e  outios  autores,  que  isto  mesmo  alirmaram,  caíram  em  tamanho  (rro  como  nesta 
caso  disseram,  porque  éles  todos  confessam  a  índia  ser  verdadeiramente  oriental  e  povoada  de  gente  sem  número;  e  como 
assi  seja  que  o  verdadeiro  oriente  é  o  circulo  da  equinocial,  que  por  Guiné  e  pola  Indía  passa  e  com  a  maior  parte  dela  tem 
vizinhança,  claramente  se  mostra  ser  falso  o  que  escreveram;  pois  debaixo  da  mcima  equinocial  há  tanta  habitação  dc  genlc 
quanta  temos  sabida  c  praticada;  e  como  quer  que  a  experiência  é  nudre  das  cousas,  por  ela  soubemos  radicalmenic  a  ver- 
dade...» (p43.  IS2  da  edição  da  Sociedade  de  Geografia.  I90SX 


63 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


CoboU  Dcclingttooie  plamtap  x  (cha  ab 


A  declinaçSo  máxima  de  230  33  andou  nas  lábuas  náuticas  portuguesas  até  que  Pedro  Nunes, 
em  1537.  preferiu,  seguindo  Regiomontano.  adoptar  23o30  para  valor  da  inclinação  da  ecifptica  sôbre 
o  equador.  Assim  o  declara  no  Tratado  em  defensam  da  carta  de  marear:  «Nas  tavoas  de  declinaçam 
do  sol  nâo  ha  de  passar  a  maior  de  vinte  e  tres  grãos  e  meio,  e  conforme  a  isto  as  outras;  e  portanto 
os  Ires  minutos  que  mais  ha  nos  regimentos  são  sobejos,  porque,  posto  que  a  diferença  seja  pouca,  o 

sobeio  não  serve  de  nada.  E  é  melhor  fazer 
yr-r-i— T^-^   as  quatro  tavoas  para  saber  o  logar  do  sol, 
írtii  j    com  sua  equação;  e  depois  uma  tavoa  pequena 

de  declinações»  (').  No  fim  apresenta  quatro 
tábuas  dos  lugares  do  sol  para  o  quadriénio 
de  1537  a  1540.  e  manda  acrescenlar,  como 
Zacuto,  1  46  por  cada  revolução  de  quatro 
anos  a  mais,  para  quadriénios  futuros.  ]unta 
uma  «Tavoa  das  declinações»  semelhante  à  de 
Zacuto  e  à  «Tabla  dc  la  dcclinacion  dei  sol» 
dos  Libras  dei  saber  (tomo  IV),  mas  com  uma 
inclinação  da  eclíptica  de  23»  30.  Êste  valor, 
que  é  o  de  Regiomontano,  aparece  assim  pela 
primeira  vez.  nas  lábuas  portuguesas  do  sol, 
com  Pedro  Nunes. 

O  Regimento  de  Munich,  o  Regi- 
mento de  Évora  e  o  Tratado  de  Pedro  Nunes 
mostram  as  fases  sucessivas  por  que  foram 
passando  as  tábuas  solares  usadas  pelos  na- 
vegadores portugueses :  da  primitiva  lábua 
anual  única,  para  as  4  tábuas  do  quadriénio, 
e  depois,  da  declinação  máxima  de  23o  33 
para  a  de  23  graus  e  meio.  Estes  valores  apa- 
recem ambos  no  Livro  de  Marinharia.  O  pri- 
meiro grupo  de  tábuas  provém  ainda  da  obra 
de  Zacuto,  com  as  declinações  solsitciais  de 
23033.  No  segundo  grupo  (págs.  67  a  82)  os 
lugares  do  sol  são  ainda  deduzidos  do  Aima- 
nach  perpetuam,  mas  nas  colunas  de  «decli- 
nação» estão  as  distâncias  polares  contadas  do 
polo  norte,  correspondentes  já  a  uma  incli- 
nação de  23030  da  eclíptica. 

João  de  Barros,  a  propósito  do 
desembarque  de  Vasco  da  Gama  na  Angra  de 
Santa  Helena  para  tomar  o  sol  com  o  grande 
astrolábio  de  pau  (Dec.  I.  Livro  IV,  Cap.  11). 
depois  de  dizer  que  os  nossos  mareantes 
quando  começaram  a  engolfar  se  no  pego  do  mar.  perdendo  a  vista  da  costa,  reconheceram  que  me- 
lhor seria  navegarem  por  alturas  do  que  por  simples  estimativa  das  singraduras  (adiante  transcreveremos 
o  passo  respectivo  quando  tratarmos  do  «Regimento  das  légoas»),  acrescenta; 


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n*lãnim  »l  uuli  sO  <  .  ,  rcptoduilda  ÚO  •■•mplar  ciil*icnle  na 

Dlklloiaca  Nacional  o«  Litb««. 


Prdr"  N,m«  L^SíSLf,  «"^o''"  De  pavigatione  librt  trts,  Parisils.  1M9.  foi.  97.  Insurge-sc  contra  esta  opinião,  de 

,  ""5!'í  Í^ÍT.         ***  navegantes  «  4  lábuas  de  lugires  do  sol.  que  tics  terSo  de  corrigi?  j  razão  de  l  ^6    por  àda 

!  >  '.r  i??f^.'^  ?.,'^r  ''T'""^  n',P«l"e"í  "bua  de  declinarão,  o  que  seria  laborioso.  Reclama  que  é  melhor 

■^'^  ,  «í^clinaíJo.  li  «IcuUda».  que  eles  terão  apenas  de  percorrer  para  encontrar  a  que  neccs- 

^;,Jf'!rT  M'"'  fV^<"í'''*  "O,  decorrer  dos  tempos.  E  assim  se  continuou  fazendo  na  práitca.  como  ainda 
^rténcia  a  a^rt*  n^^f./ Pimentel.  D.ogo  de  Sá  navegou  e  combateu  na  índia,  onde  se  distinguiu.  Conhecia  por 
SBof  e  o  da^ííria  yJLl  ^  J^Tl  "í^l^-^-^obra.  a  Pedro  Nunes  devemos  ver  o  contlicto  enlrc  o  homem  da 

pniia  e  o  aa  leona.  tendo  o  pnmetro  por  vezes  razlo.  sob  o  seu  ponio  de  vista. 

64 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


«Peró  como  a  necessidade  é  mestra  de  iodalas  artes,  em  tempo  dei  Rei  D.  loSo  II  foi  por 
êlc  encomendado  este  negócio  a  Mestre  Rodrigo,  e  a  Mestre  Josepe  Judeu,  ambos  seus  médicos  e  a  um 
Martim  de  Boémia  natural  daquelas  parles,  o  qual  se  gloriava  ser  discípulo  de  Jcanne  de  Monte  Régio, 
afamado  astrónomo  entre  os  professores  desta  sciéncia,  os  quais  acharam  esta  maneira  de  navegar  por 
altura  do  sol,  de  que  fizeram  suas  taboadas  para  declinação  dêle.  como  se  ora  usa  entre  os  navegantes, 
já  mais  apuradamenie  do  que  começou,  em  que  serviam  esles  grandes  astrolábios  de  pau». 

Não  foram  estes  três  que  inventaram  o  método  de  determinar  a  latitude  pela  altura  do  sol, 
que  já  se  encontra  nos  Libros  dei  saber  de  astronomia.  Mas  nesla  obra  só  se  consideram  lugares  ao 
norte  do  trópico  de  Câncer.  Êles  tiveram  de  generalizar  as  regras  para  servirem  ao  sul,  num  e  noutro 
hemisfério,  pois  a  esse  tempo  já  se  passara  o  equador,  e  ocuparam-se  também  das  tábuas  de  declinação 
solar.  Manuel  Teles  da  Silva,  escritor  do  fim  do  século  XVll.  classificando  os  três  de  perilíssimos  mate- 
máticos, atribui-lhes  a  aplicação  do  astrolábio  à  arte  de  navegar  (')  e  liga  os  seus  estudos  com  os  pre- 
parativos da  grande  armada  de  10  caravelas  e  2  urcas.  do  comando  de  Diogo  de  Azambuja  com  que 
êste  foi,  em  1481.  construir  o  castelo  de  S.  ]orge  da  Mina.  Mas  Marlim  Behaim  só  veio  para  Portugal  em 
1484.  E  como  Mestre  Josepe  ]udeu,  que  é  o  mesmo  José  Vizinho,  discípulo  de  Zaculo.  foi  para  a  costa  da 
Guiné,  em  1485.  a  determinar  latitudes  pelas  regras  do  sol.  entende-se  geralmente  que  aqueles  estudos 
foram  encomendados  por  D.  João  II  em  1484,  ou  1485. 

tQual  foi  o  papel  de  Behaim?  Éle  podia  ter  trazido  as  Ephemerides  e  a  Tabula  Dirccthnum 
de  Regiomontano.  impressas  respectivamente  em  1474  e  1475,  se  não  eram  já  conhecidas  em  Portugal 
antes  da  sua  vinda.  As  obras  de  Regiomontano.  porém,  só  foram  usadas  em  1537  por  Pedro  Nunes, 
como  já  dissémos.  O  saber  cosmográfico  de  Behaim,  que  Stockler  considera  um  homem  de  génio,  fica 
reduzido  a  bem  modestas  proporções  na  obra  de  Ravenstein,  AUriin  Behaim.  his  iife  and  his  globe. 
London,  1908.  Ravenste'in  indica  já  (pág.  19)  como  fonte  das  tábuas  náuticas  portuguesas,  de  que  êle 
conhecia  apenas  o  tipo  quadrienal,  o  Almanach  perpefuum  de  Zaculo,  traduzido  pelo  seu  discípulo  José 
Vizinho  e  publicado  em  1496,  mas  conhecido  antes  em  cópias  manuscritas  da  parte  que  interessava  à 
marinharia.  O  estudo  que  o  Snr.  Joaquim  Bensaúde  féz  do  manual  da  Biblioteca  de  Munich  O  mostra 
bem  que  as  tábuas  portuguesas  anteriores  a  1537  não  provém  das  obras  de  Regiomontano,  e  assim  o 
reconheceu  o  ilustre  professor  da  Universidade  de  Goellingen,  Dr.  Hermann  Wagner  (').  A  Behaim  não  é 
devida  também  a  introdução  dos  instrumentos  de  altura.  O  astrolábio  e  o  quadrante  eram  bem  conheci- 
dos antes  da  sua  vinda,  como  já  vimos,  e  a  balestilha  só  começou  a  usar-se  entre  nós  na  terceira 
década  do  século  XVI.  Dos  três  indicados  por  Barros  foi  naluralmenie  Mestre  José  Vizinho  quem  leve 
parte  mais  activa  na  confecção  das  tábuas.  O  papel  de  Behaim.  que  se  gloriava  de  ser  discípulo  do 
célebre  astrónomo  dc  Monte  Régio  C)  mas  cuja  falta  de  conhecimentos  cosmográficos  mostra  Ravenstein. 
deve  ler  sido  muito  secundário,  senão  nulo. 

Quando  Cristóvão  Colombo  apresentou,  por  1483.  o  seu  plano  a  D.  João  II.  o  rei  mandou-lhe  „  «uposta 
que  estivesse  com  o  bispo  D.  Diogo  Ortiz,  e  com  Meslre  Rodrigo  e  Mestre  José.  «a  quem  êle  cometia  oos 
estas  cousas  de  Cosmografia  e  seus  descobrimentos»,  segundo  Barros  O.  Pero  da  Covilhã  contou  aofõl^uf^v 
P.«  Francisco  Álvares  (')  que,  ao  ser  despachado  por  D.  João  II  em  Santarém,  para  a  sua  viagem  com  " 
Afonso  de  Paiva,  em  1487,  lhe  deram  uma  carta  de  marear  tirada  de  um  Mapamundi,  e  que  foram  ao 


(')   «Igitur  ciassem  lantae  rei  Idoneam  aedifícare  iubct,  eique  Jjcobum  Aiambujlum  virum  mlllllA  ♦(  prudenfll 
darum  praflidt;  .iiguc  ur  minore  cum  rrrandi  pcriculo  Ignolum  maré  navtgjri  postei.  Koderíco.  ac  JoiCpho  mudicn  suis 
necnon  Marlino  Bohcmo.  c.i  acTale  pcrilissimis  M.ithrmflilci«.  injunxil.  ul  adhibilo  Inlcr  se  Consilio.  excoglLircnt  alkiuld  quo 
naulae  cursum  navliiin.  litct  In  v.n-.lo  novoqut  peijío,  ruilirs  dirigerent.  ur  vet  abstracfi  i  noll»  íldcribus.  coanillsquc  Itlionbus 
quam  Caeli,  ac  pelaqi  parrem  tenercnl.  allqui  mo.lo  cop  t:  ÍÍ  posi  Indclessum  studium.  lonaamquc  iiicdirarloncm  asiro- 

labfum.  Insirumentum  quod  ante  AstronomI.ic  Lmliim  bjt,  uiiliori  Invento  ad  navlgandl  arlcm  máximo  navlganllum 

fominodo  rranstulerc;  quod  bcneficlum  loti  r  urop.i  |o.inni  doberc  non  Inlidarl  potesi»  íDe  rcbus  gaLs  Jotnnts  II  juciorc 
E.  Tclicsio  Sylvio,  UIv>»iponc.  1689.  pdgs.  Ij2,  ii3).  MJ  ncsie  passo  iniluéncía  evidente  do  iretho  de  Mirtlncz  de  U  Puente 
adJanie  transcrito  (na  página  si'3ulnlc)  * 

(')  ].  Dens.iúde,  L'jsfronomie  nautique  êu  Portugal,  I^eme,  1912. 

O  H.  Wagner,  Die  Entwiekianç  der  wíssenschaftlicfien  NautiU  ím  Deginn  án  Zdlalteri  der  Entdeekungen 

nacft  neueren  Anschauungen,  In  Annaten  der  hydrograph.c,  licíJusacQcbtfn  von  der  Deutschen  S»-cwark'  in  llamburo  19I8 
Band  46 

(*)  Konigsberg,  vila  da  Francónia.  ao  N  W  de  Dambcrg  (Oavferaj. 

P)  Barros,  Década  I.  Livro  III,  Cap,  XI. 

(•)  Verdadeira  Informação  das  terras  do  Preste  João,  pelo  P.»  Franciíco  Alvares,  Lisboa.  It83,  pig.  \3». 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


lazer  desta  carta,  em  casa  de  Pero  de  Alcáçova,  D.  Diogo  Ortiz.  M.»  Rodrigo  e  M.»  Movsés.  Das  duas 
referências  de  Barros  c  desta  de  Francisco  Aluares  concluiu  Stockler  a  fundação  por  D.  ]oâo  11.  logo 
que  subiu  ao  trono,  de  uma  ]unta  de  Matemílicos,  cujas  sessões  se  celebravam  em  casa  de  Pedro  de 
Alcáçova,  desdobrando  alé  em  dois  vogais  o  castelhano  D.  Diogo  Ortiz,  natural  de  Calçadilha.  sucessiva- 
mente bispo  de  Ceuta  e  Viseu.  NSo  encontramos  em  Barros,  nem  em  Castanheda,  nem  em  Rui  de  Pina 
menção  de  instituto  denominado  — *lunta  de  Matemáticos»  —  .  Ribeiro  dos  Santos,  na  sua  memória  Sobre 
êlguns  Mathematicos  portugueses V).  trata  «De  alguns  mathemalicos  no  Reinado  do  Senhor  D.  João  11». 
mas  náo  fala  de  uma  )unlã  deles,  criada  como  instituição  permanente.  Esta  espécie  de  Academia  de 
scièncias  astronómicas  e  geográficas,  intitulada  «]unta  de  Matemáticos  de  D.  ]oão  lis  parece-nos  uma 
hipótese  imaginada  por  Slockler,  mas  nâo  fundamentada,  pois  ele  mesmo  declara:  «Qual  fôsse  porém  o 
plano  dèsle  instituto,  as  leis  particulares  que  o  regularam,  o  tempo  prefixo  da  sua  criação,  e  as  causas 
que  o  dissolveram  são  factos  que  não  podemos  especificar  por  falta  de  notícias,  e  a  respeito  dos  quais 
se  não  tem  até  agora  encontrado  monumento  algum  nos  arquivos  públicos,  que  o  zèlo  da  Academia 
Real  das  Scièncias.  e  a  curiosidade  de  alguns  particulares  tem  revolvido  e  examinado»  O. 

Martinez  de  la  Puente,  no  seu  Compendio  de  las  historijs  de  Ai  índia  Oriental,  Madrid,  1681, 
inspirando  se  evidentemente  em  ]oão  de  Barros,  que  é  o  primeiro  escritor  português  que  cita  logo  no 
Prólogo,  começa  aãsim  o  Cap.  III  do  Libro  segundo: 

«El  Rey  Don  luan  el  Segundo  de  Portugal  prosiguiò  Ias  conquistas,  v  descubrimientos  de 
nuevas  tierras,  y  Mares;  mas  porque  el  orden  de  navegar  hasta  su  tiempo,  era  costeando  la  tierra,  sin 
engollarse  en  alta  mar,  y  esto  impedia  los  descubrimientos.  que  intentava,  de  ta  índia  Oriental,  mandò 
hazer  una  junta  de  flUtematicos,  para  que  buscassen  algun  médio  de  entrar  la  mar  adentro:  y  despues 
de  largos  discursos,  y  explicaciones,  hatlarcn  los  Médicos  dei  mismo  Rey  el  orden  de  navegar  por  la 
altura  dei  Sol  (à  cuya  observância  Itaman  pesarle)  de  que  formaron  regias,  y  Arte,  como  aora  se  usan, 
bien  que  ya  con  mas  perfeccion  que  entonces;  y  assi  fucron  los  Portugueses  los  primeros  que  hallaron, 
y  facilitaron  la  manera  de  navegar  por  este  modio  tan  inmensos  mares,  en  cuya  obligacion  les  deven 
estar  todas  las  Naciones  de  Europa».  Êste  trecho  é  acompanhado  da  seguinte  cota  na  margem  da 
página:  *Arte  de  navegar  por  la  altura  de  el  Sol.  quien  la  hallò  primero». 

Persuadimo  nos  afinal  que  foi  aqui,  e  só  aqui,  que  StockIerC)  vôio  buscar  a  designação  do 
instituto  matemático,  que  éle  supôs  criado  por  D.  João  II.  denominação  que  é  assim  de  origem  espa- 
nhola. Ravcnstein  (*)  enumerando  as  várias  reuniões,  acima  referidas,  de  cosmógrafos  da  confiança  do 
rei,  por  èle  sucessivamente  encarregados  do  exame  do  projecto  de  Colombo,  da  preparação  das  tábuas 
do  sol,  e  do  desenho  da  carta  de  marear  para  Pero  da  Covilhã  e  Afonso  de  Paiva,  considera-as  como 
outras  tantas  Juntas  distintas,  mas  acha  êste  lemio  ( )  impróprio  para  designar  aqueles  «ephemerai 
commitlees».  A  Junta  dos  Matemáticos,  apresentada  por  Stockler  como  corporação  regulada  por  leis 
especiais,  trouxe  uma  confusão  nova,  pois  tal  instituto  nâo  existiu.  D.  João  II  iralou  apenas  de  ter  à  sua 
disposição  homens  entendidos  nos  assuntos  de  geografia,  astronomia  e  cartografia  necessários  à  nave- 
gação, aos  quais  distribuía,  como  melhor  lhe  convinha,  os  trabalhos  necessários  ao  serviço  dos  desco- 
brimentos. Desses  homens  oferece  um  exemplo  notável  Duarte  Pacheco  Pereira,  que  éle  mandou  a  reco- 
nhecer lugares  e  rios  da  costa  da  Guiné  e  depois  à  conferência  de  Tordesillas,  em  1494,  e  que  mais 
tarde  escreveu  o  Esmeraldo,  fruto  do  seu  muito  saber  e  experiência. 

Adoptado  pelos  cosmógrafos  portugueses  o  Almanach  perpetuum  para  a  preparação  das  tábuas 
quadrienais  de  declinação  do  sol.  era  fundamental  corrigir  as  quatro  tabulas  sotis  de  Zacuto,  junlando- 


(')  Mrmoriês  át  Liiierãtura  Português*.  Tomo  VIU.  Lisboa,  1BI2,  pig.  IM. 

O   SlocWcr.  Ensaio  histórico  sobre  a  origem  das  Maltiematicas  em  Portugal.  Paris,  1819.  pág.  M. 

(*)  A  obra  de  Marlinci  de  la  Puenie  ♦  citada  no  Cnsaio  histórico  de  Stockler  (nota  da  pág.  21). 

(•)    Raventlein.  Marim  Behaim.  ftis  life  and  fus  globe,  London,  1908.  pág.  12. 
tM        .iBnífir.ílf  «"Pf^S^da  por  U  Pucnie  no  sentido  de  uma  reunião  passageira,  também  em  portuguís  pôde 

ÍU         vS^Lr»^?J^         "  ^''i-       "T*  L"""  ''•^  médicos,  reúmda  para  observar  um  enlOnno.  Mas  a  Junla. 

UA  com  Inicial  maiutcula)  do  académico  StocWer  t  uma  Academia,  e  como  tal  é  considerada  seralmenlc. 

66 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


lhes  1^46"  por  cada  revolução  de  quatro  anos  decorridos  desde  o  ano  Radix.  que  era  o  de  1473.  Éste 
valor  de  1  46  '  por  quadriénio  correspondia  a  um  valor  médio  anua!  de  26  .5  para  a  constante  da  pre- 
cessão, e  exigia  um  período  de  49:000  anos  para  o  ponto  de  Aries  lazer  a  volta  completa  dos  360  graus 
do  zodíaco.  Assim  o  movimento  de  precessão  dos  equinócios  adoptado  por  Zaculo  e  depois  por  Pedro 
Nunes,  era  demasiado  lento,  pois  o  período  de  tal  movimento  é  de  cêrca  de  25800  anos.  com  um  valor 
médio  anual  aproximadamente  de  50  .2.  O  número  26  .5  de  Zacuto  eslava  afectado  de  um  êrro  de  quási 
metade  do  valor  verdadeiro. 

Tendo  o  astrónomo  árabe  Thebit  ibn  Chora,  pelo  ano  1140.  complicado  a  teoria  da  precessão 
com  o  movimento  de  trepidação  da  oitava  esfera,  o  judeu  Isaac  ben  Said.  cognominado  Hasun.  astró- 
nomo do  rei  Afonso  X,  atribuiu  a  este  movimento  um  período  de  7000  anos,  e  ao  de  precessão  dos 
equinócios  médios  um  período  de  49000  anos.  Estes  números,  derivados  do  número  7  dos  dias  da 
semana,  são  o  resultado  de  considerações  cabalísticas.  A  volta  completa  do  movimento  de  precessão  exe- 
cutava-se  assim  num  grande  período  de  Jubileu,  sete  vezes  sete  milhares  de  anosC). 

Segundo  Ptolomeu  (século  II  d.  C).  a  precessão  executava  se  à  razão  de  I  grau  por  século. 
36'  por  ano.  Segundo  o  astrónomo  árabe  Albatênio  (cérca  do  ano  879),  aquele  movimento  era  de  1  grau 
em  66  anos,  a  que  corresponde  o  valor  anual  de  54  ,5,  bem  mais  aproximado  da  verdade.  Mais  exacto 
amda  foi  o  do  árabe  Ibn  Júnis,  que.  depois  dele.  adoptou  l  grau  em  70  anos.  com  o  valor  anual  por- 
tanto de  51  .2  errado  apenas  cêrca  de  1  a  mais.  A  adopção  pelo  rabino  Isaac  ben  Said  e  pelos  outros 
astrónomos  judeus  de  Toledo  do  valor  26  ,5  representa  um  retrocesso  considerável:  o  período  do  movi- 
mento de  precessão,  que  os  astrónomos  árabes  determinavam  já  com  tanta  aproximação,  passou  assim 
a  julgar-se  de  49000  anos,  número  muito  mais  errado  que  os  36000  de  Ptolomeu. 

Aqui  temos,  um  exemplo  de  como  por  vezes  os  homens  que  professam  as  sciéncias  fornecem, 
para  os  usos  da  prática.  Indicações  erradas,  provenientes  de  falsas  teorias,  destituídas  de  base  experi- 
mental. As  tábuas  calculadas  para  os  nossos  navegadores  não  eram  tam  perfeitas  como  podiam  ler  sido, 
se  se  tivessem  adoptado  os  números  de  Albatênio  ou  Ibn  Junis. 


, A  vin*  ■  "'"'í"^  ,1"^  'jxatlon  de  ces  durões  ali  íeí  U  conséquence  d'auc«ne  observation  pnki»*.  Un 
auteur  du  XVIc  siecle^  Agostino  Rkcl.  a  donné  |A.  RIccil.  De  mofu  oclavae  sphàerae],  dc  cc  mode  de  fixalion,  une  ralaon  qul 
a  ravi  ladhcsion  de  Dílambn;  [Histoirv  de  fjstronomie  du  Moyen-jge.  pág.  379 i  el  qui  parail.  en  eflet.  lori  plauslblc 

Agostino  Ricci,  né  a  Casale,  dans  le  Plímonl.  avail  i\é  êiève.  à  Salamanquc.  du  lull  K.ibbaliile  Abraham  Zaccul: 
ceít  de  cc  maitrc  qu  il  icnail  le  rensclgnemenl  dont  il  va  nous  faire  part. 

i.  Selon  Abraham  Zaccut,  les  Tãbln  Alphonsines  sont  l  opuvre  d*un  groupe  de  ]ulls,  lort  eupcrts  cn  aslronomlt 
quftiphonae  X  avail  reunis  à  Tolí-de.  et  qui  turcnt  sculemeni  aldés  dans  Icur  tâche  par  quelques  savants  chrtllens  Ce  collioe 
Tolède"°"'**        *  ^^^^^  criantrc  principal  de  la  sinagoguc  de 

Rabbi  Isaac  et  les  aslronomes  iuifs  dont  il  dirlgealt  les  travaux  se  lalssirent  gufder,  dans  le  cholx  des  pdrfodet 
des  deux  mouvcmcnls  lenis  qu'ils  asslgnaient  aux  étolics  lixes,  par  les  prescriptlon*  de  la  loi  Mosalquc  Selon  ccs  prcscription» 
lannée  Sãbl?.uique  revenail  lous  les  sepi  ans;  une  durée  de  sepi  fols  sepi  ou  49  anníes  ramenait  /annCr  lubilaire  lnsplré« 
sana  doute,  par  1  opinlon  que  Ics  mouvemenls  lenis  des  étoiles  lixes  devaient  rí^gir  la  Grandr  Annt'e  les  rabbins  de  Toledo 
voulurent  que  7.000  ans  représenlassent  la  pèriodc  du  mouvement  de  ircpidalion  et  que  49.000  ans  mesurasscnt  ia  pírlode  du 
mouvemenl  de  prccesslon*. 

(Plerre  Duhem,  Le  syslème  du  monde,  Tome  tt,  Part».  1914.  pag.  263). 

A  fíg.  32  mostra  como  »c  concebia  o  movimento  dc  trepidação. 
O  ponto  de  Aries.  j.  da  ccliptica  aC  da  oitava  esfera  descreve  um  pequeno  " 
circulo,  de  4018  43  de  ralo.  em  tôrno  do  ponto  de  Aries.  A.  da  ecliplica 
AC  da  nona  eatera.  O  princípio  de  Cincer.  C,  da  ccliptica  movei,  distante 
90°  de  .1.  desllsa  sempre  sôbre  a  ccliptica  fixa,  avançando  ou  retrogradan- 
do entre  C|  e  Ci,  Percorrendo  o  ponto  dc  Aric*  da  oitava  esfera  o  circulo 
a  a,  oj  tti  na  concavidade  da  nona  esfera,  constantemente  no  mes- 
mo sentido,  a  ecliplica  movei  oscHa.  para  uma  e  outra  banda  da 
ecUptíca  fixa.  entre  as  posições  aC  e  aiC,  e  o  seu  ponto  de  inter- 
secção com  o  equador  £t  desloca-sc  entre  e  e  f  .  de  10"4^  para 
cada  lado  do  equinócio  médio,  A.  Era  éste  o  imaginado  movimento  de 
trepidação,  de  acesso  e  recesso  da  esfera  das  csirclas  lixas,  a  que  se 
ainbutu  o  período  de  7:000  anos.  Ao  mesmo  tempo  que  Éle  se  execu- 
tava, o  equinócio  médio  vernal  A,  ceniro  do  pequeno  circulo,  avan- 
çava para  oriente,  fazendo  a  volta  dos  360  graus  da  ccliptica  cm 
49:000  anos.  Igual  movimento  executava  o  eqiiinocio  médio  do  outono. 

isió^pág  IsM^^'  °  """"'^  ***  <^'^'^''»  tambím,  a  uma  dlstlnda  de  4<>'ie  «"  (P.  Nonii  Opera,  Basileae. 

67 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


10— REOIMENTO   DO  CRUZEIRO  DO  SUL 


lUANDO  os  navegadores  portuguezes.  avançando  cm  plena  zona  tórrida,  viram  ambas  as 
Ursas  «banharem-se  nas  águas  de  Neptuno»,  seniiram  a  necessidade  de  procurar  no  fir- 
mamento austral  uma  nova  constelarão  que  de  noite  lhes  servisse  dc  guia.  como  no  norte 
a  Buzina, 

Em  1455,  Cadamosto,  na  foz  do  rio  Gâmbia,  em  I3o  de  latitude  boreal,  via  a 
a  cstrèla  do  norte  muito  baixa  sôbre  o  mar,  «parecendo  levantada  dêle  somente  cousa  de  uma  lança  de 
altura»  Éle  e  os  companheiros  perscrutavam  a  abobada  celeste  na  parte  sul  do  horizonte,  onde  julga- 
vam ver  uma  Ursa  Maior  austral: 

«Também  vimos  sôbre  o  mar  seis  esirêias  claras,  luzentes,  e  grandes,  e  lirando  lhe  o  lugar 

pela  bússola,  vimo-las  direitas  ao  Sul,  figuradas  por  êsle  modo   •    •   •    •  ,  e  assim  julgamos  ser  o 

Carro  do  Sul:  masaestréla  principal  não  se  via,nem  era  possível  vê-la  senão  perdendo  de  todo  a  do  Norte»  ('). 

A  disposição  em  cruz  deste  esboço  de  estrelas,  como  se  vê  na  obra  de  Ramuzio,  Navigationi 
et  viaggi,  é  naturalmente  um  arranjo  que  melhor  conveio  ao  tipógrafo.  As  seis  estrelas  teriam  uma  dis- 
posição análoga  à  Ursa  Maior,  a  que  davam  o  nome  de  Carro.  Faltava  a  sétima  esirèla.  que  supunham 
existir  mais  junto  do  polo  e  poder  ver  se,  continuando  a  navegar  ao  sul. 

Esta  observação  minuciosa  do  ceu  austral  foi  prosseguindo  sempre  com  o  avanço  para  as  re- 
gíóes  austrais,  até  que  se  achou  um  grupo  de  estrelas,  não  da  fórma  do  Carro,  mas  desenhando  uma  cruz 
com  as  duas  estrelas  da  haste  apontando  direitas  ao  polo,  como  no  norte  as  duas"Guardas  da  Ursa  Maior, 
Na  carta  escrita  de  Vera  Cruz  ao  rei  D.  Manuel,  em  I  de  maio  de  1500,  manda-lhe  Mestre 
]oão  um  esquema  de  constelações  austrais.  É  um  esbóço  à  simples  vista;  êle  mesnip  declara  que  não 
pôde  saber  em  que  grau  estava  cada  uma  por  lhe  parecer  impossível  tomar  a  altura  de  nenhuma  estrêla 

no  mar,  pois,  por  pouco  que  fôsse  o  balanço  do 


,  navio,  se  erravam  4  ou  5  graus,  lunto  do  polo 

antárctico  via  êle  uma  Buzina  do  sul,  como  mos- 
*  Fifl.  n  tra  a  palavra  bosya  que  aí  se  lè.  Acima,  junto  da 

rubrica  las  guardas,  está  o  Cruzeiro  do  Sul,  com 
com  duas  estrêias  na  direcção  do  polo,  que  são 
$  as  Guardas.  A  constelação,  que  tam  célebre  se 

,  havia  de  tornar,  recebe  no  texto  da  carta  já  o  no- 

me de  Cruz:  «e  estas  esirellas  principalmente  las 

0     *  de  /a  crus  son  grandes  casy  como  las  dei  carro  

a  e  la  estrella  que  está  en  riba  de  toda  la  crus  es 

,      ,  mucho  pequena»  (^). 

'/)/)'  o  J).     .  O  Cruzeiro  do  Sul,  já  com  êste  nome, 

Ka,  típCjA  jow  AVtfni^A)     é  assim  descrito  no  Tratado  da  Agulha  de  ma- 

rear, achado  por  João  de  Lisboa  no  ano  de  1514, 
que  se  encontra  no  Livro  de  Marinharia .  «sabereis  que  neste  cruzeiro  do  sul  andam  cinco  r 
estrelas,  as  quatro  delas  são  grandes  de  2.^  grandeza,  e  uma  de  5.»  grandeza;  esta  é 
mortificada  em  respeito  das  outras»  O.  As  quatro  estrelas  principais,  que  formam  a  cruz. 
eram  classificadas  como  de  2*  grandeza;  a  quinta  estrêla.  «mortificada  em  respeito  das  ^ 
outras»,  é  a  que  hoje  se  designa  pela  leira  c  A  que  actualmente  se  nomeia  a  Crucis. 
e  se  classilica  de  l.«  grandeza,  era  chamada  o  Pé  do  Cruzeiro;  e  a  i  era  a  Cabeça. 

Descoberto  um  brilhante  asterismo  com  duas  estrelas  de  quási  igual  ascenção  T  ** 

recta  (').  apontando  por  isso  direitas  ao  polo,  era  preciso  estudá-lo,  para  por  meio  déle  se  saberem  resol- 
ver os  mesmos  problemas  que  no  norte  se  resolviam  pela  Ursa  menor:  achar  a  latitude  geográfica,  as 

C)  Colecçio  dc  .wticus  vUrãmarinas.  tomo  II.  Lisboa.  1812.  pio.  57. 
O  Algum  documentos  do  Archivc  Sacional,  Lisboa,  I8«,  pág  123. 
(')   Livro  de  MannhãTu,  coordenado  por  Rrilo  Rebelo,  Lisboa   1903  pág  22. 


68 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


horas  da  noite  e  a  variação  Ja  agulha.  Ésle  estudo  foi  feito  por  ]o3o  de  Lisboa,  um  dos  mais  notáveis 
pilolos  portugueses  dos  hns  do  século  XV  e  princípios  do  XVI.  que  formulou  o  .Regimento  do  Cruzeiro 
do  Sul..  Tendo  ido  para  a  índia,  pela  segunda  ou  terceira  vez.  na  poderosa  frola  de  Tristão  da  Cunha 
em  1506,  eniregou-se  em  Cochim  com  Pero  Anes.  patráo  da  navegação  da  índia  e  mar  Oceano,  a  obser- 
vações repelidas  do  Cruzeiro 

«Determinei  fazer  declaração  do  Cruzeiro  por  ver  mais  largo  sinal  que  do  que  todos  têm 
conhecimento:  o  qual  por  mullas  vezes  Pero  Anes.  que  Deus  tem.  e  eu  experimentamos  muitas  vezes 
com  o  Norte  e  achamos  estando  em  parte  que  bem  vimos  ambos  dos  dilos  sinais  eslâo  em  uma  linha 
com  os  poios  do  mundo:  isto  por  uma  agulha,  estando  em  Cochim:  e  por  êste  Cruzeiro  ser  o  mais 
manifesto  sinal  dos  navegantes  e  em  êle  nào  haver  nenhum  embaraço,  determinei  de  sôbre  éle  fazer 
operação  por  a  agulha  que  se  faz  ao  norte>  ('). 

Em  Cochim,  numa  latitude  boreal  de  IQo.  podiam  observar  simultaneamente  a  Estrèla  do  Norte 
e  o  Cruzeiro  do  Sul,  cu)o  Pé  aí  se  elevava  então  a  uma  altura  de  20»  sóbre  o  horizonte,  na  sua  culmi- 
nação superior.  Da  medida  da  variação  da  agulha,  que  se  fazia,  borneando  ao  Pé  do  Cruzeiro  na  sua 
passagem  pelo  meridiano,  trataremos  adiante.  A  passagem  meridiana  era  marcada  pela  posição  vertical 
da  haste  da  cruz:  «quando  houveres  de  tomar  êste  Cruzeiro  has  daguardar  que  esteia  direito  e  esteja  a 
eslrêla  da  cabeça  com  a  do  Pé  em  uma  linha  perpendicular»  (»).  Determinaram  a  distância  polar  das 
estrelas  da  constelação  e  acharam,  para  o  Pé.  30  graus.  Esta  distância  era  com  efeito,  cm  1500,  de 
290,7  n.  Depois  veio  diminuindo,  em  virtude  da  precessão  dos  eqíiinócios.  Assim  puderam  formular,  numa 
regra  simples,  o  «Regimento  do  Cruzeiro  do  5ul>  para  a  determinação  da  latilude: 

«Item.  Mas  de  saber  que  quando  tomares  êste  cru- 
zeiro do  sul  ha-lo  de  tomar  quando  estiver  empinado  que 
fizer  esta  feição  e  tomarás  a  eslrêla  do  Pé  e  olharás  bem  que 
esteia  norte  sul  uma  com  a  outra  e  leste  oeste  os  braços  e 
olharás  bem  quantos  graus  tomas,  e  se  tomares  30  graus 
estás  na  linha,  e  se  tomares  menos  de  30  graus,  aquilo  que 
menos  fôr  de  30  estarás  afastado  para  a  parte  do  norte.  E  s 
tomares  mais  de  30,  tudo  o  que  mais  tomares  estarás  para 
parte  do  sul,  quer  sejam  poucos  quer  muitos,  tudo  o  qu 
mais  fôr  de  30  estás  para  o  sul.  E  o  que  menos  ÍÔr  de  3 
estás  para  a  parte  do  norte»  ('}. 

Também  acharam  o  modo  de  saber  as  horas  da  noite: 

«Item.  Fim  de  fevereiro  meia-noite  na  Cabeça.  E 
dali.  de  15  em  15  dias,  uma  hora  assim  como  na  conta  do 
norte,  começando  no  sul  para  a  banda  de  sudoeste,  e  é 

experimentada»  {').  ■ 

Podemos  por  esta  regra  desenhar  uma  figura  (fig.  36).  semelhante  à  que  fizemos  para  a  Ursa 
Menor  (fig.  24).  que  indique  as  posições  ocupadas  pelo  Cruzeiro  à  meia-noite.  de  quinze  em  quinze  dias, 
no  decorrer  do  ano.  A  haste  da  cruz  servia  de  ponteiro  para  marcar  as  horas  da  noite,  como  no  norte 
a  linha  da  Polar  para  a  Guarda  dianteira.  Ao  designar  pelos  rumos  as  posições  da  hasle.  imaginavam 


( 1 )   Lwro  de  M.tnn/ijriã.  págs.  XLIX  e  22.  Parecc-nos  que.  em  vez  de  «por  ver  rmIs  tirao  tlnal  aue  do  oue  todoa 
tem  conhedmenio»,  se  deveria  lír:  .por  ser  mais  largo  sinal,  de  que  todos  tem  confiedmcnlo*.        -  -» 

(»)  Ibidem,  pig.  37. 

(')   Neugebauer.  Slerntafeln,  Leipzig,  1912. 
(*)  Livro  de  Marinhariã,  piq.  39. 


«9 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


no  polo  sul  uma  Rosa  dos  ventos  com  a  linha  norte  sul  vertical  c  o  norte  para  cima;  o  leste  e  o  oeste 
eram  os  da  Rosa,  assim  colocada.  Sabiam  a  hora  da  noite  pelo  rumo  observado,  comparando-o  com  o 
rumo  da  meia-noite,  correspondente  à  dala  em  que  estavam. 

]oào  de  Lisboa  linha  em  1514  o  seu  Tratado  da  agulha  de  marear  já  terminado.  Quando  pois 
o  florentino  Andrea  Corsah,  que  fôra  para  a  índia  ao  serviço  do  rei  português  D.  Manuel,  escrevia  de 

Cochim  ao  duque  Julião  de  Medicís, 


em  6  de  janeiro  de  1515,  e  lhe  fala- 
va da  croce  marauighosaV)  que  vira 
a  uma  distância  de  cerca  de  30  graus 
do  polo  antárctico,  estava  já  formu- 
lado, pelos  pilotos  portugueses,  o  Re- 
gimento da  formosa  constelação  que 
êles  tinham  sabido  destacar  no  firma- 
mento, para  uso  da  navegação.  Cor- 
sali  ia  num  navio  português  e  foram 
os  nossos  marinheiros  que  lhe  indi- 
caram a  cruz  maravilhosa,  por  èle 
julgada  de  tanta  beleza,  que  a  não 
/fite  podia  comparar  a  nenhum  outro  sinal 
celeste. 

O  reconhecimento  da  ori- 
gem portuguesa  do  Cruzeiro  e  do 
seu  uso  náutico  foi  retardado  pela 
tendência  a  ver-se  sempre  referência 
a  êle,  onde  quer  que  se  mencionásse 
um  grupo  de  quatro  estrêlas.  Em 
1745  publicou  Dandini,  em  Florença, 
a  obra  intitulada  Vita  e  Lettere  di 
Amerigo  Uespucci.  onde  aparece  pela 
primeira  vez  uma  carta,  com  data  de 
18  de  julho  de  1500,  dirigida  por 
Vespúcio  a  Lorenzo  dei  Medici,  nar- 
rando-lhe  a  sua  segunda  viagem.  Esta  carta,  de  que  voltaremos  a  ocupar-nos,  não  é  considerada  autên- 
tica, mas  suponhamos  que  o  seja.  AI  diria  êle  que,  desejoso  de  ser  quem  primeiro  assinalásse  a  esirêla 
polar  austral,  perdera  muitas  vezes  o  sono  da  noite  a  procurar  as  estrelas  de  menor  movimento,  não 
podendo  notar  nenhuma  a  menos  de  dez  graus  do  polo.  Então  lembrou-se  dos  versos  de  Dante  no 
Purgatório: 


FI9.  M 


E  aorescenla: 


Io  mi  voist  a  man  destra  e  posi  mente 

Air  altro  polo,  e  vidi  quatro  stelle 

Non  viste  mai  fuor  che  alia  prima  gente. 


*Che  secondo  me  mi  pare,  che  il  Poeta  in  questi  versi  voglia  descrivere  per  le  quattro  stelle 
11  polo  deiraltro  Firmamento,  e  non  mi  diffidi  fino  a  qui.  che  quello,  che  dice  non  salga  verità  perchè 
to  notai  quattro  stelle  figurate  coma  una  mandaria,  che  tenevano  poco  movimento .*. 

Esta  mandaria  de  quatro  estrètas  com  movimento  lento  (poco  movimento)  em  lôrno  do*poIo 
não  podia  ser  o  Cruzeiro  do  Sul,  que.  em  1500,  se  estendia  entre  30  e  36  graus  de  distância  polar.  Mas 


O   Ramuzio,  Nangstioni  et  Piaggi.  voL  I,  Venctía.  IS&S,  fl.  177  ». 

70 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


eslâ  o  autor  da  caria  de  acôrdo  com  Dante,  cuias  observações  se  faziam  na  região  do  firmamenlo  onde 
as  esirèlas  sao  mais  vagarosas,  como  pontos  duma  roda  mais  chegados  ao  eixo: 

Pur  là  dove  le  stelle  son  piú  tarde. 
Si  come  mota  piú  presso  alio  steto. 

As  quatro  sfe/fe  do  poeta  nào  podem  também  ser  as  do  Cruzeiro,  que.  em  1300.  estavam  situadas  entre 
31  e  37  graus  de  distância  polar. 

Quando  Dante  sal  do  Inferno  com  Vergilio.  encontra-se  na  Ilha  do  Purgatório,  numa  situação 
antípoda  de  Jerusalém,  em  32o  de  latitude  austral.  Aproxima-se  o  romper  d"alua  e  o  poeta  contempla 
com  prazer  o  azul  de  safira  em  que  brilham  as  estrelas.  No  oriente  sobe  Vénus,  acompanhada  dos  Pei- 
xes. As  quatro  ctii^re  stelle  vão  a  chegar  à  sua  culminação  superior. 

Basta  tomar  um  globo  celeste  actual,  colocá-lo  numa  posição  correspondente  ao  Purgatório, 
com  o  polo  ausiral  elevado  de  32  graus,  e  trazer  o  ponto  de  Aries  ao  horizonte  do  lado  do  oriente, 
para  se  verificar  logo  que  o  Cruzeiro  desce  no  ocidente  iá  muito  longe  do  meridiano.  O  afastamento  da 
culmmaçao  superior  seria  maior  num  globo  do  ano  1300.  Nào  é  pois  a  esta  constelação  que  o  poeta 
faz  referência. 

O  Snr.  Angelilti,  professor  da  Universidade  de  Palermo,  num  estudo  magistral  de  astronomia 
dantesca,  publicado  nos  anos  de  1912  e  1913(').  concluiu,  depois  de  uma  análise  completa  e  rigorosa, 
que  as  quatro  esirêias.  a  que  Dante  por  duas  vezes  se  refere  no  Purgatório,  são  as  das  Chamas  da 
constelação  da  Ara,  se  nào  sâo  antes  quatro  astros  fictícios,  imaginados  pelo  poeta  na  região  circum- 
polar  austral,  inobservada  pelos  astrónomos  do  Egipto,  a  qual  o  catálogo  de  Ptolomeu  deixava  vazia. 
Qualquer  que  seia  a,  hipótese  explicativa,  a  sciência  astronómica  excluiu  já  da  Diuina  Comédia  a  cons- 
telação do  Cruzeiro  do  Sul.  humboldt  entendia  que  as  quatro  estrêias  simbolizavam  as  quatro  Virtudes 
cardiais.  que  no  Purgatório  (XXXI.  106)  dizem:  <Nós  aqui  somos  ninfas  e  no  céu  somos  estrôlas». 

No  ano  100  depois  de  Cristo,  o  Pé  do  Cruzeiro  distava  do  polo  370,42  e  esta  distância  dimi- 
nuiu apenas  meio  grau  durante  todo  o  século  II.  Em  Alexandria,  situada  numa  latitude  boreal  de  3lo, 
aquela  estrêla  elevava-se  nésse  século  cerca  de  6  graus  acima  do  horizonte  na  sua  culminação  supe' 
rior.  e  acima  dela  eram  também  visíveis  as  outras  estrêias  do  Cruzeiro.  Ptolomeu  pôde  pois  observá- 
las.  e  três  delas  foram  por  éle  catalogadas.  Mas  no  catálogo  piolomaico  fazem  parte  da  constelação  do 
Centauro,  e  foram  os  pilotos  de  Portugal  que  fizeram  delas  um  grupo  distinto. 

Os  navegadores  portugueses  destacaram  éste  grupo  estelar,  fruto  da  sua  observação  directa, 
reconhecendo  o  de  precioso  valor  para  a  navegação,  e  fizeram  dfile  uma  constelação  nova.  Mestre  ]oâo 
fala  dela  a  D.  Manuel,  em  1500.  como  de  asterismo  já  conhecido  pelo  nome  de  Cruz;  e  os  pilotos  ]oão 
de  Lisboa  e  Pero  Anes.  em  1306.  estudam  cuidadosamente  o  Cruzeiro,  em  Cochim.  Foram  os  antepas- 
sados dos  Brasileiros  que  ensinaram  aos  navegantes  das  outras  nações  o  Regimento  para  se  dirigirem 
por  êsse  brilhante  fanal  no  novo  hemisfério.  A  origem  portuguesa  do  Cruzeiro  do  Sul  é  cantada  nos 
Lusíadas,  V,  14: 

lá  descoberto  tínhamos  diante 
Lá  no  novo  hemisfério,  nova  esirêla 
Não  vista  de  oulra  gente,  que  Ignorante 
Alguns  tempos  esteve  incerta  dela. 

Na  elegia  que  começa-«0  poeta  Simónides  falando...»—,  refere-se  também  Camões  ã  estrèla 
nova.  indicadora  do  segundo  extremo  do  eixo  do  mundo,  quando  descreve  a  tempestade  que  sofreu  a 
nau  S.  Bento,  ao  dobrar  do  Cabo  da  Boa  Esperança, 

Debaixo  estando  já  da  estrela  nova. 
Que  no  novo  Hemisfério  resplandece, 
Dando  do  segundo  axe  certa  prova. 


(')   F.  Angelilli,  Sugli  acctnni  dãnteschi  ãi  segni,  ãlle  cosMIãzionI  eú  j/  moto  <ttl  cíelo  sttllato  dê  occidenlt  tn 
oriente,  dí  un  grado  in  cento  anni,  In  Revista  di  Aslronomia,  Torino,  lom.  VI.  VII. 


71 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


No  nosso  estudo  A  Astronomia  dos  LushdasV)  ocupamo  nos  com  maior  desenvolvimenio 
dcsia  cruz  resplandecente  de  estrelas,  que  olhos  portugueses  descortinaram  no  azul  do  céu,  para  servir 
de  guia  nas  navegações  austrais.  Terminaremos,  como  ali,  citando  mais  uma  vez  o  que  diz  o  cosmógrafo 
Pedro  Nunes,  logo  na  primeira  página  do  Tratado  em  defensam  da  carta  de  marear:  «Os  portugueses 
ousaram  cometer  o  grande  mar  Oceano.  Entraram  por  êle  sem  nenhum  receio.  Descobriram  novas  ilhas, 
novas  (erras,  novos  mares,  novos  povos  e,  o  que  mais  é:  novo  ceu,  nouas  estrélas>. 


II-TOLETA  DE  MARTELOIO.  REGIMENTO  DAS  LÉGUAS 


TOLETA  de  marteloio  O  é  uma  dupla  tabela  de  números,  que  se  encontra  numa  das  fô- 
Ihas  do  atlas  de  Andrea  Bianco  (1436).  a  qual  tinha  seu  emprego  na  navegação  à  bolina. 
A  descoberta  da  arte  de  bolinar,  isto  é,  de  navegar  com  ventos  contrários,  marcou  um 
passo  capital  no  progresso  e  desenvolvimento  de  navegação  ã  vela.  Por  isso,  esta  tabela 
tem  sido  estudada  com  atenção.  Reproduzimo-la  na  figura  junta,  assim  como  o  quadro 
recalculado  (')  por  NordenskjÕld  fPeríplus.  pág.  53),  em  que  poucos  mlmeros  diferem  dos  da  «toleta>  ori- 
ginal, onde  há  alguns  erros  óbvios  de  escrita. 


-  O.  0  ■ 

9i 

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 1 

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98 

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o  o  o 

■ 

•  o  o  o  • 

Plf.  n  -  Toicta  d«  mariclole,  de  in«p«  dc  Andrea  Blanco 


(')   Lutíano  Pereira  da  Silva.  A  Astronomia  dos  Lusfadjs,  Coimbra,  1915,  Cap.  IX.  págs.  IS4-17I,  e  Cap.  X. 

D  A  palavra  Meta  corresponde  em  português  tãboieta;  deve  traduzir-se  por  tabeta.  Marteloio.  palai/ra  composta 
dc  mar  tttloto.  quere  dizer:  leia  do  mar.  teia  marítima.  E"  a  leia  formada  pelas  linhas  dos  rumoi  Iraçados  nas  carta»  dc 
marear:  «De  ce  croisemcnl  de  lignes  résultait  une  sorte  de  canevas.  le  marteloio  (toilc  marine),  le  maneloire,  qul  eil  reslé 
'*         '  ■   1     r  ,1  ,  caries  marines  |usqu*  à  la  tin  du  XVIle  siéde"    (A.  Anili  iaumt  cl  }.  Soltas,  f^stroUbe-  çuadrant  du 


1910.  pig.  WX  Sôbrc  outras  etimologias  atribuídas  a  esla  palavra,  veja-se:  D"  Alberlis.  Le  Costruzioni 

"           ^  i'^  '         '   1             Parte  IV.  Vol.  I).  Nesij  obra  (pág.  120)  é  também  exposta  a  elimologia  que  acabamos 

dc  .  I    ,  e  que  c  or;                       r.éi  a  Desimoni:  «li  Desimoni  fAiít  detla  Societi  Ligure  di  stoiía  pátria.  XIX  239)  è 

djvviio  I       r.i                ^,    ^^,t,t,3  scomporsi  in  quellc  dl  "marc*'  e  "leia*'  (per  "relê").  Talctié  essa  significherebbe  "relê 

**'  lorm»  ctie  çj  vede  afonio  alia  I*bclla  dei  marlelolo  nella  lavola  l.»  dellatlante  di  Andrea  Bian- 

*?■  'lesso.  Ir:                                 Lira  per  il  vicendevole  incrociamento  prodoilo  delia  compenetra* 

oont  dci  rose  i                               rose  perilcriche». 

{*)  O  cUculo  foi  feito  pelas  lôrmuUs:  a     lOO  sen  t- ,  b     lOO  cosk,  c     — d  - 

sen  if  '        lans  » 


72 


A  ARTF  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


u 

a 

b 

c 

á 

I  quarta 

110  15' 

20 

98 

no  15' 

51 

50 

2  quartas 

220  30' 

38 

92 

22  30 

26 

24 

3  quartas 

33o  45' 

56 

83 

33  45 

18 

15 

4  quartas 

450 

71 

71 

45 

14 

10 

5  quartas 

56°  15' 

83 

56 

56  15 

12 

6.7 

6  quartas 

670  30' 

92 

38 

67  30 

11 

4 

7  quartas 

78o  45' 

98 

20 

78  45 

10,2 

2 

8  quartas 

900 

100 

0 

90 

10 

0 

âvançar 


B     âvançQ  de  retorno 


Sendo  AP  (fig.  38)  a  róta  directa  que  o  navio  tem  a  seguir  para  o  põrto  de  destino,  e  nSo 
tendo  vento  que  lhe  permita  ir  nesse  rumo,  toma  o  rumo  AD,  cujo  ângulo  com  a  róta  directa,  QAD  v 
é  medido  em  quartas  da  Rosa  dos  ventos,  desde  uma  até  oito 
quartas.  Chegando  ao  ponto  D.  o  navio  afastou-se  da  sua  róta 
para  uma  distancia  13 D  a:  é  o  que  se  chamava  alargar;  e  avan- 
çou numa  extensão  A  D  £)  na  direcção  do  pôrto.  A  primeira  parte 
da  tabela  de  marteloio  dá,  para  100  milhas  percorridas  segundo 
A  D,  o  número  b  de  milhas  de  avanço  A  3  e  o  número  a  de  milhas 
de  afastamento  DD,  correspondentes  às  quartas  do  desvio  v. 
O  caminho  estimado,  'percorrido  na  hipotenusa  de  um  triângulo 
rectângulo,  é  assim  decomposto  segundo  os  dois  catetos. 

Passado  algum  tempo,  volta  a  aproximar-se  o  navio  da  róta  principal  D  P  (íig.  39).  seguindo 
um  rumo  DC  que  a  vai  cortar  segundo  um  ângulo  v.  A  segunda  parte  da  «toleta  de  marteloio»  dá  o 
número  de  milhas  de  retorno,  percorridas  pela  nau  na  extensão  DC  c  e  o  número  de  milhas  de  avanço 
de  retorno,  DC    d,  na  direcção  do  põrto,  para  uma  aproximação.  DB.  de  10  milhas.  Assim  esta  parte 

da  tabela  indica  quantas  milhas  é  necessário  percorrer, 
aproveitando  vento  favorável,  para  se  fazer  uma  apro* 
ximação  de  10  milhas  à  róia  directa.  Conserva  se  cons- 
tante um  cateto,  BD.  e  a  tábua  dá  o  oulro  e  a  hipo- 
tenusa, para  as  diferentes  quartas  em  que  fôr  avaliado 
o  ângulo  v. 

A  soma  das  projecções  AB  :  BC  t  ...  dá  o 
avanço  total  em  direcção  ao  pôrto  de  destino.  A  derrota 
é  determinada  por  distâncias  e  rumos.  As  distâncias  sâo 
avaliadas  pela  estima;  os  rumos  são  medidos  pelas  quartas  da  Rosa  da  agulha.  A  Rosa  é  dividida  nos 
8  rumos  principais,  nas  I6  meias  partidas  e  em  32  quartas,  como  é  sabido. 

A  segunda  parte  da  toleta  de  marteloio  aparece  nos  manuais  náuticos  portugueses  transfor* 
mada  no  <Regimento  das  léguas»,  que  dá  o  percurso,  efectuado 
pelo  navio  segundo  um  determinado  rumo,  e  o  apartamento  do 
meridiano,  correspondentes  ao  avanço  de  um  grau  em  latitude,  g 
O  navio  segue  (fig.  40)  o  rumo  DC  que  faz  com  o  meridiano  DB  :g 
o  ângulo  v  ,  medido  em  quartas  da  agulha.  O  cateto  DB  é  cons- 
tante e  igual  a  um  grau  de  meridiano,  avaliado  em  17  \  léguas. 
Dão-se  para  cada  um  dos  8  valores  de  v ,  contados  desde  a  linha 
norle-sul.  o  número  c  de  léguas  percorridas  e  o  número  d  de 
léguas  do  afastamento  BC. 

O  cânon  das  léguas  encontra-sc  tanto  no  Regimento  da 
Biblioteca  de  Munich  como  no  da  Biblioteca  de  Évora.  Dêste 
último  transcrevemos  o  «Regimento  das  léguas>,  onde  ao  meridiano  se  chama  «a  linha  direita»: 

«Primeiramente  saberás  que  o  grau  do  norte  e  sul  é  de  17  léguas  e  meia  légua  de  Portugal, 
s,  quatro  milhas  por  légua.  E  60  minutos  fazem  um  grau. 

73 


Fl8.  M 


HISTÓRf'^  HA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Item  por  uma  quarta  releva,  por  grau,  17  léguas  e  cinco  sextos  de  légua.  E  afastarás  da  linha 

direita,  por  grau.  três  léguas  e  meia. 

E  por  duas  quartas  releva,  por  grau,  19  léguas  e  um  sexto  de  légua.  E  afastarás  da  linha  di- 
reita por  grau.  7  léguas  e  meia. 

Item  por  três  quartas  releva,  por  grau,  21  légua  e  um  terço  de  légua.  E  afastarás  da  linha 
direita,  por  grau,  II  léguas  e  cinco  sextos  de  légua. 

E  por  quatro  quartas  releva,  por  grau,  24  léguas  e  três  quartos  de  légua.  E  afastarás  da  linha 
direita,  por  grau.  17  léguas  e  meia. 

Item  por  cinco  quartas  releva,  por  grau,  31  léguas  e  um  quarto  de  légua.  E  afastarás  da  linha 
direita,  por  grau,  26  léguas  e  um  sexto  de  légua. 

E  por  seis  quartas  releva,  por  grau,  46  léguas  e  meia.  E  afastarás  da  linha  direita,  por  grau, 
42  léguas  e  meia. 

E  por  sete  quartas  releva,  por  grau.  87  léguas  e  um  sexto  de  légua.  E  afastarás  da  linha  di- 
reita S5  léguas. 

E  se  o  caminho  fôr  a  leste  ou  a  oeste,  não  se  podem  dar  léguas  a  nenhum  grau.  salvo  que 
em  todo  o  caminho  terás  a  mesma  altura  que  era  donde  partiste.  E  se  te  afastares  do  caminho,  pela 
diferença  d'altura.  saberás  quanto  estás  afastado  do  caminho.  Porém  as  aguagens  neste  podem  fazer 
muito  engano*. 

Mais  tarde  Pedro  Nunes  refez  o  cálculo  daquele  triângulo  rectângulo,  publicando  numa  das 
últimas  páginas  do  Trãtãdo  em  defensãtn  da  carta  de  marear,  anexo  ^ratado  da  Sphera,  1537,  o  «Re- 
gimento das  léguas  que  respondem  ao  grau  de  norte  sul  por  qualquer  das  quartas,  verificado  pelo  au- 
tor». Transcrevemos  parte:  , 

«Navegando  norte  e  sul,  dizem  os  navegantes  que  respondem  ao  grau  17  léguas  e  meia;  e 
conforme  a  isto,  indo  por  uma  quarta,  se  andará  por  direito  17  léguas  e  5  oitavos  de  légua,  e  afastar- 
nos  hemos  do  meridiano  em  que  estamos  3  léguas  e  meia. 

Item  por  2  quartas,  havendo  na  zltura  do  pólo  mudança  de  um  grau,  teremos  andado  por  di- 
reito 19  léguas  e  3  oitavos  de  légua,  e  a  distância  dos  meridianos  será  7  léguas  e  um  quarto  de  légua. 


Mas  por  sele,  quart.i-,  çendo  mudada  a  altura  por  um  grau.  leremos  andado  89  léguas  e  três 
quartos:  e  a  distância  dos  meridianos  será  88  léguas*. 

A  toleta  de  marteloio  correspondenle  aos  números  de  Pedro  Nunes  é  a  do  quadro  junto  (')- 

O  «Regimento  das  léguas» 
dos  manuais  náuticos  portugueses  cor- 
responde a  uma  nova  fase  na  arte  da 
navegação:  a  passagem  do  ponto  de 
fantasia  para  o  ponto  de  esquadria. 
«O  ponto  de  fantasia  supõe  duas  cou- 
sas sabidas  que  são  o  rumo  por 
onde  se  navegou,  e  este  se  sabe  pela 
Agulha,  e  as  léguas  que  se  andaram, 
e  estas  não  têm  outra  certeza  mais 
que  a  conjectura,  ou  fantasia  do  Pi- 
loto» <-).  O  ponto  de  esquadria  supõe 
sabido  o  rumo  por  onde  se  andou,  e 
a  altura  do  Pólo.  observada  pelo  Sol 
ou  Estrelas  V).  A  toleta  de  Andrea 


Rumo,  !• 

Léguas  do  uminho 
percorrido,  c 

Léguas  do  apahamento.  d 

1  quarta 

17 

s 
■ 

3 

1 

2 

19 

* 
• 

7 

4 

3 

21 

11 

a 
j 

4 

24 

a 
• 

17 

t 

5 

31 

% 

26 

1 
» 

6 

45 

) 

4 

42 

1 

7 

89 

1 
« 

88 

Biancho  corresponde  ao  período  de  navegação  por  distâncias  e  rumos,  distâncias  avaliadas  pela  estima 


f  e  <í  e  Invílndô' de"í2^  níííl*'»'!,"/''"",.'*^^  »Ty\^r\oT.  m  u!  li  plica  ndo  por  1.75  os  números  das  duas  colunas  denominadas 

•»  ,U3«..  ....  d;  caí^ur.  n.a1^a''pro«'n,fío7JrdTc,Sr"^' 

V)    •  ^  ia-  72. 

74 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


do  p>I6to.  e  rumos  marcados  pela  agulha.  A  íoleta  dos  Regimentos  portugueses  corresponde  ao  empríco 
de  instrumenlos  de  altura;  conheccm-se.  pela  agulha,  os  rumos,  e  pelo  astrolábio  ou  quadrante  as  dife- 
renças de  altura  em  graus.  A  entrada  nesta  nova  fase  é  assim  referida  por  Barros:  «No  tempo  que  o 
nfantc  Dom  Hennque  começou  o  descobrimento  de  Guiné,  lôda  a  navegação  dos  mareantes  era  ao 
longo  da  cosia.  levando-a  sempre  por  rumo.  da  qual  tinham  suas  notícias  por  sinais  de  que  faziam 
roteiros,  como  ainda  ao  presente  usam  em  alguma  maneira,  e  para  aquele  modo  de  descobrir  isto 
bastava.  Peró  depois  que  éles  quizeram  navegar  o  descoberto,  perdendo  a  vista  da  costa  e  enaol- 
lando-se  no  pégo  do  mar,  conheceram  quantos  enganos  recebiam  na  estimativa,  c  juízo  das  singra- 
duras,  que.  segundo  seu  modo.  em  vinte  e  quatro  horas  davam  de  caminho  ao  navio,  assim  por  razão 
das  correntes  como  doutros  segredos  que  o  mar  tem,  da  qual  verdade  de  caminho  a  altura  é  mui  certo 

No  Regimento  das  léguas  correspondentes  a  um  grau  de  norte  sul  por  qualquer  das  quartas 
entra  se  nâo  só  em  consideração  com  um  novo  elemento.- a  altura,  ou  latitude  .  mas  aparece  também 
a  avahaçáo  de  um  grau  de  meridiano  em  léguas.  Entra-se.  pois,  já  em  consideração  com  as  dimensões 
ao  globo  terrestre.  .Navegando  norte  e  sul.  dizem  os  navegantes  que  respondem  ao  grau  17  '  léguas» 
assim  se  exprime  Pedro  Nunes  no  trecho  acima  transcrito.  O  cosmógrafo-mór  não  cita  aqui  nenhum* 
saoio  consagrado,  como  decerto  mais  lhe  agradaria  e  inspiraria  mais  confiança.  Mas  é  um  bom  serviço 
que  se_  deve  aos  navegantes,  esta  determinação,  relativamente  exacta,  como  hoje  podemos  verificar  das 
dimensões  terrestres. 

Tendo  o  grau  17  .1  l^s.  e  a  légua  4  milhas,  compreendia  um  grau  70  milhas.  Atribuindo  à 
milha  romana,  de  mil  passos,  1480  metros  (  ).  resulta  para  o  grau  o  valor  de  103.6  quilómoiros,  cm  vez 
de  111  quilómetros.  Ha»ia  pois  um  êrro  apenas  de  7  o  o. 

Mais  exacto  era  o  valor  adoptado  por  Duarte  Pacheco,  «contando  a  dezoito  léguas  por  qrau. 
como  diz  no  Ca p.  2.0  do  primeiro  livro  do  EsmeraldoV).  O  grau.  segundo  êle.  era  pois  de  (18X4X  1480^) 
106". 56.  com  um  erro  apenas  de  40,0. 

Nos  manuais  náuticos,  tanto  portugueses  como  espanhóis,  encontra-se  ainda  outra  avaliação 
menos  exacta,  do  grau  em  I6  ;  léguas.  Assim  se  vé  no  Lwro  de  Marinharia,  pág.  29:  «item  quando  te 
pregunlarem  quantas  léguas  é  um  grau  dirás  que  é  16  J  léguas..  Mas  logo  na  página  seguinte,  fazen- 
do-se  o  computo  da  redondeza  do  mundo,  se  toma  o  grau  de  17  V,  léguas:  <llem.  se  te  pregun- 
arem  quantas  léguas  tem  o  mundo  à  redondeza,  dirás  que  por  todolas  partes  lem  6300  1360X  17.51 
léguas». 

Também  Pedro  Nunes  cila  as  duas  opiniões  no  tratado  De  regutis  et  instrumentis  pela  pri- 
meira vez  publicado  em  1566:  «Et  quonlam  inter  Hispanos  sunt  qui  Leucas  17  cum  demidio.  uni  gradui 
maximi  circuli  Iribuant  in  terreno  circuito:  alii  verò  16  cum  duabus  terliis . . . .  («).  Assim  Pedro  Nunes 
regista  que.  entre  os  Peninsulares  (Hispani).  uns  atribuem  ao  grau  17'  léguas  e  outros  16  J.  mas  deixa 
ao  leitor  a  escolha  da  opinião  que  mais  lhe  agrade,  parecendo  assim  que  o  não  decidiu  o"  que  dizem 
os  navegantes.  Contudo  a  apreciação  dêstes,  de  17'  .  léguas,  por  êle  citada  em  1537.  era  a  melhor  das 
duas.  E  mais  exacta  a  do  navegador  Duarte  Pacheco,  que.  escrevendo  em  1505.  adopta  iá.  para  o  grau 
18  léguas,  fruto  da  sua  longa  experiência  anterior.  Duarte  Pacheco  eslava,  no  fim  do  século  XV.  melhor 
e  mais  seguramente  informado  do  que  o  cosmógrafo-mór  em  1566. 


Sabido  o  número  de  léguas  contidas  num  grau  de  círculo  máximo  terrestre,  podia  determinar-se 
quantas  léguas  correspondiam  ao  grau  dos  diferentes  paralelos,  os  quais  vâo  diminuindo  com  o  coseno 
da  latitude  desde  o  equador  para  os  pólos.  A  figura  (fig.  41)  mostra  o  processo  gráfico  para  se  resolver  êste 
problema,  que  se  encontra  no  fim  do  Tratado  em  defensam  da  carta  de  marear  de  Pedro  Nunes.  Traça-se 


(')  loío  dc  Barros,  Décjidã  I.  Llv.  IV,  Cap.  II,  Lisboa,  1779.  pág.  261. 
1913.  pás  398  Wagner.  Zur  Geschichle  der  Seemeile.  In  AnntUn  der  Hydrographie  und  MariUmtn  Meteorologíe. 

O  Esmer.Udo  de  si/u  orbis.  edlçSo  da  Sociedade  dc  aeosrafLa  de  Lisboa.  1905,  pJg.  33. 

(*>  Pciri  Nonli  Opera,  Dasileae.  1566.  pág.  185. 


75 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


um  quadranle  cujo  arco  se  divide  nos  90  graus,  um  dos  raios  extremos,  ac.  em  100  parles,  e  o  outro. 
ab  em  35  partes,  cada  uma  das  quais  representa  meia  légua  e  a  totalidade  delas  as  17  ,  léguas  do  grau 
eqQatorlal.  Sóbre  éste  raio  desaeve-se  um  semi  círculo.  No  centro  a  do  quadrante  prende-se  um  fio  em 

que  se  enfiou  a  margarita  m,  que  corre  sòbre  êle.  ,  .    ^    ^  ^    ,  . .  ^    ^.  .    ^  ,■ 

Para  se  saber  quantas  léguas  lem  o  grau  de  um  paralelo  de  dada  latitude,  distende  se  o  Iio 
«ôbre  o  traço  da  graduação  do  arco.  correspondente  ao  ângulo  da  latitude;  na  figura  marca-se  um  ângulo 
de  30O  Corre  se  com  a  margarita  sôbre  o  fio  até  vir  ficar  em  m  sobre  o  semi  círculo,  leva-se  depois  o 
fio  sôbre  ab  e  o  número,  que  í  margarita  aí  indicar,  diz  quantas  léguas  tem  o  grau  do  paralelo  de  que 
se  irata.  Assentando  o  fio  em  ac,  a  margarita  indicará  quantos  por  cento  do  grau  equatorial  tem  o  grau 
do  paralelo. 

)á  na  Idade  Média  se  fazia  a  aplicação  do  quadrante  com  dois  semi -círculos,  asserifes  cada 
um  sôbre  um  dos  raios  extremos  como  diâmetro,  à  resolução  de  problemas  astronómicos  (').  por  exemplo. 

saber  a  hora  do  dia  ou  da  noite  pela  altura  do  sol 
ou  de  uma  estrela,  conhecendo  o  arco  semi  diurno 
descrito  pelo  astro  (■).  Pedro  Nunes  dispôs  o  qua- 
drante para  o  uso  náutico  de  determinar  as  léguas 
do  grau  dos  paralelos,  tomando  por  base  as  17  l 
léguas,  atribuídas  pelos  navegantes  ao  grau  do  me- 
ridiano e  portanto  ao  do  equador,  considerando-se 
a  Terra  esférica.  É  fácil  ver  que  o  segmento  am 
dá  afinal  o  coseno  do  ângi^Io  bain.  O  seno  dèsle 
ângulo  seria  marcado  pelo  fio  na  sua  intersecção 
com  o  segundo  semi-círculo  que  se  traçaria  sôbre 
o  raio  ac  como  diâmetro.  Pedro  Nunes  não  o  traça, 
dizendo  que.  para  achar  o  seno,  serve  o  semí  cír- 

culo  a  mb.  mas  contando  o  ângulo  desde  c,  o  que 
equivale  a  procurar  o  coseno  do  arco  complemen- 
tar. Mais  tarde  preferiu-se.  em  vez  dos  semi-círculos, 
encher  o  quadrante  com  o  reticulado  das  perpendi- 
culares sôbre  os  raios  extremos.  Na  Arte  de  Nave- 
gar de  Pimentel  se  pôde  ler  o  uso  do  «Quarto  ou 
Quadrante  de  redução*  para  «reduzir  as  léguas  de 
um  paralelo  em  graus  de  IongÍIude>,  e  «os  graus 
de  longitude  de  um  paralelo  em  léguas  de  leste  oeste»  (  ).  Pimentel  atribui  ao  grau  equatorial  18  léguas, 
nâo  como  resultado  de  medições  feitas,  mas  por  mera  comodidade  para  as  contas:  «Pelo  que  eu  sou  de 
parecer  que  os  Pilotos  atribuam  a  cada  grau  18  léguas,  assim  porque  este  número  se  desvia  pouco  do 
uso  introduzido  Irefere-se  às  17 1/,  léguas],  como  pela  grande  comodidade  que  tem  para  as  contas,  por 
ter  meio.  terço  e  sexto  inteiros,  porque  o  seu  meio  são  9.  o  terço  6,  o  sexto  3.  e  ficam  respondendo  a 
cada  3  léguas  10  minutos  justos  de  grau.  Nem  é  novo  atribuir-se  ao  grau  18  léguas,  porque  já  antiga- 
mente em  Hcspanha  se  atribuíram,  como  referem  Pedro  Apiano  no  Cap.  XI  da  Cosmografia,  e  Cespedes 
no  Cap.  KXI  da  Hydrogr.»  (*). 

Em  melhor  autoridade  se  apoiaria  o  cosmógrafo  mór  Pimentel,  citando  a  opinião  do  lusíada 
Duarte  Pacheco.  Mas  não  a  conhecia. 


pi«.  •■ 


(')  A.  Anlhljume  el  J.  SotUs.  L  tstnlabe •  quãdrant  du  Muséf  des  Antiquités  de  /íouen.  Paris.  1910.  Livro  II.  Chap. 
II.  §  V  —  tLe  Iraci  tríflonométrtque»,  pig.  119. 

Ibidem,  pá9.  126. 

O  Manuel  Pimentel.  Arte  de  navegar,  Lisboa.  I7M,  pág.  93.  9*. 
(*)   Ibidem,  pig.  4. 


76 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


12  — VARIAÇAO  DA  AGULHA 


tfnbfrjno  Tratado  da  Agulha  de  marear,  achado  por  João  de  Lisboa,  no  ano  de  1514,  começa  o 
^V^ypS  autor  por  dizer  que  lôdas  as  agulhas  nordesteiatn  e  noroesleiam.  isto  é,  declinam  para 
^^^%2Ar  leste  ou  oeste  do  meridiano  local,  diversamente,  segundo  os  lugares  onde  estiverem.  Re- 
^^f^SwK  P^ova  por  isso  o  uso  de  colocar  os  ferros  fóra  da  flor  de  liz,  isto  é,  num  rumo  da  Rosa 
diferente  do  norte -sul,  pois  tal  uso  só  daria  vantagem,  se  a  declinação  nâo  variasse  de 
lugar  para  lugar,  como  julgavam  os  antigos:  <e  porque  os  antigos  não  sentiram  esta  variação,  andavam 
mudando  os  ferros  da  agulha  fóra  da  flor  de  liz  para  que,  naqueles  meridianos  onde  as  cevavam, 
íôssem  fixas  no  pólo  do  mundo»  (').  Em  seguida  ensina  a  construir  uma  agulha  de  demarcar  (*),  para 
«verdadeiramente  saberes  a  diversidade  (variação]  das  agulhas*:  Faz-sc  uma  rosa,  a  maior  que  sc  puder, 
bem  compassada;  e  na  direcção  da  flor  de  liz.  que  se  pinta  no  rumo  Norte,  se  poem  os  ferros.  A  pa- 
rêde  interior  da  caixa,  ou  morteiro,  em  que  tem  de  andar  a  agulha,  é  dividida  por  traços,  em  tôda  a 
redondeza,  em  32  partes,  correspondentes  às  32  quartas  da  Rosa.  Nos  pontos  Norte  e  Sul  abrir-se  h3o 
fendas  na  parede  da  caixa  para  por  elas  se  bornear  a  eslrèla,  A  agulha  com  a  Rosa  apoia-se  pelo  chapilel  sô- 
bre  o  fulcro,  em  cima  do  quai  ela  pôde  girar  livremente.  Por  baixo  do  espelho,  vidro  que  cobre  a  Rosa,  co* 
loca-se  um  fio  de  arame  na  direcção  das  fendas.  Querendo  medir  a  variação  pela  esirèla  do  Norte,  visa- 
se  esta  pelos  furos  e  pelo  fio.  e  vê-se  a  qual  dos  rumos  da  caixa  aponta  a  flor  de  liz.  Assim  se  sabe 
se  a  agulha  nordesteia  ou  noroesteia,  e  quanto.  ]oão  de  Lisboa  explica  como  se  deve  fazer  esta  ope- 
ração: <Quando  houveres  de  tomar  a  estrela  do  norle,  para  verdadeiramente  estar  em  linha  direita  com  o 
pólo  do  mundo,  haveis  de  aguardar  que  as  guardas  do  norte  estejam  na  Unha  do  nordeste  ou  na  do  sudoeste 
|vejam-se  atrás  as  figuras  25  e  28)  porque  nestes  dous  lugares  está  a  estrela  do  norte  em  linha  direita 

do  norle -sul  com  o  pólo  do  mundo          e  neste  tempo  has  de  ver  a  diferença  da  tua  agulha*  (')■ 

Operação  semelhante  ensina  a  fazer  com  o  Cruzeiro  do  Sul.  Manda  tomar  o  instrumento  nas 
mãos.  olhando  a  que  a  Rosa  esteja  bem  de  nível,  sem  acostar,  e  então:  «bornearás  petos  furos  do  semi- 
círculo ao  Pé  do  Cruzeiro  até  que  seja  metido  pela  abertura;  então  verás  onde  aponta  a  flor  de  liz  da 
agulha  pelas  quartas  que  vão  ao  longo  da  caixa,  e  onde  apontar,  aquela  é  a  diferença  da  lua  agulha, 
e  assim  verás  o  afastamento  se  é  para  o  oriente  ou  para  ocidente»  (').  Escusado  é  lembrar  que  o  Cru- 
zeiro se  toma  quando  estiver  «empinado»,  com  a  Cabeça  c  o  Pé  em  Unha  vertical. 

0  piloto  João  de  Lisboa  procurou,  nas  suas  navegações,  o  meridiano  i/ero,  isto  é,  o  meridiano 
onde  as  agulhas  tinham  declinação  nula,  com  o  resultado  seguinte:  «Has  de  saber  que  êste  meridiano 
vero,  onde  as  agulhas  verdadeiramente  fazem  o  pólo  do  mundo,  árctico,  divide  a  Ilha  de  Santa  Maria  e 

a  ponta  da  Ilha  de  São  Miguel  que  são  nas  Ilhas  dos  Açores  E  aqui  neste  meridiano  achei  sempre 

as  agulhas  fixas  no  pólo  do  mundo,  e  como  dêle  me  saia,  logo  as  agulhas  faziam  conhecimento»  (').  As 
agulhas,  no  dizer  de  ]oão  de  Lisboa,  «fazem  conhecimento  para  o  nordeste»  nos  lugares  a  oriente  do 
meridiano  vero,  e  «fazem  conhecimento  para  noroeste»,  seguindo  dêsle  meridiano  para  ocidente  ('). 

Cristóvão  Colombo  na  sua  primeira  viagem,  1492,  lendo  ultrapassado  o  «meridiano  vero», 
notou,  no  dia  13  de  outubro,  o  fenómeno  da  mudança  de  signal  na  variação,  vendo  as  agulhas  noroes- 
tearem.  Foi  êle  quem  primeiro  observou,  não  a  declinação  da  agulha,  mas  a  sua  passagem  de  oriental 
a  ocidental. 

A  medida  da  variação  das  agulhas  tomou  uma  importância  capital,  por  se  julgar,  e  assim  pen- 
sava João  de  Lisboa,  que,  por  meio  dela.  se  podia  determinar  a  longitude  geográfica,  do  que  adiante 


(*)   Livro  áe  fAarrnhitTia.  coordenado  por  Brito  Rebelo,  Lisboa.  1903.  pág.  20 

(')   No  insirumento  de  ]oão  de  Lisboa  lemos  o  avoengo  da  «Agulha  de  demarcir  portuguesa*,  que  Pimentel  dei* 
creve  (Manuel  Plmcnlcl,  Arte  de  navegar,  Lisboa,  1762.  pig.  5S). 
(')   Livro  da  Marinharia,  págs.  2t  c  34. 

(•)   Ibidem,  pág.  23.  No  começo  dèste  passo  pusemos  «turos  do  eeml-cfrculo»,  em  vez  de  «ferroa  do  lemi-clrculo», 
que  é  um  (rro  evidente  de  cópia. 

0)    Ibidem  pig.  23. 


77 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


trauremos.  Tal  medida  era  também  necessária,  porque  o -Regimento  das  léguas,  correspondentes  a  um 
pela  agllha"'**'"^  '        'J"^'"""        quartas- se  referia  aos  rumos  verdadeiros  e  não  aos  indicados 

Inventaram-sc  vários  processos  para  fazer  esta  medição  por  meio  do  sol.  Na  figura  iunta  reore- 
senla-se  o  instrumento  recomendado  pelo  português  Frandsco  Faleiro.  que  acompanhou  Magalhães  para 

Castela,  na  2.«  parte  do  seu  Trâtado  dei  Hs- 
phera  y  dei  arte  dei  marear,  Sevilha.  1535 
E  uma  placa  circular  graduada  com  uma  cavi- 
dade no  centro,  onde  joga  a  agulha.  Sobre  a 
placa  coloca-se  verticalmente  uma  lâmina  semi- 
circular, que  se  fixa  por  duas  pontas  nos  extre- 
mos do  diâmetro  donde  se  contam  os  graus. 
Ao  melo-dia  verdadeiro  orienla-se  o  prato  até 
endireitar  a  sombra  da  lâmina.  Esta  fica  entSo 
no  meridiano  e  a  agulha  marca,  para  um  ou 
outro  lado  dêle,  o  ângulo  da  sua  variação, 
que  se  mede.  distendendo  um  fio  desde  o  cen- 
tro, por  cima  da  ponta  da  agulha,  até  à  gra- 
duação do  limbo. 

A  dificuldade  era  marcar  o  instante 
do  meio-dla.  O  astrolábio  dá  bem  a  altura 
máxima  do  sol,  mas  a  medíclina,  tendo  vindo 
a  subir,  fica  durante  algum  tempo  estacionária 
çar  a  descer.  Não  servia  pois  nara  indi^r  r^m  „    ■  ."^^^^.Posição  da  maior  altura,  antes  de  come- 

recomenda  <,ue  se  con.e.,  T  o'    6        'a  e "  a™  da  '."l"''.  M  ^T'"" 

de  24,  lem-se  o  número  de  horas  do  dia  Co„t,r'=A-       ''^"<"'^-  Subiraindo  o  número  assim  achado 

c  ao  fim  da  conlagem  estar-se  hT  no  ins' an^e  """"'^"^  "'^"^  °  <"> 

do  meio -dia. 

Francisco  Faleiro  descreve  outra  ma- 
neira de  usar  o  instrumento,  medindo  a  varia- 
ção da  agulha  pela  média  dos  azimutes  das 
sombras,  observados  com  alturas  corresponden- 
tes do  sol.  ames  e  depois  do  meio  ■  dia.  Também 
manda  colocar  um  estileie  vertical  no  centro  do 
instrumento,  e  observar  os  azimutes  da  sombra 
do  eshlete,  ao  nascer  e  ao  pôr  do  sol 

.T,on.«  A  '^^','"^'5  aperfeiçoado  é  o  instru- 
men  o  de  sombras  de  Pedro  Nunes,  que  fàcil- 

a.g.  43).  segundo  a  descrição  do  próprio  autor 
que  se  le  no  Tratad.  em  defensam  da  car  á 
de  marear,  publicado  em  1537: 

lá^in  ■  •'^"^^^  cousas  teremos  uma 
lám  na  circular  de  alguma  matéria  sólida  e  de 
conforme  grossura  que  com  o  tempo  não  faça 

Oradua?émòs*  o"'""  3'*''""' 

no  «ntírporemofu^^nl^rtn^  ^^"^  ^'âmetros  que  o  repartam  em  quartas  e 

mo^JK"'-  ^       ^"^'^"^^       sem  dLetíos  em Tcual  7.^  '"'l       '"^^'"^  ''''        P^^'e  vão 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


pequeno  circulo  e  acabado  com  seu  espelho  em  cima;  mas  a  agulha  será  mais  comprida  e  mais  subtil 
HAi  °-  '  ^  ''"^^  responde  ao  diâmetro  do  círculo  grande  que  se  graduou,  por  modo 
que  aeie  nao  discrepe  cousa  alguma.  E  porque  nos  há  de  ser  necessário  endereçar  esta  agulha  sôbre  a 
arra  iinna  lustamenle.  para  mais  justificação  poremos  dous  pontos  prelos  nas  paredes  desta  caixa  da 
aguma  em  direito  do  seu  diâmetro  para  que,  tendo  endereçada  a  agulha  a  estes  pontos,  saibamos  de 
ctno  que  esta  direita  com  os  diâmetros  do  círculo  pequeno  e  do  grande  que  ambos  vâo  por  direilo- 
iNas  costas  desta  lamina,  defronte  do  centro,  encastoaremos  um  pião  grande  e  pesado,  lavrado  a  lômo 
para  que.  metendo  a  dita  lâmina  nas  balanças  e  caixa  da  agulha  acostumada,  fique  subjugada  por  causa 
tío  peso  e  nao  saia  do  nivel;  e  as  balanças  serão  torneadas  e  dc  eixos  dobrados  e  mui  livres.  E  se 
sem  embargo  de  o  assim  fazermos,  acharmos  que  a  lâmina  não  fica  ao  nivel.  acrescentar  lhe-hcmos  pela 
parte  de  deniro  algum  peso  onde  cumprir,  para  que  finalmente  nos  fique  perfeitamente  nivelada,  porque 
nao  sendo  assim,  nao  nos  serve.  E  portanto,  se  parecer  melhor  que  esta  lâmina  se  pendure  por  alguma 
arte  que  Iique  direita,  é  a  mesma  tenção,  pôsto  que  a  que  se  íéz  para  Sua  Alteza,  de  marfim,  com  as 
oaianças  torneadas  e  de  eixos  dobrados,  era  tam  prima  que  nenhuma  cousa  discrepava,  tendo  mais  de 
um  palmo  de  diâmeiro»('). 

1^  "^"^  instrumento  é  evidente.  A  qualquer  hora  antes  do  meio-dla,  tomava  se  com  o  astro- 
lábio a  altura  do  sol  e  notava-se.  nesse  instante,  o  ângulo  da  sombra  do  estilo  na  graduação  do  limbo 
De  tarde  lomava-se  de  novo  o  sol.  esperando  que  éle  entrasse  pelos  buracos  da  medeclina  do  astrolá- 
bio, colocada  na  mesma  altura  da  manhã.  Nesse  instante  via-se  o  ângulo  marcado  pela  sombra  do  estilo 
do  outro  lado  do  limbo.  Se  os  dois  ângulos  fossem  iguais,  a  agulha  não  linha  variação.  Sendo  desiguais, 
metade  da  sua  diferença  era  a  variação  da  agulha.  Podiam  assim  fazer-se  vários  pares  de  observações 
das  sombras  do  eslilo,  para  alturas  correspondentes  do  sol.  no  mesmo  dia. 

Este  «instrumento  de  sombras»  levava  D.  ]oão  de  Castro  quando,  em  1538.  foi  para  a  índia 
na  armada  de  D.  Garcia  de  Noronha,  declarando  êle  expressamente  ter  sido  «inventado  pelo  doutor  Pero 
Nunes,  famoso  matemático  entre  os  que  vivem  em  nossos  tempos,  e  feilo  por  mãos  de  loào  Gonçalves. 
cujO  engenho  triunfa  no  dia  de  hoje  em  tôda  a  Europa,  e  sobretudo  aprovado  pelo  multo  excelente 
Príncipe,  o  Infante  D.  Luís»  (').  Fôra  êsle  Infante  que  lhe  fizera  presente  do  instrumento,  incumbindo-o 
de  resolver  algumas  questões.  D.  ]oâo  de  Castro  fêz  as  primeiras  observações  com  éle  no  dia  13  de 
abril,  ao  passar  na  Ilha  da  Palma,  achando  que  a  agulha  nordesteava  5'/i  graus.  No  dia  15,  já  ao  sul 
das  Canárias,  voltou  a  fazer  observações  que  deixou  assim  registadas: 

*Prímeira  operação  âante  o  meh-dia.  Estando  o  sol  em  altura  de  56o.  o  estilo  lançou  a  som- 
bra a  80o,  contando  do  norte  para  a  banda  daloeste. 

Segunda  operação  dante  o  meio  dia.  Estando  o  sol  em  altura  de  67©,  o  estilo  lançou  a  som- 
bra a  65o,  contando  do  norte  para  a  banda  daloesle. 

Primeira  operação  depois  do  meio-dia.  Estando  o  sol  em  altura  de  67o,  o  estilo  lançou  a  som- 
bra a  53o.  contando  do  norte  para  a  banda  de  leste.  Foi  logo  nesta  operação  o  arco  dante  o  meio-dla 
maior  que  o  de  depois  do  meio-dia  12o.  e  a  sua  metade  6o,  que  é  a  quantidade  que  neste  lugar  a  agu- 
lha nordcsteia. 

Segunda  operação  depois  do  meio  dia.  Estando  o  sol  em  altura  de  56o,  o  estilo  lançou  a  som- 
bra  a  68».  contando  do  norte  para  a  banda  de  leste.  Foi  logo  nesta  operação  o  arco  dante  o  meio-dla 
maior  que  o  de  depois  do  meio-dia  l2o,  os  quais  partidos  pelo  meio.  virão  6o.  que  é  a  quantidade  que 
a  agulha  nordesleia*  ('). 

Faz  depois  a  seguinte  crítica  do  instrumento:  «Como  quer  que  a  sombra  do  estilo  tenha  pouco  re- 
pouso por  a  circunferência  do  círculo  graduado,  ao  que  dá  ocasião  o  muito  bulir  da  nau.  e  também  como 
venta  um  pouco  rijo,  a  lamina  perde  a  perfeição  e  justo  nivel,  por  se  destemperarem  as  balanças,  o  que 


(■)   Esta  descrição  enconlra-ee  no  uptlulo  sòbre  a  Theoricã  dt  altura  a  toda  s  Itora,  do  Tratado  tm  dffmêsm  da 
carta  de  marear  ( TrJi.ido  da  Sphera,  edição  f  jc-»linflada,  pigs.  162,  163). 

O   Roteiro  de  Lisboa  a  Ooa,  por  D.  ]oAo  de  Caalro.  Lisboa,  1882.  págs.  228  c  239. 

(>)  Ibidem,  pigs.  61  e  62. 


79 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


N' 


FIS.  M 


tudo  juntamente  faz  muito  embaraço  ao  sentido,  para  determinadamente  haver  de  averiguar  o  verdadeiro 
lugar  onde  defire  a  sombra,  de  sorte  que,  balanceando  muito  a  nau,  podemos  fàcilmente  errar  até  dous 
graus,  mas  indo  quéda  e  assocegada,  quem  tiver  honesta  estimativa  não  poderá  errar  passante  de 
meio  grau>  (']. 

Das  operações  feitas  nos  dias  13  e  15  de  abril,  conclui:  «E  porque  estas  duas  operações,  de 
que  acima  fato.  foram  feitas  no  meridiano  das  Canárias,  a  saber,  uma  delas  estando  da  banda  do  norte 
das  ilhas,  e  a  segunda  achando  me  iá  da  banda  do  sul,  e  em  ambas  se  verificou  nordestearem  as  agu- 
lhas 5'  ,  graus  até  6,  fica  falsa  a  opinião  dos  que  dizem  que  no  meridiano  destas  ilhas  fere  a  agulha 
nos  verdadeiros  pÓIos  do  mundo*  ('). 

Assim  ficava  resolvida  uma  das  questões  de  que  o  Infante  o  incumbira,  como  êle  conta  no 
relato  do  dia  13:  «Sábado,  13  de  abril,  amanhecendo,  vimos  a  Palma,  que  é  uma  das  Ilhas  das  Canárias, 
e  logo  fiz  prestes  a  lamina  e  instrumento  de  sombras,  de  que  o  muilo  excelente  príncipe,  o  Infante  D. 
Luís.  me  féz  mercê,  com  grande  desejo  de  verificar  duas  cousas:  a  primeira,  se  nesta  ilha  variavam  as 
agulhas  ou  não,  por  ser  prática  de  muitos  pilotos  que  neste  lugar  c  meridiano  feria  o  norte  de  suas  agulhas 
no  verdadeiro  pólo  do  mundo;  e  a  segunda,  se  era  verdadeira  e  pontual  a  regra  que  nos  deu  o  Doutor 
Pero  Nunes,  para,  em  tõda  a  hora  do  dia  em  que  fizer  sombra,  sabermos  a  elevação  do  pólo»  (')• 

Desta  última  regra  trataremos  adiante.  Antes,  porém,  merece  consíderar-se  a  Notação  famosa 
e  proveitosa  que  D.  ]oão  de  Castro  faz  (')  sobre  os  erros  resultantes  de  se  usar  o  «Regimento 

d.i  _,,ias»,  aplicando-o  aos  rumos  marcados  pela  agulha,  sem  se  reparar  que  éste  Regimento  foi  cal- 
culado para  os  rumos  verdadeiros,  sendo  portanto  necessário  determi- 
nar em  cada  lugar  quanto  nordesteiam  ou  noroesteiam  as  agulhas,  para 
se  fazer  a  devida  correcção.  Esta  nolaçâo  vém  a  p;-opósilo  da  chegada 
ao  Cabo  das  Agulhas,  em  27  de  junho,  quando  diz:  «êste  Cabo  das 
Agulhas  é  o  lugar  onde  os  pilotos  têm  por  máxima  que  as  suas  agulhas 
lhe  nâo  varião  cousa  alguma,  mas  ferem  directamente  nos  verdadeiros 
pólos  do  mundo,  e  daqui  veio  chamarem  a  êste  promontório  Cabo  das 
Agulhas,  significando  não  fazerem  já  aqui  nenhuma  diferença:  ao  tempo 
que  vimos  a  terra,  eu  me  fazia  à  Ré  dela  120  léguas,  e  o  piloto  I10>('). 

Assim  neste  dia  viram  terra,  que  era  o  Cabo  das  Agulhas, 
quando  se  julgavam  ainda  a  uma  distância  dêle  de  120  ou  110  léguas! 
dComo  puderam  enganar-se  em  mais  de  cem  léguas?  Resumimos  parte 
da  minuciosa  explanação  de  D.  ]oào  de  Castro.  As  naus.  que  de  Lisboa 
iam  com  destino  ã  índia,  passavam  na  Madeira  e  Canárias,  e  depois 
do  Cabo  Verde,  seguiam  navegando  na  volta  do  Brasil  até  às  alturas 
do  Cabo  de  Santo  Agostinho.  «Porém,  dobrado  o  Cabo  de  Sanio  Agos- 
tinho, e  começando-nos  o  vento  de  ir  alargando  até  ventar  da  banda 
do  Ponenie,  cousa  é  muito  manifesta  que,  até  sermos  com  terra  do 
Cabo  da  Doa  Esperança,  jamais  a  pròa  de  nossas  naus  uai  fóra  daque- 
les Rumos  que  jazem  do  leste  das  agulhas  até  ao  Rumo  do  suU.  Em 
tòda  esta  travessia  as  agulhas  nordesteavam.  A  flor  de  liz  afastaua-se 
para  leste  do  meridiano,  N'S'.  (fig.  44),  e  os  rumos  do  quadrante  da 
Rosa,  compreendido  entre  Leste  |E|  e  Sul  [S|.  aproximavam-se  do  meridiano,  passando  o  rumo  Sul  |S1 
para  o  lado  ocidental.  Suponhamos  que  a  variação  era  de  uma  quarta,  portanto  de  1 1  ■  ;  graus,  e  que 
a  nau  avançava  no  rumo  de  sueste,  da  Rosa.  Os  mareantes,  não  atendendo  à  variação  da  agulha.' procu- 
ravam no  Regimento  das  léguas  os  números  correspondentes  a  quatro  quartas  e  registavam  24';  léguas 
de  cammho  percorrido  a  sueste  e  um  apartamento  de  17 'A  léguas  a  lesle.  para  um  grau  a  mais  de 
altura.  Mas  o  rumo  por  onde  navegavam  fazia  na  realidade  um  ângulo  de  três  quartas  apenas  com  o 


(')  Ibidem,  pig.  «. 

O  Ibidem,  pigs.  27  a  30. 

D  Ibidem,  pigv  22S  i  243, 

(•)  Ibidem,  pági.  227  e  228. 


80 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


n  InariaLnt;  ""l^^^"""               'í"^^^      sul.  o  caminho  andado  era  de  21  léguas 

r^hoToi              !  ^'           Sucedendo  semelha niemenie  em  tôdas  as  singraduras  em  direcção  ao 

uma  n uJnHH,T'?"?f  ""'^      •5**'^^'^  «        conhecida  variação  das  agulhas.. 

fi     ^  ''"^  ^  realidade.  E  quando  se  foi  assentar  na  caria  plana,  pelas  re- 

do  Rr«n  ?         '  ^  ^  navegantes,  a  costa  do  Cabo  da  Doa  Esperança,  veio  a  ficar  entre  ela  e  a  costa 


do  Brasil  ttam  com 
prida  e  disforme  dis- 
tância, como  ao  pre- 
sente se  mostra  em 
lodos  os  planos». 
Situada  a  costa  do 
Cabo  mais  longe  do 
que  devia  ser,  suce- 
dia que  os  pilotos 
estavam  marcando  o 
ponto  na  carta,  jul- 
gando  se  a  ré  do 
Cabo.  quando  esta* 
vam  já  junto  déle 
ou  avante.  Assim  D. 
)oâo  de  Castro  e  o 
pilôto  se  faziam  mais 
de  cem  léguas  a  ré* 
de  terra,  quando  se 
acharam  com  ela,  e 
isto  por  «as  costas 
do  Brasil  e  Cabo  da 
Doa  Esperança  es- 
tarem mais  aparta- 
dos nas  cartas  do 
que  as  Deus  assen- 
tou na  poma  e  mun- 
do» ('). 

Deve -se  a  D. 
]oao  de  Castro  a 
primeira  observação 
do  desuio  da  agu- 
lha. Como  é  sabido, 
distínguem-se  a  bor- 


DRASAO  DE  D.IOAO  DC  CASTRO 


do  dos  navios  duas 
ínflui^nclas  sôbre  a 
agulha  magnética:  a 
do  magnetismo  ter* 
restre,  e  a  que  pro- 
vém das  massas  de 
ferro  contidas  no  na- 
vio. Da  primeira  re- 
sulta a  declinação. 
que  é  o  ângulo  for- 
mado pelo  meridiano 
magnético  com  o  me- 
ridiano local,  para 
oriente  ou  ocidente 
dèsle;  a  segunda 
produz  o  desvio,  que 
é  o  ângulo  da  agu- 
lha com  o  meridiano 
magnético.  A  soma 
algébrica  dos  úq\í 
ângulos  é  a  varia- 
ção, que  o  instru- 
mento de  sombras 
media.  Foi  D.  ]oâo 
de  Castro  quem  pri- 
meiro descobriu  o 
desvio  da  agulha,  c 
portanto  quem  pri- 
meiro distinguiu  va- 
riação e  declinação. 
Sucedeu  isto  em  5 
de  agosto  de  1538, 
estando  surto  cm 
Moçambique: 


«Êsle  dia  quis  obrar  com  o  instrumenio  das  sombras  para  verificar  a  variação  das  agulhas,  e 
sendo  monos  de  11  horas,  a  sombra  do  estilo  ia  muito  além  da  linha  do  meio-dia.  pelo  que.  mandando 
vir  algumas  agulhas  para  as  cotejar  com  o  instrumento,  achei-as  tam  desconcertadas,  que  foi  cousa 
espantosa,  porque  onde  uma  fazia  o  leste,  a  outra  mostrava  o  norte.  Isto  me  leve  muito  suspenso,  até 
que  entendi  a  causa  e  foi  um  berço  [peça  de  artilharia,  curtal  que  estava  no  mesmo  lugar,  onde  eu 
queria  fazer  as  operações,  o  ferro  do  qual  berço  chamava  a  si  as  agulhas,  e  as  fazia  desvariar  desta 
maneira;  do  que  tirei  que  uma  operação  que  fiz  a  30  dias  de  junho,  no  meridiano  que  está  para  leste 
do  Cabo  das  Agulhas  5",  graus,  a  qual  achei  que  me  vinha  muito  desconcertada,  e  assim  algumas  outras 
que  fiz  na  paragem  do  Brasil,  onde  achei  notáveis  diferenças,  que  foi  por  as  fazer  perto  donde  eslava 


(>)  tbtdem,  pig.  343. 

11 


81 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


algumd  peça  de  artilharia,  âncoras,  ou  qualquer  outro  ferro,  como  me  passava  a  tôdas  as  partes  da  nau 
buscando  lugar  conveniente  a  esta  obra»('). 

Foi  também  D.  ]oâo  de  Castro  quem.  pela  primeira  vez.  observou  o  desvio  local  devido  à 
accio  de  certas  rochas  sôbre  a  agulha  magnética,  como  nolou  0.  Hellmann  Esta  descoberta  foi  feita 
no  ilhéu  de  Chaul.  em  dezembro  de  1538,  como  consta  do  registo  feito  no  Primeiro  Roteiro  da  costa 
dã  índia  desde  Goa  até  Dio  (Pôrto.  1843.  págs.  59  a  62).  de  que  transcrevemos  parte: 

«Andando  por  éste  ilhéu  e  subindo  ao  monte  que  está  da  banda  do  Norte,  para  marcar  e  ver 
como  iaziam  os  outros  ilhéus  e  baixos  com  èle.  me  aconteceu  um  caso  muito  para  maravilhar  e  foi  desta 
maneira.  Pondo  eu  a  agulha  em  cima  de  um  grande  penedo,  para  ver  como  se  corria  o  ilhéu,  súpito  deu 
a  rosa  uma  volta  e  pôs  o  Norte  onde  dantes  tinha  o  Sul,  Quando  isto  vi,  cuidando  que  lhe  vinha  éste 
desconcerto  de  estar  a  rosa  fóra  do  piào,  ergui  a  para  a  concertar,  e  como  a  tirei  da  pedra  súpito  tor- 
nou a  dar  a  volta  e  pôs  o  Norte  em  seu  lugar.  Ora  vindo  a  conhecimento  que  èste  caso  tamanho  nascia 
da  qualidade  e  natureza  da  pedra,  a  pus  e  tirei  muitas  vezes  e  de  tòdas  fazia  a  mesma  operação. 
Espantado  eu  muito  dêste  aconletimenio.  corri  a  maior  parle  do  monte,  pondo  a  agulha  em  cima  de 
todolos  penedos  e  pedras,  mas  nunca  fèz  nenhuma  variação,  sòmente  achei  um  penedo  apar  do  outro 
da  mesma  natureza,  pôsto  que  néste  não  dava  a  rosa  tamanha  volta;  mas,  demorando-me  qualquer  marca 
que  tomava,  ao  Noroeste  quarta  da  Loeste,  como  punha  a  agulha  no  penedo  logo  a  mesma  marca  me 
demorava  ao  Sudueste:  de  modo  que  supitamente  variava  7  quartas;  porém  o  primeiro  penedo  fazia 
quási  doSrada  a  operação,  porque  a  marca  que  fóra  dele  me  demorava  ao  Noroeste  quarta  da  Loeste, 
pondo  a  agulha  em  cima  me  ficava  demorando  ao  Sul  quarta  do  Sueste,  que  são  12  quartas  de  variação. 
Esta  mudança  tam  descomunal  não  sòmente  se  causava  quando  a  agulha  estava  assentada  na  pedra,  mas 
tanto  que  se  apropinquava  ao  penedo,  estando  suspendida  nas  mãos  em  cima  déle>. 

Poucos  dias  depois,  em  13  de  dezembro,  medindo  D.  ]oão  de  Castro  a  variação  da  agulha  no 
rio  do  Pagode  de  Baçaim  achou  que  ela  noroesteava  IO»  J ;  e  no  dia  23,  estando  êle  na  barra  de 
Daçalm,  a  agulha  noroesteava  12o  ^ ,  Notando  esta  rápida  mudança  trata  de  a  explicar: 

«Certamente  que  é  cousa  muito  forte  em  tam  pequena  distância  de  caminho,  e  num  mesmo 
meridiano  fazer  a  agulha  tamanha  mudança;  ...  A  isto  não  sei  assmar  outra  causa  salvo  que,  como 
quer  que  fiz  estas  considerações  muiio  pegado  com  a  terra  onde  tinha  por  vizinho  um  rochedo  e  pene* 
dia.  iá  pôde  ser  estes  penedos  serem  da  espécie  e  natureza  do  magnete,  ou  a  matéria  e  composição 
dèles  ser  ferrenha,  e  por  esta  causa  atraírem  para  si  o  ferro  da  agulha,  desviando-o  do  seu  natural 
lugar»  (Roteiro  de  Goa  a  Dio,  pág.  99). 

Tendo  lido  os  três  roteiros,  escritos  de  1538  a  1541.  Roteiro  de  Lisboa  a  Goa,  Roteiro  de  Goa 
â  Dio,  e  Roteiro  do  Mar  Roxo,  assim  se  exprime  Hellmann  a  respeito  do  seu  autor:  «Éste  notável  nave- 
gador redigiu,  de  tôdas  as  suas  observações  náuticas,  magnéticas,  meteorológicas  e  hidrográficas,  diários 
muito  minuciosos  que  cont&em  incontestavelmente  o  maior  e  mais  valioso  tesouro  de  tal  espécie  de 
observações,  realizadas  na  primeira  metade  do  século  e  são  dignos  do  estudo  fervoroso  de  lodos 
aqueles  que  se  proponham  escrever  a  história  da  geografia  física  ou  da  náutica  nesse  século.  Depois  que 
eu  próprio  li  estes  roteiros,  nào  duvido  julijjr  ]oão  de  Castro  como  o  mais  considerável  represen- 
tante da  investigação  scientifica  do  mar  nos  últimos  tempos  dos  descobrimentos»  (•)- 

D.  ]o3o  de  Castro,  observador  de  admirável  precisão  e  sagacidade,  era  um  verdadeiro  natu- 
ralista. «Como  navegador,  hidrógralo  e  observador,  ninguém  o  excedeu  até  ao  tempo  de  Barents,  Lin- 
srJioten.  Hudson  e  Davis»,  declara  Nordenskjõld  {*). 


.  ,  t')  /fr/rfím,  plg.  MB.  Já  cm  19  rftf  fevereiro  de  1894,  chamou  a  ai«fii;âo  para  éste  trecho  e  Bua  Importância  o 
tluitrc  Lenle  da  Ewola  Naval.  Snr.  Vicente  Almtida  d-Eça.  na  lua  conterénda  no  CXub  MUlUr  Niwl.  O  Infãnte  D.  Henrique, 
e  a  Arte  ae  nsvegir  dos  portugueses,  Lisboa.  1894.  pág  29, 

I»  K  Pi  Enldtrtkunq  des  Oesteinsmagneiismuí  machie  )tAo  4e  Castro  aui  der  Insel  Cliaul  (lllieo  de  Chaul)  nnweil 
rn  M  n  *"  r*"".  "Ocnflsl^^eiifii  FeKen.  auf  denen  e'  in  der  Miísweiíung  7  dté  \2  çuãríúí  de  vsriaçáo  beobaciilclc» 
vvvVi  Í^V"*       ^"'»f9e  der  mãgneuschen  Beobãc/itangen.  in  Zettschcift  der  Otsellêchãtt  túr  Erdkundt  zu  Bertin,  Dand 

AAAII,  1897,  pag  135). 

rt  Ibidem,  pia.  m. 

ÍM  NordentWôid,  Pertpíuj,  Stockikolin,  IM7,  páfi.  Ma. 

82 


A  ARTE  DE  NAVEOAR  DOS  PORTUGUESES 


13  — REGIMENTO  DA  ALTURA  DO  PÓLO  A  QUALQUER  HORA  DO  DIA 

DETERMINAÇÃO  da  latitude  pela  altura  meridiana  do  sol  nlo  podia  fazer-se,  se  èle 
estivesse  ao  meio-dia  encoberto  por  nuvens.  Pedro  Nunes  deu.  para  se  poder  detenni- 
nar  a  latitude  a  qualquer  hora  em  que  houvesse  sol,  a  regra  que  o  Infante  D.  Luis 
encarregou  D.  João  de  Castro  de  verificar.  Para  isso  era  preciso,  além  do  instrumento 
de  sombras,  o  emprêgo  da  poma  ou  globo,  que  Pedro  Nunes  assim  descreve,  a  seguir 
àquele  instrumento:  «Teremos  mais  um  globo  perfeitamente  redondo  e  de  tal  grandeza  que  os  graus 
seiam  manifestos  e  quanto  maior  tanto  melhor.  Não  é  necessário  haver  nôle  mais  que  um  círculo  grande 
[circulo  máximo]  graduado,  que  representarão  horizonte,  e  outro  que  represente  o  meridiano.  Terá  seus 
eixos  nos  pólos  do  horizonte,  e  haverá  um  meridiano  de  latão,  dentro  do  qual  lerá  o  globo  movimento 
sôbre  os  pólos  do  horizonte»  (').  A  poma  representa  a  esfera  celeste  e  serve  para  nela  se  situar  o  sol 
em  cada  posição  observada,  em  altura  pelo  astrolábio,  e  em  azimute  pelo  instrumento  de  sombras.  Na 
figura  marcou-se  a  graduação  do  horizonte  sôbre  o  próprio  globo  (fig.  45).  contada  a  partir  do  circulo 
do  meridiano  traçado  na  poma.  Esta  gira  em  tôrno  da  linha  zenite  nadir,  dentro  da  armila  metálica  que 
Pedro  Nunes  chama  o  «meridiano  de  latão»  e  que  aqui  serve  para  medir  os  arcos  verticais.  A  metade 
superior  da  poma  representa  o  hemisfério  celeste  visível  em  cada  lugar. 

Tomam-se  duas  alturas  do  sol,  com  intervalo  de  tempo  suficiente  para  que  a  sombra  faça 
mudança  sensível.  No  Instante  de  cada  observação,  feita  com  o 
astrolábio,  nota-se  no  limbo  do  instrumento  das  sombras  (fig.  43) 
o  ângulo  indicado  t^ela  sombra  do  estilo.  A  diferença  dos  dois 
ângulos  é  a  diferença  dos  azimutes  do  sol  nos  dois  instantes, 
independente  do  valor  da  variação  da  agulha  que  afecta  estes 
ângulos,  mas  desaparece  na  subtracção.  Passa-se  depois  à  poma 
(figs.  45  e  46).  Leva-se  um  ponio  qualquer  H ,  do  horizonte 
debaixo  do  meridiano  de  latão  graduado  e  marca-se,  no  vertical 
dêsse  ponto,  um  arco  HiOi,  igual  à  primeira  altura  observada 
do  sol.  Toma-se  no  horizonte  o  arco  Hi  Hí,  igual  à  diferença 
de  azimute  do  sol,  correspondente  ao  intervalo  das  observações, 
leva-se  o  ponto  Hi  debaixo  do  aro  de  latão,  e  marca-se  um 
arco  lii  O;,  igual  à  segunda  altura  observada.  Teremos  assim, 
em  Oi  e  Oj.  situado  o  sol  nas  duas  posições,  Procura-se  nas 
tábuas  a  declinação  solar  dêsse  dia.  da  qual  se  deduz,  subtrafn- 
do-a  de  90°,  ou  juntando-lhe  90o,  a  distância  do  sol  ao  pólo 
que  estiver  acima  do  horizonte.  Assim  pôde  delerminar-se  a 
situação  do  pólo  aparente  na  poma.  pois  se  sabe  a  sua  distân- 
cia aos  dois  pontos  0|  e  O  7.  Abre-se  um  compasso  de  pontas 
curvas  até  abranger  um  arco  de  círculo  máximo,  igual  à  distância 
polar  do  sol,  e  descrevem-se.  com  essa  abertura,  dois  círculos 
PCi  e  PC-.  com  seus  centros  em  O,  e  O,.  O  ponto  de  intersecção  P  é  o  pólo.  É  certo  que  há  dois  pontos 
de  intersecção,  mas  é  fácil  ver  qual  se  deve  tomar.  Leva-se  cm  seguida  o  ponio  P  debaixo  do  meridiano 
dc  latão,  mede  se  a  sua  distância  ao  horizonte,  e  assim  se  tem  ;i  altura  do  pólo  ou  latitude  do  lugar. 

D.  ]oão  de  Castro  féz  a  primeir,i  aplicação  do  processo  no  dia  13  dc  abril  dc  1538,  «sendo 
todo  êste  dia  o  vento  caima.  que  a  nau  não  governava».  Na  primeira  operação,  antes  do  meio-dia,  tomou 
a  altura  do  sol.  57»,  c  o  estilo  lançava  a  sombra  a  71»,  comando  do  norte  para  oeste.  Na  segunda  ope- 
ração, também  anies  do  meio-dia.  tomou  o  sol  em  altura  de  60o '/i  q  q  csiílo  lançava  a  sombra  a  64°. 
contando  do  norte  para  oeste.  A  diferença  de  azimute  foi  pois  de  7  graus.  O  modo  como  operou  de- 
pois com  a  poma  é  assim  descrito  por  êle: 

«Tomadas  estas  duas  operações,  mandei  o  Pilôto  que,  ao  meio-dia,  tomasse  o  sol,  e  eu, 
passando-me  à  poma.  para  verificar  a  elevação  do  pólo  déstc  dia,  obrei  desta  maneira: 


r>s>  w 


(')   Êste  passo  é  conlinuaçilo  do  que  atris  %e  iranstrrrveu  fp-lg'*.  78,  79). 


B3 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  POÍUUGUESA  DO  BRASIL 


«Primeiramente  no  horizonte  graduado  da  poma  assentei  a  variação  que  féz  a  sombra  do  estilo 
desde  a  primeira  altura  até  ã  segunda,  a  qual  variação  foi  7  graus,  e  logo  do  principio  dôbtes  7 
graus,  iá  postos  no  horizonte,  assentei  a  primeira  altura;  e  íoi  57  graus  per  um  meridiano  graduado 
acima,  e  no  lugar  onde  se  acabou  o  número  destes  57  graus,  pus  um  ponto;  e  tornando  a  passar  o  mesmo 

meridiano  na  outra  extremidade  da  variação  da  sombra 
que  assentei  no  horizonte,  contei,  pelo  meridiano  acima, 
a  segunda  altura  que  foi  61 graus,  e  no  lugar  onde 
se  acabaram  pus  outro  ponto.  Feito  isto,  olhei  a  decli 
nação  e  tirei  V)  de  90,  e  tomando  o  que  ficava,  que 
era  77  '/i  graus,  com  um  compasso  curvo,  pondo  uma 
ponta  do  compasso  no  ponto  onde  se  acabou  a  pri- 
meira altura,  fiz  com  a  outra  ponta  uma  porção  de  cir- 
.  culo;  e  tornando  a  mesma  ponta  do  compasso  ao  se- 
gundo ponto  onde  se  acabou  a  segunda  altura,  fiz  outra 
porção  de  círculo,  que  em  termos  de  geometria  se  chama 
de  cruzação;  e  onde  se  estas  duas  porções  encontraram 
pus  um  ponto,  o  qual  ponto  trazendo  ao  meridiano 
graduado,  achei  que  sc  apartava  do  horizonte  29  l  graus, 
que  era  a  elevação  do  pólo  do  lugar  onde  me  achava. 
E  logo  mandei  esta  altura  ao  Piloto  em  um  escrito 
cerrado  para  que,  depois  que  êle  tomásse  o  sol  ao 
meio-dia.  a  víssemos  juntamente  ambos  para.  sem  sus- 
peita, podermos  determinar  quanto  discrepava  a  minha 
tomada  pela  manhã,  da  sua,  tomada  ao  meio-dia.  Ora  acabado  o  Piloto  de  tomar  sua  altura,  veio-me  di* 
zer  que  estávamos  em  altura  de  29  l  graus,  e  em  continente  abriu  o  escrito  e  viu  a  minha,  de  que  fi- 
cou muito  espantado»  ('). 

Assim  D.  ]oão  de  Castro  verificou,  pela  primeira  vez,  o  processo  da  altura  do  pólo  a  tôda  a 
hora.  O  pilòto  ficou  admirado  com  a  novidade,  e  êle  satisfeito  com  o  resultado  obtido  pela  regra  dc  Pe- 
dro Nunes. 

Mas  os  defeitos  práticos  do  processo  começaram  depois  a  aparecer.  No  día  í  1  de  iunho  de!cr- 
niinou  a  latitude  pela  altura  do  sol  ao  meio-dia  e  achou-a  de  31  \  graus;  mas  pela  primeira  e  segunda 
alturas,  já  tomadas  pela  manhã,  achava  33  graus.  Atribuiu  esta  diferença  a  defeitos  do  instrumento  das 
sombras,  pois  lhe  pareceu  «que  êste  êrro  podia  vir  da  sombra  do  estilo  se  não  poder  tomar  pontual- 
mente, e  assim  da  lâmina  não  guardar,  quanto  convinha,  o  nível».  Seis  dias  depois,  em  17,  queixa  se  da 
poma  não  ser  *tam  redonda  como  convém»,  isto  é,  não  ter  a  supcrficie  rigorosamente  esférica,  e  serem 
mal  graduados  os  meridianos  de  latão.  No  dia  seguinte  nota  que  pÓde  haver  êrro  grande  na  determina- 
ção da  altura  do  pólo  pela  poma.  quando  a  variação  da  sombra,  no  intervalo  das  duas  observações,  fâr 
de  poucos  graus:  «e  isto  é  de  tal  maneira  que,  quando  a  variação  da  sombra  é  pequena,  a  saber,  3  ou 
4  graus,  qualquer  cousa  de  mais  ou  de  menos,  causa  grande  mudança  na  altura;  e  pelo  contrário,  saindo 
a  variação  grande,  a  saber,  14  ou  15  graus  e  mais,  ainda  que  no  observar  da  sombra  erremos  até  uin 
grau,  nem  por  isso  a  altura  sai  fóra  dos  termos  da  Razão»  (")■ 

O  processo  de  tomar  a  altura  do  pólo,  em  lodo  o  tempo  em  que  houver  sol,  6  exposlo  por 
Pedro  Nunes  no  Tratado  em  defensam  da  carta  de  marear,  que  acompanha  o  seu  Tratado  da  Sphera, 
Lisboa,  1537.  Muito  ampliado,  e  desenvolvido  em  27  capítulos,  foi  aquele  tratado  veriido  para  latim,  com 
o  titulo;  De  reguiis  et  instrumentis.  ad  varias  rerum  tam  maritimarum  quàm  et  caelestium  apparentias 
deprehendendas,  ex  Mathematicis  disciplinis.  O  Tratado  sobre  certas  duvidas  da  navegação,  igualmente 
publicado  em  1537,  foi  também  vertido  para  latim  por  Pedro  Nunes,  com  o  título:  De  duobus  problematis 


 .     .  ,    í']  Acrescentamos  as  palavras  r  lirei.  que  evidenlemcnie  faliam  no  Icxlo.  Uma  frase  scmelhanle  se  encontra  na 

•em  pagina  do  Kegtmento  do  estrolãbio  dc  Munich:  .oulha  quamto  he  a  allura  e  tyra  dc  90». 

0)  RotíiTo  de  Usbo*  a  Goa.  Lisboa,  1882,  págc.  33  a  38. 

O  Ibidem,  pigs-  301,  210  e  215. 

84 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


arca  nâvigand,  arlcm.  Os  dois  Iralados  lalinos  apareceram,  pela  primeira  vez.  incluídos  na  edição  de  ai- 
gumas  das  suas  obras,  feita  em  Dâle  em  1566  (Petri  Nonii  Opera.  Basileae).  Os  mesmos  dois  tratados 
soo  o  "luio  i^''  '  "  atque  ratione  nauigandi  libii  duo.  foram  editados  por  António  de  Mariz,  cm  Coím-' 
ora.  1573.  In.  .mente  se  lem  falado  de  uma  outra  edição  feita,  (ambém  em  Coimbra,  pelo  mesmo 
Mar«.  no  ano  de  1546.  Mas  tal  edição  nâo  ckísIíu  ('),  e  o  que.  sòbrc  ela,  se  tem  dilo  resulta  apenas  de 
uma  indicação  bibliográfica  errada  de  Barbosa  Machado  na  Biblioteca  Lusitana. 

No  tratado  latino  De  regulis  et  instrumentis  apresenta  Pedro  Nunes  uários  processos  de  de- 
terminação da  latitude  geográfica.  Nâo  fazemos,  porém,  maior  referência  a  esta  obra.  por  ela  ser  de  um 
ano.  o  de  1566,  já  bastante  afastado  da  época  que  nos  interessa. 


14-AI.TURA  DE  LESTE  OESTE 


PROBLEMA  da  determinação  da  longitude  geográfica,  que  enire  nós  se  chamou  «allura  de 
leste  oeste>,  nâo  preocupou  os  navegadores  portugueses  emquanto  as  descobertas  foram 
seguindo  uma  direcção  geral  norte-sul,  ao  longo  da  costa  ocidental  da  Africa. 

Na  sua  carta  de  1474  ao  cónego  Martins.  Toscanelli  diz  ser  de  26  espaços,  que  va- 
liam 130o  de  longitude,  a  distância  de  Lisboa  a  Ouinsay.  na  província  de  Catay.  Cristóvão 
Colombo,  tratando  d«  atingir  as  costas  orientais  da  Asia  pelo  Ocidente,  segundo  o  plano  de  Toscanelli. 
encontrou  a  América,  que  iulgou  ser  a  índia.  E  é  aí  que  êle  se  apresenta  fazendo  as  primeiras  tentati- 
vas de  medição  astronómica  da  longitude  pelo  método,  conhecido  desde  a  antiguidade,  dos  eclipses  luna- 
res. Numa  fôlha  do  Libro  de  las  Profecias  deixou  Colombo,  escritas  por  seu  próprio  punho,  duas  notas 
sôbre  observações,  que  diz  ter  feito,  de  eclipses  lunares:  uma  em  1494.  a  outra  em  1504.  A  época  dos 
eclipses  podia  êle  ter  sabido  pelas  Ephemerides  de  Regiomontano,  calculadas  para  o  meridiano  de  Nu- 
remberg  e  publicadas  em  1475.  ou  pelo  Almanach  perpetuam  de  Zacuto,  calculado  para  o  meridiano  de 
Salamanca,  publicado  em  1496.  A  êste  último  se  refere  expressamente  na  segunda  nota. 

Em  14  de  setembro  de  1494  observou  em  Saona.  pequena  ilha  a  sueste  da  HaTti,  um  eclipse 
da  lua,  concluindo  que  se  achava  5'  ,  horas,  e  portanto  82 '/j  graus,  a  oeste  do  Cabo  de  Sâo  Vicente. 
Como  esta  distância  nâo  excede  60o,  há,  nesta  avaliação,  um  êrro  de  mais  de  22©. 

Em  29  de  fevereiro  de  1504,  observou,  em  meio  da  costa  setentrional  da  Jamaica,  outro  eclipso, 
concluindo  que  estava  7 'A  horas,  e  portanto  108  V»  graus  a  oeste  de  Cadiz.  Como  csla  distância  é  de 
7!o.  há  aqui  um  êrro  de  mais  de  37o.  Destas  medições  resultaria  uma  distância  de  26o.  conta  redonda, 
entre  Saona  e  o  meio  da  Jamaica,  quando,  de  fado,  tal  distância,  por  éle  navegada,  não  excede  9 
graus.  A  análise  das  notas  do  Libro  de  /as  Profecias  faz  duvidar  da  efectividade  de  lais  observações  e 
leva  a  crêr  que  aqueles  números  foram  arbitrária  e  exageradamente  tomados  por  Colombo,  que  esteve 
sempre  persuadido  de  ter  chegado  às  praias  orientais  da  Asia.  Seja  como  fôr,  temos  nêle  um  navegador 
já  preocupado  com  a  determinação  astronómica  da  longilude,  embora  sem  apresentar  método  novo,  nem 
determinações  precisas. 


-  .rte  ,e  navcg.r.  éc  Pc.ro  Nun.s.  publicado  n«  AnMis  rf«  Ài&««'7:^r,.^^^^^^^ 


85 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


É  muito  diferente  o  que  sucedeu  com  Américo  Vespúcio.  a  quem  se  atribuiu  uma  medição  de 
longitude,  em  1499.  pelo  método  das  distâncias  lunares,  dando  se  lhe  até  as  honras  de  inventor  do  mé- 
todo Trata-se,  porém,  de  uma  pura  lenda,  como  demonstrou  o  Professor  Hermann  Wagner,  de  Gaettin- 
gen  (')  É  na  caria  dê  Vespúcio  a  Lorenzo  dei  Medici,  com  data  de  18  de  julho  de  1500.  publicada  pela 
primeira  vez  por  Dandini  em  1745.  que  se  encontra  o  relato  da  pretendida  observação.  Aí  diz  Vespúcio 
(admitindo  a  autenticidade  de  tal  carta)  que.  achando  se  na  costa  de  Venezuela  em  23  de  agosto  de  1499 
e  havendo  nesse  dia  conjunção  do  planeta  Marte  com  a  Lua,  como  indicavam  as  Ephemerides  de  Re- 
giomontano.  medira  as  distâncias  de  Marte  ao  disco  lunar  ao  nascer  da  Lua  e  à  meia-noite,  concluindo 
que  a  conjunção  fôra  5  horas  e  meia  antes  da  meia-noite.  ou,  o  que  é  o  mesmo,  às  6'/,  horas  da  tarde, 
tempo  local  de  Venezuela.  Como  a  conjunção  tinha  lugar  à  meia-noite,  em  Nuremberg,  segundo  Regio- 
montano.  chega  Vespúcio  a  êste  resultado:  acharse  5',',  horas,  e  portanto  82 Vi  graus,  a  oeste  de.. 
Cadiz!  Ésie  dcsprêzo  da  diferença  de  longitude  de  Cadiz  a  Nuremberg  (*).  e  outros  erros  e  contradições 
que  se  notam  no  modo  como  a  observação  se  diz  conduzida,  levam  a  concluir  que  ela  se  não  pôde  atri- 
buir a  um  navegador  como  Vespúcio,  cujos  conhecimentos  de  astronomia  náutica  eram  superiores  aos 
de  Colombo;  e  multo  menos  se  lhe  pôde  atribuir,  querendo  considerá-lo  como  autor  do  método.  Mas  a 
própria  carta  é  considerada  apócrifa,  e  aos  argumentos  que  demonstram  a  sua  não-autentiddade  pôde 
juntar  se  mais  o  que  resulta  da  análise  de  tal  observação.  Vespúcio  nem  inventou  nem  fêz  uso  do  pro- 
cesso das  distâncias  lunares  para  a  determinação  da  longitude  geográfica.  Este  método  encontra-se  pela 
primeira  vez  descrito  na  obra  de  )oào  Werner  *ln  primum  librum  Geographiee  Cl.  Ptolomaei  paraphra- 
5IS»,  Norimbergae.  1514. 

No  Tratado  da  agulha  de  marear,  achado  por  João  de  Lisboa  no  ano  de  1514,  há  dois  capí- 
tulos (")  destinados  à  determinação  da  longitude  por  meio  da  variação  da  agulha.  Chama-se  ai  «meri- 
diano vero»  ao  meridiano  onde  as  agulhas  se  acham  «sempre  fixas  no  pólo  do  mundo»,  o  qual  passava 
segundo  o  pildto  João  de  Lisboa,  pela  ilha  de  Santa  Maria  nos  Açôres.  Salndo-se  dêle  para  leste,  as  agu- 
lhas começavam  a  nordestear;  indo-se  para  oeste,  começavam  a  noroestear;  e  a  variação  ía  crescendo 
com  o  afastamento  em  longitude,  alé  atingir  um  máximo  a  90o  de  distância,  diminuindo  em  seguida  até 
se  anular  na  volta  ao  meridiano  vero.  Segundo  tal  teoria,  a  longitude  era  proporcional  à  variação  da 
agulha,  determinando  se  facilmente  por  esta.  D.  ]oâo  de  Castro  mostrou,  como  veremos,  a  falsidade  desta 
concepção. 

Quando  os  Portugueses  chegaram  ao  cxtrêmo  oriente  e  foram  às  Molucas.  aumentou  de  im- 
portância o  problema  da  longitude,  pois  era  preciso  decidir  se  as  famosas  ilhas  do  cravo  estavam  no 
hemisfério  castelhano  ou  no  hemisfério  português,  segundo  a  repartição  do  tratado  de  Tordesilhas,  1494. 
Por  isso  Fernão  de  Magalhães,  antes  de  se  passar  a  Castela,  «sempre  andava  com  Pilotos,  cartas  de 
marear,  e  altura  de  Leste-Oesle»,  como  diz  ]oão  de  Barros,  em  cujo  tempo  não  estava  ainda  resol- 
vido o  problema  da  altura  de  leste-oeste,  que  êle  considera  como  «matéria  que  tem  lançado  a  perder 
mais  portugueses  ignorantes,  do  que  são  ganhados  os  doulos  por  ela,  pois  ainda  não  vimos  algum  que 
o  pusesse  em  efeito  (')«.  Com  Magalhães  foi  para  Espanha  o  astrónomo  Rui  Faleiro.  que  escreveu  um 
tratado  sóbre  a  determinação  das  longitudes  geográficas.  Quando  Carios  V  ordenou  que  Faleiro  não  se- 
guisse na  viagem,  Magalhães  reclamou  que  lhe  fosse  entregue  o  tratado  sobre  a  «altura  da  longitude  de 


(')    Hcmunn  Waqner,  Die  £.-     ■  /■  .i  ■■  '.ãngenàcstimmung  Amerigo  Vespucci's  nach  MondjtbsfSnden,  aus  den 
Nactiríchten  von  d^r  K.  Oeselischsft  der  ■.•n  /u  G<vilinn>'n,  Maf/iemãnscn  —  phi'Sikahsche  Klâsse.  1917. —  Neste 

tnettno  estudo  sc  pódc  ver  a  critica  dâS  on  ■,  i  v.n,k ,  ^  de  Colombo,  a  que  antes  nos  referimos. 

O   Nfl  caria  diz  sc  que  a»  Ephemeridet  de  Reqiomoniano  foram  calculadas  para  o  meridiano  de  Ferrara,  o  que 
nSo  é  vcrdadt,  ni4s  a  dilercnça  de  longiiuJe  entre  reir.ir.!  e  Nuremberg  é  apenas  de  melo  grau. 

(•)   Luto  df  M.irinhanã.  Lisboa,  1903,  pags.  2'J,  24. 

)oio  de  Barros.  Decãda  III.  Uv.  U.  Cap.  VUl.  A  propósito  de  Fcmâo  de  Magalhães,  referimo-nos  atrás  (nota 
( •>      n.lg.  33)  i  questão  da  autoria  do  Livro  de  Duarte  Barbosa,  que  António  DIasques  atribui  a  Magalh-les.  Contra  esta  ooÍ- 
in  da  autoridade  de  Ramuzio,  que  considvrd  Barbosa  como  autor,  há  o  testemunho  de  Qaspar  Correia,  que  é  decisivo. 
^^'  111...,  do  Prólogo  das  íi-nd-is  dj  Indiã  (Tomo  i,  pâg.  3),  diz;  «e  n3o  escreverei  nada  das  terras,  gente,  e  traio,  porque 
houve  l"*^  nisso  se  ocuparam,  de  que  vi  alguns  volumes  e  mormente  um  livro  que  disso  /tV  Dit.\rie  BArbosn,  escriv5o 

da  leiloria  de  Cananor>,  E  adiante  precisa  melhor  a  obra:  «porque  minha  ten^ào  í  não  escrever  nada  destas  terras  c  seus 
coslumcs,  como  houve  alguns  que  o  liicram.  em  que  foi  um  détes  Duarte  Barbosa,  sobrinho  do  feitor  de  Cananor  Oil  her- 
mande»  Barbosa,  que  féi  um  Tratado,  que  eu  vi.  de  todalas  teiras.  gentes,  leis.  costumes,  e  tratos,  começando  dos  Lcqucos. 
correndo  todo  o  mar.  que  acabou  no  Cabo  da  Doa  Esperança»  (Tomo  I.  pig.  3S7)  Na  tradução  inglésa  do  Livro  de  Daroosa, 
ultimamente  publicada  pela  Kakluvt  Society.  'The  Dook  Duarte  liãtbosa,  Iranslaled  M.  Longu/orth  Danies,  London, 
2  voL».  continua  aatnbutr-sc  a  obra  a  Barbosa,  com  iusiilicidos  motivos  (Vol.  I.  pígs.  XXXVll,  LI). 


86 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


este  oeste,  com  todos  os  regimentos  que  lhe  diziam  respeito»  (')■  Castanheda  informa  que  Rui  Faleiro 
«deu  a  Fernão  de  Magalhães  um  grande  regimento  de  trinta  capítulos,  para  que.  por  três  maneiras,  pu- 
desse conhecer  a  distância  e  diferença  que  andasse  de  leste  a  oeste»  (•).  Assim  eram  três  os  processos 
preconizados  por  Faleiro,  que  Magalhães  levava  cm  1519  para  a  famosa  viagem  de  circunnavegaçào.  An- 
tónio Pigafela  junta  ao  relato  que  íéz  desta  viagem  um  Tratado  sôbre  a  arte  de  navegar  (*).  O  capítulo 
primeiro,  que  <parla  de  Taltura  de  levante  a  ponente»,  é  naturalmente  tirado  dos  apontamentos  de  Fa- 
leiro. Pigafela  apresenta  também  três  processos  para  determinar  a  longitude. 

O  primeiro  baseia-se  na  determinação  da  latitude  da  lua.  que  êle  insiste  em  explicar  que  é  a 
distância  da  Lua  à  ecifptica,  nula  na  sua  passagem  na  linha  dos  nodos,  e  crescente  desde  aí,  com  o  mo- 
vimento mensal  da  lua,  até  ao  apartamento  máximo  da  edíptica.  para  decrescer  em  seguida.  Éste  aparta- 
mento máximo  é  igual  à  inclinação  da  órbita  lunar  sôbre  a  edíptica.  5  graus  aproximadamente.  O  método 
consistiria  em  comparar  latitudes  observadas  com  as  latitudes  deduzidas  das  Tábuas  para  o  meridiano 
de  Sevilha.  Basta  reparar  na  pequena  variação  diária  desta  coordenada  da  lua,  para  se  ver  como  êste 
processo  é  puramente  teórico.  Éle  próprio  diz  que  é  bom  para  astrónomos  e  homens  peritos  na  sua  arte. 
Nem  mesmo  indica  o  modo  de  observar,  para  se  chegar  ao  valor  da  latitude  da  lua,  dando  a  entender 
que  isso  ultrapassaria  a  compreensão  e  saber  da  gente  do  mar,  a  quem  afinal  apresenta  assim  um 
método  inexequível. 

O  segundo  processo  exposto  por  Pigafela  é  o  das  distâncias  lunares,  já  descrito  por  Werner 
em  1514;  o  terceiro,  o  da  variação  da  agulha. 

Um  dos  pilotos  da  esquadra  de  Magalhães.  Andrés  de  San  Martin,  pilôto  e  astrónomo,  aplicou 
o  segundo  método  quando  estiveram  no  Rio  de  Janeiro,  em  17  de  dezembro  de  1519,  dia  para  o  qual 
as  Ephemerides  de  Regiomontano  e  o  Almanach  perpctuum  de  Zaculo  marcavam  conjunção  do  planeta 
Júpiter  com  a  Lua.  ,Das  suas  observações  conduíu  achar-se  a  17  horas  e  55  minutos,  e  portanto  269 
graus,  a  oeste  de  Sevilha,  em  vez  de  38o.  San  Martin  atribuía  éste  exagero  inadmissível  a  erros  das 
Táboas  ('). 

No  Rio  de  São  Julião,  Magalhães  submeteu  o  regimento  de  Faleiro  à  apreciação  dos  pilotos: 
«Concertando  se  as  naus,  Fernão  de  Magalhães  mostrou  aos  pilotos  e  ao  astrólogo  Andres  de  Sam  Martim 
o  regimento  que  levava  de  Rui  Faleiro  acêrca  de  se  poder  saber  a  altura  de  leste  a  oesle. . .  E  visto 
o  regimento  por  todos,  mandou  lhcs  Fernão  de  Magalhães  que  dissesse  cada  um  o  que  alcançava  a 
saber,  e  se  se  podiam  aproveitar  dêle  em  sua  navegação.  E  os  pilotos  responderam  por  escrito  que  não 
se  podia  usar  daquele  regimcnio.  nem  aproveitava  para  se  navegar  por  êle.  E  assim  o  assinaram:  e  o 
astrólogo  respondeu  o  mesmo  a  todos  os  capítulos  do  regimento  que  eram  trinta,  salvo  ao  quarto  que 
dizia  que  pola  conjunção  que  a  lua  tem  com  as  estrélas  fixas,  e  com  o  sol  se  pôde  saber  o  que  uma 
terra  dista  da  outra  na  altura  de  leste  a  oeste ...» (^).  Andrés  de  San  Martin,  mais  instruído  que  os 
outros  pilotos,  conhecia  o  método  das  distâncias  lunares,  que.  naquele  ano,  já  nâo  era  novidade. 

A  falsidade  do  processo  pela  variação  da  agulha  foi  verificada  experimenlalmenie  por  D.  ]oão 
de  Castro,  como  já  airás  indicamos.  No  dia  10  de  junho  de  1533,  quando,  na  travessia  do  Brasil  para  o 
Cabo  da  Boa  Esperança,  passava  pelo  meridiano  do  Cabo  de  S.  Vicente,  lêz  com  o  instrumento  de 
sombras  quatro  operações  antes  e  quatro  depois  do  meio-dia.  para  medir  a  variação  da  agulha.  «Estas 
operações»,  nota  êlc.  «foram  feitas  por  meu  ponto  e  o  do  PilÓto,  um  grau  do  meridiano  que  passa  pelo 
Cabo  de  São  Vicente,  para  a  banda  de  oeste».  Éste  era  «o  meridiano  das  operações»,  isto  é,  o  meridiano 
fundamental  de  referência  nas  navegações  portuguesas.  Chega  à  conclusão  seguinte: 

•Destas  operações  fica  claro  que  a  variação  que  fazem  as  agulhas  não  é  por  diferença  de 
meridianos,  pois  na  cidade  de  Lisboa  nordesteam  7  Vi  graus,  e  estando  agora  em  seu  meridiano  nordes- 
team  19  ou  20  graus;  mas  parece  que  tem  outro  respeito,  o  qual  até  ao  dia  de  hoje  náo  é  chegado  à 
minha  notícia»  (*'). 


(<)  Navarrete.  Coleerion  de  hs  vls/fs,  Tomo  IV.  Madrid.  1837,  piq.  IM. 
(•)  Cjstanhc^l  ''■..■  ■nj  tio  descabnínenlo  da  índia,  Utfro  VI.  Cap.  VI. 
(')   R.HColU  :  i'f.í.  Pane  V.  Vol  III 

(•)   Kerrcrj.  ;,,  ,..;.<  Ocneral  dt"  los  Inchou  >ie  los  Castrllanos  tn  Us  Islas  y  Tierra  firme  dtl  mar  Oceano. 
Década  M,  Libro  1*^.  Cap.  S.  Joio  de  Darros.  Decida  III.  Liw.  V.  Cap.  X. 

í»i  Casranhed*.  Hmona  do  descobrimento  da  India.  Livro  VI,  CJp.  VII. 
(*)   Kotcno  de  Lisboa  a  Goa,  LIsboj,  18SZ,  pag,  197. 

87 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


A  mesma  conclusão  chega  D.  }oâo  de  Casiro  na  viagem  de  Goa  a  Dio: 

•Destas  operações  que  fiz  hoje,  10  de  janeiro  de  1539,  por  onde  vim  no  conhecimento  que  a 
agulha  do  meu  instrumento  noroesteia  II«  se  segue  que  em  um  mesmo  meridiano  pôde  a  agulha  nor- 
destear  e  noroestear  mais  e  menos,  o  que  se  prova  por  esta  maneira:  na  Ilha  do  Pagode  de  Daçaím 
achei  que  noroesteava  esta  agulha  10  graus  \  e  em  Baçaím  12  graus  {,  e  agora  tanto  avante  como 
esles  Ilheos  de  Debul,  noroesteia  II»,  jazendo  estes  três  lugares  debaixo  de  um  meridiano;  pelo  que 
parece  cousa  justa  imaginarmos  que  estas  tais  variações  sejam  causadas  dalguns  particulares  e  próprios 
segredos,  os  quais  a  Natureza  poderosa  lenha  guardados  em  suas  grandes  e  secretas  oficinas*  (')■ 

O  processo  estava  pois  julgado  e  reprovado.  A  variação  da  agulha  n3o  dependia  pura  e  sim- 
plesmente da  longitude  do  meridiano  em  que  se  estivesse,  e  nâo  servia,  por  isso,  para  determinar  a 
longitude  geográfica.  Dependia  de  outras  causas,  ainda  ocultas  nas  oficinas  da  Natureza. 

Quanto  èste  problema  da  determinação  da  longitude  interessava  o  nosso  país  vê-se  até  pela 
leitura  de  Gil  Vicente.  Na  Farsa  dos  Físicos,  o  físico  Torres  explica  assim  a  sua  demora: 

Topei  ali  com  Mestre  Gil 
E  com  Luís  Mendes,  assi 
Que  praticamos  ali 
O  Leste  e  o  Oeste,  e  o  Brasil 
£  lá  lhe  dei  razão  de  mi. 

O  Brasil  e  a  arle  de  Leste-Oeste  eram  assuntos  predominantes  nas  conversações.  No  ano  em 
que  Fernão  de  Magalhães  empreendia  a  sua  viagem  de  circunnavegação  do  globo,  veio  para  Portugal 
aquele  Felipe  Quillén  ('),  que  foi  objecto  das  trovas  que  se  encontram  nas  Obras  de  Gil  Vicente  com  uma 
nota  explicativa: 

«O  ano  de  1519  veio  a  esta  côrte  de  Portugal  um  Felipe  Guillén.  Castelhano,  que  se  disse 
que  lôra  boticário  nel  Porlo  de  Santa  Maria;  o  qual  era  grande  lógico  e  muito  eloquente  de  muito  boa 
prática  que  entre  muitos  sabedores  o  folgavam  de  ouvir:  tinha  alguma  cousa  de  matemático;  disse  a 


P)  RoMro  desde  Ooa  até  Dio.  Pdrto.  1B13,  pág.  148. 

(0  Na  obra  de  P.  Plutoste  y  Rodrijuei,  Apuntês  para  una  biblioteca  cientifica  espafiola  dei  siglo  XVI.  Mídrid. 
IS9I.  pi3  13»,  vem  um  arttso  laudatórío  de  Felipe  Oulllén,  a  que  devemos  lazer  alguns  reparos,  Como  al  se  1*.  o  aparelho 
Inventado  por  Ouillén  leria  sido,  segundo  Alonso  de  Sania  Cruz.  o  seguinte:  «PrlncTpió  el  dicho  Felipe  Guillén  de  poner  en 
obra  lo  que  habla  prometido,  haclendo  una  Invencion  de  derlo  instrumento  que  hoy  en  dia  anda  muv  comun  en  Portugál 
entre  hombre*  doctos.  para  que  los  pilotos  lo  llcvassen  en  Us  mos.  el  cual  es  um  labla  redonda,  Mana  de  un  xeme  de  diâ- 
metro, echidas  por  cila  cuatro  line.«  en  cruí.  y  pueíto  en  medio  un  perpendlculo  de  metal,  y  graduada  la  tabla  á  la  r«donda 
con  3M  grados,  y  comeniaba  \i  cuenta  de  los  ISO  de  la  linea  meridiana  que  estaba  en  la  dicha  tabla  hacia  un  lado,  y  los 
otros  1»  de  la  dicha  línea  á  la  oira  parle  de  la  circunferência  de  la  labla.  y  esta  dlcha  línea  puesta  una  águia  pequei^a  como 
de  relOK  de  sol  meridiano  de  los  que  iraen  de  Alemifta.  y  i  esta  tabla  eslaban  asidos  Ires  hilos  en  iguales  distancias  A  ma- 
nera  de  uni  balanza  de  pezo  para  que  esiuvlese  igual  á  la  superfície  de  la  tíerra».  Êsle  aparelho  é  o  mesmo  instrumento  de 
sombra»  de  que  Pedro  Nunes  lai,  no  Tratido  em  dpf.-nsjm  da  carta  de  marear,  a  descrição  minuciosa  atrás  transcrita 
(pjg.  78,  tig.  descrição  que,  no  mesmo  Tratado,  assim  resume  antes:  «Poderio  05  plloios  levar  um  circulo  de  pao  ou  me- 
lai, com  um  estilo  perpendicular  no  centro,  e  a  roda  do  circulo  graduado  como  astrolábio;  e  sôbrc  um  ponto  do  diâmetro,  fora 
do  centro  em  que  está  o  estilo,  se  lará  um  circulo  pouco  maior  que  a  rosa  da  agulha,  o  qual  ae  cavará  para  néle  se  meter  e 
andar  livre  como  convém;  e  pendurar-se  hí  êHe  Instnimsnto,  por  cordéis  ou  por  ouira  arte  que  se  pôde  dar,  para  ficar  ao 
nível,  tfltlo  o  Instrumento  de  sombras  de  Pedro  Nunes  teria  sido  Inveniado  por  Oaillén.  Mas  D,  JoJo  de  Casiro  expressa- 
mente dlr  (Rateiro  de  Lisboa  a  Ooa.  pá^.  22a)  que  lol  «inventado  pelo  douior  Pero  Nunez.  famoso  matemático  entre  os  que 
viwm  em  nossos  tempos.,  e  éle  esiav.i  a  èsse  respeito  bem  inlormiJo.  Naturalmente  o  que  sucedeu  foi  isto:  quando  o  Ins- 


uillén  fué  el  primero  que  con- 


is  dissemos 


S  r  *"  Portuga!  entre  hombres  doctos»  foi  conhecido  em  Espanha,  lá  julgaram  ser  éste  o  aparelho  Inven. 

iSa.^V  íi"'"*^"  ^  Picotoste  V  Rodriguci  termina  o  seu  artigo  por  di^er:  «De  todos  modos.  Qi 
ceow  la  idea  de  aprovechar  ta  variaaon  de  la  aguia  para  calcular  la  tongilud  y  el  primero  c 

aprec>.u  esta  vanadon.  Esta  alirmaçáo  nâo  p6de  aceitar-se.  pois  no  Tratado  da  agulha  de  m.ire«.   

fíT  "P""'"*'  tlMiinados  ã  detcrmlnaíâo  da  longitude  por  meio  da  variação  da  agulha,  como  atrás 

iíHÍin  -  7'""^'  "'"^  ""^^        acompanh.iva  o  instrumento  que  féz  com  ferramentas  da 

P.m  . moreis:  a  primeira  que  o  liberte,  a  segunda  que  o  favoreça,  certificando  que  fará  em  seu  serviço 

Fm  K^l^JT^^  f^^T  "H""  J""""  ^"^  "orneado  vedor  e  avaliador  das  drogas  das  Casas  da  índia  e  Mina. 

■  ^""^^  provedor  da  fazenda  da  capitania  de  Porto  Seguro  (Sousa  Viterbo,  Tra- 

MIAoa  luatleos  dos  portugueses  nos  séculos  XVI  e  XVII,  Vol.  I,  pig.  152). 

88 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


El-Rei  que  lhe  queria  dar  a  arte  de  Leste  a  Oeste,  que  linha  achada.  Para  demostra  desta  arte  féz 
muitos  instrumentos,  entre  os  quais  foi  um  astrolábio  de  tomar  o  sol  a  tôda  a  hora:  praticou  a  arte  pe- 
rante Francisco  de  Mello,  que  então  era  o  melhor  matemático  que  havia  no  reino,  e  outros  muitos  para 
ISSO  se  ajuntaram  por  mandado  de  Sua  Alteza.  Todos  aprovaram  a  arte  por  boa:  fêz-lhe  El-Rei  por  is- 
so mercê  de  cem  mil  reis  de  tença,  com  o  hábito  e  corretagem  da  casa  da  índia,  que  valia  muito.  Neste 
tempo  mandou  Sua  Alteza  chamar  ao  Algarve  a  um  Simâb  Fernandes,  grande  astrólogo  malemálico;  tan- 
to que  o  Castelhano  falou  com  Ôle.  que  viu  que  o  entendia,  e  que  lhe  fazia  tudo  falso,  quis  fugir  para 
Castela:  descobriu-se  a  um  ]oâo  Rodrigues.  Português,  que  o  mandou  dizer  a  El-Rei,  que  o  mandou 
prender  em  Aldeia  Galega,  estando  em  um  cavalo  de  posta.  Sendo  prêso.  porque  era  grande  trovador, 
lhe  mandou  Gil  Vicente  estas  trovas: 


Con  sobra  de  pensamlentos 
Que  conlinos  penso  yo, 
No  supe  de  los  tormentos 
Que  Ia  desdícha  os  dió, 
Sino  ahora  á  dos  momentos, 
Que  supe  vuesiras  pasiones, 
Todas  buscadas  por  vos: 
Porque  los  santos  barones 
Concluen  que  las  prisiones 
Son  por  justicia  de  Dios. 

A  muchos  hizo  espantar 
Vuesa  próspera  fortuna, 
Pues  nunca  vistes  la  mar 
Ni  arroyo  ni  laguna. 
Supistes  muy  bien  pescar. 
Diciendo  el  pueblo  travieso 
Contra  vós,  sábio  profundo, 
Por  emendarse  el  avieso 
Justo  fue  que  fuese  preso 
El  mas  suelto  hombre  dei  mundo. 

Vo  les  dije  con  buen  zelo, 
Por  el  bien  que  en  vos  se  encierra; 
Este  hombre  subió  al  cielo, 
Del  cielo  miró  la  tierra. 
En  la  tierra  vido  el  suelo, 
Del  suelo  vió  el  abiso, 
Del  abiso  vió  et  profundo, 
Det  profundo  el  paraíso 
Del  paraiso  vió  el  mundo. 
Det  mundo  vió  quanto  quiso. 

Ansf  que  por  esta  via 
Es  de  tos  sábios  el  cabo, 


Que  sin  ver  astrolomia 
El  toma  el  sol  por  el  rabo 
En  cualquíera  hora  dei  dia. 
Respondieron  at  contrario, 
Diciendo:  No  es  verdad; 
Porque  dende  chica  edad 
No  fue  sino  boticário, 
Hasta  ver  esta  ciudad. 

Respondites  con  gran  ira: 
No  digais  mal  de  mi  amigo. 
Que  cuanio  trata  en  mentira. 
La  mentira  es  ser  tesligo, 
Tan  dulcemente  ta  espira. 
Alegué  por  parte  vuesira 
Lo  que  sé  de  vuestro  engaiío, 
Porque  mostrais  de  una  muestra. 
Despues  vendeis  falso  pailo, 
Como  luego  se  demuesira. 

Esto  me  plugo  escribír 
Porque  hábeis  de  responder, 
V  otra  vez  me  hábeis  de  otr, 
Para  acabar  de  decír 
Lo  que  os  queda  por  hacer. 
De  todo  esto  es  de  creer, 
Que  la  bondad  de  esta  tierra 
Siempre  fue  y  ha  de  ser 
Que  á  si  misma  hace  guerra. 
De  buena,  por  bien  hacer. 

Si  el  trovado  no  está 
Conforme  á  vuestra  elocuencia, 
Pues  que  díce  la  verdad, 
Repórtome  á  la  sentencia. 
Lo  al  vaya  como  va*. 


Assim  o  problema  andava  posto  a  prémio,  produzindo  incidentes  que  provocavam  a  veia  có- 
mica de  Gil  Vicente.  Na  Farsa  dos  Almocreves,  o  Fidalgo,  depois  de  experimentar  a  voz  do  Capelão, 
esfarrapado  e  sem  nada  de  seu,  que  lhe  pedia  a  soldada  que  nunca  recebéra.  indica-lhe  o  modo  como 
melhor  poderia  prosperar: 


Se  vós  podesseis  achar 
A  altura  de  Leste  a  Oeste, 
Pois  não  tendes  voz  que  preste, 
Perequi  era  o  medrar. 


89 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  DRASIL 


A  detenninação  da  altura  de  leste-oeste  só  ficou  práticamente  resolvida  no  século  XVIII,  quan- 
do se  souberam  fabricar  os  cronómelros.  O  mélodo  do  relógio  porláril,  regulado  pelo  tempo  do  meridia- 
no, a  partir  do  qual  se  deviam  contar  as  longitudes  geográficas,  e  levado  a  bordo  do  navio,  método  já 
em  1530  preconizado  por  Gemma  Frísio  ('),  leve  de  esperar  pelos  progressos  da  relojoaria. 


15  — A  CARTA  DE  MAREAR 


rig.  «T 


'a  ultima  p.irte  do  primeiro  livro  da  sua  Geografia  trata  Ptolomeu  da  construção  dos  mapas. 
No  Cap.  XK  critica  a  projecção  adoptada  por  Marino  de  Tiro,  na  qual  os  meridianos  e  pa- 
ralelos são  representados  por  linhas  rectas  equidistantes,  cortando-se  em  ângulos  rectos.  E' 
a  projecção  cilíndrica  equidistante,  cm  que  meridianos  e  paralelos  formam  uma  rede  re- 
ctangular (fig.  47).  Os  arcos  dos  paralelos,  interceptados  pelos  meridianos  segundo  segmen- 
tos que  na  esfera  vão  lendo  comprimentos  cada  vez  menores  desde  o  equador  até  aos  pólos,  são  repre- 
sentados em  projecção  por  segmentos  reclilínios  iguais.  No  paralelo  de  Rhodes  (36°  de  latitude)  conserva- 
va Mnrino  a  proporção  simples,  de  4  para  5.  bastante  exacta,  do  comprimento  do  grau 
do  paralrlo  pira  o  do  meridiano;  para  o  norle  as  distâncias  entre  os  meridianos 
eram  portanlo  cada  vez  mais  exageradas  que  a  realidade;  para  o  sul  de  Rhodes  fi- 
cavam encurtadas  relativamente  ao  grau  do  meridiano,  que  conservava  a  mesma  gran- 
deza d':  norte  a  sul. 

Ptolomeu  prefere  a  projecção  cónica,  em  que  os  paralelos  são  círculos  con- 
cêntricos equidistantes  e  os  meridianos  rectas  convergentes  (fig.  48).  Mas  a  verdade 
é  que  êle  próprio,  apenas  no  primeiro  dos  seus  27  mapas,  que  é  o  mapa  universal, 
adopta  a  projecção  cónica  equidistante;  o  hemisfério  boreal  é  ai  projectado  sôbre 
um  cone  tangenie  à  esfera  terrestre  ao  longo  do  paralelo  de  Rhodes.  Os  26  mapas 
especiais  reslanies  são,  nos  mais  antigos  manuscritos  da  obra  de  Ptolomeu,  dese- 
nhados na  mesma  projecção  rectangular  de  Marino  de  Tiro.  conservando-se  a  devida 
proporção  do  comprimento  do  grau  de  latitude  para  o  de  longitude  no  paralelo  inferior  da  região  repre- 
sentada (')• 

O  geógrafo  alexandrino  sabe  bem  as  dificuldades  inerentes  à  repre* 
4  sentação  da  esfera  em  plano,  tratando  de  estabelecer  primeiro  os  princípios 

matemáticos  desta  representação.  Outro  foi,  porém,  o  caso  com  os  autores  dos 
portulanos  medievais.  Resultado  da  longa  experiência  prática  de  centenas  de  ma- 
reantes que  cruzaram  por  todo  o  Mediterrâneo,  experiência  que  tomou  expressão 
e  fórma  em  roteiros  e  esboços  de  mapas  dos  vários  caminhos  comerciais  co- 
mummente seguidos  ao  longo  das  costas,  o  chamado  «portulano-normal»  ("). 
compilação  destas  carias  especiais,  acabou  por  fixar-se  no  seu  traçado  modelar 
pelas  úllimas  décadas  do  século  XIll  (').  Esta  obra  prima  da  cartografia  medieval 
compreendia  as  costas  do  Mediterrâneo  e  do  mar  Negro,  muito  mais  exacta- 
mente delineadas  do  que  nas  Tábuas  ptolomaicas,  e  ainda  a  costa  ocidenlal  da 
Europa  e  o  noroeste  africano.  Os  desenhadores  dos  portulanos,  sem  noção  da 
fórma  esferoidal  da  Terra,  não  tomaram  como  ponto  de  partida  um  sistema  defi- 
nido de  projecção.  Os  portulanos  não  tinham  linhas  graduadas  de  latitude  e  lon- 
gitude geográficas;  eram  atravessados  por  loxodromias  (-),  ou  rumos,  linhas  rectas  na  direcção  dos  dife- 
rentes ventos,  partindo  de  um  cerlo  número  de  pontos  de  cruzamento,  regularmente  distribuídos  sôbre 


rig.  w 


«omi>  du  mZn^'iae^pl^s%9^f^^^^      'tlcm^nds  de  la  Rcn^i^sance.  Paris.  1890.  pág.  124.  Delambre.  Nisloire  de  rastro- 


Vi    NordcnskjÓId.  rjc-simile  ãllas,  pág.  6. 
(')    Nordcnskiòld,  Penptus.  pág.  16. 
(')    Ibidem,  pág.  46. 


«mnrMartn     ,  ÍJl^    '""odromia  é  de  origem  erudita.  Fonnado  das  palavras  gregas  loxos.  obliquo,  e  drowos,  carreira,  foi 
«rj/o  J«  S**'  ^"''^  do  século  XVil.  €•  a  linha  do  caminho  percorridi  pelo  ni>/io 

quanao  segue  Mmpre  o  mesmo  turno,  lazendo  poilanlo  o  mesmo  ingulo  com  os  meridianos  por  onde  vai  sucessivamente  pas- 


90 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


o  mapa.  Estas  rectas,  irradiando  de  vários  centros  na  direcçSo  das  32  quartas  da  rosa  dos  ventos,  for- 
mam a  teia  das  linhas  de  rumos,  caraclerislica  destas  carias.  Os  autores  do  porlulano  aplicaram  o 
melhor  da  sua  habilidade  a  desenhar  as  costas  dos  países  nas  suas  distâncias  e  situações  azimutais 
relativas,  colhidas  nas  sucessivas  navegações.  A  análise  destas  cartas,  onde  os  rumos  de  norte-sul  cor- 
respondem à  direcção  dos  meridianos  e  os  de  leste  oeste  à  dos  paralelos,  levou  a  c!  i  las  como 
projecções  cilíndricas  rectangulares.  Comparando  a  linha  do  contorno  das  costas  do  McuncLi.meo  e  do 
Mar  Negro,  segundo  um  mapa  na  projecção  de  Mercator,  com  a  que  se  vô  em  alguns  porlulanos  dos 
séculos  XIV  e  XV,  conclui  Nordenskjõld  (Peripius,  pág.  17)  que  a  proiecçâo  dèstes  últimos  se  apro- 
xima muito  da  de  Mercator. 

Azurara,  na  Crónica  do  descobrimento  de  Guiné,  cap.  78,  diz  que  até  ao  ano  de  1446  tinl-.am 
sido  mandadas  ao  longo  da  costa  africana  51  caravelas,  e  acrescenta:  «E  foram  estas  caravelas  além  do 
Cabo  (Bojador)  450  léguas.  E  acha-se  que  tôda  aquela  costa  vai  ao  sul,  com  muitas  pontas,  segundo 
que  èste  nosso  príncipe  mandou  acrescentar  na  carta  de  marear^.  Esta  carta  de  marear,  onde  o  Infante 
D.  Henrique  mandou  acrescentarias  450  léguas  descobertas  ao  sul  do  Cabo  Doiador,  era  cópia  do  por- 
tulano  normal,  que  se  ia  assim  enriquecendo  com  novos  dados  experimentais. 

Azurara  informa  ainda,  a  respeito  dêste  acrescentamento:  «e  o  que  se  mostrava  no  mapa- 
mundi,  quanto  ao  desta  costa,  nào  era  verdade,  cá  o  não  pintavam  senào  a  aventura;  mas  esto  que  ago- 
ra é  posto  nas  cartas,  foi  cousa  vista  por  ôlho,  segundo  já  tendes  ouvido».  O  cronista  distingue  entre 
carta  de  marear  e  mapa-mundi.  Os  atlas  medievais  continham  geralmente,  além  das  fôlhas  corresponden- 
tes às  diferentes  regiões  compreendidas  no  portulano  normal,  um  mapa  universal,  baseado  no  portula- 
no  e  completado  segundo  os  conhecimentos  e  ideias  do  tempo.  E'  o  que  sucede,  por  exemplo,  no  atlas 
de  Marino  Sanudo  que^  acompanha  o  Líber  secretorum  fidelium  crucis,  do  coméço  do  século  XIV.  Quer 
se  refira  a  um  destes  mapas,  quer  ao  mapa-mundi  de  Ptolomeu,  Azurara  regista  que  é  no  tempo  do  In- 
fante D.  Henrique  que.  pela  primeira  vez,  se  desenha  com  verdade  a  costa  africana  além  do  Cabo  Bo- 
jador. 

Ao  modo  como  se  foi  colocando  na  carta  a  costa  da  Guiné  se  refere  Pedro  Nunes  no  Trata- 
do em  defensam  da  carta  de  marear,  que  acompanha  o  Tratado  da  Sphera,  Lisboa,  1537,  contrapondo 
ao  processo  de  navegar,  por  distâncias  e  rumos,  no  Mediterrâneo,  de  que  resultaram  os  porlulanos.  o 
processo  seguido  pelos  portugueses  já  com  instrumentos  de  altura;  cNâo  duvido  que,  se  algumas  terras 
se  podem  por  navegação  verificar  no  que  pertence  a  Cosmografia,  são  as  costas  do  levante,  assim  por 
as  navegações,  que  por  èle  se  fazem,  serem  mais  frequentes  que  por  outras  nenhumas  partes,  como  por 
não  caberem  nisso  grandes  êrros.  por  os  mais  dias  haverem  vista  de  terra  e  saberem  onde  estão.  E  por 
isto  ser  assim,  nào  curam  os  que  por  éle  navegam  de  trazerem  astrolábios  nem  instrumentos  de  altura 
porque  per  rótas  e  estimação  do  caminho  que  tem  andado  fazem  seus  pontos;  e  se  alguma  hora  se  en- 
ganam, não  podem  nisso  durar  muito.  Mas  porque,  por  discurso  de  tempo,  as  outras  costas  de  ponente. 
e  Guiné  se  assenlaram  por  alturas...»  ('). 

Quando  os  navegadores  portugueses  começaram  a  empregar  os  astrolábios  e  quadrantes  para 
determinar  as  latitudes  geográficas,  estas  passaram  a  marcar  se  na  carta  de  marear.  A  costa  ocidental 
africana  foi-se  prolongando,  e  à  réde  dos  rumos  acabou  por  acrescenlar-se  um  meridiano  graduado,  na- 
turalmente o  do  Cabo  de  S.  Vicente,  que  era  considerado  o  mesmo  de  Lisboa,  o  a  que  D.  João  de  Cas- 
tro, chamava  «meridiano  das  operações»  (■).  A  èste  meridiano  referia  Colombo,  como  já  vimos,  a  longi- 
tude de  Saona,  em  setembro  de  1494.  Nordenskjõld,  apreciando  o  atlas  de  Willem  Barentszoon.  Caert 
boeck  uande  Midlandtsche  Zee,  Amslerdam.  1595.  apresenta-o  como  uma  prova  da  influência  dos  mapas 
e  roteiros,  compreendidos  nos  porlulanos  medievais,  sôbre  as  cartas  marítimas  impressas  no  fim  do  sé- 
culo XVI.  E  referindo-se  à  folha  dèsse  atlas  que  representa  as  cosias  próximas  do  Estreito  de  Gibraltar, 
onde  se  vé  um  meridiano  graduado,  passando  junto  do  Cabo  de  S.  Vicente,  diz:  *Penso  que  esta  carta 
marítima  é  baseada  em  mapas  Portugueses  e  que  lemos  aqui  uma  reminiscência  da  introdução, 
pelos  homens  do  Príncipe  Henrique,  o  Navegador,  do  método  de  determinar  a  posição  do  navio  por 
meio  de  observações  de  latitude»  (').  Éste  meridiano,  graduado  em  partes  iguais,  é  uma  escala  de  latitu- 


(')  Pigina  15.»  do  Tratado  em  defentam,  e  pig.  131  da  edlçJo  fic-slmilada  do  Tratado  da  Spherã. 
Cí   Roteiro  de  Lisboa  a  Goa,  Lisboa.  I8S2,  pág.  197.  nota  1. 
(')   Nonlenskiõld,  Fãc-simile  Atlas,  pig.  SI. 


91 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


des,  com  os  graus  de  igual  dimensão  em  tôda  a  extensão  da  carta.  Nos  portulanos  medievais  havia 
sempre  (embora  falte  em  muitas  reproduções)  uma  escala  das  milhas  para  avaliação  de  distâncias.  Esta 
escala  e  as  linhas  dos  rumos  era  quanto  bastava  para  a  navegação  pelo  processo  dos  rumos  e  distân- 
cias estimadas.  A  graduação  do  meridiano  trouxe  para  a  carta  marítima  a  consideração  da  grandeza  do 
grau  e  portanto  das  dimensões  do  globo  terrestre,  resultado  do  emprego  do  processo  de  navegação  por 
alturas  e  rumos.  O  acrescentamento,  porém,  da  graduação  merídiana  veio  trazer  complicações,  porque  se 
começou  a  notar  divergência  entre  as  latitudes  determinadas  por  observações  directas  e  as  que  se  de- 
duziam pela  carta.  Por  isso  Diogo  Gomes  achava  o  seu  quadrante  (pág.  54)  melhor  que  a  carta. 


Depois  da  graduação  do  meridiano  introduzíu-se  também  a  graduação  dos  paralelos  na  carta 
de  marear,  que  assim  tomou  a  fórma  da  projecção  de  Marino  de  Tiro.  O  professor  Hermann  Wagner  con- 
sidera o  mapa  de  Toscanetli.  a  quem  chama  «Marinus  redivivus»  (').  como  a  primeira  carta  marítima  do  sé- 
culo XV,  de  que  há  notícia,  nesta  projecção.  O  mapa  que  acompanhava  a  carta  escrita  por  Toscanelli  ao 
cónego  Martins  (')  em  1474  era  desenhado  sôbre  uma  rêde  de  malhas  rectangulares  formada  por  meri- 
dianos e  paralelos  eqiiidislantes  (fig.  49  e  atrás,  pág.  LXXXVII).  Os  lados  de  cada  rectângulo  estavam, 
segundo  H.  Wagner,  na  proporção  simples  de  4  para  3,  que  é  a  proporção  do  comprimento  do  grau  do 
equador  para  o  do  grau  do  paralelo  de  4lo,  em  que  Toscanelli,  seguindo  Regiomontano,  situava  Lisboa. 
Os  graus  de  latitude,  marcados  na  direcção  dos  meridianos,  eram  de  66  milhas  e  dois  terços  de  milha, 
que  Toscanelli  atribuía  ao  grau  do  circulo  máximo  teneslre  C),  do  que  resultava  para  o  grau  do  parale- 
lo de  Lisboa  a  extensão  de  50  milhas  (J  -  50  66  ]).  e  os  graus  de  longitude  têm  no  mapa  este  nú- 
mero de  milhas  em  todos  os  paralelos.  O  paralelo  de  Lisboa  tinha  assim 
a  mesma  importância  fundamental  do  paralelo  de  Rhodes  na  carta  de  Ma- 
rino. O  mapa  toscaneliano  resultava  da  projecção  sôbre  um  cilindro  per- 
pendicular ao  equador,  o  qual  interceptava  o  globo  terrestre  segundo  um 
círculo  menor,  o  paralelo  geográfico  de  Lisboa.  Era  uma  caria  plana 
rectangular. 

Depois  que  as  naus  portuguesas  navegaram  ao  sul  da  linha 
equinocial  as  longitudes  contaram-se  no  equador,  e  portanto  em  graus  de 
circulo  máximo  como  as  latitudes.  Assim  se  chegou  à  «carta  plana  qua- 
drada», que  é  uma  proiecçào  cilíndrica  equidistante,  em  que  o  cilindro  de 
projecção  é  tangente  à  esfera  terrestre  ao  longo  do  equador. 

O  uso  da  carta  plana  mostrou  que  a  rêde  das  linhas  rectas 
dos  rumos  se  não  harmonizava  com  a  graduação  das  coordenadas  geo- 
gráficas. A  causa  dos  èrros  da  carta  começou  a  ser  estudada  por  Pedro 
Nunes,  em  cujo  tempo  havia  queixas  gerais  contra  ela,  como  éle  próprio 
declara.  Estudando  a  natureza  da  curva  descrita  pelo  navio,  quando  prosse- 
gue sempre  num  rumo  constante  e  corta  portanto  sob  um  mesmo  ângulo  os 
meridianos  sucessivos,  curva  a  que  depois  se  chamou  loxodromiã.  viu  que 
ela  nâo  era  um  arco  do  círculo  máximo,  mas  sim  uma  espiral,  linha  torsa 
ou  de  dupla  curvatura,  e  que  só  em  dois  casos  especiais  era  plana: 
quando  o  rumo  seguido  era  de  norte-sul,  caso  em  que  é  um  círculo  má- 
ximo, um  meridiano:  e  quando  o  rumo  era  de  leste-oeste.  caso  em  que  é  um  círculo  menor,  um  paralelo. 
Assim  diz  Nunes  no  Tratado  em  defensam:  «...  o  caminho  que  se  faz  per  uma  róia  não  é  por  círculo 
maior,  que  é  o  direito  e  contínuo,  pois  sempre  fazemos  com  os  novos  meridianos  angulo  igual  ao  com 
que  partimos,  o  que  era  impossível  fazer  círculo  maior,  se  por  êle  fôssemos:  antes  é  uma  linha  curva  e 


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de  1o«can«lll,  «eaundo  a  rccona* 
Irufio  de  H.  Wagner. 


SC...  der  S^^ssl^nT^Ten^^^^^^^^^  JJJ*.  1"  ^«.nV.r.n  .on  der  H.  Oeseii 

M  Co,6n                  Poíi^fc^^c'^?:?^  Rori..  veia-se:  Anjel  de  AUoIagu.rrc  y  Duvale.  Crisié- 

'  ^^'^  ^«"'«/«■^-r/í.  plg,.  250,  257-261.  O  grau  equatorial  de  66  \  milhas, 

lie  «r/oSl"^rrT'?^^  °                 ^  "^9"»-  «•"^  -^^^^  dissemos  (pig. 

75),  *««  valor  poderia  ler  «do  lembrado  a  Toscanelli  pela  conversação  de  F.  Madlns.  como  adop.ado  já  em  Portugal 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


irregular»  (').  E  acrescenta  um  esquêma  com  as  linhas  dos  rumos  nordeste  sudoeste  e  lesnordesle-oes- 
sudoeste,  e  suas  simétricas  relaliuamente  ao  meridiano,  as  dos  rumos  noroesle  sueste  e  oesnoroeste- 
lessueste.  A  fig.  50  é  reprodução  reduzida  do  esquêma  de  Pedro  Nunes;  a  fig.  51  (')  representa  as  mes- 
mas linhas  em  projecção  estereográfica  polar.  Assim  as  loxodromias  sáo  estudadas,  pela  primeira  vez. 
em  1537  por  Pedro  Nunes,  que  trata  de  explicar  os  êrros  da  carta  plana  e  tenta  corrigi  los. 


11 1  [mAt  .C  M  «UITM  WT<<««  1  ■  taal»M1il  tanM  iMUHli  Ml 

fuMMTR  m  «MSfftt  In  rwit . 
rtg.  M,  raprotfuilda  do  Tratado  d«  P.  Nun««,  com  rtdutlo  d« 


FlR.  II 


iComo  pensa  Pedro  Nunes  que  se  podem  remediar  estes  inconvenientes  da  carta  de  marear? 
Recorrendo  ao  processo  seguido  por  Ptolomeu  nas  26  cartas  das  regiões  especiais:  «Mas  o  melhor  seria 
para  excusarmos  todos  estes  trabalhos,  que  íizéssemos  a  carta  de  muitos  quarteirões,  de  bom  compasso 
grande,  nos  quais  guardaremos  a  proporção  do  meridiano  ao  paralelo  do  meio.  como  (az  Ptolomeu  nas 
táboas  das  províncias»  Trar-se  há  a  carta  em  livro.  Nos  quarteirões,  onde  não  houver  terra  que  pas- 
se de  18  graus  de  altura,  podem  fazer  se  todos  os  graus  iguais  ao  do  meridiano:  nestes  a  projecção 
seria  plana  quadrada.  Nos  quarteirões  de  mais  altas  latitudes  far  se  hão  os  graus  de  longitude  iguais 
aos  do  paralelo  médio,  «porque  o  que  por  uma  parte  se  acrescenta,  pela  outra  se  diminuí»;  nestes  a 
projecção  seria  plana  rectangular. 

A  solução  não  estava,  porém,  no  atlas  de  Ptolomeu.  A  carta  de  marear  precisava  de  modifi- 
cação diferente,  que  foi  a  que  apareceu  na  célebre  carta  de  Mercator.  de  1569.  Os  graus  dos  paralelos 
vão  sendo,  na  esfera,  cada  vez  menores,  desde  o  equador  para  os  pólos;  mas  como  na  carta  plana  qua- 
drada eles  são  sempre  iguais  ao  grau  do  eqiiador,  segue  se  que.  na  carta,  os  graus  de  longitude  vão 
sendo  aumentados  cada  vez  mais  na  direcção  dos  pólos.  Os  graus  de  latitude,  porém,  marcados  nos 
meridianos,  são  todos  de  igual  grandeza.  Mercator,  na  carta  de  1569,  vai  aumentando  os  graus  de  la- 
titude a  partir  do  equador  na  mesma  proporção  em  que  crescem  os  de  longitude.  Assim  a  carta  plana 
quadrada  foi  reformada,  saindo  dela  a  nova  carta  de  latitudes  crescidas,  que  é  a  projecção  cilíndrica 
isogónica.  chamada  de  Mercator.  Sendo  a  projecção  isogóníca,  isio  é.  conservando-se  nela  os  mesmos 
ângulos  que  as  linhas  fazem  sobre  a  esfera,  as  loxodromias,  visto  cortarem  os  meridianos  sob  um  mes- 
mo ângulo,  também  na  carta  cortarão  as  rectas  paralelas,  que  os  representam,  com  ângulo  igual,  e  por- 


(■)   Pijina  0.a  do  Tratado  em  defensam,  e  pág.  124  da  reproduçlo  fac-similada  do  Tratado  da  Sphera. 

O  Devemos  esta  iígura  à  amabitidade  do  nosso  colega  na  Faculdade  de  Sciínclai.  Snr  Dr.  Joio  Pereira  da  Sil- 
va Dias,  que  lambém  nos  lêz  lavor  de  desenhar  um  grande  número  das  figuras  d&ite  Capitulo.  Aqui  lhe  contlgnamoi  os  not- 
60S  agradecimenlos. 

(*]   Página  22.>  do  Tratado  em  áetensim,  t  pig.  139  da  reprodução  lac*ilmllida  do  Tratado  dê  Sphera. 

93 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  DRASir. 


tanto  transformar-se  hão  em  linhas  rectas  (').  Nâo  sucedia  âssim  na  projecção  plana  quadrada,  por  esta 
não  ser  isogónica.  A  figura  (Fig.  52)  permite  comparar  as  loKodromias  de  nomordeste  (NNE).  nordeste 
(NE)  e  lésnordeste  (E  N  E)  como  elas  deviam  ser  exactamente  desenhadas  (as  curvas  pontuadas)  numa 
caria  plana  quadrada,  com  as  loxodromias  rectas  da  carta  de  lalitudes  crescidas.  Os  paralelos  da  prí* 
meira  carta  esiào  pontuados  (representam-se  os  de  30°,  60°  e  90»  de  latitude),  e  os  correspondentes  da 
carta  de  Mercator  são  os  de  traço  continuo.  A  correspondência  entre  os  pontos  da  mesma  loxodromia 

nas  duas  projecções  é  estabelecida  pelos  meridianos, 
MC  representados  pelas  paralelas  que  na  carta  correm 

debaixo  para  cima. 

O  professor  Hermann  Wagner  (*),  de  Goet- 
tingen,  é  de  opinião  que  Mercator  foi  levado  à  sua 
projecção  por  uma  figura  como  esta.  Tendo  traçado 
NC      numa  carta  quadrada  as  curvas  lo><odrómicas  a  partir 
de  um  ponto  do  equador,  traçou  também  as  suas  tan- 
gentes neste  mesmo  ponto.  Projectou,  na  direcção  dos 
meridianos,  sôbre  as  tangentes,  os  pontos  de  inter- 
cepção das  curvas  com  um  mesmo  paralelo,  e  viu  que 
estes  pontos  ficavam  todos  sobre  um  novo  paralelo 
mais  afastado  para  o  pólo.  E  assim  teria  sido  levado 
a  afastar  os  paralelos  cada  vez  mais  na  direcção  dos 
rsjc   pólos,  para  transformar  as  curvas  loxodrómicas  em 
ENE    rectas,  tornando  compatíveis  na,  carta  de  marear,  assim 
modificada,  as  linhas  rectas  dos  rumos  com  as  gra* 
duações  de  longitude  e  latitude  ("). 

Pedro  Nunes,  no  Tratado  em  defensam  da 
carta  de  marear,  diz:  «Mas  porque  meu  intento,  nesta 
pequena  obra,  é  desculpar  a  carta  das  culpas  e  êrros 
de  que  todos  geralmente  a  acusam,  e  não  as  igno- 
•*  90'  180'      rãncias,  enganos,  porfias  e  contumácias  dos  marean- 

rig. u  les....»  (*).  Pedro  Nunes  censura  demasiadamente  as 

ignorâncias  dos  mareantes.  Dêles  se  não  podia  exigir 
que  fossem  Iodos  homens  de  sciência  como  D.  )oão  de  Castro.  O  papel  dos  sábios,  para  ser  verdadei- 
ramente util.  é  fornecer  aos  homens  d  3  prática  processos  simples,  ao  seu  alcance,  com  que  possam 
resolver  bem  os  seus  problemas.  Desde  a  idade  média  que  os  navegantes  estabeleciam,  na  rêde  dos  rumos 
rectilinios  dos  mapas-porlulanos,  o  princípio  fundamental  da  carta  dc  marear  que  lhes  convinha.  Quando 
se  lhe  juntou  a  rede  quadrada  dos  meridianos  e  paralelos  equidistantes,  esta  ficou  incompatível  com  a 
primeira,  pois  na  carta  plana  quadrada  as  loxodromias  deviam  ser  linhas  curvas.  Mercator,  modifi- 
cando a  graduação  das  latitudes  com  a  adopção  das  latitudes  crescentes,  tornou  rigorosamente  rectas  as 
linhas  dos  rumos,  e  deu  aos  mareantes  uma  carta  em  que  os  seus  problemas  podem  ser  resolvidos  com 
exactidão  pelo  emprégo  simples  do  compasso  e  régua.  A  sua  carta  de  1569  marcou  uma  época  nova  na 
arte  de  navegar. 


(')  Èttc  simpifí  rariocfnio  geométrico  6  feito  por  Pedro  Nunes  na  2.»  página  do  Tratado  em  defensam  da  carta 
de  marear:  •£  a«i  como  o  caminho,  que  iazemos,  faz  com  03  novos  meridianos  igual  .ín<iulo  ao  com  que  partimos,  assi  mes- 
írio  M  CJfla.  qii  -enla  o  Univerjo,  faz  sempre  a  mesma  nSla  com  os  meridianos  ângulos  iguais,  potos  ditos  meridiano» 

WTtm  Unha»  d  cquidisiantes,  que.  com  a  lerceira  linha,  que  é  a  per  que  se  laz  o  cammho.  causam  de  denlro  c  de 

qulos  i?  é  a  ra2.1o  porque  foi  necessário  serem  os  rumos  de  norte  sul.  e  quaisquer  outros  de  um  mesmo 

!. Ilhas  dii  .i.inic3>.  Para  aplicar-se,  porem,  tal  raciocínio  ã  caria  plana  quadrada,  seria  preciso  que  ela  gozasse 

úà  piopriedade  de  ser  iãogonica. 

(*>  Hermann  Wagner,  G.  Mercator  und  díe  ersten  Loxodromen  auf  Karten,  in  Annalen  der  Hvdrodraphie. 
Hamburg.  1915.  pjg,  350.  r     »    p  . 

(■)   Desla  maneira  Mercator  teria  determinado  grítlcamentc  as  latitudes  crescidas.  Segundo  NordenskjÕld  (Fac-si- 

mlle  Attês,  pág.  96)  £te  leria  calculado  eslas  latitudes,  de  10  em  IQ  graus,  pela  fórmula  aproximada  1'  -  V   »o  

onde  l'y  é  a  latllude  crescida  correspondente  4  latitude  verdadeira  f,  sendo  unidade  o  comprimento  do  grau  eqiiatoriaL  Como 
é  sabido,  a  lórmula  exacta  das  latitudes  crescidas,  ou  partes  meridionais,  é  f  ^Af,  _        |™  _'  (90  +  ç), 

O   PigltK  8-*  do  Tratado  em  defensam,  e  pig.  124  da  reproduçSo  Iac-simliada  do  Tratadolda  Sphera. 

94 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


Pedro  Nunes  nao  deu  a  solução  cartográfica  da  quesláo  que  a  caMa  de  marear  suscitava  no 
seu  tempo,  mas  contribuiu  para  ela.  Era  para  isso  íundamcnial  a  consideração  da  natureza  da  curva 

r^/^í/n  w"c\''"*''"  ^LT^'"°  P^**^*»  tratados  que  acompanham  o 

/ra/a!Ío  da  Sphera.  publicado  em  Lisboa,  em  1537.  que  sâo:  o  Tratado  sôàre  certas  dúvidas  da  nave- 
gação e  o  Trjtjdo  cm  defensam  da  carta  de  marear.  E  mais  desenvolvidamente  versa  êste  mesmo 

"rm    o'^!"'  i^""^  '^'^^  s^  enconira  na  edição  de  parte  das  suas  obras, 

leila  em  Bàle:  Petn  Nonii  Opera.  Dasileae.  1566.  O  globo  terrestre  de  Mercator.  impresso  em  1541.  em 
LOvama.  sàbre  12  fusos  destinados  a  cobrir  uma  esféra  de  1-^.29  de  circunferência  de  círculo  máximo, 
orerece  a  circunstancia  notável  de  nèle  correrem,  sôbre  os  mares,  feixes  de  loxodromias.  irradiando  de 
varias  rosas  espalhadas  pela  carta.  Estas  loxodromias  sâo  curvas  torsas.  desenhadas  com  grande 
exactidão.  Mercator.  que  viveu  em  Lovaina  até  1552.  devia  conhecer  a  obra  portuguesa  de  P  Nunes  de 
1537  em  que  se  trata  iá  da  curva  loxodrómica.  Se  P.  Nunes  nâo  indica  aí  processo  prático  para  o 'seu 
traçado  sobre  um  globo,  clama  bem  a  necessidade  de  tal  traçado  se  fazer  com  rigor,  chamando  a  atenção 
para  este  ponto,  quando  se  queixa  dos  construtores  de  globos:  ....  e  porque  estes  que  fazem  globos 
nao  sabem  lançar  neles  rumos,  nâo  sentem  isto.  e  assim  fica  tudo  bem  borrado,  posto  que  nos  tais 
globos  haia  muito  ouro.  e  muitas  bandeiras,  Alifantes  e  Camelos,  e  outras  cousas  iluminadas  •  C) 
Pedro  Nunes  concorreu  para  a  transformação  que  a  carta  de  marear  tinha  de  sofrer,  com  o  estudo  fun- 
damental:  a  teoria  dos  rumos  ou  loxodromias.  que  êle  foi  o  primeiro  a  apresentar. 

iComo  foi  éle  levado  a  êste  estudo?  Em  1533.  Marlim  Afonso  de  Sousa,  regressando  da  sua 
viagem  pelas  costas  do  Brasil  (').  apresentou-lhe  certas  dúvidas  que  lhe  suscitára  a  navegação  que  vinha 
de  fazer.  Uma  delas  resultava  de  ter  êle  observado,  em  qualquer  parte  onde  se  achasse,  nascer  lhe  o 
sol  em  leste  nos  dias  tios  equinócios,  quando  o  sol  andava  no  equador;  disto  concluía  Martim  de  Sousa 
que,  se  êle  fosse  com  a  prôa  do  navio  sempre  em  leste,  devia  ir  ter  ao  eqOador.  o  que  nâo  succedia. 
pois.  num  rumo  constante  de  leste,  o  navio  seguia  um  paralelo.  Eis  a  questão  que  levou  ao  estudo  dos 
rumos,  ou  loxodromias.  o  matemático  Pedro  Nunes,  que  assim  foi  solicitado  pelo  navegador.  Por  seu 
turno,  dêsle  estudo  teórico  aproveitou  o  cartógrafo  flamengo,  que.  em  I54I,  traça  com  rigor  num  globo 
as  curvas  dos  rumos,  e  em  1569  altera  a  escala  das  latitudes,  de  modo  que  estas  curvas  sejam  rigorosa- 
mente transformadas  em  linhas  rectas  sôbre  a  caria.  O  navegador  pôs  as  suas  dúvidas  a  propósito  da 
róta  em  rumo  de  leste;  o  matemático  faz.  meditando  sôbre  isso.  a  teoria  das  curvas  loxodrómicas;  e  o 
cartógrafo  modifica  depois  o  sistema  de  projecção,  para  as  representar  por  linhas  rectas,  como  convinha 
à  prática  da  navegação. 


16  —  MARÉS 


™^  UARTE  Pacheco  Pereira,  no  Prólogo  do  seu  Esmeraldo  de  siíu  orbis.  enumerando  os  as- 
í^m.  suntos  de  que  se  ocupará,  cita  entre  éles  o  estudo  das  marés:  «e  o  mesmo  as  marés, 
se  são  de  nordeste  e  sudoeste  assim  como  as  da  nossa  Espanha,  ou  se  são  de  norte 
e  sul,  ou  de  leste  e  oeste,  ou  de  noroeste  e  sueste,  as  quais,  para  entrarem  c  saírem 
nas  barras  e  bócas  dos  rios,  sâo  forçadamente  necessárias»  (').  Trata  das  marés  nos 
capítulos  II  e  12  do  primeiro  livro,  escritos  no  ano  de  1505.  Começa  por  citar  a  opinião  dos  astróno- 
mos sôbre  o  período  da  lunação  ou  revolução  sinódica  da  lua:  «Item.  Primeiramente  devemos  notar  co- 
mo os  astrólogos  afirmaram  que  da  hora  que  a  lua  é  nova  e  em  conjunção  com  o  sol.  a  que  o  indoclo 
vulgo  chama  antrelunho,  até  à  hora  que  torna  outra  vez  à  dita  conjunção  e  novilúnio,  passam  29  dias. 


Página  15.»  do  Tratado  cm  defensam,  e  pig.  131  da  reprodução  lac-stmilada  do  Tratado  da  Spitera  No  Trê- 
IS  duvidas  de  navegação  (pág.  110  desta  reprodução  lac-6Ímilada).  relerlndo-se  aos  dois  modo»  de  naveoar,  ou 


tado  sõbrc  certas  nuiít^^iuií  tK^a-        uiam  ii;|jiuuul<iu  idL-BimujiuAj,  rvivnnao-se  aos  aois  tnooos  Qt  navegar 

seguindo  um  mesmo  rumo  (navegação  loxodrómica)  ou  um  círculo  máximo  (navegaçio  orlodrómlca).  e  obiervando-  <E  posto 
que  para  cada  um  désies  modos  sirva  mais  a  poma  rumada  como  convém,  que  nenhum  outro  planljlérlo  •  sugeria  natu- 
ralmente a  Mercator  a  execução  do  seu  globo,  que  é  uma  poma  rumada.  Isto  <.  uma  cslera  coberta  de  llnhat  de  rumos. 

(')  Dcsfa  viagem  de  Martim  Alonso  de  Sousa,  primeiro  donatário  da  capitania  de  S.  Vicente,  e  primeiro  colonlii* 
dor  do  Brasil,  exisle  o  Diário  da  navegação  da  armada  que  toi  à  Terra  do  Brasil  em  IS}0  sob  a  capitania  már  de  Mar- 
tim Afonso  de  Sousa,  escnpto  por  seu  irmão  Pero  Lopes  de  Sousa,  publicado  por  F.  A,  de  Varnhagcn.  Lisboa,  1839. 

(')   Esmeraldo  de  situ  orbis,  edição  da  Sodedade  de  Oeoaralla,  UstKM,  1905,  pág.  l 


95 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


12  horas  e  33  minutos,  e  em  cada  24  horas  depois  da  dita  conjunção,  que  é  um  dia  natural,  ela  se 
aparta  do  sol  quatro  quintos  de  hora...»  (').  Mas  êle  prefere,  por  motivos  de  ordem  prática,  adoptar, 
como  os  marinheiros,  três  quartos  de  hora,  em  vez  de  quatro  quintos,  para  medida  do  afastamento  diário 
do  sol  e  da  lua:  «Item.  Entre  os  astrólogos  e  os  marinheiros  há  uma  diferença  sòbre  o  curso  da  lua, 
porque  os  astrólogos  dizem  que  da  hora  da  sua  conjunção  e  novilúnio,  em  cada  dia  natural,  que  é  de 
24  horas,  até  à  hora  em  que  é  cheia  e  em  oposição  do  sol,  quatro  quintos  de  hora  se  arreda  do  mesmo 
sol,  e  passada  a  hora  da  sua  oposição  e  plenilúnio  outros  quatro  quintos  se  vai  ao  sol  achegando  até 
ser  com  éle  outra  vez  em  conjunção...;  e  os  marinheiros  dizem  que  neste  curso  da  lua  se  não  anéda 
ou  achega  ao  sol  em  cada  dia  natural  mais  de  trés  quartos  de  hora  que  releva  uma  quarta  pela  agulha 
de  marear;  assim  que  entre  èles  há  um  vintavo  de  hora  de  diferença,  e  postòque  os  astrólogos  nisto 
tenham  a  verdade  e  os  marinheiros  não,  por  êste  conto  ser  tam  pouco  que  não  releva  senão  três  minutos 
e  nâo  faz  dificuldade  nem  èrro  sensível  às  marés  de  que  esperamos  tratar,  portanto  seguiremos  a  opinião 
dos  marinheiros,  porque  as  marés  mais  ligeiramente  se  tiram  pelo  conto  da  agulha  de  marear  que  por 
outra  guisa,  segundo  os  ditos  marinheiros  d'anliguidade  seguem  e  praticam*  C). 

A  razão  porque  Duarte  Pacheco  prefere  os  45 
minutos  dos  marinheiros  aos  48  dos  astrónomos  de 
então  (os  de  hoje  contam  51  >«)  («)  é  prestarem-se  melhor 
os  três  quartos  de  hora  à  avaliação  que  os  marinheiros 
faziam  dos  movimentos  circulares,  contando  os  pelos  rumos 
da  agulha  de  marear.  Assim,  em  vez  de  avaliarem  o  mo- 
vimento diurno  do  sol  nos  ângulos  horários  contados  desde 
o  meridiano,  expressos  em  graus  ou^horas,  imaginavam  uma 
Rosa  dos  ventos  colocada  paralelamente  ao  equador  com 
o  Sul  para  cima  e  o  Oeste  para  ocidente,  e  indicavam  pelos 
rumos,  meios  rumos  e  quartas,  a  situação  do  sol  no  para- 
lelo por  êle  descrito  nas  24  horas.  A  figura  junta  (Fig.  53) 
mostra  a  correspondência  estabelecida  pelos  marinheiros 
entre  os  rumos  da  Rosa  e  as  24  horas  do  dia.  Ao  melo- 
dia o  sol  estava  no  Sul,  às  três  horas  da  tarde  em  sudoeste 
(SO),  às  seis  horas  em  oeste,  às  nove  em  noroeste  ÍNG); 
à  meia-noite  dizia-se  no  Norte,  às  trés  horas  da  manhã 
em  nordeste  (NE),  às  seis  em  leste  e  às  nove  em  sueste 
rig.  D  (SE).  Os  intervalos  de  rumo  a  rumo  (entre  os  oito  rumos 

principais)  correspondiam,  pois,  a  três  horas,  os  das  meias 
partidas  ou  meios  rumos  a  hora  e  meia,  e  cada  quarta  valia  precisamente  três  quartos  de  hora;  assim 
decorrida  hora  e  meia  depois  do  meio-dia,  dizia-se  que  o  sol  estava  em  sussudoeste  (SSO),  e  três 
quartos  de  hora  depois  do  meio  dia  estava  ao  sul.  quarta  de  sudoeste. 

O  movimento  diurno  da  lua  contava  se  assim  pelos  mesmos  rumos  da  agulha.  E'  preciso  não 
esquecer  que  a  Rosa  não  eslá  horizontal,  mas  se  imagina  paralela  ao  equador,  ou,  como  se  dizia  no 
tempo,  paralela  ao  movimento  do  Primeiro  Móbil.  Seguindo  a  figura,  é  muito  claro  o  que  diz  Duarte 
Pacheco  sòbre  o  cômputo  das  marés  na  costa  atlântica  da  Península  hispânica,  desde  o  Estreito,  por 
Portugal  e  Galiza,  até  Biscaia: 

*Quem  o  conto  das  marés  quiser  aprender,  para  que  bem  entenda,  é  necessário  que  primeiro 
saiba  todolos  rumos  da  agulha  de  marear  com  suas  quartas  e  meios  rumos,  porque  nisto  jaz  todo  o 
fundamento  desta  cousa  e  d"outra  maneira  não  no  poderá  saber;  e  os  marinheiros  e  pilotos  que  danli- 
fiuidade  isto  praticaram,  primeiramente  souberam  os  ditos  rumos,  quartas  e  meios  rumos,  e  por  ali  puseram 
em  ordem  o  encher  e  o  vasar  do  mar  nesta  província  de  Espanha  e  em  outras  partes  segundo  a  diferença 
das  marés,  começando  do  Rio  de  Barbate  dAndaluzia  até  toda  a  Galiza  e  maior  parte  de  Biscaia;  o 


(■)  Ibidem,  pág.  43. 
(*)   ibidem,  págs-  43,  44. 

dl*  SI  mlnuílí.  S/t™»»'^?,'*'  fíí^  *  <le  l2oll.'4  do  ()u«  rcsulu  chegar  éla  ao  meridiano  cm  cada 

hjiajâo  é  »  dias  uCíí^rí  2-  9^^         °  correspondiam  a  um  airaso  de  12  graus  inlelros.  O  valor  médio  da 

96 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


n^sL  mentir/  ^^       . ^^'^^  ^  ""^  «is  de  va.ante.  procedendo 

Les  e  Toer^!!  '  ^        '"^'^  Mordeste  e  sudoeste  praiamar; 

INOoSfT  T'""'  '  ^  no  rumo  de  noroeste  e  sueste 

èntán  ,Pr^         /  ""'^^      '''"^      Espanha.  e  quando  fôr  no  rumo  de  norte  e  sul  [NeS]. 

mar  de   nH^^L^""  '^"'v'  "°  "^^^^^'^  <^  I^E  e  S0|.  entáo  será  o 

estL  ma  éfV.  l',^'"'  chegando  a  Lua  em  leste  e  aloeste  lE  e  0|.  então  será  meia  água  vazia;  e 
estas  mares  faz  em  tôda  a  costa  de  Espanha  e  parle  da  Berbéria,  do  Estreito  de  Ccula  para  fóra  e  ora 
a  Lua  seia  nova.  ora  meia.  ou  cheia,  sempre  nestes  rumos  faz  a  dita  maré»  ('). 

í  m.ri  ^        em  conjunção  com  o  sol.  os  dois  astros  andam  no  mesmo  rumo.  e  nesse  dia 

va^an  ^      nm^h  ^"^  t"''*'""  ^  ^  '^^^  '"^^  ^  da  n^anh.l.  e 

^fíJllc  '"^"^^  '""^  °  ^  "o^o^ie.  Duarte  Pacheco  enumera 

as  lases  por  que  vai  passando  a  maré.  -  um  oitavo  de  água  cheio,  um  quarto  de  maré  cheia,  irès  oitavos 

ulin.  •  '^"'^  Península,  com  a  passagem  dos  dois 

lummares  nas  quartas  sucessivas  da  Rosa  eqUatorial. 

f,cn  A  ^^"'''^  conjunção  a  lua  afasta-se  do  sol  uma  quarta  em  cada  24  horas;  para  se  saber  a 
tase  da  mare  em  qualquer  dia  e  hora.  tem  por  isso  de  conlar-se.  a  partir  do  rumo  do  sol.  correspondente 
â  hora.  tantas  quartas  quantos  os  dias  da  idade  da  lua  nessa  data.  Assim  se  sabe  o  rumo  em  que  está 
a  tua  e  portanto  a  maré:  «e  quem  esta  maré  houver  de  tirar  para  se  aproveitar  dela.  veja  em  que  rumo 
d  agulha,  quarta  ou  meio  rumo  é  o  sol.  e  então  conte  quantos  dias  são  passados  da  hora  da  dita  conjunção, 
contando  por  cada  dia  uma  quarta  até  os  15  dias.  ou  menos,  se  menos  forem,  e  onde  lhe  ficar  a  lua 
aquela  maré  tera,  s.,  se  fòr  ao  sueste  será  baixamar,  e  se  fôr  à  quarta  do  sul,  um  oitavo  de  água  cheio 
e  assini  vai  procedendo  como  atrás  é  dito.  (').  Finalmente  termina  por  observar:  <e  sabida  esta  ordem  e 
modo  de  se  tirarem  as  marés  de  Espanha,  por  ela  se  saberá  em  outras  partes,  onde  maré  houver,  se 
sao  desta  qualidade  ou  não*  ('). 

VA  A  a  "^osla  africana  e  a  navegação  ao  longo  dela.  vai  Duarte  Pacheco  indicando  a 

qualidade  das  mares;  assim  nos  diz  que  na  foz  dos  rios  Senegal,  Rio  dos  Barbacins.  Gambea.  Rio  Grande 
e  Kio  Formoso  (")  a  mare  era  de  noroeste  e  sueste,  o  que  significa  que  em  tais  lugares  tinha  lugar  a 
praiamar  quando  a  Lua  estava  nestes  rumos,  os  mesmos  em  que  era  baixamar  nas  costas  da  Península. 
For  ISSO  as  classifica  de  contrárias  às  nossas:  .e  êste  Rio  Formoso  se  aparta  em  ladeza  da  linha  equinocial 
contra  o  pólo  árctico  sete  graus,  e  tem  a  maré  de  noroeste  e  sueste,  contrária  às  da  nossa  Espanha-  (•) 
No  Rio  dos  Forcados  a  maré  faz  já  diferença  de  uma  quarta:  -e  a  maré  dêste  Rio  ó  de  noroeste  e  sueste 
e  toma  a  quarta  de  leste  e  oeste»  (^). 

O  conhecimento  das  marés  não  era  só  necessário  para  a  entrada  e  saída  nas  barras  e  bôcas 
dos  nos.  Nos  combates  que  susteve  em  Cochim.  em  que  obteve  Iam  espantosas  vitórias  sôbre  o  rei  de 
Cahcut.  esteve  êle  sempre  alento  à  marcha  das  marés,  que  soube  aproveitar  com  vantagem. 

«Nos  braços  do  salgado  e  curvo  rio»  (•), 
Quando  teve  de  guardar  ao  mesmo  tempo  o  passo  do  vau,  por  onde  os  índios  só  podiam  atacar  na 
baixa-mar,  e  o  passo  de  Palurte,  dispôs  assim  as  suas  poucas  fôrças  navais  (dois  bateis  e  duas  carave- 
las): -e  por  ésie  passo  do  vau  ser  tam  perto  do  de  Palurte  fazia  Duarte  Pacheco  conta  que  o  guardaria 

na  vazante  da  maré  com  os  bateis,  e  o  de  Palurte  ficaria  guardado  com  as  caravelas  E  vendo  que  o 

não  cometiam,  tornou  se  a  Palurte  com  a  enchente  dágua,  e  com  a  vazante  se  tornou  ao  vau,  e  assim 
se  revezava  de  dia  e  de  noite  nas  vazantes  e  enchentes  com  muitas  calmas  e  chuvas,  e  com  outros  mui- 
tos trabalhos  que  passou  com  os  seus  em  um  mês  e  vinte  e  três  dias  depois  que  se  mudou  do  passo 
de  Cambalão.»  (')  E  na  ante  manhã  do  dia  em  que  o  rei  de  Calicut  lhe  deu  o  quarto  combate,  dizia  Pa- 
checo aos  companheiros:  «e  tende  por  sinal  disso  |da  ajuda  de  Deus)  ser  hoje  baixa  mar  ao  meio  dia 
até  cujo  lermo  não  podem  os  inimigos  cometer  o  vau,  e  por  a  fôrça  da  sua  peleja  ser  até  estas  horas, 


(')  Eimrrãído  de  sltu  orbis.  LIsboi,  1905,  pig.  44, 

Cn  Ibidem,  pig.  47. 

C)  Ibidem,  pigs.  78.  86,  67,  91  t  119. 

(*)  Ibidem,  pig.  119. 

(*)  Ibidem,  plgs.  120.  121. 

(■)  Os  Lusíadas.  Canto  X.  13.  Camdes  cttam*  saigado  to  rio  de  Cochim.  psra  tembrar  que  toÍ  na  parle  do  rio  Inva- 
dida pelas  marés  que  livrram  lugar  05  combales,  o  que  Pacheco  teve  eempre  em  vitta  nac  dlipotiçOes  tomadu. 

O  Caslanheda.  Historia  do  descobrimento  da  índia,  Uvro  I.  Cap.  73. 


97 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


se  até  elas  lhe  defendemos  éste  passo  |o  de  Palurte)  como  espero:  eu  vos  dou  por  seguro  o  vau.*  (')  E 
ao  meio-dia,  lendo  acabado  de  desbaratar  o  grande  número  de  paraus  que  pretenderam  aferrar  as  cara- 
velas, acudiu  com  os  bateis  ao  passo  do  vau,  onde  a  vazante  permitia  a  entrada  da  multidão  de  inimi- 
gos que  iam  sôbre  Cochim.  e  aí  os  deteve,  ale  que  a  subida  das  águas,  já  tintas  de  sangue,  os  obrigou 
a  retirar.  el-rei  de  Calicut  ficou  tam  agastado  e  triste  por  o  senhor  de  Rcpelim  não  aferrar  as  cara- 
velas, nem  seu  irmão  entrar  o  vau,  que  lhes  disse  a  ambos  palavras  muito  injuriosas.»  (') 

No  Regimento  da  Biblioteca  de  Évora  (1517)  vem  a  «Regra  para  saber  as  marés  a  qualquer 
hora  do  día>.  fundada  na  diferença  diária  de  48  minutos  da  Lua  a  respeito  do  Sol:  «E  assi  deves  saber 
que  a  cada  dia  da  lua  vai  acrescentando  quatro  quintos  de  hora.» 

Pedro  de  Medina,  no  seu  Regimiento  de  Navigacion,  impresso  em  1552,  chegando  ao  «Nota- 
ble  quinto,  de  ta  cucnta  de  la  luna  v  como  vienen  las  marcas»,  diz  primeiro  *que  la  luna  da  buelta  en 
el  cielo  en  24  oras  v  quatro  quintos  de  una  ora.  que  son  los  doze  grados  que  anda  mas  que  el  sol.» 
Mas  a  seguir  prefere,  como  Duarte  Pacheco,  referir  as  marés  aos  ângulos  horários  da  lua,  expressos  nos 
rumos  da  agulha.  Depois  de  explicar  que  é  praia-mar  quando  a  lua  chega  a  Nordeste  ou  a  Sudoeste, 
meia  maré  minguada  com  a  lua  em  Leste  ou  a  Oeste,  a  vazante  com  ela  em  Sueste  ou  Noroeste,  e  meia 
maré  crescida  com  a  lua  no  Sul  ou  ao  Norte,  adverte  expressamente:  «Notad  que  estos  vientos  no  se 
han  de  ymaginar  en  el  orizonte  donde  el  aguja  los  seiiala:  mas  han  se  de  imaginar  sobre  el  Norte: 
puesto  en  angulo  debaxo  dei  orizonte:  y  el  Sol  y  la  Luna  al  movimiento  dei  primer  móbil».  Pedro  de 
Medina  julga  necessário  lembrar  aos  pilotos  que,  para  aquele  cômputo,  se  não  trata  da  agulha  por  que 
se  dirige  o  homem  do  leme,  mas  se  tem  de  imaginar  uma  Rosa  dos  ventos,  colocada  paralelamente  ao 
movimento  diurno,  isto  é.  ao  equador,  ficando  o  Sul  para  cima  e  o  Norte  abaixo  do  horizonte.  Parece 
que  os  pilotos  portugueses  do  tempo  de  Pedro  Nunes  tinham  tendência  a  esquecer  esta  circunstância, 
vista  a  censura  que  êste  lhe  faz  no  Tratado  em  defensam  da  carta  de  marear: 

«Acostumam  também  os  pilotos  vêr  a  hora  que  é  pelo  rumo  em  que  vai  o  sol,  porque,  se  está 
ao  sudoeste,  dizem  que  são  três  horas  depois  de  melo-dia,  porque  o  sudoeste  toma  da  agulha  quarenta 
e  cinco  graus,  que  são  (rês  horas  dando  a  quinze  graus  uma  hora,  e  conforme  a  isto  fazem  sua  conta 
para  saber  a  hora.  Mas  se  isto  assim  fôsse,  escusados  seriam  relógios,  os  quais  ainda  em  diversas  alturas 
se  mudam,  e  se  o  êrro  não  fora  grande  não  falara  nisto.  Parece-me  que  quiseram  medir  todalas  cousas 
com  agulha,  e  não  lhes  estranho  ignorarem  a  diferença  que  há  entre  o  que  o  sol  anda  em  respeito  do 
horizonte  e  o  que  anda  em  respeito  da  equinocial,  por  círculos  paralelos  a  ela.  Mas  quero-lhes  amostrar 
quam  mal  sabem  sua  arte»  V). 

Antes  disto  escrevêra  êle:  «Bem  sei  quam  mal  sofrem  os  pilotos  que  fale  na  índia  quem  nunca 
roi  nela  e  pratique  no  mar  quem  nêle  não  entrou»  (  ).  Em  compensação  Pedro  Nunes,  que  nunca  navegou, 
é  por  vezes  demasiado  áspero  para  com  os  pilotos.  No  tempo  em  que  êle  isto  escrevia,  1537.  os  grandes 
descobrimentos  estavam  feitos.  Acudia  já  muita  gente  ao  comércio  marítimo  e  era  naturalmente  difícil 
obter  bons  mareantes  em  número  bastante  para  as  necessidades  da  navegação.  Para  os  navegadores  que 
fizeram  as  descobertas  tem  porém  palavras  de  iustiça  e  admiração  no  começo  do  mesmo  Tratado:  «Não 
há  duvida  que  as  navegações  dêste  reino,  de  cem  anos  a  esta  parte,  sâo  as  maiores,  mais  maravilhosas, 
de  mais  altas  e  mais  discretas  conjecturas  que  as  de  nenhuma  outra  gente  do  mundo»  ('). 

A  censura  por  êle  feita  aos  pilotos  seus  contemporâneos,  que  aplicavam  mal  as  regras,  não 
podia  dirigir-se  aos  que  primeiro  as  formularam.  Duarte  Pacheco  não  confundia  ângulos  horários  com 
ângulos  azimutais.  Sabendo  como  os  marinheiros  melhor  avaliavam  os  ângulos  em  quartas  do  que  em 
graus,  achava  mais  pratico  adaptar  as  regras  aos  seus  usos.  Os  homens  do  mar  entendiam  bem  os  movimentos 
angulares  da  rotação  do  sol.  da  lua  e  das  estrelas,  contando-os  por  uma  Rosa  imaginária  perpendicular 
ao  eixo  do  mundo.  Assim  quando,  por  exemplo,  diziam  que  as  Guardas  da  Ursa  Menor  iam  em  sudoeste. 
*les  tinham  na  mente  a  roda  atrás  transcrita  (figs.  27  e  28)  do  Regimento  de  Évora,  e  bem  sabiam  que 
se  não  tratava  do  rumo  de  sudoeste  da  agulha  de  governo  do  navio,  mas  sim  de  um  «rumo  horário». 


(')  a»lanti«Ja.  Historia  do  descobrimento  dã  índia.  Livro  I  Cap  73 

O  Páfl.  141  da  ediçAo  fac-slmiUda  do  rrj/jdo  da  Sphera  de  Pedro  Nunes. 

O  Ibidem,  pig.  126. 

(*)  ibidem,  píj.  117. 


98 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


Resta-nos  dizer  como  se  informavam  os  marinheiros  a  respeito 
da  Idade  da  lua.  isto  é.  do  número  de  dias  decorridos  desde  a  sua  con- 
junção com  o  sol.  No  primeiro  grupo  de  tábuas  quadrienais  de  declinação 
solar,  do  Liuro  de  Marinharia,  a  coluna  dos  dias  do  mês  é  precedida 
por  uma  coluna  intitulada  Lua,  que  serve  para  se  procurarem  os  dias  de 
lua  nova.  sabido  o  áureo  número  do  ano.  Transcrevemos  as  duas  colunas 
que  precedem  a  das  declinações  nos  meses  de  janeiro  e  abril  do  ano 
bissexto  (').  Na  coluna  Lua  entra  sc  com  o  áureo  número.  Se  éste  é.  por 
exemplo,  19.  como  no  ano  bissexto  de  1500,  corre-se  a  coluna  até  o 
encontrar,  e  vê-se  que  êle  está  em  frente  dos  dias  I  e  30  de  janeiro,  e 
do  dia  28  de  abril.  Nestes  dias  foi  lua  nova.  e  a  partir  dêles  e  dos  ana- 
logamente achados  nos  outros  meses,  se  conta  a  idade  da  lua.  Assim 
verificamos  também  que,  quando  Mestre  João  escreveu  de  Vera  Cruz, 
em  I  de  maio  de  ISOO.  a  sua  caria  ao  rei  D.  Manuel,  em  que  lhe  manda 
um  esboço  das  estrelas  austrais,  éle  pudera,  nas  noiles  anteriores,  obser- 
var bem  as  esirélas.  que  brilhavam  em  todo  o  seu  fulgor  num  céu  sem  lua. 

O  cálculo  do  áureo  número  fundava-se  na  regra  simples  de 
juntar  1  ao  ano  de  que  se  trata,  e  achar  o  resto  da  divisão  por  19.  Assim, 
para  o  ano  de  1500,  procurava  se  o  resto  da  divisão  de  1501  por  19,  e 
como  o  resto  é  nulo.  era.  nêste  caso,  áureo  número  o  próprio  divisor  19. 
O  preceito  que  se  lè  no  Liuro  da  Marinharia: 

«It.  para  saberes  os  áureos  números,  depois  de  saberes  a  era, 
darás  de  -  1000—  12.  e  de  -  100  -  5,  e  de  -  20  —  i«  ('), 

quere  dizer  que  se  substitui,  no  ano  da  dala.  o  milhar  por  12,  cada  cen- 
tena por  5  e  cada  vintena  por  I,  porque  12.  e  5,  e  1.  sâo  respectivamente 
os  restos  da  divisão  de  1000,  de  100.  e  de  20.  por  19. 

A  seguir  lêem-se  as  regras  para.  sôbre  a  mão.  contando  pelas 
juntas  dos  dedos,  se  fazer  o  cálculo  do  áureo  número,  da  letra  dominical 
e  dos  dias  da  lua  nova  em  cada  més 

O  emprego  da  mão  nos  cálculos  do  calendário  era  já  usado  pelos 
navegadores  medievais,  como  mostram  as  mãos  desenhadas  numa  das  folhas 
do  portulano  de  1384  (')  (porlol.  Pinelli  -  Walckenaer)  que  se  conserva  no 
Drilish  Museum. 

O  nosso  Gonçalo  Trancoso,  aulor  dos  Contos  e  Historias  de 
Proveito  e  Exemplo,  compôs,  em  1565.  a  Regra  geral  para  aprender  pela 
mão  as  festas  mudáveis,  que  foi  impressa  em  Lisboa,  em  1570  (").  Aí 
explica,  no  cap.  2.o,  «como  se  saberá  quantos  são  de  áureo  número  cada 
ano>;  no  cap.  6.o,  «como  se  achará,  pela  mão.  a  leira  dominical,  com  alguns 
exemplos  ao  propósito>:  e  no  cap.  l2.o  como  se  saberá,  pela  mão,  quando  é 


JANEIRO 

ADRIL 

Ano  btucxto 

i   Ano  t>lH«Mo 

Diu 

1 

1  DU> 

t 

do 

'  do 

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19 

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16 

I 

e 

2 

5 

2 

3 

1 

3 

16 

4 

13 

4 

5 

5 

2 

5 

6 

6 

13 

7 

10 

7 

2 

8 

8 

9 

18 

9 

10 

10 

7 

10 

11 

<  11 

IS 

12 

15 

12 

7 

13 

4 

13 

14 

14 

15 

15 

12 

15 

4 

16 

1 

16 

17 

17 

12 

18 

9 

18 

I 

19 

19 

20  \ 

17 

20 

9 

21  ! 

6 

21 

22 

22 

17 

23 

14  1 

23 

6 

24 

3 

24 

25 

25 

14 

26 

11 

26 

3 

27 

27 

28 

19 

28 

11 

29  1 

8 

29 

19 

30  1 

30 

8  ; 

31  1 

a  lua  nova». 


(')  Livro  áe  Marinhariê.  Utboa.  1903,  coordenado  por  Drilo  Rcbclio,  pigs.  61  e  62. 
(»)   Ibidem,  pág.  42. 
O  ibidem,  págs.  42,  43. 

(')   NordensWjold,  Períplus.  mapa  XV.  reproduzido  do  Atlas  do  Visconde  de  SanUr^m. 

(•)  Regra  geral  para  aprender  a  tirar  poia  mio  as  festas  mudáveis,  que  vem  no  anno,  a  aual  ainda  aue  he 
arte  antiga  está  per  lermos  mui  claros.  Novamente  escrita  por  Gonçalo  Femandc»  Tranquoso.  Impressa  em  caw  de  Francisco 


99 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


17  — O  SABER  NAUTICO  PORTUGUÊS  NA  EPOPEIA  NACIONAL 

S  dois  manuais  náuticos  portugueses,  conhecidos  pelos  nomes  de  Regimento  de  Munich  e 
Regimento  de  Évora,  constam  de  duas  parles  bem  dislinlas:  uma.  própriamente  prática, 
contém  o  regimento  do  sol  ao  meio  dia.  o  regimento  da  estrela  do  norte,  uma  lista  de 
latitudes  geográficas,  o  calendário,  e  as  tábuas  de  longitudes  e  declinações  solares;  a  outra, 
destinada  à  instrução  teórica,  é  o  Tratado  da  Esfera  do  mundo,  traduzido  do  latim  em 
linguagem.  Esta  parte  é  a  versão  portuguesa  do  livro  De  Sphaera.  compêndio  de  asircnomia  escrito  no 
século  XIII  pelo  frade  inglês  ]oâo  Sacrobosco.  Neste  compendio,  que  teve  tam  largo  sucesso,  expôe-se  a 
feoria  geocênirica  de  PloIomeu.com  os  planetas  distribuídos  pelas  sele  esferas,  as  eslrêlas  situadas  na 
oitava,  e  por  fóra  o  primeiro  móbil,  a  nona  esfera,  propulsora  do  movimento  diurno.  Mas  as  esferas  não 
sâo  puramente  geométricas;  são  esferas  sólidas,  cristalinas,  como  os  árabes  as  concebiam,  à  maneira  de 
Aristóteles,  considerando-as  feitas  da  quinta  essência,  que  era  distinta  dos  quatro  elementos  que  cons- 
tíluTam  o  mundo  sublunar. 

O  sistema  dos  nove  céus  era  já  conhecido  de  Azurara,  como  mostra  o  começo  do  Cap.  XXV 
da  L/ironica  de  Guiné,  acabada  de  escrever  em  1448: 

•Oh  tu  celestial  padre,  que  com  lua  poderosa  mâo,  sem  movimento  de  lua  divinal  essência,  go- 
vernas tôda  a  infinda  companhia  da  lua  santa  cidade,  e  que  (razes  apertados  todolos  eixos  dos  orbes  (') 
superiores,  distinguidos  em  nove  esferas,  movendo  os  tempos  das  idades  breves  e  longas,  como  te  praz!» 

Também  pelo  rei  D.  ]oâo  I  era  sabida  a  distribuição  dos  astros  pelos 'diferentes  céus  como 
se  vè  no  Livro  da  Montaria,  composto  entre  os  anos  de  1415  e  1433: 

-Ainda  é  de  saber  que  estas  sete  planetas  cada  uma  está  em  seu  céu:  ca  em  os  sele  céus  em 
que  estão,  sob  a  oitava  esfera,  que  em  cada  um  está  sua  planeta,  e  êsles  céus  hào  os  seus  movimen- 
los  iam  desvairados,  que  cada  um  anda  de  sua  guisa,  ca  o  céu  em  que  está  a  Lua  faz  o  seu  movimento 
tam  breve,  que  faz  o  seu  tòrno  em  29  dias  e  12  horas;  e  o  Sol  que  está  em  amelade  de  (odalas  plane- 
tas, faz  o  seu  tôrno  |á  a  tam  passo,  que  não  acaba  senão  em  um  ano;  e  Saturno,  que  é  a  mais  alta 
planeta,  de  todo  faz  o  seu  tôrno  a  tam  passo  que.  segundo  os  astrólogos  dizem,  não  se  acaba  meãos 
de  30  anos,*  ( ) 

O  Tratado  da  Sphera  de  Pedro  Nunes,  publicado  em  1537.  compreende  nova  tradução  da  obra 
de  Sacrobosco  a  qual.  luntamente  com  a  .Teórica  do  Sol  e  da  Lua-,  de  Purbáchio.  e  o  primeiro  Livro 
da  Oeograha  de  Ptolomeu,  precede  os  dois  Tratados  sòbre  a  arte  de  navegar.  Sacrobosco  atribú,  à 
Oitava  esfera  um  movimento  próprio  de  ocidente  para  oriente  em  volla  dos  pólos  da  eclípíica.  à  razão  de 
um  grau  por  século;  ass-m  se  efectuava  a  precessão  dos  equinócios,  segundo  Ptolomeu.  Pedro  Nunes  acres- 
centa mais  uma  esfera,  que  se  leve  de  introduzir  para  explicar  o  suposio  movimento  de  trepidação;  por 
Tn^r    .  .  ^^''P'^"^°  °5  P^"°^°s  estabelecidos  pelas  considerações  cabalísiicas  dos  rabinos  de 

movim  Jn  '  Ptolomeu,  porque  os  astrólogos,  que  depois  foram,  acharam  que  êste 

Tno   um  ornu  T    '  ^""''"^  ^'^^  ^'^""^  ^'^'^^^^  ^  "«"^  ^^f^^^a.  e  que  não  é  em  100 

cumorírá  s     rpuni         p  ^  ^^'"''^  "^^O^  ^"^^  ^^'^^^^  naturalmente,  se 

cumprirá  sua  revolução.  E  o  movimento  próprio  à  oitava  é  o  da  trepidação  que  se  faz  em  7000  anos». 

celeste  ;.\ãT^^LlT''  "'"^  '^^""^  P^^'^^  ^  admirávelmente  bela,  a  mecânica 

Te ' esferas  c^^^^^^^^  T^":         IT""  '       Portugueses  um  globo  transparente  constituído  por 

ele Ven^^^^^^  ^on  en.ncas  feitas  da  qumia  essência,  em  cujo  centro  se  pôde  ver  a  Terra  formada  pelos  quatro 

o  hrmar^^^^^^  T  '^'^^l  '^^^"'^  ^  ^étis  patenteia  aos  seus 

oinos  maravilhados  o  transunto  reduzido  do  mundo  em  pequeno  volume: 

•Oul  o  ^rro^^£L^^?!;J; L^ttr  í^^^^^^  "'""VV'  "^S-  132.  lí  se  ord.s.  .m  vez  de  crbes;  hi 

Usbo..  por  F*M"Se«s  íe^íí^C^mt-rrií^ía.'?!^. 'ii''      ""^"3"-  P""'*=»^'>-        «'^«^^      '^cademi.  das  Sdéncas  de 
100 


Modéle  ÚM  Miquina  do  Mundo  que      conacrva  na  Biblloicca  do  Convanio  da  Cacorlal.  Eapanh* 


ESTAMPA  Hl 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


Vês  aqui  a  grande  máquina  do  mundo, 
Etéria  e  etemenlal,  que  fabricada 
Assim  foi  do  Saber  alto  e  profundo, 
Que  é  sem  principio  e  méla  limitada. 

Por  baixo  do  Empíreo,  que  está  com  luz  tam  clara  radiando  que  a  vista  cega,  corre  a  décima 
esfera,  propulsora  do  movimento  diurno,  tam  leve  e  Iam  ligeira  que  não  se  enxerga:  é  o  primeiro  Móbil. 
Dentro  desta  anda  outra,  a  nona  esfera,  tam  lenta  e  subjugada  a  duro  freio  que  em  200  anos  dá  apenas 
«um  passo»;  é  ela  que  produz  o  movimento  de  precessão  peio  seu  giro  lento,  no  sentido  directo,  em  volta 
dos  pólos  da  eclíplica.  Por  baixo  dela,  o  oitavo  céu,  o  firmamento,  que  se  veste  com  o  largo  cinto  de  ouro 
das  constelações  zodiacais  e  se  orna  da  pintura  que,  por  outras  partes,  as  eslrêlas  fulgentes  vào  fazendo: 

Olha  a  Carreta,  atenta  a  Cinosura, 

Andrômeda  e  seu  pai.  e  o  Drago  horrendo, 

Vé  de  Cassiopeia  a  formosura 

E  do  Orionte  o  gesto  turbulento, 

Olha  o  Cisne  morrendo  que  suspira, 

A  Lebre  e  os  Cães.  a  Nau  e  a  doce  Lira. 

Dentro  deste  grande  f^irmamenlo  seguem-se  os  sete  céus  dos  planetas,  desde  Saturno  até  ò 
Lua,  enumerados  por  sua  ordem  numa  formosíssima  estância.  E  como  os  planetas  se  movem  em  seus 
epiciclos  e  o  centro  d^  cada  um  destes  vai  percorrendo  o  respectivo  círculo  excêntrico,  chamado  «defe- 
rente,» com  diversas  velocidades,  o  poeta  resume: 

Em  todos  estes  orbes,  diferente 
Curso  verás,  nuns  grave  e  noutros  leve; 
Ora  fogem  do  centro  longamente. 
Ora  da  Terra  estão  caminho  breve. 

Tétis  dá  pois  aos  navegadores  lusitanos  o  prazer  de  poderem  ver,  com  os  olhos  corporais,  o 
transunto  da  máquina  do  mundo,  descrita  e  figurada  nos  manuais  náuticos,  que  éles  levavam  a  bordo 
das  naus.  Queremos  crer.  tam  rigorosa  e  completa  é  a  descrição  do  poeta,  que  éte  teve  ocasião  de  observar 
algum  modêlo  do  sistema  do  mundo,  análogo  ao  que  se  vè,  construído  em  armilas  de  madeira,  na  Biblioteca 
do  Convento  do  Escoriai,  representado  na  estampa  iunta  (')  (Estampa  III). 

Camões  glorifica  assim,  no  Canto  X,  o  saber  náutico  dos  Portugueses,  que  se  dedicaram  à 
cultura  da  sciência  astronómica,  base  scienlifica  dos  descobrimentos,  e  no  Firmamento  souberam  destacar 
a  nova  constelação,  a  cruz  de  estrelas  que  devia  servir  de  guia  nas  navegações  austrais.  No  Canto  V 
mostra  nos  o  Gama  aplicando  o  regimento  do  astrolábio  na  Angra  de  Santa  Helena: 

Porém  eu  c"os  pilotos  na  arenosa 
Praia,  por  vermos  em  que  parle  estou. 
Me  detenho  em  tomar  do  Sol  a  altura 
E  compassar  a  universal  pintura  (O- 

Do  amor  com  que  se  estudava  a  sciência  dos  astros  dá  êle  mesmo  uma  elevada  prova  na 
constante  e  completa  exactidão  que  observa  nas  numerosas  referências  astronómicas  do  poema. 

Os  próprios  reis  portugueses  e  as  pessoas  da  família  real  eram  os  primeiros  a  dar  o  exemplo 
do  seu  interêsse  por  uma  sciência  que  era  fundamental  num  país  de  navegadores.  O  rei  D.  Duarte  dedica 


(■)  A  Estampa  III  é  reprodução  da  fotografia  que  nos  foi  obtida  por  obsequioso  IntermMIo  do  Ex.»«  Snr.  Marqu£s 
de  Leis  (Orense.  Espanha). 

(»)  A  universal  pintura  é  a  carta  de  marear,  sôbre  a  qual  se  faz  correr  o  par  de  compasso^  para  marcar  o  ponto, 
sabida  a  altura  do  lugar.  *0  ponto  de  esquadria  supõe  sabido  o  rumo  por  onde  se  andou  e  a  al  ur^  do  põlo  obtervada  pi-lo 
Sol  ou  Esirtias.  Isto  sabido.  pÔe-sc  uma  ponta  de  um  compasso  no  pòMo.  ou  lugar  da  partida,  e  a  outra  no  rumo,  por  onde 
se  andou,  e  com  a  poma  de  oulro  compasso  se  tomjm  no  Mcndl.tno  graduado  os  grau»  da  altura  obs>  rvada.  e  a  outra  ponta 
désie  segundo  compasso  se  põe  no  rumis  de  Lesie  Oesie  mm  vizmho;  e  correndo  os  dout  compas!>os.  até  que  Se  venna  a 
)uniar  a  ponta  que  saiu  do  lugar,  donde  se  paniu.  com  a  poma.  qje  saiu  da  aliura.  onde  se  juniarcm  esias  duae  pontas,  ali 
será  o  lug^r  do  navio*  (M.  Pimentel.  Arle  de  naue^ãr,  Lisboa.  1762,  pág.  72). 


101 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


dois  capítulos  do  Leal  Conselheiro  à  explicação  das  rodas,  por  êle  debuxadas,  para  se  saberem  as  horas 
pela  Ursa  Menor.  Ao  bispo  de  Évora,  D.  Afonso  de  Portugal,  filho  do  Conde  de  Ourem  e  bisneto  de  D. 
)oâo  I,  porque  se  deleitava  com  obras  de  astronomia,  oferece  o  doutor  sevilhano,  Afonso  de  Córdova,  a 
sua  nova  regra  para  o  cálculo  fácil  do  lugar  de  Vénus  pelas  tábuas  de  Zacuto.  publicada  na  edição  de 
Veneza.  1502.  do  Aímanach  perpetuam,  com  carta  dedicatória  (').  Na  casa  do  Infante  D.  Luís,  filho  do 
rei  D.  Manuel,  foi  «onde  a  sciència  da  Cosmografia  mais  floresceu  que  noutra  parte  alguma  desta  redondeza 
que  habitamos»,  segundo  o  testemunho  de  D.  João  de  Castro  no  prólogo  do  Roteiro  desde  Goa  até  Dio. 
E  referindo  se  depois  à  expedição  a  Túnis,  onde  foi  com  êste  Infante  em  serviço  de  Carlos  V,  dá-nos 
ideia  do  assunto  favorito  das  suas  conversações:  -mas  lembrou  me  que.  nos  campos  Africanos  dá  grande 
e  miserável  Cartago,  jamais  os  ardentes  raios  do  sol.  nem  as  ásperas  e  contínuas  corridas  podiam  ser 
ocasião  que.  aparecendo  eu  em  sua  Real  tenda,  ainda  com  muita  parle  de  suas  vitoriosas  armas  vestidas, 
me  não  praticasse  qualquer  proposição  de  Cosmografia...,».  D.  ]oâo  de  Castro  rejeitou  os  2000  cruzados 
que  o  Emperador  mandou  dar  a  cada  um  dos  capitães  da  Armada.  O  que  ao  Infante  agradou,  e  trouxe 
dos  despojos  de  Túnis.  foram  alguns  astrolábios  árabes  antigos  (■). 

Os  Cavaleiros,  «em  perigos  c  guerras  esforçados»,  que  foram  edificar  o  «novo  reino»  ultrama- 
nno,  arriscando-se  aos  perigos  dos  mares  desconhecidos,  tiveram  de  ocupar-se  também  da  navegação 
Em  plena  época  dos  descobrimentos  é  Duarte  Pacheco  Pereira  um  exemplo  eminente  de  um  guerreiro- 
-navegador:  o  seu  valor  militar  foi  glorificado  no  brasão  de  armas  que  lhe  oulorgcuo  rei  de  Cochim  o  seu 
saber  náutico  e  asironómico  está  patente  no  Esmeraldo.  De  Vasco  da  Gama  nos  diz  Castanheda  que  era 
«experimentado  nas  cousas  do  mar  em  que  tinha  feito  muito  serviço  a  El-Rei  Dom  ]oão  11»  (')  O  heróico 
D.  João  de  Castro,  pelos  seus  Roteiros,  fica  na  história  da  sciència  como  notável  hidrógrafo  e  naturalista 
A  escola  marítima  portuguesa  deu  uma  plêiada  numerosa  de  pilotos  dtt  alto  valor.  De  Álvaro 
Esteves  morador  na  vila  de  Lagos,  que  íoi  ao  descobrimento  da  Cosia  da  Mina,  atesta  Duarte  Pacheco- 
n  V^^!  Alvaro  Esteves  foi  o  mais  avantajado  homem  do  seu  ofício  que  na  Espanha  então  houve.  (•)" 
O  pilôto  João  de  Lisboa  deixa  nos  o  seu  Tratado  da  agulha  de  marear.  Êle  e  Pedro  Anes  fazem  em 
Cmzéííi  do  Sul  ^'  '^^'^  °  ^  ^  ^s»'-^'^  do  Norte,  para  formularem  o  Regimento  do 

Das  classes  populares  saíram  os  rudos  marinheiros  que  Camões  não  deixou  no  esquecimento: 

Os  casos  vi  que  os  rudos  marinheiros 
Que  tem  por  mestra  a  longa  experiência 
Contam  por  certos  sempre  e  verdadeiros, 
Julgando  as  coisas  só  pela  aparência: 
E  que  os  que  lem  juízos  mais  inteiros 
Que  só  por  puro  engenho  e  por  sciència, 
Vêem  do  mundo  os  segredos  escondidos 
Julgam  por  falsos,  ou  mal  entendidos. 

fqnorànda'íos'\á"bir?.''t  P°^'"9uesa  o  «marinheiro  desconhecido.,  de  cujas  observações  se  ria  a  douta 
ignoranc  a  dos  sábios  do  tempo,  que  acabaram  por  se  voltar  também  para  o  grande  livro  da  Natureza 
em  que  liam  os  olhos  maravilhados  daqueles  rudes  heróis  anónimos  (Natureza. 

mnuimpn,  ^  ^""''T  ^^escobrimenlos.  iniciada  pelo  Infante  D.  Henrique,  acabou  por  tornar-se  um 
do  pUnela.  '      "  "'"^"^  '"^"^"^  '"'"'^^  °^         '  ^  descoberta  integrai 

êt«  nA.  .  ^°u°  ^/r""^'  narrando  a  viagem  do  Gama  já  de  volta  de  Calicut.  depois  de  contar  como 
cÍTnsitaçóêríV  ''"^  '''''  ''''''  -«'^-^^  o  "'me  faz  e^ra^ 


Eborcnwn,  ei1,«prm.'A.íon»«%"^^^^^^  ^"ris.o  pairem  ac  mustrissimum  dominum  Alfonsum 

«cútis  consClc.ít^edTriSis^teUrur^^^^^^^^  -^"'T.? 

S4lêaencis  Opers,  Basileae.  IM6,  pig.  157)        "-""ovicus  Korlugaliae  Inlans  ex  manubU»  allulil  Twnelis  urbis.  (Petri  Nonii 
C)  Década  \.  Uv.  IV.  Cap.  XI. 


102 


A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 


«Assim  que  com  êste  Padrão,  que  foi  o  derradeiro  em  tempo,  deixou  Vasco  da  Gama  nesta  via- 
gem postos  cinco  Padrões.  S.  Rafael  no  Rio  dos  Bons  Sinais,  S.  ]orge  em  Moçambique.  Santo  Espírito  em 
Melinde,  Santa  Maria  nestes  ilhéus,  e  o  último  por  sítio,  em  Calícut,  chamado  S.  Gabriel.  Os  quais  pcró 
que  n3o  sejam  postos  por  nação  tam  gloriosa  dc  escrever,  como  foi  a  gente  Grega,  nem  o  nosso  estilo 
possa  alevantar  a  glória  dêsle  feito  no  grau  que  êle  merece,  ao  menos  será  recompensado  com  a  pureza 
da  verdade  que  em  si  contém.  Não  contando  os  fabulosos  trabalhos  de  Hércules  em  pdr  suas  colunas, 
nem  pintando  alguma  Argonáuiica  de  Capitães  Gregos  em  tam  curta  e  segura  navegação,  como  é  de 


Grécia  ao  rio 
Faso,  sempre 
à  vista  da  terra, 
jantando  em 
um  pôrto.  e 
ceando  em  ou- 
tro, nem  cscre- 
vendo  os  er- 
rores de  Ulis- 
ses sem  sair 
de  um  clima, 
nem  os  vários 
casos  de  Enéas 
em  tam  breve 
caminho,  nem 
outras  fábulas 
da  gentilidade 
Grega  e  Ro- 
manaique  com 
grande  enge- 
nho na  svã  es- 
critura assi  m 
decantaram  e 
celebrarama 
empresa,  que 
cada  um  to- 
mou, que  não 
se  contentaram 
com  dar  nome 
de  ilustres  ca- 
pitães na  terra 
aos  autores 
destas  obras. 


BftASUO  DE  CAMOBS 


nome  de  Deu- 
ses os  quise- 
ram colocar  no 

Céu  

Cerio,  grave  e 
píciosa  cousa 
de  ouvir,  ver 
uma  Nação  |a 
portuguesal,  a 
que  Deus  deu 
tanto  ânimo, 
que  se  tivera 
criado  outros 
Mundos  iá  lá 
tivera  metido 
outros  Pa- 
drões de  vitó- 
rias: assim  é 
descuidada  na 
posteridade  de 
seu  nome,  co- 
mo se  não 
fòsse  Iam  gran- 
de louvor  dila- 
tá-lo por  pòna, 
comoganhálo 
pela  lança». 

Barros  )ulga 
modesto  o  seu 
estilo  para  tam 
altos  feitos  co- 
mo os  que 
narra  com  ver- 


mas  ainda  com 

dade.  A  «tuba  canora  e  belicosa»  de  Camões,  poeta  e  soldado  (').  ao  entoar  o  canto  da  emprésa  lusi- 
tana dos  descobrimentos,  que  constitui  o  capítulo  português  da  História  da  Civilização,  sente  que  a 


O  Camões  serviu  em  Ceula  como  soldado  de  IM9  a  1551.  e  ai  perdeu  em  combate  um  dos  oltio».  tegundo  Paria 
e  Sousa  cm  rcsuiiado  do  ferimento  ciusado  por  um  fragmtnio  de  bala  A  Isso  se  refere  o  poeta  na  Canção  que  começa: 
«Vinde      meu  Iam  cerio  Secretário»  -  ,  quando  narra  a  sua  vida  fóra  do  -pátrio  ninho  amado- : 

Agora  experimentando  a  fúria  rara 

De  Marte,  que  nos  olhos  quis  que  logo 

Visse,  e  tocasse  o  acerbo  trulo  seu: 

E  neste  escudo  meu 

A  piniura  verào  do  inieslo  logo, 


Camões  faz  aaul  atusao  ao  seu  escudo  de  armas,  ao  vermelho  que  toucava  as  rochas  do  seu  brasSo,  côr  que,  em  herlldlca. 
correspondia  ao  fogo  e  significava  guerras,  na  qual  v*  simbolliado  o  destino  que  o  lèj  andar  experimentando  «Ot  perigos 
Mavórcios  inumanos». 

Devemos  esla  expllcaçlo  ao  laleddo  professor  da  Faculdade  de  Leiras  de  Coimbra,  Dr.  Carioi  de  Mesquita. 


103 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


nova  epopeia  vai  superar  as  antigas  pela  realidade  e  importância  dos  factos  celebrados.  Ao  terminar  a 
longa  exposição  histórica  ao  rei  de  Melinde.  o  Gama  diz,  referindo-se  a  Homero  e  a  Vergílio: 

Cantem,  louvem,  e  escrevam  sempre  extremos 
Dêsses  seus  Semi-deuses,  e  encareçam 
Fingindo  Magas  Circes,  Polifemos, 
Sirenas  que  c'o  canto  os  adormeçam.... 

e,  enumerando  vflHRcç&es  da  OJissefa  e  da  Eneida,  exclama  por  fim: 

Que  por  muito  e  por  muito  que  se  afinem 
Nestas  Fábulas  vãs  tam  bem  sonhadas, 
A  uerdade  que  eu  conto  núa  e  pura 
Vence  tõda  grandíloqua  escritura. 

O  voto  de  Camões  — «Que  se  espalhe  e  se  cante  no  UnÍuerso>  —  está  satisfeito:  o  seu  poema 
foi  consagrado  como  uma  das  obras-primas  da  literatura  mundial.  Da  escola  portuguesa  de  navegação, 
iniciada  pelo  Infante  D.  Henrique,  saíram  as  viagens  de  Colombo  e  Magalhães;  dela  saiu  o  impulso 
persistente  que  se  comunicou  às  outras  nações,  para  se  lançarem  também,  através  dos  mares,  à  procura 
das  terras  desconhecidas.  Os  Lusíadas  são  assim  o  poema  da  expansão  dos  povos  europeus,  a  epopeia 
da  posse  do  orbe  terráqueo  pelo  homem. 


104 


CAPÍTULO  III 


OS  FALSOS  PRECURSORES  DE  ÁLVARES  CABRAL 

PELO 

PROF.  DUfíRTE  LEITE 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ÁLVARES  CABRAL 


[^,^Í^JÍU^^^J^^j^;  ANTO  os  historiadores  verdadeiramente  dignos  do  nome  quanto  os  que  o 

usurpam,  repisando  velhos  textos  de  envolta  com  a  herva  ruim  da  própria 
fantasia,  todos  concordam  em  que  foram  castelhanos,  e  náo  portugueses,  os 
europeus  a  cujos  olhos  atónitos  se  desvendaram  pela  primeira  vez  os  es- 
plendores do  moderno  Brasil;  todos,  com  raras  excepções,  se  mostram  con- 
vencidos de  que  nas  amuradas  de  caravelas  castelhanas  ressoaram,  com  a 
agonia  do  XV  século,  os  primeiros  clamores  maravilhados  diante  da  ma- 
gestade  do  Amazonas. 

Os  soberbos  leões  de  Castela  antecederam  as  bemdilas  quinas  por- 
tuguesas, só  mais  tarde  desfraldadas  ao  sopro  das  brisas  brasileiras;  e  anies 
que  os  indígenas  ouvissem  surprèsos  as  harmonias  da  língua  de  Camões  já 
os  ecos  das  suas  selvas  virgens  tinham  repercutido  a  toada  viril  de  vozes  espanholas.  Quando  Alvares 
Cabral  aportou  a  Vera  Cruz  em  22  de  Abril  de  1500,  e  aí  lançou  as  bases  de  um  novo  império  conquis* 
tado  à  fé  cristã,  já  o  fidalgo  Alonso  de  Hojeda  dez  meses  airás  passára  pelo  Rio  Grande  do  Norte,  já 
Vicente  Vanez  Pinzon  em  janeiro  locara  nas  imediações  do  cabo  de  S.  Agostinho,  já  finalmente  Diego  de 
Lepe  e  Alonso  Vellez  de  Mendoza  tinham  visitado  audaciosamente  paragens  ainda  mais  meridionais.  Tal 
é  a  versão  corrente  e  há  longos  anos  consolidada  pelo  prestígio  magistral  de  autores  ilustres. 

Sem  embargo,  porém,  das  cans  veneráveis  e  das  ponderosas  autoridades,  ousamos  submeté-la 
à  joeira  da  mesma  crítica  desconfiada  e  severa  que  tem  dissipado  tantas  lendas  e  destruído  reputa- 
ções ataviadas,  reduzindo  os  fados  à  nudez  primitiva  e  enquadrando  os  homens  cm  suas  adequadas 
molduras. 

Os  modernos  americanístas  ~  para  tomar  um  exemplo  flagrante  —  não  têm  já  por  Colombo  o 
culto  quási  feiticista  de  seus  antecessores  que  o  consagraram  como  um  dos  vultos  mais  geniais  de  lôdas 
as  épocas,  dotado  além  disso  dum  nobre  carácter:  insigne  navegador,  astrónomo  e  cosmógrafo  eminente, 
que  concebeu  e  vingou  o  plano  grandioso  de  doar  ao  mundo  as  terras  incógnitas  do  Ocidente,  previstas 
antes  de  descobertas.  Hoje  sabe  se,  ao  envés,  que  o  grande  almirante  possuía  de  facto  uma  Incansável 
tenacidade  e  profunda  confiança  em  si  próprio,  qualidades  imprescindíveis  a  quem  tem  em  mira  altos 
cometimentos,  mas  ao  mesmo  tempo  era  duro,  violento,  ávido  e  mentiroso;  e  no  tocante  a  seus  maravi- 
lhosos conhecimentos,  averiguou  se  que  era  ignorante  em  astronomia,  professava  extravagantes  ideias 


107 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  DRASIL 


cosmogrâficas  e  partiu  com  modestos  conhecimentos  náuticos  para  a  sua  primeira  uiagem.  tendo  topado 
por  feliz  acaso  com  regiões  bem  diversas  das  sonhadas,  que  aliás  sempre  se  obstinou  cegamente  em  con- 
tundir com  a  Asia.  Ruiu.  definitivamente  desfeita,  a  encomiástica  tenda  colombiana,  para  a  qual  o  geno- 
vês glorioso  foi  o  primeiro  a  contribuir  com  falsas  indicações  e  com  fraudulentos  dados  biográficos; 
contudo  o  fado  nâo  obsta  a  que  escritores,  cujas  obras  se  nâo  destinam  a  leitores  entendidos,  conti- 
nuem a  repelir  ovinamente  as  fantasias  doulrora  e  divulguem  conceitos  errados  sôbre  o  grande  homem 
e  o  descobrimento  da  América. 

Semelhantemente  a  crítica  histórica,  que  reduz  as  proporções  de  Colombo,  afusta  as  de  Ves- 
piído  c  exalça  as  de  Fernão  de  Magalhães,  tem  de  proceder  com  a  suposta  primazia  espanhola  na  des- 
coberta do  Brasil ;  haverá  que  emendar  os  livros  onde  encontrou  guarida  esta  injusta  reivindicação  dos 
cronistas,  propensos  a  avocar  para  os  seus  conterrâneos  glórias  ideadas  em  sua  transviada  imaginação. 
Com  razão  tém  sido  postos  em  relêvo  os  males  causados  pelo  patriotismo  exagerado  que.  no  afan  sis- 
temático de  disputar  façanhas,  deturpa  ou  interpreta  capciosamente  os  acontecimentos,  e  vai  ao  ponto  de 
forjar  documentos  ou  de  lhes  alterar  a  verdadeira  leitura.  A  descoberta  do  nordeste  brasileiro  e  do  rio 
da  Prata  por  espanhóis  são  duas  pretensões  que  se  filiam  nesse  espírito  de  nacionalismo  estreito  e 
faccioso;  mas  é  forçoso  confessar  que  para  a  propagação  do  êrro  contribuíram  em  grande  escala  os 
mesmos  portugueses  aos  quais  se  devem  aqueles  feitos. 

A  política  de  segrédo.  invariávelmente  adoptada  até  muito  tarde  petos  reis  de  Poriugal.  e  a 
consequente  falta  dc  diplomas  oficiais,  a  sobriedade  ou  silêncio  e  a  ocasional  confusão  dos  nossos  cro- 
nistas quando  depòem  acerca  dos  mais  importantes  descobrimentos,  a  desaparição  de  numerosos  docu- 
mentos no  terremoto  de  Lisboa  e  porfim  a  escassez  de  investigações  paleográficas,  mantêm  sôbre  meio 
século  da  epopeia  marítima  portuguesa  uma  densa  névoa  que  dificilmente  se  dissioará. 

A  história  das  terras  austrais  do  poente  está  nos  seus  primórdios  cheia  de  incertezas  e  eni- 
gmas. Desde  Pero  Vaz  da  Cunha,  o  Bisagudo.  até  Alvares  Cabral  há  doze  anos  de  mistério  profundo; 
acérca  de  Vera  Cruz  apenas  possuímos  as  cartas  de  Pero  Vaz  de  Caminha  e  de  Mestre  loão,  e  desde 
1500  até  Martim  Afonso  de  Sousa  correm  trinta  anos  de  referências  vagas,  datas  contraditórias  e  notí- 
cias truncadas.  Aparecem  rastos  de  explorações  navais  e  terrestres,  vislumbram-se  os  navegadores  e 
pioneiros,  mas  ficaram  Iam  somente  vestígios  dêsse  gigantesco  esfôrço. 

Doutro  modo  se  passavam  as  coisas  na  Espanha,  onde  os  reis  católicos  e  seus  sucessores 
não  tinham  de  guardar  as  reservas  ciosas  dos  parentes  vizinhos  e  deixaram  nos  arquivos  grande  cópia 
de  documentos  preciosos.  A  colheita  de  informações,  que  se  pôde  dizer  abundante  quando  enfrentada 
com  a  penúria  portuguesa,  é  todavia  deficiente  no  tocante  à  exploração  castelhana  no  nordeste  da  Amé- 
rica meridional,  pouco  seguida  porque  de  pequeno  proveito  material.  Se  não  fora  a  cobiça  do  filho  do 
almirante.  Diego  Colombo,  que  moveu  à  coròa  de  Castela  um  processo  para  reaver  os  enormes  privi- 
légios e  regalias  concedidas  a  seu  pai.  ainda  hoje  muito  pouco  constaria  da  expedição  de  Alonso  de 
Hojeda  em  1499,  e  ficariam  totalmente  ignoradas  as  de  Diego  de  Lepc  e  Alonso  Vellez  de  Mendoza, 
das  quais  aliás  quási  nada  sabemos.  Da  de  Vicente  Yaiiez  Pinzon  em  1499  temos  a  narração  contemporâ- 
nea de  Pedro  Mártir  d'Anghiera.  que  é  muito  pobre  de  dados  úleis,  sendo  também  escassos  e  obscuros  os 
esclarecimentos  complementares  tirados  do  referido  processo.  Os  autos  desta  interminável  e  ruidosa  de- 
manda e  o  relato  de  Mártir  — essas  são  de  facto  as  fontes  originais  a  que  estamos  reduzidos;  e  é  dos 
depoimentos  das  numerosas  testemunhas,  ora  jactanciosos  ou  falsos,  ora  confusos  ou  errados,  que  temos 
de  extrair  a  ferros,  quando  nâo  informes  certos,  pelo  menos  conjecturas  plausíveis. 

Conhece-se  desde  1894  o  texto  integral  dos  autos,  ignorado  do  consciencioso  erudito  espanhol 
Fernando  Navarrete,  o  qual  vém  invalidar  as  suas  descrições  das  expedições  de  Hojeda,  Pinzon  e  Diego 
de  Lepe.  tomadas  para  modelo  por  quantos  depois  se  tém  ocupado  do  assunto.  Estamos  de  posse  desde 
1892  da  primitiva  relação  de  Mártir,  feita  em  1501  e  acrescentada  em  1511  e  1516  quando  impressa;  e 
nos  últimos  cinquenta  anos  a  cartografia  americana  se  tem  enriquecido  com  numerosas  contribuições  es- 
clarecedoras. Estes  materiais  permitem  reconstituir  em  novos  moldes  as  viagens  dos  três  assinalados  ca- 
pitães. No  entanto -facto  estranho  que  mostra  a  fôrça  imensa  das  lendas  criadas  — ainda  não  ocorreu 
dissecar  as  descrições  de  Navarrete,  expurgando-as  de  suas  inexactidões  e  concluindo  que  d  Brasil,  ao 
contrário  de  sua  afirmação,  não  foi  descoberto  por  castelhanos. 

Pondo  de  parte  outras  viagens  além  da  de  Duarte  Pacheco,  por  conjecturais  ou  pelo  menos 
sujeitas  a  dúvida,  póde-se  com  efeito  demonstrar  — se  é  lícito  o  termo  fóra  das  sciências  exactas  ou  ex- 
perimentais.-que  Álvares  Cabral  não  teve  precursores  espanhóis  na  descoberta  do  vasto  território  do 
moderno  BrasiL  Em  1499,  Hojeda  não  cruzou  o  equador,  nem  sequer  viu  a  íoz  do  Orinoco;  Pinzon  em 
108 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


1500  não  esteve  no  Amazonas  e  ficou  para  o  norle,  náo  ultrapassando  o  cabo  d  Orange;  Diego  de  Lepe 
e  Vellez  de  Mendoza  só  visitaram  o  grandíssimo  rio  quando  já  se  rasgavam  para  a  história  os  esplen- 
dores do  século  XVI. 

Tal  demonstração  será  o  objecto  do  presente  ensaio,  inteiramente  íôra  da  senda  trilhada,  no 
qual  sentimos  que  a  pobreza  do  estilo  venha  ainda  agravar  o  fastio  inevitável  das  minuciosas  e  áridas 
investigações  do  passado.  Sirva  nos  ao  menos  de  consôlo  ter  contribuído  com  alguns  fados  inéditos  para 
melhor  conhecimento  do  brilhante  período  dos  descobrimentos  que  imortalizou  os  dous  povos  ibéricos. 


I— ALONSO  DE  HOIEDA 


EVE  um  patrono  ilustre  a  versão  que  atribui  ao  castelhano  Alonso  de  hojeda  e  ao 
seu  companheiro  Américo  Vespúcio  a  ventura  de  ter  primeiro  avistado  em  1499 
o  nordeste  do  Brasil.  Foi  Francisco  Adolfo  de  Varnhagen  quem  nos  meados  do 
século  passado  exumou  do  esquecimento  e  avigorou  a  pretensão  de  Vespúcio,  o 
^ual  no  relato  da  segunda  navegação  (')  duas  vezes  assevera  ter  aproado,  por  5° 
de  latitude  austral,  ao  continente  anos  depois  baptizado  com  o  seu  nome.  Para  o 
insigne  brasileiro,  as  terras  alagadiças  a  que  èle  acostou,  tentando  inutilmente 
desembarcar,  são  as  do  delta  do  Assú,  no  Rio  Grande  do  Norte. 
Acolhida  com  frieza,  a  reivindicação  do  fervoroso  paladino  de  Vespúcio  não  conseguiu  o  as- 
sentimento dos  historiadores  ('),  a  êsse  tempo  e  ainda  depois  muito  desconfiados  dos  méritos  e  proezas 
do  enigmático  florentino.  É  que  o  suposto  descobrimento  se  estribava  tam  sòmente  num  texto  de  duvi- 
dosa veracidade,  omisso  de  nomes  e  escrito  em  termos  de  tal  modo  vagos  que  se  uns,  acompanhando 
Varnhagen,  querem  ver  na  viagem  narrada  a  de  Hoieda,  outros  se  encostam  a  Humboldt  e  lém-na  como 
dirigida  por  Vicente  Pinzon.  ao  passo  que  alguns,  seguindo  d  Avczac,  preferem  como  comandante  a 
Diego  de  Lepe. 

Os  primitivos  cronistas  espanhóis,  impressos  até  o  meio  do  século  XVI,  não  se  ocupam  dâle, 
ressalvadas  concisas  alusões;  tampouco  mencionam  as  quatro  navegações  de  Vespúcio,  personagem  aliás 
bem  notória,  pois  exerceu  as  funções  de  pilòto-mór  desde  1508  alé  1512,  ano  da  sua  morte.  As  primei- 
ras referências  explícitas  à  debatida  expedição  enconiram-se  no  processo  movido  à  corôa  de  Castela  por 
Diego  Colombo,  filho  do  grande  almirante,  no  decurso  do  qual  o  procurador  fiscal  da  corôa  interrogou 
numerosas  testemunhas  acèrca  dos  feitos  dos  descobridores  espanhóis  contemporâneos  de  Colombo  Af, 
no  depoimento  do  próprio  Hojeda.  se  lê  que  éle  leve  por  sócio  na  aventura  a  Vespúcio,  cuja  segunda 
viagem  irrompe  assim  da  misteriosa  nebulosidade  que  a  envolve,  assumindo  fóros  de  verosimilhança, 

senão  de  inteira  verdade. 

O  silêncio  dos  cronistas  só  se  interrompeu  com  as  acrimoniosas  censuras  que  Las  Casas,  na 
sua  Historia  general  de  las  índias,  lança  em  rosto  a  Vespúcio,  taxando-o  de  fatsário  e  usurpador  das 


(')  dl  A'n''riifo  Vesnucci  delle  isole  'te  in  quitro  su  iWi  ou  1506, 

Opúsculo  de  e-  iridade.  Desla  caria.  endiTc^ada  a  P  /o  humaniila  h  m  l.itim,  n.lo 

muito  conlormc  a  wtsio  llaliana.  que  aparoceu  na  Coí/»o^(.j/Jíj.í  initoduclio,  Sjlnl-Dií.  IL^uj.  qJmj  \i  "  I- 

dSL-emúlIor  (llacomilus).  j  cuja  sugesrao  deve-  o  Novo  Mundo  o  nome  dc  Amtíriu.  Damos  a  svounof  viag.  n- 
guesa  quásl  literal,  no  Apíndice  A ;  ae  outras  sio  de  ficil  acesio  no  cxcelcnlc  volume  de  nenrv  Vign^ud,  Amenc  Vt*pucf, 
Paris,  1917. 

O  Denire  os  contradilores  de  Varnhagen  destacamos  d'Avezjc.  cuja  análiic  ainda  hoje,  60  anoi  volvidos,  con- 
serva grande  parle  do  seu  valor  (Consídénlions  geofjrâphiques  sur  1'hisloire  du  Drésil,  1IS7  e  Les  voyãges  d'Ami^ric  Ve$- 
puce,  1852),  Capistrano  de  Abreu  í  de  opinlio  contrária  À  dc  Varnhagen  (Descobrimento  do  BrasU  e  seu  desenvoMmtnlo  no 
$eculo  XVI.  Rio  de  Janeiro,  1883,  págs.  26  a  31). 


109 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


glórias  de  Colombo.  O  piedoso  mas  difuso  e  incolor  bispo  de  Chiapa,  cotejando  a  descrição  das  duas 
primeiras  navegações,  contida  na  imperfeita  tradução  latina  coeva,  com  os  autos  daquele  ruidoso  pleito, 
e  ajudado  de  duas  carias  de  Colombo  e  Francisco  Roldan,  chega  à  conclusão  de  que  as  viagens  de 
1497  e  1499  são  na  realidade  o  desdobramento  e  transformação  da  segunda,  urdidos  com  o  feio  propó- 
sito de  se  arrogar  a  descoberla  da  terra  lirme  de  Pária,  em  que  o  almirante  só  locou  em  1498.  No  ma- 
nuscrito de  Las  Casas  concluído  em  I56I,  mas  impresso  só  314  anos  mais  tarde,  sc  inspirou  Henera.  a 
cuja  crónica  bastante  divulgada  cabe^  o  maior  quinhão  na  lamentosa  reputação  de  que  durante  muito 

tempo  gosou  o  florentino. 

Debalde  Bandini  e  Canovai,  em  1745  e  1788,  tentaram  palavras  de  elogio  e  aberta  defesa; 
meio  século  depois,  o  infatigável  e  erudito  Navarrete,  na  esteira  do  seu  predecessor  Munoz,  trata  Ves- 
púcio  muilo  duramente,  e  o  Visconde  de  Santarém  se  encarniçou  longamente  contra  êle,  fundado  no 
completo  silêncio  dos  cronistas  portugueses  e  dos  arquivos  da  Torre  do  Tombo.  A  reacção  reparadora 
iniciou-a  o  grande  Mumboldl,  que  lhe  reconheceu  os  méritos  e  o  inocentou  da  culpa  assacada  de  que- 
rer impôr  ao  Novo  Mundo  o  próprio  nome,  conquanto  julgásse  as  duas  primeiras  navegações  artificio- 
samente compostas.  Pouco  depois  interveio  Varnhagen.  que  tenazmente  conduziu,  por  espaço  de  vinte  e 
cinco  anos.  uma  ardente  campanha  em  prol  de  Vespúcio,  cujas  viagens  proclamou  verídicas,  e  a  quem 
atribula  o  mérito  de  haver  afirmado,  antes  de  qualquer  outro,  a  contincntalidade  da  chamada  terra 
firme;  o  que  nâo  obstou  a  uma  nova  investida,  na  qual  se  salientaram  o  italiano  Hughes  e  o  inglês 
Markham. 

Com  a  celebração  em  1892  do  quarto  centenário  do  descobrimento  da  América  ganhou  fòrça 
o  movimento  em  favor  do  famigerado  navegador;  os  americanos  Harrisse.  Fiske  e  por  último  Henry 
Vignaud  {*)  deram-sc  mão  forte  para  reabilitar  o  grande  homem,  tam  discutido  quanto  caluniado.  Estas 
abluçôes  purificadoras  transfiguraram  completamente  o  antigo  aspecto  de  Vespúcio,  que  em  vez  de  tra- 
paceiro, ignorante  e  jaclancioso,  nos  surge  ao  cabo  honesto,  bom  e  competente,  com  sérios  conhecimen- 
tos de  náutica,  astrónomo  nolável,  cartógrafo  distinto,  um  dos  primeiros  senão  o  primeiro  cosmógrafo  do 
MU  tempo,  e  sobretudo  narrador  muito  consciencioso  das  suas  quatro  muito  verídicas  explorações  marf- 
limas.  Se  a  Iam  excelsas  qualidades  pudéssemos  juntar  o  fervor  religioso  e  místico  que  caracterizou  os 
últimos  anos  de  Colombo,  não  acharíamos  estranho  que  assomásse  a  ideia  da  beatificação  de  Vespúcio, 
a  exemplo  da  que  planearam  os  cegos  admiradores  do  grande  almirante,  capitaneados  por  Rosselly 
de  Lorgues  ('). 

Não  cuidamos  de  entrar  na  difícil  controvérsia  ainda  por  exlingiiir  na  qual,  como  de  costume, 
de  ambos  os  lados  tem  sido  excedida  a  justa  medida;  o  nosso  objectivo,  bem  mais  modesto,  é  exami- 
nar a  segunda  navegação  de  Vespúcio,  que  deveria  coincidir  com  a  de  Hojeda,  tal  como  a  conhecemos 
de  fontes  seguras.  O  intrépido  e  cruel  fidalgo  espanhol  ignorava  completamente  a  Lettera  e  a  sua  tra- 
dução latina,  e  mal  imaginava,  quando  vegetava  em  penúria  na  Hispaniola,  que  lhe  preparavam  a  glória 
póstuma  de  descobridor  do  Brasil,  mercê  de  uma  indicação  de  latitude  viciada,  senão  falsa.  É  que  o  ar- 
tificio aprovehava  sobretudo  ao  seu  ardiloso  comparte,  uma  vez  omitido  o  nome  do  chefe  da  expedição. 

Sc  nos  debates  acerca  da  legitimidade  da  nanação  de  Vespúcio  fôsse  lícito  invocar  argumen- 
tos de  autoridade,  feriamos  de  nos  inclinar  diante  da  de  Vignaud,  a  cujo  espírito  crítico  e  esclarecido 
parece  não  ficar  dúvida  sòbre  a  exactidão  da  narrativa;  mas  o  eminente  americanista  quere  ser  julgado 
à  fé  de  argumentos,  e  os  que  éle  exibe  nâo  têm  a  solidez  habitual  ao  arguto  demolidor  das  falsas  gló- 
rias de  Colombo.  Em  que  nos  pese,  lemos  de  acentuar  a  nossa  discrepância  e  incredulidade. 


Na  Kiu  obra  \i  citada  enconlra-se  de  pá^.  75  a  102  uma  bibliografia  bastante  completa  dos  escritos  relativos 

a  VMpudo. 

{')  Vignaud,  L'ãncienne  et  ta  nouvtUe  campãgne  en  faueur  de  la  canoaisalion  de  Christoph  Colomb,  no  Journal 
de$  Américanistes  de  Psns,  1909. 

Nesie  mesmo  Journal  de  1911  vem  publicada  a  memória  de  que  safu  o  volume  Améric  Vespuce  do  mesmo  autor. 

110 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


w 


UANDO  perio  do  Natal  de  1498  se  espalharam  cm  Espanha  os  rumores  da  nova  descoberta  a  v,*<ir«  ot 
da  terra  firme  de  Pária  realizada  por  Colombo  e.  o  que  mais  era.  a  notícia  do  ouro  e  pé-  " "iruA  cm 
rolas  havidas  nos  rescates  com  os  indígenas.  logo  se  alvoroçaram  os  ânimos  e  se  reacen-  "" 
deram  as  cobiças,  esmorecidas  com  os  magros  resultados  das  primeiras  explorações. 
Muitos  se  propuseram  então  demandar  aquelas  paragens  na  esteira  do  almirante,  arcando 
com  as  aventuras  do  desconhecido  e  os  mistérios  do  largo  oceano,  mais  na  esperança  de  súbita  riqueza 
que  de  honrarias  e  glória. 

No  número  deles  se  contou  Alonso  de  Hojeda.  fidalgo  genioso  e  destemido  que  fôra  da  casa 
do  duque  de  Medina  C(e1í.  onde  talvez  conhecesse  Colombo  quando,  ao  safr  de  Portugal,  êle  se  acolheu 
à  sombra  do  poderoso  titular.  Acompanhou  o  almirante  na  segunda  viagem,  durante  a  qual  demonstrou 
destreza  e  bravura,  nomeadamente  na  prisão  do  cacique  Caonaboa.  Familiarizado  com  os  perigos  da  na- 
vegação. Hojeda  conseguira  além  disso  captar  as  boas  graças  do  bispo  dc  Córdova.  D.  luan  da  Fonseca, 
superintendente  nos  negócios  das  índias,  o  qual.  malquistado  com  Colombo,  o  animou  no  projecto  dc  ir 
a  descobrir  pelas  novas  regiões,  com  o  duplo  fim  de  tentar  fortuna  e  de  enfraquecer  o  prestígio  do  in- 
truso genovês.  Forte  com  esta  protecção  e  tendo  assegurado  o  concurso  do  reputado  pilôlo  e  cartógrafo 
luan  de  la  Cosa  ( ).  aprestou-se  para  a  expedição  (")  e  desaferrou  do  pôrlo  de  S.  Maria  V)  com  quatro 
navios  V),  presumivelmente  na  primavera  de  1499. 

Hojeda  declarou  em  1513  (•)  ter  visto  antes  de  partir,  certamente  por  intermédio  do  bispo  de 
Córdova,  a  carta  de  marear  que  Colombo  mandára  em  1498  aos  reis  católicos.  Assim,  na  primeira  parte 
da  viagem,  a  derrota  encostou-se  à  do  almirante  ("■);  as  diferenças  só  se  produzem  na  anibada  ao  con- 
tinente americano,  realizada  em  ponto  muito  controvertido. 

No  seu  depoimento  nas  Probanzãs  dei  fisc/tl  (")  pretende  Hojeda  ler  percorrido  casi  dozien- 
ías  léguas  da  costa  awtes  de  chegar  a  Pária,  cômputo  sem  dúvida  exagerado,  como  era  costume  invariá 
vel  dos  descobridores  espanhóis.  Humboldt,  acentuando  êsle  fado        cita  o  exemplo  de  Rodrigo  Das- 


..  ?K  '"'erfoaatóno  do  fiscal  e  os  depoimento»  resultantes  no  pleKo  de  Diego  Colombo  tio  lormal»  a  «ste 
respeito  (Apfndice  B}.)uan  de  la  Cosj  só  outra  vez  foi  companheiro  de  Motcd.i  na  expedição  de  1510.  em  que  foi  morto  cm 
combale.  Harnsse,  <iue  nlo  conhecia  ao  tempo  os  autos  compicios  daquele  pleito,  publicados  em  1892  e  I8«  cqulvoo  se 
di/cndo  que  loram  também  na  expedição  André  de  Morales.  Bartolomé  Roldan.  Anton  Garcia.  Diego  Martin  e  Dleao  Fernan- 
de/  Colmenero  (The  discoivn'  of  North  Amrrici,  pág  677).  Os  IrÔs  primeiros  mostram  cUramentc  em  seus  depoimento* 
(Apvndicf  B.  respostas  à  b.'  pregunla  do  trscai)  que  nào  estiveram  prc8cnti*s;  quanto  ao  úliimo,  embora  *te  declare  ler  sido 
um  dos  descobridores,  qucre  com  Isfo  simplesmente  afirmar  que  loi  a  descubnr  por  aquelas  regiões.  Demais,  «le  seguiu  com 
y™'"fK,  na  viagem  de  dezembro  dc  1499  a  outubro  de  1500.  como  se  conclui  do  diploma  o(lci.il  dc  5  de  deztmbro  de 

ISOO  <Nav.irrele.  Collraon  dc  los  viages  v  descubrimicnias  que  hicieron  por  m.ir  los  rsp.i/)ol,'S  desde  fines  drí  siçlo  XV 
Madrid.  ia25-29.  loin,  111.  doe,  VII  e  XUi».  Do  quarto  dos  mariUmos  citados  apenas  consta,  vasculhando  os  autos  do  processo 
que  ele  íoi  com  Colombo  em  1498,  e  com  Pinzon  provávelmenie  em  1499. 

(•)  Nâo  «  conhece  o  lermo  das  cap]tutac6es  dc  Hojeda.  Us  Casas,  citando  uma  caria  do  famoso  rebelde  Fran- 
cisco Roldan,  prt-iende  que  èle  n.lo  obleve  dos  reis.  mas  apenas  do  bispo  D,  Juan  dc  Fonseca,  a  licencia  ptrã  dv^cubnr 
(tlisloria  general  de  Lis  índias.  Madrid.  1875,  tôm.  M.  cap.  CLXIV):  mas  Hojeda  depôs  que  foi  por  mandado  de  S  S  Altezas 
(Apêndice  õ.  respostas  a  5.«  pregunla  do  liscal,  entre  as  quais  a  do  escrívJlo  Rodrigo  dc  Daslldas). 

C)  Depoimentos  dc  luan  dc  Xerez  e  Nicolas  Perez,  no  Apêndice  B,  respostas  is  preguntas  3  •  e  5,*  do  fiscal 
(»)  Historie  dei  S.  D.  Fernando  Colombo,  cap.  M.  A  primeira  edlçio  désfe  Uvro,  multo  reproduzido,  é  d«  1571. 
O  Apêndice  B.  respostas  à  pregunla  2.a  do  fiscal. 

('")  Segundo  Navarrcle  (op.  cil..  lòm.  Ill.píq.  5).  Hojeda  tocou  nas  Canárias,  gastando  24  diat  no  traíecfo  dettal 
ilhas  30  conlmenic.  o  que  é  empreslado  da  carta  dc  t8  de  julho  de  1500,  dirigida  por  Vespúcio  a  Lorenzo  de  Picr  FranoriCO 
de  Medíeis,  documento  hoje  reputado  apócrifo.  Na  segunda  naveg-içAo  da  Leff-rj  |.1  citada,  que  deveria  ser  a  mesma  de  Ho- 
jeda, a  escala  foi  feiía  pela  ilha  do  Fogo,  no  arquipélago  de  Cabo  Verde.  André  de  Morales,  no  seu  depoimento  (Apêndice  B 
resposta  ã  5.»  pregunla  do  fiscal),  diz  que  partiram  da  ilha  do  Ferro,  nas  Canárias,  para  a  travessia  do  Oceano. 

(")  Assim  se  inlitulou  o  Interrogatório  e  depoimentos  das  testemunhas,  apresenladas  pelo  (itcal  no  processo  dt 
Diego  Colombo,  e  Probãnzas  dei  Alminnle  os  das  apresentadas  por  ésie  (Apêndice  D). 

(")  Exawen  crUique  de  rhistoire  de  la  géographie  du  Nouveau  Continent  et  des  progrés  de  l'êstronomte  nau 
tique  dans  Ir^  XV  e  XVI  siécirs.  Paris.  1831.39.  (omo  V,  pág   161,  nota.  *^  '^aironomte  nau 

E  necessário  observar  que  a  légua  niutlca  espanhola  ^e  contava  por  4  milhas  (perto  de  6  quilómetro»)  c  a  ler- 
reslre  por  3  (Pedro  Marlir.  Oécjd^  11.  livro  10») ;  mas  adtnthndo  mesmo  que  a  conlaqem  de  Bastidas  era  teita  em  medidas 
itinerárias  déste  segundo  pidráo,  o  exagéro  permanece  considerável  Nessa  hipótese,  as  200  léguas  de  Holeda  reduzir- se -lajn 
a  150  náuticas  ou  sejam  muito  perlo  de  900  quilómetros. 


111 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


tidas  que  se  gabava  de  ler  percorrido,  em  I500-I502,  3000  léguas  de  costa,  quando  em  verdade  nSo 
passou  de  800. 

No  parecer  do  Ilustre  sábio  ("),  Hojeda,  tal  qual  Colombo,  não  chegou  a  ver  a  verdadeira  foz 
do  Orinoco,  a  Boca  de  Navios  ou  Boca  grande.  Não  lhe  escapou,  de  certo,  a  circunstância  de  que  na 
segunda  expedição  (1502)  o  explorador  pouco  ultrapassou  os  anegados  ou  terrenos  alagadiços  de  Pária  ('•). 
perto  do  delta  do  Orinoco  ou  nele  situados;  ora  se  o  castelhano  na  primeira  viagem  tivesse  atingido  o 
notável  estuário  deste  grande  rio  e  mais  ao  sul  o  Essequibo,  como  fazem  supor  as  200  léguas  acusadas, 
c  natural  que  na  segunda,  empreendida  pouco  depois  para  as  mesmas  paragens,  quisesse  de  novo  visi- 
tar as  suas  importantes  descobertas. 

humboldt.  que  não  conhecia  o  texto  completo  das  Probamas,  mas  apenas  os  extractos  dados 
por  Navarrete  ('■■),  encontraria  nêle  um  argumento  em  abono  da  sua  sagaz  opinião.  A  torrente  do  Ori- 
noco, irrompendo  por  uma  foz  de  mais  de  30  quilómetros  de  largo,  entra  impetuosamente  no  Oceano, 
cuias  águas  torna  doces  em  distância  superior  a  5  léguas,  na  ocasião  da  baixamar  e  das  cheias  do  rio 
que  têm  lugar  entre  março  e  agosto  ('").  Éste  fenómeno  surpreendente  fere  a  atenção  de  quantos  pas- 
sam por  lá.  e  deveria  causar  assombro  a  Hoieda  e  seus  companheiros,  se  o  tivessem  observado  quando 
aí  chegaram  em  iunho  ou  )ulho,  tanto  mais  que  seriam  os  primeiros  a  poder  contar  a  maravilha,  mal 
entrevista  por  Colombo  no  gõlfo  de  Pária.  No  entanto,  o  capitão  castelhano  não  o  menciona  quando  de- 
pôs acèrca  da  sua  viagem,  e  interrogado  sobre  a  descoberta  por  Pínzon  do  río  grande  donde  hallaron 
el  agua  dulce  que  entraba  en  el  mar,  coníirma-a  tranquilamente,  sem  reivindicar  uma  parcela  sequer  do 
feito,  ao  mesmo  tempo  que  declara  ler  visitado  antes  parle  das  novas  leiras  descobertas  por  Pinzon. 

Outro  argumento,  ignorado  de  Humboldt  e  ainda  mais  valioso,  se  tira  do  termo  das  capitula- 
ções dêste  último  navegador,  lavrado  em  5  de  setembro  de  1501  ('').  Neste  documento  os  reis  católi- 
cos dão  como  descoberio  por  êle  um  trecho  de  costa  entre  5.  filaria  de  la  Consolación  e  o  río  grande 
5.  Maria  dei  mar  dulce,  onde  se  dá  o  fenómeno  da  dulcificação  das  águas  do  Atlântico  e  daí  em  diante 
até  o  câbo  de  S.  Vicente.  Provaremos,  no  nosso  estudo  sòbre  Pinzon,  que  o  rio  em  questão  não  era  o 
Amazonas,  como  geralmente  se  crê,  senão  o  Orinoco;  e  como  os  reis  atribuem  a  sua  descoberta  a  êste 
castelhano,  é  certo  que  não  podia  tè-lo  avistado  antes  Hojeda,  que  no  caso  contrário  não  se  esqueceria 
de  fazer  valer  o  seu  direito.  Mas  independentemente  disto,  sabemos  hoje  que  o  cabo  de  S.  Vicente  está 
muilo  a  norte  da  foz  do  Orinoco,  porque  assim  o  atesta  o  Atlas  de  portulanos  de  Egerton  2803  ("). 
É  evidente  que  os  reis  não  dariam  em  1501  a  região  que  precede  o  cabo  como  descoberta  por  Pinzon 
se  ela  o  tivesse  sido  por  Hojeda. 

Tudo  indica,  pois,  que  êste  capitão  não  chegou  ao  Orinoco  em  1499;  mas  admitindo,  ainda 
assim,  como  exacto  o  percurso  de  200  léguas  antes  de  Pária,  éle  não  o  teria  trazido  além  de  Surinam, 
na  Guyana  holandesa,  como  quere  Navarrete,  ou  mais  generosamente  do  Maroni,  limite  desta  província, 
como  pretende  d"Avezac  C"). 

Saindo  de  Pária,  correu  a  costa  de  pôrto  em  pôrto  ("),  atracando  sucessivamente  à  ilha  Mar- 
garita, a  Aidea  Vencida  (enseada  dos  Corsários)  e  Puerto  frechado  (Chichirivichi)  ("),  à  ilha  de  tos  gi- 


(■*)  Op.  dt.  tdmo  III,  pág.  116. 

(■*)  Navtrréle,  op.  dl.,  t6mo  llt.  pág.  30. 

(")  Op.  dl.,  Idmo  111.  pig.  S3S. 

(")  Humboldt.  Vot>êge  aux  régions  équ»tOTÍêles.  lômo  VIII.  cap.  240,  pág.  391 ;  veja-se  também  a  carta  de  Healli. 
em  IBH),  revista  por  Norie  c  Intitulada  Neiv  Chart  of  the  coast  of  Gujfrf/ij.  A  imaginação  esquentada  e  a  mendacídade  dos 
piloto*  e»panhoÍ8  avolumavam  a  dfras  fantásticas  a  dUt&nda  em  que  penetrava  no  mar  a  água  doce  (Humboldt,  Ibld.  tómo  I. 
cap.  3,*).  Pinzon  em  1513  declarou  que  no  Rio  grande  ela  era  de  40  léguas;  ora  no  Amazonas,  onde  o  fenómeno  se  v*  em 
maior  ctcala,  nào  passa  de  12  a  corrente  doce. 

j    r,  ''"""^  *  apenas  diado  por  Navarrete;  conheddo  de  Vamhagen  em  1846.  íol  publicado  em  1859  no  lômo 

XXII  da  Revista  mmensal  do  Instituto  Histórico  e  Oeograpttico  do  Brasil  e  por  Caetano  da  Silva,  LOvapoc  et  VAmazone, 
pág.  423  do  2.0  lômo  da  3.«  edição.  •       r  f 

1911  •  XV  lofs  a^XVll^ol''"a.^''^"*"'°'*'  portolên  charts.  fac-simiie  of  manuscnpt  in  Brilish  Museum,  New-Vork. 

{'•)  Navarrete,  op.  dl.  tômo  111.  pág.  5;d  Avezac.  Considfratíons  géographiques  sur  Thistoire  du  Brésit.  pág.  63. 
(")   Depoimento  de  André  de  Morales,  no  Apêndice  B,  resposta  á  5.«  pregunta  do  liscaL 

.CM  ^a'**  últimas  indicações  lirou-as  Navarrete  de  um  documenio  relativo  i  «cgunda  viagem  de  Ho(eda 

de  1502  (op.  dt.,  lômo  III.  doe  XVIII). 

112 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


gantes  (Curazao).  ao  gôlfo  dc  i/enecia  (Venezuela  ou  Maracarbo)  (")  onde  nasceu  o  nome  do  moderno 
eslado  e  Imalmente  à  pequena  península  de  Cuquibacoa  ÍGuajíra)  em  cujo  exirèmo  fica  o  cabo  de  Vela 
a  que  deu  o  nome.  O  termo  das  capitulações  de  Hojeda  em  8  de  junho  de  1501  (")  dá-nos  a  entender 
que  as  terras  descobertas  por  élc  vêm  desde  Cuquibacoa  até  à  Margarita  e  região  de  Cuhana  (atriana?) 
cabendo  a  Pero  Alonso  Nifto  e  Cristobal  Guerra  a  fama  e  o  proveito  de  terem  explorado  pouco  antes  a 
Costa  de  Perlas,  desde  Curiana  até  Pária  {"). 

Do  cabo  de  Vela  rompeu  para  a  Hispaniola  (Santo  Domingo  ou  Haiti),  chegando  a  Vaquimo 
ou  Puerto  dei  brasil  (Jacmel)  em  5  de  setembro.  Temos  a  certeza  desta  data  em  vista  do  trecho,  trans- 
crito por  Las  Casas  V^)  duma  carta  de  Colombo  aos  reis  católicos,  dizendo  o  bispo  de  Chiapa  por  di- 
versas vezes  ter  sido  de  cinco  meses  a  duração  do  trajecto  entre  Espanha  e  Vaquimo.  Ignoramos  se 
esta  informação  foi  bebida  nos  papeis  de  Colombo,  mas  o  cronista  cai  em  manifesta  contradição,  pots 
que  dá  a  partida  da  Península  em  maio  e  até  sugere  o  dia  20.  na  crença  de  que  a  viagem  é  descrita  ao 
mesmo  tempo  nas  duas  primeiras  navegações  de  Vespúcio.  propositalmente  confundidas,  Estes  cinco  me- 
ses em  que  insiste  Las  Casas  fazem  remontar  o  início  da  expedição  de  Hojeda  aos  princípios  de  aoril 
de  1499  ('"). 

De  Hispaniola.  após  várias  peripécias  cuja  descrição  nSo  importa,  zarpou  o  audacioso  aventu- 
reiro em  fins  de  fevereiro  de  1500  ou  em  março,  consoante  o  atesta  Las  Casas  CO,  fundeando  em  Es- 
panha aí  por  abril  de  1500.  Islo  se  depreende  do  testemunho  de  Nicolao  Perez  ('").  segundo  o  qual 
Hojeda  estava  de  volta  dende  a  poços  dias  depois  de  NiAo  e  Guerra;  ora  como  estes  chegaram  a  6  de 
abril.  Harrisse  deduz  que  o  regresso  do  castelhano  foi  na  primeira  quinzena  do  mòs  V).  t  possível 
que  assim  acontecesse,  mas  aquela  expressão  parece-nos  mais  elástica,  embora  se  não  preste  à  hipótese 
de  Navarrete,  que  adopta  mediados  de  junio  ("0.  A  28  de  julho  de  1500  preparava-se  o  capitão  para 
capilular  de  novo  com*o  bispo  de  Córdova,  sendo  pouco  provável  que  no  curto  intervalo  de  pouco  mais 
de  um  mès  tivesse  tempo  de  prestar  contas  da  viagem  terminada,  projectar  outra  e  preparar  as  capitu- 
lações respectivas.  Optando  por  uma  solução  intermédia,  concluiremos  que  Hojeda.  tendo  partido  de  Es- 
panha na  primavera  de  1499,  gastou  perto  de  um  ano  na  sua  exploração  da  qual  tornou  em  abril  ou 
princípios  de  maio  de  1500. 


C*^   No  lago  de  S.  Rarlolomé.  Identihcado  por  N  com  a  laguni  de  MinciTbo  (op.  dl.,  tftmo  III.  pio.  8) 

«e  enamorou  Mojcda  duma  índi.i,  a  que  chamou  Isabel.  O  cru  .  o,  Iam  de»uin,ino  para  COm  M  Indlgenj».  dJ  indícios  dc 

grande  Icmura  pela  lormosa  mulher  (Navarrete,  op.  cit.,  lômo  111,  doe.  XX). 

(")   Navarrete,  op.  dt..  lômo  II).  doe.  X. 

(«)   Hoieda.  que  nSo  descura  a  sua  reputação,  pretende  ter  sido  o  primeiro  a  visitar  Idda  a  rcglío;  c  o  depoN 
mento  de  Nicolao  Perez  parece  dar-lhe  mio  {ApPndice  B,  respocta  à  3a  pregunla  do  fiscal). 

(»)  hisloriã  gfncrjl  de  lat  índias,  lômo  11.  livro  2.o  cap.  CLXIV. 

(")   Harrisse  fixa  a  data  earíy  in  lhe  summer  of  1499  (The  discovery  of  Norlh  Americjt.  Pari».  1892,  pig.  t76). 

Op.  dt.,  lòmo  II.  livro  2.»  cap.  CLXIX. 
(")   No  Apí-ndice  B.  reflpo<sla  à  3.»  pregunla  do  fiscal. 

Op.  dl-,  pág.  676. 

Na  carta  de  18  de  junho  dc  IMO  a  Lorcnío  di  Picr  Franc-  ia  Vcipúdo  (Vtonaud 

Amàric  Vispuce.pÁq.  393).  a  qual  narra  a  viagem  de  1499  dc  mini-ir.i  <i<ven»  .  .  regreMO  A  Espanha  sé 

realiíou  cérca  de  um  mé^  antes,  isto  c,  nos  moi-idos  dc  junho,  o  Uca  j  v^.^^.lo  Uc  Navairt-ie,  bastante  adstrita  a  esta 

carta    V3rrli.iqen.  ftuvnUndo  da  auiiínliciiiade  do  documento,  fot  i  i-io  c  declarou-o  apócrifo;  c  Vignaud  concorda  com 

'  'e  porque,  no  seu  enli-ndL-r,  Vcipúcio  nuncj  pjrrllhou  da  ideia  talsa,  consisnada  na  carta,  de  que  as 

da  Asia  (op-  cit..  p.ig  59)  Nío  é  convlnccnlc  o  argumento,  visio  como  o  llorentmo  só  escreveu 
detJúia  uj  vijgoiii  dc  1501  ao  serviço  dos  porlugucscb.  na  qual  percorreu  dilatado  trecho  da  costa  da  América  do  Sul-  além 
dc  que  08  portugueses  jamais  conlundirjni  .i^  novas  regiov*  com  a  Asia.  Notaremos  também  o-.ir,  ndcío  foi  sumpre 

dObte  parecer  nos  seu^  escritos,  o  taU.tno  a  quem  i>e  devf  o  texio  apocnlo  demonstrou  rara  In  ido-thc  a  con- 

trária; e  setia  entào  a  unlca,  porque  nâo  se  lhe  descobriti  outra.  Humboldl  nJo  discute  a  .uii.  :.  .  .  i  i  caria  cm  que 
Uzielll  se  acredita;  mas  Harrisse  e  hiske  s3o  da  opinião  de  Varnhagen  e  ditaram  o  parecer  de  Vignaud.  O  reparo  dOste  critico 
quanto  à  dala  nio  coltie,  porque  a  do  lim  da  segunda  navegação  da  Lelterã  tem  lodos  os  visos  de  nao  ser  exacta. 

"  '  113 


I 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


IESPONDENDO  em  1513  ao  interrogatório  do  procurador  fiscal  da  corôa  de  Castela,  quando 
)á  era  morlo  o  famoso  florentino,  declarou  Hojeda  ter  levado  consigo  na  viagem  de  1499 
Juan  de  Ia  Cosa.  piloto.  Emerígo  Vespuch  e  otros  pilotos.  Dêste  modo  de  dizer  se  infere, 
em  interpretação  rigorosa,  que  Vcspúcio  não  foi  por  piloto,  nem  julgamos  natural  que.  ao 
trocar  a  profissão  de  mercador  pela  ocasional  de  navegante  (").  íôsse  arvorado  em  ti- 
moneiro duma  expedição  arriscada.  ^ 

É  pois  indubitável  ter  o  florentino  andado  ao  lado  de  Hoieda  na  exploração  que  êste  levou  a 
termo  entre  1499  e  1500.  de  primavera  a  primavera,  e  seria  de  esperar  que  a  segunda  das  navegações 
da  Lettera  ("),  de  mato  de  1499  a  setembro  de  1500,  coincidisse  com  ela,  a  pesar  do  autor  não  di- 
zer uma  palavra  de  Hoieda  nem  de  La  Cosa.  figuras  primaciais  da  expedição.  Há  efectivamente  concor- 
dância entre  o  que  ao  certo  se  sabe  da  viagem  do  capitão  castelhano  e  o  relato  italiano,  na  parte  cen- 
tral dêle.  mas  no  princípio  e  no  fim  as  divergências  sâo  bastante  profundas  e  habililam-nos  a  concluir 
que  o  texto  da  Lettera  nâo  traduz  fielmente  os  factos. 

De  começo  faremos  um  reparo  quanto  ao  número  de  caravelas  que  o  italiano  nos  informa  se- 
rem três  (").  Fernando  Colombo  todavia  afirma  ter  llojeda  chegado  ã  Hispaniola  com  quatro  navios 
p').  e  com  êle  se  ajusta  Las  Casas  (");  aliás  os  dois  beberam  na  mesma  fonte:  os  papeis  do  almirante 
referentes  à  sua  terceira  expedição  de  1498,  Não  temos  razões  para  duvidar  da  exactidão  destas  teste- 
munhas, e  temo  la  para  suspeitar  de  Vespúcio. 

Conta  nos  éle  que  acostou  ao  continente  por  5o  de  latitude  austral,  o  que  corresponde  às  vi- 
zinhanças do  Assú,  no  Rio  Grande  do  Norte  ('*).  Como  êste  rio  tem  um  pequeno  delta  (se  é  que  tal 
designação  é  cabida)  e  a  Lettera  fala  em  terras  encharcadas,  Vamhagen  conclui  precipitadamente  que  ali 
foi  o  ponto  de  arribada  ('').  A  relação  italiana,  no  entanto,  diz-nos  que  tòda  a  região  estava  inundada 
por  vários  rios  grandíssimos,  aos  quais  se  refere  quatro  vezes  no  espaço  de  bem  poucas  linhas,  e  de 
tal  maneira  era  o  alagamento  que  a  pesar  de  obstinados  esforços  não  puderam  os  exploradores  desem- 
barcar, tomando  nos  botes  auxiliares  aos  navios.  Esta  descrição  não  se  afigura  aplicável  ao  Assú.  nem 
mesmo  ao  Parnahyba,  uns  2o  mais  ao  norte. 

A  distância  de  5»  ao  equador  e  a  declaração  na  Lettera  de  ter  atravessado  duas  vezes  esta 
linha,  constituem  os  baluartes  dos  que  afirmam  Icr  sido  o  Brasil  descoberto  por  Hojeda  e  Vespúcio  (**). 
De  facto,  quando  mesmo  houvesse  erro  na  primeira  indicação,  da  segunda  claramente  se  depreende  que 
os  expedicionários  estiveram  no  Amazonas,  cuja  foz  é  cortada  pela  equinocial.  Mas  para  que  tal  afirma- 
ção possa  passar  em  julgado,  é  necessário  demonstrar  que  as  latitudes  de  Vcspúcio  são  dignas  de  al- 
guma confiança,  e  admitir  que  a  travessia  do  eqiiador  não  é  uma  ficção. 

Ora  as  alturas  do  pólo  fornecidas  por  éste  pretenso  grande  nauta  e  astrónomo  andam  quási 
sempre  erradas  de  alguns  graus,  cousa  que  já  não  era  permitida  a  um  bom  piloto  português  do  fim  do 


<■>)  No  Archivo  Qeneral  de  Prolocollot  de  Sevilha  exisle  uma  procuração  de  14  de  maio  de  1499.  dias  ante$  da 
partida  da  expedição  de  Vespúdo,  na  qual  (sic  se  intitula  mercador  florentino  (Rodollo  Schulter,  O  mappj  porwguez  mais 
ãniigo  do  Brjsil,  no  iornal  O  ImpjTci^t,  do  Rio  de  ]aneiro.  de  27  de  maio  de  1914).  Aos  que  deduzem  das  palavras  de  Ho- 
ieda que  Vespúcio  era  pilòto.  lembramos  que  éste  linha  sJdo  nomeado  pil6to-mór  em  1508,  cinco  anos  antes  de  prestado  o 
depoimento. 

No  Apèndiet  A. 

(")  Hi  também  dlscrepjindia  no  ponto  de  partida  que  Vespúcio  diz  ter  sido  Cadiz,  quando  nós  sabemos  que 
Hoieda  »iu  do  P6no  de  S.  Maria;  mas  pôde  ser  que  o  capilAo  tocasse  em  Cadiz  e  ai  tomasse  a  bordo  o  florentino. 

(**)  Historie  dei  S.  D.  Fernando  Colombo,  cap.  B4, 
r*)  Op.  dl.  lõmo  It.  cap.  TJO. 

(**)  Notaremos  aqui  uma  contradição  da  Lettera  que  tira  confiança  nas  suas  datas.  Diz-nos  o  autor  que  saiu  de 
Cádis  em  16  de  maio  e  aportou  ao  continente  em  27  de  tunho,  gastando  porUnto  43  dias  no  traiecto  total;  contudo  afirma 
paralelamente  que  só  na  travessia  de  Cabo  Verde  à  Amíiia  levou  44  dias.  Deveria  talvez  ler-se  no  texto  34,  explicando  os 
9  dias  de  diferença  pelo  percurso  de  Cadiz  a  Cabo  Verde.  Uio  é  muiio  calcular  êste  praso.  pois  Oviedo  escrevia,  de  1523  a 
1526,  que  de  Cadiz  às  Cinárías  se  gastam  ocfio  dias  poco  mas  o  menos  (Rclacion  summaria  de  la  hislona  natural  de  las  Indtas, 
apud  Andrés  Q.  Darcia.  Hntoriadores  primitivos  de  las  Indtas  Ocadenrafes).  Alvares  Cabral,  comandando  13  navios,  cm  1500 

Íastou  menos  de  tels  dias  de  Lisboa  kt  Canárias  e  treze  dias  ás  de  Cabo  Verde.  (Carla  de  Pero  Vaz  de  Caminha  a  eUret 
t.  hUnuel.) 

CO  Historia  Geral  do  Brasil,  pág.  122,  da  3.*  edlçSo  de  1907. 

(*)  Vlgnaud  admite  que  Vespúcio  esteve  no  cabo  de  S.  Roque  (5*  29  S)  e  lhe  podia  ler  dado  o  nome  (op.  cil.. 
pia  IH  nou  llii  O  florentino  chegou  ao  continente  a  27  de  junho  e  por  5»  de  latitude,  segundo  a  Lettera;  e  S.  Roque 
lestefa-se  a  16  de  agotla  TerU  pots  havido  no  Intervalo  51  dias  de  navegação,  o  que  é  suficiente  para  invalidar  a  hipótese 
de  Vlgnaud. 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


século  XV  C*)  Sirva  de  exemplo  a  latitude  de  15°  boreais  dada  na  mesma  segunda  navegaçSo,  a  qual  toÍ 

escrita  depois  de  1503.  à  costa  próxima  _  ___  _   

da  Ilha  dos  Gigantes  (Curazao).  que     fnf^^*^^^^  }1  P  9  W 

na  realidade  apenas  conta  de  lio  3 
120.  Não  admira  que  tal  sucedesse, 
pois  Vespúcio.  da  mesma  lórma  que 
os  demais  pilotos  espanhóis  do  tempo, 
determinava  as  latitudes,  se  é  que  \á  o 
fazia  ao  tempo,  por  imperfeitíssimas 
observações  da  polar  ao  passo 
que  os  portugueses,  bem  mais  adian- 
tados na  astronomia  náutica,  as  acha- 
vam pela  altura  meridiana  do  sol  e 
pelas  tábuas  da  sua  declinação  (*'). 
método  ainda  hoie  correntemente  usado 
pelos  marítimos. 

Os  navegadores  espanhóis 
que  se  aventuravam  aos  mares  do  sul, 
privados  do  recurso  àquela  estrela- 
guia,  ficavam  adstritos  a  conjecturas  e 
estimativas  grosseiras  (**)■  A  tramon- 
tana começava  a  sumir-se-lhes  no  ho- 
rizonte em  pouco  mesos  de  3*  boreais 
e  tornava-se  inteiramente  invisível  nas 
proximidades  de  1°  austrais  (**)■  No 
Intervalo  de  cèrca  de  7°,  que  represen- 
tam um  trajecto  mínimo  de  129  léguas, 
podiam  os  pilotos  imaginar  errada- 
mente que  estavam  áquem  ou  além  da 
eqiiinocíal.  quando  de  facto  iá  a  ti- 
nham atravessado  ou  ainda  vogavam 
no  Atlântico  setentrional;  e  é  possível 
que  Vespúcio  partilhasse  de  semelhante 
ilusão.  Quem  erra  3«  ou  4°  na  determina- 
ção da  latitude  de  um  lugar  com  a  po- 
lar à  vista,  conforme  vimos  acima,  bem 
pôde  ter  errado  mais  de  50  em  outro 
onde  a  estrela  lhe  faltava  (embora  ainda 
no  hemisfério  boreal)  e  com  a  agravante 

de  operar  a  bordo,  visto  que  segundo  a  s^,„^,  „,,^„,,  ^  ^„^,,, 

Lettera  não  desembarcaram  no  ponto  de  ="''"*^'<»  '■c-«imii«rd.  1..  «difio  <i4í,ff.^j.  (e-«mpi«riinice.  riorança.  tmouiiM> 
acostagem.  De  resto,  era  tendência  dos  navegadores  invocar  latitudes  excessivamente  meridionais. 


QVanto  alTrcondo^liSK^o      qudlo  dit  lo  ff>(b  attUl 
ptu  drgn  '>  dt  memoria  <  c  queUo  cticqol  fcffDc.PARlaio 
dei  porro  di  Calla  rrcnaul  dl  oôfcrua  adi  16. dl  Maggio 
0(comtnct.1monoflrocimlnoadlrlrrl  allclfoledacaooarc^ 
de  /  pjtfando  a  alfla  delia  Ifoladi  j^r^n  Canar1i:ct  tanto  na^ 
ulgimo  jdtcfiimo  a  tmm  aduna  Ifolafdic  QdlocUfob  dd 
fuoco:rf  qiil        noftra  proulfionedacqua  flf  dl  Iqj^e/  pU 
glilmo  noíin  naul^tlonr  prr  llllbecclotOc  In  44.gtoml  fii 
ma  atçncTr  aduna  nuoua  terrarSílagludlcímoeRrre  cem 
fcrma"  acconrlnuaconladlfopn  fiH  mrntlonctfiqaafr  e/fl 
aaradrmrodHbrorrlda  zona  /  fle  fuoradflla  llncacqutno,^ 
ctlatc  alia  pane  drIlo  aaOrorfopra  taquatc  alu  d  polo  dd  om 
rldtone'^.  ^r3dl  fuora  dogntdynia:&dl(Tj  dalícdcâc  Ifolf 
pcrduéroltbecclo  í,  oo.feghc: Ac  rrouimo  rflV re  rquall  cglor 
filcon  'enot^i^c  fumo  ad  epfj  adi  2y.á\  Gta^o  1  quan 
do  dfole  Ita  clrca  dcI  trópico  dl  Canocf  ituqual  terra  rrouiino 
cnfç^ruaa  anafara  Ar  plena  dlgrandlíTiml  fiumt.InqueOo 
prlndpto  nãuodrmoçenrratcuqairur^^aiooon  noflre  Datil 
Ccbanimo  fuora  enoOn  baucJltifumocon  rpH  amra  iten 
pic dloo i  U  aooâmo picna di graadifliml  âuml  /  &  a nncg«t« 

b.íU. 


A.  DAM«  <iS?r^  ^I!"  "a*"^'  ""'"^         'í*'=°      firmada  de  abral.  determinou  juntamente  com  os  pilotos  a  latitude 

<")   Mesire  Josí  Vizinho.  \i  em  H9i  determinava  Utlludes  na  Guiné  por  allura.  solares  O  inlloo  reflimcnio  d« 
alturas  actta-se  '"nscnlo  no  Regurento  ao  esUoUb.o  e  ao  ouj>ir.inte  e«mplar  dc  Munlch  reprodSo  porioaQuim 

Densaude  ^  ediçio  lacsim.lar  de  I9N.  feita  a  expensas  do  flovimo  português.  Í^Ta  Introdução,  o  llu.lí  ídHor  nota  JSe  õ 

Drilo  Rebelo.  Ésic  erudito  reporia  a  ISO6  a  preparaçJo  do  Regimento  do  Cruielro  do  Sul  (páo  XLIX) 

,  ,  A*  Ç?'*'  (''^Jfs^e  minoris)  eram  em  1500:  ascençio  recta  3*.76;  dedliuao  «6<»S8  (Neu- 

gebaucr.  Síernfã/eln  von  4000  vot  Chr.  bis  zur  Gegenwart.  1912).  A  rclrac;io  horizonlaTmédi.  no  eoúidor  orçi  por  30 

115 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Nao  sabemos  do  processo  empregado  pelo  florenlino  ou  pelos  pilotos  de  Hojcda  para  deter- 
minar a  distância  ao  equador  déste  lugar,  se  ela  era  Iam  alta  quanto  alega.  Era  lhe  válido  socorrer  se 
da  observação  de  outras  estrélas  que  se  não  ocultavam  naquelas  alturas,  tais  como  as  muilo  conhecidas 
guardas  da  polar,  mas  seria  mister  para  tanto  conhecer  as  suas  declinações,  fóra  do  saber  dos  maríti- 
mos espanhóis  (*').  e  observá-las  nas  culminações,  superior  ou  iníerior.  Poderia  igualmente  aprovei- 
tar-lhe  o  conhecimento  do  rumo  da  derrota  e  da  distância  percorrida  desde  o  ponto  em  que  perdeu  a 
polar,  supondo  ter  então  atravessado  o  equador;  mas  êste  cálculo  indirecto  era.  por  todos  os  lados,  ex- 
tremamente íalível.  A  remota  probabilidade  da  utilização  destes  recursos  induz  nos  a  crer  que  Vespúcio 
nâo  atravessou  o  equador  em  1499,  conquanto  se  gabe  de  lanto.  e  a  sequência  da  sua  narrativa  confir- 
ma-no5  na  persuasão. 

Na  época  cm  que  teve  lugar  a  expedição  ainda  nenhum  navegador  espanhol,  em  expedição 
oficial,  podia  legitimamente  jaclar-se  dêsle  feito  que  já  em  1471.  vinte  e  oilo  anos  antes,  os  portugueses 
inscreviam  no  seu  activo  e  Vespúcio  só  pôde  realizar  em  1501,  na  companhia  deles.  Vicente  Pinzon,  con- 
tando a  Pedro  Mártir  d  Anghiera  a  sua  viagem  de  1499  a  1500.  vangloriou-se  de  ter  passado  a  linha, 
mas  havemos  de  mostrar  à  evidência  que  ele  nâo  passou  de  inventar  (").  Vespúcio,  na  primeira  das 
navegações  da  Lettera,  assevera  ter  partido  de  \b°  boreais  (?),  em  Honduras,  e  percorrido  a  costa  norte, 
do  gòlfo  do  México:  na  terceira,  em  1501.  diz  ter  seguido  o  continente  meridional  do  Novo  Mundo  desde 
5«  austrais  até  mais  de  32".  Para  que  fòsse  completa  a  sua  exploração  do  litoral  da  América,  entre  os 
limites  ao  lempo  conhecidos,  era  mister  picencher  a  lacuna  existente  entre  16o  boreais  e  5»  austrais,  e 
disso  cogitou  o  florentino  na  segunda  navegação,  exagerando  as  latitudes  extremas  até  15°  boreais  e  5o 
austrais,  e  declarando  ter  então  atravessado  o  equador. 

Diz  nos  a  Lettera  que  a  27  de  junho  e  por  50  austrais  eram  os  dias  iguais  às  noites,  porque 
o  sol  estava  então  nas  proximidades  do  trópico  de  Câncer,  o  que  depõe  em  des^bôno  do  saber  astro- 
nómico do  autor.  O  Tratado  da  Esphera  de  João  Sacrobosco,  uademecum  de  astronomia  elementar  vul- 
garizado na  Idade  Média,  traz  que  o  dia  artificial  (como  então  chamavam  ao  que  hoje  dizemos  teórico) 
s6  é  igual  ã  noite  em  qualquer  paralelo,  quando  o  sol  está  nos  equinócios,  e  que  no  eqiiador  o  é  em 
qualquer  época  do  ano.  Nas  condições  indicadas  um  cálculo  fácil  ('*)  mostra  que  aquele  dia  regulava 
por  ili>  aO"*,  devendo  ser  pouco  maior  o  verdadeiro  porque  o  crepúsculo  é  curto  nas  regiões  vizinhas 
do  eqiiador;  Vespúcio  teria  pois  observado  mal,  se  a  latitude  acusada  fôsse  exacta.  As  pequenas  dife- 
renças entre  o  dia  e  a  noite,  nos  fins  de  junho,  nolam-se  em  paralelos  multo  mais  próximos  da  equi- 
nocial; e  verificam-se  por  defeito  quando  abaixo,  e  por  excesso  quando  acima  desta  linha.  A  igualdade 
de  dia  e  noite,  se  fosse  possível  a  50  austrais,  também  o  seria  a  50  boreais  e  no  intervalo  entre  os  dois 
paralelos,  de  sorte  que  o  pormenor  indicado  por  Vespúcio,  servindo  para  atestar  a  sua  ignorância,  nâo 
nos  habilita  a  conclusão  alguma  no  que  respeita  à  situação  do  ponto  de  chegada  à  América. 

O  mais  forte  argumento  para  contestar  a  visita  de  Hojeda  ao  moderno  Brasil  está  no  seu 
próprio  depoimento  no  pleito  de  Diego  Colombo.  O  capitão  castelhano,  a  quem  se  poderá  negar  o  desejo 
de  ampliar  indt^vidamcnte  o  âmbito  das  suas  descobertas,  mas  não  é  lícito  atribuir  o  propósito  de  as  min* 
guar  ou  encobrir,  contradiz  expressamente  Vespúcio.  visto  que  mais  modestamente  alega  ter  percorrido 
quási  200  léguas  do  costa  antes  de  Pária,  o  que  na  melhor  hipólese  nos  traz  sòmente  a  6»  ou  ?<>  se 
tenlrionais.  A  extraordinária  diferença  de  Ilo  ou  120  existente  entre  as  duas  versões  dos  compartes  da 
expedição,  ainda  que  atenuada  por  defeito  na  estimativa  do  primeiro  ou  por  vício  na  latitude  avaliada 
no  segundo,  é  motivo  mais  que  suficiente  para  rejeitar  a  afirmativa  de  Vespúcio.  já  que  nenhuma  razão 
se  nos  of  ^  oara  contestar  a  de  Hojeda.  Pôde  objectar-se  com  a  fone  corrente  marítima  na  costa  nor- 
deste do  ; -ii    (' )  no  sentido  do  trajecto  realizado  até  Pária,  por  efeito  da  qual  é  permitido  supor  que 


i»_  *'*L.9  pn-prtaum  de  Zaculo.  impresso  em  Leiria  em  1496  e  reproduzido  íac-similarmenle  por  Joaquim 

SSSÍçôM*  dc  eStíèSs '  ^  longilude  cdíptica  de  alsumas  estrélas.  As  Ephemerides  de  Regiomonle  nâo  davam  as 

i>(««™  Veia  «  adianie,  no  nosso  estudo  dedicado  às  navegações  de  Vicente  Pinzon.  a  parle  inlltulada  Vicente 

rtmon  em  liOO  não  atravessou  a  cijuinoctat. 

-  .**^   Servimo-nos  das  tábuas  de  dedin.HJo  solar  do  Regimento  do  esnotabio  e  do  quadrante,  sutidenteracnlc  prc- 
Qsas  no  caso.  que  dSo  aquela  coordenada  asironòmica  igual  a  ZZ»  49  boreais  no  dia  27  de  iunho. 

BA»  (i«  nrf«í«  "^t.  ^\  '        •**  Trindade  onde  se  inlema  pelo  gôllo  de  Píria.  sai  déle  peU 

ií^t^TlSL^?^?  '^*''''^*íx*  °  Oull.esiream.  A  sua  velocidade  niáxi™  até  o  gÔilo  de  Pária  pouco 

excede  32  qulWmelros  por  dia.  menos  de  6  léguas  das  usadas  amigamenie  pelos  espanhóis. 

116 


Modtlo  da  MJ4ulna  do  Mondo  «u*      con*«rv«  na  Dibllol*»  do  Conv«nio  do  Cttorlal.  Capanha 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


na  8.«  pregunla  o  fiscal  reivindica  para  Diego  de  Lepe  o  descobrimento  de  terras  ao  sul  do  cabo  de  S. 
Agostinho,  que  já  não  estavam  no  domínio  espanhol;  Hojeda  podia,  por  conseguinte,  avocar  a  si  a  gló- 
ria de  ter  pnmeiro  pisado  solo  reconhecidamente  português,  sem  receio  de  incorrer  em  qualquer  censura. 
É  evidente  que  o  ousado  capitão  nunca  pensou  em  coroar-se  com  as  honras  da  primazia  na  visita  às 
regiões  que  precedem  ou  seguem  o  Amazonas. 

Hojeda  e  La  Cosa,  quando  chegaram  à  Hispaniola.  declararam  a  Francisco  Roldan  (")  ter  per- 
corrido 600  léguas  de  terras  novas;  seriam  pois  perto  de  200  antes  de  Pária,  e  cerca  de  400  desde  êste 
ponto  até  o  cabo  de  Vela.  Ora  èsle  total,  dando  de  barato  que  seia  exacto,  é  ainda  menor  que  a  dis- 
tância percorrida  até  Pária  por  Vespúcio,  se  êle  passou  pelo  Assú  (650  léguas). 

Interrogado  pelo  fiscal  a  respeito  das  regiões  primeiro  avistadas  por  Vicente  Pinzon,  o  capi- 
tão castelhano  declarou  que  já  havia  descubierto  un  pedazo  de  la  misma  costa,  isto  é,  bastante  menos 
de  melade.  Esta  declaração  moderada  prova  à  evidência  que  Hojeda  não  pretendia  ter  visto  o  enorme 
trecho  do  litoral  que  se  estende  entre  Pária  e  o  Amazonas;  se  éle  tivesse  chegado  ao  Assú,  como  pre- 
tende Vamhagen  O.  poderia  gabar-se  de  ler  descoberto  tudo  o  que  viu  Pinzon  e  ainda  mais,  porquanto 
o  limite  extrémo  a  que  chegou  êste  nauta,  na  opinião  do  insigne  brasileiro  C''),  é  a  ponta  de  Mocuripe 
(30  40  S).  que  está  ao  norte  do  Assú  (5°  8  S).  O  limite,  na  opinião  do  fiscal  e  de  Pinzon,  era  o  cabo 
de  S.  Agostinho  (8»  21  S):  nem  por  isso  deixa  de  colher  a  nossa  observação. 

O  termo  das  capitulações  de  Pinzon  de  5  de  setembro  de  1501  (")  menciona  especificada- 
mente os  descobrimentos  feitos  pelo  navegador  no  ano  anterior,  e  entre  êles  o  rio  grande  donde  corre 
um  mar  doce,  ao  qual  põs  o  nome  de  S.  Maria  dei  Mar  duíce.  Na  identificação  dêste  rio,  não  há  a  esco- 
lher senão  entre  o  Amazonas  e  o  Orinoco  (^").  os  únicos  no  nordeste  da  América  austral  que  manifes- 
tam o  fenómeno.  Ambos  éles  deveriam  ter  sido  vistos  por  Vespúcio  e  Hojeda,  se  é  que  atravessaram  a 
equinocial,  porquanto  na  narrativa  da  Letfera  se  afirma  que  navegaram  com  a  terra  à  vista. 

íComo  é,  então,  que  os  reis  católicos  atribuem  a  descoberta  a  Pinzon,  quando  Hojeda  já  há 
dezasseis  meses  estava  de  volta  e  os  devia  ter  informado  dos  resultados  da  sua  expedição?  tComo  é 
que  os  reis  consideram  Pinzon  descobridor  da  costa  ao  sul  do  cabo  de  S.  Vicente,  o  qual  está  ao  norte 
da  foz  do  Orinoco,  segundo  vimos  atrás? 

Narra  a  Lettera  que  depois  da  tentativa  infrutífera  de  desembarque,  os  expedicionários  nave- 
garam 40  léguas  entre  leste  e  sueste  e  que.  não  podendo  resistir  à  violência  da  corrente  contrária,  deci- 
diram relrocodcr.  entregando-se  ao  sabor  dela.  Navegaram  tanto  que  encontraram  uma  ilha,  a  qual,  pe- 
las indicações  dadas,  os  autores  modernos  concordam  ser  a  da  Trindade.  De  sorte  que,  desde  5<*  de 
latitude  austral  até  10°  de  latitude  boreal  da  ilha,  isto  é,  no  enorme  percurso  de  mais  de  600  léguas  de 
costa  em  que  deveriam  ter  gasto  muitos  dias,  passando  à  vista  de  variadas  e  maravilhosas  terras,  sulca- 
das de  grandíssimos  rios  e  povoadas  de  tam  estranhas  gentes,  não  só  Hojeda  se  abstém  de  desembar- 
car mas  não  nos  dá  Vespúcio  a  menor  notícia  delas.  iA  simples  frase  e  tanto  navicamo  allungo  delia 
terra  e  nada  mais!  É  perfeitamente  inverosímil. 

,Nem  sequer  menciona  o  Amazonas!  Se  o  cosmógrafo  florentino  tivesse  aportado  à  região  in- 
dicada por  Varnhagen,  tè-Io  ia  visto  quando  correu  a  costa  e  Hojeda  com  éle.  No  entanto,  nem  o  pri- 
meiro na  Lettera,  nem  o  segundo  no  seu  depoimento  falam  no  portentoso  rio;  e  o  castelhano,  interro- 
gado acerca  de  Pinzon  e  do  achado  do  rio  grande  donde  hallaron  el  agua  dulce  que  entrada  en  la  mar, 
Umita-se  a  confirmá-la,  sem  pretensões  algumas  à  prioridade,  i  Pois  não  era  caso  para  modestamente 
prescindir  dela ! 

A  conclusão  impõe-se  à  vista  dos  argumentos  apontados:  ou  a  expedição  descrita  pelo  astuto 
italiano,  na  parte  anterior  a  Pária,  não  é  a  que  éle  fêz  às  ordens  de  Hojeda,  ou  no  caso  contrário  êle 
nâo  atravessou  a  equinocial  e  falseou,  propositadamente  ou  por  ignorância,  a  latitude  do  ponto  de  arri- 


_  ,.  t*>  Navarrele.  op.  dl.,  pág.  7,  nola.  Vlgnaud.  que  se  tínge  estrcilamenie  a  Varahagen,  cila  a  mesma  carta  de 

Koidan  em  abôno  da  oplniJo  contrária -o  que  nos  causa  estupelaccio  <0p.  cil..  piq.  142). 

...  ^  predso  nolar  que  o  ilustre  escrilor  desconhecia  o  texto  completo  das  Probaniãs.  publicado  muitos  anos 

depois  do  seu  laledmenlo. 

(")    Historia  Geral  do  BtasíI.  pág.  123. 

^■A„..,  z/-**^  Wis-se  a  nota  17.  O  cxcelenle  argumento  do  lexio.  que  Vlfinaud  passa  em  sltêndo,  lol  apresentado  por 
d  Aveuc  fCo-T  i/js  géogrãphtques  sur  I  htstoire  du  Brésil,  pig.  89). 

.         '    "t)nsiraremo5  no  nosso  estudo  sôbre  Pinzon  que  o  rio  em  questio  era  o  Orinoco,  cujo  descobrimento, 
atribuído  a  «ste  navegador,  mostra  que  Hojeda  nâo  chegou  4  ver-lhe  a  foz. 

118 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


bada  ao  continente.  Na  segunda  hipótese,  o  Icxio  da  Lettera  dá  a  entender  que  èsle  ponto  está  no  delta 
do  Orinoco,  concordantemenie  com  o  que  ao  certo  sabemos  da  viagem  de  Hoieda. 

Se  a  primeira  parte  da  descrição  contida  na  Lettera  corresponde  a  uma  navegação  diversa  da 
de  1499.  também  na  última,  depois  de  Pária,  se  oferecem  discrepâncias  insanáveis  com  o  que  segura- 
mente consta  dela. 

Assim  Vespúcio  diz-nos  que.  voltando  de  descobrir,  desembarcaram  na  >lnrtí7//a.  prováveimcntc 
a  Mispaniola.  onde  permaneceram  2  meses  e  17  dias.  saindo  em  22  de  julho  de  1500  e  regressando  a 
Cadiz  em  8  de  setembro  seguinte.  Teria  pois  sido  a  chegada  à  Hispaniola  em  5  de  maio  de  1500.  quando 
de  fonte  certa  sabemos  que  Hojeda  estava  à  vista  da  ilha  cm  5  de  setembro  de  1499  (");  e  o  regresso 
dèsic  à  Espanha  foi  por  abril  ou  maio  de  1500.  ao  passo  que  Vespúcio  diz  lé-la  alcançado  4  meses 
mais  tarde. 

Para  conciliar  tam  aparentes  divergências  socorrc  se  Varnhagen  de  duas  hipóteses  (").  Há  cm 
primeiro  lugar  um  érro  tipográfico  na  Lettera,  que  traz  2  meses  e  17  dias  onde  se  deveria  ler  10  meses 
e  17  dias  (duo  por  dicci);  em  segundo  lugar.  Hoieda.  fario  de  malquerenças  com  Colombo,  pariiu  mais 
cedo  em  fins  de  fevereiro  ou  princípios  de  março  de  1500.  deixando  Vespúcio  para  traz.  Mas  d  Avezac 
observou  que  nâo  se  podia  conciliar  a  primeira  hipótese  com  a  afirmativa  do  florentino  de  que  es- 
tava no  mar  há  perlo  de  um  ano.  quando  locaram  no  último  pôrto  antes  da  Antilha.  Isto  toma  claro  que 
Vespúcio  ainda  demorava  pelas  costas  da  Venezuela  nas  proximidades  de  maio  de  1500,  e  nâo  podia 
portanto  estar  em  Vaquimo  a  5  de  setembro  de  1499. 

Vignaud.  mais  respeitador  dos  algarismos  da  Lettera.  sustenta  outra  doutrina,  e  admite  que, 
depois  de  sair  de  Pária.  Hojeda  abandonou  a  companhia  de  Vespúcio.  entrando  os  dois  na  Hispaniola 
em  datas  diferentes  ("').  Depois  da  bifurcação  da  viagem,  que  de  então  em  diante  se  tomou  indepen- 
dente da  do  castelhano,  o  florentino  avistou  sucessivamente  certa  ilha  [i  Margarita?)  e  a  dos  Gi- 
gantes (Curazao),  depois  entrou  num  gôlfo  que  Vignaud  supõe  (ainda  que  sem  indicação  alguma  da 
Lettera)  ser  o  de  Venezuela  (Maracalbo).  onde  se  demorou  47  dias.  e  da(  partiu  finalmente  para  a  última 
escala  na  Hispaniola.  aonde  chegou  a  5  de  maio.  Ora  Hojeda  pelo  seu  lado  lèz  o  mesmo  trajecto:  sa- 
bemo-lo do  seu  depoimento.  Éte  declarou  que  percorreu  a  pé  a  Margarita,  como  Vespúcio;  reconheceu 
los  gigantes,  como  Vespúcio.  que  se  atribui  êste  nome;  fundeou  em  Venécia  (ou  Venezuela),  nome  italiano 
que  trai  a  presença  de  Vespúcio  ("),  visto  que  Hojeda  nunca  esteve  na  Itália.  Assim  os  dois  navegado- 
res, embora  apariados,  narram  as  mesmas  derrotas,  o  que  é  para  surpreender.  A  coincidência  de  ambos 
darem  a  mesma  denominação  à  ilha  dos  Gigantes  é  muito  singular,  uma  vez  que  nâo  sabiam  um  do  outro 
quando  o  fizeram;  demais,  sabe-se  que  Hojeda  visitou  novamente  a  ilha  em  1502  e  nâo  encontrou  gi- 
gante algum  ("").  conservando-lhe  ainda  assim  o  nome  de  fantasia. 

A  problemática  separação  não  se  pôde  ter  feito  em  Venezuela  onde  se  procedeu  â  reparação 
dos  navios,  porque  file  arribou  ai  nas  proximidades  de  18  de  março  de  1500  ("),  época  em  que  Hojeda 
estava  a  caminho  de  Espanha.  Fèz-se  antes,  e  se  recuarmos  o  mais  possível,  no  pôrto  em  que  acosta- 
ram, depois  de  Pária  e  antes  de  Margarita,  para  concertar  uma  caravela  que  fazia  água.  Mas  como  isto 


(■>)  Vignaud.  a  pág.  147  da  obra  diada.  vé  no  depoimento  de  Cristobal  Oarda  uma  prova  de  que  Hoieda  e  La 
Cosa  estavam  na  tlispantola  cm  setembro  de  1499.  Mas  ésse  depoimento  (Apêndice  B.  resposta  à  s.>  premunia  do  liscal)  con- 
tormando-se  com  a  presença  dos  dois,  nâo  menciona  datas,  nem  é  possível  inferi-las  dèle;  aliis  a  testemunha  nao  viu,  apenas 
ouviu  dizer  a  marinlieíros  que  os  dois  tinham  chegado  num  barquete.  por  terem  perdido  o  rcsio  da  gente  e  os  navios  (e  nio 
navio,  como  di;  Vignaud).  E  possível  que  narrasse.  n.lo  a  chegada  a  Vaquimo,  que  sabemos  (de  Fernando  Colombo  e  Fran- 
cisco Roldan)  ler  tido  lugar  em  mais  que  uma  caravela,  mas  um  dos  muilos  episódios  que  se  desenvolveram  durante  a  per- 
manênda  de  Hojeda. 

(«*)  Examen  de  quelquet  poínts  de  Vhistoire  géogrjphique  du  Brisil.  §  3,  pig.  18. 
(">  Op.  dl.,  pig.  89. 
(«)  Op  dl„  pág.  147. 

(**)    Na  narrativa  da  prím  icm  da  Lettera.  que  para  muitos  autores  é  a  de  Ho|eda  «Iterada,  enconira-se  a 

mençlo  dc  um  povoado  assente  cm  i  i,  lembrando  ao  navegador  Italiano  a  cidade  de  Veneza.  Vignaud.  notando  que 

naquelas  paragens  existiram  varias  povoações  desta  natureza,  julga  possível  que  Vespúdo  encontrasse  alguma  delas  cm  1497 
ou  1498  (op.  cit.,  páa.  I2ã).  Cm  todo  o  caso  é  de  estranhar  que  desaparecesse  a  memória  da  que  <le  detcreveu.  e  que 
adquirisse  e  conservásse  o  nome  aquela  em  que  nao  fala,  por  obra  e  graça  de  Ho)eda  que  nunca  pd«  os  p<»  em  Veneu. 

(•O   Navarrete,  op.  dt.,  (òmo  llt.  pág.  7,  nola. 

{")  Dando  S  dias  para  a  viagem  de  Venezuela,  último  ponto  em  que  Vignaud  supOc  ter  locado  Vespúdo,  al< 
Hispaniola.  e  acrescentando  47  dias  de  demora,  temo»  um  total  de  S2  dUs ;  como  <Je  chcffou  à  lltu  em  a  de  maio,  condul- 
moc  a  data  do  texto. 


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HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


não  podia  ter  acontecido  antes  dos  primeiros  dias  de  agosto  de  1499  {")  segue-se  que  Hojeda  comple- 
tou a  sua  longa  exploração  desde  Pária  até  o  cabo  de  Vela  cm  menos  de  um  mès,  o  que  representa 
um  íour  de  force  inacreditável,  visto  como  èle  tocou  na  costa  de  enseada  em  enseada  i")  e  se  demo- 
rou nelas  a  rescatar. 

Em  Venezuela,  último  pôrto  em  que  estacionou  Vespúcio,  tinha  êle  pelo  menos  duas  carave- 
las, pois  fala  em  nostri  nauili  V  ),  e  como  eram  três  os  da  expedição,  segue-se  que  Hojeda  se  teria  se- 
parado apenas  com  uma.  Ora  não  só  FemanSo  Colombo  diz  que  êsle  navegador  chegou  a  Hispaniola 
com  quatro,  mas  temos  o  testemunho  de  Francisco  Roldan  que  o  foi  ver  a  Vaquimo,  e  menciona  las  ca- 
rabeias  ('').  Esla  inexplicável  contradição  invalida  a  tese  de  Vignaud,  que  além  disto  (bem  como  a  de 
Vamhagen)  enferma  doutro  vicio  grave:  o  silêncio  da  Lettera  sôbre  a  separação  dos  navios  depois  da 
passagem  por  Pária.  O  seu  autor  não  faz  a  mais  leve  referência  a  tal  aconlecimento,  cuja  importância  é 
primacial  se  realizado  no  decurso  da  exploração  do  continente  americano  e  prolongado  até  o  regresso 
a  Espanha.  Esta  razão  é  suficiente  para  concluirmos  que  os  expedicionários  nunca  andaram  apartados 
por  largo  tempo. 

A  viagem  de  Vespúcio  com  Hojeda  não  está  fielmente  descrita  na  Lettera.  que  ou  a  altera,  ou  a 
mistura  com  outra.  De  maneira  alguma  se  pôde  admitir  que  o  testemunho  do  italiano,  isolado  e  invorídico, 
prevaleça  contra  o  do  espanhol,  quando  pretende  ler  avistado,  por  5o  de  latitude  sul,  o  actual  Brasil' 


o  MAPA  HUH 

Dl  DClUAN  DC 
LA  COtA 


UAN  DE  LA  COSA  (Viscayno),  pilòto  de  Hojeda  em  1499.  que  já  seis  anos  antes  embar- 
cára  com  Colombo  na  qualidade  de  mestre  de  cartas  de  marear  (").  teve  o  cuidado 
de  esboçar  numa  delas  a  imagem  de  ludo  quanto  havia  descoberto,  ao  que  nos  refere 
o  piloto  contemporâneo  ]uan  de  Xerez.  Esta  carta  sumiu-se.  como  sucedeu  a  todas  as 
congéneres  da  época,  mas  possuímos  outro  documento  que  a  substitui  com  decidida 
vantagem,  o  planisfério  manuscrito  do  mesmo  autor  executado  em  Puerto  de  S.  Maria  entre  a  pri- 
mavera de  1500,  em  que  regressou  à  Espanha,  e  outubro  do  mesmo  ano.  data  da  sua  partida  com  Ro- 
drigo Bastidas  {'*). 

Depois  que  o  grande  Humboldt  o  desencantou  em  1830  na  biblioteca  do  barão  de  Waicke- 
naer,  lançando-o  à  publicidade,  éste  monumento  da  cartografia  espanhola,  o  mais  antigo  de  quantos  re- 
gistam as  surpreendentes  descobertas  do  Novo  Mundo,  tem  servido  de  tema  a  numerosos  estudos  e 
controvérsias,  continuando  não  obstante  em  aberto  diversos  problemas  por  êle  suscitados  O  mais  im- 
portante de  todos,  senão  o  mais  debatido,  é  o  da  sua  autenticidade,  sóbre  a  qual  os  entendidos  hesitam 


fl««  com  coí^n,?,SS^  ,          "Jí  l^^^JVT^?.  infrutíferas  de  desembarque,  o  percureo  de  40  té- 

íha.  a  id/pZ^  o^ide  p           .  DemSu^n    J^^  "'^  "  '-'í'^       ^úr^á^6^.  o  desembarque  peno  desta 

«m  peroiri  no  ÍS!  Vespuao  diz  ler  «™o  muUos  dís^^d^^^^^  ull.mos  dias  de  julho,  pelo  menos,  Se^uiu-se 

concertou  a  caravela.                           '                     '  "^^"''o  P*»'*  chegar  nos  primeiros  dias  de  agoslo  ao  pòrio  onde 

dos  aulos  do  proUsso  de  Mojed™  e  VeroSrl  em  iSi  G^níf^"  «"'^««"'os  a  ongem  da  informação,  talvei  tirada 

ím.  (op.  dl.:  ÍSs.  7«r'  "  '  vcspuao  um  unlco  Mvio  (op.  dl.,  pág.  147).  MarrisM  lamMm  cal  no  mesmo 

C')   Na  caria  dtada.  na  nota  SO. 

("I   N.v.  nr  -o,  op.  dl..  lômo  It.  doe.  LXXVl. 

''*TS,re''2VG^^^^^^^  V  "^'«'^^W»'^  contiecemos  as  reproduções  de  Humbold.  (tômo 

'  drBarâo  do  Rio  íí^nr^  -       ^T^^"  <^^"f'">'"0.  de  Jomard  (Collecfíon  des  monuments  de  la 
we^nmenf  de  la  Conlédératwn  Smsse}.  e  de  anovas  Valleio  y  Tralnor.  litografia  colorida 


O  r 


V  do  r 

par  í.-=  .  ■  1,-,  1 
de  que  damos  a  parle 


120 


• 


/ 


1 

/ 


/ 


\ 


3.1 


CÃ 


o  Arquipélago  de  Santiago,  o  litoral 


o  Arqtilpciago  de  Santiago,  o  lltorfl 

lFragn»enlo  do 


^  oúQ 


f 


li 


«  a  Ilha  descoberta  por  Portugal. 
Juan  de  u  Com). 


n 


os  FALSOS  PRECURSORr*^  Pi:  Al.VARES  CABRAL 


em  pronunciar-se  definitivamente,  incllnando  se  uns  a  que  é  autógrafo,  outros  a  que  é  cópia  do  original 
de  1500,  quási  todos  concordes  porém  em  que  foi  acrescentado,  como  a  mór  parte  das  cartas  manuscri- 
tas existentes.  Nâo  é  pois  ilimitada  a  confiança  que  se  pôde  depositar  nesta  peça,  cujos  informes  ficam 
sujeitos  a  resiricçôes  e  a  verificação  subsequente. 

Uma  das  questões  que  mais  tem  chamado  a  atenção  dos  criiicos  é  a  da  Insularidade  de  Cuba, 
patente  no  mapa  de  1500.  mas  só  reconhecida  oficialmente  por  Sebastian  de  Ocampo  oito  anos  mais 
tarde.  Em  12  de  junho  de  1494,  ]uan  de  la  Cosa  assinou,  por  Intimação  de  Colombo  e  sob  graves  amea- 
ças, um  termo  no  qual  jurava  ser  Cuba  terra  firme;  seis  anos  volvidos  desenhou  a  como  ilha. 
i  Donde  lhe  proveio  a  informação,  ainda  então  Iam  sujeita  a  dúvida  que  se  fêz  mister  uma  tardia  ave- 
riguação oficial? 

A  esta  interrogação  não  é  possível  por  ora  dar  resposta  segura;  porém  Harrísse  demonstrou 
cabalmente  que  antes  do  pequeno  périplo  de  Ocampo  já  os  cartógrafos  sabiam  que  Cuba  era  insular  e 
como  tal  a  figuram  (■'). 

As  explorações  que  conduziram  a  tal  resultado  não  estão  todavia  divulgadas;  tizeram-nas  na- 
vegadores clandestinos  ou  outros  igualmente  obscuros,  que  obtiveram  dos  reis  licencia  para  descubrír 
ou  se  prevaleceram  da  permissão  geral  concedida  em  1495  e  revogada  em  1497.  Confirma-o  uma  passa- 
gem, escrita  em  1501,  de  Pedro  Mariir  de  Anghíera.  o  qual  se  refere  aos  que  pretendem  ter  circundado 
Cuba  C').  Daqui  tiramos  uma  ilação  importante:  na  interpretação  do  mapa  de  La  Cosa  nâo  nos  devemos 
ater  tam  somente  às  viagens  oficiais  conhecidas,  mas  há  que  contar  com  contribuições  de  exploradores 
cujos  nomes  e  feitos  foram  votados  a  irremediável  esquecimento. 

Vignaud  crê  que  a  insularidade  de  Cuba  fôra  revelada  ao  pilóto  biscainho  por  Vespúcio.  seu  com- 
panheiro na  viagem  de  1499.  que  ao  termo  da  primeira  expedição  de  1497  náo  podia  ter  dúvidas  a  êsse 
respeito  (■  ).  Na  narrai^ão  da  incerta  aventura,  dada  como  a  mandado  do  rei  de  Castela,  nâo  diz  o  flo- 
rentino uma  palavra  de  Cuba;  e  quer-nos  parecer  que  o  eminente  americanista  engrena  numa  hipótese 
outra  hipótese,  ainda  mais  falível.  Debalde  procurámos  no  planisfério  vestígios  de  suposta  colaboração 
de  Vespúcio.  Se  èle  tivesse  informado  o  cartógrafo  biscainho  dum  facto  de  que  não  faz  a  mais  ligeira 
menção,  por  maioria  de  razões  esperávamos  vê-lo  a  par  do  descobrimento  do  extenso  litoral  que  vém 
desde  hlonduras,  rodeando  o  gòlfo  do  México,  até  a  península  de  Flórida,  o  qual  os  defensores  de  Ves- 
púcio pretendem  ter  sido  percorrido  em  1497  e  é  descrito  na  Lettera.  Ora  quem  examina  o  trabalho  de 
La  Cosa  fàcítmente  se  persuade  de  que  tal  não  acontece,  pois  êle  nâo  figura  Honduras,  nem  o  sul  dos 
Eslados-Unidos,  nem  talvez  a  Flórida,  mas  apenas  em  seu  lugar  uma  costa  imaginária  e  convencional, 
nunca  uma  costa  verdadeiramente  explorada  ('"). 

O  contôrno  vago  e  despido  de  nomes,  que  desce  do  mar  descubierto  por  ingleses  até  o  qua- 
drinho  de  S.  Cristóvão,  segue  depois  da  interrupção  até  o  Monte  de  S.  Eufemia,  termo  da  viagem  de 
La  Cosa,  e  parece  ser  uma  linha  contínua,  separada  em  duas  pela  imagem  iluminada,  mas  ligando  em  um 
só  todo  as  duas  Américas.  Se  assim  é.  cabe  a  La  Cosa  a  primazia  na  afirmação  escrita  da  conlinenlali- 
dade  do  Novo  Mundo,  da  qual  èle  deveria  ter  indícios  suficientes  para  se  abalançar  a  Iraçá-ta. 

Notemos  que  a  questão  nâo  está  somente  em  inquirir  se  o  biscainho  supunha  as  novas  terras 
continentais,  mas  também  se  as  considerava  distintas  da  Asia.  Para  Humboldt  esta  segunda  intenogação 
resolve-se  pela  negativa  V");  Harrisse,  ao  contrário,  responde  a  ambas  afirmativamente.  Se,  diz  o  emi- 


C)   The  discopcrp  of  North  America,  1892.  pi{j.  97—109 

Neque  enim  desuni  qui  se  cireuisse  Cubam  ãudeãni  dícere.  An  hãte  ita  sim,  mt/tdiãe  fsnH  inventi  occs' 
Siones  quaerant  in  hunc  tnrum  (Colonum)  non  dijudico;  tempus  loquitur,  in  que  veros  judex  vi^iIjI.  (Década  I.  livro  6.».  A 
Introdução  ao  livro  3  o  da  Década  I  dala  dc  23  de  Abril  de  ISOI,  e  &abe-se  que  o*  9  primeiros  llvrot  eslavam  prontos  ao 
termo  do  primeiro  semestre  dé&se  ano. 

(")  Op.  dl.,  pág.  132.  Êste  autor,  de  acdrdo  com  a  hipótese  de  Harrisse  (op.  dt-,  pia.  332  —  334),  airlbul  reto- 
lutamente  a  Vespúcio  a  nomenclatura  da  Florida  que  traz  o  mapa-mundi  de  Cantino  (1502).  E'  Angular  a  Inslst^nda  com  que 
se  lan(a  á  conta  de  Vespúcio  lãdas  as  inforiiiacões  de  provenlénda  desconhecdta.  Se  éle  tiveste  dado  nomes  i  Flórida  na 
viagem  de  1497.  única  que  té'  para  ésse  Lido.  lél-os-la  revelado  a  La  Cosa  em  1499  (con|unlamenle  com  a  Insularidade  de 
Cuba):  ora  o  cartógrafo  omÉllu-os  completamente  e  a  mesma  nomenclatura,  na  parle  da  costa  que  Se  poderia  dilcr  da  Flórida, 
difere  compK-lamenie  da  de  Cantino  e  talvez  lenha  origem  in^lísa. 

C)    Harrisse.  Les  Corte  Real.  1883.  píg.  97  e  105. 

f*)  Veja-se  a  inscrição  na  reprodução  gravada  do  mapa  dc  La  Cosa.  lómo  V  do  Examen  CriUque. 


» 


121 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


nenie  americano,  êle  intentasse  figurar  a  costa  oriental  asiática  na  vasta  terra  conlinenlal  adjacente  às 
(ndias  ocidentais,  dar  lhe-ia  nomes  que  lembrassem  fAangi  e  Cathay,  emquanto  que  o  mar  contíguo  nâo 
seria  simplesmente  Mare  oceanus,  como  esiá  no  planisfério.  mas  Oceanus  orientalis  Indis  ).  Lembre- 
mo-nos  porém  de  que.  precisamente  por  Colombo  pretender  a  descoberta  de  Mangi  e  Catha^,  e  ler-lhes 
dado  nomes  diversos,  estava  La  Cosa  dispensado  de  inscrever  os  de  Marco  Polo.  O  planisfério.  além 
disto,  está  incompleto ;  a  linha  eqiiinocial  representada  não  chega  a  dez  vezes  a  distância  do  equador 
ao  trópico  de  Câncer  e  portanto,  em  vez  de  ter  360o.  não  atinge  240,  Nos  120°  ausentes,  um  lerço  do 
globo  terrestre,  não  sabemos  o  que  poria  o  cartógrafo,  e  o  mais  ajuizado  é  admitir  a  sua  total  ignorân- 
cia, uma  vez  que  as  descobertas  dos  dois  povos  peninsulares  tinham  transtornado  a  geografia  do  globo 
universalmente  aceite.  Mas  ainda  quando  se  queira  que  na  mente  do  piloto  biscainho  existisse  descon- 
fiança nos  sonhos  asiáticos  de  Colombo,  temos  fortes  suspeitas  de  que  nela  não  eslava  arreigada  a 
aenca  da  contincntalidade  das  regiões  novamente  achadas. 

Efectivamente  é  de  espantar  que  por  essa  época  tivesse  sido  revelada  a  existência  de  terras 
na  América  Central,  sem  que  ficassem  vestígios  das  viagens  de  descoberta.  Compreende-se  que  alguns 
navegadores  tivessem  circumdado  Cuba,  em  viagens  sem  cunho  oficial  cuja  memória,  embora  vaga,  não 
ficou  comptetamenie  perdida  (Pedro  Mártir),  porque  há  7  anos  os  espanhóis  exploravam  a  ilha.  O  pla- 
nisfério anallzado  pôde  assim  beneficiar  com  as  informações  que  daí  vieram;  tmas  dar-se-ia  o  mesmo 
com  regiões  inteiramente  novas  e  de  extraordinária  vastidão,  que  necessitaram  do  concurso  de  várias  ex- 
pedições e  cuja  descoberta  foi  sucessivamente  reivindicada  por  Rodrigo  de  Bastidas  com  o  mesmo  La 
Cosa  (15001502),  Colombo  (1502  1504),  Pinzon,  com  Dias  de  Solis  (1508-1509),  e  ainda  outros  depois? 

Em  1500,  a  tierra  firme  entrevista  por  Colombo  em  1498  prolongava  se.  na  parte  conhecida 
pelo  ocidente  de  Pária  até  o  Monte  de  S.  Eufêmia  e  pelo  oriente  até  um  ponto  mal  determinado;  a  ex- 
tensão do  litoral  legitimava  que  o  reputassem  continental.  Ao  norie  das  Antilhas,'  o  veneziano  ]oâo  Ca- 
boto explorára  para  os  ingleses  uma  grande  porção  de  costa,  e  admitindo  a  veracidade  da  primeira  na- 
vegação de  Vespúcio,  pódc  também  dar-se  como  conhecida  a  zona  que  rodeia  o  gôlfo  do  México  a  con- 
tar da  parle  setentrional  de  Honduras  (se  ligarmos  credito  ã  latitude  indicada  pelo  florentino).  Também 
era  de  prever  que  tôda  essa  região  fõsse  julgada  continental,  embora  não  estejamos  seguros  de  que  a 
considerassem  distinta  da  Asia  (*').  Faltava  porém  descobrir  uma  parte  do  norte  da  América  meridional 
e  a  parie  central  até  Honduras  (*')■  Ora  era  aí,  ao  poente  ou  sudoeste  de  Cuba,  que  alguns  navegado- 
res espanhóis,  desaentes  do  Cathav  e  da  Cipango  de  Colombo,  sonhavam  encontrar  a  passagem  que  os 
devia  conduzir  à  terra  da  especiaria.  Tal  foi  o  objectivo  do  próprio  Colombo  quando  em  1502  empreen- 
deu a  sua  quarta  expedição,  el  alto  viaje,  que  lhe  tornou  conhecido  o  litoral  desde  Honduras  alé  o  Pa- 
namá, mas  não  o  estreito  tam  cobiçado  C*).  E  a  prova  de  que  em  Castela  não  se  desiludiram  da  sua 
existência,  está  em  que  Pinzon  e  Dias  de  Solis  foram  encarregados,  em  1503,  de  procurar  aquel  canal  6 
mar  abicrlo  que  imaginavam  existir  ao  norte  da  eqiiinocial  (").  Seria  estranho  que  o  piloto  biscainho, 
convicto  de  que  o  Novo  Mundo  não  era  Ásia,  fòsse  alheio  a  esta  ideia  ou  não  comungasse  nela,  admi- 
tindo ao  envés  a  continuidade  da  tierra  firme.  O  traçado  do  Novo  Continente  é  portanto  suspeito,  e  su- 
gere outra  mão  C"). 

Harrisse  tenta  provar  que  a  continentalidade  das  descobertas  já  estava  nitidamente  esboçada 


fT)  Op.  cii,.  pig.  111. 

(•')   HafTlstc.   The  discovery  of  Norlh  America,  pág.  107;  Vignaud.  op.  cit .  pág.  151.  267.  279  e  seguinles. 
Vignaud.  op.  dl.,  pág.  149  a  IS2. 

.Hí.,?,^*-*Í'«*'n*^*^°lf'"*l°  ^Z^r?         Proiecío  (op.  cit..  tômo  III.  pig.  22).  Veja-se  sòbre  o 

mctmo  asninto  a  tltslone  dei  S.  D.  remando  Colombo,  cap.  XC, 

(")  Toribio  de  Medina.  Juan  Dias  de  Solis,  tômo  I.  pág.  CXXIV.  Nas  conferènci.is  que  precederam  a  viagem 
lomaram  pane  Vespucto  e  La  Cosa.  ileria  o  Florentino  suMentado.  contra  a  opiniào  prevdlescenie,  que  tal  cMreilo  nSo 
cwslia?  TuJo  reva  a  crer  que  nio.  e  que  tam  pouco  Invocou  a  suposla  expedição  de  1197  como  prova  do  contrário.  ;A  pas- 
sagem estaria  entre  ISo  e  16"  de  lati(ude  boreal,  espaço  que  a  CeUerj  nào  alega  ler  percorrido?  La  cosa  deveria  então 
dr"li1íhí*^í'onii.íS"°*  "  *  "'o^Ç^o      1"»'»"'  de  S.  Cristóvio  nâo  rípresemava  uma  interrupção  ínlendonal 

ridi.  ..  1.  !5«,*'5?'*^!!).l'lífi!'*.4"*í'..^*\'*  ter  Intervindo  depois  de  setembro  de  1502.  porque  nesta  data  regressaram  Bas- 
Kíam%i^qu^o'liXíf^s'ío'íSÍal"""'**  °  ^^'«^       ^^'^       °  ''"'^"^  ''^'«'^ 

122 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


lunio  dos  wpanhois  ao  alvorecer  do  século  XVI  (-).  mas  sao  pouco  sólidos  os  seus  argumentos  dos 
quais  o  melhor  é  precisamente  o  mapa-mundi  de  La  Cosa  que  provávelmenle.  se  é  autógrafo.  loi  alterado 
Mais  antigas,  senão  melhor  fundamentadas,  eram  as  noções  dos  portugueses  na  matéria.  Duma  carta  de 
Fieiro  Pasquahgo  à  senhoria  de  Veneza  V  )  se  infere  que  já  em  1501  se  acreditava  em  Portugal  num 
continente  ligando  as  terras  americanas  do  extrémo  norte,  visitadas  por  Corte  Real.  com  as  do  sul 
descobertas  por  Cabral  (").  O  mapa  de  Cantino,  de  origem  portuguesa,  mostra-nos  igualmente,  em  data 
anterior  a  novembro  de  1502.  um  continente  na  parle  conhecida  da  América  austral. 

Tornou-se  moda  presentemente,  reagindo  contra  o  descrédito  em  que  incorreu  Vcspúcio  con- 
cedcr-lhe  a  prioridade  na  afirmação  da  continentalldade  do  Novo  Mundo  austral,  como  se  o  facto  de  éle 
ter  sido  o  primeiro  a  imprimi  la.  naquele  tempo  escasso  cm  publicações,  lhe  conferisse  de  pleno  tal 
direito.  A  verdade  e  que  o  Mundus  Novus  só  viu  a  luz  da  publicidade  cm  1503  ou  1504,  depois  da 
viagem  por  êlc  empreendida  em  1501  em  companhia  de  portugueses,  durante  a  qual  diz  ter  percorrido 
perto  de  27o  de  latitude  na  América  do  Sul  e  se  convenceu  de  que  ela  era  continente.  Nào  é  certo, 
todavia,  que  o  florentino  pensasse  com  igual  segurança  em  1500  ('  )  a  pesar  da  sua  viagem  com  Hoicda 
e  f-a  >osa  e  menos  ainda  que  confiasse  na  junção  das  duas  Américas.  Pela  nossa  parte,  julgamos  que 
a  Ideia  de  um  novo  continente  devia  surgir  de  preferência  entre  portugueses,  que  jamais  confundiram 
com  a  Asia  as  terras  ao  ocidente  do  hemisfério  austral  (em  cuja  existência  já  criam  antes  de  1500) 
e  que  tinham  sobre  as  dimensões  do  globo  terrestre  noções  muito  mais  exactas  que  os  espanhóis 
desse  tempo  (^"). 

Nâo  faltam  motivos  para  duvidar  de  que  o  planisíério  de  La  Cosa  seja  autógrafo.  )á  Harrisse, 
atentando  na  estranha  nomenclatura  anotada  em  regiões  percorridas  pelo  próprio  autor,  sugeriu  que  éle 
nào  é  o  documento  originário,  mas  uma  cópia  contemporânea  alterada  (*').  e  nós  fazemo-nos  eco  de  tal 
suposição.  Nào  são  sòfViente  as  designações  escusadamente  repetidas,  as  mutiladas  e  as  vasias  de  sentido, 
por  mais  que  o  rebusquemos:  verifica-se  a  ausência  de  indicações  que  deveríamos  encontrar,  ao  mesmo 
tempo  que  surgem  outras  inesperadas. 

Assim,  Hoieda  depôs  que  descobriu  desde  los  Frayles.  ilhotas  próximas  da  Margarita,  até 
Cuqtíibacoa,  a  Guajira  de  hoie,  pontos  a  que  se  relerem  seus  companheiros  de  viagem  nos  autos  das 
Probamas  dei  fiscal;  e  éste  último  tinha  aos  olhos  do  castelhano  tanta  importância  que  em  1501  pedia 
e  obteve  dos  reis  católicos  como  compensação  o  governo  desta  província  ("').  Pois  bem,  os  dois  nomes 
que  marcam  os  extremos  da  costa  descoberta  nâo  aparecem  no  mapa.  I^altam  igualmente  as  indicações 
da  ilha  da  Trindade  e  de  Pária,  da  região  maravilhosa  que  provocou  a  viagem  de  Hojeda  e  do  seu  pilôto. 

Sabe-se  que  Colombo  na  sua  segunda  expedição  abordara  à  Hispaniola  pelo  extremo  oriental, 
verificando  que  os  naturais  chamavam  Haiti  àquela  parte  da  ilha  (  0.  e  La  Cosa.  então  companheiro  de 
Colombo,  não  o  podia  ignorar.  Contudo  Haiti  designa  no  planisfério  uma  ilha  das  Lucaias  e  nâo  a  Hispa- 
niola. como  era  de  prever  (").  i Porque  estas  anomalias,  se  foi  realmente  La  Cosa  que  o  desenhou? 

Quer  porém  a  famosa  peça  seja  aulógrafa.  quer  apenas  a  reprodução  dum  protótipo  preexistente, 


.  ^  ^  °P  ^i-^  *  "O  Harrisse,  em  1983,  considerava  s  lintia  continua  de  costa  uma  hipótese  cartoaráflcs 
de  La  Cosa  (£w  Corre  RejI.  pág.  iw).  «  -  <»- 

O*)   Carta  de  I8  de  Oulubro  de  I50I,  publicada  por  Harrisse.  Les  Corte  Re^t,  pig.  2ll. 

(*)  Isto  <  considerado  por  Humboldl  uma  surprecndcnle  adlvInliacSo  (Op.  dl.,  lõmo  IV.  pio.  262)-  e  todavia  ■ 
èsle  sábio  devemos  o  conhecimtnio  do  planisfério  dc  La  Cosa.  >-   '  »-  .  f  »       i.  ^  i«u<via  ■ 

{")   A  principal  raíào  pela  qual  Vignaud  nega  a  aii'  iic  da  carta  de  18  de  Julho  de  ISOO  escrita  por 

Vespúdo  a  Lorcnío  de  Medíeis,  consisic  em  que  o  ílorenilno  nu  .  diiou  que  as  terras  novas  tòssem  asiáticas  Noutro 

capitulo  desta  obra  inosiraremos  qu«  o  inapa  de  Camino,  no  qual  seralincnie  se  ouere  ver  colaboração  de  VesDúdo 
SC  léz  à  revelia  dtle.  ^  '  ' 

(Tt  Quando  Colombo  reputava  o  grau  em  56  2  3  milhas  (M  quilómetros),  extraindo  *ste  dado  de  Alfraoano  os 
pilotos  portugueses  avallavam-no  cm  70  milhas,  valor  multo  mais  próximo  da  verdade  (lOl  em  wt  dc  111  quilómclros). 
(•')    Op.  dl.,  pag.  415. 
C*)  Navarrete,  op.  dt^  l6mo  III.  doe  X. 

(•»)  Narrativa  da  segunda  viagem  de  Colombo  pelo  doutor  Chlanca.  em  Navarrete,  op.  di..  lômo  I  pig  209  Uma 
prova  de  que  Haiti  se  tomou  então  nome  de  Hispaniola  esiá  no  opúsculo  contcmporinco  de  Frev  Kamon  Inserto  na  Hísioriã 
de  Fernando  Colombo  (cap.  U<l|.  Vcia  se  também  sôbrc  o  nome  Haiti  a  Décída  III  livro  7.0.  dc  Pedro  Mártir. 

(»')  A  tentativa  de  Humboldl  fExjmcn  Critique.  lômo  III.  pJg.  215  a  223>  para  explicar  o  que  *Ie  chama  uma 
biiarrehe  do  mapa  de  La  Cosa  parcce-nos  Inlruiiíera.  Notemos  todavia  que  o  de  Cantino,  dilercnte  dfste  quanto  is  Ilhas  ao 
norte  de  Cuba  e  da  Hispatilou.  traí  também  Halil  como  Ilha  ao  poente  da  dc  La  Cosa.  o  que  prova  a  exlsiínda  no  protótipo 
português  donde  èle  lol  copiado,  da  errada  indica(io. 


123 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


é  indubitável  que  foi  acrescentada  na  parte  americana  e  contém  inscrições  de  diferente  origem  (").  O 
que  para  nós  inculca  fortemente  uma  colaboração  estranha  é  a  maneira  como  está  representado  o  nordeste 
da  América  meridional,  onde  até  vemos  esboçados  o  desvio  para  sudoeste  e  a  reíntrância  da  costa 
brasileira  da  qual  em  Espanha  náo  podia  haver  notícia  em  1500.  Mostraremos  mais  tarde  (*")  ser 
necessário  admitir  que  a  carta  sofreu  retoques  ulteriores  para  não  cair  na  hipótese  de  viagens  clandes- 
tinas quási  simultâneas,  a  qual.  conquanto  não  seja  impossível,  é  extremamente  difícil  de  aceitar  (•')■  Por 
agora  vamo-nos  ocupar  da  de  Hojeda.  cujo  limite  ocidental  está  bem  definido  no  mapa  mundi  do  seu 
pilôto.  mas  que  não  tem  indicações  sôbre  o  ponto  terminal  a  oriente.  É  certo,  porém,  que  a  exploração 
daquele  castelhano  não  é  a  única  figurada,  porque  éle  não  abrangeu  tam  grande  extensão  de  costa  até 
o  cabo  cuja  descoberta  é  atribuída  a  Vicentians  (Pinzon). 

Nao  queremos  amesquinhar  o  valor  da  construção  de  La  Cosa.  mas  força  é  reconhecer  sua 
escassa  utilidade  no  que  respeita  à  situação  geográfica,  às  distâncias  e  à  configuração  das  ilhas  e  porção 
de  continente  nela  figuradas,  sem  todavia  concordarmos  com  Ducher  {"■).  que  lhe  nega  a  qualidade  de 
mapa.  Efectivamenie,  os  contornos  das  terras  americanas  então  conhecidas  estão  imperfeitamente  traçados, 
não  há  módulo  certo  e  regular  por  onde  aferir  distâncias  e  as  latitudes  estão  erradíssimas;  e  se  é  certo 
que  a  sciéncia  náutica  e  astronómica  do  tempo  apenas  comportava  aproximações,  por  vezes  bem  grosseiras, 
temos  de  considerar  o  conjunto  pouco  satisfatório. 

Cuba  é  apresentada  muito  acima  do  trópico  de  Câncer  com  latitudes  extremas  de  30°  e  38», 
quando  de  facto  elas  oscilam  entre  19«  48'  e  23»  11  .  A  divergência  excede  14"  pelo  efeito  simultâneo 
da  imperfeita  representação  gráfica  e  do  inexacto  conhecimento  das  coordenadas  geográficas.  Do  mesmo 
modo  a  Hispaniola  nos  aparece  entre  2lo  e  26o  quando  deveria  estar  entre  17°  40'  e  20»  0  ;  e  a 
latitude  média  da  ilha  da  Trindade,  que  orça  por  IO»,  é  dada  em  30  .  Isto  basta,  no  tocante  às 
distâncias  do  equador. 

Quanto  ao  módulo  das  distâncias,  temos  alguns  elementos  com  que  o  determinar.  Em  dois  dos 
bordos  do  mapa  veem-se  escalas  divididas  em  espaços  a  cada  um  dos  quais,  conforme  o  costume 
espanhol  de  que  nos  fala  Pedro  Marlir  ('*),  corresponde  um  número  inteiro  de  léguas.  Estes  espaços  não 
são  sempre  das  mesmas  dimensões,  o  que  para  nós  constitui  uma  prova  contra  a  autografia,  porque  o 
cartógrafo  devia  ter  o  cuidado  de  apresentar  no  original  a  sua  escala  com  mais  rigor  C"").  Caetano  da  Silva, 
ao  tratar  dèste  assunto  (''").  presume  que  o  espaço  divisional  mede  12  léguas,  estribando  se  na  dedução 
seguinte:  o  intervalo  angular  enire  o  eqiiador  e  os  trópicos  é  de  23o.5  e  correspondem-Ihe  no  planisfério 
32  espaços  e  23  representados  por  392  léguas,  à  razão  de  16  léguas  e  23  o  grau.  o  que  dá  para  o 
espaço  12  léguas.  Este  reciocfnio  é  falível,  pois  são  duvidosas  a  latitude  dos  trópicos  e  a  dimensão  do 


(**)   Boyd  Thacher  vé  uma  adiçAo,  devida  a  Vcspúdo,  na  Ysla  descubierta  por  Portuga!,  que  se  encontra  a  leste 

i'  oriental  da  Améríu  do  Sul  fThe  continent  of  Ainêricà,  pág.  195.  204  e  seguintes).  Seria  então  a  i!ha  de  FernSo  de 

liidd  em  3"S0  S  e  avistada  na  quarta  viagem  do  Florentino.  Há  um  argumento  que  desmerece  na  hipótese  de  Thacher; 
ina&  lemoi  outro  araumcnio  Se  Vespiício  tivesse  revelado  ao  corrector  do  mapa  a  existência  da  ilha.  Igualmente  lhe  teria 
(eito  a  do  cat>o  de  5.  Agosiinho,  o  único  ponto  nomeado  na  terceira  viagem  da  Letiera.  e  o  artista  não  omitiria  í-stc  notável 
UmDe  dos  domínios  espanhóis  e  portugueses.  A  explicação  tem  de  ser  procurada  de  outro  modo.  O  piloto  biscainho,  regres- 
aando  da  sua  expedi{áo  na  primavera  de  ibOO,  compôs  ou  acabou  seu  trabalho  até  Outubro  dèste  ano.  Ora  a  nau  de  Oaspar 
de  Lemos,  que  veio  comunicar  a  D.  Manuel  a  descoberta  de  Cabra),  devia  ter  regressado  a  Lisboa  no  verão  de  1500.  Sem 
podiam  O'  nm^r^r,-.  fi  tii  achado  ler  chegado  aos  ouvidos  de  La  Cosa  como  sendo  de  uma  ilha.  Nesta  crença  podiam  ter 
ficado  o  I  de  Cabral,  se  bem  que  pensasse  diversamente  Oaspar  de  Lemos  depois  de  ter  percorrido  (como 

o  dá  a  <  :  >     .  LL^irt^a  nas  Lendas  da  índia,  a  pig.  1S2  do  lômo  I)  perto  do  S»  de  costa  até  o  cabo  de  S.  Agostinho 

ou  de  S.  Cruz. 

Esta  é  a  primeira  expIicaçJlo  possível,  se  a  vsla  Io)  desenliada  por  La  Cosa.  Mas  na  I^Ipólese  contrária,  ela  pôde 
reprrtenlar  a  ilha  de  S.  Joio  ou  de  S.  Lourenço,  hoje  chamada  de  Femao  de  Noronha,  cuja  existência  era  conhecida  em 
Portugal  no  mès  de  julho  de  ISOO.  No  ponulano  de  Egerton  (nota  18),  eta  aparece  baptizada  de  ilha  de  S.  ]oâo  Baptista, 
com  dtmens&es  e  configuração  que  lazem  )embrar  a  fsla  de  La  Cosa. 

Veja-se  a  parle  détle  capitulo  denominada  A  nomenclatura  de  Pinzon  e  o  planisfério  de  Juan  de  La  Coss. 
(")  Oomára  diz  que  de  I49S  a  isoo  diversos  exploradores  cuia  memória  se  perdeu  vieram  ler  á  costa  de  Pária 
'  "  '  '      'J'  de  las  índias,  I5S3.  lol,  XX).  A  iniormaçào  e  muiio  vaga;  nem  merecem  confiança  as  datas  diste  cronista 
discernimento.  A  pnmelra  é  falsa,  se  a  descoberta  de  Pária  é  devida  a  Colombo  em  1498,  como  tòdas  as  pro< 

(■)   The  Landfall  of  Cotumbus.  Introdução,  pág.  XII  (dtaçâo  de  Sophus  Ruge). 

(**)  Década  II,  tivro  lO.o.  A  carta  de  Cantino  de  1502,  de  origem  portuguesa,  revela  Igual  usança;  sendo  natural 
que  dos  seus  vizinhos  se  inspirassem  os  espanhóis. 

("^  Nas  reproduções  de  )omard  e  Rio  Branco  estes  espaços  eslSo  subdivididos  por  pontos  em  seis  parles,  às 
veies  em  dnco.  mas  na  cromolitografta  de  Canovas  Vallejo,  duns  50  ancs  posterior,  estes  ponlos  estio  ausentes.  N3o  se  co- 
lo a  dimensão  exacla  dos  espaços,  s3o  incertas  as  conclusões  a  respeito  da  légua  adoptada  por  La  Cosa.  Admite-se 
Dte  que  a  escala  eslá  graduada  em  milhas  e  que  o  espaço  divisional  corresponde  a  SO  fnlllus  OU  12,S  léguas.  (Oenucé, 
origines  de  la  carto^raphie  porlugaise  et  les  cartes  des  Reinai,  Oand,  1908.  a  pág.  5Í.) 
('•')    L  Oyapoc  et  VAmaione,  §  2567  e  2568. 


124 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


grau  usadas  por  La  Cosa.  além  de  que  os  espaços  não  sio  de  tamanho  constante:  mas  entre  os  números 
redondos,  que  se  podem  arbitrar  ao  espaço  divisional,  é  a  dúzia  o  que  melhor  se  adapta  ãs  medidas 
possíveis.  Adoptaremos  portanto  aqui  o  módulo  escolhido  pelo  douto  brasileiro,  se  bem  que  com  des- 
confiança, porquanto  éle  nâo  é  uniforme  ou  loi  posto  de  parle  no  traçado.  Como  exemplo  frisante.  temos 
a  extensão  de  costa  desde  Pária  alé  o  Monfe  de  S.  Eufemia.  Ao  chegar  a  Vaquimo,  La  Cosa  declarou 
a  Francisco  Roldan  que  percorrera  600  léguas  de  costa,  das  quais  quási  200  antes  de  Pária  (conforme 
depôs  mais  tarde  Hojeda),  cabendo  pois  cèrca  de  400  desde  Pária  até  o  extrômo  limite  ocidental;  ora  no 
mapa  esta  distância,  avaliada  pelo  módulo  de  12  léguas,  mede  mais  de  450  ('"). 

A  extensão  de  casi  dozientas  léguas  acusada  por  Hojeda,  embora  falseada  pelas  incertas 
estimativas,  é  o  único  elemento  de  que  dispomos  para  determinar  o  termo  oriental  do  percurso.  Caetano 
da  Silva,  cuja  análise  seguimos  neste  lance,  medindo  esta  distância  ao  longo  da  costa  a  partir  da  base 
da  península  de  Pária,  chega  a  uma  baía  em  cujo  limite  oriental  está  escrito  motes,  que  èle  interpreta 
mõfes.  sendo  o  seu  limite  oriental  uma  ponta  anónima  situada  por  4®  30'  de  latitude  boreal.  É  a  bala 
de  Oyapoc.  exclama  o  erudito,  como  o  demonstra  a  sua  latitude;  os  montes  são  caracrtiisiicos  da  bala 
e  a  ponta  é  o  cabo  d"Orange.  Tudo  isto.  salvo  o  devido  respeito,  nâo  passa  de  mera  fantasia. 

lá  custa  a  admitir  que  a  primeira  arribada  do  explorador  castelhano  íôsse  nessa  baía  e  cabo 
figurados  no  mapa  sem  denominação  alguma.  La  Cosa  não  se  serviu  do  módulo  com  precisão  e  unifor- 
midade; éle  teria,  aliás,  na  qualidade  de  pilòlo.  informes  sôbre  as  distâncias  percorridas  diversas  das  de 
Hojeda  em  I5I3,  e  este  capitão  referiu-se  a  quási  200  léguas.  Dado.  porém,  que  se  nâo  queira  atender 
a  estas  objecções,  outras  há  cujo  peso  se  faz  sentir.  Efectivamente,  a  foz  do  Oyapoc  dista  da  península 
de  Pária  obra  de  270  e  não  menos  de  200  léguas;  o  biscainho,  que  por  hábito  e  conveniência  aumentava 
os  trajectos  na  estima,  não  cometeria  tamanho  êrro  por  defeito,  ainda  mesmo  tendo  em  conta  a  igno- 
rância da  corrente  fa\ft)rável  que  fazia  parecer  menor  o  trajecto.  Além  disso,  as  latitudes  do  mapa  estão 
lôdas  erradas,  a  começar  pela  de  Pária;  se  a  ponta  anónima  está  representada  por  4o  30'  boreais,  outra 
é  realmente  a  sua  distância  ao  equador  e  nâo  podemos  ver  nela  o  cabo  de  Orange  ('*"). 

Contra  esta  atribuição  ainda  militam  outras  razões.  Ao  norte  do  cabo  desemboca,  logo  a  seguir 
o  Oyapoc.  grande  curso  de  água  que  anos  depois  era  conhecido  dos  espanhóis  como  rio  de  Vicente 
Pinzon;  ora  não  só  éle  não  aparece  no  mapa,  mas  nem  sequer  é  acusado  na  baía  um  rio  qualquer. 

Por  úllimo.  a  designação  montes  não  pôde  ser  tomada  como  característica  do  Oyapoc.  A  quem 
desce  de  Pária  seguindo  para  o  sul.  as  primeiras  eminências  visíveis  sâo  as  montanhas  de  Parima 
(serras  de  Piacoa  e  Imataca),  entre  a  margem  direita  de  Orinoco  e  esquerda  do  Essequibo.  Mas  Caetano 
da  Silva  leu  motes  na  reprodução  de  )omard  e  interpretou  a  palavra  como  significando  montes,  ao  passo 
que  nós  lemos  motas,  na  fotolílografia  de  Canovas  Vallejo,  isto  é,  monlículos  de  terra  ou  areia  Não 
se  trata  pois  de  montanhas  algumas. 

Assim  o  termo  das  descobertas  de  Hojeda  não  é  o  cabo  de  Orange,  imas  será  porventura 
Surinam,  conforme  pensa  Navarrete,  ou  o  Maroni,  segundo  quere  d*Avezac?  Contra  essas  duas  hipóteses 
podemos  invocar  todos  os  argumentos  de  que  já  nos  servimos  para  impugnar  a  visita  do  capitão  fidalgo 
à  foz  do  Orinoco;  mas  aqui  lhe  acrescentaremos  outro  ainda  menos  para  desprezar. 

Os  três  primeiros  cursos  dágua.  de  desigual  importância,  designados  ao  sul  da  ilha  da  Trindade 
são:  o  rio  de  ia  posision  (da  possessão),  com  a  inscrição  suplementar  mar  de  agua  dulce,  o  pequeno  rio 
obpo  (ido  bispo  de  Córdova,  protector  de  Hojeda?),  e  o  rio  de  holgança  (da  folgança),  muito  ao  largo 
do  qual  se  leem  as  palavras  mar  dulce-  A  aparição  de  água  doce  longe  da  embocadura  de  um  río  já 
fòra  observada  pelos  antigos  no  Danúbio  e  no  Zaire  por  Diogo  Cão  em  1494,  mas  na  América  foi  pela 
primeira  vez  verificada  em  1498  por  Colombo,  que  declarou  ter  bebido  excelente  água  no  Golfo  de  las 
Perlas  ("■■).  entre  a  ilha  da  Trindade  e  o  continente,  onde  desaguam  alguns  braços  do  delta  do  Orinoco, 
O  fenómeno  só  é  verdadeiramente  sensível  no  estuário  principal  dèste  rio,  a  ISoca  de  Navios,  onde  por 
ocasião  das  cheias  periódicas  èle  se  nota  algumas  léguas  adiante  da  costa. 


(■*■)  cia  orça.  no  niixlmo.  por  2S0  léguas.  Oleso  de  Moralet,  lettemunha  que  loi  com  Hojeda,  avaliâva-a  cm 
dotientas  léguas  poco  mas  ou  menos,  e  Juan  de  Valencia,  no  mesmo  caso,  em  300  (Apêndice  D,  respostas  i  S.*  prcg.  do  fis- 
cal e        do  almirante}. 

(■«)  Caetano  da  Silva,  desenvolvendo  uma  observação  de  Humboldl,  Insiste  em  que  nas  antigas  cartas  america- 
nas os  lugares  iniertropícals  sSo  colocados  muito  ao  sul  (op.  cíl..  leitura  24). 

(>o<)   Comparc-se  motas  arenosas  no  exlrémo  do  litoral,  em  lâdaa  as  reproducfies. 

Cilia  de  Colombo  aos  reis  católicos  acírca  da  terceira  viagem,  apud  Navarrete,  op.  dl-,  tbmo  I.  pig.  2S3  «  2U. 


125 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


O  nome  do  rio  de  la  postsion  Indica  clãramenle  que  aí  se  tomou  posse  solene  pela  corõa  de 
Castela,  operação  hoje  reputada  ridícula  mas  naquele  tempo  nunca  dispensada  pelos  descobridores 
espanhóis.  Ora  o  primeiro  que  esteve  nestas  paragens,  onde  não  desembarcou  Colombo,  foi  Hojeda,  pelo 
menos  êle  avoca  a  primazia  do  seu  depoimento  citado;  a  êle  se  deve  atribuir  a  posse,  que  sempre  se 
realizava  no  ponto  do  primeiro  desembarque,  e  se  acha  indicada  no  mapa  do  seu  piloto  ]uan  de  la 
Cosa.  t  pois  neste  lugar  que  se  iniciaram  as  descobertas  de  Hojeda.  Não  pretendemos  contudo  afirmar 
que  o  castelhano  não  tivesse  visto  litoral  mais  atrás;  Vespúcio,  que  não  menciona  a  posse  em  1499.  diz 
que  não  puderam  desde  togo  saltar  em  terra  c  que  seguiram  no  rumo  de  leste,  retrocedendo  pouco 
depois  em  virtude  de  forle  corrente  contrária. 

Embora  concordando  com  a  localização  do  primeiro  desembarque  do  ousado  fidalgo,  podem 
objectar-nos  que  o  r/o  de  la  posision  é  de  facto  o  Orinoco,  contra  o  que  avançamos,  e  assim  o  indicaria 
a  grande  embocadura  desenhada  no  mapa.  Mas  responderemos  ser  improvável  que  o  cartógrafo  deixasse 
de  assinalar  os  numerosos  e  importantes  braços  do  delia,  característico  daquela  região  e  nunca  antes  visto 
por  castelhanos;  além  de  que  não  estão  figuradas  as  numerosas  ilhas  da  foz  do  Orinoco  e  a  sua  latitude 
ficaria  elevada  de  mais.  Se  êste  grande  rio  designasse  o  de  la  posision,  o  de  holgança  seria  o  Essequibo,  o 
maior  dos  que  se  lhe  seguem  até  o  Amazonas.  Mas  èste  tem  uma  grande  embocadura  de  mais  de  20 
quilómetros,  com  várias  ilhas,  que  não  estão  figuradas;  além  do  que  não  se  lhe  aplica  o  qualificativo 
mar  dulce.  por  ser  insensível  êste  fenómeno  a  pequena  distância  da  costa.  Supomo  nos  pois  autorizados 
a  ver  no  rio  de  la  posision  um  dos  caíios  do  Orinoco  e  outro  deles  no  rio  de  holgança  í"'*). 

Esta  identificação  aberra  da  opinião  corrente,  que  imagina  no  rio  de  la  posision  o  Orinoco; 
ela  relega  èste  rio  para  uma  latitude  muito  mais  meridional,  como  aliás  era  costume  na  primitiva  carto- 
grafia. Teremos  ocasião  de  examinar  e^ta  questão  com  maior  cuidado  no  estudo  subsequente,  dedicado 
à  viagem  de  Pinzon. 


VICENTE  YANEZ  PINZON 


RREDADA  com  relativa  facilidade  a  versão  que  erige  Alonso  de  Hojeda  em  des- 
cobridor do  Brasil,  defrontamo-nos  com  outro  castelhano,  Vicente  Vanez  Pinzon,  a 
quem  concedem  o  feito,  com  foros  aparentemente  legitimes,  cujo  exame  exige 
maior  demora  e  subtileza. 

Desde  Pedro  Mártir,  cujos  escritos  são  contemporâneos  das  primeiras 
navegações  espanholas,  até  Herrera,  que  com  os  escassos  alvores  do  século  XVIII 
fecha  o  ciclo  das  crónicas  das  índias  ocidentais,  todos  sem  discrepância  atribuem 
a  Pinzon  a  primazia  da  visita  ao  fiUranon  ou  Amazonas,  que  se  teria  realizado 
em  1500;  e  nos  tempos  modernos  desde  Navarrete,  marcando  com  sua  palavra  autorizada,  até  os  pro- 
fundos mestres  Harrisse  e  Vignaud,  rarissimos  americanistas  negam  ao  feliz  mareante  o  felicíssimo  achado. 

O  jadancioso  capitão,  aliás,  não  deixa  os  próprios  méritos  por  mãos  alheias;  êle  chamou  a  si, 
em  1513.  a  glória  de  ter  primeiro  percorrido  o  dilatado  litoral  que  se  estende  do  cabo  de  S.  Agostinho 
às  imediações  da  ilha  da  Trindade.  D'est*arte,  com  o  concurso  dos  cronistas  e  da  categórica  declaração,  o 
assunto  considerou  se  liquidado,  e  apenas  uma  ou  outra  voz  se  ergueu  em  embargos  desconfiados. 

Como  se  não  bastasse  porém  esta  dupla  prova,  surgiu  inesperadamente  uma  terceira  nos  prin- 
típios  do  século  findo:  o  planisfério  traçado  em  1500  pelo  biscainho  Juan  de  la  Cosa  e  divulgado  por 


tntítín^        n.í?t*''  Dlblioléca  OUveriina  de  Pesaro.  alguns  anos  posterior  ao  de  La  Cosa.  IrAs  ríw»  de  la 

.^t''  o  Orinoco,  mas  um  dos  primeiros  círios  do  seu  delta,  talvez  o  de  Vagre  (v.  Bellio, 

iV  tômo  í  esumi^i.í  "  '  geograph.che  chesi  trov^no  in  luiia  nguardante  VAménc^.  na  RjccoUa  Colombiana,  parte 


126 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


Alexandre  de  Humboldt.  Aí  é  expressamente  mencionada  a  descoberta  por  Pinzon  dum  cabo  em  que  os 
peritos  reconhecem  S.  Roque  ou  S.  Agostinho;  a(  se  vê  tôda  a  costa  visitada  nessa  época,  e  tam  patente 
que  até  um  ilustre  crítico  brasileiro  conseguiu  enxergar  certo  cabo  cuio  nome  nâo  está  inscrito.  A  demons* 
traçáo  licou  completa;  iviva  Pinzon,  que  descobriu  o  Brasil! 

Infelizmente  para  a  reputarão  supcrfctada  do  vanglorioso  navegador,  èste  edifício  de  tam  sólido 
aspecto  desmorona-se  como  um  frágil  castelo  de  cartas  ao  sôpro  da  crítica,  feita  com  olhos  de  ver  e  sem 
ideias  preconcebidas.  Efectivamente  a  narrativa  de  Mártir,  que  transitou  para  lodos  os  cronistas  sub* 
sequentes,  não  lhe  confere  de  modo  algum  o  descobrimento  do  Amazonas  em  1500,  se  lida  com  cuidado 
ou  na  sua  primeira  fórma  abreviada  de  I50I;  tampouco  se  refere  àquele  ano  o  manhoso  depoimento 
testemunhal  de  1513,  no  qual,  aliás.  Pinzon  nâo  se  arroga  a  notável  façanha;  e  por  fim.  sucede  que  o 
velho  mapa-mundi  de  La  Cosa,  onde  não  se  lè  denominação  alguma  do  navegante  de  Paios,  tem  sido 
erradamente  interpretado  e,  como  quási  tôdas  as  cartas  manuscritas,  sofreu  adições  posteriores.  A  verdade 
é  que  o  castelhano  não  passou,  na  sua  primeira  viagem,  das  Guyanas,  sendo  extremamente  duvidoso 
que  tivesse  ultrapassado  a  bafa  do  Oyapoc. 

De  boa  vontade  admitimos  a  veracidade  de  Mártir  e  quási  integralmente  a  do  depoimento  do 
ousado  navegador,  que  é  omisso  de  datas,  e  ainda  poderá  aceitar-se  que  £le  tivesse  andado  pelo  Ama* 
zonas;  mas  contestamos  vigorosamente  que  tal  tivesse  acontecido  em  1500.  Sc  lhe  assiste  o  direito  da 
prioridade  à  descoberta  do  prodigioso  rio.  facto  mais  do  que  incerto,  não  o  adqiJiriu  Pinzon  tam  cedo, 
nem  duma  assentada  deparou  com  as  vastas  terras  que  vêm  de  Pária  ao  cabo  de  S.  Agostinho.  Foi  aos 
poucos  que  as  pôde  explorar,  em  sucessivas  expedições  conduzidas  a  essas  paragens. 

Isto  conseguiremos  provar,  valendo- nos  do  relato  de  Mártir,  dos  diplomas  oficiais  e  mapas 
conhecidos,  bem  como  dos  depoimentos  das  testemunhas  no  celebre  pleito  que  durante  dois  sérutos  se 
agitou  enire  a  coroa  âe  Castela  e  os  herdeiros  de  Colombo.  Não  lançamos  mão  de  espécies  ignoradas; 
apenas  nos  propomos  interpretar  sob  uma  nova  luz  os  documentos  preexistentes,  a  cuja  sombra  se 
arquitectou  a  lenda  de  Pinzon,  revelador  do  Brasil 


|ONHECEM  SE  apenas  Irês  diplomas  oficiais  em  que  é  mencionada  a  famosa  viagem  feita  por 
Pinzon  de  1499  a  1500,  tendo-se  sumido  o  mais  importante,  o  termo  das  capitulações 
respectivas. 

O  primeiro  na  ordem  cronológica  é  a  provisão  régia  de  5  de  Dezembro  de  1500  ("*'), 
que  se  refere  ao  pleito  movido  a  Pinzon  e  seus  sobrinhos,  Arias  Perez  e  Diego  Fernandez, 
pelos  donos  das  mercancias  que  èles  levaram  de  fiado,  esperançados  nos  lucros  da  expedição.  Os  expe- 
dicionários vieram  porém  gastados  v  pobres,  as  mãos  vasias  de  ouro  e  gemas;  e,  murchadas  as  ilusões, 
apelaram  para  a  clemência  régia  da  qual  esperavam  lhes  fossem  restituídos  seus  bens  penhorados.  Para 
cumprir  compromissos  contraídos  contavam  apenas  com  a  venda  de  350  quintais  de  pau  brasil,  que 
tinham  trazido  das  índias  e  era  reputado  de  qualidade  inferior  ao  da  Hispaniola  ("");  pois  a  isso  e  a 
alguns  escravos  C"")  se  reduzia  o  magro  espólio  acusado. 

As  únicas  informações  que  se  extraem  dêsle  documento  são  relativas  à  data  da  partida,  ao 
nlímero  de  navios  utilizados  e  à  extensão  de  cosia  descoberta.  A  viagem,  empreendida  à  custa  dos 


Navarrcle,  op,  dl   (&mo  III.  doc  VII. 
('*)    Df  reftuJ  oífjnicií  et  novo  orbe  DeCJdjt  três  Petri  Mãttyris  .tb  Angteviã  Mediolãnensis.  Cotonlac,  IS74; 
Dfcada,  I.  tivro  9.«  As  edições  compleUs  daUm  de  IMO;  as  mais  conheddas  %to  a  de  Hakluyt.  feita  vm  Paris  cm  ISâ7,  e 

esta  de  Colónia  ,  .  .  ,         ,  .  ,  . 

(■^  Pinion  aprisionou  36  indígenas  no  decurso  da  sua  exploração  do  conllnenle  americano,  e  prov<velmente 
repeliu  o  feito  quando  seguiu  peUs  Antilhas  (Marlir.  loc.  cll.).  A  cédula  tt^\A  de  20  de  junho  de  iSOl  ordena  a  Diego  Prieto 
a  restitutcSo  de  um  escravo  de  que  desapossára  o  navegador  (Navarrete,  op.  dt..  lòmo  Ml.  doc.  XLIII  do  suplemento).  Este 
diploma  lamWm  se  rclcre  vasamcnie  á  viagem  de  IW. 

127 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


navegadores  com  4  caravelas,  foi  começada  puede  fiaber  un  ano  poco  más  ó  menos,  o  que  confirma  a 
narrativa  de  Pedro  Marlir  d'Anghiera,  que  marca  a  partida  nos  últimos  dias  de  Novembro  de  1499('"). 
Quanto  à  extensão  do  litoral,  dizem  Plnzon  e  seus  sobrinhos  que  descubrieron  seiscentas  léguas  de  tíerra 
firme  aílende  de  muchas  islãs,  cômputo  sem  dúvida  muito  exagerado,  conforme  o  costume  sabido  dos 
descobridores  espanhóis,  a  principiar  em  Colombo  que  erra  por  excesso  todas  as  distâncias  percorridas, 
mesmo  as  de  mais  fácil  determinação  ('"X  V/eremos  que  as  novas  terras  foram  definidas  com  tanta 
imprecisão  que  ainda  hoje  é  impossível  saber  qual  a  dimensão  da  costa  percorrida. 

O  segundo  diploma  é  a  carta  executória  passada  em  21  de  Junho  de  1501  ("*)  a  favor  de 
Pinzon.  a  fim  de  lhe  serem  pagas  as  quantias  que  êle  adiantara  aos  seus  companheiros  de  aventura. 
Só  (em  de  aproveitável  a  indicarão  da  data  da  partida,  fixada  em  perto  de  ano  e  meio  antes  da  executória 
o  que  eslá  de  acórdo  com  Marlir. 

O  terceiro  diploma,  finalmente,  o  único  que  enumera  os  descobrimentos  de  Pinzon,  é  o  termo 
das  capitulações  celebradas  em  5  de  Setembro  de  1501  com  a  coroa  de  Castela  ("^),  pouco  menos  de 
um  ano  após  o  regresso  da  sua  célebre  mas  pouco  venturosa  viagem. 

Dêle  consta  que  o  capitão  castelhano,  tendo  saído  com  quatro  caravelas  armadas  a  expensas 
suas,  descobriu  nas  partes  das  índias  certas  ilhas  e  terra  íirme  a  que  deu  nomes:  •descobristes  ciertas 
islãs  ^  tierra  firme  que  posistes  los  nombres  siguientes  Santa  Maria  de  la  Consolación  e  Rostro  Her- 
moso, é  dende  alli  seguistes  la  costa  que  se  corra  al  norueste  fasta  el  rio  grande  que  llamastes  Santa 
Maria  de  la  mar  dulce,  é  por  el  mismo  norueste,  toda  la  tierra  de  luengo  hasta  el  cabo  de  S.  Vicente». 

Os  reis  católicos,  como  recompensa  pelos  riscos  experimentados  e  gastos  feitos,  bem  como 
pelo  acrescentamento  de  seus  domínios,  nomeiam  Pinzon  capitão  e  governador  *de  hs  dichas  tierras  de 
suso  nombradas  desde  la  dicha  punta  de  Santa  Maria  de  la  Consolación  siguiendo  la  costa  hasta  Rostro 
Hermoso,  é  de  alli  toda  la  costa  que  se  corre  al  norueste  hasta  el  dicho  rio  q\ie  vos  posistes  nombre 
Santa  Maria  de  la  mar  dulce  con  las  islãs  questan  a  la  bocca  dei  dicho  rio  que  se  nombra  Marina  tubaro». 

Ficou  fóra  da  doarão,  segundo  se  vê,  o  trecho  compreendido  entre  o  rio  e  o  cabo  de  S.  Vi- 
cente. A  descoberta  e  denominação  deste  não  são  expressamente  atribuídas  a  Pinzon.  ao  contrário  do 
que  asseveram  alguns  ("');  nem  seria  para  admirar  que  às  terras  novas  fôsse  dado  limite  )á  conhecido. 

Quanto  a  Marina  tubaro,  tanto  poderemos  aplicar  a  designação  ao  rio  como  a  toda  la  costa, 
e  ainda  há  uma  terceira  interpretação  que  a  reserva  para  as  ilhas  ("').  Contra  esta  protesta  o  singular 
do  verbo  em  que  se  nombra;  e  a  primeira  tem  em  seu  desfavor  o  facto  de  se  mencionar  duas  vezes  o 
nome  espanhol,  que  só  na  hipótese  teria  sido  acompanhado  do  indígena,  uma  única  vez  e  sem  mais 
explicações.  A  expressão  cabe  pois  a  toda  la  costa,  de  acòrdo  com  o  que  sabemos  de  Mártir  e  Oviedo, 
os  únicos  autores  que  se  Informaram  directamente  com  Pinzon  e  nos  dizem  que  assim  chamavam  os 
naturais  à  região  banhada  pelo  rio. 

Éste  diploma,  publicado  pela  primeira  vez  em  1859  por  Varnhagen.  ficou  ignorado  dos  cro- 
nistas. Pobre  de  elementos  geográficos,  não  nos  permite  identificar  as  descobertas,  sequer  aproximada- 
mente. Sabe  se  com  efeito,  pela  narrativa  de  Mártir  e  por  outros  depoimentos,  que  Pinzon  as  fêz  entre 
o  Cabo  de  S.  Agostinho  e  Pária;  ora  entre  estes  limites  há  numerosíssimas  pontas  e  a  costa  toma 
frequentemente  o  rumo  de  noroeste.  Quanto  ao  grande  rio,  cujas  águas  doces  vencem  por  largo  espaço 
as  salgadas  do  mar.  tanto  podemos  admitir  que  êle  é  o  Amazonas  como  o  Orinoco,  ambos  dotados 
dessa  propriedade.  Para  mais  não  temos  o  menor  esclarecimento  sobre  a  extensão  do  litoral  visto  pelo 
navegador.  Diz-nos  êsle,  no  primeiro  dos  diplomas  oficiais  citados,  que  percorrera  600  léguas,  mas  êste 
dado  é  aqui  omitido,  ou  porque  não  o  reputaram  digno  de  confiança  (e  com  razão),  ou  porque  o  per- 
curso abrangesse  terras  descobertas  por  outrem.  Efectivamente  antes  de  Pinzon  já  Alonso  de  Hojeda 
linha  andado  por  aquelas  paragens. 


Décmd*  I  uS^  9?*  ^'  DffjdAs  trts  Petri  Maríyres  ab  Angleviã  Mediotanensis.  Coloníae.  1574 

Aa  "  no*»»  L  ?  ?       P*9  258  do  l.o  Iftmo  da  obra  títada  de  Navarrete.  O  êrro  é  de  100  •  „  numa 

AiA  A  í^í**  esialio  espanhol  da  <poca.  que  Colombo  diz  ler  medido  com  o  ouadrame.  Esla  inverdade  di  a 
medida  oa  sabedona  do  almirante. 

("')  Navarrete,  op,  dl.,  lômo  II,  doe.  XM  do  Apêndice,  a  pág,  406. 

í  1  *   Caetano  di  '^iK  i  VOyapoc  et  VAmãzone,  pág.  423  da  3.»  edlçSo  de  1899. 

,  .í*'?"*'^'^  op  cil..  Dario  de  Rio  Branco,  Premier  mémoire  présenti  par  tes  États-Unis  du  Brisit 

au  uovvtrntment  de  la  Com,  ji  ,  .non  Suisse.  tômo  I,  páfi.  47 
(■»)   Barto  do  Rio  Branco,  loc  dl. 

128 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


Commumente  se  acredita  que  nesla  viagem  foi  descoberta  tôda  a  costa  que  vai  desde  o  cabo 
de  S.  Agostinho  alé  o  delta  do  Orinoco  e  compreende  portanto  o  Amazonas.  A  leitura  do  têrmo  das 
capitulações  mostra,  desde  logo  e  independenlemenle  de  qualquer  outro  argumento,  quanto  é  improvável 
tal  versão.  E  incrível,  com  efeito,  que  neste  enorme  trajecto  de  750  léguas  reais,  Pinzon  apenas  se 
dignasse  escolher  e  mencionar  três  pontos:  o  cabo  inicial,  o  grande  rio  e  entre  ambos  um  vago  lugar. 
Rosfro  Hermoso,  de  que  nào  resta  outro  vestígio  além  do  nome.  quando  é  certo  que  para  além  do 
Amazonas  êle  se  avistou  com  muitos  cabos  dignos  de  nota.  com  muitas  estâncias  aprazíveis  e  de  singular 
aspecto,  com  muilos  rios  importantes  e  caudalosos,  em  um  dos  quais,  o  Orinoco,  se  exibe  também  o 
fenómeno  do  mar  doce  que  tanto  surpreendeu  os  castelhanos.  O  tom  vago  e  a  grande  escassez  de 
indicações  no  diploma  correm  parelhas  com  a  parca  descrição  de  Mártir,  que  é  inspirada  no  próprio 
Pinzon;  êles  supõem  para  a  expedição  resultados  geográficos  tam  mesquinhos  quanto  foram  os  materiais. 


ÚNICA  relação  contemporânea  e  digna  de  crédito  que  possuímos  da  viagem  de  Pinzon  em  as  mes  nau 
1499  é  a  inserta  nas  Décadas  de  Pedro  Mártir,  natural  de  Anghiera,  no  Milaneso,  desde  1488 
ao  serviço  dos  reis  católicos  e  mais  tarde  protonotário  apostólico  e  membro  do  Conselho  uk"^ 
das  índias.  Ela  possui  o  grande  valor  de  ter  sido  escrita  sõbre  informações  colhidas 
directamente  do  capitão  castelhano  e  do  seu  sobrinho,  pouco  depois  do  regresso  de  ambos. 
Todos  os  demais  cronistas  espanhóis,  exceptuando  Oviedo,  que  se  referem  aos  descobrimentos 
então  feitos,  se  inspiraram  nesta  descrição,  sob  a  fórma  que  o  seu  autor  lhe  deu  na  segunda  edição 
impressa  em  1516  ("*).  Gomara  nada  mais  lhe  acrescentou  além  de  alguns  erros  manifestos  ("');  Las 
Casas,  no  seu  manuscrito,  aduz  de  novo  apenas  o  que  foi  buscar  aos  autos  do  pleito  de  Diego  Colombo, 
às  chamadas  Probanzas  dei  fiscal  (""),  mas  fá  lo  sem  critério,  misturando  a  viagem  de  1499  com  outras 
subsequentes  ("').  De  posse  dos  textos  de  Mártir  e  das  Probanzas.  impressas  desde  1894  podemos 
dispensar  perfeitamente  o  do  bispo  de  Chiapa.  Quanto  a  Herrera,  não  há  dúvida  que  copiou  Las  Casas, 
conforme  é  seu  costume.  O  único  autor  que,  mantendo  relações  amistosas  com  Pinzon  ('")  estava  em 
condição  de  falar  com  segurança  era  Oviedo,  mas  o  pouco  que  nos  transmite  é  de  duvidosa  precisão 
e  não  condiz  com  o  relato  de  Mártir,  quer  por  equívoco  do  cronista,  quer  por  confusão  proposital  do 
navegador.  Finalmente,  em  tempos  mais  modernos,  Navarrete  compendiou  os  cronistas,  acrescentando-lhes, 
aliás  sem  a  sua  habitual  segurança,  poucos  pormenores  extraídos  das  Probanzas  ("').  Foi  éle  quem 
consagrou  de  facto  Pinzon  como  descobridor  do  Amazonas  e  do  Brasil. 

O  guerreiro  e  sacerdote  milanês,  que  foi  no  seu  tempo  uma  figura  de  relevo  e  cujas  produções 
literárias  são  para  nós  inestimáveis,  a-pesar-de  erros  e  negligências,  mantinha  relações  pessoais  com  os 
principais  descobridores,  a  começar  em  Colombo,  e  déles  recebeu  boa  parte  do  material  condensado  em 
sua  obra,  que  vasou  em  molde  epistolar.  Os  nove  primeiros  livros  da  I.'  Década,  na  qual  são  relatadas 
as  três  primeiras  viagens  de  Colombo,  as  de  Nino  com  Guerra  e  a  de  Pinzon,  já  estavam  prontos  na 
primavera  de  1501  ('"),  e  déles  circularam  diversas  cópias  manuscritas;  em  1510  o  protonotário  apos- 


!■■*)  OMAi  na  nol3  108.  Dos  aonislas  principais  nSo  podemos  haver  h  mio  a  Historia  de  los  reyts  cslolieos. 
dc  Andres  Demaldez  (cura  de  Palacios),  a  qual  lodavia  calculamos  nÍo  se  ocupai  de  Ptnzon,  por  nunca  a  vermos  mencio- 
nada a  èsse  rerpciio. 

("O  historts  General  de  Us  índias  con  todo  el  deseubrimiento  y  coiêt  notabtes  que  han  aeaecido  dtnde  que 
se  ganaron  ala  el  frio  de  isii.  Çaragoça,  1S53;  foi,  XLVII,  verso, 

('<•)  Nos  Dofiimentos  inéditos  de  índias,  42  volumes  da  !.•  série  e  13  da  2.*.  Dos  Pleitos  de  Colon,  que  consti- 
tuem os  volumes  7.o  e  h.»  da  2.«  série,  cxiractamos  o  Apèndict.'  B. 

("•)   Historia  General  de  tas  índias,  lômo  11.  cap.  173  da  edição  impressa  em  1875.  em  Madrid. 

('")   .  .  .  Vicente  Va/iez  Pinzon  que  tue  uno  de  los  pnmeros  pilotos  de  aquelles  tres  hermanos  Pineones.  de 

Íuien  queda  hecha  mencion;  porque  con  esto  yo  tuvo  amistad  hasta  el  afio  de  mil  quinientos  é  eatoree  que  el  murio  (Oviedo. 
Ustoria  general  y  natural  de  las  índias,  edlclo  de  lesi,  livro  II,  cap.  14,  In  fine). 
(■"}  Op.  cit..  tòmo  III,  pág,  18  e  seguínies. 

(■**)  A  inrroduçlo  do  3.o  livro  da  Década  /  lol  escriu  em  23  de  Abril  de  ISOl  e  sabe-sc  que  em  Agosto  estava 
trasladada  em  dialecto  veneziano. 


n 


129 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


tólico  reviu-os  novamente  e  iunlou  lhcs  o  décimo,  completando  a  Década  que  saíu  impressa  pela  primeira 
vez  em  1511.  Depois,  em  segunda  edição  de  1516.  vieram  a  lume  outras  duas.  tendo  sido  alterado  o 
texto  da  primeira,  e  linalmenie  em  1530.  morto  já  o  autor,  foi  completado  o  volume  das  oito  Décadas. 

Mártir  não  era  remisso  em  mostrar  a  outrem  os  seus  escritos  e  facultava-os  a  quem  quer  que 
eie  julgasse  em  condições  de  os  apreciar.  Pouco  tempo  depois  de  concluídos,  uma  cópia  dos  nove  livros 
da  primeira  Década  estava  em  poder  de  Domênico  Pisani,  oratore  ou  embaixador  da  república  de  Veneza 
em  Espanha  ('");  e  o  secretário  ou  chanceler  desta,  Angelo  Trevisan,  os  traduziu  em  dialecto  veneziano 
e  remeteu  a  Domênico  Malipiero.  analista  do  estado  dos  Doges.  Existe  ainda  uma  cÓpia  contemporânea 
das  cartas  de  remessa  e  do  texto  que  as  acompanhou  ("*).  Na  primeira,  datada  de  20  de  Agosto  de  1501. 
Trevisan  diz  a  Malipiero  que  o  tratado  traduzido  foi  composto  da  un  valenfuomo  que  foi  mandado  ao 
soldão  do  Egipto  como  embaixador  dos  reis  de  Espanha,  sendo  sua  tenção  apresentar  se  ao  Doge. 
É  evidentemente  Mártir,  que  nesse  mesmo  ano  partiu  de  Granada  a  14  de  Setembro  com  destino  a  esta 
missão,  de  que  dá  conta  na  sua  Legatio  Babylonica  ("*),  podendo  nós  pela  leitura  das  suas  cartas 
impressas  ("*)  acompanhá-lo  tanto  na  ida  como  na  volta  e  nas  suas  visitas  à  cidade  das  lagunas.  Na 
quarta  carta  de  Trevisan.  sem  data,  mas  provávelmente  de  Dezembro  de  1501.  ia  o  nono  e  último  livro, 
para  nós  duplamente  precioso  porque  encerra  a  nanaçâo  da  viagem  de  Pinzon  em  1499,  tal  qual  êle  a 
contou,  em  primeira  mão  e  a  breve  espaço  da  chegada,  ao  protonotário  apostólico. 

O  manuscrito  italiano  remetido  a  Malipiero  veio  ter  às  mãos  de  Albertino  Vercellese  que  em 
1504  o  estampou  com  ligeiras  incorrecções  em  Veneza,  sob  o  título  Libretto  di  tutta  la  navigatione  de 
Re  de  Spagna  de  isole  et  terreni  novamente  trouati,  opúsculo  de  que  se  conhece  um  único  exemplar- 
Três  anos  depois.  Fracanzio  de  Montalboddo  fê-lo  reimprimir  em  Vicenza  com  a  adição  de  algumas 
viagens  portuguesas,  sob  o  titulo  Paesi  nouamente  retrouati  et  nouo  mondo  di  Alberico  Vesputio  floren- 
tino intitulato.  obra  hoje  muito  rara,  que  leve  várias  edições  e  traduções,  uma  das  q'jais  latina,  em  1508  ("1. 
É  provávelmente  a  êste  volume  que  se  refere  Marilr  quando  no  1°  livro  da  Década  II,  publicada  em 
1516,  se  queixa  amargamente  de  que  lhe  imprimiram  os  escritos  sem  o  consultar  ('-"). 

A  edição  princeps  das  Décadas,  saída  do  prélo  em  1511.  além  de  conter  mais  o  10.»  livro,  que 
não  existia  na  cópia  de  Trevisan  por  ter  sido  composto  mais  tarde,  difere  bastante  do  texto  italiano  e  é 
mais  longa. 

No  que  respeita  a  Pinzon,  devemos  esclarecer  que  êle  tinha  feito  entre  1501  e  1510  duas 
outras  viagens  às  regiões  anteriormente  exploradas,  nas  quais  ampliara  suas  descobertas,  sendo  lícito 
presumir  que  o  escritor  milanês,  ao  preparar  a  primeira  edição,  revisse  os  seus  apontamentos  e  talvez 
recorresse  novamente  ao  navegador  ou  a  seus  companheiros.  Alguns  exemplares  dêste  livro  raro  vêm 
acompanhados  de  um  curioso  mapa  gravado  em  madeira,  acrescentado  alguns  meses  depois  da  impres- 
são ("*).  no  qual  é  representado  o  Novo  Mundo  tal  como  era  conhecido  pelos  espanhóis  do  tempo. 

Na  2.'  edição  de  1516.  que  não  é  vulgar,  o  autor  ainda  acrescentou  alguma  coisa  de  conside- 
rável importância,  desta  vez  sem  dúvida  alguma  de  origem  posterior  a  1501.  É  a  notícia  relativa  ao 


(*■)   Da  Década  11.  Uvro  7.«  assim  se  depreende. 

O**)  Bcrcliet,  Ponti  italiane  per  lã  storia  delia  scoperta  dei  nuovo  mondo.  Parte  3.*  da  Raecoítã  colombiana, 
t6mo  I.  pig.  «0-82. 

("*)  Acha-se  èste  opúsculo  na  edição  das  Décadas  de  Coiónia. 

i"*)  Opus  epislolaium  Pttrí  Martyrís  Angterii  Mediolanensis,  Complutl,  1S30. 

(■")  O  exfcnplar  dos  Paesi  de  que  nos  senrimos  <  o  da  preciosa  colecção  de  obras  relativas  ao  Brasil  reunidas 
pelo  Dr.  losé  Carlos  Rodrí^ucs,  c  hoje  Incorporada  na  Biblioteca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro.  Ser-nos-ia  impossível  a  feitura 
dtste  trabalho  se  a  nâo  tivéssemos  ao  nosso  alcance. 

O  livro  latino,  editado  em  I50S  por  A,  Madrignano,  intituta-se  Itineraríum  portugalensium  e  toÍ  bastante  divulgado. 

("*)  Come  ao  principio  da  obra  vém  a  descrição  das  viagens  de  Cadamoslo,  o  protonotário  apostólico  atribui  o 
pligio  »  *5'e  naveçador.  que  morreu  aliás  cm  1480  Navarrete  acusa  Mattir  de  se  ter  aproveitado  da  relação  italiana,  a-po&ar-de 
■e  qutíxar  dela,  poit  até  reproduz  seus  érros  de  imprensa  (op.  cit..  tòmo  III.  nota  de  pág.  13). 

('■)   Harrfsse.  The  discovery  ot  Noiih  America,  pág.  140. 

130 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


Maragnonum.  denominação  inicialmente  dada  ao  rio  Amazonas,  cuia  descoberta  é  pela  primeira  vez 
atribuída  a  Pinzon. 

há  pois  três  versões  da  viagem  do  assinalado  capitão:  a  de  1501,  que  designaremos  como  de 
Trevisan  seu  tradutor,  a  da  edição  princeps  de  1511,  e  a  de  1516,  que  é  a  vulgarizada.  A  primeira, 
contemporânea,  reduz-se  à  narração  concisa  e  singela  dos  principais  factos  ocorridos  na  memorável 
aventura  marítima,  e  é  a  única  que  se  pôde  reputar  autêntica,  por  liberta  de  adições  ulteriores.  È  possf* 
vel,  embora  improvável,  que  Mártir  se  equivocasse  passando  ao  manuscrito  quanto  ouviu  ao  herói  dela, 
mas  não  temos  fonte  mais  pura  e,  sem  embargo  de  èrros  visíveis  de  tradução,  devemos  depositar  na 
relação  italiana  tanta  confiança  como  no  próprio  Pinzon,  e  até  mais  que  nas  informações  por  éle 
prestadas  em  1513. 

A  análise  das  alterações  nas  duas  edições  latinas  vaÍ-nos  explicar  cabatmenie,  quando  exami- 
nadas em  confronto  com  outros  dados,  a  origem  da  lenda  que  apresenta  Pinzon  como  descobridor  do 
Amazonas  em  1500. 


^0 


ÍXwBSSBS  NATURAL  que  o  audaz  capitão  castelhano,  ao  contar  a  sua  primeira  visita  à  terra  firme   *  viAorM  ot 
PIWÍa     (descoberta  por  Colombo  em  1498,  entrasse  em  minúcias  omitidas  por  Mártir,  pois  £ste  ,to» 
B|^%lim    tinha  o  hábito  de  extrair  de  quanto  ouvia  sòmente  aquilo  que,  a  seu  iuizo,  podia  dar 
HjBgffl^    satisfação  aos  amadores  de  história.  Se  os  curiosos  da  época  ficaram  contentados,  só  nos 
resla  lastimar  que  lhes  bastassem  os  raros  episódios  narrados,  e  não  lhes  fizessem  falia 
pormenores  geográficos  e  etnográficos  que  hoie  seriam  preciosos. 

Dos  indígenas  vistos  então  pelos  espanhóis  apenas  consta  que  eram  mansos,  aqui  e  além 
belicosos,  que  andavam  nus  e  se  defendiam  com  arcos  e  flechas.  É  bem  pouco,  numa  excursão  pelo 
continente  que  o  seu  comandante  avalia  em  600  léguas.  Quanto  às  terras  achadas,  sua  descrição  é  tam 
vaga  que  se  torna  arriscado  idenlificá  las.  Temos  a  certeza  de  que  o  litoral  percorrido  foi  o  que  desce  de 
Pária  e  da  ilha  da  Trindade  até  o  nordeste  brasileiro,  mas  como  a  extensão  de  600  léguas  é  com  igual 
certeza  muito  exagerada,  ficamos  duvidosos  do  ponto  em  que  aportaram  ao  termo  da  travessia  do 
Atlântico.  A  única  indicação  valiosa  é  a  de  um  rio  caudaloso  cuja  corrente  vencia  as  salsas  águas  do 
mar  tornando-o  doce  por  espaço  de  15  léguas,  mas  essa  mesmo  nos  deixa  hesitantes,  porque  aquele 
fenómeno  se  manifesta  tanto  no  Amazonas  como  no  Orinoco,  separados  por  300  léguas.  Em  tôda  a 
dilatada  costa  apenas  duas  vezes  se  menciona  o  rumo  dela;  e  Trevisan  só  traz  uma  denominação, 
completada  por  outras  duas  na  edição  princeps,  sendo  as  três  adstritas  à  mesma  região. 

Em  compensação.  Pinzon  ornou  a  sua  história  de  diversas  coisas  maravilhosas  e  imaginárias: 
a  passagem  do  equador  que  provaremos  inteiramente  incompatível  com  seus  próprios  dados,  o  negrume 
do  horizonte  equatorial,  a  protuberância  que  impedia  a  visão  do  pólo  antárctico,  a  extensão  de  400  léguas 
corridas  em  excursão  petas  ilhas  ao  poente  da  Hispaniola,  que  são  tam  reais  quanto  as  600  de  costa 
continental. 

A-pesar  de  longo,  entendemos  conveniente  traduzir  em  vernáculo  e  na  íntegra  o  relato  de 
Mártir,  quer  no  traslado  de  Trevisan,  quer  no  texto  latino  de  1516,  tendo  o  cuidado  de  destacar  em 
grifo  os  acrescentamentos  desta  segunda  edição  impressa  quando  comparada  à  primeira  de  1511  ("°).  Nela 
intercalámos  alguns  comentários,  reservando  para  subsequentes  secções  déste  estudo  o  exame  mais 
atento  dos  Irès  factos  capitais  da  viagem:  a  travessia  da  equinocial,  o  primeiro  ponto  do  continente 
avistado  e  a  descoberta  do  mar  doce. 


<"*)  As  outras  diferenças  entre  a  edição  princeps  e  a  segunda  nÍo  tém  Imporllncta.  Dum  exemplar  da  primeln 
que  se  acha  em  Madrid,  obtivemos  uma  reprodução  fotográfica  que  cotejámos  com  o  da  leaunda.  existente  na  coleccio  )i 
diada  do  Or  ].  C.  Rodrigues. 


131 


HISTÓRÍA  OA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


(TEXTO  DE  TREVISAN) 

Vlccnllanet,  chuiudo  Plnzon,  t  Mt*  seu  sobrinho,  que 
(oram  lu  primHcá  vU^em  com  Colombo,  armaram  em  1499  i 
expenuft  suas  4  anveUs,  e  no  dia  16  de  Novembro  partiram 
de  Paios  donde  aJo.  lu  Intenção  ét  vltllar  novos  países.  Foram 
à«  Uhaa  Canárias  e  depois  ás  Ubás  de  Cabo  Verde. 


(TEXTO  DA  EDIÇAO  DE  ISI6) 

Vicente  Agnes  cosnominado  Plnzon,  e  Aríet,  seu  sobri- 
nho por  parle  do  pai,  companheiros  na  primeira  navegação 
do  Almirante  Colombo  que  os  conduziu  como  capitães  de 
duas  naus  menores  daquelas  adma  chamadas  caravelas, 
atraídos  pela  ampUdSo  dos  novos  trajeclos  e  novas  tems, 
construem  ã  sua  cusla  quatro  caravelas  no  seu  pôrto  nalal 
que  os  espanhóis  chamam  Paios,  situado  no  oceano  oddental 
e,  obtida  licença  dos  reis,  saem  do  pArto  nas  proximidades 
das  calendas  de  De2embro  do  ano  de  1498.  Éste  põrto  de 
Paios  disla  72  mil  passos  de  Cadiz  e  64  mil  de  Sevilha 
capital  da  Bélica.  Todos  os  habitantes  sem  excepçáo  sio 
multo  dados  a  cousas  maritimas  e  aplicados  a  coniinuis 
Mvegaçfiet. 

Dihgem-se  primeiro  às  Fortunatas  pelas  Hespérides, 
Iito  é.  pelas  ilhas  diias  de  Cabo  Vcrie  que  outros  chamam 
Oorgoncs  Meduseas.  Caminham  direitos  ao  Sul. 


Não  há  duvida  de  que  o  ousado  castelhano  desaferrou  de  Paios  com  quatro  navios.  Quando 
não  bastem  os  diplomas  atrás  citados,  temos  a  declaração  de  Colombo,  que  os  viu  chegar  a  Híspaniola 
no  ano  seguinte  ('").  O  pilôlo  Juan  de  Umbria.  depondo  no  processo  de  Diego  Colombo,  declara  ter 
saldo  de  Saltes,  na  barra  do  pôrto  de  Paios  ('"),  mas  demonstraremos  que  isto  se  passou  noutra  viagem 
de  Pinzon  depois  de  1501,  até  agora  ignorada. 

Quanto  à  data  da  partida,  divergente  nos  dois  textos,  optamos  pela  do  latino  que  a  fixa  nos 
liltimos  dias  de  Novembro.  A  expressão  vaga  circHer  calendas  decembrí,  empregada  por  Mártir,  deu 
margem  a  diversas  interpretações;  assim,  enquanto  Trevisan  a  traduz  por  18  de  Novembro,  um  dos  dias 
daquelas  calendas  que  se  contavam  sabidamente  para  trás.  Las  Casas  escolhe  o  próprio  dia  delas.  Em 
Ooinára  lemos  13  de  Novembro,  que  precede  o  líllimo  dia  das  calendas. 

O  sacerdote  milanês  equivoca-se  ao  asseverar  que  Arias  Pinzon  foi  por  capitão  de  um  dos 
navios  da  expedição  de  1492,  pois  a  Santa  Maria  era  comandada  pelo  almirante,  ao  passo  que  a  Pintã 
e  a  Nina  couberam  aos  irmãos  Martin  Alonso  Pinzon  e  Vicente  Vanez  Pinzon.  Sabemos  mesmo  ao  certo 
que  Arias  não  acompanhou  Colombo  ('"). 

A  passagem  pelas  ilhas  Canárias  e  de  Cabo  Verde  sugere-nos  breve  reparo,  pondo  de  parte  a 
troca  inadvertenle  na  posição  de  dois  arquipélagos.  Pedro  Ramirez  e  Diego  Fernandez  Ccimenero. 
chamados  a  testemunhar  no  pleito  de  Diego  Colombo,  indicaram  a  escala,  um  pelas  islãs  de  Anton  e 
outro  pela  do  Fogo  mas  aquele  era  um  nome  genérico  do  arquipélago  de  Cabo  Verde,  consoante 
o  atesta  o  planisfério  de  ]uan  de  la  Cosa  (1500)  e  a  segunda  testemunha  referiu  se  provávelmente  à 
viagem  posterior.  Nada  se  opõe  aliás  a  que  Pinzon  lenha  tocado  em  mais  de  uma  das  ilhas  portuguesas, 
visitando  com  demora  a  possessão  que  èle  desconhecia.  Entre  as  partidas  de  Paios  e  de  Santiago  de 
Cabo  Verde  mediaram  43  dias;  ora  no  traiecto  marítimo  não  se  gastavam  mais  de  13  ou  14  dias,  ficando 
pois  um  mês  para  as  escalas  nos  portos  insulares. 


donde  a  6  de  Janeiro  fizeram  vela  pelo  sudoeste,  e  nave- 
gando por  èste  rumo  300  léguas  dizem  que  perderam  a 
tramontana,  e  que  imente  depois  da  sua  perda  foram 

assaltados  de  temo  j  temporal  de  mar,  chuva  c  vento; 
seguindo  depois  o  seu  caminho  com  grande  perigo,  sempre 
pelo  sudoeste,  andaram  outras  240  léguas. 


Retlrando-se  nos  Idos  de  laneíro  (13)  daquela  das 
Hespérides  que  os  portugueses  seus  possuidores  denominam 
Santiago,  apanham  pela  proa  o  vento  átríco,  ctiamado  sudoeste 
que  está  entre  Austro  e  Zéfiro.  Quando  iulgaram  ler  navegcdo 
300  léguas  seguindo  éste  rumo  dizem  que  perderam  a  viala 
do  pólo  árctico,  c  logo  que  éle  se  escondeu  no  horizonte 
ímedlatAn;cnte  nasceu  uma  terrível  tcmpeslade  de  ondas  e 
turbilhões  de  vento.  Avançaram  todavia,  embora  com  sumo 
risco,  mais  240  léguas  sempre  pelo  mesmo  vento,  |á  que  o 
pólo  estava  perdido. 

Daf,  discutem  tanto  estes  e  os  antigos  filósofos  como 
os  poetas  e  os  cosmógrafos  se  é  habitável  ou  inacessível  a 
linha  equinocial.  Com  efeito  uns  afirmam  que  ela  é  habitada 


^^.^'^J^f'  ãlmirãnte  ãl  ama  (que  habia  sido)  dei  príncipe  D.  Juan,  escrita  hàcia  fines  dei  aHo  ISOO  (Navar- 
rete, op.  ai.,  tomo  1,  pág.  267). 

Rimir*.  ni}ZK*i°,^'^S'^'"      '"P"*'»  Pere»  ^        Pregunta  do  fiscal;  respostas  de  Juan  de  Umbria,  Pedro 

Kamirei,  Diego  e  Anion  Fernandez  Colmenero  e  Manuel  de  Valdovinos  á  7."  pregunta  do  fiscal. 

132 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ÁLVARES  CABRAL 


por  povof  numeroto*.  outrot  escrevem  que  i  inabitlvcl,  por 
ler  o  «ol  a  prumo,  tiio  faltou  contudo  entre  os  anllsos  quem 
tcntauc  provar  que  cU  é  habilivel.  Prvgunlando  eu  a  esiet 
nautas  se  tinham  vislo  o  pólo  antárctico,  responderam  que 
nlo  Unham  conliecldo  estrala  alguma  semelhante  h  do  norte 
que  te  possa  distinguir  na  proximidade  daquele  ponto.  Olic m 
todavia  que  avistaram  outro  aspecto  de  cstrUis  c  certa 
caligem  vaporosa  emanada  do  hortionle.  que  quisi  lhes 
escurecia  a  vista.  Afirmam  que  se  Irvjnt^  no  melo  da  terra 
uma  eminência  que  Impede  de  veropdlo  aniirctico  emquanio 
t\»o  passavam  além;  mas  julgam  ter  observado  tmagcns  de 
estralas  muiio  diversa*  das  do  nosso  hemlalèrto.  Isto  me 
disseram,  Islo  aceito.  Slo  cousas  de  Davo,  nio  de  Édipo. 

Zarparam  de  Santiago  a  13  de  }aneiro,  segundo  o  texto  latino  que  aceitamos,  preferentemente 
ao  de  Trevisan.  que  indica  o  dia  6.  Houve  nova  confusão  do  tradutor,  pouco  familiarizado  talvez  com  o 
calendário  romano,  usado  ainda  hoje  pela  Igreja,  pois  interpretou  as  palavras  idibus  iãnuaríi  como 
significando  o  último  dia  dos  idos  déste  mês. 

Mártir  enganou-se.  dizendo  que  aos  navegantes  tinha  soprado  o  sudoeste  pela  proa,  por  con- 
fundir rumos  com  isentos,  foi  sempre  sudoeste  o  rumo  a  que  èles  se  submeteram,  tanto  antes  como  depois 
da  tempestade,  pois  tal  é  o  tibeccio  dos  italianos,  idêntico  ao  leueche  dos  espanhóis.  O  vento  dominante 
nesta  região,  nos  dois  primeiros  meses  do  ano  é  acima  do  eqíiador  o  alfzeo  do  nordeste  que  impele 
para  o  sudoeste  ('");  e  foi  ôste  o  rumo  seguido  por  Colombo  na  terceira  viagem,  empreendida  um  ano 
anies  da  de  Pínzon  e  que  lhe  serviu  de  guia.  do  mesmo  modo  que  a  Hojeda.  António  Fernandez 
Colmenero.  Pedro  RaiTtirez  c  Manuel  Valdevinos  declararam  nos  autos  do  processo  de  Diego  Colombo 
o  rumo  de  sudoeste,  mas  os  seus  depoimentos  foram  prestados  depois  de  1512  e  a  memória  dos 
marinheiros  naturalmente  não  lhes  trazia  os  factos  presentes,  além  de  que  não  é  certo  ter  a  última  das 
testemunhas  acompanhado  Pinzon  na  primeira  viagem.  Sc  Mártir  transcreveu  fielmente  o  que  lhe  contou 
este  capitão,  é  provável  que  éle  o  Iludisse,  porque  o  rumo  de  sudoeste  depois  de  perdida  a  polar  conduz 
a  resultados  que  nós  veremos  inaceitáveis,  visto  ser  no  hemisfério  austral 

Há  que  considerar  na  travessia  do  Atlântico  dois  trechos  distintos  entre  os  quais  se  desen- 
cadeou forte  tormenta:  o  primeiro  de  300  léguas,  ao  têrmo  do  qual  Pínzon  afirma  ter-se-lhe  sumido  da 
vista  a  estrela  do  norte,  o  segundo  de  240  léguas,  que  findou  com  a  arribada  à  América.  Dedicamos 
à  análise  dessa  asser!;ão  do  jactancioso  navegador  a  segunda  secção,  cuja  conclusão  antecipamos:  é  que 
êle  nunca  poderia  ter  perdido  a  polar  nas  condições  apontadas,  e  de  facto  não  atravessou  a  equinocial. 
Na  que  segue  vamo  nos  ocupar  sòmente  das  curiosas  revelações  astronómicas  e  cosmográficas  atribuídas 
aos  marítimos  no  texto  latino. 

Mártir  quis  saber  dêles  se  haveria  um  astro  no  pólo  antárctico  semelhante  à  tramontana,  e 
obteve  como  resposta  que  nenhum  se  distíngiila  nas  vizinhanças  daquele  ponto.  Isto  não  é  bem  verdade; 
mais  exactamente  diriam  que  não  disligiiiram  perto  dête  estrèla  alguma  tam  brilhante,  pois  as  há  de 
menor  grandeza,  conquanto  visíveis  a  Ôlho  nu.  cuja  distância  ao  pólo  austral  é  comparável  com  os  3«25' 
que  em  15O0  tinha  a  tramontana  no  hemisfério  boreal  ('  *X 

Humboldt.  a  propósito  dos  períodos  relativos  ao  aspecto  do  fíimamento,  reivindica  para  estes 
marítimos  a  primeira  observação  das  chamadas  saras  de  carvão,  que  são  certos  espaços  obscuros  do 
céu  austral  V^).  Parece  nos  destituída  de  fundamento  a  presunção  do  ilustre  sábio;  a  caligem  vaporosa 
que  emanava  do  horizonte  e  lhes  escurecia  a  vista  é  inconfundível  com  aquelas  regiões  sombrias  rodeadas 
de  estrêias  luminosas,  e  não  participa  do  seu  movimento  circular  diurno.  Não  é  possível  igualmente  ver 
em  tal  caligem  a  cerração  tam  frequente  nos  horizontes  eqiiatoriais  que,  além  de  não  ser  negra,  é 
observável  de  dia  como  de  noite.  É  preciso  uma  dóse  considerável  de  boa  vontade  para  tentar  a 


('")  Veja-se  a  carta  2925  do  Almirantado  I5riI3nico.  Atlantic  Ocean,  PUot  Charl  for  monihs  Jjnuãry,  Ffbrutry 
and  March.  E'  necessário  oio  contundir  o  rumo  com  a  direcção  do  vento  que  dt\t  sopra.  Ao  aul  do  equador  os  ventos 
dominantes  slo  os  ãllieos  do  sueste  que  impek-m  pjra  o  noroeste, 

(>■')  Mestre  )r>ào.  Ilsico  da  expedirão  de  Alvares  Cabral,  observou  em  ISCO  estralas  na  vizinhança  do  ç6\o 
aniirctico.  mas  náo  eslava  bem  certo  se  alguma  coincidia  com  o  pólo  O  desenho  com  que  tle  acompanhou  a  descrição  póda 
vír-se  no  cap.  II.  tig.  2i,  pig  47  déste  volume.  Náo  é  possível,  i  vista  do  esbò<o,  bastante  Impertello,  ld«nllUcar  com  seguranC* 
a  estrala  considerada  por  Mestre  ]oao  a  polar  antárctica,  ptquena  como  la  dei  norte  e  muy  ciar». 

('")  txamen  criltque,  lõmo  IV.  piig.  327. 

133 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


explicação  sdenlííica  déste  fenómeno  misterioso  que.  em  última  análise,  se  reduz  a  uma  invenção  de 
Pinzon,  disposto  a  cercar  de  imaginárias  maravilhas  a  sua  pretendida  passagem  pelo  equador  ('"). 

Outra  fantasia  com  que  êle  adorna  a  sua  história  é  a  eminência  que  o  impediu  de  ver  o  pólo 
antárctico,  emquanto  não  passou  amié.  Gaffarel  nola  a  propósito,  disparatadamente,  que  já  em  1498 
Colombo  pressentiu  a  protuberância  equatorial  da  terra,  mas  se  perdera  ao  tentar  explicá-la  ('"').  A  fantasia 
absurda  de  Pinzon  nâo  coincide  com  a  inépcia  do  grande  almirante,  que  imaginava  para  o  orbe  terrestre 
a  fórma  de  tèta  nas  proximidades  de  Pária,  onde  êle  colocava  o  paraíso  terreal  Comentando  êste 
despaulério  hlumboldt  conclui  com  razào  que  Colombo  ignorava  noções  rudimentares,  ensinadas  nas 
escolas  contemporâneas  da  Itália  ('").  mas  a  pesar  disso  admite  que  êle  estudou  em  Pavia  sob  a  direcção 
de  mestres  ilustres  ("").  A  concepção  do  castelhano  é  da  mesma  força  que  a  do  genovês,  com  a  atenuante 
de  que  aquele  não  acreditava  no  embuste,  destinado  a  uso  doutrém.  Consigne-se  no  entanto,  para  honra 
do  protonotário.  que  encontrou  ouvidos  incrédulos,  como  se  infere  das  expressivas  frases  latinas;  Haec 
dederunt.  haec  ãccipito.  Daui  sunt,  non  Oedipi. 


Fliulmenie  no  dia  20  de  Janeiro  avistaram  Icrra  de 
longe  e  aproxÍmando-»e  dela  Iam  achando  sempre  o  mar 
sem  fundo;  deil-iram  afinal  a  sonda  e  deram  com  16  braças 
de  ifia».  Atracando  à  icrra.  desembarcaram  e  estiveram  dol* 
dias  sem  lhes  aparecer  ninguém.  Partindo  dali  e  correndo 
mais  adiante,  viram  de  noKe  muilas  luzes  que  pareciam 
provir  de  um  acampamento  de  genie  armada.  Andando  alé 
U,  viram  muita  g^nte.  mas  nlo  a  quiseram  perturbar  até  o 
amanhecer,  em  que  nascido  o  sol  mandaram  a  lerra  40  homens 
armados,  ao  encontro  dos  quais  vieram  32  daquela  gente,  nús 
e  armados  de  aKOS  e  flechas,  homens  grandes  como  tudescos, 
de  lace  lôrva.  que  sempre  ame-iç-ivam.  Por  mais  caricias  que 
thes  fizessem  os  espanhóis.  nXo  quiseram  paz.  nem  concórdia, 
nem  amizade  com  éles,  de  modo  que  por  enlSo  tornaram  aos 
navios,  dispostos  a  combater  na  mantij  seguinte.  Mas  logo 
sobrevindo  a  noite,  partiram  todos,  de  sorte  que  se  julga  que 
era  gente  vagabunda  como  tártaros,  que  nio  tém  casa  própria, 
mas  v3o  hcjc  aqui,  amanha  ali  com  suas  mulheres  e  filhos. 
Alguns  que  depois  viram  as  pègádas  deles  na  arda,  afírmam 
que  as  suas  plantas  sSo  o  dòbro  das  nossas. 


Finalmente  a  7  das  calendas  de  Fevereiro  (26  de  Janeiro) 
avistam  terra  de  longe;  e  como  notassem  que  a  água  do  mar 
eslava  turva,  lançam  a  sonda  e  acham  16  braças  de  profun- 
didade. Aproxlmam-se,  descem,  e  demoram-se  ai  dois  dias, 
pois  nlo  viram  homem  nenhum  naquela  ocasiáo.  embors 
descobrissem  pègádas  humanas  no  litoral;  e  gravados  nas 
árvores  e  nas  fragas  vizinhas  da  costa  os  nomes  do  rei  e  os 
próprios,  para  assinalar  a  sua  chegada,  rctlraram-se.  Náo 
longe  desta  estação,  guiados  por  fogos  nocturnos,  descobrem 
uma  gente  pernoitando  ao  ar  livre,  segundo  o  costume 
castrense.  Resolvem  não  a  perturbar  até  o  amanhecer,  mas 
logo  que  o  sol  nasceu  dirigem-sc  armados  para  ela  40  homens 
dos  nossos.  Saem-lhes  ao  encontro  32.  apercebidos  de  arcos 
e  flechas  e  preparados  para  o  combate;  os  restantes  segui- 
ram-nos  armados  do  mesmo  modo.  Contam  que  ísscs  Ind!- 
genas  eram  mais  altos  que  germanos  ou  húngaros.  Fitavam 
os  nossos  com  olhar  tôrvo  e  de  ameaça.  Os  nossos  enlende- 
ram  que  não  deviam  servir-se  das  armas,  não  sei  se  por  médo 
se  para  evitar  que  £lcs  fugissem,  e  procuram  atrai-los  com 
blandícias  e  ofertas  de  presentes;  mas  files,  que  haviam 
deddldo  não  entrar  em  relaç&cs  com  os  nossos,  regcitavam 
qualquer  conversa,  preparados  sempre  para  a  luta:  limita- 
vam-se  a  observar  as  palavras  e  acenos.  Neslas  condiçóes  se 
retiraram  ambas  as  partes;  de  noite  porém  òles  fogem  inespe- 
radamente deixando  vazios  os  lugares  que  ocupavam.  Supõem 
que  são  um  povo  nómada,  como  os  Scvihas,  que  sem  morada 
certa  vai  com  mulheres  e  filhos  atrás  dos  frutos  da  Icrra. 
Garantem  com  juramento  os  que  mediram  as  pègádas  déles 
na  areia  que  igualam  quásl  o  duplo  da  do  nosso  homem 
médio. 

O  dia  da  chegada  ao  continente  vêm  diversamente  em  Trevisan  e  no  texto  latino,  mas  nós 
optamos  por  êste.  já  que  duas  vezes  verificámos  no  italiano  infiel  tradução  das  datas  romanas.  Pedro 
Ramirez  depôs  no  pleito  do  filho  de  Colombo  que,  pensando  não  encontrar  terra  antes  de  três  ou  quatro 
meses,  deram  com  ela  ao  cabo  de  14  dias  apenas  (**')•  Isto  está  de  acôrdo  com  as  edições  impressas 
do  reialo,  segundo  as  quais  o  traiecto  transatlântico  se  efectuou  entre  18  e  26  de  ]aneiro.  As  16  ulnas 


(  )  A  mesma  tempestade  cldónlca  descrita  é  suspeita,  pois  raramente  se  produzem  na  passagem  pelo  eqúador, 
quando  se  vém  de  Cabo  Verde  a  Bahia,  Os  marítimos  que  acompanharam  Pinzon  e  mais  tarde  depuseram  no  processo  de  Diego 

Colombo,  não  se  rek-rem  a  ela;  e  isto  demonstra  que  a  tormenta  nio  tol  extraordinária. 

V^)  Em  nota  ã  viagem  de  Pinzon.  na  tradução  francesa  da  Década  /. 

('")  Navarrete,  op.  dt..  lòmo  I,  pág.  255. 

("^  Op.  dt.,  pág,  e  t6mo  idem, 

("•>  Op.  dl.,  lômo  III,  pág.  16. 

('")  No  Apinóice  B. 

136 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


ou  brazãtas  achadas  na  sondagem  equivalem  a  28'"  pouco  mais  ou  menos  ('").  Com  èsic  dado  único  é 
impossível  identificar  o  local  do  ancoradouro,  porque,  embora  t\e  estivesse  à  vista  de  terra,  não  lhe 
conhecemos  o  afastamento.  A  água  turva  sugere  a  proximidade  dum  rio. 

Desembarcando  e  executada  a  cerimónia  da  posse  que  Harrisse  algures  imprópriamente  qualifica 
de  ridícula,  dcmoraram-se  dois  dias  sem  lopar  com  indígena  algum,  e  retomaram  o  mar  a  28  ou  29  do 
mès.  Mártir  diz-nos  que  não  foi  longe  do  ponto  da  primeira  aterragem  que  êles  depararam  com  índios 
armados  e  minazes,  por  conseguinte  a  dois  dias  de  velejo,  quando  muito.  A  derrota  linha  de  fazer  se 
com  cuidado  ao  longo  da  costa,  da  qual  permaneciam  ã  vista,  por  causa  de  possíveis  baixios  e  doutros 
perigos;  e  não  podiam  andar  de  noite,  visto  que  a  30  de  laneiro  foi  lua  nova  (""),  Como  os  crepús- 
culos são  curtos  em  baixa  latitude,  só  aproveitariam  10  horas  do  dia.  e  arbitrando  a  marcha  regular  de 
6  milhas  por  hora  ('").  calculámos  com  largueza  120  milhas  ^  30  léguas  entre  o  lugar  da  posse  e  aquele 
em  que  viram  os  primeiros  naturais  da  terra.  Êsle  nosso  cálculo  do  máximo  de  15  léguas  diurnas  é 
confirmado  depois  por  Mártir,  quando  diz  terem  percorrido  em  poucos  dias  SO  léguas,  que  se  reduzem 
de  facto  a  menos,  dado  o  exagéro  nas  distâncias. 

Deviam  ser  caribes  ou  canibais  estes  homens  gigantescos;  Humboldt  conta-nos  com  efeito 
que  são  de  altura  colossal  estes  índios  dos  quais  existem  ainda  diminutos  restos  nas  Guyanas,  mas  de 
que  não  consta  a  aparição  ao  sul  do  eqiiador.  Por  mais  avantajados  que  fôssem  de  estatura,  é  evidente 
o  exagêro  de  Pinzon,  dando  lhes  pés  de  dimensões  quásí  duplas  dos  déte;  era  uma  fábula  a  juntar  às 
que  já  tinha  impingido  a  Mártir.  O  encontro,  que  não  chegou  a  conflito  pela  prudência  dos  castelhanos, 
realizou  se  antes  de  2  de  Fevereiro,  e  no  mesmo  dia  teriam  èles  seguido  sua  róta. 


NavegAndo  mii»  idiante  acharam  um  rio  mas  nSo  de 
Unto  fundo  que  as  caravelas  al  pudessem  surgir,  pelo  que 
mandaram  a  terra  (juatro  barcas  do  navio  armadas  de  homens; 
chegados  os  quais  a  lerra  lhes  veio  ao  encontro  incontável 
número  de  gente  l6da  nua.  mostrando  desejo  do  seu  comércio. 
Os  espanhóis,  tilo  confiando  n.i  aproximaclo.  lanharam. lhes 
um  guizo,  e  des  em  troei  aliraram-lhcs  um  p<so  de  ouro.  Um 
espanhol  mais  ousado  que  os  outro»  quis  agarrar  aquele  p(so 
de  ouro,  mas  n  '  <i(^'nOo  de  se  curvar  para  o  chAo  foi 
cercado  de  uma  Mc  daquela  gcnlc  que  o  queria  prender, 

e  defendendo-s«  «le  com  a  espada  na  mao.  os  seus  compa* 
nheiros  saltaram  dos  barcos  a  ajuda-lo,  e  começou  tal  guerra, 
que  foram  mortos  oilo  espanhóis  e  os  outros  itvcr^m  fadigas 
em  rclirar-se  para  as  barcas.  Nem  lhes  valeu  estar  armados 
de  lanças,  porque  esta  gente,  por  muitos  monos  que  tivesse. 
nSo  parava  de  combater,  mas  sempre  mais  ardente  os  perse- 
guiu dentro  da  igua,  de  modo  que  por  fim  lhes  arrebatou 
das  m^os  uma  barca,  matando  o  pairJo,  Os  restantes  houve- 
ram por  bem  tugir  para  os  navios  nos  3  barcos,  fazer-se  de 
vela  e  partir  dali. 


Navegando  mais  além,  encontram  outro  rio.  mas  nio 
Iam  profundo  que  pudesse  ser  percorrido  pelas  caravelas. 
Mandam  por  isso  a  terra  para  recon''  io  quatro  escaleres 

carregados  de  homens  armados.  Avi  i  i.  sõbre  unta  colina 
que  se  elevava  prõxinu  do  litoral  grande  cópia  de  Indígenas. 
Os  nossos  convidam-nos  a  negociações  por  Intermédio  dum 
pelo  enviado  adiante-  Éles  esforçaram-sc  por  agarrar  algum 
dos  nossos  e  tevi-lo,  pois  na  verdade  lançam  dc  longe  ao 
nosso  uma  vara  dourada  de  um  covado  '  ísle  para  ot 

atrair  lhes  arremesslra  primeiro  um  ^tno  O  nosso 

indinando-se  quisesse  apanhar  a  vara  dourada  arremessada, 
os  !r>  '  '  'icpressa  que  o  diremos  cercam.no  para  o 

preií  le-se  déles  com  o  escudo  e  a  espada  com 

que  vinha  armado,  até  que  os  companheiros  lhe  trouxeram 
auxilio  dos  barcos.  Para  concluir  em  In  '  '  .  ras  (pois 
Iam  anslosamenie  mc  fazes  ver  que  le  :  irjtii  oito 

dos  nossos  com  selas  e  dardos  e  feriram  diversos.  Dentro  do 
rio.  cercam  os  boles,  vim  temcririamenie  às  mios  e  agarram 
da  margem  o  corpo  dos  escaleres:  slo  trucidados  1  lança  e  1 
espada  como  ovelhas,  porque  estavam  nus.  Nem  assim  te 
retiram.  Arrebatam  do  poder  dos  nossos  um  dos  barcos, 
porém  vazio  de  homens,  depois  de  trespassada  e  morto  com 
uma  scl3  o  seu  mestre;  os  outros  puderam  safar-se.  A-.,slm 
deixaram  aqueles  homens  belicosos. 


As  expressões  Navigando  piu  avanti  e  UUerius  adnavigantes,  que  traduzimos  Navegando  mais 
além.  são  vagas  de  mais  para  permitir  hipóteses  muito  plausíveis,  mas  julgamos  não  eslar  aquém  da 
verdade  computando  em  180  léguas,  percorridas  em  12  dias.  o  espado  compreendido  entre  o  segundo 
desembarque  e  o  rio  no  qual  se  travou  o  áspero  conflito.  Seria,  nesta  suposição,  de  210  léguas 

(■**)  Nlo  lemos  Indlcaçlo  do  valor  exacto  da  braça  de  Pinzon,  mas  supondo-a  fdénilca  1  medida  niuftca  que 
os  portugueses  usavam  Kob  é%\<c  nome  nos  fins  do  século  XVI,  ela  equivale  a  S  palmos  ou  I.in76  (Pimentel.  Artt  pntica  de 
nauegjr,  pag  4).  As  16  braças  igualam  enllo  3S,<ni6. 

{'")   Almanãch  Perpvtuum  de  Zucuto,  pig.  311  da  edi^Ao  de  J.  Bcnsaúde. 

('")  ...y  sepa  que  lo  í  /tij*  puede  correr  es  en  una  hora  quatro  Irgujs  y  en  una  hora  fres  léguas  es  grande 
torrer,  y  en  una  hora  dos  leçuas  es  razonatile  y  en  una  hora  légua  e  media  e  légua  por  hora.  (Pedro  de  Medina.  Arte  de 
Navegar.  IMS,  foi  XXXll  A  légu-  pV  '  ca  de  1500  era  de  4  milhas:  no  entanto  o  aulor  diz  a  foL  XXV:  tres  mlllas  hacen  una 
légua.  Marllr  diz  que  e&ta  era  a  ->  da  It^qua  terrestre  (Década  II.  livro  10^). 

Voyage  aux  rt->,'.vv..>  ..íitiinoMiales  da  Ni.uveau  ConUnent,  tòmo  X,  pig.  tl  a  13. 


137 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


a  distância  dèste  e  o  ponto  em  que  pela  primeira  vez  pisaram  o  solo  americano.  O  texto  latino  fala  em 
outro  rio,  fhtmen  atiud.  dando  a  entender  que  era  pelo  menos  o  segundo  encontrado,  e  é  bem  possível 
que  Pinzon  mencionasse  outros  ao  proionotário  apostólico,  que  só  se  referiu  ao  assinalado  pelo  combate. 
No  entanto,  o  silêncio  de  Mártir,  tirando  íôrça  ao  nosso  cálculo  de  distâncias,  implica  que  estes  vários 
rios  descobertos  por  Pinzon  nada  ofereceriam  de  notável,  quer  pela  grandeza  da  sua  embocadura,  quer 
pelo  número  de  ilhas  semeadas  nela,  quer  finalmente  pela  violência  do  seu  curso. 

O  combate  narrado  é  uma  das  maiores  singularidades  da  viagem.  Sempre  que  os  indígenas 
atónitos  presenciavam  o  desembarque  dos  europeus,  pisando  o  solo  virgem  da  invasão  daqueles  estranhos 
de  tez.  cabelo  e  rosto  diversos,  vestidos,  calçados  e  armados,  o  primeiro  impulso  dêles  era  a  fuga;  só 
depois  voltavam  e  vinham  a  mêdo  travar  relações  com  os  recém -chega dos.  Nas  Antilhas  teve  Colombo 
ocasião  de  o  verificar,  mesmo  por  parte  de  caritas,  ferozes  antropófagos  belicosos.  Ainda  se  admite  a 
atitude  defensiva  dos  selvagens,  desconfiados  dos  estrangeiros,  e  a  história  que  antes  conta  Pinzon  dos 
guerreiros  torvos  e  minazes,  dispostos  a  nenhum  comércio  com  os  castelhanos,  passa  sem  reparo.  Mas 
tal  não  aconteceu  com  a  emboscada  preparada  pelos  (ndios  contra  homens  com  os  quais  estavam  em 
contacto  pela  primeira  vez,  e  demais  com  o  chamariz  do  ouro  C"^}.  Era  necessário  que  êles  conhecessem 
de  antemão  a  atracção  cobiçosa  dos  invasores  pelo  precioso  metal,  e  Imaginassem  que  por  meio  dêle 
poderiam  enganar  e  prender  algum.  Ora  o  ouro  não  tinha  para  os  naturais  grande  valor  — são  conformes 
em  dizê-lo  os  que  com  êles  primeiro  trataram  ;  davam  todo  quanto  tinham,  que  não  era  multo,  por 
bugigangas  somenos,  ou  até  de  graça.  Se  a  narração  é  verdadeira,  outros  europeus  tinham  já  visitado 
aquela  região  antes  de  Pinzon,  à  cata  de  riquezas,  em  expedições  clandestinas. 

Mais  natural  é  que  o  capitão  alterasse  os  factos,  dando  aos  indígenas  a  culpa  do  encontro 
sangrento  em  vez  de  a  assumir;  os  selvagens  resistiram  e  desenvolveram  energia  combativa  porque  os 
espanhóis  queriam  reduzí-los  a  cativeiro.  Era  assim  que  estes  aventureiros  procediam  onde  quer  que 
aportavam:  foi  assim  que  mais  tarde  Pinzon,  à  falta  de  melhor  prèsa,  levou  consigo  36  índios  mansos 
de  Mariatambal. 


Dlrigiram-M  mal  contentes  pelo  norte,  pois  assim  se 
engolfa  jitiueU  cosia.  Andadas  40  léguas,  acharam  o  mar  de 
igua  doce,  e  invesllsando  donde  vlntia  esta  água,  acham  uma 
b&ca  que  sala  no  mar  15  léguas  com  grandíssimo  ímpeto, 
dianie  da  qual  no  mar  esLivam  muitas  ilhas  habitadas  de  gente 
humana  e  paclltca,  mas  nio  tinham  coisa  alguma  para  con- 
tratar. Levou  36  escravos,  pois  outra  coisa  nao  acharam,  para 
nSo  tomar  sem  ganho.  O  nome  desta  provinda  chamam 
Marinalambal.  Dizia  esta  gente  que  dentro  na  terra  firme  havia 
flrande  cópia  de  ouro.  Partidos  dHtt  rio.  em  poucos  dias 
descobriram  a  tramontana,  dal  a  SO  léguas-  Dizem  ter  sempre 
percorrido  a  cosia  da  terra  de  Pirla,  porque  depois  chegaram 
à  Mca  dita  do  Dragão,  que  está  na  Wka  de  Pária,  aonde  lol 
o  almirante. 


Dirigem-se  para  noroesle  pelo  mesmo  litoral,  tristes  por 
causa  dos  mortos.  Tinham  percorrido  cCrca  de  40  léguas 
quando  entram  num  mar  de  águas  tam  doces  que  foi  possível 
encher  ai  as  vasilhas  de  água  fresca.  Investigando  a  causa 
désic  fado,  descobrem  que  de  vastos  montes  desciam  com 
grande  iinpelo  rápidas  correntes  fluviais.  Dizem  que  dentro 
dèste  mar  há  muitas  ilhas  nSo  só  felizes  peta  feracidade  do 
solo  mas  também  muito  povoadas.  Contam  que  os  habitantes 
desta  região  s3o  mansos  e  sociáveis,  mas  pouco  ulcis  para 
os  nossos  porque  n3o  possuem  produtos  desejáveis,  a  saber 
ouro  e  pedrarias.  Levaram  por  isso  dai  36  cativos.  Os  indíge- 
nas chamam  à  regiào  Mariatambal;  porém  a  região  ao  oriente 
ctuma-se  Camomoro,  ao  ocidente  Paricora.  No  interior  destas 
icrras  davam  a  entender  os  naturais  que  havia  quantidade  de 
ouro  não  desprezível. 

Alcançando  em  linha  recta  o  norte  do  rio,  por  assim 
o  exigir  a  curvatura  da  costa,  recuperaram  o  pólo  árctico. 
Todo  íste  litoral  é  de  Pária,  a  qual  dissemos  que  Colombo, 
autor  de  tamanha  descoberta,  encontrou  ornada  de  pérolas. 
Dizem  que  esta  costa  é  contigua  e  dela  faiem  parie  a  bôca 
do  Dragáo,  de  que  noutro  lugar  falei,  e  outras  regiões  como 
Cumana,  Maracapana,  Curiana.  Cauchieto,  Cuchibachoa;  por 
causa  disto  julgam-nas  continente  da  índia  Gangética.  Nem 
esta  vasta  extensio  de  terra  parece  admitir  que  seja  uma  ilha. 
conquanto  a  terra  em  conjunto,  tomada  no  sentido  lato,  se 
possa  dizer  uma  ilha.  Caminhando  êles  em  território  continuo 
pura  o  ocidente  em  direcção  a  PAría  cèrcd  de  300  léguas, 
desde  a  ponta  de  terra  que  perde  o  pâlo  árctico,  dizem  que 
quási  a  meia  distância  foram  dar  a  um  rio  chamado  Mara- 
nhão, tam  tjrgo  que  o  suspeito  de  fabuloso,  fnterrcgados 


('•)   Esta  ludiciosa  observado  encontra-se  em  Zeferino  Cândido,  Brasil,  1900,  pág.  105. 

138 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


dfpois  por  mim  se  rra  um  bra^  áe  mar,  responderam  qut 
erjm  doces  as  águas  dfiste  p^o.  tanto  mais  doces  quanto 
mais  se  sobe  a  corrente,  e  é  semeado  de  iltiat  e  peines. 
Ousam  dizer  que  tem  mais  de  30  léyuas  de  largura,  e  desa- 
gua com  impetuoso  curso  no  mar  que  cede  ao  stu  furor. 
Porém  $e  considerarmos  quam  grandes  se  conta  ser  os  braçoã 
setentrional  c  meridional  do  Danúbio  e  a  quanta  distância 
violam  as  Aguas  do  mar  e  fornecem  bebida  doce  aos  nave- 
gantes, deixaremos  de  nos  admirar,  embora  conste  que  Hta 
rio  /  maior  íQuem  negará  .)  natureza  que  possa  <;  ''é 
rio  maior  que  aquele,  e  outro  ainda  maior  que  èsi-  .  jo 
ser  éste  o  rio  de  que  o  almirante  Colombo  tfii  mençio  quando 
percorreu  estas  paragens.  Noutra  ocasiSo  vrrrmos  lito  mala 
claramente,  agora  voltemos  aos  produtos  da  terra. 


Sobreleva  aos  demais  episódios  e  vale  pela  viagem  inteira  o  achado  do  rio  grande,  graças  ao 
qual  Pinzon  passou  injustamente  à  posteridade  como  descobridor  do  Brasil  em  1500.  A  éle  dá  o  têrmo 
das  capitulações  de  I50l  o  nome  de  5.  Maria  dei  mar  duke.  ausente  na  descrição. 

Trevisan  dtz-nos  apenas  que  o  rio  desembocava  com  grande  ímpeto  15  léguas  pelo  mar  dentro 
através  de  muitas  ilhas  habitadas  por  gente  pacífica,  chamando-se  Mahãtambal  esta  província  em  cujo 
interior  constava  existir  ouro  em  abundância. 

Mártir,  em  1511.  um  pouco  mais  explícito,  expõe  que  o  rio  constituído  por  vários  braços, 
decorria  de  vastos  montes  e  ao  nome  indígena  Mariatambal  junta  outros  dois  paralelos,  Camomoro 
c  Paricora. 

Finalmente  4  segunda  edição  de  1516  traz  uma  digressão  sõbre  o  enorme  Maragttomim  (em 
espanhol  Maranon),  com  mais  de  30  léguas  na  embocadura  e  cuja  posição  geográfica  nos  é  fornecida. 

Estas  sucessivas  adições  são  outras  tantas  revelações  que  nos  auxiliam  a  discriminar  a  verdade 
do  êrro  na  formação  da  lenda  amazónica.  e  se  completam  com  as  capitulações  de  1501  e  a  declaração 
testemunhal  de  Pinzon  em  1513.  Noutra  secção  especial  demonstraremos  que  este  capitão  castelhano  em 
1500  apenas  esteve  no  Orinoco. 

Do  rio  grande  até  Pária  não  nos  informam  coisa  alguma  as  relações,  e  apenas  dizem  que 
caminhadas  em  poucos  dias  umas  50  léguas  na  direcção  do  norte,  recuperaram  a  polar.  Isto  nos  há  de 
servir  para  provar  que  Pinzon  mentiu,  asseverando  ter  perdido  a  polar  e  cruzado  a  linha  equinocial. 

Notaremos  aqui  que  se  às  40  léguas,  compreendidas  entre  o  rio  grande  e  o  anterior,  juntarmos 
as  210  anteriormente  calculadas,  chegaremos  ao  total  de  250  léguas,  máximo  afastamento  arbitrável  entre 
o  início  do  percurso  costeiro  e  o  estuário  de  Mahtia  tubaro.  que  Mártir  crismou  de  Mariatambal. 


■Em  algumas  Ilhas,  cm  grande  número,  que  eslAo  adiante 
desi  rim  as  naus  de  brasil.  Achanim  algumas 

de»..  ludas  com  mMo  dos  canibais,  c  muitas 

casas  arruinadas.  Viram  lambam  alguns  homens  tugidos  pelos 

montei;  encr-   "res  dc  cassijfisfula  e  levaram 

muita  para  i    ,  ■  que  a  viram  dizem  que  sona 

perfeita  se  colhida  no  seu  tempo.  As  árvores  dali  sao  grandes 
que  seis  homens  nâo  as  podiam  abarcar.  Enire  estas  árvores 
deram  com  um  animal  monsiruoso  que  tem  o  corpo  e  locinho 
de  raposa,  o  rabo  e  as  patas  trazeiras  do  macaco,  as  diantei- 
ra» de  tiomem,  as  orelhas  dc  morcego,  e  lem  debaixo  do  ventre 
Outro  ventre  da  parle  de  fóra,  como  uma  bolsa,  onde  esconde 
seus  filhos  depois  dc  nascidos:  nem  mais  os  deixa  sair  alé 
que  s3o  grandes,  excepto  para  passeio  ou  para  os  amamentar. 
Êste  animal,  levado  de  Sevilha  a  Granada  ao  sereníssimo  rei, 
morreu  e  cu  o  vi  morto.  Tintia  também  nesla  bolsa  os  filhos, 
que  morreram  no  navio. 

Êste  VIcentianes  alirma  ter  navegado  pela  costa  de 
Pária  600  léguas  e  que  nko  duvidam  ser  terra  lírme,  antes  o 
lem  por  certo. 

Dal  vieram  i  litu  Hispaníola  em  23  de  junho,  donde 
díjcm  ler  depois  andado  400  léguas  pelo  poente  em  cena 
província,  na  qual  os  assaltou  uma  tormenta.  De  4  caravelas 
que  tinham  submergiram -se  duas.  outra  sc  sumiu,  partidas  as 


Encontraram  na  maior  parte  das  ilhas  dc  Pária  matas  de 

pau  vermelho,  e  trouxeram  díle  lr*s  mil  libras.  O  !ore* 

italianos  chamam-lhc  ucritno.  os  espanhóis  6rjsi.  '  que 

as  madeiras  vermelhas  da  Hispaniola  slo  multo  melhores  para 
dar  a  cdr  is  lAs.  Seguindo  depois  o  AquilSo.  que  os  mari- 
nheiros espanhóis  chamam  nordeste  e  os  italianos  grego, 
passaram  por  entre  muitas  ilhas  assol.idas  pela  ferocidade  dos 
canibais,  mas  férteis.  Com  efeito,  desembarcaram  í  ""  1:  'r«s 
lugares  e  encontraram  vestígios  dc  muitas  aldeias  d 
Viram  contudo  em  alguns  pontos  homens,  mas  tímidos  que 
lugiam  da  vista  dos  navios  estranhos  para  as  penhas  dos 
montes  e  para  os  bosques  cerrados,  e  que  nAo  tinham  doml- 
tílio  certo,  mas  andavam  errantes  por  causa  das  ciladas  dos 
canibais. 

Encontraram  árvores  grandíssimas  que  a  cada  p«SM  • 

por  sua  própri.i  natureia  produzem  cassi  '  '  o  vulgar- 
mente lhe  chamam.  Diz-se  que  esta  nái            1.  .1  que  os 

febricitantes  procuram  dos  farmacêuticos,  mas  nlo  eslava 
ainda  madura  quando  \k  estavam  em  marcha.  Prefiro  dar 
crédito  a  estes  c  outros  que  tais  coisas  referem  o  perscrutál-ot 
mais  laboriosamente.  Contam  que  há  al  árvores  Iam  gigantes- 
cas que  muitas  delas  nlo  podem  ser  abraçadas  por  um  cordáo 
de  16  homens  unidos  pelas  máos. 

Entre  estas  árvores  foi  encontrado  aquele  animal  mons- 


139 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


IncoriB  e  J  quarta  pormanorcn  '  mas  com  lanlo  trabalho 
que  ti  tinham  perdido  tòda  a  i  .  i  de  salvação. 

Tendo  desembarcado  em  terra,  haviam  [i  começado  a 
pensar  em  viver  ali.  ■      ■  <.■  que  a  geme  do  lugar, 

pedindo  o  auxílio  doí  v  -  sse  eatcrminar.  toma- 

ram a  deliberaçlo  de  os  maf.u  primeiro,  e  |i  tinham  prind- 
plado  a  lazC-lo,  quando,  ao  cabo  de  oiro  dias,  se  féz  a  bonança, 
o  navio  perdido  tomou  com  18  homens,  e  com  èsle  e  com 
o  que  estava  salvo  no  surgidouro,  fizeram  vela  e  tornaram  a 
itiis  casas,  no  úlNmo  dia  de  setembro. 

Vieram  depois  muitos  outros  que  navegaram  pelo  meio 
dia.  máS  todos  peia  costa  da  terra  de  Pária,  que  trouxeram 
canafistula  melhor  que  a  de  Vicentlanes. 


tnioso  dc  locinho  de  raposa,  cauda  de  ccrcopiléco,  orelhas  de 
morcego,  mSos  de  homem,  imitando  nos  pés  o  macaco,  que 
transporia  03  filhos  \á  nascidos,  para  onde  quer  que  vi,  num 
úlero  exterior  á  maneira  de  uma  grande  bõlsa.  Éste  animal, 
embora  morto,  tu  mesmo  o  viste  comigo  e  o  manuseaste  e 
admiraste  aquela  bolsa,  novo  útero,  novo  remédio  da  natureza, 
com  que  livra  dos  caçadores  ou  dos  outros  animais  violemos 
e  vorazes  os  filhos,  transportando-os  consigo.  Dizem  ter  sido 
descoberto  peta  experiência  que  o  animal  leva  sempre  consigo 
os  filhos  nesta  bòlsa  e  nunca  os  deixa  sair  sonão  para  brincar 
ou  para  os  amamentar  até  éles  aprenderem  a  buscar  por  si  o 
sustento.  Como  tivessem  agarrado  com  os  filhos  o  próprio 
animal,  os  cachorros  morreram  pouco  depois  nos  navios,  mas 
a  mSe  sobrem veu- lhes  alguns  meses;  por  fim  ela  também  não 
pôde  suportar  tam  grande  mudança  de  clima  e  alimcntjçSo. 
Désie  animal  já  díssémos  bastante;  voltemos  aos  autores  do 
descobrimento. 

Estes  dois  Pinzons,  tio  c  sobrinho,  padeceram  durante 
esla  navegaçlo  coisas  horríveis.  Tinham  percorrido  já  600 
léguas  pt-lo  litoral  de  Pária  e  segundo  pensam  passado  além 
da  cidade  dc  Calhay  e  da  costa  da  índia  além  do  Ganges, 
quando  nestas  paragens  se  lhes  desencadeou  cm  ]ulho  uma 
tempestade  tam  violenta  que  submergiu  a  seus  olhos  duas 
das  quatro  caravelas  que  levavam,  Imcdialamcnte  desancorou 
e  féz  desaparecer  a  terceira,  e  sacudiu  por  tal  tórma  a  quarta 
ancorada  que  já  se  eslava  despedaçando  a  carcassa.  Em  con- 
sequência desembarcaram  do  navio,  perdida  a  esperança  de 
o  salvar.  Reunidos  por  isso  em'  conselho,  cogitavam  nSo  só 
em  preparar  domicilio  nestas  regiões,  mas  também  em  malar 
todos  os  habitantes,  com  receio  de  que  estes,  convidados  os 
vizinhos,  conviessem  em  trucidá-los.  Mas  sucedeu  melhor. 
Cessou  a  tempestade,  tornou  a  caravela  que  ela  arrebatára, 
na  qual  vinham  dezoito  liomens,  c  foi  concertada  a  que  linha 
ficado  ã  vista.  Nestas  duas  naus  tomam  o  caminho  de  Espa- 
nha, e  no  dia  antes  d.is  calendas  de  outubro  voltaram  a  Patos 
a  suas  mulheres  e  fi!h05,  sacudidos  pelas  vagas  e  tendo  per- 
dido aio  poucos  amigos. 

Éles  trouxeram  muitos  pedaços  de  árvores  que  cuidaram 
ser  de  canela  e  gengibre,  mas  inúteis  porque  náo  estavam 
preparados,  desculpando-se  dc  nâo  trazerem  mais  nada  de 
precioso.  Contudo  o  teu  Luis  Dapllsta,  tilósolo  exímio  c  médico 
não  interior,  diz  ter  visto  nas  máos  détes  pedras  que  trouxe- 
ram apanhadas  naqueles  htorais  marítimos,  as  quais  afirma 
serem  verdadeiros  topázios;  a  mim  e  a  tí,  se  me  náo  engano, 
o  narrou. 

Depois  disto,  também  outros,  levados  pela  cmutaçáo  de 
vizinhos,  percorreram  longuíssimas  extensões  para  o  sul.  mas 
utilizando-sc  de  descobrimentos  alheios  e  dos  vestígios  do 
almirante  Colombo  pda  costa  da  Pária.  Também  estes  acha- 
ram canaffstula  e  aquele  remédio  precioso  para  tirar  com  seu 
fumo  a  dor  de  cabeça,  a  que  os  espanhóis  chamam  animae 
álbum. 


O  animal  que  Mailir  capitula  de  monstruoso  é  o  opossum  americano  fChironectes  uariegatus). 
a  cuja  família  pertence  o  gambá  brasileiro.  O  remédio  animae  álbum  ou  ãnime  blanco.  é  uma  espécie 
de  incenso. 

Do  texto  latino  se  depreende  que  Pinzon  iulgava  ter  ultrapassado  o  fabuloso  Cathay  e  o 
Ganges  quando  lhe  sobreveio  a  tormenta  a  que  nâo  resistiram  duas  das  caravelas;  o  naufrágio  ter-se-ia 
realizado,  pois,  nas  costas  da  terra  firme.  Isto  está  em  desacôrdo  com  o  próprio  texto  onde  Mártir  nos 
diz  que  o  navegador  parliu  de  Pária  com  o  rumo  de  nordeste  e  se  encontrou  com  ilhas  despovoadas, 
mas  é  possível  que  êle  localizasse  Cathav  em  Cuba.  que  ao  tempo  geralmente  nSo  constava  fôsse  ilha. 
Em  Trevisan,  pouco  claro,  o  naufrágio  sucedeu  ao  poenie  da  Hispaniola,  mas  do  depoimento  de  Anton 
140 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ÁLVARES  CABRAL 


Fernandez  Colmencro  companheiro  de  Pinzon  em  ISOO,  sabemos  que  £Ie  foi  nos  ojos  de  lã  õaburcã. 
baixios  que  o  mapa  de  Diogo  Ribeiro  (1529)  fixa  a  noroeste  da  Hispaniola. 

A  excursão  pelas  Antilhas  é  contada  por  duas  testemunhas  chamadas  à  barra  no  processo  de 
Colombo,  António  Fernandez  Colmcncro  e  Pedro  Ramirez  ("').  das  poucas  que  iuntamcnte  com  os  dois 
sobrinhos  de  Pinzon.  Diego  Fernandez  Colmenero  e  Arias  Pinzon,  parecem  ter  ido  na  viagem  de  1500. 

Conta-nos  a  primeira  que  de  Pária  foram  os  expedicionários  à  Hispaniola,  que  se  dice  lã 
Isãbetã.  e  que  Vicente  Vaf^ez  se  partiu  de  la  ísãbeUi  (ia  uma  ilha?)  que  se  dice  Jumeto  y  ã  los  oios 
de  lã  Daburcã.  onde  perderam  dois  navios  em  baixios.  A  segunda  diz  nos  que  saíram  da  Bocã  dei  Drago 
(Pária)  fueron  a  una  isla  que  hallaron.  corríendo  a  nordeste,  a  la  qual  pusieron  nombre  isla  de  Mayo  ('") 
e  de  ali  partiram  para  Guadalupe,  que  es  en  las  once  mil  virgines.  seguindo  para  S.  Juan  (Porlo  Rico) 
c  a  Isabela  (haílí.  Santo  Domingo,  Hispaniola).  A  viagem  prosseguiu  depois  por  outras  ilhas  Samana, 
Someto  (a  ]umeto  de  Anton  Colmenero).  e  Maguãna:  mas  a  testemunha  omitiu  estranhamente  o  naufrágio. 

Trevisan  anuncia-nos  que  nesta  parte  da  excursão,  entre  Hispaniola  e  o  naufrágio,  andaram 
400  léguas,  o  que  mostra  as  fabulosas  avaliações  de  distâncias  feitas  por  Pinzon.  Nem  metade  comportava 
uma  estimativa  regular,  por  sinuosa  que  fòsse  a  marcha  dos  navios! 


\0  é  geralmente  objecto  de  reparo  desconfiado  que  Pinzon  pretendesse  ler  cruzado  o  equador   pinzon  cm 
em  1500  e  vogado  em  mares  austrais,  e  menos  ainda  a  quem  tem  presente  que  os  portu-  ^TMvraíou 
gueses  desde  I47I  o  praticavam  cem  frequência.  É  necessário  porém  nâo  esquecer  que,  aeoUihocial 
modesto  embora  p^ra  os  seus  rivais,  o  feito  avultava  grandemente  aos  olhos  dos  espanhóis, 
confinados  ao  hemisfério  setentrional  nas  suas  mais  audázes  excursões  marítimas  do  século 
XV,  e  ainda  duvidosos  das  condições  de  vida  na  parle  central  da  zona  tórrida.  Compreende-se  pois  que 
Las  Casas  c  o  seu  plagiário  Herrera  tenham  reivindicado  para  Pinzon  a  glória  de  ter  sido  o  primeiro 
espanhol  a  atravessar  a  linha,  ínscrevendo  o  no  seu  activo  ao  lado  de  outras  de  maior  tõmo. 

Infelizmente  a  critica  moderna,  mais  exigente  que  os  antigos  cronistas  crédulos,  nâo  deposita 
a  mesma  fé  nas  palavras  do  ambicioso  capitão  e  despoja  o  dos  louros  usurpados.  Com  efeito,  não  é 
difícil  mostrar,  à  face  das  suas  próprias  afirmações,  que  a  apregoada  passagem  da  equinocial  é  uma 
fábula,  a  competir  com  as  maravilhas  que  a  acompanharam,  tais  como  o  negrume  no  horizonte  e  a 
protuberância  encobrindo  o  pólo  antárctico.  Nâo  é  a  primeira  vez  que  a  demonstração  se  tenta.  Em  1900 
o  Dr.  Zeferino  Candide,  com  o  concurso  do  oficial  de  marinha  brasileiro  Albuquerque  Lima,  fôz  ver  a 
inconsistência  da  lendária  versão  ("0:  mas  a  prova  resultou  insuficiente,  principalmente  porque  o 
publicista  se  va  eu  do  relato  de  Herrera,  e  ésie  transcreve  de  Las  Casas  uma  distância  visívelmenie 
errada.  Por  nossa  parte  socorrer-nos  hemos  do  de  Mártir  cuja  autoridade  resulta  de  ler  sido  escrito 
sôbrc  informes  do  próprio  Pinzon.  baseando  nossos  argumentos  nas  condições  em  que  éle  alega  ler 
perdido  primeiro,  e  depois  recuperado  a  polar. 

Conta-nos  o  sacerdote  milanês  que,  partindo  de  Santiago  de  Cabo  Verde,  navegaram  os 
expedicionários  300  léguas  no  rumo  de  sudoeste,  perdendo  então  a  tramontana.  Acto  contínuo,  assallou-os 


('**>   Apt  ndiCt-  P.  resposta  à  7-«  prcgunta  do  tiSfal. 

("*)   Esta  illu  aparece  no  luijâr  indicatlo  no  pUnisfério  dc  La  Cosa  c  no  porlulano  de  Cgcrlon,  mas  nao  fifiura 

nos  demais. 

(lU)  op.  dl-,  de  pig.  100  cm  diante. 

Ml 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  5RASIL 


furiosa  tempestade  a  que  resistiram,  andando  em  seguida  mais  240  léguas,  no  mesmo  rumo  e  com  grandes 
cautelas,  ?o  térmo  das  quais  atracaram  ao  continente  americano,  lendo  gasto  na  travessia  13  dias  ou 
14  incomplelos.  Examinemos  estes  dados. 

Em  1500,  a  distância  do  pólo  à  estrela  do  norte  era  3o25',  e  a  refracção  horizontal,  então 
como  hoje,  excedia  25  ('*").  Temos  pois  a  certeza  absoluta  de  que  o  astro  só  começava  a  sumir  se  em 
latitude  boreal  inferior  a  3°,  desaparecendo  totalmente  por  latitudes  austrais  superiores  a  3»  50.  Entre 
as  duas  posições,  separadas  pelo  dobro  da  distância  polar  da  estrêla,  esta  só  era  visível  em  certas  con- 
dições de  hora.  Por  outro  lado.  a  légua  náutica  usada  pelos  espanhóis  tinha  quatro  milhas  romanas  de 
1480  metros  cada  uma  ('");  nós  tomaremos  a  conta  redonda  de  1500  metros  a  milha,  e  de  6  quilóme- 
tros a  légua,  cabendo  pois  ao  grau  eqíiatorial  18,5  léguas. 

Isto  posto,  um  cálculo  simples  mostra  que.  caminhando  300  léguas  no  rumo  do  sudoeste,  a 
partir  da  pequena  ilha  de  Santiago,  cuja  latitude  média  é  de  15°  boreais,  se  chega  apenas  a  3o]9  no 
mesmo  hemisfério  Nesta  situação  a  polar  abeirava-se  do  horizonte  na  culminação  inferior  e  na  su- 
perior pouco  excedia  6o44  ;  estava  sempre  visível  e  os  pilotos  se  fartaram  de  a  contemplar.  Para  que 
ela  não  assomasse  sòbre  as  águas  do  oceano  tornava-se  mister  a  Pinzon  vencer  18*>50  de  diferença  na 
laiiludi>;  ora  iá  mesmo  admitindo  uma  róta  francamente  apontada  ao  sul,  o  percurso  correspondente 
tinha  de  ser  superior  a  340  léguas.  Como  porém  Mártir  claramente  indica  o  rumo  de  sudoeste,  é  forçoso 
que  o  trajecto  fôsse  de  480;  mas  então  já  êle  devia  ter  avistado  a  América,  pois  sua  distância  a  Santiago, 
na  direcção  apontada,  orça  por  esse  número  de  léguas. 

Désie  primeiro  exame  se  apura  assim  que  a  distância  de  300  léguas  é  errónea,  e  nasce  a 
suspeita  de  que  o  capitão  espanhol  não  perdeu  realmente  a  polar;  contudo,  antes  de  tornar  definitiva  a 
conclusão,  cumpre  atender  as  objecções  seguintes  que  se  lhe  podem  levantar: 

1.  <   Na  estimativa  da  derrota  os  pilotos  pecaram  por  defeito,  encurtando  o  espaço  andado. 

2.  «  As  correntes  marítimas,  de  que  êles  não  tinham  consciência,  arrastaram  as  caravelas, 
obrigando-os  a  trajectos  maiores  que  os  estimados. 

3.  "  A  estrêla  do  norte,  conquanto  de  dia  superasse  o  horizonte,  não  era  visível  de  noite. 

4.  '  O  rumo  teria  sido  o  susudoeste,  e  não  sudoeste. 

A  primeira  dúvida  não  colhe;  os  navegadores  castelhanos,  em  vez  de  os  diminuir,  invariável- 
menle  alongavam  seus  trajectos.  ]á  tivemos  ocasião  de  mencionar  Rodrigo  Bastidas  que,  com  prodigioso 
CKagèro,  se  gabava  de  ter  custeado  3000  léguas  na  sua  viagem,  mas  a  cada  passo  deparamos  com 
,ões  similares,  embora  em  menor  escala,  nos  primeiros  anos  do  brilhante  período  espanhol.  O 
qlu^^^íio  Enciso  explica-nos  em  1519  a  razão  desta  prática  constantemente  seguida  na  navegação  cor- 
rente ('-'),  Podemos  pois  estar  suficientemente  seguros  de  que  Pinzon,  acusando  300  léguas,  na  reali- 
dade não  andou  maior  distância. 

A  segunda  objecção  reside  na  existência  de  correntes  que  sulcam  o  Atlântico  nas  paragens 
atravessadas  por  Pinzon.  Sabe-se  efectivamente  que  entre  o  arquipélago  de  Cabo  Verde  e  o  nordeste 


ar     .  (n    i  n     Em  1500  as  coordenadas  asironómicas  da  polar  (a  Ursae  mtnoris)  eram  :  ascencão  recta  =  3<>, 76,  declinação  = 
Sft-       II.1UI  Ncugcbauer.  Sfrrnt.ifeln  i-on  400  i>or  Ctir.  bis  zur  Oesenw^trl,  I9I2J.  A  retracção  colige-se  das  tábuas  empíricas 
indcr  (Chauveiiet,  Sphcnc3i  and  practic.U  astronomy.  tòmo  I.  pjg.  132).  Em  1S19,  linciso,  na  Sumã  de  geographia, 
u...       ,í.  par  polar  da  estrêla  do  none.  copiando  do  Regimento  do  estrolabio  e  do  quadrante. 

I  i,  Toscanelli  and  ColumOus,  pág.  200. 

K  )  .  ii  "idice  D  sào  concisamente  apontados  os  elementos  com  que  loram  leitos  èste  cálculo  e  09  subse- 
quentes desta  lecçào-  As  rotas  de  rumo  constante  sao  loxodromicas.  curvas  Transcendentes  peta  primeira  vez  consideradas 
peto  m«gne  matemático  portuguís  Pedro  Nunes  (Tr.uado  em  defensam  da  carta  de  marear,  1537);  todavia  eoúiparamol-as  a 
arcos  de  circulo  máximo  pelas  razões  expostas  no  apéndice. 

 V  **  buena  cuenta  a  los  que  tienen  conocimiento  de  la  nao  en  que  van  lo  que  suele  andar  por  tiora 

porque  arbitran  lo  que  puede  andar.  Pero  como  es  arbi-rarie  la  cuenta  es  incierla.  E  para  scguridad  dei  erro  hechan  antes 
mas  lesuas  que  menos,  porque  se  hagan  con  la  lierra  ames  que  lleguem  a  ella.  E  hatíendose  com  ella  vayan  sobreaviso  e 
«IL^  noches,  porque  no  den  cn  ella  sin  la  ver  primcro  e  conoàcer  a  do  van  a  dar.  E  com  esle  resguardo  se  rigen  los 
íni  -íl?  assi  van  por  esta  cuenta  cierlos  de  no  cstropezar.  V  este  es  ie  dereche  navegacton  (òuma  de  geographia. 

i5«..«  portugueses  geralmente  procediam  como  os  castelhanos  e  aumentavam  na  carreira  da  índia  o  número  de 

iSUMm%.«,«  '  "  ^°  '""s"'-""  '"'^o  grandes  serviços,  como  e^pôc  a  D.  ]oào  III  o  duque  de  Bragança,  mas 
«I?,™  JL  ,^     ./"v*  """"^  '^^  ^^^"'■"^e  proveito  acharem-se  muito  mais  adiante  do  que  se  lazem,  por 

nJ,í  Z.  ''""'■'"'^f  "  "'•«i-  porque  se  acertam  de  fiçar  a  jutavento  dos  cal)os.  perde-se  a  uiãgem  dague/le  anno  pola 
?no  Mexo  ity.  Bensaude.  Les  Legendes  allemandes  sur  I  hisloire  des  découuerles  maritimes  portugaises.  Oénève. 


142 


143 


'i 

HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


do  Brasil  corre  continuamente  um  circuito  pelágico  que  parle  daquelas  ilhas  no  sentido  aproximado  do 
sudoeste  até  10<>  de  latitude  norte,  começando  depois  a  rodar  para  oeste  e  tomando  sensivelmente  esta 
orientação  a  partir  de  5";  no  equador  êle  prossegue  no  mesmo  rumo  ocidental  até  perlo  de  100  quiló- 
metros do  conlinenlc  e  depois  encurva  se  para  o  noroeste,  acompanhando  a  costa.  Sua  velocidade  média 
atinge  20,5  milhas  náuticas  inglesas  em  24  horas,  mas  até  o  equador  nunca  excede  10,5  (' 


corram»*  mirttlmaa  na  rcgflo  cqOBlorlal  do  AiIJinilco.  durante  íanrlro.  (E«lracto  da  caria  n.'  NSI  do  Almiranlado  BrtUfitce). 
O»  ndmaro*  indicam  «tn  inllhaa  InsKaa»  a  valocldad*  fntdia  dllria  da»  correntes. 

Aqui  nos  falece  um  elemento  essencial  para  avaliar  com  segurança  a  velocidade  média  das 
caravelas  espanholas,  e  vém  a  ser  a  extensão  total  do  percurso  transatlântico  de  Pmzon.  pois  nenhuma 
confiança  deposiramos  nas  540  léguas  indicadas  e  apenas  sabemos  do  tempo  gasto.  Contudo  estaremos 
aquém  da  verdade  supondo  Iam  somente  para  os  efeitos  do  presente  raciocínio,  que  o  trajecto  foi  o 
menor  dos  imagináveis  entre  Santiago  e  o  Brasil,  porquanto  desfarte  arbitramos  no  mínimo  a  velocidade 
média  das  caravelas  durante  os  14  dias.  e  avulta  em  percentagem  mais  elevaJa  o  efeito  da  corrente. 
Este  trajecto  mínnno,  que  liga  a  ilha  portuguesa  sensivelmente  ao  cabo  de  S.  Roque,  anda  por  1740 
milhas,  o  que  nos  conduz  à  cifra  de  124  milhas  por  dia;  por  outro  lado.  a  corrente  avançava  no  mesmo 


O")  Veía-ic  a  caria  29S1  do  Altniranlado  Britânico  Monthiy  carrent  charts-MUntic  Ocean-January  and  February. 

144 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


intervalo  perto  de  13  milhas  náuticas  espanholas  que,  deduzidas  das  124  de  velocidade  global,  delxain 
111  para  a  proveniente  da  impulsão  do  vento.  A  percentagem  aceleradora  da  corrente  nÍo  excede 
portanto  11.7;  e  enlâo,  admitindo  a  exactidão  da  estimativa  dos  pilotos,  concluímos  que  as  300  léguas 
acusadas  devem  ser  acrescentadas  de  3S.  sendo  de  333  a  distância  vencida  desde  Santiago  até  a  preiep' 
dida  perda  da  polar. 

Ora,  navegando  no  rumo  de  sudoeste  éste  número  de  léguas,  chega  se  à  latitude  boreal  de 
10  56  ,  na  qual  a  polar  a  20  de  ]aneiro  de  1500  era  perfeitamente  visivel  durante  umas  5  horas,  sendo 
aproximadamente  de  4°  a  sua  altura  ao  anoitecer  ('")•  ^te  resultado  é  tanto  mais  seguro  quanto  para 
èle  conlnbuiram  quatro  hipóteses  que  o  desfavorecem:  o  efeito  máximo  da  corrente,  o  trajecto  mínimo, 
a  exactidão  da  estimativa,  e  por  fim  o  desprézo  da  inflexão  da  derrota  que  traria  consigo  a  elevação 
da  latitude  do  ponto  terminal. 

Afastadas  por  êste  teor  as  duas  objecções  referentes  às  distâncias,  passemos  à  terceira,  deri- 
vada da  ocultação  parcial  da  tramontana.  Na  travessia  do  oceano  há  que  considerar  dois  períodos 
distintos,  o  que  precede  a  perda  da  polar,  no  qual  andaram  300  léguas,  e  o  segundo  depois  dèste 
acontecimento,  no  qual  percorreram  240  com  menor  rapidez,  porque  com  mais  resguardo,  Dividindo  o 
intervalo  de  14  dias  incompletos  em  partes  proporcionais  àqueles  números  vé-se  que  a  invisibilidade  da 
estréla  ocorreu  no  dia  20  de  Janeiro  ou  no  subsequente.  Na  proximidade  do  eqíJador  os  dias  diferem 
pouco  das  noites,  e,  como  o  crepúsculo  é  breve,  às  7  horas  da  tarde  brilham  nitidamente  os  astros  no 
firmamento.  Mostra-se  que  a  esta  hora  de  20  de  ]aneiro  de  1500,  para  tôdas  as  longitudes  entre  a  de 
Santiago  e  a  ilha  da  Trindade,  a  estrela  polar  só  desaparecia  em  latitudes  austrais  superiores  a  2^27'; 
ora  o  iraieclo  andado  pelo  sudoeste  até  esta  latitude  orça  por  435  léguas,  Como  se  vé,  estamos  bem 
longe  das  335  em  que  com  segurança  calculámos  o  percurso,  atendendo  à  intervenção  do  circuito  pelágico. 

A  última  oblecçáo  que  nos  resta  apreciar  por  igual  se  revela  destituída  de  valor.  Que  os 
rumos  de  Pinzon  não  eram  exactos,  temo-lo  por  certo,  quando  mais  nâo  fòsse  por  causa  da  declinação 
magnética  que  desvia  a  bússola  da  direcção  do  meridiano  geográfico.  Talvez  os  pilotos  soubessem  que 
a  agulha  noroesteava  ou  nordesteava,  mas  ignoravam  de  quanto,  cingiam-se  aos  rumos  aparentes  sem 
cuidar  de  os  corrigir.  A  róta  que  Pinzon  asseverava  ter  sido  sempre  pelo  sudoeste  não  seguiu  portanto 
èste  rumo  talvez  em  parte  alguma. 

Sabe  se  pouco  das  linhas  isogónicas  ou  de  igual  declinação  em  1500.  a-pesar-de  haver  cartas 
magnéticas  da  época  construídas  séculos  depois;  mas  das  observações  de  Colombo  parece  deduzir  se 
que  a  linha  agónica  ou  de  declinação  nula  passava  um  pouco  a  oeste  dos  Açôres  e  dirigia  se  de  N.  E. 
para  S.  O.  tocando  na  ilha  Margarita,  ao  norte  de  Venezuela.  Se  assim  era,  a  agulha  nordesteava 
ao  longo  da  costa  que  desce  da  ilha  até  o  cabo  de  S.  Agostinho;  e  o  sudoeste  aparente  de  Pinzon  deve 
subsiituír  se  por  um  rumo  que  se  aproxima  mais  de  oeste,  talvez  sudoesie-quarta  de  oeste.  O  desvio  da 
trajectória  devido  à  falsa  orientação  trá-lo-ia,  acima  do  Ceará,  onde  deveria  aportar  se  tivesse  sempre 
seguido  pelo  sudoeste. 

Uma  das  testemunhas  no  processo  de  Diego  Colombo,  Anton  Hernandez  Colmenero,  que  com 
certeza  esteve  às  ordens  de  Pinzon  em  1500,  narra  que  fueron  ía  via  dei  surueste  entremedias  dei  sur, 
o  que  indica  o  susudoeste  ou  rumo  muito  próximo;  outra  testemunha,  Pedro  Ramirez,  que  provávelmenie 


(■u)  D>-v<~n^'-'^  ao  sr  Frederico  Oom,  Ilustre  direaor  do  Observatório  AKrondmico  da  Tapada,  em  Lisboa,  o  cálculo 
das  coordenadas  n  do  Sol  em  20  de  Janeiro  de  ISOO,  que  a  meia  noiíe  do  mcridUno  de  Greenwich  eram  as  sesufn- 

les:  ascensão  recra  .  declinação  17o.  86;  vahac:io  hoidria  d;i  ascencJko  recta  10o,6. 

O  Alni.'"-i:  l  i  rprtuum  de  Zaculo  ínlorm.!  que  o  So),  i  tiora  indicada,  eslava  em  9oS9'29  do  tigno  do  Aquirlo, 
o  que  di  para  a  j-.i.<'iii,.io  recla  3t2o,46,  tomando  para  Inclinação  da  ecifpllca  e  para  a  conttanic  de  precessAo  oi  númeroi 
adoptados  pelo  astrónomo  ludcu. 

Humboldt.  Examen  critique,  tbmo  III.  pág.  29.  }olo  de  Lisboa,  celebre  plldto  português,  é  de  parecer  diverso 
no  Trãtado  de  agulha  de  m-trear,  concluído  em  IS  14,  onde  lemos  o  seguinte,  estropiado  pelo  copista:  *As  de  saber  que  este 
mnvdiaito  fero  homde  as  agulhas  verdadeiramente  faiem  o  pollo  do  mundo  artiquo  demde  s  Ilha  de  samf.i  mana  a  pomtã 
da  llhê  de  Si  miguei  que  si  na  (Sj  llfij  (Sj  dos  açores  e  devtde  a  etpera  f  3  parles  ygoae»  e  pata  amtre  as  ylhas  do  cabo 
verde  por  ama  aa  Ilha  de  SS  Vicéte  e  asy  pjsa  amtre  o  cabo  de  boa  esperança  e  o  cabo  friol  >  mertdiano  achei 

sempre  as  agulhas  fixas  no  pollo  do  mudo:  e  como  delle  me  saya  lln<jo  as  agulhas  fatiam  í<  e  por  que  nuqua 

fuy.  em  p.irle  que  ichjsse  conhecmcnto  doutro  meredlano  nã  laço  > '  i  senJ  deste. . .  (Livro      A\jniihafla.  Lisboa.  1903, 

edição  de  [irlio  Rebelo,  pág.  2J).  A  decllndçlo  nula  das  agulhas  :  res  era  há  mullo  conhecida  dos  porluqueses.  dos 

quais  a  nalurjlmentc  Colombo;  parece  porém  que  ]o3o  de  Litboj  imaginava  que  o  meridiano  magnético  colnddla  com 

o  geográhco,  talsa  ideU  vulgarizada  e  da  qual  lambiam  partilhava  o  almirante  genovês.  O  pllôto  porttií^ii^i  em  1M4  \\  llnhã 
corrido  as  carreiras  da  fndia  c  do  Brasil.  Como  í'!c  diz  que  as  agulhas  ftorf  do  meridiano  r  tait 
conhecimento  pêra  ho  norde%te  tanto  quanto  uos  delia  affastaes,  sugumdo  do  merediano  para  o  0<  ■  nento 
para  o  norae'iie,  segue  se  que  £le  devia  ter  visto  J  bússola  noroestar  nas  cosias  do  Brasil,  o  que  se  nio  conuiu  com  a 
conduslo  de  Humbotdl. 


19 


145 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


acompanhou  o  navegâdor  na  mesma  viagem,  dá  a  mesma  indicação  ("O-  ^te  rumo  do  início  da  travessia 
discorda  do  registado  por  Mártir  mas  os  marinheiros  não  conservariam  em  1513  muito  viva  a  memória 
dèste  pormenor  de  Ireze  anos  antes.  Os  depoimentos  das  Probanzas  exibem  a  cada  passo  enganos  dêste 
jaez.  Pôde  suceder,  no  entanto,  que  éles  falassem  verdade  e  o  escritor,  como  fôsse  leigo  em  náutica,  nâo 
nos  transmitisse  fielmente  as  palavras  ouvidas,  desprezando  uma  ou  duas  quartas  na  rosa  dos  ventos. 
Veiamos  quais  as  consequências  de  se  admitir  a  direcção  SSO  até  à  ocultação  da  polar. 

Um  percurso  de  300  l^uas  com  êsle  rumo  (razia  os  expedicionários  à  baixa  latitude  austral 
duns  O03  ,  na  qual  a  tramontana  era  bem  visível  às  7  hor£s  da  tarde  de  20  de  laneiro  de  1500,  pois  já 
vimos  que  nestas  condições  ela  só  se  sumia  por  2027''  austrais;  mas  há  que  contar  com  o  eleito  adju- 
vante da  corrente  oceânica.  Como  o  seu  curso  desde  o  princípio  da  derrota  faz  ângulo  com  esta.  e  depois 
se  acentua  mais  a  obliqiiidade,  deve-se  diminuir  a  percentagem  aceleradora  que  anteriormente  compu- 
tamos com  acentuado  favor  em  11,7  e  agora,  por  considerações  enfadonhas  de  enunciar,  reduzimos  a  8. 
As  324  léguas  resultantes  do  aumento  conduziam  a  loi5'  S.  onde  a  polar  ainda  estava  acima  do 
horizonte  na  data  e  hora  indicadas,  com  a  altura  aparente  de  \'>Í2'. 

Não  se  realizou,  pois,  a  ocultação  da  estrela,  embora  ela  se  abeirasse  do  horizonte,  e  acresce 
ainda  uma  circunstância  inexplicável:  é  que  Mártir  se  engana  segunda  vez.  quando  diz  que  depois  de 
desaparecida  a  tramontana  persistiram  no  mesmo  rumo  de  sudoeste.  Com  efeito,  sendo  a  longitude  de 
Santiago  23o30'  O  de  Greenwich,  será  30o7  a  do  ponto  de  latitude  l^is',  cujo  afastamento  do  litoral 
brasileiro  foi  vencido  na  segunda  parle  da  travessia  transatlântica.  As  240  léguas  em  que  o  calculou 
Pinzon  (eem  de  sofrer  correcção  por  efeito  da  correnteza  oceânica,  que  cresce  em  rapidez  à  medida  que 
se  avizinha  do  continente.  Desprezando  todavia  o  aumento  (que  excede  20  légurs).  e  medindo  aquela 
distância  à  costa  brasileira,  caímos  pouco  ao  sul  da  íoz  do  Maranhão,  com  a  direcção  final  da  derrota 
sensivelmente  por  oeste-quarta  de  sudoeste.  Assim  pois  os  nautas  abandonaram  o  rumo  inicial  de  SSO, 
cambando  nada  menos  de  56o  a  continuação  da  róta  no  mesmo  rumo  afaslava-os  do  continente,  mas 
podemos  supor  um  ligeiro  desvio  que  levásse  ao  cabo  de  S.  Agosfinho—e  tal  é  a  trajectória  comum- 
mente aceite-  ;  este  cabo  fica  porém  a  umas  150  léguas  do  ponto  terminal  do  primeiro  trôço  da  derrota, 
o  que  está  longe  das  240  indicadas  por  Pinzon.  A  persisiência  do  rumo  nâo  se  concilia  com  o  que 
conhecemos  da  viagem. 

Até  aqui  temo-nos  ocupado  em  demonstrar  que  a  distância  acusada  de  300  léguas  para  a 
perda  da  polar  é  impossível  de  admitir-se;  vamos  ver  agora  que  eia  é  um  dado  fictício. 

Narra  Trevisan  que,  depois  de  terem  avistado  o  grande  rio  em  cujo  estuário  se  espraiava  um 
mar  doce.  andaram  os  exploradores  50  léguas  em  poucos  dias  e  descobriram  novamente  a  tramontana; 
Mártir  nas  edições  latinas  diz  que,  seguindo  para  o  norte,  recuperaram  o  pólo.  Não  há  contradicção  nas 
duas  versões,  antes  elas  se  completam,  deduzindo-^e  claramente  que  recobraram  a  estrela  algum  tempo 
e  algumas  dúzias  de  léguas  depois  de  ter  abandonado  o  mar  doce. 

Há  no  nordeste  da  América  Meridional  dois  poderosos  rios,  o  Orinoco  e  o  Amazonas,  nos 
quais  o  volume  e  ímpeto  das  águas  determinam  a  dulcificação  do  mar  onde  irrompem.  O  primeiro  tem 
sua  foz  por  8030'  boreais,  e  a  tam  alta  latitude  vê-se  perfeitamente  a  polar,  a  qualquer  hora  da  noite; 
nâo  deve  pois  ser  êsle  o  rio  a  que  se  refere  Pinzon.  Quanto  ao  Amazonas,  notaremos  que  a  Ponta 
Grossa,  extremo  norie  da  sua  embocadura,  eslá  por  \°\0  boreais;  e  a  esla  latitude,  quando  ainda  os 
castelhanos  estavam  à  vista  do  rio.  a  estrêla  era  francamente  observável  mais  de  2  horas,  ao  anoitecer 
ou  dí  madrugada.  Mas  se  êles  ainda  caminharam  umas  50  léguas  na  direcção  do  norte,  com  certeza 
ultrapassaram  a  latitude  de  2o  10 ,  visto  um  grau  de  diferença  equivaler  apenas  a  18.5  léguas;  ora  então 
a  tramontana  estava  visível  durante  5  horas.  Assim,  tampouco  pôde  ser  o  Amazonas  o  rio  em  questão, 
e  visto  que  o  problema  só  oferece  duas  soluções,  ambas  incompatíveis  com  a  descrição  da  viagem, 
concluímos  que  ela  neste  ponto  é  mentirosa. 

O  empenho  de  Pinzon  em  se  gabar  da  façanha  de  atravessar  a  equinocial  arrastou-o  a  uma 
iraude,  mas  ocorre  inquirir  l  como  se  aventurou  êle  a  produzir  a  cifra  de  30O  léguas?  A  esla  pregunta 
mtercssante  oíerecemos  uma  resposta  meramente  conjectural. 

A  latitude  de  Santiago  de  Cabo  Verde  é  de  15o  n..  muito  cedo  arbitrada  ao  meio  da  ilha  pelos 


Í'»T  No  Apêndice  B,  re&poslas  i  7.»  pregunta  do  tiscal. 

146 


os  FALSOS  PRECURSORFiS  DE  ALVARES  CABRAL 


portugueses;  mas  se  estes  a  conheciam  com  exactidão,  outro  lanio  nSo  acontecia  aos  espanhóis  C*^. 
Queremos  admitir  que  Pinzon  a  tomasse  em  I4<».  dc  acôrdo  com  Vespúcio  ao  principio  da  terceira 
viaçem  feila  em  1501  ('*')■  Por  outra  paric.  o  navegador  pensava  que  o  grau  linha  15  léguas;  pelo  menos 
esia  era  a  mediçáo  corrente,  conforme  com  a  de  Colombo  ('*-').  Para  vencer  de  latitude,  pelo  rumo  de 
sul,  era  pois  necessário  correr  15  léguas,  c  21  pelo  sudoeste,  assim  lho  deveriam  dizer  as  tabelas  usadas 
havia  longos  anos  pelos  marinheiros  ('•').  Por  conseguinte,  para  vencer  de  latitude  alé  o  equador, 
seguindo  pelo  sudoeste.  lornava  se  mister  percorrer  14X21=294  léguas;  ora  Pinzon,  fraco  astrónomo  como 
todos  os  capitães  do  tempo  (sem  exceptuar  o  próprio  grande  almirante),  imaginava  que  perderia  a  polar 
quando  atingisse  o  equador,  e  daí  a  sua  afirmação  das  300  léguas,  baseada  nas  inferências  expostas 


CERTO  que  o  primeiro  desembarque  dc  Pinzon  se  realizou  no  dia  da  chegada  ou  na  manhã  >  u 

seguinte,  o  mais  tardar.  O  capitão  castelhano,  saltando  em  terra,  tomou  logo  posse  solene 
dela.  entretendo-se  os  seus  companheiros  em  esculpir  em  fragas  e  árvores  os  nomes  dos  cado^oc 
reis  de  Rasteia  e  os  próprios;  e  é  evidente  que  simultâneamenie  se  baptizou  o  lugar.  Esta  *  *oo*ti»iho 
primeira  denominação  marca  o  inicio  das  descobertas:  ora  o  termo  das  capitulações  de 
1501.  ao  enumerá-las,  dá  a  primazia  ao  cabo  de  5.  Alaria  de  la  Consolación.  Como  seria  estranho  que  o 
diploma  oficial  começasse  a  definição  das  novas  terras  por  um  ponto  situado  adiante  do  da  posse, 
plausívelmente  foi  naquele  cabo  que  primeiro  pousaram  os  olhos  ansiados  dos  nautas,  depois  da 
arriscada  travessia. 

Não  parece  que  Pinzon.  escolhendo  a  invocação  da  Virgem,  obedecesse  à  praxe  litúrgica,  cuja 
voga  começava  então,  de  designar  as  descobertas  pelo  santo  do  dia  em  que  foram  feitas;  è\e  podia  ter 
preferido  naquela  jubilosa  conjuntura  a  Senhora  de  sua  especial  devoção,  ou  o  nome  da  caravela 
capitânia,  hoje  ignorado.  Efectivamente,  o  dia  20  de  janeiro,  apontado  por  Trevisan,  é  consagrado  ao 
papa  S.  Pabião  e  ao  Mártir  S.  Sebastião;  o  de  26  de  janeiro  (domingo),  dos  lexios  latinos,  é  o  de 
S.  Policarpo,  bispo  e  mártir  ('*0-  Só  a  2  de  fevereiro  se  celebra  uma  festa  da  Virgem,  a  Purificação,  que 
é  a  de  Nossa  Senhora  da  Candelária,  e  não  a  da  Consolação  ('")■  Harrisse  inclina  se  a  crér  quo  neste 
último  dia  se  nomeou  o  cabo  ('**),  mas  neste  caso  caímos  na  hipótese  improvável  de  que  o  primeiro 
desembarque  não  se  realizou  então,  pois  há  entre  as  respectivas  datas  um  intervalo  de  7  a  S  dias. 

Mártir  não  indica  um  cabo  no  sítio  da  arribada,  e  apenas  nos  fornece  insuficientes  informes: 


(>**)  Vela  se  o  Regimento  do  estroiAbio  e  do  quãâranU,  edic30  tac-simiUr  de  Joaquim  Denuúde.  onde  v^m  uma 
lista  de  latitudes  cu|j  parte  africana  é  provlvelmenle  anterior  a  IMO.  Duarte  Pacheco  em  ISOS  di(  <rr  1S<>20  a  ÍAlllude  da 
ponU  norte  de  Santiago,  o  que  é  eMacIO  (Eimerjfdo  dc  situ  orbis,  ed.  1905.  pág.  36  e  84).  Colomt>o  em  1495,  antes  de  paf»ar 
pelo  arquipélago,  onde  leve  quilsi  sempre  cerração  que  Impedia  observações,  dava>lhe  9»  IS  ,  contra  o  parecer  do  toaittelro 
astrólogo  lalme  Ferrer  que  calculava  bem  (Navarrete,  op.  dl.,  lòmo  11.  dec  LXVIII).  Endto  em  1519  arbilra  lhe  14o30  (Op. 
dl„  tol.  56). 

('")  Carta  escrita  em  4  de  juntio  de  1501  por  Vespúdo  a  Lorenzo  de  Pler  Fmncecco  de  Medids  (Vicmnl  Ar->.-ric 
Vespuce.  pig.  404>,  A-pesar-dc  considerar  apócrifo  o  documento  dc  Píer  Vasllentt,  o  Ilustre  americano  reputa  prov  ^ 
redigido  sÔbre  uma  carta  autêntica  do  Florentino;  a  latitude  que  t\c  atribula  ao  arquipélago  deve  ter  Idêntica  à  li- 

Vlgnaud,  Toseanelli  and  Columbus,  páq.  199;  Navarrete,  op.  dt.,  tõmo  III.  nota        de  pág.  19^,  Martir. 
Décãdã  V,  livro  7.<>. 

('•')   Uma  destas  tabelas  Uoletj  di  marfeloio),  encontra-se  no  Regimento  do  estrolabio  e  do  quadrante  com  o 

Íirau  dc  17,S  léguas;  dela  a  copiou  Enciso  <op.  cil.,  lol.  21  verso),  como  o  prova  esta  dlmenUo,  contraditória  com  a  de  16 
éguas  e  2,3,  adoptada  no  resto  do  livro, 

{■**)  Isto  se  do  ii  ^<<<  r  r  rto  no  Regimento  do  estniábto  e  do  quêdrante,  dfado  na  nota  40.  com  o  qual 
concorda  o  dc  Enciso,  na  obra  \  nota. 

('"j  A  Senhora  da  v..i..n  iiwjinada  em  Portug.i'  'i  lavradores,  das  Candeias,  por  terminarem  com  o  mè* 
de  janeiro  os  serões  de  inverno,  linha  cm  Espanha  um  culto  aiv  no.  A  da  Consolação  era  celebrada  na  l.>  Dominga  do 

Advento,  e  cm  1675  por  breve  de  Clemente  X  passou  a  se-lo  na  d^jminija  dentro  da  oitava  de  S.  Agostinho,  entre  28  de  agosto 
e  4  de  setembro.  Em  Lisboa,  em  tempos  remotos,  a  sua  tesia  foi  na  scgunda-lelra  da  Pascoela;  os  ortodoxos  gregos  celebra- 
ram-na  na  Vl-iitaçao  de  Nossa  Senhora,  a  2  de  julho- 

('")    The  diplomjllc  hislory  of  America,  1897,  pig.  201. 


147 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


a  sondagem  e  a  íurvaçáo  do  mar  junto  à  costa-talvez  indício  de  rio  próximo.  Dos  principais  aonistas 
subsequente?.  Oviedo  nada  nos  comunica;  Qomára  (1553)  diz  que  os  expedicionários  aportaram  ao  cabo 
de  S.  Agostinho;  Las  Casas  e  o  seu  imitador  Herrera  confundem-no  com  Santa  Maria  de  la  Consolación. 

A  aparição  do  segundo  nome  explica-se  íàciimenle:  é  que  em  1513  Pinzon,  ao  depôr  nas 
Probanzas  dei  fiscal,  declara  ter  descoberto  o  cabo  de  Consolación  que  es  en  la  parte  de  Portugal,  é 
agora  se  tlama  cabo  de  Sant  Agustin  ('•*).  Em  face  da  peremptória  afirmativa,  aliás  repetição  da  exarada 
na  7.*  pregunla  do  fiscal,  os  cronistas  crédulos  e  patriotas  nâo  hesitaram,  e  ficou  assente  que  a  derrota 
correra  entre  o  arquipélago  de  Cabo  Verde  e  o  promontório  decorado  com  o  nome  do  bispo  de  Hippona. 
Todavia  esta  lese.  sedutora  para  os  espíritos  desprevenidos  contra  a  fraude,  é  abertamente  contrariada 
pelo  relato  de  Mártir,  por  cuja  bôca— nâo  nos  cansaremos  de  repetir— falou  em  1501  o  próprio  Pinzon. 

A  linha  que  une  directamente  Santiago  a  S.  Agostinho  tem  de  extensão  pouco  mais  de  470 
léguas  do  eslalâo  espanhol  do  tempo,  o  que  não  condiz  com  as  540  acusadas  na  narrativa;  mas  como 
os  navegantes  sempre  ampliavam  as  distâncias  percorridas,  nâo  há  que  estranhar  esta  primeira  divergência. 

Nâo  acontece  porém  o  mesmo  quanto  a  duas  outras:  o  rumo  seguido  e  o  ponto  em  que 
perderam  de  vista  a  estrêla  do  norte.  A  direcção  daquela  linha  é  S  26o  O  (aproximando-se  de  susu- 
doesle,  S  22«30  O),  ao  passo  que  a  derrota  foi  sudoeste,  S  45"  O,  se  depositarmos  fé  em  Mártir.  Por 
outro  lado  sabemos  dêle  que  houve  300  léguas  percorridas  antes  e  240  depois  de  oculta  a  polar;  ora, 
separando  no  trajecto  directo  duas  parles  proporcionais  a  300  e  240.  o  ponto  de  divisão  cai  por  2°  de 
latitude  boreal,  onde  em  qualquer  época  do  ano  a  estrêla  era  visível  durante  algumas  horas,  ao  anoitecer 
ou  de  madrugada.  A  total  ocultação  somente  se  realiza  na  altura  de  Fernão  de  Noronha  (3°  50'  S),  num 
ponto  cuja  distancia  ao  continente  era  de  cento  e  poucas  léguas,  e  não  de  240. 

Podemos  admitir,  em  rigor,  que  o  protonotário  se  equivocasse  e,  compreendendo  mal  o  que 
ouvira  a  Pinzon.  lançasse  nos  seus  apontamentos  sudoeste  em  vez  de  susudoeâ-te,  inexperto  como  era 
em  assuntos  náuticos;  mas  a  segunda  discrepância  é  inexplicável  na  hipótese  de  que  êle  realmente  tivesse 
perdido  a  polar,  e  torna  o  depoTmento  incompatível  com  a  história  contada  pouco  depois  do  regresso. 
A  róta  directa  a  S.  Agostinho  é,  aliás,  inaceitável  desde  que  o  capitão  nunca  perdeu  de  vista  a  estrêla 
do  norte,  como  ficou  provado. 

^  Como  foi  levado  Pinzon  em  1513  a  confundir  Consolación  com  S.  Agostinho?  c  Teria  êle 
noção  exacta  da  verdadeira  situação  dêste  último  ponto,  e  teria  por  lá  passado  em  1500  ou  depois?  Eis 
três  problemas  para  cuja  solução  não  possuímos  elementos  seguros,  conquanto  os  haja  para  qualificar 
de  inexacta  a  identificação. 

A  primeira  menção  do  preclaro  doutor  da  Igreja  ocorre  na  Lettera  de  Vespúcio,  impressa  entre 
1505  3  1506  ('").  na  qual  o  florentino  narra  a  sua  viagem  ao  Brasil  em  1501,  declarando  que  a  fizera  a 
convite  e  mandado  del-rei  D.  Manuel.  O  silêncio  absoluto  dos  arquivos  da  Torre  do  Tombo  e  dos 
aonistas  portugueses  contraria  esta  afirmativa  ('").  Quer  a  expedição  fôsse  mercante,  quer  oficial, 
pensamos  que  êle  foi  a  mandado  do  seu  compatriota  Bartholo  Marchioni,  o  qual  já  incluíra  um  navio 
seu  na  armada  da  fndia  comandada  por  }oão  da  Nova,  partida  em  março  ou  abril  de  1501.  Sabe-se  que 
de  Portugal  fòra  neste  mesmo  ano  ao  Brasil  uma  outra  armada,  que  regressára  a  Lisboa  em  22  de  julho 
de  1502  ('**).  muito  provávelmente  a  mesma  de  Vespúcio,  embora  êle  alegue  ler  chegado  a  7  de  setembro. 
O  rei  português  consentia  nas  expedições  ao  Brasil  naus  armadas  por  mercadores,  que  lhe  apresentavam 
os  capitães  delas,  às  vezes  estrangeiros  (""). 

Um  indício  de  que  Vespúcio  não  foi  em  viagem  oficial  transparece  da  omissão  nos  primeiros 
mapas  de  origem  portuguesa  do  nome  S.  Agostinho,  imposto  pelo  capitão-mór  da  frota,  ao  que  êle  diz: 
come  doblassimo  un  caifo.  alquale  ponemo  nome  el  cavo  di  S.  Augustino ....  et  sta  questo  cavo  8  gradi 
fuori  delia  linea  equinoctiale  verso  faustro.  Se  tal  denominação  se  ajusta  ao  cabo  hoje  assim  chamado, 
ela  estaria  inscrita  naqueles  documentos  cartográficos  quando  o  capitão  tivesse  missão  oficial,  mas  são 
outras  as  que  se  leem  nelas. 

No  planisfério  de  Cantino,  acabado  em  outubro  de  1502,  quando  já  Vespúcio  eslava  de  volta. 


('•*)  No  Aiifndicf  B.  resposta  à  7.«  pregunla  do  fiscal. 

("^  Vcja-sc  em  Vlgnaud.  Améríc  Vespuce,  a  pág.  330  o  original  ilaiiano.  vertido  para  francês  a  pág.  3S6. 

C")  Visconde  de  Santarém,  Rechercttes  historiques,  critiques  et  bibliographiques.  Paris,  1842,  pág.  16  e  outras. 

(*>  ana  de  Pietro  Pasqualigo.  datada  de  Sarasola  a  12  de  outubro  dc  1502.  era  Derchet,  op.  cil.,  tômo  l.pág.  91. 

(>")  ]olo  de  Darros.  Dicãda  I.  Liv.  V,  Cap.  X. 


148 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ÁLVARES  CABRAL 


figura  cabo  de  Sam  Jorge  na  posição  de  S.  Agostinho  ou  de  outro  cabo  mais  ao  norle  e  prÓMÍmo  dêsle. 
No  de  Canério,  de  época  incerta  que  nào  pôde  Ir  muito  além  de  1505.  está  em  lugar  déle  cabo  de  Sla 
croxe  (Santa  Cruz),  e  esta  mesma  denominarão  se  inscreve  no  de  Kunsimann  n.°  2.  cuia  data  é  geral- 
mente fixada  enire  1503  e  1505.  Os  mapas  germânicos  gravados  de  Ruysch  (1508)  e  WaldsecmUller  (1507, 
1513  e  1516),  inspirados  em  protótipos  portugueses,  também  a  trazem;  e  na  carta  de  Pedro  Mártir  (1511). 
de  origem  espanhola,  vemos  Caput  Crucis  designando  uma  ponta  extréma  da  costa  ocidental  da  América 
do  Sul.  A  esta  regra  conhecemos  uma  única  excepção,  a  carta  de  Pilestrina  ou  Kunstmann  n.*>  3,  na  qual 
vemos  cabo  de  Santo  Agustinho  ao  lado  de  nomenclatura  portuguesa  que  sc  encontra  em  Canério:  mas 
temos  razões  para  supô-la  posterior  ao  traçado  deste  genovês. 

Não  nos  resta  dúvida  de  que  a  Vespúcio  se  deve  a  vulgarização  do  nome  em  Espanha,  que 
só  mais  tarde  se  generalizou  em  Portugal.  Aqui  se  intercala  uma  pregunta:  io  cabo  de  S.  Agostinho 
indicado  pelo  navegador  florentino  porventura  será  o  que  hoje  é  conhecido  sob  esta  designação? 

Os  pilotos  portugueses  da  expedição  de  1501  deviam  ser  peritos  na  sua  arte,  mais  que  os 
espanhóis  contemporâneos,  que  empregavam  as  rudimentares  observações  da  polar  para  a  determinação 
das  latitudes  em  vez  das  alturas  meridianas  do  sol.  utilizadas  pelos  da  nação  vizinha  (''").  Mas  a  latitude 
de  8o  (iliás  a  iínica  que  na  terceira  navegação  da  Lettera  é  atribuída  a  um  lugar  susceptível  de  identi- 
ficação) aproxima  se  tanto  de  8021  .  verdadeira  coordenada  do  cabo.  que  é  lícito  duvidar  da  coincidência 
dèlc  com  o  de  Vespúcio.  A  carta  Mundus  Novus  (1503  -  1504)  diz-nos  ('")  que.  percorrendo  o  litoral,  os 
navegantes  chegaram  a  um  ângulo  que  êle  fazia  para  o  sul,  e  a  Lettera  pelo  seu  lado  conta  que  foram 
até  um  cabo  no  qual  a  terra  dava  a  voita  do  sudoeste;  ora  estas  duas  versões,  se  diferem  no  rumo  da 
costa,  concordam  em  excluir  o  moderno  S.  Agostinho,  no  qual  nâo  há  inflexão  alguma  do  rumo. 
A  mudança  de  direcção  efectua-se  mais  ao  norte  e  torna-se  sensível  na  ponta  do  Calcanhar  (5(* 9  S), 
onde  alguns  localizam«Sanfa  Maria  de  Conso/acion  (''0;  e  assim  só  é  satisfatória  a  resposta  negativa  à 
interrogação  enunciada. 

O  depoimento  de  Pinzon  não  menciona  datas  nem  discrimina  viagens,  porventura  proposital- 
mente.  Mostraremos  no  decurso  dêste  estudo  que  êle  visitou  a  América  do  Sul  pelo  menos  trés  vezes, 
mas  é  notória  a  viagem  de  1509.  feita  em  companhia  do  pilôto  português  João  Dias  de  Solis.  Mártir 
dá-nos  dela  uma  confusa  noticia,  dizendo  no  livro  7.°  da  Década  II  que  êles  chegaram  a  uma  cúspide 
extrêma  do  continente  cuja  latitude  avalia  em  ?<>  austrais,  e  no  livro  8.0  que  estiveram  no  cabo  de 
S.  Agostinho.  Todavia,  como  o  protonotário  diz  ser  aurífera  a  região  do  cabo  e  a  confunde  com  Ciamba, 
em  Honduras,  a  asserção  não  é  segura;  além  disso  a  coordenada  geográfica  não  ioga  com  a  de  Vespúcio 
e  peca  por  defeito,  não  por  excesso,  conforme  o  costume  sabido  dos  primeiros  tempos.  Se  notarmos  que 
esta  é  a  única  passagem  de  cronista  anterior  aos  meados  do  século  XVI  donde  se  pôde  inferir  ter 
Pinzon  tocado  no  cabo.  ficamos  pois  muilo  hesitantes  em  admití  lo,  tanto  mais  quanto  das  testemunhas 
das  Probanzas  que  depuseram  acerca  da  viagem  nenhuma  se  refere  à  excursão  pelo  sul  de  Pária. 

Mas.  dir-se  há.  passou  por  lá  em  1500,  quando  lhe  pôs  nome  Consolación,  e  graças  a 
indicações  de  Vespúcio.  com  quem  privou,  verificou  ser  o  mesmo  S.  Agostinho.  E'  possível,  mas  duvi- 
damos que  o  pudesse  fazer  com  alguma  segurança. 

Essas  indicações  resumiam-se  na  descrição  topográfica  e  no  confronto  das  cartas  de  marear, 
donde  se  depreendiam  a  latitude  e  longitude.  A  descrição  não  bastava,  dado  que  a  conformação  do 
terreno  não  é  característica  a  ponto  de  o  distinguir  entre  as  pontas  que  enxameiam  pelo  nordeste 
brasileiro.  A  distancia  ao  equador,  arbitrada  em  1500  a  Consolación,  devia  ser  muito  errónea,  a  avaliar 
pelas  medições  de  pilotos  espanhóis  da  época;  se  etia  coincidiu  com  os  8°  mais  exactos  de  Vespúcio, 
conduziu  a  uma  falsa  identificação.  Por  fim.  as  longitudes  eram  então  muito  grosseiramente  determinadas 
e  não  serviam  para  a  ligação  das  expedições  de  Pinzon  em  1500  e  de  Vespúcio  em  1501.  Éste  diz  na 


(tnrf  Ouaiie  Pacheco  no  Esmeraldo  de  situ  orbis  dá  $«IS  como  lalitude  dc  S.  Agostinho,  com  um  (rro  de  6' 
somente.  O  cap.  l.o  em  que  eslá  a  indicação  tol  cscrtlo  anics  de  tkndo  o  ano  de  IS05.  (Introdução  i  edição  de  I90S  d« 
EptfAnlo  Dias.  pág.  4)- 

(''!)  Veja-se  na  obra  citada  de  Vlgnaud  o  orisinal  latino,  a  pig  305. 

("•)  Barão  de  Rio  Branco.  Seeond  fAémoire  prfiscntt^  par  les  r.iats-Unis  du  Brésil  ãu  (íouverntment  de  lã 
Confidérãlion  Suisse,  pig.  29.  O  autor  diz  ser  a  ponta  do  Olcanhar  o  extremo  do  continente  atingido  por  Pinzon  na  viagem 
de  1509,  a  que  adiante  nos  referimos  no  texto  e.  como  esia  é  S.  Agostinho  <no  dizer  de  AWttr),  conclui  ser  ConsoUcioa, 
conforme  o  depoimento  dc  1SI3. 

149 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Lettera  que  o  ponto  da  América  onde  primeiro  chegou,  por  5»  de  latitude  austral,  distava  pelo  sudoeste 
quarta  de  sul  700  léquas  de  Bczeguiche  (Dakar),  e  o  seu  S.  Agostinho  estava  ainda  mais  ao  sul  daquele 
ponto.  O  outro  dcciara  na  descrição  de  Mártir  que  a  primeira  arribada  estava  afastada  de  Santiago  de 
Cabo  Verde  540  léguas  pelo  rumo  de  sudoeste.  Nâo  há  maneira  de  ajustar  as  duas  versões. 

De  resto,  a  verdadeira  posição  do  cabo  de  S.  Agostinho  permanece  ignorada  dos  espanhóis 
durante  dois  lustros.  Em  1515,  catorze  anos  volvidos  sõbrc  a  sua  descoberta  e  dez  sõbre  o  regresso  de 
Vcspúcio  ã  Espanha.  ;)onde  trouxe  novas  dela,  procedeu-se  nesle  país  a  averiguações  oficiais  para  a 
determinar  com  vista  à  demarcação  de  Tordesilhas,  nas  quais  foram  ouvidos  os  italianos  Sebastião 
Cabote  e  ]uan  Vespúcio,  sobrinho  de  Américo,  Nuno  Garcia,  o  português  João  Rodrigues  Serrão  e  André 
de  Morales  ('")■  Nenhum  dos  pilotos  consultados  tinha  visto  o  cabo,  não  obstante  Serrão  afirmar  o 
contrário,  pois  o  seu  depoimento  demonstra  que  èle  se  enganou.  Os  três  primeiros  louvam-se  todos  em 
Vespúcio.  a  cujo  crédito  lançam  tudo  quanto  sabem  de  S.  Agostinho.  Morales  declara  ter  traçado  uma 
carta  da  região  desde  Pária,  que  está  em  ocho  grados,  até  o  cabo  que  éle  situa  en  diez  e  seis  grados 
al  polo  antárctico.  A  reputação  deste  pilôto  estava  firmada  na  cartografia,  consoante  se  lê  em  Mártir  (*'•), 
e  para  mais  a  carta  fora  examinada  e  aprovada  por  Dias  de  Solis,  que  o  mesmo  escritor  nos  assevera 
ter  estado  em  S.  Agostinho.  iComo  se  explica  pois  que  éle  lhe  arbitrasse  latitude  Iam  elevada,  o  dõbro 
da  arbitrada  por  Vcspúcio  ?  í  Não  é  isto  um  indício  seguro  de  que  Pinzon  e  Dias  de  Solis  não  estiveram 
nesse  cabo  em  1509?  t'  mesmo  singular  a  ignorância  oficial  acèrca  de  sua  posição  geográfica,  já  que  o 
florentino  exerceu  entre  1503  e  1512  as  funções  de  pilòto  mór  e  tivera  tempo  de  inscrever  no  Padron 
Reãl  o  seu  S.  Agostinho  ("'). 

Pinzon  linha  falecido  um  ano  antes  do  inquérito,  mas  a  memória  das  suas  viagens  estava 
longe  de  ser  obliterada.  Se  éle  tivesse  passado  por  S.  Agostinho  em  1500  e  depois  repetisse  a  visita  em 
1509,  algum  dos  seus  pilotos  sobreviventes  podia  testemunhar  o  facto,  que  pWo  menos  deveria  ser 
conhecido  dos  outros  pilotos  contemporâneos  de  Pinzon,  com  os  quais  éle  mantinha  relações.  Todavia, 
nenhum  dcs  consultados  o  cita,  e  tampouco  se  refere  a  Consolación.  Serrão  diz  que  foi  com  Alonso 
Vellez  de  Mendoza,  confundindo  datas,  e  Morales  parece  atribuir  a  descoberta  do  cabo  a  Diego  de  Lepe. 
A  omissão  é  mais  um  argumento  poderoso  contra  a  identificação  feita  em  1513;  Pinzon,  do  mesmo  modo 
que  o  fiscal,  mancomunado  com  ête  ao  formular  o  interrogatório,  apenas  conheceu  S.  Agostinho  de  outiva 
A  mesma  conclusão  nos  conduz,  por  seu  lado.  o  exame  do  termo  atrás  citado  das  capitulações 
dêste  navegador  em  1501.  Aí  os  reis  católicos  enumeram  seus  descobrimentos  e  nomeiam  no  governador 
de  parle  dêles  em  que  estava  incluído  Consolación;  julgavam-se  pois  legítimos  donos  da  região.  A  demar- 
cação dos  domínios  portugueses  e  espanhóis  fôra  definida  teóricamente  em  1494  pelo  pacto  de 
Tordesilhas,  hábilmenle  negociado  por  D.  ]oão  II.  mas  praticamente  eslava  indeterminada  e  havia 
divergências  entre  os  dois  países  quanto  ao  senhorio  de  terras  próximas  da  linha  convencional.  Mas  o 
cabo  de  S.  Agostinho  jamais  foi  disputado  aos  poriugueses,  e  o  comandante  da  expedição  em  que  êle 
foi  descoberto  tomou  posse  por  Portugal  de  terras  ainda  mais  ao  norte,  consoante  o  atesta  Vespúcio. 
Nâo  é  fácil  adminr  que  a  corôa  de  Castela  dispusesse  em  1501  livremente  de  Consolación  se  não 
estivesse  plenamente  segura  de  que  lhe  pertencia,  fóra  de  qualquer  contestação,  e  essa  segurança  indica 
que  a  mencionada  ponta  estava  longe  da  parle  litigiosa. 


ini  rtn  nL!^„  S!  /   <:  situaaon  de!  Cato  de  Sán  Agustin  en  el  Brasil  el  ano  de  i5is.  inserto  no  lômo  XVI, 

df  soíf        r?vf  ^1  ,  "-í  '^""'"^  ^""^"^  '^^  Iranscriao  de  Duro  (luan  Diaz 

tr^  «il'nh2l "  Í^^Í  VITZL  í  °  ^P'  "^!"  G  damos  o  d.poímenlo  de  Serrano.  Tcribio  de  Medina  sustenta  que  Vste  pilôto 

M  ttM  exDedi'^n  f'  '    'ÍTJr  °  <lu«stao  foi  traçada  por  Morales  depois  de  setembro  de  1502.  Èste  pilôto 

SuCí  M  miânií  ,  n„.n^^  r«i!:\^°*'-  "  regressasse  a  Espanha  com  íles;  é  certo  que 

TZ^^Z^dTJV^^Xo.íã"^'^^^^^^^  ^^^'^  °  ^""'-"'^ 

como  a!irti.aíaXe?r>úní^m./íLwi1f  í"»^'"         08  «^Has  castelhanos  confundiam  éste  cabo  com  outro.  Se, 

claro  «  .l  oul  a  rfKri.T  J^T  Z  ^  P"^"*'''                  ^  Agostinho  era  a  ponta  onenlal  extrema  do  continente  austral 

aaro         que                      ^^^^^^^  por  lá.  altas  negava-se  a  Portugal  oireito  a  quaisquer  terras;  o  inquérito 

po                                        «n»"  a  divisória  e  o  cabo  prova  que  o  nome  S.  Agostinho  era  indevidamente  dado  a  uma 


150 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


O  sagaz  padre  Aires  do  Casal  foi  o  primeiro  a  contestar  a  identificaçlo  dos  dois  cabos;  em 
seu  parecer,  Consolación  é  o  que  tem  hoje  nome  Cabo  Raso  do  Norte  (' *).  A  água  em  S.  Agostinho, 
diz  o  douto  sacerdote,  é  Hmpida  e  n3o  turva,  como  afirmaram  os  cronistas  espanhóis;  além  disso  a 
profundidade  de  16  bradas  observa-se  iunto  da  costa  e  nào  a  distância.  Se  não  houvesse  senSo  estes 
motivos  em  contrário,  aceitaríamos  a  versão  das  crónicas,  porque  a  lurvaçio  podia  nâo  persistir  Irés 
séculos  depois,  e,  quanto  à  sondagem,  é  visível  do  texto  de  Trevisan  e  não  sofre  oposição  dos  latinos 
posteriores  que  ela  não  foi  feita  longe  do  litoral.  Nos  nossos  tempos  a  profundidade  de  16  bradas  — 
28.'"2  encontra  se  sensivelmente  à  distância  de  légua  V  ');  no  entanto,  como  a  terra  é  quási  sempre 
visível  de  mais  longe  e  as  profundidades  variam  com  o  decorrer  dos  séculos,  é  impossível  identificar 
pelo  resultado  da  sondagem  o  local  onde  foi  feita.  Humboldt  deu-se  ao  trabalho  de  refutar  Aires  do 
Casal  (*'');  contudo,  o  enciclopédico  sábio  funda-se  tam  sòmente  nos  depoimentos  de  PInzon  e  de  alguns 
marítimos,  que  não  só  são  de  duvidosa  pureza  mas  também  deixam  margem  a  dúvida,  por  nâo  se 
referirem  exclusivamente  à  viagem  de  1500  em  que,  conforme  atestam  as  capitulações  de  I50I,  foi 
descoberto  5.  Mjria  de  la  Consolación. 

Vamhagcn  entendeu  localizar  êste  ponto  no  Ceará,  à  ponta  de  Mocuripe  (3o44'  austrais), 
abonando-se  com  quatro  argumentos  cuio  concurso  julga  decisivo  ('■*):  o  rumo  da  derrota  no  Atlântico, 
o  da  costa  que  se  segue  ao  cabo,  a  extensão  do  litoral  descoberto  por  Pinzon  e  o  testemunho  dos 
cartógrafos  ]uan  de  la  Cosa  (1500)  e  Diogo  Ribeiro  (1529).  Começaremos  por  analisar  o  primeiro  e  o 
último,  deixando  para  depois  os  intermédios. 

O  insigne  brasileiro  contesta  a  declaração  das  testemunhas  das  Probanzas  que  indicaram  o 
nimo  de  susudoeste,  asseverando  que  com  tal  rumo  nem  um  barco  de  vela  iria  ler  a  S.  Agostinho.  E*  o 
contrário  da  verdade,  pois  a  direcção  da  linha  directa  entre  Santiago  e  éste  cabo  difere  3o,  5  do 
susudoeste:  ora  não  s6  esta  diferença  era  desprezível  na  indicação  testemunhal  que  não  carecia  de  ser 
rigorosa,  mas  também  havia  que  contar  com  a  deflexão  da  derrota  por  efeito  da  corrente,  que  fazia 
rodar  o  rumo  real  um  pouco  para  oeste.  Depuseram  outras  testemunhas  que  o  rumo  inicial  fôra  o 
sudoeste,  dacòrdo  com  Mártir;  a  arribada  neste  caso  far  se  ia  aproximadamente  por  2°,  5  de  latitude 
norte  c  )<>  de  longitude  O  de  Greenwich,  isto  é,  nas  imediações  do  delta  do  Parnahyba  ou  mais  ao  norte 
ainda,  atenta  a  incurvação  da  traíectõria.  Não  podia  ser  Mocuripe.  que  fica  ao  sul  cérca  de  60  léguas 
de  costa.  Se  não  aceitarmos  nem  um  nem  outro  dos  rumos  indicados,  temos  o  direito  de  escolher 
qualquer  oulro  e  de  excluir  Mocuripe. 

Vejamos  agora  a  objecção  cartográfica.  ]uan  de  Ia  Cosa.  expõe  o  ilustre  escritor,  situa  o  cabo 
descoberto  por  Pinzon  muito  a  oeste  da  terra  que  aí  se  diz  descoberta  por  Portugal  (Pòrto  Seguro),  e 
todos  sabemos  que  o  cabo  de  S.  Agostinho  fica  bastante  a  leste  dessa  terra.  Êste  argumento  não  presta 
para  nada.  Se  a  ysla  descubierta  por  Portugal  representa  o  achado  de  Alvares  Cabral  (o  que  é  contes- 
tável), o  pilõlo  biscainho,  ao  elaborar  o  seu  famoso  planisfério.  tinha  tam  vagas  informações  que  em 
perfeita  ignorância  da  sua  situação  colocou-o  a  palpite,  no  meio  do  Atlântico  e  por  altura  do  trópico  de 
Capricórnio.  Tanto  sabia  èie  que  o  território  novamente  adquirido  pela  coròa  portuguesa  estava  a  leste 
como  a  oeste  de  S.  Agostinho,  cuja  existência  aliás  ignorava,  pois  nem  éste  é  o  cabo  que  no  mapa  se 
concede  a  Pinzon  (como  teremos  ocasião  de  mostrar),  nem  até  a  inscrição  atributiva  da  sua  descoberta 
é  do  punho  de  La  Cosa.  Para  mais,  se  em  1500  o  capitão  castelhano  tivesse  tocado  em  Mocuripe.  éste 
deveria  ser  o  cabo  figurado  no  planisfério;  ora  a  conformação  real  da  costa  é  totalmente  diversa  da 
representada.  Quanto  a  Diogo  Ribeiro,  alega  o  historiador  que  éle  indica  no  seu  mapa  o  descobrimento 
a  oeste  do  cabo  de  S.  Roque;  mas  se  o  documento  cartográfico  citado  é  o  de  Weimar,  observaremos 
que  nèle  não  é  atribuído  a  Pinzon  descobrimento  algum. 

Se  Varnhagen  não  foi  feliz,  levantando  à  lição  tradicional  os  óbices  que  acabamos  de  examinar, 
nâo  sucede  outro  tanto  quanto  aos  restantes,  dos  quais  se  infere  que  Consolación  não  é  S.  Agostinho. 
Sòmente  se  conclui  que  não  é  Mocuripe,  tampouco. 


('^)  Ccroçrtfiã  br.isllies.  Rio  de  lanclro.  1617.  fòmo  I,  pág.  34, 
('■'I  J  cirlj  Sít  do  Almlrdtujda  Dri'ânlco,  Pernambuco  to  MâctiÓ. 

(''•)    txjmi  n  crtitquf.  lómo  IV,  rota  da  pa^.  286  e  tòcno  V,  pi3.  64. 
("»)  tinlonê  Oer*i  do  Oraiil.  pág.  123. 

I5t 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  5RASIL 


Pinzon  depôs  que  a  costa  adiante  do  discutido  cabo  se  amimava  por  oeste  —  quarta  de 
noroeste,  ora  depois  de  S.  Agostinho  ela  pende  para  nordeste.  Em  matéria  de  rumos  não  há  que  fiar 
nos  dc  Pinzon,  pois  ainda  que  a  bússola  fòsse  perfeita,  a  declinação  magnética  intervinha  perturbadora- 
mente;  mas  a  divergência  superior  a  um  ângulo  recto  basta  para  mostrar  que  não  é  admissível  a  sua 
afirmativa.  Nâo  vemos  todavia  razão  alguma  para  preferir  a  ponta  de  Mocuripe  às  do  Aracatv  (4o  25)  ou 
do  Calcanhar  (5°  29),  ou  ainda  a  outras  ao  norte  de  Fortaleza,  porque  nelas  tem  a  costa  o  rumo 
indicado  no  depoimento  e  era  possível  a  arribada  com  uma  róta  correndo  entre  o  sudoeste  e  o  susudoeste. 

A  incerteza  em  que  nos  deixa  o  texto  das  Probanzas  cessa  porém  quando  atentamos  na 
distância  que  separa  S.  Agostinho  da  terra  de  Pária.  Pinzon  declarou  no  primeiro  dos  diplomas  oficiais 
atrás  examinados  que  percorrera  600  léguas  de  terra  firme,  necessáriamente  entre  Consolación  e  essa 
península,  e  o  mesmo  repetiu  a  iV^artir  que  o  transcreveu,  tanto  no  manuscrito  traduzido  por  Trevisan 
como  nas  edições  latinas;  e  conquanto  êste  dado  não  conste  do  têrmo  das  capitulações  de  1501,  é  o 
único  que  possuímos  acérca  da  extensão  da  costa  visitada.  Ora  a  distância  real  entre  S.  Agostinho  e  o 
promontório  de  Pária,  fronteiriça  à  Boca  dei  Drago,  orça  bem  por  750  léguas  náuticas  espanholas  de 
1500  ('•").  em  marcha  encostada  ao  litoral.  Mas  sobre  esta  divergência  considerável  ainda  sobreleva  outro 
facto:  é  que  o  trajecto  acusado  por  Pinzon  é  muito  exagerado  pela  incerteza  das  estimativas  dos  pilotos, 
pelo  seu  alongamento  sistemático  ('"')  e  pelo  desejo  de  avultar  as  descobertas.  Para  mais,  devemos 
observar  que  Mártir,  precisamente  quando  discute  as  distâncias  medidas  ao  longo  da  costa  em  certas 
cartas  geográficas  ("").  se  mostra  incerto  quanto  ao  valor  da  légua,  que  em  terra  é  de  3  e  no  mar  de  4 
milhas;  as  600  léguas  de  Pinzon  podiam  pois  reduzir-se  a  450  do  estalão  náutico,  isto  é,  a  2700  quilómetros. 

O  argumento  de  Varnhagem  desta  vez  é  sólido;  Consolación  nâo  é  S.  Agostinho,  porque  está 
a  muito  menor  distância  de  Pária  que  éste  cabo.  tMas  será  porventura  Mocuripe?  Tal  ponta  está 
afastada  de  Pária  sensivelmente  600  léguas,  donde  se  poderá  inferir  que  ela  é  "Consolación,  mas  como 
esta  cifra  é  exagerada,  devemo-nos  pronunciar  pela  negativa. 

A  êste  argumento  vitorioso  juntaremos  outro  derivado  da  narrativa  de  Mártir  que,  embora 
baseado  em  avaliações  destituídas  de  firmeza,  não  julgamos  para  desprezar.  Na  análise  atrás  exposta  da 
viagem  de  Pinzon  vimos  que  o  afastamento  do  lugar  do  primeiro  desembarque,  Consolación,  e  do  rio 
grande  Santa  Maria  dei  mar  dulce  não  devia  exceder  250  léguas  do  padrão  de  1500.  Se  o  nauta  tocou 
em  Santo  Agostinho,  êste  rio  é  sem  dúvida  o  Amazonas;  ora  a  distância  entre  o  cabo  e  a  ponta  Tigioca, 
no  extrêmo  oriental  do  rio  do  Pará.  é  sensivelmente  de  350  léguas  tomadas  ao  longo  da  costa.  Para 
que  houvesse  concordância  entre  esta  hipótese  e  os  textos  de  Mártir,  seria  mister  admitir  que  na 
expressão  Navegando  mais  além  se  subentendem  280  léguas  de  percurso,  reais  e  não  imaginárias, 
durante  as  quais  nâo  encontraram  nada  digno  de  arquivamento  por  parte  do  narrador.  Como  280  anda 
por  metade  do  total  em  que  Pinzon  computou  em  excesso  a  sua  navegação  ao  longo  de  terra  firme,  é 
muito  improvável  que  o  afastamento  de  Consolación  e  de  Santa  Maria  dei  mar  dulce  atingisse  o  número 
verdadeiro  de  léguas  que  separam  Santo  Agostinho  e  o  Amazonas. 

Por  fim.  se  ainda  alguma  dúvida  persiste  da  falsa  identificação  do  cabo  espanhol  com  o 
português,  certamente  se  desvanece  diante  do  claro  testemunho  de  Diego  Fernandez  Colmenero,  sobrinho 
e  companheiro  de  Pinzon  na  expedição  de  1500.  em  que  comandou  um  dos  navios.  Éie  depôs  ter  visto 
Diego  de  Lepe  ir  a  descobrir  na  viagem  em  que  topou  com  o  Maranon,  na  parte  sul  da  terra  firme, 
onde  ninguém  antes  estivera  ('"»).  Ora  como  em  tempo  algum  se  deu  êste  nome  a  rio  situado  ao  sul  de 
S.  Agosimho.  segue  se  que  Diego  de  Lepe  o  encontrou  ao  norte  do  cabo  e  pela  primeira  vez;  e  logo 
se  conclui  que  as  descobertas  de  Pinzon  foram  ainda  mais  setentrionais,  sendo  erróneas  suas  noções 
sôbre  o  cabo  de  S.  Agostinho,  no  qual  nunca  tocou. 

Mais  tarde  diremos  as  razões  que  nos  induzem  a  crêr  que  Pinzon  em  1500  não  passou  do 
cabo  d*Orange  ou  da  bacia  do  Oyapoc  No  que  segue,  pretendemos  demonstrar  que  o  rio  grande,  cogno- 
mmado  Santa  Maria  dei  mar  dulce.  não  é  o  Amazonas,  como  pensa  o  comum  dos  historiadores,  mas 
outro  de  considerável  volume  e  ímpeto  de  águas,  o  Orinoco,  no  qual  igualmente  se  manifesta  o  surpre- 
endente fenómeno  do  mar  doce. 


('">  Veij.sc  a  notí  151. 

Vi  Decãda  II.  livro  10. 

("»)  No  Apêndice  B,  resposta  i  8.»  pregunti  do  físcaL 

152 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


ACONTECIMENTO  da  viagem  de  Pinzon  que  a  tornou  enrre  tôdas  memorável  foi  a  descoberta     ntmm  r» 
do  grande  rio  cujo  fluxo  impetuoso  dulcificava  por  largo  espaço  as  aguas  do  oceano.  Todos  '. 
os  demais  são  episódios  banais  nas  aventuras  marítimas  do  tempo  e  nào  despertam  interesse.  ■ 

lá  Colombo  pretendeu  ler  visto  em  1498  o  mar  doce,  declarando  de  excelente  sabor 
a  água  colhida  no  golfo  de  Ferias,  como  èle  chamava  ao  brago  de  mar  que  circula  enire 
o  continente  e  a  ilha  da  Trindade,  mas  a  imaginação  do  grande  almirante  e  o  enlévo  em  que  o  deixou 
a  visão  do  paraíso  terrenal  deviam  ter-lhe  transtornado  o  paladar,  pois  Humboldt  assevera  que  as  águas 
do  gôlío  são  salobras.  ('"').  O  que  as  impede  de  ser  francamente  salgadas  é  o  apèrlo  do  canal  marítimo 
conjugado  com  a  afluência,  em  trecho  estreito  do  litoral,  das  massas  fluviais  do  Garapiche  e  dos  importantes 
braços  do  Orinoco,  os  Canos  de  Vagre,  Menamo.  Pedernales.  Cucuine  e  Macareo.  Só  na  verdadeira  foz  do 
Orinoco,  a  Boca  grande  ou  de  Navios,  que  conta  cèrca  de  40  quilómetros  de  largo,  se  verifica  realmente 
a  existência  do  mar  doce  na  extensão  de  umas  5  léguas  ('""),  ou  mais  talvez,  por  ocasião  da  baixa  mar 
e  da  grande  cheia  que  se  produz  regularmente  entre  abril  e  agosto. 

Há  porém  outro  rio  mais  poderoso  que  o  já  poderoso  Orinoco,  que  apresenta  o  mesmo  fenó- 
meno em  proporções  bem  mais  consideráveis:  é  o  Amazonas,  do  qual  Humboldl  vai  até  declarar 
privativo  o  mar  doce  ('"").  A  sua  vasta  embocadura  estende-se  no  sentido  sueste^norocste  desde  Ponta 
Grossa  d»  10  N)  alé  Ponta  Tigioca  (0o35  S),  na  prodigiosa  amplitude  de  mais  de  280  quilómetros  ("  ). 
Ela  é  dividida  pela  grande  ilha  Marajó  em  duas  partes:  a  ocidental,  com  27  léguas  de  largo,  onde 
desagua  o  braço  principal  que  tem  própriamente  o  nome  de  Amazonas;  e  a  oriental,  do  rio  de  Pará. 
cuja  largura  é  de  14  léguas  e  que  é  lido  como  uma  derivação  secundária  da  magcstosa  torrente.  Na  foz 
do  rio  Pará  a  água  é  salobra,  senáo  salgada,  mas  ela  é  doce  no  outro  braço  e  perfeitamente  potável  no 
canal  do  Norte,  nas  imediações  da  ilha  Dailíque  (''")  a  mais  de  60  quilómetros  da  ilha  Caviane  que 
está  na  entrada  do  Caiíal.  Pôde  pois  afirmar  se  com  segurança  que  o  mar  doce  do  Amazonas  se  mani- 
festa por  espaço  de  10  ou  12  léguas,  quando  as  grandes  cheias  coincidem  com  a  vazante  da  maré. 

Na  longa  faxa  costeira  de  cêrca  de  250  léguas  entre  o  Amazonas  e  o  Orinoco  afluem 
numerosos  rios,  alguns  de  grande  volume  como  o  Oyapoc,  o  Maroni,  o  Corentine  e  o  Essequibo;  mas 
em  nenhum  dèles  é  sensível  o  fenómeno  da  dulciftcaçâo,  nem  mesmo  no  último,  a  cujo  curso  assaz 
violento  se  tem  querido  atribuir  esta  propriedade.  Quando  pois  Pinzon  encontrou  cm  1500  o  seu  Santa 
Maria  dei  mar  dulce  achou-se  em  presença  do  Orinoco  ou  do  Amazonas,  sendo  que  lodos  os  historia- 
dores, com  raríssimas  excepções,  têm  optado  pelo  último. 

Deve  ler-se  como  origem  desta  opinião  a  segunda  edição  de  Mártir,  em  1516,  corroborada  por 
duas  passagens  de  Oviedo,  de  que  adiante  falaremos.  Efectivamente  o  primeiro  airíbui-lhe  a  descoberta 
do  Maragnonus  ou  Maration  dos  espanhóis,  nome  pelo  qual  na  opinião  geral  foi  primeiramente 
designado  o  Amazonas,  e  o  segundo  fixa  a  data  dela  em  1500.  Las  Casas  d'acôrdo  com  o  milanês  e 
interpretando  mal  os  autos  das  Probamas  dei  fiscal,  coloca  também  em  1500  a  visita  de  Pinzon  ao 
MaraHon;  Herrera  consoante  seu  costume,  reproduziu  esta  versão  e  mais  tarde  Navarrete,  embora 
habitualmente  seguro,  adoptou  e  avígorou  a  lenda  que  ganhou  fóros  de  verdade  inconcussa,  quando  não 
passa  de  perfeita  falsidade. 

A  nós  bastava-nos  ter  desnudado  a  jactanciosa  inverdade  de  Pinzon,  quando  se  gabava  de  ter 
atravessado  a  equinocial  para  concluir  que  èle  não  podia  ter  visitado  o  Amazonas,  cruzado  pela  linha; 
mas  atinge-se  o  mesmo  resultado  por  outros  caminhos,  independentemente  de  considerações  astronómí- 


(■**)   Navarrete,  op.  dl.,  tômo  I,  pág-  250  t  2S3;  Humboldl  -  Voysge  aux  rfgiom  tqualorialrs,  1820.  lômo  VIII, 

pifi.  392. 

(■**)  A  largura  é  contada  desde  Punta  Sabancta.  ao  oriente  da  toz.  at^  a  ponta  NE.  da  ilha  de  Nulna;  te  a 
contarmos  entre  Punta  Banma  «  a  Ilha  Watts  a  largura  desce  a  20  quilómetros.  Abranoendo  porém  no  esluirio  Iodo  o  espaço 
que  vai  da  Ilha  ArjQU.io  alé  a  cxtréma  Punta  Mocorttoco  ou  Plala.  ctieoámos  a  90  qullomelros.  Vefam-te  a  carta  3332  do  Almi- 
ranlado  Bnliníco.  Orinoco  River.  Codazzl,  Atlas  /tsico  e  politico  de  la  Republica  de  Veneiuela,  Cancãs,  1840;  e  Attas  ol  lhe 
Venezuelan  Boundary  Coinmissiort,  1697  98. 

Na  obra  citada  acima  (lõmo  VIII.  cap.  24)  di  Humboldt  3  ou  4  léguas,  como  limite  do  mar  doce  poucas  vezet 
excedido,  mas  é  dc  nolar  que  o  eminente  germano  nio  esteve  na  for  do  rio.  No  mapa  de  Hcath,  revisto  por  Norle,  ^^u* 
chart  of  lhe  cojst  of  Ouyana,  1828,  lemos  frcsh  W3ler  will  be  lound  full  5  leagues  ol  lhe  mouth  ot  the  river  Orinoco,  and 
the  roll  of  the  sea  u/ill  commonly  denote  lhe  entrance,  there  being  no  such  roll  on  any  olher  pari  ot  the  coast.  &eguem>Se  Indi- 
cações precisas  sôbre  a  entrada  da  barra. 

('■•)    Examen  critique,  tômo  V.  pág,  82,  nota. 

i'")  Veta  se  a  carta  1803  do  Almirantado  Dritinico  South  Ameria.  Sorth  east  coast.  Cabo  do  Norte  to  Maranham. 
(<*■)  Le  Scnec  de  Kcrvilly.  citado  por  Caetano  da  Silva.  LOçapoc  et  l  Amazone,  §  2S42. 


153 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


cas.  Vamos  mostrar  que  o  rio  grande  avistado  em  1500  pelo  explorador  era  o  Orinoco  e  não  o 
Amazonas,  valendo  nos  para  lanio  precisamente  das  narrativas  de  Marlir  e  dos  autos  do  pleito  de 
Diego  Colombo. 

Conta-nos  o  protonotário  apostólico,  na  versão  de  Trevisan,  que  quando  encontraram  o  mar 
doce  procuraram  os  castelhanos  conhecer  a  origem  da  singularidade,  e  acharam  que  ela  partia  de  um 
grande  rio,  o  qual  entrava  com  grandíssimo  ímpeto  pelo  mar  dentro  ao  longo  de  15  léguas  ('"').  A  região 
banhada  pelo  rio  chamaram  Mariatambal.  Na  edição  princeps  de  151!  diz-ncs  o  mesmo  autor  que, 
investigando  da  causa  do  mar  doce  onde  encheram  suas  vasilhas,  deram  com  um  concurso  de  rios 
rápidos  que  afluíam  com  violência  dc  vastos  montes,  mas  não  se  menciona  a  distancia  a  que  encontra- 
ram água  potável.  Ao  nome  Mariatambal  de  tôda  a  região  acrescenta  dois  outros,  Paricora  e  Camomoro, 
o  primeiro  da  margem  esquerda  do  rio,  o  outro  da  direita.  Eis  tudo  quanto  até  1511  estava  escrito  sobre 
o  achado  de  Pinzon. 

Estes  escassos  esclarecimentos  adaptam-se  muito  melhor  à  suposição  de  ser  o  Orinoco  o 
grande  rio  do  que  à  geralmente  aceite  do  Amazonas.  Com  efeito,  a  extensão  do  mar  doce  no  segundo  é 
muito  próxima  das  15  léguas  indicadas,  e  o  entusiasmo  pela  maravilha  que  os  castelhanos  viam  pela 
primeira  vez  devia  levá-los  a  exagerar  a  grandeza  do  fenómeno;  além  disso,  não  há  elevação  monta- 
nhosa apreciável  que  a  vista  desarmada  alcance  do  seu  estuário,  nem  montes  classificáveis  de  vastos 
para  quem  entra  por  êle  dentro  mais  de  trinta  léguas.  E'  um  facto  sabido  que  quem  navega  na  costa 
brasileira,  partindo  do  rio  do  Pará  para  o  norte,  só  vê  montanhas  dignas  do  nome  na  foz  do  Oyapoc  ('•"); 
ora  precisamente  o  contrário  sucede  no  Orinoco,  pois  na  sua  margem  direita  e  a  curta  distância  se 
elcam  diversos  montes,  ao  fim  da  cadeia  que  corre  ao  sabor  das  costas  de  Venezuela,  por  Humboldt 
baptizada  serras  de  Parime.  O  exame  topográfico  dos  lugares  faz-nos  pois  suspeitar  de  que  Mártir  se 
refere  ao  rio  de  Venezuela,  e  não  ao  do  5rasil.  ' 

Estas  suspeitas  se  confirmam  em  face  dum  argumento  de  pêso.  A  narração  do  milanês  exclui 
formalmente  a  hipótese  do  desembarque  inicial  na  ilha  de  Marajó;  foi  bastante  ao  norte  ou  ao  sul  que 
Pinzon  primeiro  avistou  terras  americanas.  Por  conseguinte,  se  cie  viu  o  Amazonas,  deveria  ter  citado 
suas  duas  embocaduras,  e  elas  estariam  também  mencionadas  no  têrmo  das  capitulações  de  ISOt.  A 
primeira  impressão  dos  navegadores  em  face  da  dupla  foz  é  que  são  dois  poderosos  rios  distintos,  e 
assim  se  acreditou  por  bastante  tempo;  só  depois  de  explorado  o  do  Pará  se  reconheceu  a  separação 
da  enorme  torrente  fluvial  produzida  pela  ilha  de  Marajó,  com  74  quilómetros  de  frente  para  o  mar.  No 
rio  do  Pará.  para  onde  correm  as  águas  do  rápido  Tocantins,  não  se  faz  sensível  o  mar  doce.  no 
entanto  os  seus  80  quilómetros  de  foz  eram  bem  dignos  de  menção;  esta  largura  desmedida  em  aberto 
é  mesmo  maior  que  a  do  braço  ocidental,  onde  a  presença  das  ilhas  Cariane  e  Mexiana  a  torna  menos 
visível.  Ora  Pinzon  nos  fala  de  uma  única  bôca,  do  mesmo  modo  que  o  têrmo  de  1501,  o  que  indica 
não  ser  o  Amazonas  o  rio  em  questão. 

Harrisse,  que  consagrou  ao  Maranon  uma  análise  demorada,  acha-se  perplexo  diante  do 
silêncio  dos  espanhóis  acerca  da  dupla  embocadura,  e  conclui  que  êles  ignoravam  em  1519  e  ainda 
depois,  a  existência  do  rio  do  Pará  ("").  De  facto,  o  primeiro  a  mencioná-lo  explicitamente  em  1548  é 
Oviedo,  sob  o  nome  Rio  de  Navidad  Tam  surpreendente  conclusão  é  inconciliável  com  a  crença,  parti- 
lhada pelo  ilustre  americanista.  de  que  Pinzon  desembarcou  ao  sul  do  rio  do  Pará,  no  cabo  de 
S.  Agostinho  ou  noutro  próximo.  Ela  apenas  serve  para  mostrar  —  e  nisto  estamos  d'acôrdo  --  que  só 
muito  tarde  conheceram  os  castelhanos  o  Amazonas,  ou  pelo  menos  que  as  suas  noções  acerca  dele 
eram  das  mais  confusas  e  suas  navegações  para  èsses  lados  muito  escassas. 

Uma  outra  razão  nos  impele  a  duvidar  de  que  Pinzon  tivesse  avistado  em  1500  o  Amazonas. 
Tanto  a  descrição  italiana  quanto  as  latinas  dizem-nos  sêcamente  que  depois  do  encontro  do  mar  doce 
seguiram  para  o  norte  e  chegaram  a  Pária;  o  único  pormenor  que  trazem  é  a  recuperação  do  pólo. 
Sabemos  já  que  isto  não  passa  de  uma  mistificação  de  Pinzon,  porque  ainda  na  hipótese  de  se  tratar 


I         «  '     "  rilrouali  de  Monlalboddo  (IM7).  que  reproduz  com  ligeiras  alterações  o  texto  de  Tre- 

viwn.  esta  e»crUo  irouorô  uns  bocha  che  p.  XV  miglia  sboccaua  i  mjre  con  gr.jdissimo  ipciu.  Caetano  da  Silva,  lendo  crrada- 
menie  na  eaiçâo  de  ISIZ  que  a  bftci  tinha  15  milhas  de  largo,  conclui  ser  a  do  braço  principal  do  Amazonas,  enlie  lupalv  e 
a  Ljvtan*.  Mtsmo  admitindo  esta  leliura.  podia  perieltamenie  a  largura  indicada  ser  a  do  Orinoco 

("°)   Caetano  da  Silw*.  op.  ctl..  §  2368.  2513  e  outros, 

('")   Th*  diplomalic  history  of  America,  pág.  120. 

IS4 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


daquele  rio,  êle  veria  a  tramontana  na  sua  foz.  O  certo  é  que,  se  era  o  Amazonas,  os  expedicionários 
deviam  ter  percorrido  cêrca  de  360  léguas  de  costa  até  Pária  e  a  Doca  dei  Drago  (mais  de  metade  das 
600  acusadas  por  Pinzon).  e  gasto  peto  menos  24  dias.  porquanto,  em  mar  completamente  estranho  e 
enlre  os  perigos  inerentes  a  uma  cabotagem  de  Inspecção,  a  marcha  diurna  não  podia  exceder  15  léguas. 
(Pois  durante  o  longo  intervalo  não  viram  nada  de  notável,  mesmo  dentro  do  critério  de  Mártir,  que  só 
aproveitou  para  a  sua  narrativa  o  que  lhe  pareceu  interessar  os  amadores! 

Compreende-se  que,  à  vista  do  desembaraço  dos  belicosos  selvagens  e  escarmentados  com  a 
morte  de  alguns  companheiros,  os  castelhanos  fugissem  de  encontros  perigosos,  mas  é  incrivel  que  não 
desembarcassem  em  tam  dilatada  faxa  de  litoral,  sequer  para  desencantar  o  ouro,  as  pedrarias  ou  as 
essências  apetecidas.  Mas  dado  que  o  fizessem  sem  resultado  e  que  calassem  suas  pesquizas  na  terra 
inóspita,  é  curioso  que  Pinzon  não  nos  diga  palavra  dos  grandes  rios  que  abundam  na  costa:  o  Oyapoc 
(mais  tarde  conhecido  sob  o  nome  de  Vicente  Pinzon),  o  Maroni,  o  Corentine,  o  mesmo  Essequibo  que 
tem  na  foz  mais  de  20  quilómetros.  Mais  ainda,  depois  da  surprêsa  do  mar  doce  no  Amazonas,  nâo  iulga 
digno  de  uma  modesta  referência  o  Orinoco,  cujo  enorme  volume  de  água,  saindo  com  fòrça  por  uma 
bòca  de  40  quilómetros,  se  espraia  mar  a  dentro,  reproduzindo  por  algumas  léguas  aquele  mesmo  fenó- 
meno da  dulcificação!  O  silêncio  do  navegador,  inexplicável  na  versão  corrente,  tem  ao  contrário  justifi- 
cação na  nossa.  Da  foz  do  Orinoco  até  o  Garapiche.  onde  começa  a  região  que  Colombo  designou  por 
Pária,  não  havia  senão  terras  alagadiças  densamente  arborizadas  e  de  escassa  população,  entre  as  quais 
circulam  os  caítos  do  delta.  Nada  tinha  Pinzon  de  interessante  a  contar  nos. 

O  lèrmo  das  capitulações  de  Pinzon  em  1501,  descrevendo  as  descoberias  do  navegador,  diz 
que  a  pariir  de  S.  Mjriâ  de/  mar  dulce  a  costa  segue  pelo  noroeste  até  o  cabo  de  S.  Vicente.  Nâo  era 
conhecido  senão  pelo  diploma  éste  cabo.  do  qual.  a-pesar  de  muitas  pesquizas,  nunca  fôra  encontrada 
menção,  quer  em  escrittts,  quer  em  cartas,  até  que,  adquirido  pelo  Dritish  Museum  o  Alias  de  portulanos 
designado  como  de  Egerton,  se  viu  nêle  inscrito  o  nome  procurado.  A  pesar  da  interpretação  do  poriu- 
lano.  em  que  vém  o  nordeste  da  América  meridional,  estar  sujeita  a  grandes  incertezas.  ('**)  é  fóra  de 
dúvida  que  o  cabo  de  S.  Vicente  está  figurado  muito  ao  norte  do  Orinoco,  como  quer  que  êsle  esteja 
representado. 

Ora  se  o  rio  do  mar  doce  é  o  Orinoco,  o  rumo  do  litoral  que  desce  do  gólfo  de  Pária  pôde 
arbilrar  se.  de  um  modo  grosseiro,  no  noroeste,  na  parte  próxima  do  rio;  mas  se  é  o  Amazonas,  tal 
rumo  é  inadmissível  para  o  trecho  de  mais  de  300  léguas  que  separa  o  Amazonas  do  incerto  cabo  de 
S.  Vicente.  A  costa  que  sóbe  de  Ponta  Grossa  tem  primeiro  a  direcção  norte  até  o  Cabo  Norte,  depois 
inclina  se  sensivelmente  para  o  noinoroestc  até  o  Cabo  Orange.  e  a  seguir  (orna  até  o  Orinoco  varia- 
das inflexões,  desde  oesnoroeste  até  nornoroesle.  O  longo  trajecto  entre  o  Amazonas  até  o  cabo  de 
S.  Vicente  está  no  termo  vazio  de  qualquer  denominação,  coisa  singular,  já  que  éle  representa  quási 
metade  das  600  léguas  que  Pinzon  alega  ter  percorrido  de  terra  firme;  mas  mais  nos  espantamos  quando 
vemos  os  reis  católicos  privar  o  descobridor  da  governação  destas  300  e  tantas  léguas  de  costa,  nunca 
antes  vistas  e  exploradas  por  cristão  algum,  reservando-lhe  Iam  sòmcnte  a  região  precedente  e  deixando 
um  vazio  importante,  i  Não  se  está  a  ver  que  só  esta  constituía  aos  olhos  dos  monarcas  descoberta 
apreciável  e  que  a  outra,  além  de  pequena  extensão,  porventura  já  fóra  vista?  iNo  tam  precioso  diploma, 
para  os  que  veem  o  Amazonas  no  rio  S.  Maria  dei  mar  dulce,  até  se  ignora  a  existência  do  Orinoco 
de  larga  embocadura. em  que  há  também  um  mar  doce! 

Se  até  aqui.  nas  narrativas  de  Mártir  até  1511,  só  vemos  razões  para  crer  que  o  ousado 
capitão  nâo  vogára  em  1500  nas  águas  do  Amazonas,  a  terceira  de  1516,  na  qual  se  lhe  atribui  a 
descoberta  do  Maragnonus.  está  longe  de  nos  induzir  à  convicção  contrária! 

Mariir  já  se  ocupára  désle  rio.  que  nos  descreve  numa  carta  datada  de  Valladoltd  aos  18  de 
dezembro  de  1513.  da  qual  aqui  vertemos  livremente  uma  passagem:  Entre  os  vários  rios.  quer  grandes 
quer  medíocres  ou  pequenos,  encontraram  (os  descobridores  espanhóis)  um  de  dimensões  tam  conside- 
ráveis que  parece  incrivel  te  lo  produzido  a  natureza.  Asseveram  que  tem  mais  de  oitenta  milhas  de 
largo,  não  sendo  uma  baía  mas  um  rio,  pois  as  suas  águas  doces  correm  para  o  oceano  entre  muitas 


(>")  Vcl«-fie  adianic  a  sccçSo  O  mãp*  de  Csntino,  ê  cãrtã  de  Mártir  e  os  porluUnos  d'Egerton. 

155 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ilhas  sendo  insensível  às  marés.  Navegaram  as  caravelas  40  léguas  por  êle  dentro  e  travaram  relações 
com  05  régulos  indígenas  que.  conquanto  a  princípio  renitentes,  se  de.xaram  levar  de  reciprocas  dádivas 
amistosas  Estes  régulos  se  chamam  Chiocones.  O  nome  pátrio  do  no  é  Maranhão;  alguns  o  colocam 
nr/;Srf  n.íro5  para  té  desta  linha,  mas  todos  declaram  gue  néle  perdem  o  P^^o  árctico  r  i 
Cilaremos  em  seguida  uma  referência  no  9°  Vmo  da  Década  11.  escrita  nos  !ms  de  1514. 
embora  publicada  em  1516.  Contam  os  castelhanos  que  no  tempo  de  Colombo  descobriram,  e  mais  tarde 
percorreram,  um  rio  cuja  foz  se  abre  no  mar  por  pouco  menos  de  100  milhas,  na  primeira  costa  de 
Pária  como  noutra  parte  dissemos:  tle  vém  de  altos  montes  para  uma  embocadura  furibunda,  de  modo 
Que  com  o  seu  ímpeto  e  vastidão  o  mar  retrocede  ainda  quando  reuôlto  pela  força  dos  ventos;  e  dizem 
aue  em  todo  éste  grande  espaço  não  sentiram  qualquer  amargor  nas  águas  que  são  doces  e  próprias 
para  bebida.  Os  indígenas  chamam  a  êste  rio  Maranhão,  e  às  regiões  adjacentes  Mariatambal,  Camomoro 

e  ''''""'■^Q^^^i^  ^  distância  entre  o  Maragnonus  e  Pária,  encontrámos  no  livro  lO.o  da  mesma 
Década  II  as  seguintes  indicações,  que  Marlir  declara  tiradas  do  exame  cuidadoso  das  melhores  cartas 
de  ]uan  de  la  Cosa  e  André  de  Morales,  a  que  procedeu  em  companhia  do  bispo  D.  luan  de  Fonseca, 
presidente  do  Conselho  das  índias.  Daquele  cabo  (S.  Agostinho)  incluído  na  linha  dos  portugueses, 
tirada  no  paralelo  das  ilhas  de  Cabo  Uerde  cem  léguas  para  o  ocidente  ('"*),  o  qual  tem  sido  explorado 
para  cá  e  para  lá  dele.  achamos  trezentas  léguas  até  a  foz  do  rio  Maranhão,  Daí  até  a  Boca  do 
Dragão  há  setecentas  léguas,  em  algumas  cartas  um  pouco  menos,  porque  não  estão  todos  de  acôrdo. 
Querem  que  a  légua  espanhola  tenha  quatro  mil  passos  quando  no  mar.  porém  em  terra  três. 

Para  complemento  destas  citações  julgamos  conveniente  reproduzir  conjuntamente  a  digressão 
Inserta  na  edição  de  1516,  já  de  nós  conhecida  e  cuja  data  não  sabemos,  embora  se  possa  fixar  em  1514. 
Caminhando  étes  em  território  contínuo  para  o  ocidente,  em  direcção  a  Pária,  cerca  de  trezentas  léguas 
desde  o  ponto  de  terra  que  perde  o  pólo  árctico,  dizem  que  quási  a  meia  distância  foram  dar  a  um 
rio  chamado  Maranhão,  tam  largo  que  o  suspeito  de  fabuloso.  Interrogados  posteriormente  por  mim  se 
era  um  braço  de  mar  responderam  que  eram  doces  as  águas  dêste  pégo.  tanto  mais  doces  quanto 
mais  se  sobe  a  corrente,  e  que  é  semeado  de  ilhas  e  peixes.  Ousam  dizer  que  tem  mais  de  trinta 

léguas  de  largura  e  desagua  com  impetuoso  curso  no  mar  que  cede  ao  seu  furor  

Estes  quatro  trechos,  a-pesar  de  escritos  com  pequeno  intervalo  de  tempo,  são  manifestamente 
inconciliáveis.  Ao  passo  que  no  primeiro  a  largura  da  foz  é  avaliada  em  mais  de  80,  o  segundo 
amplia-a  a  pouco  menos  de  100  e  o  último  a  120.  A  situação  geográfica  do  rio  c  inteiramente  diversa 
na  primeira  e  última  citações.  Naquela  diz-se  que  os  navegantes  perdem  nele  o  pólo  árctico,  nesta  está 
o  rio  situado  a  cêrca  de  150  léguas  acima  do  ponto  em  que  se  oculta  o  pólo.  São  sobretudo  de  assi- 
nalar as  divergências  entre  os  textos  de  1501.  1511  e  1516,  e  entre  êste  e  o  terceiro  dos  citados.  A  sua 
comparação  conduz-nos  ao  resultado  inesperado  de  que  não  é  único  o  rio  no  qual  se  nota  o  mar  doce, 
sendo  que  contra  o  desdobramento  não  protesta  a  redacção  final  de  1516. 

Efectivamente  lemos  na  edição  princeps  e  em  Trevisan  que  o  pólo  foi  recuperado  depois  dos 
navegadores  se  apartarem  do  rio,  caminhando  50  léguas  para  o  norte.  O  ponto  em  que  perdiam  a 
tramontana  está  situado  portanto  ao  norte  do  rio;  mas  na  segunda  edição  está  situado  ao  sul  do  rio. 
em  posição  diametralmente  oposta.  Além  disso,  não  concordam  as  distâncias  do  rio  a  Pária.  PInzon 
declarou  no  diploma  oficial  de  5  de  dezembro  de  1500  ter  percorrido  600  léguas  de  terra  firme  e 
repetiu-o  a  Mártir;  esta  era  indubitáuelmente  a  sua  versão  exagerada  do  afastamento  entre  a  primeira 
arribada  ao  continente  americano,  em  S.  Maria  de  la  Consolación,  e  o  último  promontório  de  Pária.  Ora. 
segundo  a  Década  1,  o  Maragnonus  está  situado  quási  ao  meio  das  300  léguas  que  separam  êste 
promontório  do  ponio  em  que  perderam  o  pólo  árctico;  e  no  trecho  em  que  Mártir  nos  dá  conta  de 
suas  medições  nas  melhores  cartas  contemporâneas  lemos  que  o  rio  está  apartado  700  léguas  de  Pária. 

As  flagrantes  contradições  apontadas  arrastam  à  inferência  de  que  são  dois  os  grandes  rios  e 
assim  parece  da  descrição,  embora  Mártir  numa  frase  de  1516  os  venha  a  identificar  com  um  terceiro, 


{'»*)   Opus  epislotarum  Petri  /Aarfyris  Anglehi  Mediolanensis,  Complutl.  1530.  epistola  529. 

O  iratado  de  Tonlesilhas.  de  1494,  marca  370  léguas  e  aio  100,  como  queria  a  Dula  ái  4  de  Maio  de  1493. 
dtada  por  Alexandre  VI. 

156 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


visto  e  citado  por  Colombo.  Assim  se  aíigurou  a  Las  Casas  quando  narra  a  viagem  de  Pinzon,  copiando 
de  Marlir  ("").  Estamos  pois  em  face  dum  dilema:  ou  o  Maragnonus  é  o  S.  Mãríâ  dei  mar  dulce  de 
1500.  quer  seja  o  Orinoco  quer  o  Amazonas,  ou  há  dois  rios  distintos,  o  Amazonas,  chamado  Maragno- 
nus, e  o  Orinoco,  ao  qual  cabe  a  denominação  de  Pinzon, 

E'  claro  que  o  protonotário  apostólico  desconhecia  em  1501  e  1510  a  denominação  gentílica 
MaraHon  e  as  30  léguas  da  sua  foz.  aliás  te  las  ia  mencionado  e  não  se  limitaria  a  Mariatambal, 
omitindo  as  dimensões  que  em  1516  capitula  de  fabulosas.  Temos  um  fiador  seguro  da  ignorância  de 
Mártir  e  Pinzon  quanto  ao  nome:  é  o  lèrmo  das  capitulações  de  5  de  Setembro  de  1501,  que  náo  fala 
em  tal  Os  novos  dados  acerca  do  rio  foram  ministrados  a  Mártir  mais  tarde,  e  como  éle  declara  ter 
interrogado  Pinzon  posímodum,  somos  induzidos  a  crer  que  foram  colhidos  pelo  navegador  em  viagem 
posterior  a  1500.  O  escritor  intercalou  os  na  sua  narrativa  negligentemente,  sem  se  dar  ao  cuidado  de 
nos  ajudar  com  datas,  e  sem  embargo  da  contradição  geográfica. 

Não  é  ocioso  reflectir  que  se  o  nome  Marafion  podia  ter  sido  trazido  por  Pinzon  da  nova 
exploração,  na  qual  entraram  muitas  léguas  corrente  acima,  não  acontece  outro  tanto  quanto  à  extensão 
espantosa  da  embocadura.  No  Orinoco,  a  Bõca  de  Navios  tem  à  esquerda  uma  série  de  ilhas,  separadas 
por  canais,  as  quais  só  em  segundo  exame  se  reconhece  estarem  situadas  na  foz.  tomando  esta  desde  a 
Ponia  Darima  aié  a  Bahia  Araguao;  no  Amazonas  o  vasto  estuário  é  logo  patente,  a  pesar  das  ilhas 
Mexiana  e  Caviana.  A  aparição,  posterior  a  1501.  das  30  léguas  de  foz  indica  pois  que  o  S.  Maria  dei 
mar  dutce  não  é  o  Amazonas,  porquanto  neste  caso  Pinzon  engrandeceria  a  maravilha  aos  olhos  de 
Mártir,  e  êste  aos  de  seus  leitores. 

A  existência  de  uma  dupla  embocadura  neste  rio  converge  para  a  mesma  conclusão.  A  foz  do 
Amazonas  própriamente  dito  tem  efectivamente  30  léguas  náuticas  de  1500,  e  é  de  admirar  como  Mártir, 
de  aumento  em  aumento,  acaba  por  nos  dar  a  cifra  exacta,  se  é  que  pela  foz  do  Maragnonus  da 
Década  1  se  deve  entender  sòmente  o  âmbito  compreendido  entre  Ponta  Grossa  e  o  extrèmo  ocidental 
da  ilha  de  Marajó.  Se  porém  o  ampliarmos  até  a  Ponta  Tigiõca  incluindo  o  rio  do  Pará.  a  largura 
medida  excede  45  léguas,  e  o  número  de  Mariir  resulta  deficiente,  onde  o  esperávamos  exagerado.  Pinzon 
aliás  apenas  nos  fala  de  uma  bòca,  devendo  ler  visto  as  duas.  e  nào  eram  para  omitir  as  13  léguas  de 
largura  da  barra  do  rio  do  Pará.  Para  mais,  se  Mártir  em  1511  identificava  o  rio  com  outro  visto  por 
Colombo,  é  evidente  que  não  pôde  ser  o  Amazonas,  pois  o  almirante  só  deparou  com  braços  do 
Orinoco  e  jamais  sonhou  com  aquelouhro,  afastado  de  Pária  350  léguas  e  IO»  de  latitude. 

Na  Dócada  II  o  Maragnonus  designa  um  rio  distinto  de  S.  Maria  dei  mar  dulce.  como  se 
deduz  da  distância  de  700  léguas  a  Pária  que  as  melhores  carias  lhe  davam.  Desde  que  Pinzon  arbi- 
trava em  600  léguas  o  percurso  em  1500  até  Pária,  e  5.  Maria  dei  mar  dulce  eslava  intercalado  néle. 
não  pôde  ser  evidentemente  o  mesmo  rio.  Mariir  em  1514  cita  André  de  Morales  como  notável  construtor 
de  cartas;  todavia  este  pitôto.  em  1515,  referiu-se  a  uma  carta  sua  construída  por  indicações  de  Diego 
de  Lepe,  na  qual  a  latitude  do  Cabo  de  S.  Agostinho  era  de  18«  (""). 

Assim  se  explicará  porventura  a  ilusão  do  protonotário  acérca  do  Maragnonus  da  Década  II; 
se  êste  era  o  Amazonas,  como  parece,  a  distância  orça  por  metade  das  700  léguas. 

Em  socorro  dèste  modo  de  ver  podem  aduzir  se  dois  argumentos,  que  todavia  estão  longe  de 
ser  convincentes.  Sabe-se  que  Pinzon  partilhando  do  comando  com  o  português  João  Dias  de  Solis,  fêz 
uma  viagem  de  1508  a  1509,  ao  térmo  da  qual  Mártir  assevera,  nos  livros  7.»  e  8.«  da  sua  Década  II, 
ter  descido  por  Pária  e  atingido  o  cabo  de  S.  Agostinho,  atribuindo  a  èste  ?<>  de  latitude  sul.  O  sacer- 
dote milanês  em  1510  ouvira  vagamente  falar  da  expedição  dos  célebres  pilotos,  como  confessa  num 
dos  últimos  períodos  da  Década  1.  e  só  a  descreve  nos  livros  7.o  e  S.»  da  Década  II  (I5I4).  Aí  nos  fala 
éle  pela  primeira  vez  dos  régulos  Chiacones,  e  até  nos  dá  os  nomes  de  alguns;  por  outro  lado  a  carta 
póstuma  de  1513,  da  qual  dêmos  atrás  um  extracto,  diz  que  estes  régulos  pertencem  ao  Maragnonus 
e  como  Pinzon  e  Solis  chegaram  a  7°  de  latitude  sul,  condui-se  que  êste  rio  é  o  Amazonas,  visitado 
em  1509  pelos  dois  descobridores. 

Mas  Mariir,  confundindo  provávelmente  Cária.  no  Honduras,  com  Pária,  no  nordeste  da  Amé- 
rica meridional,  transplantou  para  a  segunda  região  factos  e  nomes  da  primeira.  Pinzon  e  Ledesma  nos 


(■»)  Ve[3  se  adiante  a  pjrtc  déste  capflulo  intitulada  Outeda,  Qamirà,  Lss  CâSãs  «  Herrtra. 

Cei^teo  Duro,  .irtiso  cilado  na  nota  172. 


157 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


seus  depoimentos  referem  a  Honduras  as  localidades  Chiabaca  e  Pentigua,  e  um  dos  portulanos  de 
Egerton  traz  estes  nomes  naquela  posição;  ora  Mártir  diz  que  sào  os  de  dois  Chiacones.  donde  se  segue 
que  estes  não  pertencem  ao  grande  rio  Maragnonus.  Do  mesmo  modo,  a  grande  baía  de  Nauidad,  que 
na  narrativa  da  expedição  nos  surge  em  Pária,  está  no  Honduras,  como  se  vê  naquele  portulano,  em 
outras  cartas  posteriores  e  no  depoimento  de  Ledesma.  Finalmente,  o  cabo  de  7°  de  latitude  sul  não 
pôde  ser  o  de  S.  Agostinho.  O  êrro  de  \^2\  por  defeito  na  coordenada  geográfica,  quando  elas  eram 
arbitradas  em  excesso  meridionais,  já  indica  que  os  nautas  não  tocaram  no  cabo;  mas  temos  melhor. 
Mártir  diz  nos.  no  comêço  do  livro  S."  da  Década  II,  que  Pinzon  regressou  de  S.  Agostinho,  trazendo 
ouro  da  província  de  Ciamba.  em  que  ela  abunda.  Ora  na  região  vizinha  do  cabo  nunca  se  explorou  èsle 
metal,  e  a  aurífera  Ciamba  está  situada  em  Honduras,  tendo  sido  descoberta  por  Colombo  durante  a 
sua  última  viagem  (1502-1504)  V').  Nâo  há  pois  que  ter  fé  no  relato  latino  ('"). 

O  segundo  argumento  deduzimo-lo  duma  passagem  de  Oviedo.  Y  no  es  assi.  diz  o  cronista. 
porque  el  golpho  de  higueras  (em  Honduras)  lo  descubrieron  los  pilotos  Vicente  Vahez  Pinçon  e  Johan 
Diaz  de  Solis  e  Pedro  de  Ledesma  com  tres  carauellas.  antes  que  Vicente  VaUez  descubrísse  el  rio 
MaraHon.  ni  que  pI  Solis  descubrísse  el  rio  de  la  Plata  Ora  como  Pinzon  apenas  em  1508  esteve 
em  Honduras  em  companhia  dos  dois  marinheiros  citados,  seguír-se-ia  que  o  Maranon  foi  descoberto 
em  1509.  ao  fim  da  excursão  por  Pária.  Esta  passagem  de  Oviedo  tem  intrigado  todos  os  historiadores, 
para  os  quais  é  ponto  de  fé  ter  estado  Pinzon  em  1500  no  Amazonas,  pois  dela  se  concluiria  que  já  em' 
data  tam  atrazada  se  havia  descoberto  Honduras,  dois  anos  antes  de  Colombo;  mas  a  dificuldade  se 
desvanece  com  a  interpretação  proposta.  Contudo,  como  o  cronista  afirma  paralelamente  que  a  expedi- 
ção constava  de  três  caravelas,  quando  na  realidade  foram  duas  n  e  além  disso  em  outros  lugares 
nos  declara  ter  Pinzon  descoberto  em  1500  o  Maranon,  ficamos  em  dúvida  se  houve  equivoco. 

Nâo  é  indispensável  admitir  que  Pinzon  tivesse  estado  no  Amazonas 'em  1509  para  acreditar 
que  o  Maragnonus  da  Década  II  é  diferente  de  S.  Maria  dei  mar  dulce,  e  as  contradições  de  Mártir 
explicam  se  com  o  facto  de  o  escritor  receber  informações  de  diversa  origem,  donde  lhe  resultaram 
noções  emaranhadas.  Aos  ouvidos  do  protonotário  apostólico  chegaram  notícias  de  um  enorme  rio 
chamado  Maranon,  com  um  mar  doce  no  estuário,  e  calculando  ser  o  mesmo  que  em  1500  vira  Pinzon 
teve  ocasião  de  o  interrogar  novamente -pos/morfum,  diz  o  relato  de  1516- porventura  após  o  faleci- 
mento de  Diego  de  Lepe.  a  quem  èlc  se  deveria  ler  dirigido  por  comummente  lhe  atribuírem  o  achado 
A  resposta  foi  confirmativa,  quer  por  estar  aquele  capitão  persuadido  de  que  o  MaraHon  era  o  seu 
5.  Mana  dei  mar  dulce.  quer  por  (er  realmente  passado  pelo  Amazonas  e  querer  usurpar  glórias  ao 
seu  émulo.  declarando-se  seu  precursor,  perfídia  frequente  entre  descobridores.  Quanto  à  data  da  visita 
se  ela  se  efectivou,  tanto  pôde  ser  1509  como  outra  posterior  até  1514.  quando  se  finou  Pinzon  pois  se 
ignora  em  que  éle  empregou  sua  actividade  duranie  este  prazo.  Em  qualquer  das  hipóteses,  as  informa- 
Òutras^fonles''  "°  «coadunavam  com  as  primitivas,  nem  com  as  que  Mártir  bebeu  em 

Através  de  tôdas  as  conjecturas  plausíveis  ou  arriscadas  dois  factos  subsistem  entretanto 
irrecusáveis  e  concludentes:  I.o  Pinzon  ignorava  em  1501  o  nome  indígena  Maranon  e  Mártir  desconhe- 
cia-o  amda  em  1511.  bem  como  a  fabulosa  amplitude  da  sua  bôca;  2.o  a  situação  geográfica  dêste  rio  é 
inteiramente  diversa  da  daquele  que  o  castelhano  descobriu  em  1500.  S.  Maria  dei  mar  dulce  não  é 
portanto  o  Amazonas,  mas  o  Orinoco. 

Esta  conclusão  é  confirmada  pelo  diploma  oficial  de  23  de  setembro  de  1519,  que  confere 
AMntn  P^7"'^^^^^s«"^entes  dos  Pinzones,  (-)  à  conta  dos  descobrimentos  fe. tos  por  Mariin 
Alonzo  Pmzon,  Vicente  Vanez  Pmzon.  Diego  de  Lepe  e  outros  dois  da  mesma  extirpe.  Neste  documento 

L^X  lT.lir^  "T"'  ""^"''^         '^'"«''^  r^^r,an^,^,  das  quais  a  primeira  é  a  de 

Colombo  em  1492,  de  que  participaram  os  dois  primeiros,  e  a  segunda  foi  feita  à  costa  de  Perlas 


dtado  ».  noVrkn'""™'*-  ™  *  ^""-^  afl9u«-se  que  o  cabo  de  Mártir  è  o  de  Catoche.  no  Honduras  (arligo 

RIcoX  ma»  *s.?go?émo  ?i'ihT.lS'1?o  3"o^do'em  2^/0  AbKe^Sos^?/)""''"  'V  ^ovémo  da  ilha  de  S.  luan  (Pôrto 

<-)   Op.  dr-,  livro  XXXI.  ap  8°  (Documentos  inedUos  das  índias,  lòmo  XXXI.  pig.  309). 

Toribio  dc  Medina,  op.  clt..  pág.  CXXII  do  l.o  lôma 
(■')  Navarrete,  op.  dt.  lômo  III.  píg.  14S. 


158 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


descobríndo-se  nela  et  gran  rio  y  el  Brasil.  NSo  há  dúvida  de  que  et  gran  rio  é  o  Amazonas,  então 
visitado  de  espanhóis  pela  primeira  vez.  Em  ambas  as  expedições  os  navios  eram  Irés,  e  as  armas 
concedidas  contêm  efectivamente  Irês  caravelas.  Mostraremos,  no  estudo  subsequente  sôbre  Diego  de 
Lepe,  que  a  segunda  viagem  comemorada  se  deve  atribuir  a  éste  capitão,  verdadeiro  descobridor  caste- 
lhano do  Amazonas;  mas  podemos  supôr,  sem  prejuízo  de  dedução,  que  ela  foi  ao  comando  de  Pinzon. 
Ora  como  a  expedição  dêste  em  ISOO  teve  quatro  navios,  não  pôde  ser  aquela  em  que  se  descobriu 
et  gran  rio;  em  1500.  portanto,  não  foi  visto  por  Pinzon  o  Amazonas,  nem  à  fortiori  o  domínio  portu- 
guês assegurado  pelo  convénio  de  Tordesilhas. 

Como  consequência,  S.  Maria  de  la  Consotadon,  primeira  ponta  do  continente  em  que  tocou 
Pinzon  em  1500,  é  um  dos  muitos  cabos  existentes  entre  o  Amazonas  e  o  Orinoco.  Presumimos  que  é 
o  de  Orange,  porquanto  o  mapa  de  La  Cosa,  de  1500,  o  mais  antigo  dos  que  arquivam  as  descobertas 
da  América,  apresenta  como  limite  das  terras  austrais  conhecidas  o  tèrmo  do  ângulo  obtuso  que  faz  a 
costa  entre  o  Orinoco  e  o  referido  cabo;  além  do  que  o  rumo  da  costa  ao  norte  do  cabo  cofncide 
sensivelmente  com  o  indicado  por  Pinzon.  no  seu  depoimento  de  1513. 

Vamos  ver  agora,  contra  a  alirnialiva  de  Mártir,  que  por  MaraHon  se  entendia  em  1513  um  rio 
descoberto  por  oulro  navegador  castelhano,  ignorado  dos  primeiros  cronistas. 


|M  facto  para  nós  capital,  e  ainda  não  pòsto  suficientemente  em  relevo,  é  que  tôdas  as  teste-  o  MAHAftoH 
munhas  no  pleito  de  Diego  Colombo,  entre  1513  e  1515.  que  falam  no  Maraâon,  atribuem 
invariávelmente  a  sua  descoberta  a  Diego  de  Lepe  e  não  a  Vicente  Pinzon.  Até  êsle. 
mencionando  as  suas  descobertas,  não  incluí  nelas  a  do  rio  cujo  nome  por  aquele  tempo 
andava  em  muitas  bocas  de  embarcadiços. 
O  fiscal,  evidentemente  conluiado  com  os  Pinzones  e  outros  para  enegrecer  os  méritos  de 
Colombo  e  exaltar  os  serviços  dos  seus  adversários,  pregunta  aos  depoentes  se  o  capitão  castelhano  e 
seus  companheiros  entraram  no  rio  granie  donde  hallaron  el  agua  dulce  que  entraba  en  la  mar. 
deixando-nos  em  dúvida  sôbre  se  èste  era  o  Marafion,  nome  que  èle  não  devia  ignorar,  e  sôbre  a  época 
em  que  o  facto  se  deu. 

Vicente  Pinzon  responde-lhe  em  1513  O"*),  sem  citar  data  alguma,  que  descobriu  aquele  rio. 
cuja  caudal  ia  até  40  léguas  pelo  mar  dentro  e  também  lhe  omite  cuidadosamente  o  nome.  Se  o  rio  a 
que  se  refere  no  depoimento  era  o  achado  em  1500.  deveria  dar-lhe  a  denominação  d'entâo.  S.  Maria 
dei  mar  dulce,  do  mesmo  modo  que  reivindicou,  aliás  erradamente.  Consolación  para  o  cabo  de  S.  Agos- 
tinho; se  era  o  fabuloso  Marahon,  distinto  do  primeiro,  ^  porque  não  lhe  deu  o  nome  pelo  qual  começou 
a  ser  conhecido  ? 

Nào  se  podem  invocar  as  40  léguas  de  mar  doce  como  prova  cabal  de  que  se  tratava  do 
Amazonas.  Trevisan  em  1501  diz-nos  que  o  rio  safa  15  léguas  pelo  mar  dentro.  E*  digna  de  pouca  íé  a 
medição,  naturalmente  avolumada,  tanto  mais  quanto  o  mar  doce  apresenta  contornos  indecisos;  mas 
certo  é  que  a  imaginação  de  Pinzon  se  deu  por  satisfeita  quando,  em  conversa  com  Mártir,  arbitrou 
aquele  número  de  15  léguas  Chamado  mais  tarde  à  barra  testemunhal,  declara  que  a  corrente  de  água 
doce  ia  até  40  léguas,  isto  é.  quási  ao  triplo  do  primitivo  cálculo. 


P"*)  Veia-se  o  Apêndice  B. 


159 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Iam  grande  diferença  sugere  que  o  navegadar  se  referia,  nos  dois  casos,  a  rios  diversos.  No 
Orinoco  o  fenómeno  da  dulcificação  realiza-se  à  distância  de  5  léguas,  se  as  conlarmos  da  linha  entre  a 
Ponta  Sabaneia  e  a  ilha  dos  Cangrejos;  e  não  admira  que  a  mendacidade  dos  marítimos  a  convertesse 
em  15,  Ainda  nos  princípios  do  século  passado,  ao  que  nos  informa  Humboldl,  os  pilotos  costeiros  a 
elevavam  à  cifra  fantástica  de  60  léguas  V  ').  Mas  no  Amazonas,  onde  o  mar  doce  vai  regularmente  até 
a  ilha  Dailique,  a  umas  12  léguas  da  ilha  Caviana.  iá  considerada  além  da  foz.  é  incrível  que  a  imagi- 
nação dos  castelhanos  se  contentasse  com  15.  Esta  modesta  cifra  apenas  é  compatível  com  o  Orinoco,  e 
as  40  léguas  lém  explicação,  se  o  rio  a  que  se  referiu  Pinzon  é  o  Maraíton.  No  entreianlo.  não  é  legitimo 
tirar  dai  inferências  seguras;  e  demais,  as  outras  testemunhas  dão-nos  avaliações  diferentes,  que  descem 
até  20  léguas  (]uan  de  Umbria,  piloto  de  Pinzon). 

Tampouco  se  pôde  afirmar  que  o  rio  é  o  Amazonas,  porque  Pinzon  declara  ter  descoberto 
a  província  de  Parisur^.  denominação  que  em  algumas  cartas  antigas  é  afectada  à  costa  vizinha  do 
Amazonas.  Na  edição  princeps  das  Décadas  vem  citadas  as  designações  Paricore  e  Camomorus  (='")  que 
Mártir  dá  às  margens  esquerda  e  direita  do  rio  grande  do  mar  doce;  mas  estes  nomes  estão  ausentes 
da  versão  de  Trevisan.  O  capitão  castelhano  só  menciona  dois  nomes  no  seu  depoimento:  o  cabo  de 
Consolación  e  a  provinda  de  Parísura;  todavia  o  têrmo  das  capitulações  de  1501  fala-nos  de  S.  Maria 
de  Consolación  e  omite  Parisura,  que  deveria  aplicar-se  a  la  Herra  de  Itiengo  fasta  el  cabo  de  San 
Vicente.  O  silêncio  do  lérmo  a  respeito  de  Parisura,  expressamente  mencionada  por  Pinzon  em  1513.  e 
igual  omissão  no  texto  de  Trevisan  mostram  que  èste  nome  e  o  de  Camomorus  não  foram  trazidos  da 
viagem  de  1500,  mas  provavelmente  de  outra,  realizada  anos  depois,  cuja  existência  havemos  de 
demonstrar.  E'  conveniente  repetir  que  Paricura  é  citada  cinco  anos  antes  do  Maragnonus.  com  30  léguas 
de  largura  na  entrada.  Achamos  de  resto  singular  que  os  aborígenes  tivessem  uma  denominação  de 
conjunto  para  tôda  a  região  banhada  pelo  rio,  Mariatambal  (Marinatambal  em  Trévisan  e  Marina  tubalo 
no  têrmo  de  1501),  e  a  desdobrassem  para  as  duas  margens  em  palavras  inteiramente  distintas 
da  primeira. 

A  maior  parte  dos  autores,  imbuídos  da  falsa  idéa  preconcebida  de  que  5.  Maria  dei  mar 
dulce  é  o  Amazonas,  supõem  erradamente  que  Paricura  era  a  costa  que  continuava  imediatamente  a 
margem  esquerda  dêsle  rio.  Em  abòno  desta  opinião  cita  Harrisse  (■"*)  os  mapas  de  Vesconii  Maiollo, 
de  1519  e  1527,  o  Laurenciano  de  1526  e  os  de  Diogo  Ribeiro  de  1529,  os  quais  trazem  costa  de  Pari- 
cura na  situação  indicada  (*'").  No  já  citado  portulano  de  Egerion,  posterior  a  1509,  um  pouco  ao  norte 
do  Golfo  grande  está  costa  de  paricura;  mas  esta  designação  falta  no  planisfério  de  La  Cosa  (1500)  que 
todavia  é  considerado  como  representando  as  descobertas  de  Pinzon.  A  presença  de  Paricura  em  cartas, 
das  quais  a  mais  antiga  é  posterior  a  1509,  não  atesta  que  o  nome  seja  de  1500.  Os  mapas  de  Cantino 
(1502)  e  Canério  (depois  de  1504),  de  origem  portuguesa,  não  trazem  Paricura. 

Caetano  da  Silva,  que  é  do  parecer  corrente,  localiza  Paricura  entre  a  ponla  Jupaty,  no 
Amazonas,  e  o  cabo  de  Orange.  fundando-se,  com  d'Avezac,  na  existência  ao  longo  desta  costa  duma 
tribu  de  índios,  que  os  franceses  apelidam  Palicours  e  os  portugueses  Paricuras,  como  se  depreende  de 
um  opúsculo  escrito  em  1846  por  Monteiro  Daena  ('"')■  Ignoramos  o  valor  desta  afirmação  isolada, 
podendo  dar-se  o  caso  da  denominação  portuguesa  ser  tradução  da  francesa,  mas  é  certo  que  os 
Palicours  vagueavam  nas  margens  do  Oyapoc.  a  80  léguas  do  Amazonas  e  que  a  primeira  menção 
déles  se  faz  em  1666,  num  livro  do  francês  La  Darre,  e  na  carta  francesa  de  Pierre  du  Val.  que  não 


Ç")   Humboldt,  Voyage  tux  régions  eçuatoriales,  tômo  I.  cap.  3.«. 

(**)  NSo  nos  queremos  embrenhar  no  dédalo  lingulsiico  por  onde  andam  com  pouca  segurança  os  próprios  espe* 
daltsiat;  todavia  arrevemo-nos  a  sugerir  que.  em  Pjnsur.r,  o  prefixo  Pan  tentia  a  mesma  origem  que  em  Pâriâ.  Se  assim  fôr, 
Pêrntirê  eslarla  mais  propriamente  na  margem  esquerda  do  Orinoco  que  na  do  Amazonas.  Oviedo  cita  nas  margens  do 
a[p''^/*^''  ****  Orinoco,  a  provinda  de  Bãralubãro,  cuja  analogia  com  Marina  tubãlo  é  de  notar.  (Op.  dt..  livro  XXIV, 

("*)   Thg  diplomãtic  history  of  America,  pig.  126, 

(•>•)  Só  de  Harrisse  conhecemos  a  cana  Laurentiana  (The  Díscort-rf  of  Sorfh  America,  pág.  540);  as  outras 
encontrtm-ie  no  alias  que  acompantia  o  Premicr  mémoire  já  dtado  do  B.  do  Rio  Branco.  Nos  de  Maiollo  de  1519  e  1527  o 
gnnde  rio,  ligurado  em  siluaçào  excessivamente  meridional,  é  designado  por  le  mare  dolce  ou  pjncuna  la  duke,  estando 

"'*""'•'""'  O"  simplesmente  maranon.  Sâo  os  únicos  dos  primitivos  mapas  que  dào  ésle  rio 
como  Olittnto  do  Amazonas,  (efr.  Harrisse.  DiplomaUc  history,  pág.  1281. 

("")   Op.  dl..  §  2557. 

160 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


remonia  além  de  1664  (*"').  O  nome  Pãrícura  caberia  portanto  à  costa  em  que  sai  o  Ovapoc.  conhecido 
nas  cartas  antigas  como  rio  de  Vicente  Pinzon.  Nada  mais  falível,  aliis,  que  assentar  deduç&es  em 
analogias  verbais,  pois  abundam  os  exemplos  de  nomes  iguais  ou  semelhantes  em  localidades  extrema- 
mente afastadas. 

Manuel  de  Valdevinos,  depoente  nas  ProbanzâS.  conta  nos  de  un  rio  grande  anegado  al  cual 
pusieron  por  nombre  pãritura,  donde  hãltaron  en  la  mar  que  salia  dei  rio  el  agua  dulce  mas  de  trenta 
léguas  Não  está  averiguado  se  esta  testemunha,  que  confunde  a  denominação  da  terra  com  a  das 
águas,  acompanhou  Pinzon  em  1500.  e  lemos  tal  facto  como  improvável.  Êle  declarou  que  fué  con  el  dicho 
[/icente  Vafiez  Pinzon...  la  segunda  vez  que  fué  a  descobrir,  mas  ignoramos  se  no  seu  entender  a 
primeira  foi  a  viagem  de  1492  com  Colombo,  ou  ainda  outra  de  que  Mártir  faz  vaga  menção  no  fim  da 
Década  L  As  informações  dadas  por  Valdovinos  acêrca  do  rio  são  perfeitamente  aplicáveis  ao  Orinoco. 

O  exame  imparcial  do  depoimento  de  Pinzon  conduz  pois  à  conclusão  de  que  o  rio  grande 
tanto  pôde  ser  o  Orinoco,  como  o  Marafion.  supondo  que  para  o  capitão  êste  era  o  Amazonas. 
A  omissão  do  nome  é  porventura  um  ardil,  pelo  qual  èle  dava  a  entender  que  descobrira  o  MaraHon. 
eximindo-se  à  contradita  das  testemunhas  convictas  de  que  èste  rio  fôra  descoberto  por  Diego  de  Lepe. 
E'  o  que  vamos  agora  demonstrar,  começando  por  uma  das  mais  insuspeitas. 

Diego  Fernandez  Colmenero,  que  na  provisão  régia  de  5  de  dezembro  de  1500  e  em  outro 
diploma  de  15  de  outubro  de  1501  é  apresentado  como  sobrinho  e  companheiro  de  Pinzon.  foi  por 
capitão  de  um  dos  seus  navios  na  expedição  de  1500  e  talvez  noutra  subsequente.  Esta  testemunha  tem, 
por  conseguinte,  tanta  autoridade  na  matéria  como  o  tio.  Pois  bem.  êle  diz-nos  que  uido...  yr  a  descubrir 
al  dicho  Diego  de  Lepe.  e  que  èste  descobriu  o  Maranhão,  na  parte  sul  da  terra  firme,  o  qual  antes 
dêle  ninguém  avistara.  Não  foi.  portanto,  Pinzon  que  primeiro  viu  èste  rio. 

A  segunda  Testemunha  cujo  depoimento  invocamos  é  luan  Rodriguez,  que  foi  ao  comando  de 
seu  irmão  Diego  de  Lepe,  e  menciona  como  descoberta  por  èste  navegador  la  costa  en  que  entra  en 
esto  el  rio  grande  (/  el  maraHo  é  donde  está  en  la  mar  el  agua  dulce.  Marrisse  à  vista  do  verbo  entra 
no  singular  diz  que  el  rio  grande  e  el  marafío  são  sinónimos  (*")-  A  alegação  é  fútil;  não  só  os  espa- 
nhóis de  baixa  condição  dispensavam  o  rigor  sintáctico  (bem  como  o  escrivão  dos  autos),  mas  a 
conjunção  f  é  suficiente  refutação, 

O  terceiro  depoimento  chamado  ao  caso  é  o  de  Oarcia  Ferrando,  que,  na  opinião  de  Navarrete, 
é  uma  das  testemunhas  mais  verídicas  e  imparciais  Segundo  êle,  Diego  de  Lepe  fué  a  descubrír 
por  st;  parte  e  llego  al  rio  de  maraHon :  no  entanto  êle  acompanhou  Pinzon.  indo  como  escrivão  de 
S.  Alteza,  e  devia  ter  reivindicado  para  êsle  a  glória  da  descoberta,  se  para  tanto  houvesse  lugar. 
Havemos  de  provar  que  esta  viagem  de  Ferrando  não  se  efectuou  em  1499-  1500.  mas  em  1503  -  1504. 

Finalmente.  Alonso  Rodriguez  de  la  Calva,  Luiz  dei  Valle  e  Cristobal  Garcia  também  asse- 
veram que  o  MaraHon  foi  descoberto  por  Diego  de  Lepe,  com  quem  navegaram.  A  unanimidade  é 
perfeita  nas  6  testemunhas  que  falam  neste  rio,  nem  se  pôde  argumentar  com  parcialidade  nos  depoentes, 
porque  dois  dêles  são  Colmenero,  sobrinho  de  Pinzon  ao  seu  serviço  e  Ferrando,  cuja  sinceridade  por 
ninguém  é  posta  em  dúvida. 

cQual  era,  porém,  o  rio  a  que  inicialmente  os  espanhóis  chamavam  MaraHon?  Não  sofre 
dúvida,  ã  vista  do  exposto,  que  a  sua  descoberta  se  deve  a  Diego  de  Lepe.  mas  faltam  indicações  que 
permitam  a  Identificação  irrecusável.  Se  dos  depoimentos  constasse  dum  modo  seguro  que  havia  na 
sua  bôca  um  mar  doce.  a  questão  estaria  resolvida;  era  o  Amazonas,  já  que  não  podia  ser  o  Orinoco. 
E'  verdade  que  em  favor  desta  opinião  se  pôde  invocar  o  testemunho,  atrás  citado,  de  ]uan  Rodriguez, 
irmão  e  pilôto  de  Diego  de  Lepe;  mas  os  outros  depoentes  não  se  referem  ao  fenómeno,  e  testis  unus, 
testis  nullus.  No  entanto,  como  Mártir  leve  notícia  entre  1510  e  1513  dum  grande  rio  chamado  Maraáon 


O  No  1.0  Alias  mencionjdo  do  D-  do  Rio  Branco.  Numi  carta  de  Theodore  dc  Bry,  de  1M9,  publluda  no 
mesmo  Alias.  lê-se  eúribes  Pjrãculíos  entre  o  Corentyne  e  o  Oy^poc 

(K")  Todos  os  depoimenios  que  a  seguir  sAo  mencloiudot  coiulun  do  Apéa4ict  B.  respostas  It  e  8.*  pre- 
suntas do  Ilscal 

í»'"»  Navarrete,  op.  cit..  tômo  111.  doe  XVI. 

(*")  The  aiplomattc  history  o1  Americs,  pág.  115. 

(lU)  Op.  cit..  lõmo  III,  pig.  S40. 


21 


161 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


com  um  mar  doce  na  entrada,  somos  levados  a  ver  nêle  o  mesmo  que  Diego  de  Lepe  primeiro  auistou 
e  era  o  Amazonas.  No  que  se  enganou  o  doulo  milanês  foi  em  atribuir  a  descoberta  a  Pinzon,  mas  o 
engano  deve  se  provavelmente  à  jactância  déste. 

Para  Varnhagen,  que  reproduz  a  opinião  de  Humboldt  em  1820  C'*).  aquele  nome  cabia  ao 
que  hoje  se  chama  Meary  ou  Mearim  e  foi  desde  o  primeiro  quartel  do  século  XVI  conhecido  dos 
portugueses  como  Maranhão.  Êste  seria  indubitavelmente  o  descoberto  por  Diego  de  Lepe;  se  o  planis- 
lério  de  La  Cosa  não  tivesse  um  rasgão,  nêle  veríamos  desenhado  o  rio  em  latitude  aproximada  da  real, 
e  do  mesmo  modo  as  caravelas  figuradas  sâo  as  déste  navegador.  Tanto  em  Portugal  como  em  CasteUa, 
diz  o  eminente  brasileiro,  estweram  por  algum  tempo  na  crença  de  que  não  havia  por  ahi  mais  que 
um  grande  rio,  entrando  pela  terra  dentro,  pois  os  que  reconheciam  o  verdadeiro  Maranhão  não 
conheciam  o  Amazonas  actual  e  vice-uersa,  donde  se  originou  confusão  acerca  destes  dois  rios,  t/indo 
ambos  a  ser  designados  com  o  nome  de  Maranhão,  de  modo  que  o  próprio  Pinzon  descobridor  não  do 
verdadeiro  Maranhão  descoberto  por  Lepe.  mas  sim  da  boca  do  grande  rio  Santa  Maria  dei  mar  dulce 
ou  actual  Amazonas,  não  duvidou  assegurar  a  Oviedo  haver  elle  sido  o  descobridor  do  Maranon  ;  e  mais 
tarde  Orellana,  baixando  o  mesmo  Amazonas,  não  teve  forças  para  provar  que  não  era  o  Maranon  o 
rio  por  que  baixara,  e  para  voltar  ao  mesmo  rio  chegava  a  desejar  pilotos  portugueses  'porque  eram 
os  únicos  conhecedores  da  costa  que  continuamente  navegavam»  ("'). 
Êste  período  encerra  muito  menos  verdade  que  fantasia. 

Notemos  desde  iá  que,  se  Pinzon  costeou  desde  Mocuripe  (segundo  Varnhagen)  até  Pária 
com  certeza  descobriu  o  Mearim.  de  sorte  que  o  único  merecimento  de  Diego  de  Lepe  seria  então  o  de 
lhe  achar  o  nome.  A  hipótese  considerada  conduz  pois  a  localizar  os  achados  de  Pinzon  para  o  norte 
do  Mearim  e  a  escolher  para  cabo  de  S.  Maria  de  la  Consolación  qualquer  das  pontas  entre  Aruaca  e 
Tigioca.  Marlir,  em  1513  e  1514,  designa  por  Maragnonus  um  grandíssimo  rio  corii  um  mar  doce  na  foz 
o  que  se  não  verifica  no  Mearim.  embora  éle  se)a  caudaloso  e  até  manifeste  a  póróroca  (*")  Varnhaqen 
diz  que  Mártir  se  quere  referir  ao  Mearim.  o  que  c  um  artifício  cómodo  para  fugir  a  dificuldades  mas 
esquece-se  de  explicar  porque  razão  lhe  atribui  um  mar  doce.  Oviedo,  em  1548.  refere  que  Pinzon  lhe 
afirmára  ter  descoberto  em  1500  o  Maranon,  que  é.  no  entender  do  cronista,  o  Amazonas  Havemos  de 
analisar,  em  outra  secção,  o  valor  do  asserto,  mas  é  certo  que  o  nauta  castelhano  não  podia  confundir 
este  no  com  o  Mearim.  bem  mais  modesto,  e  muito  mais  se  descobrira  a  ambos 

No  tocante  a  Orellana,  lemos  em  Herrera  que  este  capitão  accordó...  de  venir  a  dar  cuenta 
al  Rei^  de  tan  grande  descubrimiento,  certificando  que  no  era  el  rio  MaraHon.  seçun  dixeron  los  de 
Cubagua.  v  muchos  le  llaman  el  Dorado  Esta  passagem  revela-nos  que  o  rio  repudiado  pelo  capitão 
casielhano  era  o  Orinoco  ao  qual  se  restringia  o  nome  de  Eldorado;  nem  os  de  Cubagua  ou  ilha 
Margarita  conheceriam  o  Amazonas,  afastado  mais  de  350  léguas.  Frav  Gaspar  Carvaial.  que  acompanhou 
Orellana  e  lo.  o  cronista  da  acidentada  exploração,  supõe  ter  percorrido  o  grande  Maranon  e  Oviedo 
comentando  a  sua  relação,  acrescenta  (-)  que  unos  dKen  ques  el  de  fiuyapari  é  atros  el  Marafion 

m,TJ'l*'r  "r^'"'"  Aniazonas  abaixo  o  confundiram  com  o  menos  importante  Mearim.  situado 
uiuiio  iTiâis  oO  sul. 

Varnhagen   cila.  em  abôno  da  sua  opinião,  uma  única  razão,  de  Iam  grande  fraqueza 

IZTJ  .  Diogo  Ribeiro,  car.ógraio  português  ao  se  v  ço  d^ 

Carlos  V.  da  o  nome  de  Trindade  a  uma  ilha  do  seu  Maranon;  ora  assim  foi  conhecida  desde  O 

pnncu>.o  a  grande  ilha  do  Mearim  (-).  Pondo  de  parte  a  circunstância  de  Ribeiro  designar  por  nlnidad 

r  ^  mesmo  Varnhagen  cita  uma  carta  de  Luís  Sar^enlo 

à  c^rta  denoirdT  T"'!  "^^J^'  '  '''''       ^^^"^  ^'^  que  fósse  acresc^tado 

à  carta  depois  da  sua  confecção,  hipótese  inaceitável  desde  que  se  lé  a  mesma  inscrição  nos  mapas 


íl!lí  ií"';^-'"'  '•'Vwns  équalorUles,  lômo  VIII.  pág.  112. 
í-    P^ilíTLT.t^^^r  ^'•'"'i  ^^^-  •»  ^  3*  edição. 

TdZiZ"''I^',''Í'^'  Occaent^lcs.  Deoda  VI ;  livro  IX.  cap.  VI 

S.vi.h..         á  LtTTÀ\\t.^xtloT^ím'^^^^^  Medina  W»í,n^,>„,o  rf./  rio  áe  /«  Amazonas. 

com  .igu™..  modilic.cfles  por  O.        io  ^p' VÍSTív^ 'sa^Sr?.  '  °  '""-"'^^ 

'    ''P*  Cil.  pAQ.  126.  262  tf  1M 


ti-i  ^2  26r 

l   I  veíi.se  o  mapa  no  Atlas  anoKO  a  l«  Mimoire  do  Dario  do  Rio  Branco 

162 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


anteriores  de  Turim  (1523)  e  Weimar  (1527).  Diogo  Ribeiro  aliás  não  traz  o  Maranhão  dos  portugueses, 
que  parece  ter  confundido  com  o  Mârafton  dos  espanhóis;  a  sua  nomenclatura  nesta  parte  nâo  inspira 
confiança,  pois  coloca  a  oriente  do  grande  rio  um  outro  de  \/ic^te  pl  (de  Vicente  Pinzon),  que  todos 
colocam  ao  norte  e  representa  o  Oyapoc. 

A  opinião  de  Varnhagen.  que  foi  também  a  de  d'Avezac,  acha-se  rebatida  longamente  por  Cae- 
tano da  Silva,  o  qual  em  I86I  a  considera  condenada  há  mais  de  dois  séculos  e  meio  ("0:  porém  as 
razões  apresentadas  não  lèm  valor  provante.  se  exceptuarmos  a  que  resulta  de  Mártir,  já  por  nós  invo- 
cada, e  a  de  Oviedo,  que  é  tardia  de  mais  (1526).  Não  hesitamos  todavia  em  aceitar  que  começasse  a 
haver  confusão  entre  o  Amazonas  e  o  Mearim,  depois  que  os  portugueses,  em  época  incerta,  descobriram 
êste  último  rio  e  lhe  chamaram  Maranhão  ("'). 

Nâo  esta  assente  a  etimologia  da  palavra,  porventura  derivada  de  expressão  Indigena  que 
signifique  vasto  lençol  d  agua  C").  e  neste  caso  bem  podiam  os  índios  da  costa  que  se  estende  entre  o 
Amazonas  e  o  Mearim  empregá-la  para  designar  qualquer  dos  dois.  Supomos  que  os  portugueses  nunca 
os  confundiram,  mas  ainda  hoje  ignoramos  como  chamavam  ao  primeiro,  já  por  éles  explorado  em  1540 
quando  Orellana  o  redescobriu  para  Castela  e  lhe  impôs  a  actual  denominação. 

Para  os  castelhanos  èsle  era  o  MaraHon.  avistado  anos  depois  de  1500  por  Diego  de  Lepe: 
no  entanto  é  certo  que  muitos  imprópriamente  assim  designavam  o  Orinoco.  Não  são  poucos  os  vestígios 
que  restam,  nas  obras  impressas,  desta  confusão,  e  da  ignorância  em  que  estavam  os  espanhóis  da 
verdadeira  posição  do  grande  rio.  não  só  nos  primeiros  lustros  que  se  seguiram  à  sua  descoberta,  mas 
ainda  depois  r"Õ. 

O  primeiro  autor  em  que  elas  se  notam  é  Mártir  quando  admite  ler  sido  visto  por  Colombo 
o  Maragnonus.  sendo  notório  que  o  almirante  apenas  deparou  com  os  braços  do  Orinoco.  Herrera  na 
Descripcion  de  las  índias  OccidenUiles  ("').  referindo  se  ao  seu  Maraíwn,  que  era  o  Mearim.  coloca-lhe 
a  foz  100  léguas  ao  poente  da  do  Amazonas,  e  confunde  suas  nascentes  com  as  do  Orinoco.  Má  igual- 
mente sinais  evidentes  do  engano  na  passagem  das  Décadas  do  mesmo  cronista  pouco  atrás  transcrita, 
bem  como  nos  capítulos  que  se  referem  a  Diego  d  Ordás  (*).  Para  Fr.  Gregório  Garcia,  impresso  em 
1607.  o  Marahon  não  é  senão  o  Orinoco  (***).  e  Fr.  Pedro  Simon,  cuja  obra  data  de  1626  (^.  sustenta 


(Vi    Op.  dl..  §§  I6I9  C  IM8 

C")   Njo  concordamos  com  a  hipótese  de  Caetano  da  Silva  dum  suposto  (rro  de  Diego  Leite  cm  tS3l  (Op. 

dl..  §  251 9\ 

("O  Ctiarles  Harti  dá  como  orÍ(]Cm  dc  Mjrjfíon  ou  Maranlum  a  palavra  p.jr.in.1.  fundando-sc  (segundo  uma 
versio  a  nós  comunicada  por  Capislrano  dc  Abreu),  em  que  era  p.}r^n.i  minm  o  noniL'  Indígena  dum  rio  chamado  Maranhlo- 
Slnho.  Humboldl  observou  cm  1820  que  pãrjn.l  significa  em  língua  brasileira  mar  ou  grande  Agua  (Uoyage  tux  n^gions 
ifi]u.iion.ile^,  tòmo  III,  p.ig.  342.  nota);  o  que  é  conlinnado  no  belo  estudo  do  vocabulário  guarani  teilo  por  Caetano  de  Almeida 
Nogueira  (Anaes  dj  Biblioteca  Nacional  do  Rio  de  Jjnciro,  vol.  7,  IS79).  No  rio  Amazonas  por  vezes  se  designam  por  pêrana- 
mirim  os  Cdn;>ls  que  h-l  vnire  »s  n^r^ens  c  ilhas  compridas. 

(«•)    Humboidt.  Op  cil.,  lòmo  VIII.  pág,  MO. 

(■**)   Cap.  S.  pag  14  da  cdiclo  de  1730 

(*")  No  lômo  II  da  l  »  Memória  cilada  de  Rio  Branco  vém  a  pág,  4  exlractos  da  capilulaçAo  de  Diogo  d'Ordis 
em  que  Carlos  V  lhe  fáz  em  lb30  a  concess.)0  da  conquisl.i  c  povoação  de  200  léguas  de  costa  entre  M.ir.i'}an  e  Cabo  de 
Vela.  mas  rctonhcccndo-se  depois  que  a  dIsiÂncia  dísie*  ponto*  era  maior,  o  monarca  deu-Ihe  a  escolher  entre  200  léguas 
contadas  entre  o  Mjrjrian  e  Pòrii,  ou  igual  exiensâo  a  conlar  dc  Maracapana  em  sentido  inverso.  Como  Diogo  Ribeiro,  canó- 
graio  da  Casa  de  Conlralacion,  em  1S29  situava  o  Miirahon-Amaxonas  por  |o30,  a  mais  dc  S70  léguas  do  Cabo  de  Vela. 
pregunta>se  se  o  Maranon  da  concessão  n3o  será  o  Orinoco,  que  nio  aparece  na  carta  de  Ribeiro. 

Herrera  diz  que  Ordás  entrou  no  rio  e  déle  saiu  para  Pária,  onde  se  insialou  na  margem  esquerda  do  Huyaparl 
(nome  que  davam  então  ao.  Cafto  de  Vagre).  disputando  a  Antoni  Sedefto.  governador  da  ilha  fronteira  da  Trindade,  a  posse 
dum  fortim  na  terra  lirme.  Este  quelxou-se  a  Carlos  V  c  obteve  a  satisfação,  sendo  ordenado  a  Ordás  a  escolha  acima  men- 
cionada Ordás  ficou  no  Muyaparl  que  lica  a  mais  dc  3^0  léguas  do  Amazonas,  e  cada  vez  se  afastou  mais  déle;  e  só  se 
compreende  que  supozesse  estar  deniro  da  sua  jurisdição,  se  tomava  o  Marãfíon  pelo  Orinoco. 

Oviedo,  que  escreveu  SO  anos  antes  de  Herrera,  neqa  no  cap.  3.o  do  Hvro  XXIV  que  Ordás  entrasse  no  Amazonas. 
Diz  íle  que  os  expedicionários  se  perderam  por  deficiência  das  caria*  dc  marear,  que  representavam  uma  costa  totalmente 
diferente  da  real;  i>ies  p.iraram  num  ponto  com  2o,S  de  latitude  boreal,  e  retrocederam  penosamente  para  Pána,  numa  longa 
derrota  de  40  dias.  Do  Mjcãíion  de  Ribeiro  estavam  ties  afastados  cérca  de  4°.  todavia  preferiram  voltar  atrás  e  percorrer  B», 
sendo  seu  objectivo  o  M.irji}on  Se  estas  circunstancias  não  nos  d^o  indfcios  da  tioçio  com  que  Ordás  ficou  do  grande  rio, 
ao  menos  mostram  a  ignorância  profunda  dos  espanhóis  acéica  da  sua  verdadeira  situsçlo,  e  explicam  que  Orellana  duvidasse 
da  idenllficaçâo  do  seu  rio  com  o  Maranon. 

Fr.  Pedro  Simon  teve  informações  mais  copiosas  que  Herrera  e  doutra  origem.  Êle  afirma  que  Ordás  entrou  no 
Orinoco  •  Maraí^on.  mas  atribui  ao  fidalgo  castelhano  coisas  que  já  Enciso  em  I&I9  mendona,  e  se  passaram  ao  sul  do  equador 
(episódio  da  grande  esmeralda  e  da  .irvore  de  incenso). 

("•)   Origen  de  /os  indtos  de  el  nuevo  mundo  e  índias  occidentales.  Hvro  II,  §  IV,  pág  74  da  edíçao  de  1729. 

(^)  Noticias  historiêlrs  de  las  conquistas  da  tierra  firme  en  las  índias  occidenlales,  1626;  noticia  2.*,  up.  17  « 
noticia  6.*.  cap.  23. 


163 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


abertamenie  o  mesmo  parecer.  E'  verdade  que  o  jesuíta  Gumilla  e  fr.  Amónio  Cautin  ("").  escrevendo 
em  1731  e  1771,  asseveram  que  o  Orinoco  nunca  leve  o  nome  de  Maranon.  mas  há  mais  de  um  século 
ou  século  e  meio  enlre  estes  escritores  e  o  anterior. 

O  geógrafo  espanhol  Enciso,  descrevendo  em  1519  a  costa  compreendida  enlre  Pária,  a  que 
atribui  7o  boreais,  e  o  cabo  de  S.  Agostinho,  com  8°  austrais,  menciona  apenas  dois  rios:  Mararlon  e 
Mar  dulce  ("").  Ao  primeiro  dá  lhe  de  latitude  siete  grados  y  médio  e  a  distância  de  300  léguas  ao 
cabo  de  S.  Agostinho:  ao  segundo,  cuja  foz  dista  25  léguas  da  do  primeiro,  concede  l//  grados  ^ 
médio  e  o  afastamento  de  250  léguas  de  Pária.  São  os  dois  grandes  rios  que  figuram,  com  diferentes 
distâncias  ao  equador,  nas  primeiras  carias  de  inspiração  espanhola,  mas  apresentados  em  condições 
muito  longínquas  da  verdade,  quaisquer  que  sejam  as  identificações  propostas. 

A  opinião  geralmente  seguida  vê  no  Maraâon  de  Enciso  o  mesmo  Maranhão  dos  portugueses 
ou  Mearim,  e  no  Mar  dulce  o  Amazonas.  Varnhagen  vai  até  o  extremo  de  enxergar  êrro  tipográfico 
nos  705  .  que  em  seu  parecer  se  deveriam  substituir  por  205',  coordenada  da  foz  do  Mearim  (-^').  Isto  é 
insustentável  porque  não  só  a  latitude  incriminada  está  escrita  por  extenso,  mas  também  deveriam  então 
ser  dois  os  êrros  tipográficos,  visto  como  o  Mar  dulce  está  25  léguas  ao  norte  do  primeiro  e  haveria 
que  substituir  605  por  I^^S'. 

Harrisse,  analisando  o  trecho  de  Enciso  encontra-se  embaraçado  não  pelas  erróneas 
latitudes  das  quais  nem  fala,  mas  pela  dificuldade  de  explicar  porque  motivos;  I.o  — sendo  o  Alar  dulce 
o  Amazonas,  não  são  mencionadas  as  duas  embocaduras;  2.0  — não  podendo  o  Maranon  ser  a  segunda 
embocadura  e  devendo  ser  o  Mearim,  êsle  rio  é  apresentado  tam  próximo  do  Amazonas.  Para  liquidar 
estas  dificuldades,  abalança-se  a  explicações  que  nos  espanta  encontrar  na  pena  de  crítico  tam  sagaz  e 
habitualmente  Iam  seguro.  A  primeira  consiste  em  afirmar  que  em  1519,  e  ainda  depois,  os  espanhóis 
só  conheciam  a  maior  das  embocaduras,  ignorando  a  do  Pará;  a  segunda  constrange-o  a  ver  nas  25 
léguas  um  êrro  tipográfico,  devendo  ler-se  quiçá  75. 

cMas  como  se  pôde  admitir  que  os  espanhóis  percorressem  a  costa  entre  o  Amazonas  e  o 
Mearim  e  lhes  escapasse  o  rio  do  Pará?  Salta  aos  olhos  que  o  consideraram  como  distinto  do  Ama- 
zonas ou  como  uma  derivação  déle.  mas  não  o  ignoravam,  já  que  o  acesso  à  sua  larga  foz  é  muito 
fácil.  Quanto  ao  erro  tipográfico,  notaremos  que  a  emenda  proposta  não  é  bem  exacta,  por  haver  mais 
de  80  léguas  de  costa  entre  a  ponta  da  Tigioca,  no  extrêmo  oriental  do  rio  do  Pará,  e  o  farol  do 
Itacolumi,  no  ocidente  da  bafa  do  Maranhão:  além  disto,  Enciso  diz  que  de  S.  Agostinho  até  o  Maraãon 
há  300  léguas,  quando  a  distância  do  cabo  à  foz  do  Mearim  regula  por  270.  Não  há  necessidade,  aliás, 
de  recorrer  ao  artificio  do  êrro  de  impressão,  quando  é  mais  simples  aceitar  que  o  autor  errou  tÔdas 
as  distancias,  como  é  fácil  de  demonstrar.  A  largura  de  60  léguas  na  foz  peca  por  excesso,  pois  não  é 
lícito  computar  em  mais  de  50  a  distância  entre  as  Pontas  Tigioca  e  Grossa,  e  muito  mais  se  abstrairmos 
do  rio  do  Pará.  cuja  largura  na  barra  regula  por  13  ou  14  léguas.  ]á  vimos  que  a  distância  do  cabo 
S.  Agostinho  ao  MaraHon,  suposlo  ser  êsle  o  Mearim,  é  avaliada  por  excesso;  em  compensação  a  do 
Mar  dulce  a  Pária,  computada  em  250  léguas,  é  menor  que  a  do  Amazonas  àquela  península, 
superior  a  320. 

Examinando  a  descrição  do  geógrafo  espanhol,  vê-se  que  o  Mearim  não  corresponde  ao  seu 
Maraâon.  A  oito  léguas  dentro  de  terra  tem  csle  muitas  ilhas,  o  que  nunca  se  poderá  dizer  do  Mearim; 
e  a  costa  tôda  enlre  S.  Agostinho  e  o  Maraiion  diz-se  limpa  e  funda,  o  que  é  o  contrário  da  verdade. 
Existem  etectivamenie  uns  baixios  ou  parceis  na  baía  do  Maranhão  na  parte  do  oriente,  como  diz 
Enciso,  mas  também  os  há  a  ocidente.  Por  outro  lado  há  diferenças  consideráveis  entre  o  Amazonas  e 
o  Mar  dulce.  A  divisão  dêste  rio  a  25  léguas  da  bôca  em  dois  ramos  que  vão  a  sueste  e  a  sudoeste 
nào  se  ajusta  de  maneira  alguma  àquele;  e  a  direcção  da  costa  desde  o  Alar  dulce  a  Pária,  que  é  dada 
como  oesnoroeste,  afasta-se  por  completo  da  do  litoral  entre  o  Amazonas  e  o  Orinoco. 


S£l  Orinoco  illustrãdo  f  defendido.  1745,  lômo  i,  pág.  8. 
an  no  Orinofo  m9%'iq  7^"'"^*  tstarjil  y  evangélica  de  la  Nueva  Andalucia,  provindas  de  Cumanâ.  Ouyana  y  vertientes 

(^*)  Op!  dt.,  foi.  67  vereo. 

("')  Op.  dl.,  pág.  126. 

t"*)  The  dipiomatic  history  of  America,  pás-  117  a  123.  e  129  a  132. 

164 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


4 


Não  acompanhamos  Hamsse  e  os  demais  na  decifrarão  dos  verdadeiros  enigmas  que  nos 
deÍKOu  Enciso.  O  eminente  americanísla.  supondo  que  èle  fêz  a  sua  descrição  lendo  h  vista  uma  carta, 
quere  que  esta  fôsse  do  tipo  Vesconti  Maiollo.  de  1519  (*").  Parece-nos  que  o  ilustre  sábio  se  equivocou. 
Esta  carta,  a  primeira  que  menciona  o  Maranhão  como  distinto  do  Mare  dolce,  traz  ao  sul  déste  rio 
uma  grande  embocadura  sem  nome  algum  e  um  pouco  depois  dela  uma  outra  muito  menor,  a  que  está 
aposta  a  inscrição  R  de  elli  maralion  ('").  E"  evidente  que  esta  determinação  caberia  à  vasta  loz 
anónima,  se  a  narração  de  Enciso  se  adaptasse  ao  trabalho  de  Vesconti. 

Presumimos  que  na  carta  aonde  o  geógrafo  foi  procurar  elementos  para  a  sua  descrição  se 
confundiram  o  Orinoco  e  o  Amazonas.  Se  notarmos  que  êle  omite  o  Orinoco,  mais  importante  que  o 
seu  Marâiion,  pendemos  a  ver  no  Mar  dulce  aquele  grande  rio.  descrito  com  uma  única  bôca;  se  repa- 
rarmos na  latitude  de  6o,5  em  qualquer  caso  excessiva  inclinamo-nos  a  crer  que  èle  é  o  Amazonas- 
Os  cartógrafos  espanhóis  representavam  o  Orinoco  ou  Rio  grande  em  latitude  por  demais  meridional,  e 
cada  vez  mais  meridional  à  medida  que  se  diluía  a  memória  do  primeiro  mar  doce  encontrado  em  face 
do  outro  muito  maior  no  Amazonas.  Todos  êles  figuravam  ao  sul  do  rio  grande  do  mar  doce,  um  outro 
situado  a  distância  não  considerável:  e  é  éste  o  Maration  de  Enciso. 


CRONISTA  fidalgo  Gonzalo  Fernandez  de  Oviedo  conheceu  pessoalmente  Vicente  Pínzon,  ovtHio.  oo- 
com  quem  manteve  relações  de  amizade  até  à  morte  désie  (*")■  Era  de  esperar,  pois  o  '  ^ 

linha  na  conla  de  uno  de  hs  hombres  de  la  mar  que  éle  vira  mas  bien  hablado,  que  se  km.  . 
demorasse  um  tanto  na  descrição  da  sua  viagem  de  1500,  mas,  em  vez  disso,  expõe-na 
sumáriamente  a  propósito  do  Maranon  ou  Amazonas. 
Em  resumo,  refere-nos  o  cronista  ("")  que  neste  rio  se  realizou  o  encontro  dos  40  cristãos 
com  32  índios,  os  quais  usaram  do  estratagema  de  os  engodar  com  uma  peça  d'ouro  lavrada,  e  que, 
terminado  o  mortífero  combate,  passaram  os  espanhóis  à  outra  margem  do  rio,  a  uma  província  interior, 
Mariatambal,  onde  prenderam  36  índios,  matando  e  ferindo  outros.  En  la  costa  cerca  de  la  tierra  perdeu 
Pinzon  duas  das  quatro  caravelas.  Vè  se  que.  se  o  capitão  contou  a  Oviedo  fielmente  as  suas  aventuras, 
o  escritor  as  estropiou  completamente.  Não  foi  efectivamente  no  Maranon  que  se  acharam  em  presença 
40  homens  de  um  lado  e  32  doutro,  mas  no  ponto  do  segundo  desembarque,  nem  houve  combate  dessa 
vez:  êle  efectuou-se  na  margem  doutro  rio  anterior  em  que  não  puderam  entrar  as  caravelas.  Os  índios 
de  Mariatambal  (Marinatambal  ou  Marina  tubalo)  eram  pacíficos  e  não  ofereciam  resistência,  e  o 
naufrágio  dos  dois  navios  realizou-se  perto  de  Hispaniota,  quando  os  castelhanos  já  haviam  abando- 
nado Pária. 

Oviedo  relata-nos  mais  Jer  ouvido  a  Pínzon  que  descobrira  em  1500  o  Maranon  e  navegara 
por  êle  dentro  15  ou  20  léguas  com  quatro  caravelas  pequenas,  e  o  corrobora  noutra  passagem  da  sua 
História.  Mesmo  antes  dela  impressa  entre  1535  e  1557.  já  fizera  noutra  obra,  dada  à  estampa  em  1526, 
análoga  afirmação,  acompanhada  porém  de  pormenores  muito  diferentes  ("■)■  Sem  citar  o  ano,  o 
cronista  diz-nos  aí  que  Pinzon  entrara  no  rio  com  uma  caravela  mais  de  20  léguas,  mas  por  levar 
pouca  gente  não  ousou  saltar  em  terra  e  desandara  rio  abaixo. 


<»»)   Op.  dt..  pág.  129. 

(***)  Ve|a.&e  a  caria  no  Ailas  que  acompanha  a  !.•  Memoria  do  B.  do  Rio  Branco.  Na  carta  de  1527  do  mesmo 
autor,  Isualmenle  reproduzida  no  Alias,  esii  figurado  m»rãnon,  exaclamenle  na  mesma  posicAo  que  o  marãlion  de  1S19. 

Op.  Cil,  livro  il.  cap.  14.0. 
("•)   Op.  Cil .  iivro  XXIV.  cap  2°  c  livro  XXt.  cap,  3  »,  Veja-se  o  Apêndice  E. 

(■**)   Retacton  summaria  de  la  Historia  Natural  de  tjs  Indiãs.  IS26,  apud  A.  O.  Barda,  historiadores  primitivos 
dt  tês  índias  Oeddenlales.  lol.  II.  V«)a-se  o  Apêndice  £. 


165 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Eslas  contradições  chocantes  firam  a  Oviedo  lôda  a  autoridade  e  revelam  uma  memória  infiel; 
Pinzon  aliás  faleceu  em  1514,  doze  anos  antes  da  primeira  menção,  e  quarenta  e  três  antes  da  última  (*»"). 
No  tocante  a  dalas,  encontramos  na  história  êrros  tam  frequentes  em  acontecimentos  contemporâ- 
neos da  viagem  do  capitão  espanhol  que  nos  fazem  perder  a  fé  na  descoberta  em  lãOO  ("''). 

E'  inegável  que  Pinzon  visitou  neste  ano  S.  Maria  dei  mar  dulce,  rio  de  vasta  bôca  que 
ostenta  um  mar  doce,  cujo  prolongamento  êle  computou  então  em  15  léguas  (Trevísan).  Então  não 
conhecia  o  nome  Maranon  e  apenas  Marinatubaro  como  o  da  região  vizinha;  então  não  sabia  da 
estranha  amplitude  da  foz.  Em  1513,  um  ano  antes  de  morrer,  quando  depôs  solenemente  e  sob 
juramento,  arbitrava  ao  mar  doce  40  léguas,  mas  não  disse  que  o  rio  se  chamava  Mararlon.  deixando-o 
sem  nome.  Sabemos  mais  que  o  Maraíion  era  um  rio  diferente  do  descoberto  pelo  nauta  castelhano,  ã 
visla  dos  depoimentos  de  Diego  Colmenero,  sobrinho  dèste,  de  Garcia  Ferrando,  testemunha  verídica,  e 
de  Juan  Rodriguez,  irmão  de  Diego  de  Lepe.  «LComo  é  então  que  nos  surge  agora  Pinzon  declarando  a 
Oviedo  que  descobrira  o  Marafion  em  1500? 

A  alirmação  do  cronista  é  portanto  mais  que  suspeita.  Explica-se  todavia,  admitindo  uma  de 
duas  hipóteses:  l.*  Pinzon  confundiu  propositalmente  S.  Maria  dei  mar  dulce  com  o  Maranon,  desco- 
berto mais  tarde;  2.'  o  capitão  apenas  se  referiu  a  um  grande  rio  dotado  de  um  mar  doce  e  a  Oviedo 
se  deve  a  sua  confusão  com  oulro  maior  em  que  este  fenómeno  se  manifestava  em  proporções  mais 
consideráveis.  Em  verdade,  não  nos  atrevemos  a  preferir  uma  hipótese  à  outra,  se  bem  que  a  boa 
hermenêutica  nos  aconselhe  a  optar  pela  segunda  para  não  atribuirmos  a  Pinzon  uma  fraude. 

Erancisco  Lopez  de  Gomara,  escritor  cuidado  em  sua  prosa  mais  que  nas  informações 
transmitidas,  também  nos  conta  a  viagem  de  Pinzon  em  1500,  mas  cinge-se  a  Mártir,  acrescentando-lhe 
dados  geográficos  extraídos  das  Probamas  dei  fiscal  e  dos  mapas  da  época  (*'").  E'  assim  que  nos  fala 
no  cabo  de  S.  Agostinho  e  no  rio  dicho  Mariaiambal,  e  no  percurso  entre  o  cabo  e  Pária  cita  Cabo 
primero  (S.  Roque).  Angla  de  Lucas,  tierra  de  humos,  rio  Maranon.  rio  de  Orellana  e  rio  Dulce.  Para 
êste  autor,  que  escreveu  em  1553,  estes  últimos  eram  respectivamente  o  Mearim,  o  Amazonas  e  o 
Orinoco,  mas  êle  não  nos  diz  qual  era  o  dicho  Mariaiambal,  a  que  não  atribui  mar  doce,  podendo 
entender-se  que  era  distinto  dos  outros  três. 

Las  Casas  acompanha  igualmente  Mártir  de  perlo,  embora  nem  sempre  com  fidelidade  (*"). 
Depois  da  passagem  dos  expedicionários  de  1499  pelo  arquipélago  de  Cabo  Verde  fá-los  seguir  la  uia 
dei  Austro  y  despues  al  Levante,  isto  é,  primeiro  o  sul  e  mais  tarde  o  sudoeste.  A  indicação  do  sul 
é  devida  provávelmenie  à  frase  de  Mártir;  Ad  meridiem  recta  proficiscuntur.  mas  êle  refere-se  ao 
trajecto  antes  de  Cabo  Verde.  A  distância  de  300  léguas,  percorrida  desde  Santiago  até  a  ocultação  da 
polar  é  convertida  em  700;  ora  se  a  primeira  peca  por  defeito,  como  já  vimos,  fàcilmente  se  demonstra 
que  a  segunda  peca  ainda  mais  por  excesso.  E'  visível  o  engano  da  transcrição. 

Das  Probanzas.  que  êle  cila,  extraiu  que  Consolación  era  S.  Agostinho.  Ao  rio  grande  chama 
Mararion,  dizendo  ignorar  a  causa  do  nome  e  quem  o  pôs;  dá-Ihe  trinta  léguas  de  bôca  como  Mártir, 
menciona  o  fenómeno  do  mascarei,  como  consta  do  depoimento  de  Anton  Colmenero.  e  não  fala  da 
região  Mariaiambal.  nem  de  Paricora  e  Camomorus.  Mas  onde  é!e  se  afasta  profundamene  de  Mártir  e 
procede  por  sua  conta  é  na  invenção  de  um  segundo  grande  rio,  a  que  Pinzon  teria  posto  o  nome  de 
rio  Dulce  e  em  cuja  foz  foi  possível  beber  água  doce  a  25  ou  30  léguas  da  costa. 

A  Las  Casas  não  escapou  que  o  texto  de  Mártir  era  inconciliável  com  a  existência  de  um 
único  rio  ostentando  na  entrada  o  mar  doce.  Conhecendo  apenas  a  edição  de  1516  das  Décadas,  e  não 
a  edição  pnnceps.  onde  não  se  fala  de  Maranon,  supôs  que  Mártir  sempre  se  referira  a  dois  rios,  e 
procurando  entre  os  que  os  geógrafos  da  sua  época  descreviam  nas  paragens  onde  estivera  Pinzon 
em  1500,  achou  que  o  MaraHon  e  o  rio  Dulce  correspondiam  à  narrativa.  Estes  dois  nomes,  especial- 


a.  tm«-ri-i.í"!^  P  l"'^  "^^rrallva  do  livro  XXIV  ser  mais  conforme  à  de  Mártir  sugere  que  houve  inftuênda  dêste  através 
de  '"P*^'=''jJ^<'^íf°  ^«  C^as  exprobr.  .Oviedo  ignorância  des.a  iingua.%,u%rado  as  luarchaçôes  de^P^^^^^^^^ 

Civro  III  3ore  oSo  «  ^Irnir^,.'™  .i'''*^fi"     r  Sf '"7*'°. «"^  *'-*9""do  uma  versão  não  adoplada 

dois  ano.  í^or£./S';ecíp?ÍS  et  [ÍS^^S  '.Lnl^o\Z^°Z         e^lHiS"        '  ^"""^  '''''' 

ar....o  A'iV^::tnVSS^t  f  ed'.^^o°  dt^/3rrpA"l7T  """''^  °  ^"^ 

Vcja-se  o  Apêndice  E.  ■     k  s-  /■ 


166 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


menle  o  segundo,  só  foram  conhecidos  depois  de  corridos  alguns  anos  do  século  XVL  Os  aulos  das 
Probamas  não  se  opunham  de  resto  ao  desdobramento;  presumimos  até  que  dos  depoimentos  exarados 
colheu  Las  Casas  o  seu  dado  das  25  ou  30  léguas,  diverso  do  de  Plnzon.  Provado  como  está  que  em 
1500  este  capitão  apenas  avistou  um  único  mar  doce,  a  versão  do  bispo  de  Chiapa  exige  que  ête  (6sse 
o  do  Orinoco  e  não  o  do  Amazonas. 

Herrera,  no  relato  que  nos  faz  da  viagem  de  Pinzon,  copiou  servilmente  Las  Casas,  Mmitan* 
do-se  a  suprimir  alguns  pormenores  pouco  importantes  c  as  homilias  humanitárias  do  caridoso 
eclesiástico,  obcecado  pelo  seu  amor  aos  selvagens  da  América,  que  julgava  superiores  aos  africanos, 
querendo  para  estas  criaturas  de  Deus  a  escravatura  e  isentando  as  outras  dela.  A  obra  de  Las  Casas 
ficou  porém  trés  séculos  manuscrita  e  as  Décadas  de  Herrera  foram  assás  divulgadas,  servindo  para 
espalhar  noções  erradas  acerca  dos  descobrimentos  de  Pinzon. 


UM  facto  digno  de  registo  que  as  denominações  trazidas  por  Pinzon  tiveram  duração 
efémera,  e  parece  nào  se  terem  difundido  muito  além  da  eshreita  esfera  dos  seus  compa- 
nheiros de  viagem. 

Se  exceptuarmos  Marina  tubalo  (ou  Marinatambal,  Mariatambat).  nenhuma  das 
primeiras  crónicas  as  menciona  desde  as  epístolas  de  Pedro  Mártir  até  a  obra  de  Gomára. 
Sòmente  vamos  encontrar  algumas  em  Las  Casas  e  Herrera,  que  o  copiou;  mas  o  caridoso  bispo  teve 
presentes  os  autos  das  Probanzas  onde  elas  se  repelem.  Estes  aulos  e  os  lermos  das  capitulações  de 
1501  são  os  únicos  escritos  onde  se  nos  depara  a  nomenclatura  de  Pinzon.  Ela  não  figura  em  carta 
geográfica  alguma  conhecida,  talvez  com  uma  única  excepção,  a  começar  pela  mais  antiga,  o  mapa-mundf 
desenhado  em  1500  por  La  Cosa. 

O  cabo  Santa  Maria  de  la  Consolación,  primeiro  ponto  do  continente  avistado  pelo  castelhano, 
foi  por  èle  identificado,  13  anos  mais  tarde,  com  o  de  S.  Agostinho,  mas  nós  já  apresentamos  boas 
razões  para  taxar  o  depoimento  de  inexacto  neste  particular.  Pinzon  é  aliás  a  única  testemunha  a  citar 
Consolación,  que  não  aparece  na  vetusta  obra  do  piloto  biscainho. 

Num  dos  portulanos,  ditos  de  EgerIon-2803  (1510?).  que  representa  o  nordeste  da  América 
meridional  ("').  veem  se  no  extremo  oriental  duas  denominações  seguidas:  C.  de  S.  Agustino.  S.  Maria 
da  Colon.  Seriamos  tentados  a  ler  aqui  S.  María  de  ta  Consolación ;  mas,  em  primeiro  lugar,  éste  ponto  é 
distinto  de  S.  Agustino  e  nào  coincidente,  como  alega  Pinzon;  em  segundo  lugar,  falta  a  indicação  de 
cabo.  Como  no  entanto  o  planisfério.  que  acompanha  os  portulanos,  traz  na  ponta  mais  oriental  do 
continente  e  em  7o  de  latitude  S.  Maria  e  não  S.  Agustino,  é  possível  que  o  primeiro  déstes  nomes 
designe  èste  cabo  ("').  Adoptando  a  leitura  corrigida  de  5.  AUria  da  Colon,  esta  será  assim  a  única 
subsistente  das  denominações  de  Pinzon  nas  carias  antigas. 

Do  cabo  de  S.  Vicente,  citado  no  térmo  de  1501  como  o  limite  superior  dos  descobrimentos 
de  Pinzon.  nada  mais  se  sabia  até  há  poucos  anos,  nem  mesmo  se  o  nome  se  deve  a  êste  navegador. 
Estavam  os  historiadores  reduzidos  a  conjecturas,  entre  as  quais  convém  assinalar  a  de  Caéano  da 
Silva  ("').  que  foi  adoptada  por  Varnhagen  ("^)  e  pelo  Barão  do  Rio  Branco  ("'). 

O  mapa  de  La  Cosa  traz  na  latitude  de  4*»  30  uma  fierra  de  S.  Ambrósio  e  algumas  léguas 
mais  30  norte  um  cabo  a  que  não  está  aposta  denominação.  Ora  os  navegantes  da  época  costumavam 
designar  as  terras  novas  pelos  nomes  dos  santos  festejados  nos  dias  em  que  elas  eram  descobertas,  e 


A  NOHCNCLA- 

lURA  lir  PIN- 
ZON (  o  PLA- 
riiMI  HtO  Dr 
lUAN  Df  LA 
COSA 


(*<*)  E'  O  numerado  XVII,  lol.  9  ».  da  obra  de  Slevenson.  diada  na  noti  18. 

p**)  Veja-se  a  secção  seguinte  O  mapj  de  Cantino,  a  far/a  rfí  Mjrlir.  t  o  porlutwo  de  Egerlon. 

(»**)  Op.  dl..  §  2S»0  a  25«3.  " 

(•«»)  hiitOTia  Qeral  do  ISrjsil,  pág.  123. 

(•**)  Premier  Mémoíre,  pig.  47. 


167 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


o  calendário  de  Enciso  dá  nos  como  oragos  a  4  e  5  de  abril  os  dois  santos  Ambrósio  e  Vicente.  A 
aproximação  destas  datas,  diz  o  douto  brasileiro,  mostra  que  os  dois  nomes  tierrâ  de  S.  Ambrósio  e 
c3bo  de  S.  Vicente  são  ambos  da  autoria  de  Pinzon.  Éste,  depois  de  descobrir  a  Herra  em  4  de  abril, 
avistou  no  dia  seguinte  (pois  se  dirigia  para  o  norte)  a  ponta  anónima  de  La  Cosa;  e  como  êste  é  o 
cabo  d  Orange,  somos  levados  a  concluir  que  aí  está  o  de  S.  Vicente. 

A  dedução  repousa  em  três  hipóteses  simultâneas,  de  pequeno  ou  nenhum  valor.  Consiste  a 
primeira  em  admitir  que  a  ponta  anónima  do  cartógrafo  espanhol  é  o  cabo  d'Orange:  a  segunda  em 
supôr  que  Pinzon.  guiando-se  pelo  calendário,  escolheu  o  santo  correspondente  a  5  de  abril,  e  a  última 
em  atríbuír-lhe  a  autoria  de  S.  Ambrósio. 

Para  identificar  o  cabo  d'Orange  e  a  ponta  anónima,  Caetano  da  Silva  estriba-se  unicamente 
na  latitude  real  do  primeiro,  juntando  lhe  o  parecer  conforme  de  d  Avezac  -esquecido  de  que  os  primi- 
tivos cartógrafos,  conforme  êle  demonstra,  exageram  as  latitudes  para  o  sul,  e  sem  se  lembrar  de  que 
grande  parte  do  seu  livro  é  feita  para  combater  a  autoridade  de  d'Avezac  em  assunto  muito  conexo 
com  èste.  Se  as  latitudes  das  duas  pontas  orçam  por  4°  ou  4o,  5.  podemos  estar  certos  de  que  são 
distintas,  porque  as  latitudes  de  La  Cosa  estão  totalmente  erradas.  A  verdade,  mau  grado  a  autoridade 
do  erudito  francês,  é  que  a  ponta  anónima  não  se  deve  confundir  com  a  d'Orange,  peta  excelente  razão 
de  que  ao  lado  déste  desagua  o  considerável  rio  Oyapoc;  ora  èste  não  é  figurado,  nem  mesmo  indicado 
no  mapa,  onde  aliás  abundam  os  nomes  de  rios. 

E'  certo  que  muitas  vezes,  ao  deparar  com  um  novo  rio,  bafa,  cabo  ou  terra,  os  pioneiros  da 
navegação  transatlântica  lhe  impunham  o  nome  do  santo  do  dia,  mas  nem  sempre.  Devíamos  esperar, 
verbi  gratia,  que  Pinzon  adoptasse  Sarita  Maria  de  la  Consolación  num  dia  em  que  se  celebra  a 
Senhora  desta  invocação;  todavia  não  sucedeu  assim,  se  concluímos  acertadamente.  Não  repugna  admitir 
que  êle  escolhesse  o  santo  do  seu  nome  para  o  cabo.  visitado  em  dia  diverso  de  5  de  abril.  Neste  se 
festeja  S.  Vicente,  prègador.  mas  também  em  22  de  janeiro  5.  Vicente,  mártir  ("0;  de  sorte  que  o  nome 
do  cabo  pôde  ser  atribuído  a  outro  navegador  e  outro  mês. 

Mas  dado  que  a  descoberta  fôsse  a  5  de  abril,  ainda  não  é  certo  que  na  véspera  se  efectuasse 
a  da  tierra  de  S.  Ambrósio,  já  que  Enciso  dá  também  em  7  de  dezembro  S.  Ambrósio,  bispo  e  confessor. 
Pôde  objectar-se  que  neste  mês  não  viajavam  para  èsses  lados  nem  Nino  com  Guerra,  nem  Hojeda. 
nem  Pinzon  ou  Diego  de  Lepe  nas  suas  expedições  de  1499  e  1500;  mas  como  não  é  certo  que  esta 
parte  do  mapa  seja  de  La  Cosa,  podendo  ser  um  acrescentamento  posterior,  como  para  a  sua  confecção 
contribuíram  navegações  de  que  se  não  guardou  memória,  e  como  Diego  de  Lepe  fèz  outras  viagens 
àquelas  regiões,  ficamos  suspensos  quanto  a  S.  Ambrósio.  E'  muito  estranho,  em  qualquer  caso,  se  a 
invocação  dos  dois  santos  pode  ser  atribuível  a  Pinzon,  que  o  cartógrafo  conservasse  a  da  terra,  omissa 
no  tôrmo  de  1501,  e  desprezasse  a  do  cabo,  nêle  mencionado  como  limite  dos  achados  dêsse  capitão. 

A  refutação  da  hipótese  engenhosa,  mas  falsa,  de  Caetano  da  Silva,  tornou-se  porém  desne- 
cessária, desde  que.  a  partir  de  1911.  se  pôde  ver  no  portulano  de  Egerton  o  cabo  de  S.  Vicente.  Êle 
está  no  gòlfo  de  Pária,  muito  acima  da  foz  do  Orinoco  e  a  uma  distância  do  cabo  d'Orange  superior  a 
200  léguas  náuticas  de  1500. 

Ignoramos  completamente  onde  estava  situado  Rostro  Hermoso,  que  se  não  lobriga  em  carta 
alguma  e  da  qual  só  sabemos  que  precedia  o  rio  grande  Santa  Maria  dei  mar  du/ce.  Não  é  difícil 
encontrar  em  antigas  cartas  o  qualificativo  hermoso  ou  fermoso  em  regiões  onde  é  possível,  com  muita 
imaginação,  localizar  o  ponto  desconhecido;  o  que  não  se  divisa  é  a  palavra  Rostro.  característica  do 
cognome.  Por  êste  motivo  não  colhe  a  observação  de  Humboldt,  quando  assinala  P.  fermoso  no  mapa 
de  La  Cosa,  insinuando  ser  talvez  Rostro  Hermoso  ("'). 


^   <.  ..  °  calendário  do  Regimento  do  esirolabio  e  do  quadrante  irar  também  a  15  de  setembro  A  trasladação 

de  S.  Vicente;  o  de  Endso  di  para  éste  dia  S  Nicodemo,  mártir. 

('•■)  EMamen  chiique,  tômo  IV.  pág.  16.  nota  2.  Na  exposiçSo  que  acompantia  o  Iludo  arbitral  suisso.  prolerido 
na  qucstJo  entre  o  Brasil  e  a  França,  aventa-se  que  Rostro  tlermoso  equivale  a  Sanefa  fácies  ou  Santa  Verónica,  celebrada 
a  4  de  levcreiro.  segundo  se  tè  nas  Ada  sanctorum  Boilandczas.  (Contesté  Franco- BrésHien.  Sentence  du  Conseil  Fédérat 
*wi*4r,  lômo  l.  pág.  84  e  94).  A  hipótese  é  Inverosímil,  porque  os  devotos  espanhóis  não  substituiriam  hermoso  por  santo,  nem 
oo«  caienOirios  entSo  correntes  constaria  a  festa  da  VerxSnica.  como  por  exemplo  do  de  Enciso  (1519).  Também  a  exposiçio 
r«veu  uma  notável  tantasla  na  conlusio  entre  P,  fermoso  de  La  Cosa  e  Rostro  Hermoso  e  Cat>o  de  Murnos,  indicado  em 
mapas  multo  posteriores. 


16S 


r 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


No  pleito  de  Diego  Colombo  surge  a  denominação  na  bôca  de  bastanic»  íeslemunhas  das 
guajs  umas  a  atr.buem  a  Pinzon  (inculcando-a  quási  todas  a  primeira  terra  avista<W.  e  outras  a  DIeg" 

rfp  HJÍ;.«f*InM'r'*  T      '^^'"'^^  navegações  os  dois  se  encontrassem,  a-pesar  da  afirmação 

de  namsse  (  ).  baseada  no  obscuro  depoimento  de  Anton  Fernandez  Colmenero.  mas  é  indubitável 
que  o  nome.  devido  a  Pinzon.  loi  imposto  antes  dêste  problemático  episódio,  como  o  demonstram  as 

•í;.^;  «^^"^1®.'^*!.  ^^""^  ^"^^''^  *  ^°  ""^^  completamente  desconhecida  nas  cartas  existentes 

aie  1516  \  ).  Ela  é  mencionada  aproximadamente  com  a  mesma  grafia  em  Mártir,  em  Oviedo  e  Gomára 

rnífcf f^""""  *  ^''"'^  ^^"^  "^«^  «P"««  Pa"e  alguma  ligada  ao  dulce. 
a  náo  ser  nc.  termo  das  capitulações  de  1501.  nem  mesmo  nos  autos  do  celebre  processo;  é  freqiienle 
porém  Mar  dulce  ou  equivalentes  dizeres.  Éste  nome.  genérico  e  nào  especifico,  era  aplicado  pelos 
espanhóis  a  qualquer  ponio  do  mar  em  que  a  vasào  de  um  grande  rio  dulcificava  as  águas  salgadas 
MO  mapa  de  La  Cosa  está  èle  aposto  à  embocadura  de  rios  que  só  podem  ser  braços  do  delta  do 
Orinoco;  no  de  Cantino  (1502).  de  origem  portuguesa,  vemos  a  inscrição  todo  este  mar  é  de  agua  doce 
na  loz  do  H>o  grande,  que  veremos  designa  o  Orinoco,  e  em  vários  outros  chama-se  mar  doce  ao 
estuário  do  Amazonas. 

A  data  consignada  no  planisíério  de  La  Cosa  confere-lhe  excepcional  importância  na  discussão 
das  primeiras  descobertas  espanholas.  E"  corrente  afirmar-se  que  o  cartógrafo  biscainho  aproveitou  na 
confecção  do  seu  trabalho,  elementos  colhidos  de  Pinzon  em  1500.  Contra  esta  opinião  nos  insurgimos 
categóricamenle.  apoiados  no  melhor  dos  argumentos:  a  total  ausência  das  denominações  impostas  pelo 
navegador  e  constantes  das  suas  capitulações  de  1501.  Se  La  Cosa  tivesse  examinado  as  cartas  de  marear 
trazidas  da  expedição  4>ara  compor  com  elas  seu  traçado,  adoptaria  as  denominações  apontadas  e  não 
as  substituiria  por  outras.  Ora  faltam  Santa  Maria  de  la  Consolación.  Rostro  Hermoso,  Marina  tuba/o  e 
Santa  Mana  dei  mar  dulce:  falta  igualmente  o  cabo  S.  \/icente.  se  é  que  éste  provém  da  mesma  origem. 
E  verdade  que  o  mapa  está  dilacerado  num  ponto  da  costa,  mas  nesse  pequenino  espaço  não  estão 
visivelmente  concentradas  as  descobertas  de  Pinzon. 

Os  que  juram  pela  contribuição  de  Pinzon  inferem-na  duma  inscrição  no  extrêmo  oriental  do 
continente  americano.  Aí.  onde  geralmente  se  crê  estar  figurado  o  cabo  de  S.  Agostinho  ou  o  de 
S.  Roque,  lé-se  o  seguinte: 

Este  cavo  se  descubrio  en  ano  de 
mil  y  nu  X  C  I  X  por  Castetia 
syendo  desc abridor  Vicentiafis : 

mas  fàcilmente  se  prova  que  estas  palavras  são  posteriores  a  1500. 

Vicente  Vafiez  regressou  a  Espanha  no  último  dia  de  setembro  de  1500,  quando  La  Cosa 
estava  em  preparativos  da  viagem  que  iniciou  com  Rodrigo  de  Bastidas  em  dia  indeterminado  de 
outubro  (■^').  Entào  já  deveria  estar  concluído  o  planisfério.  e  admitindo  que  os  dois  pilotos  confabu- 
lassem ('--).  não  teriam  tempo  para  a  comunicação  das  cartas  de  marear  em  que  vinham  registadas  as 
descobertas.  Assim  se  explica  a  ausência  total  no  mapa  da  nomenclatura  do  capitão  castelhano;  assim 
sucede  que  o  cabo  não  tem  a  invocação  de  Santa  Maria  de  la  Consolación,  adoptada  pelo  seu  desco- 
bridor. E'  anónimo,  e  logo  a  seguir  começam  os  nomes  variados  e  abundantes:  ora  se  Pinzon  tivesse 
intervindo  na  inscrição,  com  certeza  mencionaria  a  invocação  da  Virgem  Santa,  que  tinha  viva  na 


(•**)  The  discover^f  of  Nonh  America,  pig.  680. 

Na  Charta  marina  de  Waldseemuller  se  1*  pela  primeira  vez  Marinatambal.  ).  Pitcher  e  F.  Wleser  derivam 
esta  legenda  da  narrado  de  Manir  contada  nos  Pjesi  nouamertte  nfrouafi  de  Montalboddo  (1507).  o  ouc  é  conllrmado  Dela 
gravura  anexa  do  poposium  ou  Chironeetes  variegatus  de  que  lalam  lonoamcnie  os  Paest 

(»')  Apêndice  C. 

(»»)   Do  depoimento  3u«pcllo  de  Arias  Perez,  sobrinho  de  Pinzon,  assim  se  depreende  (Apindlee  O  retoosla 
a  6.*  presunta  do  fiscal),  tsla  testemunha  é  de  iddas  a  mais  mentirosa.  ' 


169 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


memória  quando  depôs  nas  Probanzas  treze  anos  mais  tarde.  Achamo-nos  portanto  em  presença  de 
um  acrcscenlamento  posterior,  o  que  aliás  é  sugerido  pela  letra  e  por  ser  o  único  descobrimento  cujo 

autor  e  data  são  citados  O.  .„     .  j 

O  nome  de  Santa  Maria  encontra-se  no  mapa  apenas  num  cabo  e  num  gõlio  situado  muito 
mais  ao  norle.  O  DarSo  do  Rio  Branco,  ocupando  se  da  viagem  de  Pinzon  ("').  afirma  com  decisão  que 
èste  gôlfo  de  S  Maria  (G  de  S-»  M;/a)  é  o  rio  grande  achado  pelo  ousado  capitão  e  identiíica-o  arbitra- 
riamente com  o  Amazonas:  reincidindo  na  velha  opinião  de  Varnhagen.  muito  espalhada  entre  os 
historiadores.  Tanto  nos  parece  aceitável  o  primeiro  quanto  erróneo  o  segundo  dos  dois  assertos;  e  em 
qualquer  caso  o  nome  aposto  não  resultou  de  indicação  do  navegador.  No  têrmo  das  capitulações 
de  1501  está  escrito  río  grande  que  Uamastes  Santa  Maria  dei  mar  dutce;  ora  no  mapa  falta  o  apelativo 
essencial  mar  dulce,  e  demais  um  gôlfo  não  é  o  mesmo  que  um  rio,  embora  possa  ser  o  desaguadouro 
dêle.  E"  pois  de  presumir  que  a  denominação  do  gôlfo,  podendo  derivar  de  Pinzon  por  ser  a  única 
descoberta  imporiante  da  viagem  de  1500,  fôsse  transmitida  ao  autor  do  traçado  por  via  travessa. 

Quanto  à  idenlificação  com  o  Amazonas,  o  único  argumento  em  que  a  fundam  os  seus 
partidários  é  a  pretensa  descoberta  do  magesloso  rio  em  1500  por  Pinzon.  Demonstramos  atrás  que  ela 
pertence  ao  número  das  falsidades  arquivadas  como  verdades  nos  livros  de  história,  e  aqui  vamos 
confirmá-lo,  provando  que  o  mapa  de  La  Cosa  não  autoriza  tal  suposição. 

Da  primeira  vez  que  nos  ocupámos  déste  documento,  a  propósito  da  viagem  de  Hojeda, 
sustentámos  que  o  rio  de  la  posision  não  é  o  Orinoco,  mas  um  dos  muitos  defluentes  do  seu  braço 
principal.  Será  porventura  o  Cario  de  Vagre  que  fórma  com  os  de  Maiiamo  e  Pedernales  um  modesto 
mar  do  agua  dulce:  ao  mesmo  delta  do  Orinoco  se  ligam  o  rio  dei  obpo  e  o  de  holgança.  Vamos 
enumerar  aqui  as  razões  invocadas  em  favor  da  nossa  tese. 

A  primeira  é  que,  se  o  primeiro  dos  rios  citados  fôr  o  Orinoco,  faltam  no  planisfério  os 
muitos  e  importantes  Cafios  que  precedem  a  íoz,  a  Dôca  grande  ou  de  Navios.  Falta  o  delta  todo.  o 
que  é  perfeitamente  inexplicável. 

A  segunda  consiste  em  que  o  Orinoco  tem  um  largo  estuário  de  perto  de  90  quilómetros  (se 
o  tomarmos  desde  a  ilha  Aragua  à  Ponta  Sabaneta),  o  qual  está  crivado  de  ilhas,  algumas  bem  grandes. 
Estas  ilhas  estão  totalmente  ausentes  da  foz  do  rio  de  la  posision. 

A  terceira  é  a  latitude  de  12°  boreais  dèste  rio,  alta  de  mais  para  representar  o  Orinoco  que 
é  de  8030  .  iamais  quando  a  tendência  dos  cartógrafos  até  muito  tarde  era  dar  latitudes  excessiva- 
mente meridionais  ('"). 

A  quarta  é  a  ausência  de  qualquer  indicação  de  montanhas  desde  o  rio  de  la  posision  até  o 
golfo  de  S.  Maria,  quando  elas  aparecem  ao  sul  do  Orinoco,  antes  mesmo  do  Essequibo.  e  perlo  do 
Oyapoc.  Caetano  da  Silva  ('"")  faz  grande  alarde  da  palavra  motes  (motes)  que  se  vê  na  reprodução  de 
lomard;  mas  na  crómolitografia  de  Cannova  y  Valleio  lemos  motas,  montículos  de  terra  ou  de  areia  ("■). 

A  quinta  está  na  omissão  dos  muitos  e  grandes  rios  que  correm  para  a  costa  entre  o  Orinoco 
e  o  Amazonas,  e  que  deveriam  estar  inscritos  entre  o  rio  de  la  posision  e  o  gôlfo  de  S.  Maria,  se  estes 
correspondem  aqueles.  Só  aparecem  em  La  Cosa  o  rio  dei  obpo  e  o  de  holgança.  sendo  que  o  primeiro 
parece  desaguar  na  mesma  baía  que  o  de  posision.  O  maior  deles,  a  40  léguas  da  Bòca  de  Nauios,  é  o 
Essequibo.  com  20  quilómetros  de  foz  crivada  de  ilhas,  que  deveria  ser  representado  pelo  rio  de 
holgança:  mas  êstc  é  figurado  com  pequena  bòca  e  não  inclui  nenhuma  formação  insular,  além  de  que 
no   Essequibo  não  é  sensível  o  mar  dulce  inscrito  ao  largo   do  rio  pelo  cartógrafo,  i  E  onde 


í*^  Nfiiemos  mais  que  está  errada  a  data  da  descoberta,  realizada  cm  1500  e  não  cm  1499,  D'Avez.ic  prílende 
explicar  a  dl'  pelo  antlQO  hábilo  de  dar  começo  no  ano  civil  cm  março,  de  modo  que  um  facto  passado  nos  primeiros 

meses  do  ann  iko  de  ISOO  pertencia  ao  civil  de  1499  (/.fs  voyages  <Í'Amêric  Vespuce.  pág.  43),  mas  êsle  estilo  tloreniino 
eslava  I6ra  ik-  uso  vm  Espanha,  con^oanie  atestam  numerosos  documentos  da  época,  tanto  oficiais  como  particulares.  Mais 
rasoivel  o  admitir  que  ioi  Inscrito  o  ano  de  1499  por  ler  nèle  cometido  a  viagem. 

t"*)    Sfcond  mémoirc,  pág,  32. 

Mumboldl.  Ex,imen  cnliqui;  l6mo  V,  pág.  59;  Caetano  da  Silva,  op.  cil.,  §  2470. 

(***)    Op  cit,.  §  2567  e  2568. 

Cotilcnr,  quis)  no  extremo  sul,  motas  arenoias.  Pouco  a  sul  de  Dôca  áe  Navios,  na  altura  da  baía  de  Waini 
ou  Ouayma,  asslnalam-se  aos  navegantes  irés  montes  chamados  los  tres  Mogoles  (Veia-se  a  caria  de  Heather  e  Norie  dtada 
na  nota  16  e  o  Aihs  de  Codazzi  da  nota  184).  No  mapa  de  La  Cosa,  a  seguir  a  rio  de  la  posision  está  inscrito  ires  hermanos, 
ma&  nada  auiorísa  a  supôr  que  sao  três  montes,  podendo  perlcitamenle  ser  três  ilhéos. 


170 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


esiao  tantos  outros  cursos  d'igua  importantes,  o  Corentine.  o  Derbice,  o  Maroni,  o  Oyapoc  c  outros 
muitos  que  os  pilotos  espanhóis  seguramente  viram,  e  não  se  esqueceriam  de  inscrever  em  suas 
cartas  de  marear? 

Finalmente,  os  rumos  indicados  do  litoral  estão  erradissimos,  mais  que  é  de  esperar  de  um 
traçado  necessáriamenie  imperfeito,  se  o  rio  de  la  posision  e  o  gàlfo  de  S.  Maria  sâo  o  Orinoco  e  o 
Amazonas.  Entre  êstes  dois  rios.  a  costa  tem  diversas  inflexões  que  variam  entre  o  nomoroeste  e  o 
susudoeste;  ora  no  mapa  ela  tem  um  rumo  uniforme  enire  o  sueste  e  o  susudoeste. 

Se  o  rio  de  la  posision.  longe  de  ser  o  tronco  do  Orinoco,  é  um  dos  primeiros  brados  déle, 
não  pôde  êsse  grande  rio  eslar  figurado  senão  no  golfo  de  S.  Maria,  quer  lhe  iuntemos.  quer  nâo,  a 
vasta  embocadura  anónima  que  se  lhe  segue.  São  admissíveis  as  duas  hipóteses,  na  primeira  das  quais 
o  Essequibo  deveria  estar  representado  na  parte  dilacerada  do  mapa.  sendo  na  segunda  a  embocadura 
anónima,  A  presença  dessas  duas  grandes  bocas  bastante  próximas  é  uma  das  características  das  cartas 
antigas,  e  tem  dado  lugar  a  confusões  de  seus  analistas. 

A  nossa  interpretação  do  gõlfo  se  podem  contrapôr  duas  objecções.  Reside  a  primeira  na 
ausência  do  qualificativo  mar  dulce.  presente  em  rios  somenos,  e  a  segunda  na  posição  equatorial  em 
que  o  gõlfo  está  figurado,  iá  que  a  foz  do  Orinoco  se  afasta  80,5  da  linha.  A  falta  de  inscrição  é  um 
argumento  negativo  insuficiente;  ela  é  explicável  talvez  por  não  ser  Iodo  o  traçado  devido  à  mesma 
pena.  Julgamos  certo  ler  La  Cosa  escrito  mar  de  agua  dulce  no  rio  de  la  posision.  mas  recusamo  nos  a 
atribuir  a  mesma  origem  à  costa  que  se  segue,  bem  como  às  palavras  mar  dulce  que  se  leem  muito  ao 
largo  do  rio  de  hotgança.  E'  evidente,  no  entanto,  que,  se  a  ausência  serve  para  rejeitar  a  nossa  inter- 
pretação, à  foríiori  invalida  a  que  vê  no  gòlfo  o  desaguadouro  do  Amazonas.  A  exclusão  baseada  neste 
motivo  deixa  o  traçado  fóra  de  qualquer  explicação  possSvel. 

A  circunstância  do  equador  cortar  a  foz  do  rio.  que  supomos  representar  o  Orinoco,  não  é, 
por  outro  lado.  razão  bastante  em  contrário,  uma  vez  que  os  primeiros  cartógrafos  sabidamente  davam 
aos  lugares  inlerlropicais  posições  demasiado  meridionais.  Enciso,  escrevendo  dezassete  anos  depois  de 
feito  o  planisfério  do  piloto  biscainho,  dava  aos  seus  rios  AUrjiion  e  Mar  dulce  as  latitudes  de  7o,  5  e 
60,5  austrais  ("*);  ora  se  o  Mar  dulce  é  o  Amazonas,  conforme  todos  acreditam,  islo  redunda  no  consi- 
derável êrro  de  605^.  Se  tal  acontece  numa  época  em  que  os  pilotos  castelhanos  já  tinham  imitado  dos 
portugueses  a  prática  das  alturas  solares  meridianas,  não  é  muito  admitir  èrros  consideráveis  quando  os 
processos  dobservaçâo  eram  rudimentares.  La  Cosa  não  viu  cm  1499  a  foz  do  Orinoco,  que  só  no  ano 
subsequente  foi  visitado  por  Pinzon  e  Diego  de  Lepe;  e  os  pilotos  que  acompanharam  estes  explorado- 
res não  eram  peritos  na  sua  arte  como  o  biscainho,  reputado  naquele  tempo  o  primeiro  de  Castela. 
Todavia  éle  cometeu  na  colocação  de  pontos  da  costa  de  Venezuela  êrros  de  60,  tendo  à  vista  a  estrêla 
do  norte  que  servia  para  achar  as  alturas  do  pólo;  não  admira  pois  que  os  seus  colegas,  menos 
experientes,  as  inscrevessem  nas  cartas  de  marear  com  êrros  ainda  maiores. 

O  que  não  é  crível,  por  além  de  toda  a  plausibilidade,  é  que  estes  astrónomos  amadores  de 
baixa  categoria  determinassem  a  latitude  do  rio  quási  com  perfeita  exactidão  e  que  o  planisfério,  por 
esta  única  vez,  fosse  modèlo  de  precisão.  iPois  a  esta  singular  conclusão  conduz  a  coincidência  da  foz 
do  Amazonas  com  o  golfo  de  S.  Maria.'  A  Ponta  Grossa,  que  se  pôde  considerar  o  limite  dêle,  tem 
efeclivamente.  com  diferença  de  alguns  minutos,  a  posição  do  exirènio  norte  do  gõlfo.  no  qual  estão  as 
palavras  el  macareo. 

O  Barão  do  Rio  Branco,  do  mesmo  modo  que  diversos  autores,  pretende  autorízar  sua 
opinião  com  esta  inscrição,  que  julga  relativa  ao  macaréo  (ou  póróróca),  experimentado  por  Pinzon 
em  1500.  A  menção  do  macaréo,  ausente  na  narrativa  de  Mártir,  escrita  meses  depois  do  regresso  do 
navegador,  só  aparece  em  Las  Casas  e  em  Herrera,  seu  plagiário;  mas  o  bispo  extraiu  a  novidade  do 
depoimento  de  Anton  Fernandez  Colmenero,  prestado  em  I5I5  ("").  Estamos  pois  reduzidos  à  declaração 
deste  marinheiro,  que  deve  ter  acompanhado  Pinzon,  sendo  o  único  que  se  refere  ao  naufrágio;  mas 
dela  não  consta  que  o  rio  onde  se  observa  o  fenómeno  fôsse  o  Maratwn.  como  em  1515  chamavam  ao 
Amazonas,  podendo  perfeitamente  ter  se  dado  no  rio  grande,  que  é  o  Orinoco,  ou  ainda  num  dos 


(*")    Op.  cil .  lol.  67  verso. 

(*>■*)  Apcrtdice  B.  resposta  à  prcgunta  do  fiscal.  Colmenero  nlo  áá  nome  ao  lenÓmeno,  ao  que  parece  desço* 
nhecido  dos  marinheiros  espanhóis.  Os  porlu^tieees  já  o  conhccum  áa  cxplor^c^o  da  costa  africana  no  tempo  do  Inianlt 
D.  Henrique  (Duarle  Pacheco.  Esmerãláo  de  sttu  orbis,  a  p^g.  90  da  ediçlo  de  190S), 


171 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


braços  do  seu  delta  C^.  Sabe-se  que  êle  nâo  é  privalivo  do  Amazonas,  e  temos  disso  uma  excelente 
prova  no  nome  de  Cãfio  dei  Macareo.  pelo  qual  é  conhecido  de  remotíssimos  tempos  um  dos 

braços  do  delta  do  Orinoco,  que  desagua  em  face  da  ilha  da  Trindade.  E  por  fim  não  sabemos  porque 
o  fenómeno  tenha  sido  registado  apenas  por  Pinzon,  êle  estava  na  alçada  de  Diego  de  Lepe  e  de 
quantos  desconhecidos  al  passaram  antes  de  ter  sido  feito  o  traçado  desta  parte  do  mapa. 

Nào.  O  Amazonas  não  figura  no  precioso  monumento  cartográfico  de  1500.  nem  podia  figurar, 
porque  só  foi  descoberto  alguns  anos  mais  tarde.  A  faxa  que  desce  de  Pária  (cujo  nome  aliás  é 
omitido)  até  o  gõlfo  de  S.  Maria  é  a  parte  da  costa  da  Venezuela  oriental  limitada  pela  foz  do  Orinoco, 
e  a  que  se  segue  até  o  cavo  descoberto  por  Castela  representa  uma  porção  do  litoral  das  Guyanas  que 
atinge,  quando  muito,  o  cabo  de  Orange.  O  litoral,  que  até  agora  se  imaginava  representar  no  planisfério 
de  La  Cosa  o  nordeste  da  América  meridional,  é  mais  modestamente  o  ângulo  obtuso  que  vem  do  delta 
do  Orinoco  até  o  Oyapoc,  com  o  vértice  aí  pelos  limites  das  Guyanas  inglêsa  e  holandesa. 

Esta  interpretação,  contrária  às  noções  correntes,  é  consequência  lógica  da  exclusão  do 
Amazonas.  Ela  supõe  extraordinário  exagèro  nas  dimensões  da  costa  e  erros  consideráveis  nas  latitudes, 
dadas  como  austrais  quando  são  francamente  boreais,  mas  estes  desvios  da  verdade  são  compatíveis 
com  a  grosseira  confecção  das  cartas  de  marear  de  pilotos  pouco  destros,  com  o  alongamento  costu- 
meiro dos  trajectos  percorridos,  com  o  estado  rudimentar  das  observações  astronómicas  dos  castelhanos 
e  finalmente  com  o  imperfeito  traçado  do  mapa.  Quando  vemos  La  Cosa  errar  10°  na  latitude  de  Cuba, 
conhecida  há  7  ou  8  anos  pelos  seus  conterrâneos,  nào  nos  pôde  surpreender  um  desvio  de  7.°  ou  8.o 
na  do  Orinoco,  através  das  observações  de  pilotos  inferiores. 

De  resto,  esta  parle  do  mapa-mundi  que  consigna  descobertas  posteriores  à  de  Hojeda  não  é 
provávelmenie  do  primitivo  desenhador.  La  Cosa  só  leve  efectivamente  ao  seu  alcance  (além  de  informes 
porventura  recebidos  de  navegantes  clandestinos  ou  desconhecidos)  os  de  Nii^d'  com  Guerra,  os  de 
Hojeda  de  quem  foi  pilõto,  e  possivelmente  os  de  Pinzon  e  Diego  de  Lepe. 

A  viagem  dos  primeiros,  que  se  dirigiram  directamente  a  Pária,  nada  podia  adiantar  a  respeito 
de  terras  situadas  ao  sul,  e  parece  não  ter  influído  no  mapa  quanto  às  do  poente.  E'  como  se  tivesse 
sido  ignorada  pelo  biscainho.  Da  sua  própria  expedição  não  colheu  êle  dados  que  lhe  permitissem 
sequer  o  traçado  até  o  Orinoco,  quanto  mais  além  de  êste  rio.  Vimos  já  que  Pinzon,  por  sua  vez,  não 
lhe  transmitiu  novas  dos  seus  descobrimentos,  e  só  podemos  admitir  que  êles  estejam  representados  no 
mapa  se  houve  colaboração  de  mão  estranha.  Resta  considerar  as  informações  provenientes  de  Diego 
de  Lepe,  de  quem  Caetano  da  Silva  resolutamente  acusa  a  intervenção  (-''-).  com  ressalvas  singulares  a 
favor  de  Pinzon, 

Nada  se  sabe  ao  certo  da  primeira  viagem  deste  castelhano,  iniciada  talvez  nos  princípios  de 
1500  e  terminada  em  mês  incerto  do  mesmo  ano.  A  narrativa  de  Navarrete  (-"O  é  inteiramente  decal- 
cada sôbre  a  de  Las  Casas,  que  por  seu  turno  a  extraiu  das  Probanzas  dei  fiscal,  única  fonte  de  que 
se  socorreu  o  eclesiástico,  aliás  sem  discernimento.  Quando  tratarmos  de  Diego  de  Lepe  mostraremos 
que  o  relato  do  bispo  de  Chiapa  não  merece  crédito.  Para  Humboldt  ("*)  e  d'Avezac  (*'"'),  seguidos  por 
Caetano  da  Silva,  o  explorador  regressou  em  junho;  mas  estes  eruditos  estavam  convencidos  de  que  o 
capitão  fóra  acompanhado  por  Allonso  Vellez  de  Mendoza,  o  qual  naquele  mês  parava  em  Espanha. 
Navarrete  e  Harrisse,  mais  circunspectos,  não  determinam  a  época  do  regresso  e  só  crêem  que  êle 
precede  novembro  de  1500.  mês  em  que  uma  provisão  régia  acusa  a  presença  do  navegador  em  Espanha. 
Ignoramos  portanto  se  éle  pôde  informar  La  Cosa  dos  resultados  da  sua  viagem,  ou  melhor,  se  estes 
foram  consignados  pelo  piloto  biscainho  no  seu  trabalho. 

O  fiscal  da  corôa  de  Castela,  ou  quem  quer  que  formulou  o  interrogatório  exarado  nas 
Probanzas,  ao  tratar  de  Pinzon  e  de  Diego  de  Lepe.  atribui  ao  primeiro  a  prioridade  da  descoberta  das 
terras  que  vêm  de  Pária  até  o  cabo  de  S.  Agostinho  (?),  concedendo  ao  segundo  apenas  a  dum  trecho 

A  póróróca  é  um  fenómeno  violento  de  xntS%  para  merecer  apenas  o  comentário  de  Colmenero;  cia  seria 
sufídenle  para  afundar  as  ligeiras  caravelas  castelhanas. 

("')  U  na  carta  de  Walter  Ralcigh  (159S7)  SC  lê  Mãcareo  num  dos  braços  do  delta;  c  bem  assim  na  de  Ttieodore 
de  Brv  (1S99).  As  duas  carias  estão  insertas  no  Atlas  of  lhe  Venezuelan  Boundarv  Commission.  1897-98. 

(■")   Op   cil..  §  2571. 

(*•)   Op.  dt .  lômo  Ml,  pig.  23. 

(•")   Op  dt„  tômo  IV.  pág.  29S. 

C^J  Les  voyãges  a'Améric  Vespuce,  pág.  105  e  107. 


172 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


da  costa  ao  sul  dêsle  cabo.  já  pertencente  a  Portugal  Mas  o  interrogatório,  inspirado  no  propósito  de 
diminuir  o  grande  almirante  e  exalçar  los  Pinzones.  tem  o  cunho  manifesto  de  parcialidade  e  Diego  de 
Lepe,  cuja  morte  o  impediu  de  testemunhar  no  pteito.  nâo  podia  protestar  contra  seus  tèrmos  capciosos 
e  injustos;  além  disso,  tanto  um  como  outro  navegador  fizeram  diversas  visitas  àquelas  regióes,  mislu* 
rando  se  as  descobertas  por  êles  realizadas. 

Depreende  se  das  Probanzas  que  Diego  de  Lepe.  na  sua  primeira  expedição,  parliu  depois  de 
Pinzon.  talvez  mès  c  meio  ou  dois  meses,  e  lhe  seguiu  na  esteira,  nâo  se  sabendo  se  aportou  ao  conti- 
nente americano  mais  ao  sul  do  que  seu  rival  e  sendo  possível  que  tornasse  a  Espanha  primeiro. 
Tudo  nos  leva  a  crer  que  Pinzon  em  1500  nâo  passou  das  Guyanas.  e  portanto  que  Diego  de  Lepe  se 
nâo  afastaria  delas,  sendo  certo  (como  mostraremos)  que  só  depois  daquele  ano  esteve  no  Marjfíon. 
Seria  pois  admissível  que  lhe  pertencesse  a  nomenclatura  registada  por  La  Cosa,  se  contra  tal  suposição 
não  se  levantassem  duas  objecções  atendíveis. 

A  primeira  é  que  no  mapa  não  aparece  nenhuma  das  denominações  ao  certo  impostas  por 
Diego  de  Lepe  e  constantes  das  Probanzas.  Procurando  nos  muito  pesquisados  autos  í"").  só  encon* 
tramos  punta  dei  este.  rostro  Hermoso,  bafa  ou  rio  de  S.  Julian,  rio  de  S.  Catalina  e  Marafíon;  ora 
nenhum  dêles  está  inscrito  no  planisfério.  Estes  nomes  (dos  quais  o  segundo  é  um  engano  ou  mentira 
da  testemunha,  pois  pertence  a  Pinzon)  podiam  ter  sido  dados  em  outras  viagens,  e  veremos  efectiva- 
mente que  o  pilôto  de  Paios  de  Moguer  fêz  mais  três  ou  quatro;  contudo  é  de  reparar  que  nenhum 
pertença  a  1500,  se  a  êste  ano  temos  de  referir  o  trabalho  de  La  Cosa. 

A  segunda  provém  das  denominações  de  Santa  Maria,  afectando  no  planisfério  um  cabo  e 
um  golfo,  separados  por  sensível  extensão  de  costa.  Pinzon  aproou  à  América  em  26  de  janeiro  e  pôde 
festejar  Nossa  Senhora,  a  primeira  vez  na  Purihcaçâo,  em  2  de  fevereiro,  e  a  segunda  na  Anunciação, 
em  25  de  março:  a  festa  imediata  da  Virgem  é  a  Visitação,  em  2  de  julho,  data  em  que  o  navegador 
já  pairava  pela  Hispaniola.  conforme  consta  da  versão  de  Trevisan.  Ignoramos  se  o  cabo  de  S.  Maria 
lhe  deve  o  nome.  mas  éle  podia  tê-lo  atingido  a  2  de  fevereiro;  quanto  ao  goifo  de  S.  Maria,  admitindo 
que  corresponde  a  S.  Maria  dei  mar  dulce  do  (êrmo  de  I50t.  é  muito  natural  que  o  ousado  espanhol 
descobrisse  o  rio  em  25  de  março,  como  quere  Marrisse  ('"=).  As  duas  invocações  de  Santa  Maria  ficam 
explicadas,  se  são  ambas  de  Pinzon.  mas  não  acontece  o  mesmo  se  as  quisermos  atribuir  a  Diego  de 
Lepe.  Éste  navegador  partiu  algum  tempo  depois  do  seu  rival,  e  depreende  se  do  interrogatório  do  fiscal 
e  das  respostas  que  não  arribou  ao  continente  primeiro  que  êle  V^-).  Segue-se  que  o  fèz  em  data 
posterior  a  2  de  fevereiro;  ora  os  primeiros  dias  santos  consagrados  à  Virgem  eram  a  Anunciação  e  a 
Visitação,  separadas  pelo  intervalo  de  98  dias.  Se  o  cabo  de  S.  Maria  foi  baptizado  a  25  de  março,  o 
gôlfo  deveria  tê-lo  sido  em  2  de  julho,  mas  o  tempo  que  medeia  entre  as  duas  descobertas  é  grande  de 
mais  para  tornar  viável  a  suposição,  tanio  mais  que  é  necessário  admitir  a  coincidência  de  ler  sido 
avistada  o  rio  grande  por  Diego  de  Lepe  em  día  dedicado  a  Santa  Maria,  como  o  foi  por  Pinzon. 

Assim,  por  um  lado.  a  nomenclatura  não  foi  ditada  a  La  Cosa  por  Pinzon,  já  que  faltam  os 
nomes  sabidamente  de  sua  autoria;  e,  por  outro  lado,  há  dificuldade  em  explicá-la,  se  é  devida  a  Diego 
de  Lepe.  Não  sendo  aceitável  a  hipótese  de  ela  pertencer  tõda  a  navegações  ignoradas  e  anteriores  a 
outubro  de  1500.  somos  forçados  a  concluir  que  nâo  é  de  La  Cosa  o  traçado  de  parte  da  costa 
nordeste  da  América  meridional  até  o  caifo  cuja  descoberta  é  reportada  a  Vicente  Vafiez.  Deve  ser  uma 
adição  ulterior,  introduzida  antes  do  fim  de  1502,  no  qual  Bastidas  e  La  Cosa  voltaram  da  sua  viagem, 
de  cujos  resultados  nâo  há  notícia  no  planisfério.  julgamos  que  nele  estão  representadas,  indistinta- 
mente, as  descobertas  de  Pinzon  em  1500,  de  Diego  de  Lepe  em  1500  e  1501  e  possivelmente  de 
qualquer  outro  desconhecido. 

Má  uma  particularidade  notável  no  mapa  que  mostra  à  evidência  ter  sido  o  mapa  acrescen- 
tado: referimo-nos  ao  traçado  da  costa  que  está  adiante  do  cauo  de  Vicente  Vafiez.  inteiramente  despida 
de  nomes.  Ela  encurva-se  primeiro  no  rumo  aproximado  de  sueste  até  um  promontório  que  é  o  ponto 
extrêmo  oriental,  depois  retrocede  para  sudoeste,  em  seguida  parie  em  longo  contõrno  inegular  no 
sentido  do  oeste  para  terminar  novamente  peto  de  sudoeste.  Neste  traçado  (para  alguns  de  fantasia) 
está  acusado  o  desvio  para  sudoeste  do  litoral  brasileiro  que  começa  um  pouco  antes  do  cabo  de 
S.  Agostinho,  sendo  de  presumir  que  éste  seja  o  promontório;  está  também  delineada,  embora  grossei- 


C")  Apêndice  B,  8.«  prcgunta  do  fiscal. 

The  âtplomalic  siory  of  Amencj,  pág.  113, 
(■"*)  Veja-se  a  sccçio  do  esiudo  sõbre  Diego  de  Lepe,  tntitulida  A  descot>ertã  do  Amãxonat. 


173 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ramente  e  com  grande  exagero,  a  relnfrâncía  da  costa.  Ora  em  1500  não  poderia  haver  em  Espanha  a 
menor  ideia  do  desvio,  e  menos  ainda  da  rcTntrâncía. 

Que  esías  terras  pouco  conhecidas  não  foram  exploradas  por  espanhóis,  temo-lo  por  seguro, 
aliás  surgiriam  no  mapa  as  denominações;  não  podendo  justificar-se  pelo  tratado  de  Tordesilhas  o 
silêncio  do  mapa,  pois  há  nêle  uma  parte  compreendida  nos  domínios  espanhóis  que  está  liberta  de 
designações.  Humboldl  pretende  ter  Diego  de  Lepe  observado  em  1500  que  para  lá  do  cabo  de 
S.  Agostinho  a  costa  do  Brasil  continua  na  direcção  do  sudoeste  (*");  mas  as  Probanzas,  a  que  se 
apega,  não  justificam  tal  parecer.  O  fiscal  afirma,  sem  contradita  das  testemunhas,  que  aquele  navegador 
foi  mais  além  de  Pinzon,  para  o  meio  dia  6  el  sur  do  cabo;  o  que  entendido  largamente  tanto  significa 
o  sudoeste,  como  o  sueste,  como  o  mesmo  sul.  Humboldt  adoptou  o  primeiro  dêsles  rumos  por  ser  o 
verdadeiro,  convencido  de  que  Diego  de  Lepe  esteve  em  1500  em  S.  Agostinho;  mas  cumpre  notar  que 
nem  o  fiscal,  nem  o  próprio  Pinzon  conheciam  em  1513,  quanto  mais  em  1500,  a  verdadeira  posição 
dèsle  ponto.  Em  1515  êle  era  o  obiecto  de  solícitas  investigações  da  coroa  de  Castela,  não  se  tendo 
encontrado  um  único  pilôto  espanhol  que  o  tivesse  visitado. 

O  promontório  é  atravessado  por  um  grosso  traço  colorido  ao  longo  do  mapa,  ao  fim  do 
qual  se  lê  a  inscrição  liría  meridional.  Estas  palavras  provávelmente  são  equivalentes  de  meridiano,  e  o 
realce  que  lhe  dá  o  cartógrafo  supõe  um  meridiano  especialmente  importante,  a  linha  de  demarcação 
entre  Castela  e  Portugal,  definida  em  Tordesilhas.  Esta  linha  está  todavia  traçada  com  grande  inexactidão, 
porque  passa  a  pequena  distância  do  arquipélago  de  Cabo  Verde,  quando  deveria  estar  afastada  dêle 
370  léguas,  e  isto  só  pôde  provar  que  ela  não  é  do  punho  de  La  Cosa  e  foi  riscada  depois  de  concluído 
o  mapa.  Ao  tempo  em  que  foi  desenhada  esta  parte  do  traçado,  já  se  sabia  portanto  da  existência  dum 
cabo  no  extrêmo  oriental,  a  partir  do  qual  a  costa  se  deflectia  para  sudoeste  e  já  se  calculava  que  êle 
eslava  situado  no  domínio  português.  Tudo  isto  porém  só  data  de  1501,  ou  -melhor  de  1502,  e  era 
ignorado  em  Espanha  e  talvez  mesmo  no  reino  vizinho,  como  vamos  expôr. 

A  viagem  de  Gaspar  de  Lemos  que  costeou  desde  Porto  Seguro,  a  actual  Bahia  Cabrália,  até 
um  lêrmo  desconhecido  ao  norte  tornou  conhecido  em  Portugal  o  rumo  susudoeste  da  costa  do 
Brasil,  mas  não  ligou  a  descoberta  de  Cabral  com  as  dos  espanhóis,  deixando  certamente  por  explorar 
entre  elas  uma  enorme  extensão  de  litoral.  A  esquadrilha  de  )oâo  da  Nova,  que  em  abril  de  1501  tocou 
no  Brasil  para  reírêsco  (»''),  também  se  demorou  pouco  na  visita  e  não  deveria  ter  ultrapassado  o  cabo 
de  S.  Roque  para  o  norte.  A  expedição  mandada  nesse  mesmo  ano  de  1501  a  descobrir  as  terras  de 
Santa  Cruz,  porventura  mercante,  foi  a  primeira  a  iniciar  uma  exploração  regular,  tendo  regressado  em  julho 
de  1502  O"»),  só  então  presumimos  se  firmaram  em  Portugal  noções  mais  exactas  sôbre  o  Brasil.  Quanto  à 
terceira  navegação  de  Vespúcio,  realizada  entre  maio  de  1 501  e  setembro  de  1 502.  supomos  que  ela  coincidiu 
com  a  anteriormente  citada,  e  é  muito  plausível  que  do  florentino  partisse  para  Espanha  a  primeira  indicação 
do  cabo  de  S.  Agostinho,  conhecido  oficialmente  pelos  portugueses  como  cabo  de  S.  Cruz  e  abertamente 
reivindicado  para  o  rei  de  Portugal.  A  configuração  da  costa  brasileira  só  depois  de  1502  foi  conhecida 
até  a  reínirância  que  ela  faz  a  partir  de  23«  (cabo  Frio).  Indinamo-nos  a  ver  no  esbòço  de  La  Cosa  um  reflexo 
da  expedição  de  1501.  Neste  ano  já  se  pensava  em  Portugal  na  existência  de  um  vasto  continente  abran- 
gendo as  terras  de  Còrte-Real  e  as  de  Santa  Cruz,  e  é  esta  concepção  portuguesa  que  vemos  figurada 

As  considerações  expendidas  autorisam-nos  formalmente  a  assegurar  que  o  planisfério  foi 
acrescentado  depois  de  ultimado  em  1500.  O  segundo  cartógrafo  espanhol,  qualquer  que  êle  fôsse 
representou  as  descobertas  dos  seus  compatrícios  até  um  certo  cat^o  sem  nome.  que  presumimos  não 
estar  longe  do  cabo  Orango;  fê-lo  com  grande  incorrecção,  dando  a  êste  a  latitude  excessiva  de  10» 
austrais.  Figurou  o  cabo  de  S.  Agostinho  ou  de  S.  Cruz.  sem  o  nomear  e  com  a  latitude  muito  errónea 
de  210.  quando  deveria  atribuir-lhe  8o;  e  entre  o  cat^o  e  o  promontório  extrêmo  desenhou  uma  costa 
desconhecida  com  a  direcção  sensivelmente  de  sueste-noroeste.  E'  neste  trecho  que  êle  representaria  o 
Amazonas,  se  sonhasse  com  o  prodigioso  rio. 


Examen  critique,  lômo  I.  págs.  31S  e  222 

(Centenario  da  dZoterla  da  America  M  fLns.  dZ"^^^^^  T  '^"^  de  Besicl<en 

nus  o  mapa  dc  Cantino  coíoíoTrrp.ssóJm  de  íoâT^^^  ""'"''"■^d-      documento  é  contestável, 

per  ia  s/ow; rfj  Jíop7r/J  SrLÍ.o*Sf  ""'""'^  ^^"^ 

174 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


jXAMINAREMOS  agora  os  vestfgios  das  descobertas  de  Pinzon  em  algumas  cartas  mais 
antigas  e  principiaremos  por  um  monumento  cartográfico  consecutivo  ao  de  La  Cosa,  o 
planisfério  de  Cantino,  cuia  data  é  de  1502.  Alberlo  Cantino  era  por  aquele  tempo  o  agente 
na  côrte  del  rei  D.  Manuel  do  duque  de  Ferrara.  Hercules  d  Este,  o  qual  multo  se  interes- 
sava pelas  descobertas  dos  dois  povos  ibéricos.  A  pedido  de  seu  amo,  !èz  executar  em 
Lisboa  por  um  artista  português  (' ')  um  magnifico  mapa  mundi,  no  qual  eram  figuradas  as  terras,  alé 
então  conhecidas,  das  (ndias  ocidentais  e  orientais.  Harrisse.  que  o  revelou  aos  estudiosos  e  íèz 
reproduzir  a  parle  americana  (*'*),  consagrou-lhe  estudo  atento  e  sagaz,  cujas  Unhas  gerais  ainda  se 
pódem  hoje  aceitar. 

Sabe  se.  por  carta  de  Cantino  ainda  existente  e  escrita  de  Roma  a  19  de  novembro  de  1502  (*"), 
que  êle  tinha  deixado  o  mapa  algum  tempo  antes  em  Génova,  donde  o  levaram  ao  duque,  e  esta 
circunstância  permite  fixar  aproximadamente  a  data  da  terminação  do  valioso  trabalho,  que  nâo  pôde 
ir  além  dos  fins  de  outubro.  Nèle  já  figura  a  ilha  da  Ascenção.  descoberta  em  13  de  maio  por  ]oâo 
da  Nova,  que  regressou  da  fndia  em  11  ou  13  de  setembro  de  1502.  e  não  é  èsse  o  único  sina!  de  que 
foram  aproveitadas  as  indicações  deste  nauta.  Do  mesmo  modo  nos  convencemos  de  que  estão  repre- 
sentados no  mapa  resultados  da  expedição  mandada  ao  Brasil  em  1501,  a  que  se  refere  uma  carta  de 
Pasqualigo  (*"■).  e  que  temos  razões  para  supôr  coincidente  com  a  da  terceira  navegação  de  Vespúcio. 

Sendo  o  mapa  posterior  de  dois  anos  às  viagens  de  Hojeda.  Pinzon  e  Diego  de  Lepe,  é  de 
esperar  que  os  seus  resultados,  certamente  conhecidos  em  Portugal,  estivessem  indicados  no  protótipo 
português  donde  êle  foi  copiado. 

Efectivamente  aí  vamos  encontrar  Pária,  o  golfo  de  lãs  perlas,  as  ilhas  de  los  canibales, 
nomes  ausentes  em  La  Cosa.  e  partindo  de  Pária  para  o  ocidente,  uma  série  de  denominações  devidas 
a  Hojeda,  que  no  continente  termina  em  boaco^a,  evidentemente  por  Cuquibacoa.  adiante  do  qual  está 
uma  imaginária  ilha  Tamarique,  ilha  Riqua  Em  boacoya,  onde  está  desenhada  uma  bandeira 
castelhana,  a  linha  costeira  cessa  bruscamente,  indicando  que  daí  em  diante  nada  se  sabia  dela; 
efectivamente  os  achados  posteriores  de  Bastidas  e  La  Cosa  só  foram  conhecidos  em  Espanha  em 
setembro  de  1502,  e  não  puderam  servir  a  Cantino.  A  nomenclatura  do  litoral  de  Venezuela  é  diversa 
da  de  La  Cosa,  o  que  levou  Harrisse  à  hipótese  da  colaboração  de  Vespúcio,  companheiro  do  biscainho, 
na  caria  donde  foi  copiada  a  de  Cantino  (''').  Mas,  se  o  planisfério  atribuído  a  La  Cosa  é  uma  cópia 
alterada,  se  no  autógrafo  figuravam  nomes  omissos  na  cópia,  a  hipótese  de  Harrisse  não  é  necessária. 
E'  pouco  crível  que  fossem  introduzidas  modificações  nos  protótipos  portugueses,  por  indicações  do 
florentino,  vindo  de  Espanha  provávelmente  por  instâncias  de  um  mercador  compatrício  para  seguir 
numa  viagem  que  não  tivesse  talvez  caracter  oficial.  Além  disso,  a  presença  da  ilha  Riqua,  que  nunca 
existiu  no  lugar  assinalado,  torna  pouco  provável  que  a  nomenclatura  de  Cantino  reproduza  a  de  quem 
estivera  naquelas  paragens,  e  fazem  supô-la  havida  em  segunda  ou  terceira  mão. 

Caminhando  para  o  oriente  de  Pária,  vemos  uma  costa  a  princípio  com  o  rumo  de  sudoeste, 
depois  de  este  quarta  de  nordeste  alé  o  marco  dantre  Casfella  e  Portuguall.  que  vem  a  ser  a  linha  de 
demarcação  estipulada  em  Tordesilhas  {"*).  Dèsle  extremo  do  litoral,  em  que  termina  o  domínio 
espanhol  e  está  na  latitude  cèrca  de  6°  boreais,  parte  com  o  rumo  de  sudoeste  uma  linha  direita  que 
corta  o  equador  e  prossegue  até  o  Cabo  de  S.  Jorge,  situado  pouco  mais  ou  menos  por  ?<>  austrais. 
Não  há  dúvida  de  que  este  Irôço  de  cosia  está  desenhado  convencionalmente  e  indica  uma  região 
inteiramente  desconhecida  dos  portugueses  em  150Z 


{**))  Para  Harrisse  ff.es  Corte  Rr.iK  1683.  pig,  74)  o  artista  <)uc  execulou  o  mapa  é  provávelmenie  o  mesmo  que 
lhe  luntou  os  nomes  c  Icscndas;  todavia  supòe-no  italiano,  quando  Iodos  os  nomes  e  legendas  estAo  em  português  genuino 
da  época,  quer  na  América,  quer  na  África  c  índia. 

Na  obra  diada,  Servimo-nos  também  da  reprodução  foiosnllfca  de  Slevenson,  Maps  illustrating  earl^  disco- 
veries  and  cxplorahon  in  America,  1903-06. 

jrs)    Berchel.  op.  dl-,  plg.  153. 

(-•i*)    Derchcl.  op  cil ,  pág  51. 

(f^')  Islã  Rica  era  o  nome  da  de  Cubagua,  perto  da  Margarita  (Oviedo,  op.  dl.,  livro  XXI.  cap.  I). 
The  discovery  of  Noríh  America;  pig.  332-334. 

(^*)  èste  marco  está  colocado  exactamente  a  370  l<íguas  da  Ilha  de  S.  Antlo  de  Cabo  Verde,  conladat  no  teu 
paralelo,  e  nào  a  480.  como  ira;  Harrisse  (Les  Corte  Heal.  a  pág.  86,  nota).  E»ta  distinda  abrange,  efcrllvamcnte.  30  divisfies 
e  S  6  da  escala  n-produzida  quatro  veies  no  mapa.  e  cada  divisão  é  de  12  léguas.  Conlirtna-o  a  dlsi.)nda  do  Irópko  ao 
equador  que  é  sensivf Imcnte  de  34,5  divisões  ou  414  léguas:  ora  ela  equivalia  na  época  a  23o 33  ou  412  léguas,  no  cômputo 
poriugui^s  dc  17.S  ao  grau.  Harrisse  engana-sc  quando  diz  ser  a  divisão  da  escala  Igu^l  a  um  grau  de  longitude  no  paralelo 
de  4SO  (op.  cit.,  pág.  7S). 


175 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


No  Cabo  de  S.  Jorge,  nome  plausívelmente  devido  a  João  da  Nova  em  1501,  começa  o  litoral 
descoberto  pelos  portugueses,  que  toma  o  rumo  norte  sul  até  o  Porto  Seguro  de  Alvares  Cabral,  e 
depois  se  inclina  para  sul  quarta  de  sudoeste  até  o  Cabo  de  S.  Marta,  em  latitude  aproximada  de  26°. 
Êste  pomo  representa  o  limite  da  região  portuguesa  conhecida  então;  daqui  em  diante  a  costa  inflecte-se 
em  sentido  sueste  muilo  diverso  do  real,  e  está  figurada  convencionalmente.  ^ 

Na  parte  espanhola  do  traçado,  ao  sul  do  gôlfo  de  ias  Perlas,  nola-se  o  Cabo  Deseado  e  a 
seguir  um  curso  fluvial  de  grande  bôca,  sem  nome  e  sem  ilhas  visíveis,  pois  que  os  sinais  nela  anotados 
representam  baixios,  bem  como  os  situados  ao  longo  da  cosia.  Baslante  mais  adiante  está  o  Rio  grande, 
com  várias  ilhas  na  foz  muilo  ampla;  lendo  a  inscrição  suplementar  todo  este  mar  he  de  agua  doçe.  e 
quási  no  extrêmo,  marcado  com  os  leões  de  Castela,  corre  outro  rio  com  vasto  estuário  e  diversas 
ilhas,  lendo-se  ao  lado  canibales  e  golfo  fremosso. 

Passando  a  ocupar-nos  da  interpretação  de  tam  escassas  designações,  onde  o  planisfério  de 
La  Cosa  as  traz  abundantes,  observamos  que  falta  por  completo  a  nomenclatura  de  Pinzon.  do  mesmo 
modo  que  na  sua  congénere.  Não  atinamos  com  a  origem  do  Cabo  Deseado  e  do  Oolfo  Fremosso.  que 
talvez  venham  de  Diego  de  Lepe.  O  protótipo  português  a  que  recorreu  o  artista  de  Cantino  estava 
baseado  em  informações  de  proveniência  espanhola  mas  diferentes  das  que  serviram  a  La  Cosa  e 
ao  seu  corrector. 

O  Rio  grande  é  sem  dúvida  o  Orinoco,  geralmente  conhecido  por  esta  designação,  e  corres- 
ponde ao  G  de  S'  m/-».  Harrisse  que  em  1883  se  pronunciou  por  esta  identificação,  mudou  posterior- 
mente de  parecer,  pois  diz  em  1892  que  é  indubitávelmente  o  Amazonas  C"),  mas  é  lástima  que  se 
esquecesse  de  nos  expòr  os  motivos  de  mudança  tam  radical.  O  rio  adiante  de  Cabo  Deseado  nSo  pôde 
ser  o  Orinoco,  não  só  por  faltarem  as  numerosas  ilhas  de  que  está  crivada  a  sua  vastissima  foz.  mas 
por  causa  da  sua  proximidade  da  ilha  da  Trindade;  demais  é  Inacreditável  que  os  espanhóis  deixassem 
sem  nome  algum  o  volumoso  rio,  que  a  algumas  léguas  dentro  do  mar  lhe  torna  doces  as  águas 
salgadas.  Se  o  Rio  grande  fósse  o  Amazonas,  êste  fenómeno,  que  tanto  impressionou  os  exploradores, 
deveria  ser  mencionado  duas  vezes;  além  disto,  circunstância  de  pêso,  não  estão  representadas  as  duas 
embocaduras  do  rio  brasileiro. 

As  latitudes  de  Camino  estão  muito  erradas  na  parte  dos  descobrimentos  espanhóis,  bem 
como  as  de  La  Cosa;  todavia  a  da  ilha  da  Trindade,  fixada  nuns  li"  boreais,  está  mais  perlo  da 
verdade  que  os  14o.5  do  biscainho.  O  Rio  grande  dista  5o  da  ilha  da  Trindade,  pois  está  em  6o  boreais, 
e  130.5  do  Cabo  de  S.  Jorge  que  é  o  de  S.  Agostinho,  senão  outro  próximo  e  mais  ao  norte;  o  Orinoco 
dista  realmente  da  ilha  cêrca  de  2».  e  \7o  do  cabo.  Mas  o  Amazonas  está  separado  por  IQo.S  da  ilha  e 
8o  do  cabo;  não  pôde  portanto  confundÍr-se  com  o  Rio  grande,  em  que  as  distâncias  têm  uma  relação 
de  grandeza  Inversa.  Como  se  vê,  a  latitude  deste  rio  está  puxada  mais  ao  sul  do  que  devia,  estando  o 
cabo  português  fixado  com  mais  exactidão. 

O  Golfo  fremosso  deve  ser  o  Essequibo,  torrente  caudalosa  ao  sul  do  Orinoco  cujo  largo 
desaguadouro  abriga  diversas  ilhas,  e  cujas  margens  foram  infestadas  até  muito  tarde  por  Caribes  ou 
canibales.  de  que  ainda  existem  restos  no  interior.  Se  o  Rio  grande  designasse  a  foz  ocidental  do 
Amazonas,  sô  caberia  Golfo  fremosso  à  foz  oriental,  rio  do  Pará,  que  tem  a  mais  larga  foz  existente  ao 
sul;  mas  a  isto  se  opõem  a  extensa  porção  de  costa  que  os  separa  no  mapa  e  não  pôde  representar  a 
Ilha  de  Marajó,  e  o  facto  de  no  gôlfo  não  haver  ilhas.  Recusamo-nos  a  ver  neste  a  foz  do  Mearim  no 
achial  Maranhão,  cuja  latitude  é  de  2o.5  austrais  e  não  de  6o  boreais,  tais  como  os  traz  o  mapa  na 
abertura  do  gôlfo. 

Resumindo,  Encontramos  em  Cantino,  como  em  La  Cosa,  as  mesmas  duas  vastas  embocaduras 
nos  lados  de  um  grande  ângulo  obtuso  que  faz.  grosso  modo,  a  costa  desde  a  ilha  da  Trindade  até  o 
cabo  d  Orange  (ou  o  de  S.  André,  mais  ao  norte),  mas  com  o  rumo  do  segundo  lado  alterado  e  diversa 
posição  dos  grandes  nos.  Segundo  o  nosso  modo  de  ver.  estes  são  o  Orinoco  e  o  Essequibo,  de 
maneira  alguma  o  Amazonas,  que  foi  descoberto  depois  da  ultimação  do  planisfério  e  está  compreen- 
dido na  linha  convencional  que  desce  até  o  Cabo  de  S.  Jorge 


Les  Corte  ResI,  pig.  78.  The  áescovery  of  Norlh  Amerra.  plg.  318.  nota  50. 

176 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DORRASff 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUOIIFSA  DO  BRASI 


A  urta  conhecida  como  de  Pedro  Manir,  por  ler  sido  inserta  em  parte  da  edicSo  das  /Díri>rf,. 
com  uma  .  do  .ufor.  remonta  a  .51 ,  (•'%  Ela  apenas  ,raz  no  norSeste  da  Aménca  meHdioM 

denomnu,...,  p.„>,      midaa.     grande  e  r.  de  cruz.  A  úl.ima  é  o  cabo  de  S  C,^  mafs 

urde  des,gn,d.  ,         Ago^.^nK.;  <,uan.o  ao  r  grande,  temos  à  escolha  o  Orinoco  ou  o  Amaiona 
que  í  a  In  gerai,         seguida,  i  Mas  como  explicar  então  que  não  esteja  representado  o 

P'  >  no.  com  uma  enorme  foz.  conhecida  em  IJIl  e  que  dera  tanto  na  «ista  dos  espanhóis  Além 
d  .10  „gur.  no  htoral  desde  a  ilha  da  Trindade  até  o  r.  grande  uma  linha  continua  de  baixios  ine.pt 
cá-  e  o  Amazonas,  mas  perfeitamente  admissível  se  é  o  Orinoco,  pois  a  cos^a  â  aoadica  ao 

^      cercada  d.  H,,„.n,  de  lôdo  e  areia.  O  rumo  da  costa,  que  é  mui?o  "  L    actma  dô 
as.  é  na  carta  sen  o  noroeste  acima  do     grande,  pondo  de  parte  a  li9e"ra  encurvacão 

NO  a.se  que  nâo  Itgura  o  equivalente  do  Galfo  Iremosso  de  Cantino,  a-pesar  dêste  mapa   er  Se  9  anos 

r    ZT         °  '  """""  i-portanle  ao  sul  do 

O  que  principalmente  incutiu  a  identificação  do      arande  com  o  Ama7nnac  «  «3 
Ormoco  (oi  a  proximidade  de  c.  de  cruz.  onde  a  costa  muda  b™s«men  "  de  d"  mas  éste^rctõ 
provém  da  Ignorância  dos  espanhóis  quanto  à  verdadeira  posição  do  cabo  de  S  Cr,°'  Th!,  i  ! ,  f 
1: ■  -"i'"""  às  suas  descoberta.'  SeVspú  o  na  /.«ía  (  505  ou  50^ 

V.  a  parti   do  gôl lo  de  P  r"'  con  ma  TT.  """TT  °  '"''"^ 

....:z.ra^é::~B£r?á^^^^ 

«  mesma,  do  mapa  de  ban tino  Quisi  loco  a  LoT  T'  '«o 

■      1  O  cartógrafo  ligou  pois  estas  tetías  de  Salit  "  rr""  Portuguesas  pertencentes 

,  do  litoral  onde  e^;.  o  A^z^  ^o^Zeíl^/LrSsírllliSTf  n^^C: 

mundi  e  duma' "gt^a^stronàmifa  com"tábuaTc;cí^.''•^'""  -'-P-''^''»^  ^e  um  mapa- 

ano  de  1508.  Daqui  srcondu  aue  nSo  ,^^^^^  cronológicas,  em  cuia  explicação  se  toma  para  exemplo  o 

P-^n  e  Dias-delourafnre   e  Honl"  TíLteT  vtata" "  TV"''"'"  '"''"'"''^ 
que  03  porlulanos  sâo  posteriores  a  ês^e  ún,rJ  =  '  ™  '508-09.  loma  se 

dois  navegadores  a  Espanha  Duas  delas  r-n,...  '  '"^         '"^^  'o^n^ram  os 

.0  sul  de  Porto  Seguro  e  do  Monfe  P«chóa  (  Tsâo\   ,'^''r""  """"""^  " 

In-perleíta;  as  ilhas  Cuba   Hispan"ola  ^^iW  „i  i'   if^  ?  n'"'^  """"^  *  '  configuração  das  terras  é 

  formas  fantásticas.  nÍo  Tm  ««t  íe  Jt^tud« '°.  "'"'l       -'""""^  ^  ^"""'"^ 

o,  notando  quo  s  Anilo  de  Cabo  UerT  /f'!  T""'?  '  """S^-^es  lerse  há  ideia  da  sua 


Nicou,  '^"^o£:;;rr„,'^^^^  «  SSrTdíu^^So  S  S"""*™"        *  inadmissível  de  « 


NORDESTE  DA  AMÉRICA  MERIDIONAL  DESDE  PÁRIA  ATÉ  O  CSSEQUIDO 

(EXTRACTO  CM  CARTA  N->  l»l  DO  ALMÍRANTADO  ■RnAflICO» 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


ou  mais  das  actuais  ilhas  Antilhas  e  nunca  aplicada  ao  continente  C").  Se  a  execução  material  é  cuidada, 
como  di.  Slevenson  no  ligeiro  estudo  que  dfile  faz,  é  certo  que  o  documento  tem  pequeno  valor 
cartosráfico. 

O  fado  característico  da  parte  do  traçado  que  vém  do  goifo  de  Pária  fcolpho  de  parias)  até 
o  cabo  de  S.  Agostinho  (c.  de  s.  augustino)  é  a  presença  de  uma  grande  abertura,  (colpho  grande), 
tendo  mais  ao  sul  outra  menor  (golfo  de  mttchas  b.isas).  ainda  assim  mais  pronunciada  que  a  de 
qualq-.er  outro  rio;  entre  elas  e  no  interior  está  a  legenda  Terra  SancLv  Cnicis.  Sào  as  duas  emboca- 
duras lue  se  encontram  nos  mapas  de  La  Cosa  e  Cantino,  e  ainda  noutros  subsequentes.  E'  opinião 
prevalescente  que  na  primeira  se  quere  representar  a  foz  do  Amazonas,  sendo  talvez  a  segunda  o 
Maranhão  dos  portugueses  ('");  todavia  semelhante  interpretação  n3o  resiste  a  um  exame  acurado. 

Com  efeito,  a  cosia  figurada,  que.  a  partir  do  gôlío  de  Pária,  segue  primeiro  o  rumo  de  leste, 
toma  depois  o  de  lessuesle  até  o  colpho  grande,  ao  passo  que  a  verdadeira  direcção  dela  sofre  até  o 
An.azonas  variadas  inflexões,  oscilando  entre  o  leste  e  o  sul.  Se  o  giganlesco  rio  brasileiro  é  represen- 
.  Jo  pelo  colpho  grande,  falta  na  carta  o  Orinoco,  pois  6  inadmissível  que  êste  seja  qualquer  dos 
pequenos  cursos  d'água  desenhados  adianic  do  colpho  de  Pária  (*'•).  Além  disso,  o  Amazonas  tem  duas 
embocaduras  e  o  colpho  tem  só  uma,  e  a  configuração  das  suas  margens  é  totalmente  diversa  da  que 
na  realidade  se  nos  oítjrece.  O  interior  do  colpho  grande  foi  visilado,  como  demonstra  a  quantidade  de 
rios  afluentes  figurados  e  nomes,  que  traem,  à  vista  do  calendário,  «ma  exploração  de  janeiro  a  março, 
com  certeza  posterior  a  1500.  Deviam  pois  os  descobridores  ter  tomado  conhecimento  da  grande  ilha 
iwraió,  se  se  trata  do  Amazonas.  A  ausência  dela  indica  que  o  colpho  de  muchus  b.isas  nio  é  o  rio 
do  Pará,  nem  aliás  êstc  tem  baixios;  e  por  igual  motivo  nâo  pôde  também  ser  a  baía  do  Maranhão  ou 
Mearim,  que  é  dividida  em  duas  balas  distintas  pela  ilha  de  S.  Luis.  O  colpho  grande  deve  ser  o 
Orinoco,  e  o  de  muchae  basas  o  Essequibo.  em  cuja  entrada  há  bastantes  baixios. 

A  inscrição  Terra  Sancdv  Crucis.  indevidamente  deslocada  para  o  ocidente,  não  implica  de 
lacto  que  os  dois  golfos  pertençam  ao  Brasil,  da  mesma  sorte  que  a  palavra  Aníiglia,  colocada  ao  longo 
da  costa  do  actual  estado  de  Venezuela,  não  quere  dizer  que  ela  jamais  fõsse  conhecida  sob  esta 
designação.  O  cartógrafo  sabia  da  existência  das  terras  de  Santa  Cruz,  cuja  costa  nos  apresenta  desde  o 
c.  de  s.  augustino.  por  6«>  de  latitude  sul,  até  asborosas,  por  19^:  mas  lígou-as  erradamente  com  as 
descobertas  pelos  espanhóis,  suprimindo  uma  boa  parte  do  litoral  desconhecido. 

Se  s.  marta  da  cólon  é  S.  filaria  de  la  Consolación,  como  atrás  se  aventou,  a  ligação  fôz-se 
nesse  cabo.  A  s.  maria,  que  está  logo  a  ocidente  de  s.  niaria  da  cólon,  assim  o  atesta,  pois  ela  é  uma 
das  várias  5.  fiíaria  portuguesas  que  registam  os  antigos  mapas  acima  do  cabo  de  S.  Cruz  ou  S.  Agos- 
tinho. No  de  Canério  vem  s.  maria  de  gracia  (N.  Senhora  da  Craça)  e  5.  maria  de  rábida  (N.  Senhora 
da  Arrábida);  no  de  Pilestrina  sta  m  datafa^a  (N.  Senhora  da  Atalaia);  no  de  Kunstmann  II  s.  maria 
djgoodia  (£N.  Senhora  da  Guarda?  ida  Aguada?  cda  Agonia?);  no  de  Vesconte  di  Maiollo  (1527) 
s.  marta  de  goardia  (N.  Senhora  da  Cuarda).  A  ponta  descoberta  por  Pinzon  não  é  contudo  S.  Agos- 
tinho, a  pesar  da  sua  latitude  de  8°  ser  quási  exacta,  ou  melhor,  precisamente  por  causa  desta  grande 
aproximação.  Não  existe,  além  desta  problemática  coincidência,  nenhuma  outra  pertencente  à  nomenclatura 
de  Pinzon,  nem  à  conhecida  de  Diego  de  Lepe;  e,  facto  a  assinalar,  falta  o  Marahon,  o  grande  rio  do 
espantoso  estuário. 


No  planisfério  que  acompanha  os  porlulanos  esli  Anliglu  na  costa  da  América  meridional  vottjda  ao  Padticol 

(••)  Denucé,  The  discovery  ot  the  norlh  coasi  o!  South  AmerícJ  according  to  an  anonymoui  map  in  lhe  Drítish 
A\useum,  The  Geographícal  Journal.  2.«  vol.  de  1910.  O  aulor.  alím  de  incorrer  em  basfantes  *rroa  de  lacto,  abalança-se  ■ 
identllicações  bem  extravagantes.  Assfm  faz  mariatambal  de  S.  Marta  candriar.  que  é  aimplesmcnrc  S.  Maria  da  Candelária, 
celebrada  na  Purificação,  a  2  dc  Icvcrelro. 

p*)  Segundo  Slevenson.  no  ligeiro  estudo  que  laz  dos  poriuiano»,  a  foz  do  Orinoco,  ou  é  o  denteado  a  seguir 
ao  c.  de  s.  vteenlio  diante  do  qual  estio  Inscntos  dois  nomes  de  phias  e  nlo  desemboca  rio  algum,  ou  enllo  í  o  imediato 
em  que  desembocam  dois  riosinhos.  entre  03  quai*  está  uma  plaia.  O  que  Jeva  a  csla  última  inlcrprcuçio  é  provávclmt-nte  o 
monte  de  la  trinídad.  satjido  que  para  o  Sul  do  Cano  àe  Vjgre  nlo  hi  montanha  alguma  senão  do  Orinoco  cm  diante.  Mai 
do  mesmo  modo  que  o  colpho  de  partjs  está  inscrito  no  continente,  devendo  estar  no  próprio  gòtío,  pôde  o  monte  de  la  Innldad 
ter  sido  trazido,  por  imperlclOo  do  cariógralo,  da  Ilha  da  Trindade,  cm  cuia  ponta  orientti  e  sul  existem  os  montes  dc  que 
Colombo  derivou  Ésie  nome.  Ainda  hoje  éles  conservam  a  dcaiijnav^o  de  1496. 


179 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


NTRE  a  memorável  expedição  de  Vicente  Vanez  em  1500  e  a  que  êle  empreendeu  em  1508 
com  Dias  de  Solis  não  contam  os  livros  de  mais  alguma  C"').  e  a  partir  dela  até  sua 
morte  em  1514,  fallam-nos  semelhantemente  índldos  de  que  andasse  na  faina  dos  desço* 
brlmentos.  E'  inacreditável  no  entanto  que  se  limitasse  tam  sòmente  àquelas  viagens,  e  na 
verdade  há  notícia  de  ter  havido  preparativos  para  mais  duas,  nos  fins  de  1501  e  1505. 
Nâo  é  certa,  conquanto  a  julguemos  provável,  sua  realização;  em  compensação  apurámos  a  existência 
de  outra  à  América  austral,  cujo  itinerário  foi  sensivelmente  o  seguido  em  1500.  Antes  de  o  demonstrar 
e  para  lhe  fixarmos  a  época,  se  possível,  passaremos  em  revista  o  que  consta  da  actividade  do 
audacioso  explorador  desde  1500  até  seu  falecimento  {'^% 

Desde  30  de  setembro  de  1500,  quando  regressou  da  exploração  das  Guyanas,  até  5  de  igual 
mês  do  ano  seguinte,  em  que  foram  celebradas  novas  capitulações,  permaneceu  Pinzon  em  Espanha, 
como  o  dão  a  entender  diversos  diplomas  oficiais  V^);  mas  o  têrmo  destas  capitulações  já  se  ocupa 
minuciosamente  das  condições  em  que  há  de  ser  executada,  dentro  dum  ano.  segunda  expedição  às 
regiões  visitadas  anteriormente.  No  diploma  de  15  de  outubro  do  mesmo  ano  lemos  mais  que  Vicente 
Pinzon  e  seus  sobrinhos  Arias  Perez  e  Diego  Fernandez,  ao  serviço  dos  reis  católicos,  vão  brevemente 
seguir  viagem;...  os  obligastes  ã  nos  servir..,  para  ayuda  al  mage  que  agora  hábeis  de  tornar  a  hacer 
en  nuestro  servido...  ("*). 

Resulta  pois  indubitável  que  nos  útiimos  meses  de  1501  Pinzon  premeditava  nova  aventura, 
ao  correr  da  qual  tomaria  posse  in  loco  do  cargo  de  governador,  em  que  fôra  investido  pelo  têrmo 
citado.  Como  seria  singular  que  o  alto  funcionário  não  lograsse  tornar  efectiva  a  mercê,  abandonando 
desde  logo  à  avidez  alheia  a  província  recentemente  adquirida  a  Castela,  supomos  que  a  viagem 
realmente  se  fêz,  tendo  Pinzon  em  1502  visto  pela  segunda  vez  5.  Maria  de  ta  Consolación  e  S.  Maria 
dei  mar  dulce.  t 

A  circunstância  que  vamos  apontar  vém  confirmar  nossa  crença.  O  diploma  de  15  de  outubro 
de  I50I,  do  qual  transcrevemos  a  referência  à  viagem  projectada,  diz-nos  que  nela  haviam  de  ir  Arias 
Perez  e  Diego  Fernandez,  sobrinhos  de  Pinzon,  que  já  o  tinham  acompanhado  em  1500.  Ora  dos 
depoimentos  dêstes  marítimos  nas  Probanzas  se  deduz  que  êles  se  encontraram  na  Hispaniola  com 
Bastidas  e  La  Cosa,  vindos  da  sua  frutuosa  expedição  tam  mal  terminada  (*"')■  Estes  descobridores 
chegaram  à  ilha  nos  fins  de  1501  ou  princípios  de  1502  e  zarparam  plausívelmente  para  Espanha  por 
lodo  o  mês  de  julho  dêsle  ano  (*").  podendo  pois  ser  fixada  a  visita  à  Hispaniola  dos  sobrinhos  de 
Pinzon  por  lodo  o  primeiro  semestre.  E'  possível  que  a  visita  se  não  relacionasse  com  o  projecto  de 
1501,  e  a  presença  de  Arias  Perez  e  Diego  Fernandez  dependesse  de  outro  motivo;  mas  o  mais  plausível 
é  que  os  dois,  tendo  saído  de  Castela  com  o  tio,  aí  por  fins  de  1501,  se  encontrassem  na  possessão 
espanhola  a  tempo  de  conversar  com  Bastidas  e  La  Cosa.  As  afirmações  destas  duas  testemunhas, 
especialmente  da  primeira,  não  merecem  todavia  grande  crédito.  Como  quer  que  se  resolva  a  dúvida, 
parece  que  Pinzon,  a  julgar  da  sua  pouco  clara  declaração  nas  Probanzas  (»"»),  se  achava  em  Espanha 
em  setembro  de  1502.  quando  regressaram  os  dois  navegadores  na  frota  de  Bobadilla  e  naufragou  a 
nau  do  ex-govcrnador  das  índias  ocidentais. 

Nâo  há  nolícias  dêle,  à  míngua  de  documentação,  desde  essa  data  até  agosto  de  1504.  em  que 
assistiu  na  Hispaniola  ao  desembarque  de  Colombo  na  sua  última  e  malfadada  viagem  ("')■  Pode  ler  se 
dado  o  caso  de  Pinzon  passar  pela  ilha  no  decurso  de  uma  excursão  de  descobrimento;  moslraremos 


&it>emos  nlJ  t^r  l^^L}  ^-  l'  '^'"^  '"'  '"-^^  *  ^'"^  menciona  apenas  as  duas.  alem  dc  outra  em  IS06  que 
dL  J^^h',  .         ""'"^'"^  n^rntse  (Tonbio  de  Medina,  juan  D.js  de  Sohs.  lòmo  I.  páq.  XCIX).  Nada 

ími  SnJa7c  Pinzon  -'^^  pro.ecrada  em  IMl  (id  íd,.  p.lg.  39).  e  só  a  propósito  de  Manuel  de  Valíovinos  fala  de 
ífo  há  Sjlo  alaum  r;  n^l"^^  'd-,  .d..  p.t9.  5í(),  Também  cila  uina  de  1507  com  Dias  de  Solis  de  que 

nao  na  vesnató  alaum  e  e  proy..volmunlc  imaginária  (liibliotccj  mantima.  diaçào  de  Harrisse.  op.  cit ,  pão.  731) 

«    Nlví^Vf/nn^^rlf  ^  ^^R'  «"^  «"^  quais^crescenlamos  algo. 

doe.  XII  de  pio.  ^  Jlzx.vllíii.  '         ^"  «         ><Lin  dc  pig.  514.  de  20- VI - 1501 ;  tòmo  II. 

Id  .  tômo  III,  p3g  Ío2. 
(^)    No  A'u^ndice  [i,  respostas  à  6*  pregunta. 
!«!    '  ^-  f*sposia8  i  6.-  pregunta. 

^)    I  o  111,  pSg.  102. 

(*•)  Apêndice  B.  resposta  i  9.«  premunia. 

180 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  Al.VARES  CABRAL 


Tní^.  Urlrn..!      í  Tl""*'  '^"''^  ^"^'"^  =9°^'°       '504  e  principios  de  1505  registamos 

outra  lacuna  nestas  efemérides:  mas  já  em  fevereiro  Vicente  Vai^ez  parava  em  Espanha  e  desde 
então  até  novembro  do  mesmo  ano  lhe  podemos  acompanhar  os  passos  neste  país.  A  24  de  março  loi 
expedido  em  seu  favor  o  alvará  da  alcaidia  de  uma  fortaleza  a  construir  em  S.  Juan  (Porto  Rico  hoje 
e  pnmmvamente  Donquen).  e  a  24  de  abril  o  de  capitão  e  corregedor  da  ilha.  celebrando  se  no  mesmo 
oia  capitulações  para  o  povoamento  dela  e  para  a  expedição  correspondente,  na  qual  havia  de  partir 
dentro  de  um  ano  (  n  Ignoramos  se  o  fèz.  mas  é  de  crer  que  sim;  efectivamente  Pinzon.  que  solicitou 
o  governo  de  5.  Juan.  fundando-se  em  que  fòra  o  primeiro  a  ai  encontrar  ouro  V  ).  não  daria  de  mâo 
laciimente  ao  projecto  de  se  instalar  nas  suas  novas  funções  e  de  tentar  a  exploração  do  apetecido 
meial.  A  favor  do  nosso  modo  de  ver  invocamos  a  provisão  régia  de  28  de  outubro  de  1505.  na  qual 
se  lè  que  Pmzon  estabj  para  ir  en  mi  semeio  numa  caravela  para  tal  fretada;  o  proprietário  porém 
embargou-tha.  motivo  pelo  qual  não  pôde  partir,  acudindo  lhe  a  rainha  D.  luana.  que  mandou  fôssc 
diligentemenie  lulgado  o  embargo  (»-).  Da  mesma  sorte  que  nos  fins  de  1501.  nos  de  150S  se  preparava 
o  capitão  para  demandar  os  mares,  sendo  provável  que  desta  vez,  como  da  outra,  a  tentativa  fôsse 
levada  a  cabo. 

Quer  se  promovesse,  quer  não.  o  povoamento  de  S.  Juan.  certo  é  que  em  agosto  do  ano 
seguinte  de  1506  o  vemos  em  Espanha,  empenhado  na  expedição  à  terra  da  cspeceha  que  o  rei  de 
Castela  pretendeu  armar  ('").  Este  proieclo  |á  fòra  laboriosamente  considerado  em  1505,  estando  néle 
interessado  Vicente  Pinzon  e  Américo  Vespúcio.  mas  íôra  adiado  por  dificuldades  quaisquer  ("*). 
Retomado  mais  tarde,  houve  necessidade  de  o  abandonar  definitivamente  em  outubro  de  1507  em 
virtude  das  reclamações  del-rei  D.  Manuel,  que  se  mostrou  disposto  a  não  consentir  na  invasão  dos 
seus  dommios  ("").  O  monarca  castelhano  achou  então  de  melhor  aviso  procurar  o  estreito  ou  canal 
aberto  que  os  marítimos  espanhóis  julgavam  existir  a  ocidente  de  Cuba.  à  procura  do  qual  já  Colombo 
andara  na  sua  última  exploração  costeira,  ai  alto  viage.  Foram  ouvidos  Vespúcio.  ]uan  de  la  Cosa. 
Pinzon  e  Dias  de  Solis,  e  das  conversações  resultou  a  viagem  destes  dois  últimos  em  1508  - 1509  (•*•). 
Do  povoamento  de  S.  ]uãn  não  curou  mais  Vicente  Vancz.  pois  em  agosto  de  1509  foi  provido 
interinamente,  e  mais  tarde  definitivamente,  o  govêrno  da  ilha  em  ]uan  Ponce  de  Leon,  futuro  redescobridor 
da  Flórida  C'*^').  A  exploração  dos  pilotos,  castelhano  e  português,  emparceirados  sob  o  comando  naval 
do  segundo  e  terrestre  do  primeiro,  durou  até  outubro  de  1509.  dai  em  diante  até  o  ano  da  sua 
morte  só  há  novas  de  Pinzon  em  fevereiro  de  1513,  quando  êle  depôs  em  Sevilha  no  processo  de 
Diego  Colombo,  e  ainda  uma  vaga  referência  em  1514 

Temos  assim  limitado,  à  face  de  dados  oficiais  ou  extraídos  das  Probamas.  a  quatro  os 
períodos  denlro  dos  quais  podemos  nulrir  esperanças  de  desencantar  qualquer  viagem  ainda  não 
estudada  do  famoso  nauta.  São  os  seguintes:  1.°  entre  novembro  de  1501  e  setembro  de  1502  ;  2.o  entre 
esta  última  data  e  princípios  de  1505.  notando  que  em  agosto  de  1504  ele  se  encontrava  na  Hispaniola; 
3.0  entre  novembro  de  1505  e  julho  de  1506;  4°  entre  1510  e  1513.  Atrás  ficou  já  dito  que  no  primeiro 
e  terceiro  períodos  são  prováveis  duas  expedições:  vamos  agora  ver  que  êle  fêz  no  segundo  outra 
visita  à  mesma  região  já  explorada  em  1500,  da  qual  não  havia  até  agora  conhecimento. 

Para  tal  fim  recorreremos  às  Probamas  dei  fiscal  e  dei  almirante,  designadas  na  sequente 


Navarrele,  op.  dl.,  tâmo  III.  pág.  112. 

Navarrete,  Id.,  id..  pá9.  102:  Documentas  inéditos  dc  lndi»s,  l6mo  XXXI  da  l.«  tértc.  pig.  295  c  2J9. 
(*)  Mártir.  Década  It.  livro  8.<>. 
C"*)  Navarrete,  op.  e  I6m.  dl.,  pág.  II3. 

(txj  Documenfos  inéditos  de  índias,  tòmo  XXXIX  da  I  •  síric.  p^s-  138. 

(■*")  Navarrete,  op.  c  tòm.  dl.,  páS'  302.  documentos  rctcrcntes  ao  mcnsaseiro  Pedro  de  Miranda;  Documentos 
inéditos  de  índias,  tômo  cit..  pág,  283  c  3«6. 

Tohbio  de  Medina,  op.  dt..  tÒmo  I.  pig.  CXXVli  e  CXV. 
(»>)   Ibld..  Ibld. 

(*»)   Documentos  inéditos  de  índias,  tômo  XXXt  da  1.»  sírie. 

(^)  Harrisse  dia  (op.  dl.,  pig.  731)  a  seguinte  passagem  doa  manuscritos  de  MuAoz:  'Desde  3  hasta  14  tebf 
y  abril  14.  1514,  se  attomn  cuntidades  a  Vicente  Vúiiez  Fimon,  puoto  de  $.  A.,  destinadas  para  la  armada  que  va  a  tierra 
firme,  la  qual  se  despac/iai/a  em  San  Lucar  por  mayo  (LXXV,  págs.  239  e  319)  ilria  Pinzon  na  Ireia? 

181 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


análise  respectivameníe  pelas  iniciais  F  e  A  (""-).  mas  preliminarmente  imporia  assentar  no  grau  de 
confiança  que  merecem  as  testemunhas  consultadas.  A  figura  principal  do  pleito,  em  tômo  da  qual  se 
agita  a  paixão  rancorosa  ou  louvaminheira,  é  Cristóvam  Colombo,  de  sorte  que  é  de  elementar  prudência 
suspeitar  da  veracidade  e  imparcialidade  dos  depoentes,  de  uma  e  outra  das  partes,  quando  se  ocupam 
dos  feitos  do  grande  genovês.  Na  verdade,  certas  declarações  são  visivelmente  malévolas  ou  tendenciosas; 
doutras  se  tem  demonstrado  a  falsidade,  quer  consciente,  quer  resultante  de  confusão,  sendo  de  notar 
a  do  próprio  Vicente  Pinzon  quando  se  pronuncia  sôbre  o  descobrimento  de  Pária,  a  cuja  época  êle 
reporta  menlirosamenie  a  sua  viagem  de  1499  (*"").  Mas  quando  as  testemunhas  tratam  dêste  capitão, 
personagem  secundária  a-pesar  da  sua  jactância,  suas  palavras  não  estão  sujeitas  à  mesma  desconfiança, 
e  em  maléria  de  factos  por  elas  presenciados  são  dignas  de  fé.  Há  que  descontar,  bem  entendido,  as 
amplificações  c  vanglórias,  as  infidelidades  de  memória  e  a  incultura  dos  rudes  marítimos  chamados  à 
barra,  senão  alé  mesmo  a  dos  escrivães  que  resumiram  os  depoimentos. 

Começaremos  por  Alonso  de  Hojeda.  O  fidalgo  de  Cuenca  declara  (F,  pregunta  7»)  que  viu 
Vicente  Vaftez  yr  a  descubrír  e  viu  a  carta  de  marear  por  êle  trazida.  Ora  quando  Pinzon  zarpou  nos 
fins  de  novembro  de  1499,  já  Hoieda  eslava  há  perto  de  três  meses  na  Hispaniola,  de  volta  da  sua 
excursão  pela  costa  de  Venezuela,  iniciada  na  primavera,  e  quando  Pinzon  chegou  por  seu  turno  a 
Hispaniola.  em  23  de  junho  de  1500,  estava  já  Hojeda  em  Espanha  havia  tempo.  Desde  a  primavera  de 
1499  até  outubro  do  ano  seguinte  não  sc  avistaram  os  dois  navegadores,  nem  podia  Hojeda  ter  assistido 
à  partida  do  seu  camarada  em  expedição  alguma,  quer  de  Espanha,  quer  da  Hispaniola.  A  viagem  de 
Pinzon  a  que  se  refere  o  destemido  e  cruel  fidalgo  não  é  pois  a  primeira  de  1499;  foi  outra,  realizada 
às  paragens  então  visitadas,  pois  a  estas  sc  refere  a  7.>  pregunta  do  fiscal. 

Sabe-se  que  Hojeda,  depois  da  sua  primeira  expedição  em  1499,  só  permaneceu  eni  Espanha; 
l.o  entre  junho  de  1500  e  janeiro  de  1502  em'  que  partiu  para  a  segunda;  2.o*desde  mês  incerto  de 
1503,  posterior  a  junho,  até  depois  de  10  de  março  de  1505  em  que  começou  a  terceira;  3.°  em  1506 
ou  depois,  de  regresso  desta,  e  antes  de  1508,  em  que  o  vemos  instalado  na  Hispaniola,  donde  iniciou 
a  sua  quarta  e  última  aventura  no  decurso  da  qual  morreu  o  célebre  Juan  de  Ia  Cosa.  Conjugando  as 
duas  efemérides  de  Hojeda  e  Pinzon,  concluímos  então  que  a  viagem,  em  vista,  do  segundo  capitão  se 
realizou  necessártamente  numa  das  duas  épocas  seguintes:  l.o  antes  de  janeiro  de  1502;  2.0  entre  julho 
de  1503  e  agosto  de  1504.  em  que  Pinzon  estava  na  Hispaniola,  sendo  certa  a  sua  permanência  em 
Espanha  enire  os  princípios  de  1505  c  novembro.  E'  visível  que  em  1506  poderia  apenas  Hojeda  tê-lo 
visto  chegar  e  não  partir. 

Anton  Garcia,  companheiro  do  comendador  Alonso  Vellez  de  Mendoza  (F,  8.")  diz  que  Vicente 
Vaf^ez  e  Diego  de  Lepe  salieron  /untos  com  êle,  o  que  apenas  quere  significar  pequena  diferença  nas 
datas  de  partida.  Ao  mesmo  tempo  declara  (F,  3.*)  ter  assistido  ao  desembarque  de  Niiio  e  Guerra  (6 
de  abril  de  1500),  e  estar  em  Castela  (F,  6.")  quando  despacharam  Bastidas  e  La  Cosa  (5  de  junho 
de  1500);  passou  pois  em  Espanha  tòda  a  primavera  de  1500.  Ora  o  comendador  capitulou  cm  20  de 
julho  de  1500  e  o  ajuste  final  terminou  em  18  de  agosto  O"');  só  depois  disto  poderia  tor  Anton  Garcia 
navegado  com  êle.  Sabendo-se  que  Pinzon  partiu  em  fins  de  novembro  de  1499,  não  é  possível  que  o 
marinheiro  se  quisesse  referir  a  esta  viagem,  dando  a  como  quási  simultânea  com  a  empreendida  depois 
de  18  de  agosto  de  1500;  estamos  pois  em  presença  doutra. 

Aliás  a  testemunha  ]uan  de  Xerez  é  mais  explícita  quanto  às  três  expedições,  iniciadas  com 
curto  intervalo.  Diz  êle  (F,  8.')  que  quando  Diego  de  Lepe  zarpou  de  Paios,  Pinzon  concluía  os  aprestos 
para  a  viagem  na  qual  o  depoente  foi  por  pilòto.  e  Alonso  Vellez  seguiu  quatro  ou  cinco  meses  depois. 
E'  impossível  que  esta  viagem  de  Pinzon  íôsse  a  de  1499.  pois  vemos  Alonso  Vellez  em  Espanha  a  5 
de  junho  de  1500  C"*);  não  podia,  portanto,  o  comendador  ter  ido  a  descobrir  em  março  ou  abri!  de 
1500.  quatro  ou  cinco  meses  depois  da  partida  de  Pinzon,  nem  consta  de  explorações  algumas  dêle 
anteriores  às  capitulações  de  1500,  que  não  se  referem  a  elas,  como  era  praxe. 


Os  depoimentos  a  que  recorremos  cstao  no  Apêndice  8. 
do  Intcrroflaíório  loTllTtl^Ul^^^^  ^      '""3""'"'        "-"^  "  observações  de  Navarrete  ao  resultado 

Navarrete,  op.  dl,,  tômo  11,  doe,  CXXXV,  a  pâg.  M7. 
(*"J    Navarrete,  op.  clt-,  lõnio  111.  pág.  23. 

182 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


um  estudo  «SeciaU-l  rh'r/'H''*l"''- navegações  de  Alonso  Vellez.  às  quais  consagramos 
rfirlprpmnc       ■  "3msse  a  atribuír  lhe  qualro.  embora  sem  firmeza.  ("").  A  primeira 

oa  a  oue  caoHu  o  ^"^P^"^  Navarrete,  e  não  sabemos  se  ao  cer.o  se  realizou   que  a 

nr.^^L  /       /  .  ^  P*^"'  ^"^^  probabilidades  em  favor.  A  terceira  para  a  qual  foi 

íTlli^VZ  ""^^  ""^  ^''i^^^^o  ^«  povoamento  e  acessóriamen.e  de  desço 

olr^u  lu.n  H.  "  ^^«^nador  Nicolas  d  Ovando.  comendador  de  Lares,  e  depois  de  Alcantara. 

Bobadil  a  em  ..fp^'  ?  "  '''''  ^^3rcssando  a  Espanha  na  frota  em  que  vinha 

Pnr  .-H  1  A,        u  M  P'^'*^  P°^'^"'«-  '502  a  tríplice  expedição, 

em  Qurseoufu  n„  ,''"';''"r?'"*  P"'""^'  '  ^"^^'^  ^'^^em  em  1503.  e  bem  p6de  esta  ser  aquela 
desta  hiptee  ^°  ""'P'  '  '^^^^"'^  encontraremos  confirmação 

m;nn.iA«=.*^^"^'"^°"5'^  Fcrrando,  testemunha  reconhecidamente  verídica,  é  ao  mesmo  tempo  bastante 
Z  JlZr:,  L  'leP^o""^»*)  e  o  mais  longo  de  todos  os  prestados.  Foi  como  escribano  de  S.  Alteza 
JJrTZ  f  °  ^  ^'í-  Se  esta  fosse  a  de  1499  teria  com  certeza 

menc  onado  o  naufrágio  e  a  perda  de  dois  navios,  subsequentes  à  estada  dos  expedicionários  na 
Mispan.ola:  mas  nao  se  refere  ao  importante  acontecimento  e  em  compensaçáo  alonga  se  na  descrição 
do  grave  risco  que  sofreram  à  conta  de  uns  baixios  aos  quais  impuseram  o  nome  Doca  de  los  leonês 
O  silencio  nào  é  explicável  por  Ferrando  ter  ficado  na  Hispaniola,  sem  seguir  com  o  seu  chefe 
porquanto  as  funções  que  êle  exercia  de  escrivão  oficial  forçavam-no  a  acompanha-lo.  Objeclar  se  há 
que  a  omissão  do  naufrágio  não  basta  para  provar  que  o  físico  não  navegou  com  Pinzon  cm  1500  e 
pôde  cilar-se  por  exemplo  Pedro  Ramirez,  testemunha  que  igualmente  o  esquece  e  segundo  tudo  indica 
foi  presente  nesta  viagem  (");  mas  temos  outras  razões  a  invocar  em  abôno  do  asserto.  Declarou  o 
escrivão  que  com  êle  foram  por  pilotos  Juan  de  Xerez.  Juan  de  Umbria  e  otro  vecino  de  $.  Juan  dei 
luerto.  cuio  nome  lhe  não  lembrava  C'');  ora  as  declarações  dos  dois  citados  mostram  à  evidência  que 
a  expedição  por  éles  pilotada  nào  foi  a  famosa  de  1500.  mas  outra  posterior. 

Efectivamente  Juan  de  Umbria,  que  acompanhou  Pinzon  (F.  7.»).  loi  também  por  pilôto  na 
expedição  de  dois  navios  de  Pedro  Coronel  à  Hispaniola.  que  começou  a  23  de  janeiro  de  1498  c 
terminou  em  6  de  fevereiro  de  1500  (^■^);  não  partiu  portanto  com  Vicente  Vai^ez  em  fins  de  novembro 
de  1499.  E'  certo  que  êle  podia,  abandonando  Coronel,  ter  regressado  a  Espanha  antes  desta  data;  mas 
no  seu  depoimento  informa-nos  de  que  estava  em  Sevilha  quando  voltaram  Nirio  e  Guerra  do  resgate 
das  pérolas  (6  de  abril  de  1500).  acrescentando  que  os  dois  foram  derechos  a  Sevilha,  e  tendo-os  o 
pilôto  visto  prestar  contas  ao  bispo  de  Córdova,  D.  Juan  da  Fonseca  (F.  4.').  Daqui  se  deduz,  sem 
sombra  de  dúvida,  que  Juan  de  Umbria  estava  em  Espanha  na  primavera  de  1500,  ao  tempo  cm  que 
Pinzon  velejava  pelas  Guyanas. 

O  pllôlo  Juan  de  Xerez  dá-nos  bastantes  esclarecimenlos  dos  quais  se  apuram  datas.  Conta-nos 
êle  que  demorava  na  Hispaniola  quando  Niiio  e  Guerra  foram  a  descobrir  (primavera  de  1499),  e  mais 
tarde  achou-se  em  Sevilha,  falou  com  éles  e  viu  as  pérolas  trazidas  (F.  3.').  Conquanto  seja  provável 
t;ue  a  entrevista  tivesse  lugar  quando  os  dois  exploradores  da  Costa  de  perlas  prestaram  contas  ao 


Oooooooooooooo 


(»^  Veja-s«  3  «ccçlo  A  supposta  viagem  de  Alonso  VeUez  cm  1499-1500. 
Op.  dt..  pig  660.  682,  691  e  694. 

(•")  Os  dois  argumentos  em  favor  desta  afirmação  s-lor  a  dura(;ao  da  travessia  do  AlUntlco.  Indicada  pe!o  mari- 
nheiro, comddenle  com  a  de  Mártir,  e  que  é  pouco  nalursi  se  repelisse;  <r  a  presença  n4  expcdlçio  dos  filhos  de  Diego 
Marlln.  que  presumimos  se  desse  em  1499.  O  segundo  dá  contudo  lugar  a  hesitações.  Diego  Prieto  (o  mesmo  Diego  Penlon 
das  Prob.inz.is  de  Navarrete,  piq.  552).  que  loi  com  Pin/on.  mcncioiía  apenas  Diego  Marlln.  sem  lalar  nos  filfio»  (F  2  o) 
acrescentando  que  Islo  se  passou  um  ano  depois  da  descol  íria  dc  Pária  por  Colombo,  querc  dizer  eni  1459  Note->e  poriím 
que  os  enganos  dc  ano  e  mais  sâo  frequentes  nos  depoimentos-  Rodrigo  Alvarez  {A.  14  •)  conta  que  com  Pínion  loram  Diego 
Martin  Pinçon  e  um  lilho  chamado  Danolome  Martin;  Manuel  de  Valdovinos  (F.  2.o)  diz  que  estavam  Diego  Marlln.  de  Palo* 
e  seus  filhos  Juan  Martin  e  Francisco  Marlln-  Nâo  seria  dc  surpreender  que  o  pai  só  acompanhaaec  Pinzon  depois  da  prlmelrá 
viagem,  ou  enião  cm  mais  duma.  deixando- nos  perplexo  na  escolha. 

(»'»)  Talvez  luan  Quintero,  que  foi  pilôto  dc  Pinzon.  segundo  afirma  Juan  de  Xerez  (A.  8.»  e  14.*).  Note-ae  que 
ésie.  Interrogado  nas  ProbJnzjs  dei  Almirante,  diz  ler  sido  a  primeira  viagem  dc  descobrimento  do  caplllo  castelhano  aqueU 
em  que  lof  por  pilòlo  déle.  em  contradlç^to  com  várias  passagens  das  sus»  declarações  quando  depôs  a  mandado  do  flscal 
Esle  equivoco  nlo  ò  único  nas  Probãnz.is,  e  deriva  de  Ignorância,  i  qual  m  iunla  o  desejo  de  dai  ImporlAnda  i  viagem. 

(*»)   Harrisse.  op.  dl.,  pág.  616.  citando  Fernando  Colombo  e  Las  Casat, 


183 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


bispo  de  Cóvdova  (abril  ou  maio  de  1500)  ou  nas  proximidades,  é  possível  que  fôsse  posterior  a  30 
de  setembro  de  1500.  e  neste  caso  podia  3uan  de  Xerez  ter  seguido  com  Pinzon  no  ano  anterior.  Mas 
o  pilôto  assevera  que  eslava  em  Alcalá  de  Hcnares  com  Hojeda  e  La  Cosa  quando  foram  despachados 
março  de  1499?)  e  os  acompanhou  a  Sevilha,  e  depois  da  partida  dêles  do  Puerto  de  S.  Maria  dende 
a  ocho  meses,  poco  mas  o  menos,  los  vido  bolver  a  Sevilla  cargados  con  índios,  e  vido  este  testigo  la 
carta  de  )uan  de  la  Cosa  que  hizo  en  aqual  viage  (F.  5.").  Como  os  dois  voltaram  a  Espanha  na 
primavera  de  1500,  ctaro  está  que  }uan  de  Xerez  (embora  haja  eqúivoco  nos  ocho  meses)  se  declara 
também  em  Sevilha  por  essa  ocasião  ou  pouco  depois;  não  podia  pois  o  pilôto  ter  andado  com  Pinzon 
em  1499-1500,  do  mesmo  modo  que  o  seu  colega  Juan  de  Umbria  e  o  escrivão  Ferrando. 

A  testemunha  informa,  oulrosim.  de  que  se  encontrava  em  Castela  quando  Bastidas  e  La  Cosa 
zarparam  (outubro  de  1500)  e  depois  veio  a  fiispaniola  na  frota  do  comendador  mór  de  Alcantara 
Nicolas  d'Ovando  (fevereiro  a  abril  de  1502),  achando  nesta  ilha  os  dois  navegadores  com  quem 
regressou  a  Castela  em  setembro  do  mesmo  1502  (F,  6.»).  A  viagem  feita  com  Pinzon  não  pôde  portanto 
ser  aquela  cuja  possibilidade  fixamos  enire  novembro  de  1501  e  setembro  de  1502,  e  por  outro  lado 
não  deve  ser  a  que  o  extremado  nauta  talvez  efectuasse  entre  novembro  de  1505  e  julho  de  1506, 
porquanto  éle  se  destinava  ao  povoamento  de  5.  Juan  e  acessóriamente  a  ver  terras  novas,  e  nós 
sabemos,  ao  contrário  dos  depoimentos  de  ]uan  de  Xerez,  Juan  de  Umbria  e  Garcia  Fenando,  que 
Vicente  Vaftez  se  dirigiu  às  (erras  novas  onde  se  demorou  e  só  subsidiáriamente  teria  ido  a  S.  Juan. 
Restam  nos  pois  dois  períodos,  dos  quatro  que  indicamos  nas  efemérides  de  Pinzon.  nos  quais  é  de 
localizar  a  expedição  sub  judice:  l.»  entre  setembro  de  1502  e  princípios  de  1505;  2°  entre  1510  e  1513. 

Poremos  de  parie  o  segundo,  por  tardio;  aliás  é  natural  que  Juan  de  Xerez,  depondo  na 
Híspaniola  em  junho  de  1512,  se  referisse  à  viagem  recentíssima  com  Pinzon  se  ela  se  tivesse  realizado 
então.  Por  exclusão  de  partes  deduz  se  pois  que  este  pilôlo  navegou  com  o  arrojado  capitão  no  lapso 
decorrido  entre  setembro  de  1502  e  princípios  de  1505;  mas  ainda  aí  é  possível  uma  limitação.  Juan  de 
Xerez  dá-nos  a  notícia  de  que  tomou  da  Híspaniola  a  Espanha  em  agosto  de  1504  no  navio  que  trouxe 
Colombo  da  sua  última  viagem  (F,  9.»)  ("*),  e  por  outra  banda  Pinzon  e  o  seu  sobrinho  Arias  Perez 
Pinzon  afirmam  que  na  mesma  ocasião  se  encontravam  naquela  ilha  (F,  9.»).  Julgamo-nos  pois  suficiente- 
mente autorizados  a  deduzir  que  Pinzon,  tendo-se  feito  ao  mar  em  1503  depois  do  mês  de  julho,  tinha 
terminado  a  sua  exploração  na  Híspaniola  em  agosto  de  1504,  sendo  então  abandonado  pelo  seu  pilôto 
]uan  de  Xerez  que  regressou  a  Espanha.  O  que  deixamos  dito  àcêrca  de  Hojeda  ratifica  a  conclusão. 

Como  quer  que  seja,  as  cinco  testemunhas  cujas  declarações  invocamos  atestam  exuberante- 
mente o  engano  dos  historiadores  quando  assentam  em  que  Vicente  Vafiez  só  duas  vezes,  em  1500  a 
1509,  visitara  o  nordeste  da  América  austral.  Dando  de  barato  a  viagem  de  1509.  a  respeito  da  qual  o 
silêncio  dos  depoentes  das  Probanzas  dei  fiscal  tira  autoridade  ao  ininteligível  relato  de  Mártir  nos 
livros  7.0  e  8.0  da  Década  II.  não  é  possível  conteslar  a  existência  de  outra  que  presumivelmente  se 
realizou  entre  1503  e  1504.  mas  são  plausíveis  ainda  mais  duas,  entre  novembro  de  1501  e  agosto  de 
1502.  e  entre  novembro  de  1505  e  julho  de  1506  para  as  quais  seguramente  houve  preparativos  (*'*). 
Quanto  àquelas  que  podiam  ter  ocorrido  entre  1510  e  1513.  nenhuma  indicação  possuímos  ("'). 

São  escassos  os  dados  que  nos  fornecem,  àcêrca  da  expedição  de  1503- 1504,  as  poucas 
testemunhas  ao  certo  nela  participantes,  cuias  declarações  nos  revelam  sensivelmente  o  mesmo  itinerário 
da  de  1499- 1500.  Eram  quatro  os  navios  (depoimento  de  Garcia  Ferrando),  e  partiram  de  Saltes  (dep. 
de  Juan  de  Umbria),  lendo  tocado  no  arquipélago  de  Cabo  Verde.  Diego  Fernandez  Colmenero,  sobrinho 


A   u  i    A   *  ^  <'0'l'»«»ca-s«  quando  diz  que  dc  Sevilha  viu  Ir  a  descobrir  Colombo  na  sua  última  viagem  em  II 

I   nw   A    A  "O*        *'«  cheaou  à  Híspaniola  em  abril  dfste  ano  na  frota  d'Ovando.  O  almiranic  passou  primeiro 

peia  Ilha  donde  partiu  em  M  de  Julho,  época  cm  que  ]uan  de  Xerez  ainda  lá  estava,  pois  partiu  com  liastidas  para  Espanha 
onae  cticaou  em  setembro.  Nesta  viagem  houve  o  naufrágio  de  pane  da  Irola,  perecendo  o  ex- governador  Bobadilla 
com  multa  geme.  ' 

Di^.^^.f.A  "^"i  "  «le  sfembro  de  1519.  que  concede  escudo  de  armas  aos  descendentes  e  parentes 

aS.  .  ?  '  ílguns  querrdo  deduzir  a  existência  de  uma  expedição  ao  Drasjl  de  Vicente  Vaftez;  mas  nós  cuidamos  que 
eie  SC  f  uina  de  Diego  de  Upe.  Veja-se  a  secção  subscqucnie  sob  o  titulo  O  escudo  de  armas  dos  Pimones. 

m.7  *  »..iAiÀJ  àiz  (Apendiw  t)  que  Pinzon  qucna  yr  a  le  poblar  (o  Maranon).  pero  excusóselo  la  muertc  ano  de 

\í\Tol  \l\\  "  indicação,  de  duvidosa  veracidade,  pódc  inferir-se  um  proiecto  de  viagem  de  povoamento  ai 

184 


COSXA    DA    AME.RICA  DELSOEL 


HONDURAS    ATÉ  AO  BRASIL^. 

PORTULAXOS  DE.  ILGE^RTOM  «-^803  osio?) 


DA    a.HA    DA    TRIXDADE   ATÉ    AO  BRASIL 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


de  Pmzon.  foi  por  capitão  de  um  dos  navios  em  1499.  ao  que  «le  diz  (F.  3-):  nós  sabemos  ao  certo 
que  ele  acompanhou  o  tio.  pelo  primeiro  diploma  citado  de  5  de  dezembro  de  1500.  Mais  tarde 
Colmenero  também  se  propunha  seguí-lo.  conforme  reza  o  diploma  de  15  de  outubro  de  1501.  e  « 
admissível  que  o  fizesse  em  1503- 1504.  Sendo  assim,  ignoramos  a  qual  das  viagens  se  refere  o  seu 
depoimento  ou  se  as  envolve  todas;  há  contudo  Indícios  de  que  o  marítimo  nâo  tinha  em  vista  apenas 
a  pn-neira.  Com  efeito,  êle  diz  (F.  7.*)  ter  saído  da  ilha  do  Fogo  (Cabo  Verde)  para  a  travessia  do 
Atlântico:  ora  em  1500  a  partida  foi  da  ilha  de  Santiago,  como  sabemos  do  próprio  Pinzon  que  fala 
através  de  Mártir.  E  pois  mais  que  provável  ter  sido  a  escala  pela  ilha  do  Fogo  tomada  noutra  vez. 
nao  sabemos  se  em  1503.  se  em  1501  1502.  caso  se  realizasse  esta  expedição 

j  e  .4  j^^'^  'níonna  Colmenero  que  o  percurso  costeiro  até  Pária  foi  de  800  léguas;  ora  no  diploma 
de  5  de  dezembro  de  1500  êle  próprio  avalia  o  de  então  em  600.  O  pilôto  ]uan  de  Umbria  também  o 
calcula  em  800  e  Garcia  Ferrando  em  750.  reportando  se  ao  dizer  dos  pilotos;  estamos  portanto  um 
(anto  longe  das  600  léguas  da  primeira  de  1500.  afirmadas  no  diploma  e  confirmadas  por  Mártir  em 
1501  (Trevisan)  e  nas  duas  primeiras  edições  de  1511  e  I5I6.  Pela  concordância  dos  dados  de  Colmenero 
e  Juan  de  Umbria.  parece  que  se  trata  da  expedição  de  1503  1504.  no  entanto  nâo  há  que  fiar  nas 
declarações. 

Ficamos  entendendo,  se  as  800  léguas  foram  percorridas  na  última,  que  Pinzon  desta  vez 
desembarcou  200  léguas  mais  ao  sul  de  S.  Maria  de  la  Consolación,  alargando  o  âmbito  de  sua  explo- 
ração. Esta  conclusão  é  aparentemente  contraditada  por  Garcia  Ferrando,  cuja  memória  se  apresenta  fiel. 
e  pelo  mesmo  Colmenero.  porquanto  ambos  dào  Rostro  Hermoso  como  o  primeiro  ponto  avistado.  Nós 
sabemos,  de  feito,  pelo  termo  das  capitulações  de  1501.  que  o  lugar  assim  designado  está  ao  norte  e 
nâo  ao  sul  do  ponto  ao  qual  aportou  Pinzon  em  1500.  S.  Maria  de  la  Consolación.  Pôde  arriscar-se. 
como  explicação,  que  9  capitão  espanhol  impusesse  o  nome  de  Rostro  Hermoso  a  mais  de  um  lugar! 
originando  por  esta  fórma  a  confusão  das  testemunhas;  mas  não  é  necessária  a  hipótese,  desde  que 
admitamos  nelas  lapsos  de  memória,  uma  vez  que  foram  chamadas  a  depôr  uma  dezena  de  anos  depois 
do  facto.  Não  soíre  dúvida,  por  exemplo,  que  falharam  as  reminiscências  de  Pedro  Ramirez,  que  tudo 
indica  ser  marinheiro  de  Pinzon  em  1500,  pois  êle  intitula  Rostro  Hermoso  o  cabo  ao  qual  arribaram 
primeiro  (F,  7.«);  e  mais  ainda  as  de  Luís  dei  Valle,  quando  alega  pertencer  a  Diego  de  Lepe  esta 
denominação  (F,  8.*). 

Em  1503-1504  Pinzon  ainda  não  chegou  a  ver  o  Amazonas,  a  julgar  pelo  depoimento  de 
Garcia  Ferrando.  Efectivamente,  o  escrivão  relata  ter  encontrado  um  rio  grande  com  um  mar  doce  na 
foz,  mas  acrescenta  que,  lendo  se  combinado  dar  la  uuelta  sobre  tierra  para  si  pudiesen  saber  el  secreto 
de  este  rio,  chegaram  a  ocho  léguas  fasta  la  tierra.  nâo  achando  sinâ  tres  brazas  de  agua  e  la  tierra 
anegada  e  resolvendo  não  passar  adiante  por  la  bajeza  de  la  tierra.  Éste  pormenor  não  se  deve  referir 
ao  Amazonas,  porque  êle  é  mais  fundo  na  sua  embocadura  a  distâncias  de  terra  bem  menores  que  a 
indicada,  permitindo  a  aproximação  das  caravelas,  ao  passo  que  é  verosímil  no  Orinoco  em  cuja  margem 
esquerda  há  baixios,  que  só  consentem  embarcações  de  pequeno  calado. 

A  denominação  de  Paricora  (Parisura  ou  Paritura)  aparece  pela  primeira  vez  na  edição  princeps 
das  Décadas  de  Mártir,  e  não  figura  na  versão  de  Trevisan,  como  já  salientámos;  nâo  a  lemos  tampouco 
no  têrmo  das  capitulações  de  1501.  Esta  dupla  omissão  contrasta  com  a  menção  de  Pinzon  no  seu 
depoimento  de  I5I3.  e  significa  plausívelmente  que  o  nome  foi  trazido  de  viagem  posterior  a  1500. 
talvez  da  de  1503-1504,  com  certeza  feita,  ou  então  da  de  1501-1502,  deixada  por  simplesmente  provável 

E'  igualmente  de  presumir  que,  antes  do  regresso  a  Espanha,  o  capitão  castelhano  em  1503- 
1504  passasse  pela  ilha  de  5.  Juan  (Porto  Rico),  onde  se  diz  que  êle  precedera  a  todos  no  achado  de 
ouro  (•").  O  facto  de  Pinzon  reclamar  a  capitania  da  ilha  tempos  depois  de  lhe  ler  sido  outorgado 


A  possível  xrfasetn  de  1505-  1S06  cslá  excluída  pelo  motivo  apontado  qtundo  nos  referimot  a  etj,  analisando 
o  depolmenlo  de  Juan  dc  Xerez. 

(*■*)  No  confuso  relato  da  exploraçlo  de  IS08- 1&09.  nos  livros  7.o  c  6.0  da  segunda  Década,  diz  Marllr  ler  sido 
èstc  o  motivo  Invocado  por  VIccnie  VaAez  para  pedir  ao  rei  de  Castela  o  govémo  da  Ilha.  Há  engano  em  ilxar  ao  pedido  • 
dala  de  1609  ou  1510,  porque  \i  vimos  que  éle  lòra  callslcilo  a  24  de  abriJ  de  1506. 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


em  1501  o  govêmo  de  terras,  descobertas  no  ano  precedente,  dá  a  entender  que  o  encontro  do  precioso 

metal  em  ó'.  Juan  se  realizou  em  expedição  posterior  à  de  1500.  Ora  nós  só  temos  à  escolha  aquela 

que  êle  talvez  empreendeu  em  1501-1502  e  a  de  1503-1504;  e  somos  levados  a  preferir  esta  pela 
proximidade  da  concessão  da  capitania  da  ilha  em  1505. 


3—  DIEGO  DE  LEPE 


NDA  errada  nos  livros  e  adornada  de  fábulas  a  história  das  proezas  marítimas  de 
Diego  de  Lepe.  Éste  homem  quási  obscuro,  cu)a  fama  em  vida  foi  eclipsada  pela 
de  émulos  mais  felizes,  não  logrou  alcançar  a  consagração  póstuma  das  mesmas 
gerações  imediatas  à  sua.  Só  volvido  perlo  de  um  século  o  contemplaram  em 
leira  de  fòrma  com  um  quinhão  de  glória,  cmparceÍrando-o  no  número  dos 
descobridores  do  Brasil,  logo  abaixo  de  Vicente  Pinzon.  Por  essa  época  conta 
efectivamente  Herrera  que  Diego  de  Lepe  não  só  visitou  as  terras  ao  norte  do 
cabo  de  S.  Agostinho,  seguindo  na  esteira  do  seu  famoso  camarada,  mas  também 
alargara  suas  pesquisas  até  mais  ao  sul. 

Pôde  dizer  se  que  tudo  se  ignora  do  seu  nascimento  e  morte;  sabe-se  apenas  que.  aparentado 
aos  Pinzcns,  era  vecino  de  Paios  de  Moguer  (talvez  oriundo  da  vizinha  povoação  de  Lepe).  e  que  morreu 
em  Portugal  em  condições  desconhecidas.  Quanto  a  seus  descobrimentos,  os  primeiros  cronistas  das 
índias  ocidentais,  o  contemporâneo  Mártir,  Oviedo  e  Gomara  nada  nos  dizem  dèle  e  nem  sequer  lhe 
mencionam  o  nome.  que  apenas  nos  surge  em  Las  Casas.  Da  obra  do  bispo  de  Chiapa.  trabalhada 
entre  1527  e  1561.  mas  conservada  manuscrita  por  mais  de  300  anos,  é  que  Herrera  extraiu  a  imaginosa 
narrativa  de  uma  única  viagem,  atribuída  a  Diego  de  Lepe  em  1499.  Tal  foi  a  origem  da  sua  noto- 
riedade europeia. 

Mas  o  caridoso  sacerdote  cujo  nome.  enaltecido  na  defesa  dos  índios  cruelmente  maltratados 
pelos  conquistadores,  se  obscureceu  com  preconizar  a  desumana  escravatura  negreira,  foi  buscar  suas 
informações  aos  autos  do  pleito  de  Diego  Colombo,  onde  pela  vez  primeira  se  fala  no  nosso  navegador, 
e,  interpretando-os  a  seu  talante,  ofereceu-nos  como  resultado  de  uma  expedição  o  que  na  realidade 
constava  de  mais  algumas.  Dos  copiosos  e  ainda  não  exgotados  arquivos  espanhóis,  com  efeito,  vieram 
depois  a  lume  alguns  diplomas  que  elevam  a  dois  ou  três  o  número  conhecido  das  viagens  feitas  por 
Diego  de  Lepe  ao  Novo  Mundo,  e  dos  depoimentos  das  Probanzas  dei  fiscal  se  colige  que  elas 
montam  a  quatro  ou  cinco. 

De  positivo,  o  pobre  conjunto  de  dados  seguros  que  possuímos  àcêrca  delas  apenas  permite 
inscrever  no  activo  do  destemido  nauta  a  descoberta  de  alguns  cabos  e  rios  do  nordeste  da  América 
meridional,  mas  cabe-lhe  a  honra  de  ser  o  primeiro  castelhano  que  visitou  o  Marahon  ou  Amazonas. 
Essa  glória,  capaz  por  si  só  de  lhe  gravar  o  nome  na  memória  dos  vindouros,  lhe  quere  contudo 
ratinhar  o  comum  dos  escritores,  pregoeiros  parciais  a  Vicente  Pinzon;  nem  essa  lhe  querem  deixar, 
mas  tam  sòmente  uma  vaga  porção  de  costa  ao  sul  do  cabo  de  S.  Agostinho,  nos  domínios  do  rei  de 
Portugal.  E.  por  desfecho,  contam  à  puridade  que  expirara  na  forca  a  mandado  dêste  monarca. 

Há  que  destruir  a  crosta  de  olvido  e  injustiça  que  encobre  a  figura  de  Diego  de  Lepe.  Êste 
capitão,  cujas  caravelas  se  desferiam  a  ventos  ignotos  e  contrários  com  tanta  galhardia  quanto  as  de 
Pmzon.  mais  favorecido  da  sorte,  foi  o  verdadeiro  descobridor  espanhol  do  Amazonas,  e  não  sofreu 
morte  ignominiosa  no  patíbulo.  Importa-nos.  porém,  demonstrar  que  o  feliz  achado  do  maravilhoso  rio 
se  realizou  quando  já  ia  em  começo  o  século  XVI. 

186 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


E  bem  que  nâo  escassos  em  número,  são  pouco  elucidativos  os  diplomas  oficiais  relativos  a 
Diego  de  Lepe.  que  íoram  desenterrados  dos  arquivos  espanhóis  para  a  publicidade. 
Regisiram  se  seis,  um  dos  quais  se  reíere  a  demandas  e  nâo  a  viagens.  Sio  èles,  por 
ordem  cronológica  (""): 

I.o  Real  provision  para  que  se  baga  justicia  en  la  villa  de  Paios  a  Diego  de 
Lepe.  vecino  de  ella,  en  las  demandas  que  le  han  puesto.  y  en  las  suínas  contra  sus  deudores  -  9  de 
novembro  de  1500. 

2.0   Carta  de  los  reyes  al  obispo  de  Cordoba  para  que  dé  licencia  a  Diego  de  Lepe  para  ir 
com  tres  carabelas  á  descubrir  por  donde  fué  anteriormente—  15  de  novembro  de  1500. 
3.0  Capitulacion  de  Diego  de  Lepe-  14  de  setembro  de  1501. 

4.  «  Real  cédula  para  que  Diego  de  Lepe  no  lleve  más  navios  que  los  que  tiene  capitulados 
—  27  de  setembro  de  1501. 

5.  »   Real  cédula  prorogando  a  Diego  de  Lepe  el  termino  de  su  asienío  —  30  de  novembro 

de  1500. 

6.  «  Real  cédula  para  que  Diego  de  Lepe  además  de  los  cuatro  navios  pueda  tlevar  otro 
para  yr  a  descubrir—  17  de  ianeiro  de  1502. 

Navarrete,  a  quem  muito  provávelmenie  só  foram  presentes  os  dois  primeiros  documentos, 
duvidou  talvez  de  que  a  viagem,  cuio  proieclo  consta  do  segundo,  tivesse  execução,  por  isso  menciona 
apenas  uma,  cuios  pormenores  tirou  de  Las  Casas  e  do  seu  plagiário  Herrera.  O  bispo  de  Chiapa,  por 
seu  turno,  lirmou  se  unicamente  nas  Probanzas  dei  fiscal,  que  aliás  cita.  entendendo  as  erradamente; 
nem  èle  conhecia  o  texto  completo  dos  autos,  ignorado  igualmente  por  Navarrete,  que  supunha  ambos 
os  cronistas  munidos  de  outros  dados  além  dos  colhidos  nos  papeis  judiciais.  Os  aulores  que  se 
seguiram  ao  consciencioso  investigador  espanhol  aceitaram  sem  hesitar  as  suas  conclusões,  e  mesmo 
após  a  publicação  do  volumoso  repositório.  Documentos  inéditos  de  índias,  continuaram  a  repetir  Invariá- 
velmente  a  mesma  loada  e  idènllcas  inexactidões.  Aqui  vamos  esmiuçar  o  que  se  deduz  daqueles 
diplomas  àcèrca  dos  feitos  náuticos  de  Diego  de  Lepe. 

Da  primeira  provisão  régia  se  infere  que  o  capitão  eslava  em  Espanha  antes  de  novembro 
de  1500.  E'  provável  que  êle  recorresse  aos  monarcas,  sollcitando-lhes  pronta  solução  a  suas  demandas 
por  ter  de  partir  denlio  em  breve  a  descobrir,  e,  com  efeito,  vémo-lo  seis  dias  depois  alcançar  autori- 
zação régia  para  que  o  bispo  de  Cordoba  D.  ]uan  de  Fonseca  lhe  concedesse  a  necessária  licença. 
Por  êste  segundo  documento  se  verifica  que  Diego  de  Lepe  estava  então  de  volta  de  uma  expedição  e 
projectava  outra,  com  três  caravelas  e  às  mesmas  paragens.  A  primeira,  a  que  se  reportam  os  historia- 
dores na  esteira  do  fantasioso  Las  Casas,  pôde  ler  sido  iniciada  nos  princípios  de  1500. 

Somos  forçados  a  fixar  a  segunda  no  prazo  compreendido  entre  novembro  de  1500  e  setembro 
de  1501,  mês  em  que  o  vèmos  de  novo  capitular.  Não  sofre  dúvida  que  a  viagem  se  fèz;  basta  ler  com 
atenção  o  doe.  3.°.  O  explorador  é  nela  autorizado  a  ir  con  cuatro  navios  a  descobrir...  donde  la  otra 
vez  fuysteis,  a  ver  la  terra  que  d.'ScobrysteÍs  e  vinysteis  de  nuevo.  Assim  em  1501,  diz  a  estância 
oficial,  Diego  de  Lepe  tinha  ido  e  tornado  àquelas  regiões;  a  expedição  para  a  qual  se  lavrara  o 
assento  era  por  conseguinte  a  terceira  ("  )- 

Nas  capitulações  de  14  de  setembro  de  1501  ficou  assente  que  seriam  quatro  os  navios 
consentidos  a  Diego  de  Lepe.  a  cuja  saida  se  marcou  todo  o  mês  de  novembro  próximo;  mas  o  capitão 
pretendeu  aumenlar-lhes  o  número,  encontrando  oposição  por  parte  dos  monarcas  (doe.  4.o).  Mais  tarde 
prorrogaram-lhe  a  partida  até  28  de  dezembro  (doe.  5.*>);  em  17  de  janeiro  ainda  ela  não  se  efectuara, 
pois  nesla  data  lhe  foi  permitido,  afinal,  mais  um  bergantim  de  30  ou  31  remos  (doe  6.0)  ("'}.  Indaguemos 
agora  se  o  projecto  teve  execução,  perscrutando  os  tenuíssimos  vestígios  que  nos  restam. 


(»*)   Os  dois  primeiros  constam  dc  Navarrete,  op.  dt..  lAmo  III,  doe  V  c  VI ;  ot  retiantet  dot  Dccumeatos 
inéditos  de  índias,  t&mo  XXXI,  pÂg  &,  100  e  102.  e  tomo  XXXVIII,  pjg.  4M, 

(**^   Hjrrisse  diz  <)ue  Diego  de  Lepe  ficou  um  ano  Inteiro  sem  se  aproveitar  da  pcmilsaio  dada  em  ISOO.  mas  a 
afirmação  náo  se  baseia  em  documento  algum  e  é  contraditada  pelo  texto  diado  (TItt  ditcovery  o(  Norlh  America,  pág.  690. 

(*")   Harrisse  eqúivoca-se  dizendo  que  era  de  30  toneis  (op.  dl.,  pig.  690). 

187 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Numa  carta,  escrita  por  Cristobal  Guerra  a  D.  Alvaro  de  Portugal  em  28  de  setembro  de  1503, 
dfz  êste  explorador,  a  propósito  duma  expedição  para  a  qual  capitulara  em  7  de  setembro  do  mesmo' 
ano:...  pero  es  de  menester  gentes,  y  aún  alguna  at^uda;  y  a  esto  hay  inconvenientes,  lo  uno  por  ta 
mala  disposicion  de  la  gente  que  suelen  acostumbrar  estes  viages.  que  con  vellos  Ian  aviesos  á  Diego 
de  Lepe.  y  á  Bastida,  y  â  Hojeda,  no  hay  quien  tenga  gana  de  ir  aquellas  partes  ("■).  Depreende  se 
claramente  daqui  que  Diego  de  Lepe.  não  sabemos  quando,  experimentou  embaraços  no  recrutamento 
de  sócios  da  aventura. 

Observaremos  que  a  frase  de  Guerra  não  permite  coniecturar  se  estas  dificuldades  eram 
próximas  ou  remotas  da  época  em  que  foi  escrita.  Efectivamente.  Rodrigo  de  Bastidas  foi  a  descubrir 
em  outubro  de  1500  e  voltou  a  Espanha  no  princípio  de  setembro  de  1502,  envolvido  num  processo 
cuia  decisão  final  só  foi  pronunciada  em  Medina  de!  Campo  a  3  de  dezembro  de  1503  ("•).  Não  é  de 
presumir  que  antes  disso  éle  tratasse  novamente  de  aliciar  genie  e  de  capitular,  nem  ficou  memória  de 
outra  viagem  sua  de  descobrimento;  o  facto  a  que  se  reporta  Guerra  devia  pois  ter  precedido  a  única 
que  se  conhece  de  Bastidas.  Do  mesmo  modo  Alonso  de  Hojeda  empreendeu  sua  segunda  viagem  em 
janeiro  de  1502.  em  virtude  de  capitulações  exaradas  no  termo  de  8  de  junho  de  1501.  e  regressou  a 
Espanha  em  mês  incerto,  depois  de  julho  de  1503,  sob  o  pêso  dum  processo  do  qual  lhe  foi  lida  a 
sentença  absolutória  em  Segóvia  a  8  de  novembro  de  1503.  Não  é  crível  igualmente  que  em  setembro 
do  mesmo  ano  éle  andasse  empenhado  em  recrutar  marinheiros;  aliás  êle  obteve  só  em  30  de  setembro 
de  1504  carta  patenle  para  a  sua  terceira  exploração.  E'  portanto  muito  provável  que  Guerra  ainda  aqui 
quisesse  aludir  a  peripécias  anteriores  à  expedição  de  1502.  cuja  elaboração  foi  demorada,  visto  como 
já  em  28  de  julho  de  1500  Hojeda  se  preparava  para  eta. 

Do  exposto  se  infere  que  são  possíveis  duas  hipóteses.  iDar-se-ia  q  caso  de  que  o  ousado 
capitão  tivesse  encontrado  tais  estorvos  ao  seu  projecto  que  tam  tarde  como  em  1503  estivesse  ainda 
relido  em  Espanha?  i Teria  sido.  ao  contrário,  realmente  levada  a  cabo  essa  terceira  viagem  em  1502,  e 
estaria  Diego  de  Lepe  em  preparativos  doutra  no  segundo  semestre  de  1503?  Nós  inclinamo  nos  à 
segunda  alternativa.  Cumpre  acentuar  com  efeito  que,  a-pesar-de  duas  prorrogações  sucessivas,  o  capitão 
teimava  em  querer  mais  navios,  o  que  é  inconciliável  com  a  falta  de  equipagens;  elas  deviam  estar 
aprestadas  quando  em  janeiro  de  1502  êle  arranjou  licença  para  mais  um  bergantim,  que  não  lhe 
aumentou  as  dificuldades  por  ser  uma  embarcação  de  remos  auxiliar  C'"')- 

£■  certo,  porém,  que  Diego  de  Lepe  fèz  uma  viagem  em  1503  ou  princípio  de  1504,  como  o 
prova  o  depoimento  de  }uan  de  Xerez  de  que  já  nos  ocupamos  (-»).  Dèle  se  conclui  que.  quando 
Pmzon  pariiu  a  descobrir  em  1503  ou  1504,  iá  o  seu  competidor  tinha  zarpado  pouco  antes  em  terceira 
ou  quarta  viagem,  conforme  suposermos  abortada  ou  não  a  de  1502.  Mas  não  parou  aqui  a  actividade 
de  Diego  de  Lepe.  O  pilôto  Pedro  de  Ledesma,  interrogado  àcérca  dela  (F,  8.»),  depõe  que.  quando  êle 
lòra  a  descubrir,  vira  partir  suas  naus  e  as  viu  volve  -  a  Sevilha,  salvo  el  dicho  Diego  de  Lepe  que  no 
vino  e  los  que  con  el  fueron  truxeron  la  figura  de  Ij  que  descubríó.  iOual  seria  esta  expedição  da 
qual  não  tornou  o  arrojado  nauta? 

E'  constante  que  Ledesma  acompanhou  Colombo  na  sua  quarta  viagem  (F,  9.«),  começada  em 
Cadiz  a  11  de  maio  de  1502  e  terminada  em  7  de  novembro  de  1504.  notando-se  que  a  partida  do  rio 
de  Sevilha  íoi  a  3  de  abril  (««).  Com  estes  dados  se  mostra  que  a  expedição  interrompida  de  Diego  de 


espanhol  JToi.T.T^^  ^3  cm'  It^J;  íe  iul^Vc\eí.b^.r!l'  Publicada.com  a  d.,a  tninc.da,  fixando-íhe  o  sábio 
da  I.  sim.  dos  Documt-nrosfnedTn^s  de^^^^^^^  No  lômo  XXXVI 

("»)  Veia-sc  o  Apêndice  C. 

(»*)   Harrissc  diz.  a  palpite,  que  a  expediçJo  só  partiu  na  primavera  de  1502  (oo.  dl.,  pág  169) 
(")  Veia-se  a  secção  Intitulada  As  viagens  ignoradas  de  Pimon 

lado.  o,  «.2s.  HTspaíiôlI^Tm  n 'ie^?oíto=^dV1sí?      á™S'd^  .uals  perdeu 

e  embarcou  para  Espanha  em  lO  de  setembro.  caravela  de  socorro,  enviada  pelo  governador  Ovando, 

188 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


Lepe  nào  loi  a  problemática  de  1502.  nem  tampouco  a  certa,  iniciada  em  1503  ou  1504.  Eleclivamenie  é 
admissível  que  Ledesma  assistisse  à  saída  do  capitão  antes  de  abril  de  1502.  mas  então  só  podia 
presenciar  o  regresso  depois  de  7  de  novembro  de  1504;  ora  nós  sabemos  que  Diego  de  Lepe  iá  muito 
antes  estava  de  volta,  pois  novamente  entrou  a  navegar  em  1503.  Pela  mesma  razão,  se  Ledesma 
assisliu  à  chegada  do  explorador  em  1504  ou  depois,  nâo  poderia  lê-lo  visto  desaferrar  em  1503. 
Ficamos  pois  reduzidos  às  viagens  de  1500  e  1501,  ou  outra  posterior  a  1504. 

Para  a  descriminação  socorremo-nos  dum  pormenor  aduzido  por  Ledesma  na  sua  declararão, 
do  qual  dimana  um  raio  de  luz.  Diz  o  pilóto  que  lo  que  descubríeron  Diego  de  Lepe  e  su  compafiiã 
está  puesfo  en  el  padron  real.  Ora  esta  instituição  data  de  6  de  agosto  de  1508  (sendo  de  1503  a  Cãsã 
de  Contratãcion),  donde  se  segue  que  o  depósito  das  cartas  de  marear,  feito  pelos  companheiros  de 
Diego  de  Lepe.  é  posterior.  Esta  conclusão,  que  exige  uma  viagem  terminada  depois  de  agosto  de  1508, 
acrescenta  mais  uma  às  conhecidas  dèste  incansável  descobridor,  que  sobem  a  quatro,  ou  cinco,  se 
contarmos  com  a  de  1502. 


M  23  de  setembro  de  1519  concedeu  Carlos  V  brasão  aos  descendentes  e  parentes  dos 
irmãos  Pinzons,  nas  pessoas  de  luan  Rodrigues  Mafra,  piloto.  Gines  Murio.  capelão  régio, 
Diego  Martin  Pinzon.  Alvaro  Afonso  Nortes  e  Alonso  Gonzales,  vecino  de  Paios  (**'). 
O  diploma  justifica  a  mercê,  recordando  duas  viagens  notáveis  de  descobrimento,  feitas 
pelos  capitães  Martin  Alonso  Pinzon,  Vicente  Vafiez  Pinzon,  Andrés  Gonzalez  Pinzon, 
Diego  de  Lepe  e  Miguel  Alonso,  dos  quais  os  concessionários  eram  netos,  filhos,  sobrinhos  e  irmãos. 
Daqui  se  conclui  que  Diego  de  Lepe  era  aparentado  com  os  Pinzons. 

A  primeira  das  duas  viagens  é  a  famosíssima  de  Colombo,  que  conduziu  à  descoberta  das 
Antilhas  e  foi  feita  em  1492  com  três  navios,  dois  dos  quais  comandados  por  Marlín  Alonso  e  Vicente 
Pinzon.  Ora  do  rol  até  agora  conhecido  da  equipagem  só  consta  que  dela  fizeram  parte  os  dois  capitães 
citados  no  documento  em  primeiro  lugar,  tendo  morrido  Martin  Alonso  pouco  depois  do  regresso  ('"); 
donde  se  segue  que  os  restantes,  nomeadamente  Diego  de  Lepe,  que  nunca  acompanhou  Colombo, 
pertencem  à  segunda  viagem.  Nesta  em  que  iam  igualmente  três  navios,  dizem  os  expedicionários  ler 
descoberto  seiscentas  léguas  de  terra  firme  e  achado  eí  gran  rio  y  el  Brasil,  tendo  também  passado  à 
costa  de  las  perlas.  As  armas  destinadas  à  grei  dos  cinco  ilustres  nautas  eram  em  campo  marítimo  três 
caravelas,  de  onde  safam  três  mãos  indicando  as  descobertas. 

A  inferência  de  que  na  segunda  das  expedições  comemoradas  nâo  esteve  presente  Vicente 
Pinzon  é  corroborada  por  outras  circunstâncias.  Em  nenhuma  das  declarações  exaradas  nas  Probanzas 
acerca  da  ida  dêste  capitão  a  Pária  se  lê  que  êle  fôsse  à  cosia  de  las  perlas  em  viagem  de  descobrimento 
ao  grande  rio  e  ao  Brasil.  Mártir,  é  certo,  diz-nos  que  êle  passou  por  lá  em  1508-1509  e  ainda  seguiu 
adiante  de  Pária  até  o  cabo  de  S.  Agostinho,  quando  regressou  de  Honduras.  Mas  a  afirmação  é  de 
problemática  veracidade  em  face  do  silêncio  dos  depoentes  das  Probanzas.  notadamente  de  Pedro 
de  Ledesma,  pilôto  de  então  que  parece  nunca  ler  visto  o  nordeste  da  América  austral  e  ler  estado 
em  Pária  somente  com  Colombo;  além  disso  eram  duas  e  nâo  três  as  caravelas  de  que  dispunham  em 
1508  Pinzon  e  Dias  de  Solis,  cuja  expedição  não  é  portanto  a  referida  no  diploma  analisado.  Tampouco 
pôde  esta  ser  a  de  1499-1500  ou  a  de  1503-1504  que  nós  desencantámos,  porque  em  ambas  os  navios 
eram  quatro;  o  que  prova,  como  já  dissémos,  que  a  descoberta  do  gran  rio  e  do  I3rasil  não  foi  feita 
por  Pinzon  em  1500.  Daqui  se  infere  que  a  expedição  mencionada  na  mercê  da  concessão,  caso  seja  de 


(MT)  Navarrete,  op.  dl.,  lômo  111.  pig-  MS. 

(«)  Hantsse,  op.  dt..  pig.  663-667;  Nawrtie,  op.  dl.,  tòmo  III,  pig.  610. 


189 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Pinzon,  tem  de  ser  escolhida  entre  a  duvidosa  de  1502,  cujo  número  de  navios  ignoramos,  e  as  que  éie 
podia  ler  íeilo  entre  1510  e  I5I3.  iá  que  é  de  excluir  a  de  povoamento,  porventura  realizada  entre  1505 
e  1506.  Mas  delas  nâo  participou  Diego  de  Lepe.  sempre  independente  de  Pinzon,  e  do  mesmo  modo 
êle  nâo  esteve  na  de  Colombo  em  1492;  ora  como  seria  absurdo  que  o  diploma  galardoasse  os  feitos 
de  um  capitão  ausente  das  duas  únicas  viagens  nêle  celebradas,  somos  forçados  a  admitir  que  a  segunda 
foi  comandada  por  Diego  de  Lepe. 

A(  temos  pois  uma  exploração  do  grande  rio  e  do  Brasil,  conduzida  por  êste  navegador,  com 
trés  navios  e  em  época  indeterminada;  naturalmente  uma  das  quatro  ou  cinco  atrás  mencionadas'  NSo 
sabemos  infelizmente  qual  escolher,  e  portanto  em  que  época  foi  descoberto  o  gran  rio,  sem  dúvida  o 
Amazonas,  mas  mostraremos  ao  diante  que  é  de  excluir  a  primeira,  de  1500. 


Ill 


IRESTA  SE  a  conjecturas  o  fado.  citado  por  Ledesma,  de  Diego  de  Lepe  nâo  voltar  a 
Espanha  nos  seus  navios,  tendo  sido  confiadas  a  outrem  as  cartas  de  marear  com  os 
resultados  da  exploração.  André  de  Morales,  testemunhando  nas  Probanzas  dei  fiscal  ("') 
dá-nos  a  notícia  de  que  o  navecador  morrera  em  Portugal,  e  nós  somos  tentados  a 

  relaciona-la  com  a  anterior  de  Ledesma.  Sendo  assim.  Diego  de  Lepe,  por  circunstâncias 

ignoradas  desembarcou  em  Portugal  ou  para  lá  foi  levado,  e  não  tornou  com  os  companheiros  à  terra 
sido  enlào°a%llimr  ^  "'^^^"^  '^"^  «^"^^"'"'•«samente  finalizada  em  1508  ou  depois  teria 

Varnhagen.  que  nSo  soube  do  depoimento  de  Ledesma,  mas  apenas  do  de  Morales  dado  por 
Navarrete  no  seu  extracto  incompleto  das  Probanzas.  veria  nêle  a  confirmação  dum  seu  asserto 
O  egreg.o  brasile.ro  afirma  que  Diego  de  Lepe  acabou  na  forca,  a  mandado  do  rei  de  Portugal  por  ter 
sido  encontrado  traficando  na  Africa  portuguesa;  e  funda-se  para  isso  numa  caria  de  Estevam  Fróis 
escrita  a  D.  Manuel  em  30  de  junho  de  1514  ("**•).  =»<«:v«».ii  i  ruis. 

e.o.nhm.  ti '  hÍT' h''""  ^'^'^"T"'^  °  desventurado  português  que  está  prisioneiro  dos 

r^Zr^nJ  .  r  ?  ,  T  '""^  '  "'"''"^^^  '""'"''^  '"""^^'"^  ^'""ínios  do  Novo  Mundo 
rnn.iHpr.T«     Castela  As  terras  ao  sul  da  equinocial,  expõe  Fróis,  há  mais  de  vinte  anos  (!)  eram 

cl^íZ  ll  "Tm"*'  '  P"^''"^  °'  portugueses  livremente  negociar;  contra  direito  o^ 

cahvaram  os  castelhanos  por  vmgança.  visto  haver  entre  êles  naturais  de  Paios  de  Moguer  aue  heram 

porque  fot  tomado  nas  partes  da  g^né  com  certos  negros  que  levaua  furtados 

rh.m«Hn  n'*"'"^^  "í"'        '513  que  íôra  justiçado,  por  ordem  do  rei  de  Portugal,  um  navegador 

«rs  vLLmTJ  ^o^^Precnder  a  ausência  do  capitão  espanhol  das  suas  caravelas  quando 

estas  volveram  a  Sevilha,  a  vista  de  Ledesma;  é  que  êle  expirava  em  Portugal  e  no  patíbulo  Mas  esta 

qual^^ref  de  cf  f  l'".  ''^^^'"^  ^'^'^^       '  de  ago  t  de  ^5  3  no 

MendL  1  o  '""'^  msirucções  ao  fidalgo  da  sua  casa  e  embaixador  Lopo  Hurtado  Se 

Mendoza,  que  se  la  encontrar  com  D.  Manuel  de  Portugal  ("").  'luriauo  ae 


-Ifl»  deVirlug/rEm  fev"eS  íe  ÍSÍc/creíe"  5c"  S^^^Doníl"':?'!^  tr"'^"'?-  ^'^^^^^  procedimento 
^^^^  t  V  l"---  "--^"dc  armar  nV  |lhrSl  JorQuíL  /S  v;i"^^  Mexerada  e  de  Orlcga. 

tntàilos  ae  Inaiés.  lômo  XXXIU  da  1  .  série  pág  í»)  ^  *  ^  ""^^^  "^^ros,  bozales.  (Documentos 

X'.  "°  '^'^""'^  ".  e^lraido  do  Arquivo  Nacion^  da  Tòrre  do  Tombo.  Corpo  Ct,ronolosico 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ÁLVARES  CABRAL 


Do  texto  déste  documento  com  efeito  se  depreende  que  um  tal  Diego  de  Lepe  fôra  mandado 
justiçar  por  D.  João,  antecessor  de  D.  Manuel,  tendo  morrido  no  cárcere  muitos  dos  seus  compantieiros. 
O  rei  D.  Fernando  conformou-se  com  a  violenta  medida,  bem  como  U  sereníssima  revnã  mi  mujer, 
porque  quebrantaron  las  tales  personas  el  dicho  ast/ento  que  delimitava  as  terras  das  duas  corôas. 
invadindo  as  de  Portugal.  O  fim  afrontoso  do  transgressor  reallzou  se,  à  vista  de  tam  solene  declaração, 
antes  de  findo  o  anno  de  1495.  em  que  faleceu  D.  lo3o  II:  nSo  pôde  ser  ôsle  portanto  o  mesmo  Diego 
de  Lepe,  ainda  vivo  em  1502. 

Estamos  em  presença  de  uma  duplicação,  aliás  frcqUente:  duma  banda,  um  diploma  oficial 
castelhano  assevera  ter  morrido  ignominiosamente,  antes  do  fim  de  1495  e  por  ordem  do  rei  de  Portugal, 
certo  marítimo  Diego  de  Lepe;  doutra,  sabemos  de  diplomas  análogos  e  Informações  fidedignas  que  de 
1500  em  diante  um  homem  com  idêntico  nome  exerceu  sua  actividade  de  descobridor,  sob  o  patrocínio 
dos  monarcas  católicos,  vindo  a  morrer  igualmente  em  Portugal,  em  circunstâncias  ignoradas. 

Diante  desta  coincidência  ocorre  a  possibilidade  de  um  equivoco  por  parle  do  redactor  das 
instrucçôes  ao  embaixador  espanhol,  que  teria  atribuído  a  D.  ]oão  II  um  fado  passado  nos  primeiros 
anos  do  reinado  de  D.  Manuel.  Como  as  instrucçôes  dão  como  viva.  ao  tempo  do  sucesso,  a  rainha 
D.  Isabel  e  esta  morreu  em  14  de  novembro  de  1504.  podia  o  enforcamento  ter  acontecido  neste  ano 
ou  no  precedente,  e  então  a  viagem  de  Diego  de  Lepe  mal  terminada  seria  a  de  1503.  Mas  a  hipótese 
do  engano  oficial,  além  de  contradizer  as  deduções  anteriores,  que  o  dão  como  vivo  depois  de  1504,  é 
inteiramente  inverosímil  e  tem  de  ser  abandonada.  Estevam  Fróis,  verdade  seia.  inculca  nos  D.  Manuel 
como  responsável  pela  execução:  que  uossa  alteza  mandou  enforcar  Quer  provenha  de  um  tapsus 
calami.  quer  de  ignorância  de  pormenores,  ésie  testemunho  não  prova;  porventura  dos  próprios  caste- 
lhanos veio  ao  prisioneiro  a  revelação  do  suplício  ordenado  pelo  rei  português,  sem  saberem  ao 
certo  qual  fòsse.  • 

Existiram,  portanto,  dois  personagens,  ambos  chamados  Diego  de  Lepe  e  ambos  dados  a 
navegações;  o  primeiro  pereceu  às  mãos  do  carrasco  em  tempo  de  D.  João  II,  o  segundo,  talvez  filho 
ou  sobrinho  do  primeiro,  vivia  10  anos  depois  e  também  morreu  em  Portugal,  mas  não  na  forca,  Seria 
verdadeiramente  extraordinário  que  os  dois  Diego  de  Lepe  tivessem  igual  destino  infamante,  havendo 
provas  dèle  quanto  ao  primeiro  e  faltando  completamente  quanto  ao  segundo.  Há  pois  que  rectificar  a 
passagem  correspondente  de  Varnhagen,  como  aliás  muitas  outras  relativas  aos  feitos  dos  castelhanos 
na  América  durante  os  fins  do  século  XV/  e  princípios  do  seguinte. 


ÚNICA  expedição  deste  navegador  mencionada  pelos  historiadores  é  a  de  1499-1500,  na 
qual  teria  sido  descoberto  não  só  todo  o  litoral  compreendido  entre  Pária  e  o  cabo  de 
S.  Agostinho,  mas  ainda  um  trecho  ao  sul  do  cabo,  em  domínio  reconhecidamente 
português.  O  primeiro  cronista  que  se  ocupou  do  assunto  foi  o  bispo  de  Chiapa,  e  a  sua 
versão  acha-se  reproduzida  em  Herrera  e  em  outros  cronistas  sem  adição  de  valia  ("*). 
Temos  por  seguro  que  Las  Casas  se  baseou  unicamente  nas  Probanzas  dei  fiscal,  por  êle 
citadas,  pois  nenhum  dos  factos  apresentados  deixa  de  figurar  nos  autos,  áparte  o  eqiiivoco  num 
pormenor  somenos.  Podemos  dispensar  lhe  o  relato,  uma  vez  que  possuímos  os  autos,  anteriores  de 
umas  dezenas  de  anos.  Mas  Iam  seguro  como  a  origem  das  informações  do  prolixo  e  insípido  eclesiástico 
é  que  elas  derivam  dum  texto  incompleto  das  Probanzas.  feito  precisamente  nos  mesmos  moldes  e 
com  as  mesmas  lacunas  importantes  do  fornecido  a  Navarrete  séculos  depois;  parecendo  que  o  arqui- 
vista, a  quem  coube  em  1826  transmitir  ao  erudito  espanhol  as  suas  pesqiiizas  paleográficas,  se  limitou 
a  copiar  um  modêlo  iá  anteriormente  leito.  Nota-se  efectivamente  a  ausência  em  Las  Casas  de  factos 


(tMj   PubUcinio-lJ  no  Apéndict  P. 


191 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


constantes  do  texto  completo  das  Probanzas,  que,  se  fôssem  conhecidos,  alterariam  sua  narrativa,  ao 
passo  que  aparecem  nela  quási  todos  os  pormenores  mencionados  no  extracto  de  Navanete. 

Las  Casas  comera  por  dizer  que  Diego  de  Lepe  partiu  em  1499,  no  mesmo  mês  de  dezembro 
que  Vicente  Pinzon.  Dos  10  depoimentos  transmitidos  por  Navarrete  àcêrca  do  descobridor  nenhum  tem 
indicações  sôbre  a  data  e  local  da  partida,  mas  entre  os  relativos  a  Pinzon  há  o  de  liernando 
Esteban,  companheiro  de  Diego  de  Lepe.  o  qual  diz  terem  desaferrado  os  dois  de  Espanha  uno  en  pos 
de  otro.  tendo  a  testemunha  visto  la  tierra  que  Vicente  Vahez  habia  descubierto  sin  que  ningun 
Cristiano  hubiesse  llegado  atii.  Desta  única  declaração,  da  circunstância  do  fiscal  dar  Pinzon  como 
precedendo  Diego  de  Lepe  na  descoberta,  concluiu  o  bispo  que  o  segundo  capitão  partiu  pouco  depois 
do  primeiro,  isto  é,  em  todo  o  mês  de  dezembro  de  1499 

Diz  em  seguida  que  o  nosso  navegante  era  i/ecino  dei  Condado  de  Niebla,  não  sabendo  se 
de  Lepe  ou  de  Paios  de  Moguer,  mas  que  era  desta  vila  a  mór  parte  dos  marinheiros  da  expedição,  a 
qual  se  fêz  em  dois  navios.  Das  10  testemunhas  de  Navarrete  9  são,  com  efeito,  de  Paios,  como  se  vè 
das  respostas  às  diversas  pregunlas  do  fiscal;  e  nenhuma  indica  donde  Diego  de  Lepe  era  uecino, 
hesitando  portanto  o  bispo  entre  Lepe,  à  vista  do  nome  do  descobridor,  e  Paios  donde  provinham  os 
marítimos.  Do  depoimento  de  um  dos  10  declarantes,  Alonso  Rodrigues  de  la  Caiba,  consta,  de  feito,  que 
foram  dois  os  navios. 

Acrescenta  Las  Casas  que  a  travessia  do  Atlântico  foi  iniciada  na  ilha  do  Fogo,  do  arquipélago 
de  Cabo  Verde,  pormenor  tirado  do  depoimento  de  Cristobal  Garcia,  e  que  seguiram  primeiro  ao  sul, 
depois  pelo  sudoeste,  seguindo  na  esteira  de  Pinzon.  Neste  ponto  discrepa  o  bispo  das  testemunhas] 
três  das  quais  indicam  a  róta  pelo  sudueste  e  outra  pelo  levante,  que  é  a  mesma  coisa;  mas  éle  sabia 
que,  caminhando  nesse  rumo,  se  vai  ter  muito  ao  norte  do  cabo  de  S.  Agostinho.  Ora  como  se  diz  na  8.^ 
pregunta  do  fiscal  que  Diego  de  Lepe.  analogamente  com  Pinzon,  focou  neste  cabo,  houve  necessidade 
de  alterar  a  róta  pelo  sudoeste,  escolhendo  Las  Casas  a  que  éle  atribui,  aliás  erradamente,  a 
Vicente  Yai^ez. 

Diego  de  Lepe  não  só  esteve  em  S.  Agostinho,  mas  ainda  dobrou  êste  cabo.  passando  ao 
sul,  alega  a  narrativa  que  estamos  seguindo.  A  testemunha,  ]uan  Rodriguez  diz  ter  o  nauta  locado  em 
S.  Agostinho,  mas  o  seu  depoimento  talvez  não  fôsse  conhecido  do  bispo,  porque  no  texto  de  Navarrete 
êle  figura  como  pertencente  ao  extracto  especial  de  Mui^oz.  Das  restantes  9,  apenas  Cristobal  Garcia 
menciona  ía  punta  dei  este.  como  lugar  de  primeira  arribada,  e  Luís  dei  Valle  o  Rastro  Hermoso, 
designação  que  pertence  a  Pinzon.  Na  dúvida,  ficou-se  Las  Casas  nos  termos  da  pregunta  do  fiscal 

Os  actos  posesionales.  a  que  êle  se  refere,  são  descritos  nas  declarações  de  Hernando 
Esteban,  Luís  dei  Valle  e  Cristobal  Garcia,  e  na  deste  último  a  inscrição  do  nome  de  Diego  de  Lepe 
numa  árvore  de  espantosa  grossura.  Quanto  às  16  pessoas  que  de  mãos  dadas  não  abarcavam  a  árvore, 
há  nisto  uma  reminiscência  da  viagem  de  Pinzon  em  1499.  na  qual  Mártir  refere  o  acontecimento.  Não 
é  esta  a  única  vez  em  que  há  confusão  entre  as  duas  expedições;  além  do  rumo  da  derrota  há 
atribuição  de  um  companheiro  a  Diego  de  Lepe  (Anton  Fernandez  Colmenero),  que  na  realidade 
o  foi  de  Pinzon. 

A  entrada  no  Maraiion.  o  assalto  dos  indígenas  e  o  cativeiro  de  alguns  vêm  nos  depoimentos 
de  Alonso  Rodriguez  de  la  Caiba,  Cristobal  Garcia  e  Luís  dei  Valle,  sem  falar  no  de  Juan  Rodriguez 
testemunha  do  extracto  de  Murioz.  A  prisão  dos  índios,  entregues  mais  farde  ao  bispo  D.  luan  Fonseca' 
é  narrada  por  Alonso  Rodriguez  de  la  Caiba. 

O  exame  que  vimos  de  fazer  demonstra  que  Las  Casas  se  cinge  estrictamente  às  Probanzas, 
lais  como  ele  as  conheceu  e  durante  mais  de  três  séculos  foram  conhecidas;  êle  não  aponta  circunstância 
algunia  nova  e  estamos  autorizados  a  ligar  à  sua  descrição  tam  sòmente  o  valor  que  lhe  dá  o  extracto 
imperfeito  daqueles  autos.  Conhecido  porém  hoje,  e  já  desde  1894.  o  texto  completo  do  interrogatório 
das  testemunhas,  apura -se  quanto  a  descrição  tem  de  fantástica  e  quam  poucos  dos  seus  traços  são  de 
conservar.  E  o  que  resulta  da  análise  seguinte: 

n«ci.  í^artolomé  Roldan,  que  foi  por  piloto  de  Diego  de  Lepe  (F.  preg.  8.»),  também  ocupou  Igual 
posto  na  terceira  expedição  de  Colombo  em  1498-1500  (F.  preg.  2.^).  mas  devia  ter  tornado  a  Espanha 


Hâltissc  tncllna-se  i  mesnu  opinião  (op.  d».,  pág.  33«,  nota  II). 

192 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


€m  um  dos  cinco  navios  que  o  almirante  reexpediu  no  mesmo  ano  de  1498.  pois  o  pilôio  afirma  tw 
visto  embarcar  Nifto  e  Guerra,  na  primavera  de  1499  (A.  preg.  14.-).  Nâo  consta  dos  seus  dois 
depoimentos  que  êle  os  visse  chegar  ou  estivesse  em  Sevilha  quando  prestaram  contas  ao  bispo  de 
Córdova,  nem  que  assistisse  em  Espanha  quando  Hojeda  e  La  Cosa  regressaram  (primavera  de  1500); 
apenas  se  sabe  que  éle  viu  em  Sevilha  La  Cosa  que  hera  (/j  de  vuelta  da  viagem  com  Bastidas, 
depois  de  7  de  setembro  de  1502  (F.  preg.  6.*).  Podia  pois  Roldan  ter  acompanhado  Diego  de  Lcpe  na 
expedição  de  1500.  mas  por  ora  não  sabemos  se  o  fèz  na  de  1501,  na  duvidosa  de  1502  ou  ainda 
na  de  1503. 

Duas  delas,  porém,  são  de  excluir.  Efeclivamenie  o  pilôto  assevera  que  Vicente  Afies  fiié  a 
descobrir  mes  é  médio  ó  dos  meses  antes  que  Diego  de  Lepe  é  despues  fué  et  dicho  Diego  de  Lepe 
F.  preg.  8.«).  Ora  Pinzon.  além  da  viagem  de  1499.  sÓ  navegou  mais  em  1503  1504  ou  talvez  em  1502. 
Não  podia  a  expedição  de  Roldan  ter  se  realizado  em  1501,  quando  Pinzon  demorava  pela  Espanha, 
e  tampouco  foi  em  1503,  pois  já  vimos  atrás  que  éste  capitão  partiu  depois  e  não  antes  de  Diego  de 
Lepe  (depoimento  de  ]uan  de  Xerez.  F.  preg.  8.*);  restam  nos  portanto  as  expedições  de  1500  e  1502. 
Se  foi  na  primeira  que  piloteou.  a  partida  efectuou  se  em  meiados  ou  lins  de  ianeiro  de  1500;  se  na 
de  1502,  igualmente  depois  de  17  de  janeiro  {6.°  diploma  oficial):  em  qualquer  dos  casos  não  se 
confirma  o  dito  de  Las  Casas. 

Mas  Roldan  dá-nos  um  pormenor  interessante  quando  declara  ter  sido  despachado  pelo  bispo 
D.  ]uan  de  Fonseca  en  aquella  sazon  na  qual  o  foram  Hojeda  e  La  Cosa  (F.  preg.  5.*).  Segue  se  daqui 
que  por  essa  ocasião  êie  navegou  por  sua  conta,  provávelmente  para  as  Antilhas,  visto  como  éle  não  é 
incluído  entre  os  descobridores,  nem  se  apresenta  como  tal  nas  Probamas.  Ocorre  a  reflexão  de  que 
talvez  êle  estivesse  asso.ciado  a  Diego  de  Lepe.  do  mesmo  modo  que  anteriormente  tinham  estado  Niflo 
e  Guerra;  mas  neste  caso  apenas  Guerra  capitulou  ("*).  nem  nos  consta  de  capitulações  simultâneas 
com  dois  navegadores.  Como  demais  o  diploma  oficial,  de  15  de  novembro  de  1500.  referindo  se  A 
viagem  de  Diego  de  Lepe,  feita  nesse  ano,  só  a  êle  menciona,  julgamos  acertar,  concluindo  que  pilólo  e 
capitão  foram  despachados  separadamente  em  1499,  e  seguiram  diversos  destinos.  Vé-se  que  a  expedição 
de  Diego  de  Lepe.  piloteada  por  Roldan,  foi  a  de  1502;  e  devia  portanto  ser  de  quatro  navios  e  um 
bergantim  (3.°.  4.«  e  6.°  diplomas  oficiais)  ("'),  tendo  se  efectuado  a  partida  em  fins  de  janeiro. 

A  dúvida  do  bispo  quanto  à  terra  de  residência  habitual  de  Diego  de  Lepe  desvanecc-se 
diante  do  primeiro  diploma  oficial  citado,  de  9  de  novembro  de  1500,  do  qual  se  depreende  que  êle  era 
uecino  de  Paios  de  Moguer.  A  passagem  pela  ilha  do  Fogo,  tirada  por  Las  Casas  do  depoimento  de 
Cristobal  Garcia  não  é  cerla.  pois  esta  testemunha  não  acompanhou  o  descobridor  em  1500.  Efectivamente 
ela  viu  em  Sevilha  Nifio  e  Guerra  prestar  contas  ao  bispo  D.  Juan  de  Fonseca.  (F.  preg.  3.»  e  4.«); 
eslava  portanto  em  Espanha  na  primavera  de  1500,  e  nâo  linha  tempo  para  regressar  duma  exploração 
começada  em  janeiro. 

Além  disto,  que  é  suficiente,  vemos  que  o  depoente  esteve  com  Diego  de  Lepe  no  Marafion; 
ora  êste  rio  só  foi  descoberto  depois  de  1500.  Provam  no  as  testemunhas  Diego  Fernandez  Colmenero, 
sobrinho  de  Pinzon  (F,  preg.  8.*)  e  Juan  Rodriguez,  irmão  e  pilòto  de  Diego  de  Lepe  (F,  preg.  8.*), 
cujos  depoimentos  teremos  ocasião  de  examinar.  São  três  as  testemunhas  de  Navarrete,  além  das 
citadas  e  doutra,  a  falar  do  MaraHon;  Alonso  Rodriguez  de  la  Caiba,  Cristobal  Garcia  e  Luís  dei  Valle, 
das  quais  vimos  já  que  a  segunda  não  foi  com  Diego  de  Lepe  em  1500;  os  seus  depoimentos  podem 
bem  referir-se  a  viagens  posteriores.  Assim  sendo,  a  circunstância  de  serem  dois  os  navios,  que  Las 
Casas  extraiu  da  primeira  testemunha,  é  duvidosa;  aliás  o  Marafion  foi  descoberto  numa  expedição 
feita  com  três  navios,  segundo  atrás  ficou  expresso.  Análogamenie  não  se  referem  a  1500  a  morte  de  11 
expedicionários,  a  árvore  de  espantosa  grossura  e  a  prisão  dos  índios  em  Pária,  mencionadas  pelo 
segundo  e  primeiro  daqueles  marítimos. 

Do  conto  de  Las  Casas  nada  fica  de  seguramente  imputável  à  primeira  viagem  de  Diego  de 
Lepe,  e  os  que  o  repetem  confiadamente  iludem-se.  tomando  como  história  verdadeira  o  que  não  passa 
de  rematada  fantasia. 


(>»»)   Navarrete,  op.  dl.,  tômo  III.  doe.  IV.  pág.  78. 

|m)   Os  depoimenlos  de  Pedro  Sanchez  dei  Castillo  (F.  preg.  fl*:  A.  preg   14.*),  que  com  certeza  acompantiou 
Barloloint  Roldan,  nSo  contrariam  o  asserto,  embora  assim  pareça  à  primeln  vista. 

193 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


EIXÁMOS  ia  palente,  no  estudo  da  viagem  de  Pinzon.  que  a  descoberta  do  Marafíon  ou 
Amazonas  nâo  se  deve  a  êste  capitão,  mas  sim  a  Diego  de  Lepe;  vamos  agora  mostrar, 
socorrendo-nos  das  Probanzas.  que  ela  é  posterior  a  1500.  E'  necessário,  porém,  nâo 
perder  de  vista  que  e!  gran  rio  y  et  Brasil  foram  achados  no  decurso  de  uma  expedição 
feita  em  três  navios,  segundo  reza  o  diploma  que  concede  brasão  aos  descendentes 
dos  Pinzones. 

A  primeira  viagem  de  Diego  de  Lepe  envolve-a  denso  mistério.  Nenhuma  data  se  conhece 
dela,  ainda  mesmo  aproximada;  apenas  se  calcula  que  começou  depois  da  de  Pinzon  (fins  de  novembro 
de  1499),  e  se  sabe  que  terminou  antes  de  novembro  de  1500  (l.»  diploma  oficial  citado).  Ignoramos  o 
número  de  navios  e  qual  o  seu  itinerário;  mas  na  hipótese  dêle  arribar  ao  nordeste  da  América 
meridional,  ao  sul  de  Pária,  depreende-se  do  interrogatório  e  depoimento  das  Probanzas  que  êle  seguiu 
na  esteira  de  Pinzon.  Sendo  assim,  deveria  ter  tocado  para  refresco  na  Hispaniola  depois  do  seu  émulo, 
isto  é,  depois  de  23  de  junho  de  1500  C'*);  e  como  consequência  o  regresso  a  Espanha  não  podia 
afaslar-se  muito  de  agosto,  sendo  perfeitamente  explicável  que  em  15  de  novembro  se  dispusesse 
novamente  a  capitular  (2.»  diploma  oficial). 

i  Teria  sido  nesta  expedição  o  achado  do  Maranon?  Temos  razões  para  responder  negativa- 
mente, à  vista  dos  depoimentos  das  Probanzas  que  mencionam  este  nome. 

Diego  Fernandez  Colmenero  diz  (F.  preg.  8.^)  que  uido...  {rr  a  descubrir  el  dicho  Diego  de 
Lepe  é  que  descubrió  en  la  tierra  firme  a  ta  parte  dei  médio  dia  a  do  dizen  maradon,  é  que  antes  dei 
nadia  descubrió  en  aquellas  partes...  é  supo  de  la  embajada  que  truxo  el  dicho  diego  de  lepe.  Ora  êste 
Colmenero,  sobrinho  de  Pinzon.  foi  na  sua  expedição  de  1499  por  capitão  dum  navio  (F,  preg.  3.»);  só 
depois  de  outubro  de  1500  podia  ter  visto  Diego  de  Lepe  partir.  E'.  portanto,  posterior  a  éste  ano  a 
descoberta  do  Marafíon. 

As  outras  quatro  testemunhas,  que  foram  com  Diego  de  Lepe  e  falam  no  Marai)on.  sâo  Luís 
dei  Valle.  Alonso  Rodriguez  de  la  Caiba,  ]uan  Rodriguez  e  Cristobal  Garcia.  Do  depoimento  dos  dois 
primeiros  nào  é  possível  inferir  a  época  em  que  navegavam  com  o  descobridor,  mas  há  motivo  para 
crer  que  Lufs  dcl  Valle  não  o  acompanhou  na  primeira  viagem.  Efectivamente  êle  conta  (F,  preg  8») 
que,  antes  de  Pária,  foram  dar  a  la  navidad  (Natividade)  donde  tomaron  cierta  gente,  e  a  presença  do 
nome  mdica  que  o  lugar  foi  descoberto  no  Natal  ('■');  ora  Diego  de  Lepe  nâo  se  podia  achar  nessas 
paragens  nos  fins  de  dezembro,  tendo  partido  de  Espanha  neste  mês  de  1499  quando  muito,  e  com 
certeza  já  lá  não  estava  em  dezembro  de  1500,  visto  o  2.°  diploma  oficial  por  nós  citado.  Também  é 
possível  afirmar  que  Alonso  Rodriguez  de  la  Caiba  não  assistiu  à  descoberta  de  el  gran  rio  y  el  Brasil, 
porquanto  ela  se  efectuou  numa  expedição  de  3  navios  e  a  testemunha  só  acusa  2  (F,  preg.  8.»). 

Juan  Rodriguez,  irmão  de  Diego  de  Lepe.  menciona  entre  as  coisas  notáveis  então  vistas 
el  gran  no  (Ormoco)  r  el  maraHÓ  é  donde  está  en  la  mar  el  agua  dulce  (F.  preg.  8.").  Êste  marítimo 
refere  (F.  preg.  3.»)  que  uido...  al  dicho  Cristobal  Guerra  e  Pero  Alonso  Nino  quando  uinieron  de 
descubnr  é  dixeron  que....:  eslava  pois  em  Espanha  em  abril  de  1500  ou  algum  tempo  depois  Se 
reflectirmos  porem  que  Diego  de  Lepe  nâo  podia  ter  regressado  antes  de  agosto  ou  setembro 
concluímos  que  o  irmao  luan  Rodriguez  não  andou  às  suas  ordens  na  primeira  expedição,  mas  noutra 
subsequente.  O  mesmo  diremos  de  Cristobal  Garcia,  que  narra  (F.  preg.  3.»  e  4.»)  ter  visto  Niiio  e 
Gue^a  cm  Sevilha  quando  prestaram  contas  ao  bispo  D.  )uan  de  Fonseca,  e  se  achava  por  conseguinte 
em  Espanha  na  primavera  de  1500. 

Arredada  a  viagem  de  1500,  somos  obrigados  a  voltar-nos  para  as  de  1501,  e  1503-1504 
excluindo  a  de  1502,  porque  ela  se  deveria  ter  realizado  com  quatro  navios,  além  do  bergantim  de 
remos  (3.0  4.o  e  6.o  diplomas  oficiais).  Em  1501  contava  Diego  de  Lepe  ir  com  3  caravelas  (2.o  diploma 
■  descoberto  nesta  expedição  el  gran  rio;  mas  o  silêncio  das  capitulações 

ae  1501  (3.0  diploma  oficial),  contrastando  com  a  menção  de  S.  Maria  dei  mar  dulce  nas  de  Pinzon  e  a 
c  Ju"  ^/^'/'P'^'"^  heráldico  de  1519.  contraria  a  hipótese.  De  resto,  se  Bartoiomé  Roldan  só  foi 
com  uiego  de  Lepe  na  expedição  de  1502,  como  cremos,  a  descoberta  do  Maranon  é  posterior  a  êsle 

de  Lepe  «*^U"f"ír ,.?n''pIri?%ÍÍS'Í^^^^^^^^^^  Cc\^^i^^ro  (F,prC9.  7..)  qt.e  Pinzon  e  Diego 

chaiMva  rio*^'w?;;tí.i.        "°  "'^  '"^  °  braço  oriental  do  M^r^on.  ou  Amazonas,  se 

194 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


ano.  visto  que  o  pil6to  no  seu  depoimento  não  o  menciona  e  refere-se  unicamente  ao  ho  grande  que  é 
o  Orinoco.  Assim  chegamos  à  viagem  de  1503-1504.  na  qual  podia  ler  sido  feila  a  visita  ao  Amazonas  e 
ao  Drasi^  sem  lermos  todavia  razões  para  o  aíirmar.  Mártir,  quando  em  1510  preparou  a  edição 
pnnceps  das  suas  Décãdâs.  nào  sabia  da  existência  do  MaraHon,  de  que  se  ocupa  a  primeira  vez  em 
1516.  e  seriamos  tentados  a  ver  no  lacto  uma  prova  de  que  o  achado  do  rio  fabuloso  se  eíectuou 
depois  de  1510;  no  entanto,  a  conclusão  é  arriscada,  e  é  prudente  admitir  o  contrário. 

Se  os  documentos  que  possuímos  nos  permitem  asseverar  que  Diego  de  Lcpe  descobriu  o 
Amazonas,  mas  não  antes  de  1503.  ainda  resta  considerar  a  hipótese  de  navegadores  clandestinos 
castelhanos  ou  portugueses,  o  terem  visitado  antes.  No  que  respeita  aos  últimos,  ela  nâo  deixa  de 
oferecer  alguns  visos  de  plausibilidade.  A  13  de  iulho  de  1503  chegou  à  côrle  espanhola  a  nova  de  que 
quatro  navios  portugueses  tinham  avançado  até  as  terras  descobertas  por  Bastidas  (desde  o  cabo  de 
Vela  até  Panamá)  e  de  lá  tinham  trazido  escravos  índios  e  mercadorias  ("*).  Como  o  escrivão  de 
Sevilha  regressára  da  sua  frutuosa  expedição  cm  setembro  de  1502.  a  incursão  deve  ter  sido  feita  nos 
princípios  de  1503;  ela  foi  seguida  doutra  no  mesmo  ano.  Ncsias  excursões  clandestinas  é  Hcito  supôr 
que  os  aventureiros  se  não  dirigissem  directamente  ã  zona  cuia  exploração  os  atraía,  e  para  maior 
segurança  partissem  dos  domínios  portugueses;  ora  se  assim  foi,  deveriam  ler  costeado  desde  as  terras 
de  S.'»  Cruz  até  Pária,  passando  então  pelo  Amazonas.  Estes  corsários  contudo,  já  que  lhes  cabe  o 
epíteto,  contavam  seguramente  com  a  colaboração  de  castelhanos  conhecedores  daquelas  paragens  e  de 
suas  carias  de  marear,  e  é  possível  que  fossem  direitos  a  elas. 

Não  há  dúvida  de  que  uma  expedição,  pelo  menos,  se  fôz  nas  condições  apontadas,  aquela 
de  que  nos  fala  Estevam  Fróis,  aprisionado  pelos  espanhóis  em  1513.  Na  sua  caria,  escrita  no  ano 
seguinte,  êste  infehz.  contando  suas  desditas,  afirma  que  muilo  antes  João  Coelho,  da  porta  da  Cruz  em 
Lisboa,  se  demorara  pelas  terras  disputadas  pelos  castelhanos,  em  companhia  de  outros  compatriotas  ('•'). 
Não  sabemos  das  razões  que  assistiram  ao  Barão  do  Rio  Branco  para  supôr  João  Coelho  presente 
em  1502  3  1503  na  região  amazonica  (*");  mas  se  assim  foi.  é  lícito  concluir  do  nosso  estudo  que  o 
famoso  rio  já  era  conhecido  dos  portugueses  antes  de  ter  sido  visitado  pelos  espanhóis  em  viagem  oficial. 


4— ALONSO  VELLEZ  DE  MENDOZA 


CURIOSA  a  maneira  por  que  foi  arvorado  em  descobridor  do  Brasil  éste  Alonso 
Vellez  de  Mendoza,  por  sinal  comendador  não  se  sabe  de  que  ordem  de  cavalaria. 
Nenhum  dos  cronistas,  desde  Mártir  até  Herrera,  se  refere  á  pretensa  descoberta. 
Munoz,  partindo  de  uma  declaração  do  pilàto  Juan  Rodriguez  Serrão  em  1515.  foi 
o  primeiro  a  sustentar  que  éle  navegou  para  o  Brasil  em  I4<)9  ("*).  mas  Navarrete, 
examinando  o  parecer  do  seu  antecessor,  acaba  por  concluir  que  provávelmente 
nâo  andou  por  esses  lados  ("").  D  Avezac  entende  que  Alonso  VelIcz  foi  com  Diego 
de  Lepe,  dando  crédito  à  declaração  de  Serrão,  embora  do  extracto  das  Probanzas 


ao  tempo  conhecido,  nada  se  pudesse  tirar  que  de  leve  abonasse  a  presunção  íQuere  isto  dizer,  que 
a  reputação  de  descobridor  do  Brasil  ganhou-a  o  comendador  tam  sòmenie  à  conta  das  palavras  de  um 
pilòto,  depondo  sôbre  um  facto  anterior  de  16  anos! 


(Mir)   Navarretr.  op.  dl.,  tftmo  III.  pág.  161. 

A  carta  de  Estevam  Fróis  encontra-se  lacslmllida  e  interpretada  a  pigi.  XXXIV  a  LXV  dj  Iniroduclo  do 

presente  volume. 

(»")  Ptemfer  mímone.  lômo  I,  pig.  61. 

(>u)   o  dcpclmenio  de  Serrão  foi  CKtractado  por  éste  historiador  (Navarrete,  op.  dl..  l6mo  III.  pig.  319),  mal  o 
tòmo  2.0  da  iua  Mtstoru  dcl  Nuçvo  Mundo,  em  que  traia  da  viagem  de  Alonso  Vellez,  nlo  lol  publicado. 
Navarrete,  op.  dl.  lòmo  ill.  pig.  23.  19-1  e  319. 
(»**)  Les  uoyages  d'AmMc  Vespuce.  págs.  lOS  e  108. 


195 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


O  lexto  completado  dos  aulos  do  famoso  pleito  veio  trazer  ao  assunto  uma  pequena  conlrí- 
buTcSo,  que  todavia  não  adianta  nada  enquanto  à  expedição  de  Alonso  Vellez  em  1499.  Harrisse, 
quando  ainda  não  conhecia  èsse  texto,  resumiu  o  que  se  sabia  dos  feitos  dêsse  homem  chamado  à 
imerecida  notoriedade.  Éie  cita  nada  menos  que  quatro  viagens,  contando  com  a  de  1499,  embora 
duvide  da  existência  separada  das  duas  últimas  (^").  Na  realidade  elas  são  distintas,  mas  no  total  s3o 
apenas  três.  porque  a  primeira  é  imaginária;  Alonso  Vellez  só  no  segundo  semestre  de  1500  se 
aprestou  a  partir  para  o  nordeste  da  América  austral,  se  é  que  foi  a  descubrir  para  essas  paragens. 
E'  falso  que  avistasse  o  Brasil  antes  de  Alvares  Cabral,  como  vamos  demonstrar. 

Estão  apenas  publicados  dois  diplomas  oficiais  concernentes  a  viagens  de  Alonso  Vellez 
de  Mendoza. 

O  primeiro  é  o  têrmo  de  20  de  julho  de  15O0,  celebrado  entre  os  reis  católicos  e  os  fiadores 
dèsfe  comendador,  em  que  é  planeada  uma  expedição  de  descoberta  às  índias  ocidentais  com  4 
navios  (**').  £ste  documento,  ao  qual  estão  juntos  outros  têrmos  conexos  de  datas  posteriores  até  18  de 
agosto,  transcreve  os  capítulos  já  ultimados  anteriormente  com  o  comendador  para  o  mesmo  fim,  os 
quais  Navarrete,  baseando-se  em  dados  que  não  cita,  declara  feitos  em  5  de  junho. 

Nada  se  sabe  ao  certo  desla  viagem;  Navarrete  até  duvida  de  que  ela  se  efectuasse,  o  que 
não  cremos.  Uma  das  caravelas  que  devia  ter  seguido  chamaua-se  5.  Cristobal  e  linha  por  maestre 
Cristobal  Rodriguez  Tiscareflo,  como  consta  do  tèrmo  citado;  mas  faltam  indicações  sobre  os  restantes 
navios,  e  é  bem  possível  que  o  seu  número  se  reduzisse  a  2,  embora  houvesse  licença  para  4.  Esta 
alteração  das  condições  preestabelecidas  era  frequente,  e  só  quando  o  número  dos  barcos  era  maior 
que  o  capitulado  se  tomava  mister  novo  diploma. 

Devia  ser  esta  a  primeira  vez  em  que  Alonso  Vellez  se  aventurava  a  terras  desconhecidas; 
pelo  menos  os  capítulos  transcritos  no  têrmo  de  20  de  julho,  no  qual  são  enumeradas  as  regiões  onde 
ao  comendador  era  vedado  descobrir,  não  dizem  que  êlc  já  se  ocupara  dessa  missão,  como  era  costume 
invariável.  Esta  circunstância  nSo  escapou  à  sagacidade  de  Navarrete,  e  permite-nos  concluir  que  o 
comendador  ainda  não  empreendera  em  1500  outra  viagem  de  descoberta. 

O  segundo  diploma,  datado  de  15  de  fevereiro  de  1502,  é  a  capitulacion  é  asienfo  que  se 
tomou  com  Alonso  Vellez  de  Mendoza  para  povoamento  da  Hispaniola.  Subsidiáriamenie  se  lhe  permitia 
ir  às  ilhas  já  conhecidas  e  terra-firme,  onde  não  havia  governador  nomeado,  exceptuada  a  costa  donde 
Niiio  e  Guerra  trouxeram  as  pérolas;  e  também  se  admitia  a  possibilidade  da  descoberta  de  novas 
terras  ("")■  E'  pouco  provável  que  nesta  viagem  o  comendador  se  afastasse  muito  da  Hispaniola.  seu 
principal  objectivo;  contudo  não  se  pôde  inferir  daqui  rigorosamente  que  êle  não  visitou  o  litoral  ao 
sul  de  Pária,  uma  vez  cumprida  sua  missão,  ou  mesmo  antes. 

Herrera  diz  que  éste  asiento  de  povoamento  foi  lavrado  a  15  de  fevereiro  de  1501,  indo  os 
navios  de  Alonso  Vellez  na  frota  do  governador  Nicolao  d'Ovando  ("");  contudo  êle  mesmo  nos 
assevera  que  êste  partiu  em  13  de  fevereiro  de  1502.  Nesta  passagem  do  cronista  se  fundam  os  que 
dão  o  comendador  em  Espanha  em  15  de  fevereiro  de  1501  (""),  mas  a  publicação  do  têrmo  do 
povoamento  mostra  que  êle  se  equivocou  no  ano,  e  que  a  partida  conjunta  com  a  de  Ovando  é 
impossível,  pois  não  podia  preceder  de  dois  dias  o  asiento. 

Dos  manuscritos  de  Murioz  copiou  Harrisse  o  seguinte:  ifem:  con  licencia  de  S.S.A.A. 
UevÕ  Alonso  Vellez  de  Mendoza,  vezino  de  Sevilla,  en  un  navio  que  de  ai  partió  em  Marzo  i503 
ueinte  e  nueue  casados  con  sus  muyeres,  hijos  e  criados  y  vários  soldados  que  por  todos  san  142 
personas.  Llevo-las  el  navio  de  Aí.  Nunez  a  la  EspaHola  ("").  Se  não  houve  engano  de  Murioz,  trocando 
1502  por  1503,  temos  a  acrescentar  às  viagens  de  Alonso  Vellez  mais  uma,  de  povoamento  e  não  de 
descoberta.  Mas  nós  vamos  concluir  das  Probanzas  a  existência  de  uma  outra,  feita  pelo  comendador 
em  1503-1504,  a  única  na  qual  com  certeza  êlc  navegou  pelas  costas  do  Brasil,  sendo  precisamente 
desta  que  nos  não  têm  falado  os  historiadores.  Iludidos  com  a  falsa  miragem  de  1499. 


196 


(MT, 
(.«) 
(«, 


Op.  dl.,  pág.  338.  680.  682,  691  e  694, 
Navarrete,  op.  dl.,  lòmo  It.  pág. 
Documentos  inéditos  de  índias,  sírie 
Décàdj  1.  livro  IV,  cap.  12,  e  livro  V,  cip,  1. 

Harrisse.  op.  dt..  pág.  680;  Toribio  de  Medina,  op.  dl.,  lômo  I,  pág  XC 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


PILÔTO  Juan  Rodriguez  Serrão,  depondo  em  1515  àcôrca  da  situação  do  cabo  de  S.  Aflos- 
linho.  conta  que  hauerá  16  anos.  j>oco  más  ó  menos,  navegara  com  Alonso  Vellez  em  2 
navios  c  não  s6  chegara  ao  cabo.  mas  também  o  dobrara  ("'),  A  partida  para  a  exploração 
data  pois  de  1499.  e  ela  léz-se  em  região  ainda  mais  extensa  que  a  visitada  em  1500  por 
Pmzon.  pois  êste  em  I5I3  dava  S.  Agostinho  como  limite  da  sua.  Por  outro  lado.  o 
comendador  sem  dúvida  costeou  desde  o  extrêmo  sul  atingido  até  Pária,  seguindo  à  HIspaniola  para 
refrescar  e  regressando  depois  a  Espanha,  onde  iá  devia  estar  na  primeira  quinzena  de  maio.  pois  o 
vemos  capitular  em  5  de  junho.  Segue-se  que  a  sua  estada  na  Hispaniola  não  pôde  ser  posterior  aos 
pnncipios  de  abril,  porque  a  viagem  de  regresso  durava  mais  de  um  mês.  ao  passo  que  (segundo  se 
lê  em  Martir-Trevisan)  Pinzon  só  aí  chegou  em  23  de  junho,  ao  voltar  de  Pária.  Chega-se  assim  a  êste 
resultado  inesperado:  Alonso  Vellez  não  só  visitou  em  1500  as  terras  avistadas  por  êste  ilustre  capitão, 
mas  outras  ainda  mais  ao  sul.  e  lòdas  antes  dêle;  isería  assim  o  primeiro  descobridor  do  Brasil! 

Esla  dedução,  perfeitamente  inverosímil,  é  abertamente  contraditada  peto  têrmo  das  capitu- 
lações de  Pinzon  em  1501,  que  lhe  atribui  a  precedência.  Serrão  engana  se  na  data.  coisa  vulgar  nas 
testemunhas  das  Probanzas,  e  tanto  menos  estranhável  quanto  êle  se  referia  a  acontecimentos  de  há 
longos  anos;  e  é  bom  acentuar  que  o  pilôto  acrescenta  poco  más  6  menos,  nâo  confiando  em  suas 
reminiscências.  Se  trocarmos  por  15  os  16  anos  acusados,  é  explicável  o  depoimento  do  pilôto.  e  a 
viagem  nêle  versada  é  a  do  segundo  semestre  de  1500.  não  obstando  a  isto  ler  sido  executada  com 
2  navios  apenas,  em  vez  dos  4  permitidos  nas  capitulações  respectivas. 

As  Probanzas,  por  seu  turno,  repugnam  à  pretendida  viagem  de  1499.  O  interrogatório  do 
fiscal  não  fala  nos  descobrimentos  de  Alonso  Vellez.  mostrando  por  esta  lórma  que  êle  não  tinha  direito 
à  prioridade  sôbre  Pinzon  e  Diego  de  Lepe.  Das  copiosas  testemunhas  que  depuseram  no  processo,  só 
três  mencionam  o  nome  do  comendador  e  todas  se  relerem  a  viagem  ou  viagens  posteriores  às  de 
Diego  de  Lepe. 

O  pilôto  André  de  Morales  diz  (F,  preg.  8.*)  que  depois  dêste  capitão  fue  atro  que  se  dezia 
Alonso  Vellez  e  descubhó  desde  el  cabo  de  Cruz  a  la  parte  dei  médio  dia  todo  to  que  está  descubierto. 

]uan  de  Xerez,  outro  pilôto,  conta  (F,  preg.  8«)  que  saíu  com  Vicente  Vafiez.  depois  de  ter 
partido  Diego  de  Lepe.  e  dende  á  quatro  6  cinco  mezes  queste  testigo  partió.  Alonso  Vellez  e  Luys 
Guerra  se  partieron  de  Sevilla  é  fueron  á  descubrir  lo  en  esta  pregunta  contenido,  é  descubrieron 
desde  la  punta  de  Santa  Cruz,  á  la  vanda  dei  Sur.  hasta  el  termino  que  agora  está  descubierto.  Já 
provámos  em  uma  das  secções  anteriores  ("")  que  esta  tríplice  expedição  se  efectuou  entre  1503  e  1504. 
dando  assim  mais  uma  às  conhecidas  do  comendador. 

Finalmente  Anton  Garcia,  terceiro  pilôto.  narra  (F,  preg.  8.«)  que  Diego  de  Lepe.  Vicente 
Vaflez  e  outros  saiieron  juntos  <quere  dizer  com  curto  intervalo)  e  este  testigo  e  los  que  con  el  yuan, 
que  heran  Luys  Guerra  e  Alonso  Vellez.  Itegaron  a  lo  contenydo  en  la  dicha  pregunta,  y  los  dichos 
Diego  de  Lepe  e  Vicente  Afiez  quedaran  mas  traseros  a  la  uanda  dei  norte.  Esta  viagem  de  1503-1504, 
como  ficou  atrás  averiguado,  é  a  única  sóbre  que  as  Probanzas  fornecem  escassos  dados,  que  se 
resumem  em  localizar  as  terras  descobertas. 

Não  é  para  desprezar  a  hipótese  de  que  seja  a  mesma  de  Serrano,  cuja  memória  infiel  o 
levasse  a  dizer  16  anos.  em  vez  de  12;  mas  à  cautela  ater-nos-hemos  à  suposição  já  enunciada, 
admitindo  que  o  comendador  Vellez  de  Mendoza  descobriu  tarde  em  1500  as  terras  novamente 
percorridas  três  ou  quatro  anos  depois.  O  pilôto,  na  sua  declaração,  desculpa  se  com  a  sua  pouca  idade 
ao  tempo  da  viagem,  de  afirmações,  por  ventura  temerárias:  ora  precisamente  uma  das  que  faz  é  ter 
dobrado  o  cabo  de  S.  Agostinho.  Êle  diz-nos  que  arribou  5  ou  8  léguas  ao  norte  dêle.  e  o  dobrou 
para  la  parte  dei  sudeste,  mas  quem  conhece  a  topografia  do  cabo  sabe  que  isto  seria  impossível, 
porque  o  trecho  de  costa  em  que  está  S.  Agostinho,  desde  8  léguas  ao  norte  até  Igual  distância  ao  sul. 
tem  o  rumo  muito  aproximado  de  susudoeste.  ^Como  podia  aliás  o  joven  Serrano  saber  tanto  atrás  que 
o  cabo  era  o  de  S.  Agostinho,  se  a  primeira  nova  dêste  nome  só  chegou  a  Espanha  nos  últimos 
meses  de  1502? 


(»')   Veia-se  o  Apêndice  a. 

(***)  Ve|a-se  a  parte  diste  trabalho  sob  a  «plgrale  As  viêgtns  ignorêáti  de  Pinzon. 


197 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


5— CONCLUSÕES 


r^^^^^n  QUEM  se  deve  atribuir  a  descoberta  do  Brasil  ?  Para  responder  com  alguma  segurança 
'  ^  pregunta,  imporia  assentar  preilminarmenle  no  significado  desta  palavra,  hoje  bem 

^    diverso  do  de  outras  eras. 


Nascida  poucos  anos  sôbre  a  primeira  visita  de  europeus  ("**),  ela  aplicou-se  às 
terrãs  de  Santa  Cruz.  que  estavam  a  oriente  da  linha  de  demarcação  estipulada  no  pado 
de  Tordesilhas  em  1494,  quando  ainda  não  fôra  descoberta  a  menor  parcela  do  continente  americano. 
Êste  meridiano  de  partição  dos  domínios  castelhanos  e  portugueses  devia  passar  370  léguas  a  ocidente 
do  arquipélago  de  Cabo  Verde,  contadas  no  seu  paralelo;  mas  a  defeituosa  definição  não  fixou  a  ilha 
da  qual  haveria  de  se  proceder  à  contagem,  além  de  que  se  suscitaram  divergências  quanto  ao  número  de 
léguas  contidas  no  grau  de  longitude.  Esta  dupla  indeterminação  nunca  foi  levantada,  a-pesar  de  reiteradas 
tentativas,  ficando  a  partilha  da  América  do  Sul  sujeita  a  contestação,  até  se  tornar  obsoleta  e  inútil. 

Houve  sempre  uma  zona  litigiosa  cuio  extremo  ocidental,  com  o  correr  dos  tempos,  atingiu  o 
eqiiador  e  o  Amazonas.  Em  I5I9  ainda  o  rio  era  pelos  castelhanos  incluído  na  sua  esfera.  Assim  o  dá 
a  entender  o  diploma  que  instituiu  brasão  aos  descendentes  dos  Pinzones,  no  qual  el  Brasil,  pertencente 
a  Portugal,  é  citado  depois  de  el  gran  rio;  e  temos  disso  um  testemunho  mais  explicito,  embora  não 
revestido  de  caracter  oficial.  Enciso  afirma,  naquele  mesmo  ano,  que  a  linha  de  demarcação  caía  entre 
os  rios  Mar  dulce  e  fiUranon.  e  mais  perlo  do  primeiro.  Se  o  Mar  dulce  tem  de  ser  identificado  com  o 
Amazonas,  o  Brasil  estava  pois  a  oriente  dêle;  todavia  as  pretensões  portuguesas  transpunham 
semelhante  divisória  e  em  1524.  no  congresso  cosmográfico  de  Badajoz,  rccuavam-na  para  o  poente. 
Cinco  anos  depois.  Diogo  Ribeiro,  cartógrafo  português  ao  serviço  de  Carlos  ^  desde  julho  de  1523, 
riscava  nos  seus  mapas  o  meridiano  de  demarcação  pelo  ponto  da  costa  americana  situado  no  eqiiador, 
e  deixava  o  Marafion  inteiramente  na  esfera  portuguesa. 

O  colapso  de  Portugal,  absorvido  em  1580  por  Castela,  relegou  para  plano  inferior  a  questão 
dos  limites,  mas  parece  já  ler  encontrado  ampliados  os  do  Brasil.  Em  1637,  na  doação  de  Bento  Maciel 
Parente  V),  o  rei  das  Espanhas  declara  que  a  repartição  das  jndias  do  Reino  de  Castelta  entre  no  Rio 
de  Vicente  Pinzon,  o  actual  Oyapoc.  distante  40  léguas  do  cabo  do  Norte;  para  êle  a  costa  brasileira 
avançava  até  4o  de  latitude  boreal,  exactamente  como  hoje. 

Depois  da  restauração  de  Portugal  em  1640,  D.  ]oão  IV  persistiu  na  mesma  doutrina, 
confirmada  depois  de  múltiplas  peripécias  pelo  tratado  de  Utrecht  em  11  de  abril  de  1713.  Finalmente  a 
prolongada  disputa  entre  a  França  e  Portugal  àcêrca  do  rio  de  Vicente  Pinzon,  herdada  pelo  Brasil 
quando  em  1822  se  tornou  independente,  foi  resolvida  em  favor  déste  pelo  laudo  arbitral  suisso, 
proferido  em  1  de  dezembro  de  1900. 

Tomado  pois  na  acepção  que  chamaremos  hislórica,  e  através  das  indecisões  resultantes  da 
imperfeita  convenção  de  Tordesilhas,  pódc  o  Brasil  primitivo  considerar-se  limitado  ao  norte  pelo 
Amazonas  e  distinto  do  actual  Brasil,  que  abrange  mais  a  região  entre  este  rio  e  o  curso  do  Ovapoc, 
terminando  no  cabo  d*Orange.  Ora.  dentro  deste  critério,  não  há  dúvida  de  que  a  sua  descoberta  se  deve 
a  Alvares  Cabral  em  abril  de  1500,  visto  como  antes  desta  data  não  consta  que  outros  tivessem  visitado 
a  região  amazónica.  nem  á  fortiori  paragens  mais  meridionais. 

Isto  deixámos  nitidamente  provado.  Alonso  Hoieda  em  1499  não  viu  sequer  a  foz  do  Orinoco, 
o  Rio  grande  do  mar  doce,  quanto  mais  o  Amazonas;  mesmo  para  os  que  admitem  a  inteira  exactidão 
do  seu  depoimento  em  1512,  êle  ficou  pela  Guyana  holandeza.  Contando  sua  segunda  navegação 
empreendida  em  1499  com  Hojeda.  Vespúcio  falta  à  verdade,  por  ignorância  ou  por  fraude,  quando 
afirma  ter  arribado  em  de  latitude  austral;  e  não  é  èste  o  único  ponto  em  que  a  narrativa  contraria 
factos  averiguados. 

Vicente  Vai^ez  Pinzon,  da  mesma  sorte,  não  atravessou  em  1500  a  equinocial,  embora  se 


Ide  SmrM/r  ni   d^^^^^  ^^^^         ^P"^^*•'^^  lê  Drasil  no  continenle  americano  austral  é 

t"*)    Caetano  da  Silva,  op.  dt-,  §  1617  a  1630. 


198 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


gabasse  de  tal  feito;  a  descrição  que  èle  féz  da  viagem  demonstra  a  fraude.  E'  certo  que  então  nao 
visitou  o  Amazonas;  o  seu  Santa  Maria  dei  mar  dulce  era  o  Orinoco,  e  Santa  Maria  de  la  Consolación 
um  cabo  situado  enlre  os  dois  rios.  porventura  o  d  Orange.  A  lenda,  que  o  erigiu  em  descobridor  da 
laxa  de  litoral,  compreendida  entre  o  cabo  de  S.  Agostinho  e  o  delta  do  Orinoco,  estriba  se  parte  no 
depoimento  de  Pinzon  em  1513,  quando  afirma  ler  tocado  nêsse  cabo.  e  por  outra,  nos  textos  de 
Mártir  (1516)  e  de  Oviedo  (1526  e  posteriormente).  O  capitão  espanhol,  porém,  ignorava  qual  era  o  cabo 
de  b.  Agostinho,  conhecido  em  Espanha  tam  sòmenie  pelo  que  dêle  dizia  Vespúcio.  pois  dois  anos 
mais  larde  nao  apareceu  pilôto  castelhano  algum  que  com  certeza  lá  tivesse  estado;  e  quanto  ao  texto 
do  protonotario  apostólico,  apura  se  que  o  rio  Mara/icn,  cujo  achado  é  nôle  crróneamente  atribuído  a 
Pinzon,  é  um  no  distinto  de  Santa  Maria  dei  mar  dulce,  único  visto  em  1500.  Nâo  há  que  ler  fé  em 
Oviedo,  no  tocante  à  data  da  descoberta  do  Maranon.  nem  mesmo  é  certo  que  Pinzon  se  vangloriasse 
dela,  a-pesar  da  asserção  do  cronista. 

De  Diego  de  Lepe  se  ignora  completamente  onde  e  quando  arribou  à  América  em  1500, 
porquanto  nenhum  crédito  merece  a  única  narrativa  existente  da  sua  viagem,  forjada  por  Las  Casas 
com  materiais  colhidos  num  imperfeito  extracto  das  Probamas.  nós  lemos  por  seguro  que  só  depois 
de  1502  este  nauta,  menos  falado  que  Pinzon,  descobriu  o  Maranon,  identificado  com  o  Amazonas. 

Por  fim,  Alonso  Vellez  de  Mendoza  nem  sequer  esteve  no  continente  americano  no  primeiro 
semestre  de  1500.  pois  é  imaginária  a  viagem  de  então  ao  cabo  de  S.  Agostinho  que,  segundo  o 
testemunho  isolado  dum  piloto,  lhe  querem  atribuir. 

A  nenhum  dos  quatro  navegadores  pôde  ser  imputado  o  feito  de  descobrir  o  Eirasil  primitivo. 
Se  nos  quisermos  agora  referir  ao  estado  moderno,  constituído  definitivamente  quatro  séculos  após  sua 
descoberta,  ainda  nâo  transparecem  razões  para  pôr  em  dúvida  a  prioridade  dos  portugueses,  anterior- 
mente afirmada.  Em  1500.  Vicente  Vaiiez  Pinzon  nào  ultrapassou  o  cabo  d'Orange.  mas  é  possível  que  o 
fizesse  Diego  de  Lepe,  conquanto  certamente  nào  atingisse  o  Amazonas:  todavia  como  tal  náo  passa  de 
uma  hipótese,  privada  de  qualquer  confirmação,  por  ténue  que  seja.  devemos  pô-la  de  lado,  cingindo  nos 
apenas  a  factos  provados  ou  ao  menos  prováveis.  A  descoberta  do  Drasil,  como  quer  que  entendamos 
o  térmo.  cabe  a  Álvares  Cabral;  os  quatro  castelhanos  a  quem  comummente  a  atribuem  não  passam  de 
seus  falsos  precursores.  Esta  conclusão  em  nada  acrescenta  aos  merecimentos  do  almirante  português, 
e  tampouco  obscurece  os  daqueles  intrépidos  capitães;  mas  restabelece  a  verdade  dos  factos,  até  agora 
envolta  em  lenda  e  em  hipóteses  inverosímeis. 


199 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


APÊNDICE  A 

SEGUNDA  NAVEGAÇÃO  DE  VESPÚCIO 

Traduzido  da  Lettera  di  Amerigo  Vespuci  deite  isole  nuovameníe  trovato  in  quatro  suoi  viaggi, 
Florença,  1505;  apud  Vignaud.  Améric  Vespuce.  Paris.  1917,  pág.  325. 

Dl  segunda  vlxgcm  e  do  que  neU  vi  mais  digno  de  memória  direi  o  que  icgue.  Partimos  do  pAno  de  Cadiz  lté« 
navios  de  conserva  no  dia  16  de  Maio  de  1499  e  começámos  nosso  caminho  direitos  às  Ilhas  dc  Cabo  Verde,  passando  i 
visla  da  ilha  da  Qr^n  Canária,  e  naveglmos  alé  que  lomos  ler  a  uma  Uha  dlla  do  F090.  Feita  iqui  provisAo  dágua  e  lenha, 
lomimos  nossa  derrota  pelo  sudoeste  e  em  44  dias  avistámos  uma  nova  terra  que  lulgimos  ser  terra  tirme  e  continua  com  a 
adma  mencionada,  a  qual  esti  situada  dentro  da  zona  tárrída  e  lóra  da  linha  equinocial,  para  a  banda  do  sul.  Sâbre  ela  se 
eleva  o  pólo  meridional  S  graus,  (óra  dc  todo  o  clima  e  dista  das  ditas  Ilhas  pelo  sudoeste  500  léguas.  Os  dias  eram  Iguais 
is  noites,  porque  arribámos  em  27  de  Junho,  quando  o  sol  está  perto  do  trópico  do  Câncer  (■).  Esla  terra  atravessada  por 
rios  grandíssimos  estava  lõda  alagada,  e  de  com£<o  nSo  vimos  gente.  Surgimos  com  nossos  navios  e  arriámos  os  bateis,  nos 
quais  fomos  a  terra  que.  como  dissemos,  era  sulcada  por  grandíssimos  rios  que  a  Inundavam.  Tentámos  em  muitos  pontos 
desembarcar  mas,  a-pcsar  das  muitas  diligencias,  as  copiosas  águas  iluviais  nAo  nos  permitiram  chegar  a  lugar  que  nlo 
estivesse  encharcado:  mas  por  (sscs  rios  adiante  vimos  muitos  sinais  de  ser  a  regiSo  habitada.  Visto  como  nlo  pudemos  entrar 
nela.  acordámos  de  tomar  aos  navios  e  abordá-la  noutro  ponto;  levantámos  as  âncoras  c  v  <s  entre  o  levante  e  o  sueste 

pela  costa  adiante,  que  assim  corria,  e  por  espaço  de  40  léguas  tentámos  mullas  vezes         >  .  >icar.  mas  foi  tempo  perdido. 

Achámos  nesta  cosia  correntes  que  contrariavam  a  navegaçXo,  dirigidas  dc  sueste  a  noroeste,  de  sorte  que,  vistos 
os  obstáculos  levantados  à  nossa  marcha,  resolvemos  em  conselho  retroceder  pelo  noroeste.  Tanto  andámos  ao  longo  do 
litoral  que  demos  com  um  belíssimo  pòrto  formado  por  uma  grande  Ilha  que  estava  i  entrada,  havendo  dentro  uma  grandíssima 
enseada;  e  navegando  para  entrar  nela  ao  correr  da  Ilha  vimos  multa  gente,  o  que  nos  alegrou.  Prepanmo-nos  para  surgir 
onde  víamos  a  gente,  que  poderia  estar  afastada  cérca  de  4  léguas  do  mar,  e  enlrvmentcs  apareceu-nos  uma  canóa  no  alto 
mar  carregada  de  homens,  qfle  resolvemos  apresar.  Tanto  que  (liemos  a  volta  com  os  navios,  com  hto  de  a  nSo  perder  e 
navegando  com  vento  fresco,  observámos  que  estavam  de  remos  alçados,  cuido  que  maravilhados  do  aspecto  de  nossos 
navios:  como  nos  aproximássemos,  meteram  os  remos  á  água,  dlríglndo-se  a  (erra.  Tínhamos  uma  caravela  de  45  toneis  muito 
veleira,  que  se  pós  a  barlavento  da  canôa  e,  quando  julgou  tempo  dc  dar  sõbre  ela.  largou  cm  sua  direcçlo.  e  nós  de 
companhia.  Quando  a  pequena  caravela  chegou  á  altura  da  canóa,  passou  a  sotavento,  sem  investir  com  ela,  que,  vendo  sua 
vantagem,  féz  lôrça  de  remos  para  lugir.  Nesta  altura  já  estavam  no  mar  nossos  bateis  com  boas  campanhas  c  pensávamos 
apanhá-la:  mas  trabalhámos  mais  de  duas  horas,  e  por  fim,  se  a  pequena  caravela  noutra  bordada  nlo  apertasse  com  ela, 
linhamo-la  perdido.  Cercados  pelo  navio  e  baleis,  aliraram-sc  lodos  aqueles  homens  ao  mar,  que  seriam  uns  70.  A  distánda 
de  2  léguas  de  tetra:  seguimo-los  nos  baleis,  mas  em  todo  o  dia  só  agarrámos  2  por  asserto,  alcançando  os  outros  tem  a 
salvamento.  Na  canoa  ficaram  apenas  4  rapaíes.  que  náo  eram  da  raça  dos  restantes  c  vinham  cativos  doutra  parte;  tinham-nos 
castrado,  pois  estavam  sem  membro  viril  e  com  as  chagas  ainda  frescas,  o  que  muito  nos  espantou.  Recolhidos  a  bordo, 
disseram-nos  por  sinais  que  os  tinham  castrado  para  os  comer,  e  soubemos  entlo  que  aquela  gente  era  dum  povo  chamado 
Canibais,  que  comem  carne  humana.  Dirigimo-nos  a  terra  com  nossos  navios,  arrastando  a  canóa,  c  lundeámot  a  mela  légua. 
Como  víssemos  multa  gente  na  praia,  lomos  a  terra  nos  bateis,  levando  connósco  os  dois  homens  aprisionados  e  quando 
desembarcamos  todos  fugiram  e  se  esconderam  no  mato.  Concedemos  liberdade  a  um  dos  prisioneiros,  a  quem  demos  mullos 
guizos,  encarrcgando-o  de  dizer  aos  seus  que  queríamos  ser  amigos  déles.  tarefa  de  que  élc  se  desempenhou  multo  bem, 
trazendo  consigo  lôda  a  gente,  que  poderia  ser  loo  homens  e  multas  mulheres.  Vieram  ter  connósco  sem  arma  alguma,  e 
travada  com  éles  amizade,  restilulmos-lhes  o  segundo  prisioneiro  e  a  canóa,  que  mandámos  buscar  aos  navios.  Esta  canÓa 
linha  26  pés  dc  comprimento  e  2  braças  de  largo;  era  cavada  num  só  lionco  dárvore  c  muito  bem  trabalhada  {*).  Depois  de 
a  terem  varado  num  rio  c  postô  a  bom  recato,  fugiram  todos  e  náo  quiseram  mais  ter  comércio  connósco,  o  que  nos  pareceu 
de  bárbaros  c  de  homens  sem  fé  e  de  ruim  condição.  A  alguns  déles  vimos  um  pouco  douro  que  traziam  nas  orelhas. 

Partindo  daqui,  entrámos  na  enseada  onde  achámos  espantosa  quantidade  dc  homens  com  a  qual  fizemos 
amizade,  e  foram  com  éles  muitos  dos  nossos  a  seus  povoados,  sendo  bem  recebidos  com  tóda  a  segurança.  Neste  lugar 
obtivemos  150  pérolas  em  troca  dum  guizo,  e  um  pouco  douro  gratuitamente.  Neste  pais  bebiam  um  vinho  ou  cerveja,  de  cÔr 
branca  e  vermelha,  iabrlcado  com  fratas  e  sementes,  de  que  o  melhor  era  feito  de  mirobotani  t  multo  agradável;  distes, 
muito  saborosos  e'  salutares  ao  corpo,  comemos  grande  quantidade,  pois  era  a  sua  sazio.  A  terra  é  multo  fértil  de  manti- 
mentos, e  05  habitantes  dc  boa  prática  c  os  mais  pacílicos  que  encontrámos  até  aqui.  Ficámos  neste  pórto  17  diaa  com  muito 
apraziniento:  e  cada  dia  vinham  do  interior  novas  gentes,  a  maravilhar-se  dos  nossos  rostos  e  brancura,  dos  nossos  trajes  « 
armas  bem  como  da  lórma  e  grandeza  dos  navios.  Déles  tivemos  novas  de  que  mais  ao  ocidente  havia  outro  povo  Inimigo, 
que  tinha  inimita  cópia  de  pérolas.  tcndo-Ihe  êles  tirado  em  suas  guerras  aquelas  que  tinham;  dlsseram-nos  mais  como 
nasciam  e  eram  pescadas,  e  com  verdade,  como  Vossa  Magnilicéncla  ouvirá. 

Partimos  dêste  pÓrto  e  navegámos  pela  costa,  onde  continuamente  vtamos  lumo  e  habitantes;  c  ao  cabo  de 
muitos  dias  ancorámos  num  pórto,  no  qual  concertámos  uma  das  nossas  naus  que  fazia  muita  água.  Al  achámos  muita  gente, 
com  a  qual  nâo  pudemos  ter  comércio  algum,  nem  a  bem  nem  a  mal;  quando  íamos  a  terra,  defendlam-lhe  bravamente  o 
acesso  e  esgotados  os  recursos.  lugiam  para  o  mato  sem  nos  esperar.  Separamo-nos  distes  bárbaros,  c  prosseguindo 
chegámos  à  vista  duma  ilha  distante  15  léguas  da  terra,  e  resolvemos  vcrilicar  se  era  povoada.  Nela  encontrámos  os  Indígenas 


p)    JS  •e«Hoâni<»  no  Iwlo  a  *nt>       VMpOOo;  •.  n«  noto  ».  «mh»dl(*i»  hm  àuUí 

(»)  Mo  M  maneifi  dt  «wiitod»»  JO  homaiu  num*  unM  com  mIu  tfImcntAM.  í*  «mH d«f 


201 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


mais  leloi  e  bestiais  que  dar  se  pôde;  desprezíveis  de  figura  e  gesto,  Iraziam  as  bochechas  cheias  duma  herva  verde,  que 
continuamente  mascavam  à  guisa  de  animais,  e  de  tal  sorte  que  mal  podiam  lalar.  Todos  traziam  penduradas  ao  pescoço  duas 
cabaças,  uma  cheia  de  herva  que  mascavam,  outra  duma  farinha  branca  semelhante  a  gesso  em  pó,  e  de  vez  cm  quando 
molhavam  um  luso  na  bôca,  passavam-no  pela  (arinha.  depois  mellam-na  na  bõca  pelas  duas  pontas,  cnlarinhando  a  herva 
que  lá  tinham.  Isto  laziam  multas  vezes,  o  que  nos  maravilhou,  pois  nao  encontrávamos  explicação  para  tam  estranha  prática 
nem  o  seu  fim.  Tanto  que  nos  viram,  vieram  ler  connôsco  tam  familiarmente  como  se  fossemos  amigos,  caminhando  conndsco 
na  praia  em  inteligência.  Desejosos  de  beber  água  fresca,  íizeram-nos  sinais  de  que  a  nao  Unham,  olerecendo-nos  de  sua 
herva  e  farinha,  de  maneira  que  imaginámos  ser  a  Ilha  pobre  dágua  e  que.  para  defender-se  da  séde,  traziam  na  bôca  aquela 
herva  e  farinha.  (»)  Andámos  pela  Ilha  dia  e  meio  sem  acharmos  água  viva.  e  a  que  éles  tinham  era  o  orvalho  da  noite 
juntado  em  certas  fôlhas  que  paredam  orelhas  dasno;  desta  bebiam  e  era  excelente,  mas  dessas  folhas  havia  em  poucos 
lugares.  NSo  Unham  nenhuma  espécie  de  viandas,  nem  raízes  como  na  terra  firme,  e  alimentavam-se  com  peixes  apanhados 
no  mar  e  déstes  rinham  grande  abundSnda.  sendo  excelentes  pescadores.  Apresentaram -nos  muitas  tartarugas  e  muitos  e 
bons  peixes  grandes;  as  mulheres  nSo  usavam  mascar  a  herva  como  os  homens,  mas  tôdas  traziam  uma  cabaça  com  água, 
da  qual  bebiam.  NSo  tinham  povoados  de  casas,  sequer  de  cabanas,  mas  abrigavam-se  sob  a  folhagem,  que  os  defendia  do 
Ml,  mas  nSo  da  água.  suposto  raras  vezes  chover  na  Ilha.  Quando  estavam  pescando  no  mar  todos  traziam  uma  fôlha  tam 
grande  que  a  sombra  dela  os  cobria;  espelavam-na  no  chSo.  e  como  o  sol  se  mudasse  viravam  a  fôlha  a  geilo,  assim  se 
defendendo  do  ardor  solar.  A  Ilha  continha  muitos  e  vários  animais,  que  bebiam  água  dos  pSntanos.  Visto  que  náo  tirávamos 
déles  proveito  algum,  partimos  daqui  e  lomos  a  outra  ilha,  em  que  achámos  homens  avantajados.  Foi  o  caso  que  indo  a 
ferra  por  aguada,  e  nSo  julgando  a  Ilha  povoada  por  nSo  vermos  gente,  como  andássemos  pela  praia,  dêmos  na  areia  com 
vestígios  de  pés  muito  grandes;  e  pensámos  que  se  os  outros  membros  correspondessem  à  medida,  deviam  ser  dc  homens 
multo  grandes,  Por  um  caminho  que  se  seguia  para  o  interior,  rcsolvemo-nos  nove  a  procurá  los,  julgando  que  por  ser  a  ilha 
pequena  nio  podia  ser  populosa.  Percorrendo  círca  duma  légua  à  cala  dessa  gente,  chegámos  a  um  vale  onde  topámo*  com 
dnco  cabanas  que  paredam  desabitadas,  mas  onde  achámos  cinco  mulheres,  duas  velhas  e  trés  donzelas  fam  altas  que  as 
olhámos  admirados.  Logo  que  nos  viram  apoderou-sc  delas  tam  grande  terror  que  nao  ousaram  fugir;  as  duas  velhas 
começaram  a  convidar-nos  com  palavras.  Irazendo-nos  muitas  cousas  de  comer  que  nos  serviram  numa  das  cabanas.  Eram  de 
estatura  maior  que  a  de  um  homem  grande,  e  seriam  dc  corpo  maior  que  Frandsco  dos  Abisi..  mas  melhor  propordonadas- 
de  sorte  que  nos  assaltou  o  desejo  de  levar  as  três  donzelas  à  lòrça  para  Castela  como  curiosidade.  Estando  nêsse  propósito! 
começaram  a  entrar  pela  porta  da  cabana  obra  de  36  homens  muito  maiores  que  as  mulheres,  e  tam  bem  feitos  que  era  coisa 
famosa  de  ver-se;  licamos  iam  perturbados  que  antes  quiséramos  estar  em  nossas  naus  que  em  companhia  de  lai  gente 
Vinham  armados  de  grandes  arcos  c  selas,  e  de  paus  com  grandes  mócas,  c  falavam  entre  sl  com  semblante  de  nos  querer 
atacar.  Em  lai  perigo  se  dividiram  as  opiniões,  dizendo  uns  que  era  melhor  cair  sôbre  êles  mesmo  dentro  da  cabana  e  outros 
que  fóra  dela.  alvitrando  alguns  como  prelcrível  nao  começar  a  luta  antes  de  sabermos  o  que  ÍIcs  resolviam.  Dcddimos  afinal 
sair  da  cabana  e  irmo-nos  embora,  disslmuladamcnte  para  os  navios,  como  se  nada  fôsse.  e  assim  se  féz.  Seguimos  para  os 
navios,  e  «les  na  nossa  esteira  a  lance  de  pedra,  lalando  uns  com  os  outros.  Creio  que  o  mêdo  era  igual  de  parte  a  parle 
porque  ás  v«es  parávamos  c  «les  também  sem  se  aproximar,  e  assim  chegámos  á  praia  onde  nos  aguardavam  os  bateis" 
Entramos  nêles  e  quando  nos  fizemos  ao  Urgo,  saltaram  e  entraram  a  disparar-nos  muitas  setas,  mas  já  os  nâo  receiavamos 
Disparamos.lhes  dois  tiros  de  bombarda,  mais  para  lhes  meter  médo  que  para  lhes  causar  dano.  e  lodos  fugiram  para  o 
monlado;  assim  os  d.ixámos.  parecendo  ter  escapado  a  uma  jornada  perigosa.  Andavam  nús  como  os  demais  moradores 
da   lha.  que  chamámos  dos  Oiganles  por  causa  da  sua  estatura.  Prosseguimos  mais  pela  costa  adiante,  e  aconteceu-nos 
multas  vezes  combater,  porque  os  habitantes  nada  consentiam  que  tirássemos  da  terra,  e  já  queriamos  voltar  para  Castela 
por  andairnos  hi  perto  dum  ano  (')  no  mar  e  poucos  mantimentos  e  ésscs  mesmos  deteriorados  pelos  grandes  calores 
50  ridos.  Depois  que  partimos  das  i  has  de  Cabo  Verde  nlo  deixámos  de  navegar  na  zona  tórrida  e  duas  vezes  atravessamos 
a  linha  equinocial,  porque,  como  acima  dissémos,  chegamos  5o  ao  sul  dela  e  aqui  estávamos  a  15o  para  o  norte  Sendo  essa 
nosM  Intenção,  aprouve  ao  Espirito  Santo  dar  algum  descanço  a  nossos  trabalhos,  e  foi  que.  procurando  um  pòrto  para 

d^S;;»  *rn,r^°h,.?,''1^     """"Tf  "^""^^         "^""^  ^  "-«^  Srandlsslma  quantidade 

de  pérolas  orientais,  bastante  boas.  Aqui  permanecemos  47  dias.  arranjando  119  marcos  de  pérolas  a  Irôco  de  poucas 

r^U""  «  ^^""««s.  POÍs  que  só  dêmos  guizos,  espelhos,  contas,  dez  pedaços  dc  vidro  e 

oo^  IZ  17  f  "  davam  quantas  pérolas  tinham.  Ensinavam-nos  como  e  onde  as  pescavam,  e  deram-nos  mul.as 
das  ostras  em  que  elas  nasciam.  Compramos-ihes  uma  ostra  na  qual  encontrámos  130  pérolas,  e  outras  com  menos-  a 
pr  meira  tomou-a  a  Rainha  e  as  demais  tratei  de  lhas  ocultar.  Saberá  Vossa  Magnificénda  que  se  as  pérola^  nâo  es  áo 
«cl  LL  H  ,  .  '  '  estragam-se  depressa,  e  disto  tenho  experiênda;  quando  estão  maduras 

hcam  destacadas  na  carne  da  o;"»-  e  «sas  sSo  boas.  Por  numerosas  que  lôssem  as  más.  pois  na  mór  parte  eram  rudes  e 

mal  luradas,  todav.a  valiam  muito  dmhelro.  porque  se  vendia  o  marco  a   Ao  cabo  de  47  dias.  deixámos  esta  gentrchei! 

M  nT  '/nf  "  necessitando  renovar  as  provisões,  fomos  aproar  à  Ilha  de  Aniilha.  que  d  scobriu  Cris  Lo  Colom^ 

iit.ror.  rHir  r?  abastedmemo  e  nos  demorámos  dois  meses  e  .7  dias.  Aqui  passámos  grandes 

frabalhos  e  perigos  com  os  próprios  cnstâos  que  estavam  na  ilí,a  com  Colombo,  e  creio  que  por  Inveja  o  que  deixo  de  contar 

^Lbr^^dr^Si    F  Th  '  «  e  e„,LosnTpo°rto  de  adifaTdé 

íwlembro.  de  dia.  Esta  é  a  minha  segunda  viagem.  Deus  seja  louvado. 


fi,""  <"><ie  bebum  o»  anim.ii.  *  '  d'»'»,  mal,  adlanU.  o  florentino  conta-noi  que  v4riM 


202 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


APÊNDICE  B 

PRODANZAS  DEL  FISCAL  V  DEL  ALMIRANTE 

Extracto  dos  Documentos  inéditos  de  índias,  tomos  VII  e  VIM  da  2.»  série.  Pleitos  de  Coton 
(Os  depoimentos  que  se  não  encontram  em  Navarrete  vão  marcados  com  O  e  com  t  os  que  Ôle  resumiu) 

PRODANZAS  DEL  FISCAL 

2.'  Pregunta.  Sí  Siben  que  el  dicbo  ãimtrante  D.  Criilobãt  Colon,  çuêndo  dise  que  descubrió  a  Pêría  no  tocó 
syno  enla  ysla  delã  Trinidad  en  ia  parte  de  Asia  a  ta  mar  ques  debiado  dela  costa  de  Uerra  firme  que  diien  Paria  e  que 
de  aquelia  ysla  se  apartó  ta  via  dela  Espafiola  e  que  no  viò  ni  descubrió  la  ysla  Margarita  quando  vénia  ny  pasâ  à  vista  delia. 

Alonso  de  Hojeda  (1513.  S.  Domingo)  —  dNo.  que  lo  que  «ave  e«  quel  dlcho  almyranle  don  Chriftoval  Colon, 
vlnvendo  de  Castilla,  para  esla  \í\í  Espaftola,  cchó  en  su  navegacion  algo  ma»  al  médio  dia.  creycndo  hiUar  unas  v«lat  qucsie 
dlctio  lestigo  le  avia  dicho  que  avia.  por  vnlormacion  que  lenia  de  un  Índio,  e  vlnycndo  aiy  de  camvno  para  MU  v>l> 
Espaftola.  locó  en  la  ysU  de  Trcnydad  e  pasó  por  enire  la  dicha  ysla  y  Doca»  dei  Drago,  que  ct  en  Paria,  e  vfnyendo  bu 
derrola  para  esla  ysla  Espaftola  vió  Ia  ylla  Margarita,  e  que  no  locó  cn  oira  Herra  nynguna.  Pregunlado  cúmo  lo  sabe.  dlxo 
que  Io  sabe  porque  vló  esle  lestigo  la  figura  quel  dícho  almyrante  al  dlcho  liempo  cnvió  a  Caslllla  «1  Rey  e  Reyna  nueslroi 
sci^ores  de  lo  que  avia  descubierto.  y  porque  esle  lesligo  luego  vino  a  descobrir  y  halI6  que  hera  vcrdad  lo  que  dlcho  tlene 
quel  dlcho  almyrante  descubrió. 

Vicente  V^fiez  Pinson  (1513,  S.  Domingo)  dixo.  que  esle  lestigo  no  lue  esle  vla|e  conicnido  en  esta  prcgunU 
con  el  dlcho  don  Cristoval  Colon,  salvo  quem  mismo  aflo  quel  dlcho  don  Crlsloval  pasó  é  lué  á  dc&cubrir.  este  lestigo  fui  é 
descubrió  por  mandado  de  su  Alleia  desde  el  cabo  que  dlien  de  Consolación  «  la  cosia  de  lenguo  hasla  la  boca  Dragon 
é  que  alli  en  la  boca  dei  Dragó  halló  este  lestigo  seftal  i  nucvai  como  cl  dlcho  don  Cristoval  avia  llcgado  alll  á  la  boca  dei 
Dragó  é  que  no  paso  á  otra  parte,  salvo  que  luí  derecho  i  la  y«la  Espaiíola.  é  que  encontro  cn  el  camino  con  una  ysla  que 
te  puslercn  por  nonbrc  la  Margarita  é  que  de  aquel  vla|e  »e  íué  á  la  ysla  Espartola.  é  queslo  sabe  esle  lettlgo  por  to  qu« 
dicho  liene  é  portiuc  asy  SC  lo  dixeron  pilotos  é  personas  que  fueron  con  el  dicho  Almlranlc.  É  que  a>y  fue  publico,  t  que 
por  esto  lo  liene  este  testigo  por  derto. 

Bartolome  Rold^in.  piloto.  (1513.  S.  Domingo) -dixo.  que  sabe  que  al  tienpo  quel  Almirante  don  Cristoval 
Colon  vino  á  descubrir  i  Parla,  este  tcsilgo  venya  por  piloto  de  una  caravela  que  vénia  en  conpaftla  dei  dlcho  Almirante,  é 
que  vido  este  lesligo  como  llegaron  i  Paria  é  co)eron  alli  en  el  gollo  é  tomaron  agua.  é  que  rescataron  algunas  perU.  é 
quesluvleron  ally  surlos  syetc  ó  ocho  dias.  poco  mas  ó  menos,  é  que  después  alçaron  vcUs  í  se  ^l"^'™"  • 
Margarita  á  esta  ysla  Espaftola.  é  que  en  aquel  viaje  no  descubrió  el  Almyrante  otra  cosa.  porque  «y  lo  descubrlcra.  e«t« 
tesilgo  lo  viera  porque  venla  en  su  compaftia. 

a  Diego  Prieto  (1515.  Paios)-  dixo.  que  puede  aver  dczyocho  o  dezynueve  aflos  que  este  lestigo  M  a  descobrir 
con  bicenlyaSz  y  que  yva  con  el  dlcho  blcenlyaftez  dicgo  mariln  pinçon  vezlno  desta  vilta  por  pllolo  y  que  te  oyó  d""  "*» 
Tdic  o  d  lego  Urín  que  podya  aver  un  afto  que  avya  estado  cm  Parya  con  el  almirante  don  Cristobal  ^^^^  ^^-^^^^^ 
almirante  aviéndola  descobierlo  lomó  quatro  o  cynco  yndios  para  tomar  lengua  de  la  lierra  e  los  llevó  consygo  .  l.  ..pâhola 
por  que  se  yva  de  viaje  e  que  lo  demás  conlenydo  en  ia  dlcha  pregunta  que  lo  non  sabe. 

®  /»anuel  de  Valdouinos  (1515.  Lepe)~dÍKO.  que  lo  que  sabe  e»  que  esle  testigo  fué  a  descubrir  con  vlwite 
vaftes  pincon  ei  segundo  viaje,  e  que  íué  a  descubrir  a  las  bandas  dei  suoeste.  e  que  yvan  deniro  en  el  dicho  navio  dertas 
íeÍsonas  que  avian  ydo  con  e  dicho  almirante  don  Cristobal  quando  diz  que  descubrió  a  paria,  e  que  las  Pcrs<,n«  h«„ 
Di«o  martín  v^tno  de  Paios,  e  sus  hijos  juan  martin  e  Frandsco  marHn  e  algunos  otros.  e  que  esle  "«8°  «V*  ««"'^ 

T    Td  re^:rare:;r^^^^^^^^^^^      iJ^:.  r::  t::::^-^jrerí::^::v 

^oiloTpa  ,1  U  boca^.  p.ra  v.  a^.^^^^^^^^^^^  e  que  esle  tesUgo  no  sabe 

»y  el  dicho  don  Cristobal  descubrió  la  ysla  margarlta  ny  sinó  ny  sy  paso  a  vista  delia  n.  sy  no. 

3^   Si  saben  que  los  díchos  Cristoual  Guerra  e  Pero  Alonso  Niiio  e  los  que  fueron  en  su  compaltla  descubrieron 
^irH.  ,..f»  firVde  P.»,yeel  resgate  de  las  perlas  e  la  ysla  Margarita  e  que  despues  de  le  auer  descubierto  el  dicl,o 

ata  voca  dei  Drago. 

„■   ,  n5l3  S  Dominqo)-dixo.  que  al  tienpo  que  Christoval  Guerra  e  Pero  Alonso  Nlflo  lueron 

molas  í*^'"' J"*"'"^;  de  luan  de  la  Cosa  a  descobrir,  e  parlleron.  primeiro  hoieda 

a  descubrir.  esle  tesl.go  V«  «'7""^  "^^^^^^^^^^^  2,,^  ,  Christoval  Guerra  pariieron  despues.  poco  tienpo.  dei 

r  '"^h''  ^«^slfas  lueron  ^  rio"  mo  dei  p"ri^^^^^^^  fu.  por  una  parle  y  la  otra  por  otra.  y  en  la  flota  cn  que 
Condado  e  ertramas  «o'"  ^Zlo  <^e  Hojeda.  llegó  primeiro  1  la  vista  de  U  tlerr.  de  Paria,  pero  que  no  desenbarcaron 

:"X»rn  tdeun".  1 1  a  qumie  dias  ?iegaron  Christoval  Querra  .  Pero  Alonso  Nyro  y  enlraron  dentro  e„ 

203 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Pírtâ  ■  la  parle  donde  el  almyrantf  avia  riegado.  t  de  allv  tomaron  Brasyl  e  saliéronse  e  lueronse  a  ra  Margarlla.  a  la  qual  el 
•Imvranle  no  avya  llegado.  e  ally  rescataron  las  perlas  e  se  volv/eron  a  CasrlUa,  e  dende  a  poços  dias,  la  llotâ  en  que  wa 
eale  tesiigo,  asymvsmo  fué  a  casrilla,  e  allv  se  hallaron  la  gente  de  una  llota  e  de  otra  e  platicaron  las  cosas  de  sus  viajes 
que  alJy  supo  este  lestigo  lo  que  dlcho  tiene. 

«  Anton  Garcia  (1513,  S  Domingo)- dixo,  que  oyo  dcilr  Io  conlenydo  en  la  dicha  pregunla,  porque  al  rienpo 
que  vinyeron  de  descobrir,  los  dichos  Pero  Alonso  Nyiio  e  Chrisloval  Guerra  aporraron  a  Oalizia,  e  este  lesiigo  se  halló  a 
donde  dcsenbarcaron  y  les  oyo  deilr  lo  conlenydo  en  la  dícha  pregunta.  e  que  sabe  quel  dlcho  Almyrante  no  avya  locado  en 
las  Pertas  al  rtenpo  que  los  suso  dichos  ally  tocaron.  Pregunlado  como  lo  save.  dixo  que  porque  lo  oyo  dezir  a  los  suso 
dichos  e  as  otras  personas  que  no  se  acuerda  de  sus  nonbrcs,  porque  las  perlas  quci  dlcho  almyrante  llevó  el  viaie  que 
descubrio  a  Paria,  fui  de  la  dicha  lierra  (irmc  que  dfzen  Paria,  qucs  junto  con  la  ticrra  obra  de  doze  léguas  solo  descubrieron 
los  dichos  Pero  Alonso  e  Christoval  Guerra. 

«  Juan  de  Xerez,  piloto.  (1513,  S.  Domingo)  -  dixo.  que  sabe  que  al  llempo  que  Pero  Alonso  Niflo  é  Cristoval 
Guerra  fueron  i  descubrir,  csle  lestigo  estava  enla  Espahola.  é  quando  fué  á  Caslílla  esle  testigo  los  falló  en  Sevilla  é  les 
oyo  dezir  á  cllos  é  i  los  marineros  que  con  ellos  yban  Io  conlenido  cn  la  dicha  pregunta.  é  queste  teslioo  vido  las  perlas  en 
Sevila.  é  que  asy  mismo  oyó  dezir  á  los  suso  dichos  é  á  los  que  en  cl  primero  viaje  avian  ydo  con  cl  Almiranle.  que  no 
avU  locado  en  el  golfo  de  las  perlas  el  dicho  Almirante. 

H<       H„    rl  Sevilha)-^ dixo,  que  lo  que  sabe  es  que  dende  a  derlo  tienpo  quel 

dlcho  don  Cristoval  Colon  avia  vemdo  de  descubrir,  vido  este  lestigo  que  lucron  a  descubrir  Cristoval  Guerra  e  Pero  Alonso 
Nino  por  su  piloto,  e  vido  esto  testigo  que  llevaron  uno  6  dos  navios  con  gente,  e  lue  publico  que  yban  a  descubrir  tierra  e 
que  hieron  su  viaje  c  dixeron  publicamente  en  esta  dbdad,  dende  a  un  afto  poco  mas  o  menos,  quel  dicho  Cristoval  Guerra 
L   11  "'«^ "-Pf -«""«o.     que  avlan  aportado  a  las  yslas  de  Vayona  cn  Galizia.  e  que  avi^ 

dfscublerto  a  dicha  ysla  de  las  perlas  que  se  disze  Comaná.  e  que  despues  de  venidos  a  la  sazon  estava  en  «la  cibdad  de 

S«  r  >tf     >  n        *"'"p^"V*  "^T"''  «  visto  este  tesUgo  que  los 

dichos  Cristoval  Guerra  e  Pero  N.í^o  vinieron  al  dlcho  oblspo  don  luan  de  Fonseca  a  dar  razon  e  cuenta  de  fa  tieJra  quí 
av^an  descub.er  o.  e  que  este  tesllgo  le  oyó  dezir  al  dicho  Crisioval  Guerra  como  el  avia  descubierto  la  tierra  de  Pa  a  e  la 
í  1  L™T  P  H  í  f  "'^P"^J'"/  «  '°  cierto  este  testigo  por  lo  que  despues  vido  en  U 

dicha  Herra  de  Pari.  y  en  las  dlchas  yslas  de  Comaná  e  la  Margarita,  que  fue  esle  lestigo  allá  en  servido  de  sus  Altezas 

0  Juan  Rodriguez,  pilota  (1513,  Sevilla) -dlxo.  queste  testigo  no  fué  en  el  vlaic  conlenido  en  esta  oreounta 
ma.  de  quanto  vido  este  tesllgo  al  dlcho  Cristoval  Guerra  é  Pero  Alonso  Nii^o  quando  vinieron  de  descubri  é  dixeron  que 
avian  de«ubicrIo  ioda  la  tierra  firme  que  esta  adelante  de  Paria,  que  cs  desde  Paria  fasta  Paraguaná  que  es  lá  provinda 

«„t  tr^ri::  íe"™.!."' '  '"-^  ^^'^         ^^^^^  ><'  •™van%scríto'ros"ue  c^o^rê^io: 

.«1*  rt.      ^J^i^n''^  ^Tn  ®  Domingo) -dixo,  que  sabe  que  al  tienpo  que  Alonso  de  Hojeda  vino  á  descubrir 

avia  de  yr  Crislova  Ouerr.  é  Pero  Alonso  Nyilo  con  el  dicho  Hoieda.  é  ante  que  se  partiesen  ovo  entre  ellos  derto  deba'* 
d  Juh^H  P*^"**  '  se  partieron  despu  7d      icho  Hoieda  â 

los  de«cho  TdlAl^.^^  ""''"^'^  '  ^"3a..ron  perias  é  Ias  llevaron  á  Sevilla  é  de  las  p  gíon 

oaria  ^  «.nSr^r^"  "1  ^"^^'^  ^^^'>^^  ^""^  «^^e  que  los  dlchos  pero  alonso  niflo  e  cristoval  guerra  fueron  a 

descubrir  el  rescate  de  tas  periâr^es  avIlTdf  n.l  .  ^  P"<>  ^  ^  sus  hermanos  que  venian  de 

dela  que  dezian  que  trayan  de  dlch\  "sc^  °  e  .ue  «te  .«11.^  ido  n''/       T  !T.  ''''''  '  ^" 

no  vem.  coo  el  md,o  pero  alonso  ni.o  ny  Vn^o  ^rsu^hranoVe^^u^  ^'^  ^'^^^ 

descubrir  q«f esfr^esígoTué  eTlu  c'?oaí;;atirt.r''  '^^"^,«^6  dezir  que  el  segundo  viaje  que  viccynie  yafíez  fué  a 
e  que  el  3lcho  viaje        este  tesL  dezií  cueZ  VXT  "".^,"7"'^°  ^"  '«  Cristobal  Guerra  e  pero  alonso  niho 

pero  que  «te  .«tlgo  To  ^  ^'^st^t^^r:^:^^^  ^ ^  ^Z^'""' 


204 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


Cristobal  Oarciã  (ISIS,  Patos)  -  dUo  que  oyó  d«lr  lo  conlcnydo  cnU  dicha  prcQunla  a  muchot  marYnctoa 
que  coneUoa  lucron,  e  vido  al  dícho  pcro  alonso  nlfto  e  a  crístovil  guerra  en  aevllla  c  alll  «ufo  e«ie  teatigo  que  avfan 
descubieno  t\  reagate  dclaa  perlas  los  sobrcdichos  e  lo  demaa  conlcnvdo  cn  la  dicha  prcgunla  por  que  lo  oyú  dealf  asy 
como  enella  se  contiene. 

0  Diego  Fernandft  Cotmenero,  (ISIS.  Paios) -dixo  que  sabe  que  el  dlcho  pcro  atonto  nlAo  t  crlsloval  suem 
armaron  un  navio  e  (ueron  a  descobrir  e  locaron  en  la  Herra  tlrme  de  parta  e  descubrlcron  cl  rvsflatc  da  laa  perlas  i  que  lo 
dcmis  contenido  en  la  dicha  pregunla  que  non  lo  sabe;  preguntado  como  lo  sabe  dyxo  que  lo  sabe  por  qu«  al  tlcnpo  que  «I 
dUo  pero  alonso  nino  armó  e  cristoval  sucrra.  armava  vvcentc  yancz,  v  eale  Icatlgo  lu<  por  capitan  de  un  navio  en  su 
compaiMa  dei  dlcho  vvccnte  vatez  c  por  esto  lo  sabe  e  que  vido  las  perlaa  e  embalada  que  Irugeron  el  dicho  crlsloval  tutm 
e  pero  alonso  niAo  e  por  es)o  to  sabe. 

4.>  Si  sjben  que  los  dichos  Cristobal  Ouerra  e  Pero  Alonso  Ni/lo  descubrieron  el  rcsest€  âe  las  pêríês  #  III 
resCMtaron  e  AporLiron  a  Ojlicya  e  de  alli  binieron  a  SevilU  e  dieron  cucnia  delias  ê  don  Juan  de  Fonseca  qut  lenia  cargo 
por  Sus  Altezas  e  pagaron  la  parte  que  a  Sus  Alteias  perteneeiãn  e  si  saben  que  al  tienpo  que  los  susodichos  rescataron  la* 
dicbas  perlas  el  dicho  almirante  no  avia  entrado  ni  tocado  en  aquelles  lugares  ny  parte. 

^  Pedro  Medel  (ISI3,  S.  Domingo)  -  dIxo,  que  lo  sabe  segund  que  cn  cila  sc  conticne,  porque  lo  oyó  asy  dcair 
á  Pcro  Alonso  NIAo  i  á  sus  pilotos  é  á  los  que  cn  su  compaiMa  fueron,  6  que  sabe  que  estando  ^1  cn  Castilla,  vido  que 
llegaron  k  Oalizla  los  suso  dichos.  é  que  dc  alli  los  llcvaron  presos  i  la  corte,  al  dlcho  Pcro  Alonso  Nyfto  é  í  el  maeitrc  * 
capilan  de  la  dicha  Armada,  e  que  asy  mtsmo  vido  como  pagaron  los  dercchos  al  Rey  dc  perlas  que  llcvaron  S  cl  Oblapo 
de  Paicnçia.  que  agora  el.  que  cnionccs  lenia  cargo  por  sus  Altezas,  í  que  sabe  que  haila  cntonces  ninguna  pcrsona  abla 
llegado  donde  Pero  Alonso  llcgó,  asy  porque  lo  oyó  dczlr  á  los  suso  dichos.  como  porque  lo  h  visto  por  la  seftal  dc  la 
caria  dei  marear. 

6J  Pedro  Medel  (1515.  Paios)  -  dixo  quelo  sabe  por  que  se  lalló  presente,  e  asy  mlsmo  vido  dar  la  cucnta  cn  la 
dbdad  de  scvilla  e  que  la  dieron  delo  contcnido  enla  dicha  pregunla  á  Don  luan  de  lonseca,  e  que  dcsía  esto  sabe. 

0  Juan  de  Umbela,  piloto.  (ISIS,  Scvilla)  -  dlxo  que  dirc  lo  que  dicho  ha  c  que  este  lestigo  supo  cn  esta  dbdad 
quando  vlnlcron  los  dichos  Cristobal  guerra  c  pero  alonso  nlfto  c  los  oiros  dc  descobrir  cl  rescate  de  ias  dlchas  perias  dc  los 
mismos  como  avian  aportado  en  galicya  c  que  de  aili  avian  vcnido  a  esta  clbdad  de  scvilU  dercchos  e  que  este  tesilgo  vido 
que  los  sobrcdichos  dieron  cuenta  de  las  dichas  perias  e  rescaic  al  scftor  don  luan  de  lonseca  cn  nonbre  de  su  alteza  e  que 
el  dlcho  seflor  don  iuan  rcscibió  la  parte  que  su  aileza  pcrtenezia  segund  que  lo  oyd  dczlr  e  que  este  tcstigo  oyó  dcxyr  a  los 
dichos  Cristobal  guerra  e  a  los  oiros  sus  compafteros  e  a  otros  que  el  dicho  almirante  no  avia  entrado  nl  allegado  al  dlcho 
rescate  delas  dichas  perias  salvo  a  paria  c  asy  lué  público  e  notório. 

®  Merrando  Esteban.  (151S.  Paios)- dlxo  que  la  sabe  por  ques  dcrlo  que  vinicron  de  laa  perlas  el  dicho  pero 
alonso  niflo  e  crisloval  guerra  e  aportaron  a  gailcsia  y  cslc  tesligo  los  vido  en  la  dbdad  dc  scvilla  dar  qucnia  e  razon  a  don 
luan  de  lonseca  que  tenía  el  cargo  cn  ia  dudad  dc  sevilla  e  lo  dcmas  contcnido  en  la  dicha  pregunla  que  lo  non  sabe. 

9i  Cristobal  Oarcia  (1515.  Paios)  dlxo  que  la  sawa  como  en  eiia  se  contlenc  por  que  vido  como  lo«  dlcho»  pero 
alonso  nlfto  c  crisloval  guerra  descubridores  dieron  quenta  a  don  iuan  de  lonseca  obispo  qucs  agora  de  burgos,  c  que  lo 
5em«  «nlcnldo  enla  dicha  pregunla  sy  locaron  a  tocó  cl  dicho  almirante  anics  dcllos  o  no.  qucsie  Icstlgo  non  lo  sabe. 

9,  Arias  Pérez  (ISIS  Paios) -dixo  (M  que  sabe  lo  contcnido  por  que  sc  lalló  cn  sevilla  al  llenpo  que  vlnlcron 
con  Ias  dichas  perlas  e  cslc 'tcstigo  vido  como  cl  dicho  pcro  alonso  niflo  c  crisloval  guerra  armadores  truxeron  rnutíia  antidad 
droerlafe  d!eí>rcucnta  ai  obispo  don  juan  de  fonscca.  que  i  la  sazon  lenya  cargo  dello  por  sus  all«a.  v  «lava  en  «villa 
e  que  ?o  sabe  cLrcn  la  dicha  pregunla  se  conllcne  quei  dicho  almiranie  non  avia  tocado  ny  cslado  en  los  lugare.  quel 
dicho  «sgííe  dc  perias  estava  e  se  ?alI6.  c  que  lo  sabe  por  que  asy  lo  oyo  dezir  e  dello  lue  ynlonnado  a.  tlcnpo  que  lo 
susodícho  paso  de  los  dichos  armadores  y  gente  que  dei  dicho  viaje  vinicron. 

los  dicbos  ff '-•^''*^J^'';7/,  LTil  cargo  por  Sus  Altezas  e  que  los  d.cbos  Juan  dc  la  Cosa  ny  hofed»  no  auian 
ZelTcZ  TdLTaZZleZ  Zel  Vage^qu^ d,ze  que  uino  ala  boca  dei  Dragon  e  que  lo  que  descubrieron  fué  por 
su  càbsa  e  industrie. 

A^Hrd  rf*  Morales  oiloto  (1513.  S.  Domingo)  -  dixo.  que  save  lo  en  cila  conlcnydo.  porque  a  hablado  mucha» 
vezes  con       '  de  ú  uL'!  pilot  e 'cLn  aÍooso  dc  H^ojeda.  cn  las  navcgadones  dc  aque.  via|e.  y  de.pues  cate  tcstigo  lo  a 


205 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


andado  e  njveflado  mucha»  veies  e  a  visto  ser  vcrdad  la  rcladon  que  los  sobredlchos  Ic  avlan  fecho,  que  fue  que  partfcron 
de  la  ytíi  dei  Ferro,  que  cn  la  ysla  dc  Canária,  y  fue  a  dar  en  la  lierra  firme,  encima  de  lá  província  de  Paria  e 
dlscurrieron  por  la  cosra  abaxo  a  la  dicha  provynda  de  Parla  v  pasaron  mas  abaKO  a  \ã  dkha  ysla  de  la  Margarita,  e  de  âhl 
fasta  Maracapana,  descubriendo  la  costa  tasla  el  dicho  caçique  Ayatraylc,  donde  el  dicho  Ctirisloval  Guerra  avia  llegado  e  de 
alty  proMquio  por  la  ditha  coíta.  de  pueho  en  pucrto,  fasla  la  ysla  de  los  Gigantes,  c  de  ally  dcscubrieron  a  la  província  de 
Q  I  fasta  el  cabo  de  la  VcU.  el  qual  nombre  le  pusicron  los  dlchos  Juan  de  la  Cosa  e  Hojeda,  c  que  de  ally  s« 

v\'L>,.:.<j  ã  vTSt^  sia  Espaíiola. 

Alonso  de  Hoi,'da,  (1513.  S,  Domingo)  díxo.  que  la  verdad  es  que  esle  tesligo  es  el  dicho  Hojeda-  vyno  a 
descobrir  el  primero  despucs  quel  almyrante,  e  descubrió  al  mcdio  dia  la  Iferra  firme,  e  comó  por  cila  casi  doszieniãs  lequas 
hasta  Pari»,  c  salló  por  la  Doca  dei  Draflo,  c  ally  conosdó  quel  almyranle  avia  estado  en  la  ysla  de  la  Trenydad  junto  a  la 
Boca  dei  Drago,  c  de  ally  corrió  e  descubrió  la  costa  de  la  lierr.i  firme  hasta  el  gollo  de  las  perlas  e  vajo  ia  vslá  Margarita 
V  la  anduvo  por  tierra  a  pic,  porque  conosdó  quel  almyranle  no  savia  delia  nada  mas  de  avella  visto  yendo  su  camlno  e  de 
ya  fue  descubriendo  Ioda  aquella  costa  de  la  tierra  firme  desde  los  Frayles  hasta  en  par  de  las  yslas  de  los  Qiganlcs  e  el 
ffolfo  de  Veneda.  que  es  en  la  tierra  ílrme.  y  ia  provinda  de  Ouqulbacoa,  y  en  toda  esta  tierra  firme  dozienlas  léguas  anies 
de  Paria,  y  dcnde  Paria  hasta  las  Perias.  e  dende  las  Pcilas  hasta  Ouqulbacoa.  que  este  tesligo  descubrió  nunca  nadie  lo  avia 
descublerto  ny  locado  en  ello.  aay  «I  almryante  como  otra  persona,  y  que  esle  viaje  que  esle  dicho  lestigó  hizo  truxo  consloo 
à  Juan  de  la  Cosa,  piloto.  Emerigo  Vcspuche  e  oiros  pilotos,  y  que  fue  despachado  este  tesligo  para  el  dicho  viaie  dot 
mandado  dei  dicho  don  Juan  de  Fonseca,  obispo  de  Palenda,  por  mandado  de  sus  Altezas. 

t  Nicoias  Perez,  maeslre  (1513,  S.  Domingo)  -  dlxo,  que  save  Io  conlenydo,  porque  kii  el  dicho  viaje  con  los 
dichoi  Hojeda  e  Juan  de  la  Cosa.  como  dicho  llene.  e  que  andovo  con  ellos  todo  el  tienpo  que  andovyeron  descubriendo 
aquel  Viale  hasta  que  volvycron  a  Castilla,  y  que  este  Icstigo  vyó  Ias  yslas  de  los  Frayles  y  los  Gigantes  e  todo  lo  demas  oue 
en  esta  pregunla  se  contiene.  ^ 

rf,.hn.  Hnvf  "f  r""""'  V*'^'  ®-  Do-ningoJ-diKo,  que  oyó  dezir  Io  conlenydo  e  que  fucron  costeando  los 

dld.0.  Ho,eda  e  Juan  de  la  Cosa  por  la  mysma  costa  de  la  lierra  firme  que)  almyranle  don  Cnrisloval  Colon  descubrió  e 
pasaron  por  'O  «nlenydo  en  la  dicha  pregunla.  porque  lodo  es  una  costa  e  una  tierra.  e  que  antes  deslo  cl  dicho  aimvrame 
no  avya  .vaxado  de  la  dicha  tierra  que  dizen  firme  donde  descubrió  por  la  dicha  costa,  donde  descubrieron  los  dichos  Ho"e^ 
e  1  .  Cosa  por  donde  lomó  su  derrota  desde  Paria  y  la  Margarita  para  se  volver  a  esta  ysla.  como  dicho  liene  enla 

lcrc_  ,  ,  junta,  e  que  save  asymismo  que  los  dichos  Hojeda  c  Juan  de  la  Cosa  fucron  despachados  por  el  obispo  don  Juaí 
de  Fonseca  en  nombre  de  sus  Altezas.  Pregunlado  cómo  lo  save.  dixo  que  porque  io  oyó  dezir  a  muchas  pcr^onTs  e  al  d  ch^ 
Juan  de  1.  Cosa,  e  porque  esle  tesligo  se  halló  en  Sevylia  al  tienpo  quel  obispo  don  Juan  de  Fonseca  los  deTpachó 

n„n  tn  A.<r.  fh^^^I^M^^  '^l''"'^  ^'l"'.^-  °°'"'"9°'  testigo  fue  en  el  dicho  viaje  con  Alonso  de  Hojeda  e  vyo 

Trl  n     "^l  ^  ""^  "■^9"°"  *  Boca  dei  Drago  y  (ueron  descubriendo  Z 

LTL  t  Z^.  T  "^a""-/'^"  '"^  '  «^9und  dezian  los  marineros.  y  liegaron  hastf  dond   d'""  e 

nfn.l.  t  H  ^  '^^        f^"^'"  V        °'9'"'"'  «  ''"^  ''««'^  no  avya  llegado  allf  cr  sliano 

íl  fasta  que  murio.  ^  ■      ^  '°  O"'^"  "Wdo.  porque  anduvo  sienpre  con 

dicbos  "oier  étardT  u''cot'/tu:'i?q!eir^^^^^^^^^         '°  srf  "'^^   '''''  ~ '  - 

Almirante  descubrió  i  Paria  se  vino  como  dkho  liene  i  es?à  J.  f  ^     ^     i  "  ' 

U  lierra  suso  dicha  í  el  Almlranle  no  al  saído  nv  Jli»  /  f  *  t  *         «"«''^  ^osa  á 

despachado,  por  el  Obispo  que  asor/  «  de  Palenaí  d«    i       7  T  '  ''"'^  '"^^'^^ 

en  aquella  sazon.                      ^                                   '"^       ^^^^s^"*  ^""le  lesligo  fué  despachado  por  el 

Holeda  fueron  i  t^sUrir^^e^e'  tesC  esíava  en  AI^ÍaT*  h"""'        ""^^  ""^      '"^"^^  ""^  ' 
pa«  vr  i  descubri^e  Tu'e"i  test «  vlnn  .  ^  """^  nuestro  sellor  les  dio  licenda 

Hol^l^a  fueron  arma^  ai'      rio  de  San     M^^^^^  é  driSi  « trl  e^i''  '  1°'  '  '^'""^ 

poco  mas  o  menos,  los  vhlo  bolver  á  Se^íua  ÍroaL  rL     P^"'^™"         descubrir,  é  que  despues.  dende  á  ocho  meses, 
en  aquel  viaje,  é  vido  en  elU  a   Ô  ,a  que  desS  que  es  ZT.\LT  T"^.'""'"  "^'^ 

ânle.  d«to  el  dicho  Almiranlc  no  avia  alLado  i^r.      1^  o  Ququibacoa.  é  que  sabe  que 

rime  no  avia  aliegado  ally  ny  olra  persona.  Preguntado  cómo  Io  sabe,  dixo  que  porque  fué  dos  vezes 

206 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


con  el  dlcho  Almlranle.  cccbto  tn  el  primero  vUlt.  é  que  nunca  «Itl  Ikgaron  ny  oyó  deilr  que  huvlesc  llegtdo.  é  que  Mbt 
que  tueron  tos  suso  dkhos  dcspac^adol  por  el  dlcho  don  ]uui  dc  Poniecj,  obitpo  que  agor*  <•  de  Paienda,  que  a  U  uion 
lenia  el  cargo  por  sui  Allezi». 

Crisfobal  Oarcia  {ISI».  Paios)  dixe  que  lo  que  nbe  et  que  al  tienpo  quel  dlcho  Ojeda  c  juan  dclJ  COU  vlnleran 
dc  descobrir  de  Herra  tyrine  cílc  lohgo  eslaba  en  santo  domingo  e  ally  vinferon  Io»  »obre  dlcho»  cn  un  barquefe.  que  awlan 
perdido  lo»  navio»,  e  con  obra  de  quinte  a  vcynle  onbrv».  que  lo»  otro»  »ete  avian  muerlo  e  quedado  e  que  ally  ©Vd  deilr 
que  los  dlehos  |uan  dela  cosa  y  hojeda  avian  destiuWcrto  en  la  Herra  (yrmc  e  que  trayan  mucho  oro  e  lo  que  deiqubrieron 
que  fue  mas  adclante  que  nadie  avia  descubicrio  e  queslo  lo  oyó  dezir  a  los  dlcho»  maryneroa  e  que  ende  vcnian  dei  dlcho 
via|e  e  que  non  sabe  mas  de  lo  contenido  en  la  dicha  pregunta. 

Diego  Fernandez  Colmenero.  (1115,  Palos)  — dixo  que  sabe  que  tueron  i  descobryr  e  descubrycron  los  contenidos 
en  la  dicha  pregunta  cn  la  tlerra  lirme  por  su  bucna  yndustria  y  saber  c  que  lo  que  descobrieron  en  la  Herra  lime  (u#  mucha 
canlidad  dc  ticrra  c  que  nadic  la  avia  dc»cublcrto  lo  que  ellos  descubricron  anic»  y  despue*  c  que  lueron  por  mandado  dei 
Rey  con  licenda  c  despacho  dei  Oblspo  don  |uan  dc  tonscca  como  los  oiro»  de»cobrldores:  preguntado  como  sabe  lo 
eusodicho,  dyxo  que  porque  (uc  uno  dc  los  descobridores  e  que  por  esto  lo  sabe. 

T  Arias  Perez.  (151S,  Palo»)  -  dixo  quclo  sabe  que  luan  dela  co»a  y  holeda  conicnydo»  en  la  dicha  pregunta  non 
avian  ydo  concl  dicho  almlranle  el  vi-ije  que  dicen  dela  boca  dcl  drago  c  que  lo  sabe  asymUmo  por  que  este  lestlgo  lue 
rogado  que  lucse  cn  su  conpaAya  dellos  el  qual  non  qulso  yr  por  que  despue»  que  vlnicron  lo»  »ti»odlcho»  armadore»  este 
lesttgo  habló  conellos  e  los  vlo  e  le  moslraron  la  dicha  Herra  que  Irayan  debuxada  que  avian  descublcrlo.  por  la  ynlormadon 
que  dcllos  este  tcsilgo  ovo  sabe  que  descubricron  la  Herra  llrme  aegund  que  cnel  dlcho  articulo  se  conilene  »yn  que  oira» 
personas  alii  oviosen  llcgado  ny  descobierto. 

0,«  Si  saben  que  deipues  útsto  Rodrigo  de  lã  Battida  e  Juan  de  la  Cos*  descubrieroa  por  su  industria  e 
saber  en  la  dicha  Herra  firme  mãs  al  poniente  ta  parle  que  llaman  Urabã  donde  ei  la  provinda  dei  Darien  e  truieron  a 
Alcali  de  Henares  las  muAtras  de  oro  e  las  otras  cosas  que  Hallaron  en  la  dycha  Herra  e  alll  lo  diecon;  por  mandado  de 
Su  Alteza  le  tueron  dcípachados  por  el  dicho  D.  Juan  de  Fonseca  e  qu.indo  boluieron  estavan  ya  en  la  dicha  corte  el  dicho 
Oblspo  e  alli  pagaron  lo  que  períenezia  a  Su  Alteza  lo  qual  fasta  entornei  no  avia  sydo  descubierto  por  ninguna  persona  e 
sv  saben  que  los  dichos  Bastidas  e  Juan  de  la  Cosa  nunca  avian  navegado  con  el  dicho  almirante  quando  dizen  que 
descubriâ  a  Paria. 

André  de  Morales,  piloto  (ISI3.  S.  Domingo)  -  dixo.  que  »abe  lo  contenido  ser  a«y  verdad  como  en  ella  sr 
contlenc,  porque  este  testigo  fue  en  la  conpaftta  de  Rodrigo  Bastidas  e  luan  dc  la  Cosa  aquel  vlale. 

Alonso  de  Hojeda  (1513,  S.  Domingo) -dixo  O  que  lo  que  save  es  que  Rodrigo  dc  Da 'tidas  e  la  Cosa 

partleron  a  descobrir  estando  este  dlcho  lesHgo  .parciado  para  volver  a  de5Cubrir.  c  quel  d  cho  ^^^'^^^.'^jj^'*'^^^^^^^ 
de  la  Cosa  partieron  primcro  y  (ueron  a  la  costa  de  la  Herra  llrme.  que  es  donde  este  testigo  avia  acabado  de  descobri  J, 
primer;  viaje,  e  que  dende  ai  i  lueron  e  dc5cubrieron  por  !a  costa  de  la  Item.  Hme  dende  Ququivaoca.  que  «'«  '"''fl* 
Sescrri6.  e  descubricron  has.a  cl  goilo  de  Paria,  que»  al  Darien.  e  de  ally  de.cubrieron  ntas  al  P;"'*^"  f'' 
lierra  firme  has.a  el  puerto  dcl  Retrete,  donde  agora  Henc  lecho  un  lueMe  Nycucsa.  y  que  dende  alli  «  «'^'^T^"  ' 
ouenla  a  su  Alieia  como  cn  ta  pregunta  sc  conl.eno.  Preguntado  cómo  to  save.  dixo  que  lo  save  porque  cie  tcíligo  vyno  * 
3   c?br^  tia" '  os  d"hos  Rodrigo'  d^  .astidas  e  ,uan  de  la  Cosa.  y  t.o  e.  mysmo  via,e  que  clIo.  ^^^^^^^^^^l^  ^jj- ««J 

Darien.  el  almyranle  ny  otra  persona  no  Io  avia  de«cubierlo. 

Q  Anton  Garcia  piloto  (1513.  S-  Domingo)  -  dixo.  que  oyo  deair  lo  contenydo.  porque  al  llenpo  que  dejpachaitin 

llrme  lasta  Uravá. 

Rodrigo  BasHdas  é  Juan  dc  la  Cosa  í  su  conpaftia. 


(«)  ítoimrrte-   


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


7u*n  de  Xerez,  pffolo,  (ISI3.  S.  Domingo)- dlxo,  que  lo  que  sabe  cs  que  al  lienpo  que  los  contenldos  en  ta 
prcgunta  se  piHleron  de  Sevilla  para  descubrlr,  este  testigo  eslava  en  la  dicha  cibdad.  que  los  vido  partir,  é  que  despucs  dcllos 
partidos,  csle  tcsiigo  vino  de  Caslílla  i  esta  ysla  CspaHola  con  el  Comendador  mayor  de  Alcantara  t  hsllo  al  dicho  Rodrigo  de 
Banidas  i  i  Juan  dc  ta  Cosa  cn  esta  cibdad  de  Santo  Domingo,  é  que  despues  este  lestigo  i  los  suso  dichos  fueran  i 
Castilla  é  llcvajon  cl  oro  que  irayan  í  desenbarcaron  cn  Cadiz,  i  de  alll  los  tuso  dichos  fueron  i  la  corte  é  todo  el  oro  que 
llevawan.  é  que  despucs  deslo  vido  bolver  al  dicho  Rodrigo  dc  Bastidas  dc  la  corte,  á  ScvíHa.  pcro  que  sy  pagaron  los  dichos 
ò  no  que  lo  no  sjbc.  é  que  sab*  que  hasta  enlonces  no  eslava  dcscubicrta  Ia  dicha  provinda  dei  Daríen  por  ninguna  persoru 
porque  este  tciiigo  avia  visio  muchas  carias  dc  navegar,  c  dc  aquella  costa  6  en  ninguna  delias  eslava  escrita  la  dicha 
provinda,  hasta  quel  dicho  Rodrigo  de  Dastidas  i  Juan  de  la  Cosa  la  pusieron  en  su  carta  dc  aquci  viaje. 

0  Diego  Fernanâci  Colmenero  (1515.  Paios)  -  dlxo  que  oyó  dezlr  esle  tesligo  lo  contenydo  enla  dicha  prcgunla 
«  lot  mísmos  bastidas  e  juan  de  la  cosa  piloto  c  que  avia  Iraydo  mucho  oro  e  muestra  dei  e  que  avian  resgatado  cn  Herra 
firme  e  este  tesligo  les  oyó  dezyr  a  sus  voc.is  que  avian  descubierto  a  urava  donde  es  la  província  dei  dar^cn  e  que  esto  sabe 
por  quel  abló  conlos  susodichos  en  la  ysla  espartota  al  tienpo  que  uenlan  delo  descobrir  e  que  lo  descobrieron  con  su  bucna 
yndustrla  y  saber  e  que  lo  demás  contenydo  enlá  dicha  pregunla  dyxo  que  la  non  sabe. 

t  Arlas  Perex,  (1515,  Palos)-di>(0  que  sabe  quel  dicho  Rodrigo  de  bastidas  ny  íuan  dc  la  cosa  contenldos  cn  la 
dicha  pregunla  non  navegaron  con  el  dicho  almiranie  quando  dizen  que  dcscubrió  a  paria  mas  que  por  su  saber  e  yndusiris 
fueron  ellos  a  descubryr  lo  conlenido  enla  dicha  pregunta  e  Herra  segund  que  enei  articulo  se  conliene;  preguntado  como  lo 
sabe  dlco  que  por  que  al  lienpo  que  los  susodichos  ia^ian  cl  armazen  e  qucrian  seguir  cl  dicho  viaje,  este  lesiigo  en  compal\ia 
de  vlccnlc  yaflez  queria  yr  a  descobryr  cn  servido  de  su  alteza  y  unos  capllanes  y  oiros  lablavan  c  decyan  secretamente  a  U 
parte  donde  yvan  cada  uno  e  la  volunlad  que  lievavan  a  despucs  desto  este  dicho  testigo  se  falló  en  la  ysla  espanola  al  tienpo 
quel  dicho  Rodrigo  dc  bastidas  e  juan  de  la  cosa  vtnieron  dcl  dicho  viaje  y  vido  cl  oro  que  de  la  dicha  lierra  lirme  Iruxcron 
t  ias  oiras  cosa»  e  joyas  e  asy  mismo  como  onbrc  que  queria  saber  lo  que  avia  Iccho  pedló  mostrase  ia  tierra  que  avían 
descobicrto  que  traian  los  susudichos  debuíoda  juntamenfe  con  la  ynlomiacion  que  a  este  lestigo  los  susodichos  le  lirieron  al 
dicho  lienpo  c  asy  se  lo  mostraron  y  esle  testigo  lo  vido  e  sabe  lo  susodicho  ques  asy  como  enei  dicho  articulo  se  conticne 
c  que  por  cslo  lo  sabe  segund  que  de  suso  a  declarado  por  la  dicha  razon  c  muestri  de  lierra  que  los  dichos 
capitanes  le  fizieron. 

T.«  Si  saben  que  VUeynIe  Yafíez  Pinçon  y  los  que  conél  fueron  a  descobrir  dcscubrieron  fasta  la  parte  de 
lebanie  a  la  costa  que  está  descubiertà  fasta  la  punta  que  llaman  de  Santa  Cruz  e  de  San  Agostin.  de  aqui  entre  la  voca  dei 
ryo  grande  donde  hallaron  el  agua  dutze  que  entraba  enla  mar  e  quel  almirante  ni  otre  persona  destes  reynos  nunca  antes 
descubricron  aquella  costa  salvo  Viceynte  Vafíez  por  su  yndustria  e  el  dieho  Viceynte  Varies  no  vino  con  el  dicho  almiranlê 
quando  dize  que  descubriâ  a  Paris. 

w  ^  ^"'^''^  f^orales.  piloto,  (1513,  S.  Domingo)-dixo,  que  sabe  lo  contenydo  porque  lo  oyó  dezir  al  dicho 
Vlzcnle  Vaficz  e  a  los  que  con  ci  yvan.  e  a  Diego  de  Lcpe,  desoibridor  que  murió  en  Portugal,  y  que  este  testigo  hlio  una 
ngura.  que  se  dize  carta  de  marear,  para  el  sefior  obispo  don  Juan  de  Fonseca,  cn  Sevylla.  por  la  reljcíon  que  le  avian  fecho 
ios  «ohredichos,  y  que  despues  este  lestigo  avia  venydo  por  ally  e  a  vysio  parte  delia,  e  aun  que  este  lesllgo  a  cogido  el 
agua  dulcc  en  la  mar  dcl  Rto  Orandc,  de  que  cn  la  dicha  pregunla  se  haze  mynsion. 

t  Alonso  de  Hojeda.  (1513.  S.  Domingo)  dixo,  que  lo  save  como  en  cila  se  conliene  porque  los  vyó  este  lesliao 
yr  a  descubrir  e  vyô  la  l.gura  que  a  sus  Altezas  Iruxeron.  porque  esle  lesligo  avya  ya  descubierto  un  pedazo  de  Ia  myma 
cosia  primero  que  ellos. 

este  tPM!o«  S  f  [r''"T\f°''l  Sevilla)  -  dixo.  que  Ia  no  sabe  mas  de  quanto  vido 

^ll^  lZl  ?\      I  r  *       ""^"'^       """'"'^  P^^^Sunta.  é  que  lo  vido  este 

oual  Mh.  nn"""  ^'f"  """^  ""'^      «"'«"'do  "í"  «í-»  presunta  como  en  ella  se  conliene.  lo 

í^n  J  Í^  «te  tes..go  es  el  mismo  Vicente  Afies  Pmçon.  <  sabe  é  es  verdad  que  descubrió  desde  el  cabo  de 

coT-^do  a,"  S^denfe"  I    "'^h"  'h  T"'"'-"*  '  "^"^  ""^  '^3"^""'  '  la  cita  de  luengo 

^nw  ?a m  ll  b«r>  „7n    i  T^  ^  P"^'"*^'^  "^""^  ^^^^^^  ^  «^rio  Ia  cosia  de 

tz':z:iTa  t.^f:^x:Zo~t  "-^^^ •"^''^ "^«^"^  *  ^^^^ 

que  este  tesfgo  oTdf^  lÍ"con,l«^^^^^^  SevllIa)-dixo.  que  este  testigo  no  fué  en  este  viaje  con  el  dicho  Vicente  Afies,  salvo 

Senr<Tjl?/nt«  n  .  ^  «^"'o      '«  cartas  de  marear  como  en  esta  pregunta  se 

.re^  p^T-rU^yvan^-^rTaSL^^Ve  'rAlíezr  ^"  """^'^  ^^^^^^^^ 

yb.  por  puott  JTdr;7ê  crL^^llos  de^r^f  ^'  """^      ^"^  «  ^-^-^ 

208 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


Çi  Pedro  Medfl,  (1513,  S.  Domingo}— dlxo.  que  twht  que  (ueron  Vicente  Aftet  Plnçon  á  descubrir  por  U  p«rte  dei 
Levante  en  la  pregunla  contcnida  6  que  llevo  l>ratv1  é  v\no  á  Parla,  é  de  Paria  t»é  i  la  Vsjbela  vteia.  quei  en  cata  ytiã 
Fspaftola.  peru  sy  Ilefló  i  la  v»l*  de  Sani  Agustin  ó  no.  que  Io  non  ».ibe,  é  que»  publito  4  roiorio  que  hasta  enloncea  no 
abta  ydo  ny  llegado  en  aqudla  pane  ninguna  p«r3ona,  é  que  aiy  parcacc  por  la  carta  dcl  navegar  que  cada  uno  leftalo 
lo  que  tue  e  anduvo. 

CÒ  Pedro  Medel.  (1515.  Palo»)  -  dlno  quelo  tabc  por  que  eate  teatiso  estovo  el  irdtmo  vlale  quel  dlcho  bicente 
V^iftez  (ué  a  descobrir  en  la  lierra  firme  e  lo  vido  yr  e  vcnlr  e  que  lo  que  descubrIÒ  contcnldo  enla  dlcha  presunta  e  lazta  la 
parle  de  levanie,  lo  vido  lo  mas  dollo,  e  tué  cl  dlcho  b^cenlc  aflez  a  descobrir  con  su  lente  e  navios  que  llevava  por  lu 
buena  ynduslría  e  saber;  preguntado  como  lo  sabe  dyxo  que  por  que  lo  vido  a  vista  de  ojo  e  que  lo  dcmis  conlenldo  en  U 
dicha  pregunla  que  lo  non  sabe. 

^  Cristobal  de  Vega.  (1513,  S.  Domingo)  —  dixo,  que  Io  sabe  segund  que  en  cita  se  conHcrw,  porquél  mismo  fu4 
en  aquci  vl.iíc  con  el  dlcho  Vicente  Aftes  é  (u6  presenti^  A  todo  ello,  é  que  sabe  que  Ikgaron  por  la  costa  adelanie  desde 
donde  dexo  scíValailo  Diego  de  Lepe  é  corrleron  por  la  costa  adclante  hasla  llegar  al  Rio  grande,  é  que  nunca  oyo  dezlr  que 
alll  ovlesse  llegado  otro  ninguno,  porque  los  yndios  sc  espantavam  mucho  de  los  ver,  que  bkn  parcscia  que  no  ablan  visto 
oln  generacion  de  crlsiianos. 

^  Diego  de  Alfaro.  (1513,  S.  Domingo)~d(xo  que  la  sabe  como  en  ella  le  contlene,  porque  \\it  cn  aquel  vfa|e 
con  el  dicho  Vicente  Aftes  hasta  que  bolvlo  á  desenbarcar  cn  esta  ysla,  i  que  nunca  vteron  esi<  ny  los  que  en  aquella 

Armada  yban  ninguna  seixal  de  que  Cristiano  ovicse  llegado  en  aquellas  partes  hjsta  qud  dlcho  \..  .ni.  Aftcs  Ucfló,  é  que  por 
esto  cree  este  lesttgo  quel  dicho  Vicente  Afies  fué  el  primcro  que  llegá  aquellas  partes. 

Juan  de  Unbrtn,  pílolo,  {ISts.  Sc\dlha)  —  dlxo  que  «abe  e  vido  quel  dicho  vycyente  yaflez  con  quatro  canvelai 
armadas  desy  >  de  sus  paricntes  fueron  desde  el  Rio  de  saltes  a  descobrir  e  que  descubríeron  ochodentas  léguas  de  lierra  e 
costa  de  noruesle  sueste  por  que  este  lesligo  era  piloto  dei  dicho  viceynte  yaAei  e  que  alll  allaron  el  agua  dulcc  que  entrava 
en  la  mar  más  de  veynte  léguas  e  que  nunca  antes  que  cbta  lierra  se  descubriusc  no  avia  ydo  por  alli  el  dicho  almirante  ny 
otra  persona  dcsios  rcynos  •  que  sabe  e  vido  que  al  liempo  quel  dlcho  almirante  tué  a  descubrfr  a  paria  no  lué  con  cl  dlcho 
vicyenie  yaftez  e  que  sy  ovyera  ydo  esle  tCBlIgo  lo  suplera. 

Msnuel  de  Valdevinos  (1515.  Lepe)  — dlxo  que  este  testlgo  tué  con  el  dlcho  Vicente  Vanez  pincon,  como  dlcho 
llene,  la  segunda  vez  que  fué  á  descubrir  e  que  sabe  c  vydo  esle  tesligo  que  el  dícho  Vicente  yaftes  dcacubrió  parlicndo  dcl 
Cabo  verde  al  sur  suducstc  e  que  hallaron  la  Herra  e  quinlenlas  léguas,  ala  qual  lyerra  no  habla  llegado  nyngun  navio  ny 
estava  descublerta,  e  alll  puso  el  dlcho  Vicente  yafte*  por  nonbre  Rostro  hermoso.  que  agor3  dii  que  se  llama  unta  cruz  e 
tani  agoslín,  y  el  dlcho  Vicente  yaflez  tomó  la  poseslon  por  el  Rey  e  de  altl  conicron  al  noruesle  bailando  en  el  camlno 
muchos  Rios  e  pucrtos  yondo  costeando,  e  díeron  cn  un  Rio  grande  anagazado  al  qual  pusycron  por  nonbre  parilura  donde 
hallaron  en  la  mar  que  talla  dcl  Rio  el  agua  dulce  mis  de  treynta  léguas  c  de  alU  salieron  e  fueron  costeando  fasta  paria  y 
entraron  por  dentro  dr  la  Trenidad  la  lierra  e  que  oyó  dezir  a  Vicente  yafles  que  no  avia  ydo  con  cl  dicho  almirante  quando 
el  dlcho  almirante  dcscubrió  a  paria. 

Pero  Ramirez,  (1515,  Scvilla)-dixo  que  labc  que  el  dlcho  vlcenle  yallei  fué  a  descubrir  y  este  lestlgo  hii  con  61 
e  fueron  derechamenic  alas  yiiat  de  antonlo  que  son  dei  Rey  de  Portugal  a  lazer  camaje  e  que  de  alli  parlicron  la  via  dei 
sudoeste  para  yr  en  busca  de  descubrir  c  pensiron  de  no  fallar  Uerra  dende  cn  Ires  o  quatro  metes  e  acabo  de  catorze  dias 
dieron  cn  lierra  firme  la  via  dcl  sursudueste  e  dieron  cn  un  cabo  al  qual  pusteron  nonbre  Rostro  hermoso  y  echaron  andar  e 
8-iltaron  en  Herra  e  de  alll  no  pudíeron  yr  más  avante  e  bolvicron  cosicando  hasta  que  dieron  en  parta  e  llcgando  a  paria 
conoscleron  la  tierra  unos  hijos  de  Diego  martin,  sobrinos  de  viceynte  yahez  pinçon  que  yba  en  la  caravela  gorda,  al  qual 
dixo  que  era  paria  e  que  alli  avia  estado  con  cl  almirante  cólon,  c  los  llcvó  a  surjír  en  una  ysla  que  está  )unlo  de  Herra 
finne.  que  eniró  por  ella  la  boca  dcl  Dragon  e  que  dc  alli  fueron  a  una  ysla  que  hallaron.  corriendo  al  nordeste,  a  la  que 
puslcron  nonbre  ysla  dc  mayo.  e  de  alli  fíeron  su  viaje  e  lucron  a  dar  a  la  ysla  de  guadalupc.  que  et  en  las  honze  míll 
virgenes,  e  de  alU  se  parlicron  á  san  juan,  e  dc  san  juan  lucron  a  la  ysabcla,  e  de  alll  fueron  a  oira  ysla  que  dlzen  samana 
e  a  otra  somcto  e  a  otra  maguana  e  que  deste  viaje  hallaron  un  Rio  grande,  que  hera  Ian  gnndc  que  entrava  quarenta 
leguat  en  la  mar  dc  agua  dulce,  la  qual  provaron  c  hallaron  dc  agua  dulcc. 

Jvan  de  Pãlencia.  (1515.  Sevilla)  — díxo  que  lo  sabe  es  que  este  lesHgo  fué  el  dlcho  viaje  en  conpaftla  dei  dlcho 
viceynte  yaftcr  c  que  es  vcrdad  lo  conlenido  en  la  dkha  pregunla,  porque  este  tetiigo  lo  vido  e  fué  el  dlcho  viaje 
como  dicho  llcnc. 

Oarcia  Fernandez.  (151$.  Huelva) -dixo  que  Io  que  sabe  es  que  este  lesHgo  al  Hcnpo  que  viceynte  alícz  pinçon 
y  los  que  con  él  fueron  a  descobrir  esto.  futf  conellos  y  vido  como  cl  dlcho  viceynte  aftez  descubrió  el  y  lot  que  con  él  yban 
fazia  la  parle  de  Icbante  aU  cotia  que  esta  descubicrla  fazia  la  punia  que  Ilaman  dc  santa  cruz  e  dc  tan  aguslln  e  que  de 
ally  vido  este  tesligo  como  enttó  en  la  voea  dei  Rio  grande  contcnldo  cn  esta  prt-gunta  donde  lallaron  el  agua  dulce  y  aun 
este  lesHgo  dize  que  vcvió  delia,  cl  qual  entra  en  la  mar  c  que  sabe  que  al  Hcnpo  quel  dlcho  viceynte  yafícz  fué  el  dicho 
viaje  nunca  fué  cl  almirante  ccntenido  cn  esta  pregunla  ny  otra  persona  ninguna  destot  Reynot  porque  aquella  costa  nunca 
U  descubrió  otra  persona  ninguna  salvo  el  dlcho  viceynte  yaftcz  y  esto  que  lo  sabe  porque  este  Icttigo  fué  con  él  c  Io  vido 
c  que  nanca  el  dicho  viceynte  ahez  fué  con  ninguna  persona  a  quel  viaje  nl  otro  ninguno  que  ctle  tetiigo  victe  e  que  no  el 
quci  Rio  viiiieion  cl  dicho  viceynte  yaflez  c  su  conpafta  muchos  yndlot  y  Ilricron  y  pclearon  con  él  e  con  Ia  dlcha  tu  conpafta 

209 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


e  que  dMpun  que  owieren  descuWerto  aqnella  ysU  el  dfcho  viceynte  y*fle2  c  Ii  dich»  cu  conpalla  y  cl  tettlgo  con  eitos 
vlnicron  a  dar  a  un  rio  negro  en  la  mltma  coala  que  wenlan  costeando  y  vinlendo  costeando  vlnicron  a  dar  con  sus  baKOS  i 
«erra  a  tomar  lengua  e  a  ressatar  algunas  cosas  que  llevaban  e  que  malaron  los  dichos  yndios  a  syete  o  ocho  honbres  de 
los  de  b  conpaAa  pero  quci  dicho  vãceynie  yancz  se  quedó  cn  el  navto. 

Anton  Fernjnicí  Cotmenero,  Huelva)-dlxo  quc  to  que  sabe  es  que  al  ticnpo  quel  dicho  vtcejnte  after 

plnçon  e  los  que  con  el  lueron  a  descobrir  este  tesllgo  j-va  en  cl  navio  dcl  dicho  viccynie  ^{\cz  y  vjdo  como  fué  el  dicho 
viceynte  aflez  e  los  que  conel  ywan  (ucron  fazia  la  parle  dei  levante  desde  la  ysla  de  cabo  verde  e  fueron  la  via  dcl  suducste 
entre  medias  dei  sur  >  cl  dicho  v  ,  ^  e  los  que  conel  >v3n  e  fallaron  la  tierra  firme  e  cl  dicho  viceynte  aflez  salló  cn 

la  borda  dei  navio  donde  )-va  e  r  que  nynguno  dclo»  que  conel  >'van  saltase  en  Herra  salvo  cl  dicho  viccynie  aftei 

e  dertos  escrívanos  que  yban  en  cl  dicho  navio  por  cl  Rey  nuestro  seflor  los  quales  saltaron  con  cl  oicho  viceynte  aftez  eo 
la  dicha  tierra  llrme  e  este  testigo  vido  como  cl  dicho  viceynte  ai^c^  tomó  la  poscsyon  de  la  dicha  licrra  flnne  en  voz  y  cn 
nonbre  dcl  Rey  nuestro  srnor  lo  qual  pasó  ante  los  dichos  escrívanos  por  mandado  dei  dicho  viceynte  ahcz  e  despues  de 
tomada  la  posetlon  ctic  lestigo  vido  como  el  dicho  viccynie  .n^iez  fizo  mojones  de  tierra  e  le  puso  un  nonbre  que  este  tcsiigo 
no  fto  acucrda  e  que  de  alli  despues  de  tomada  la  poscsion  fucron  de&cubricndo  por  la  cosia  de  Ia  dicha  licrra  adelanie  por 
la  via  dcl  norue&te  e  cnlraron  en  un  Rio  cn  que  allaron  el  agua  dulzc  que  entraba  cnla  mar  trcynta  leçuas  el  agua  dulze  e 
que  allaron  dentro  dei  Rio  un  marrajo  e  estando  sunos  los  navios  a  la  mancra  de  golpe  de  la  mar  e  el  ruydo  que  traya  les 
alco  .1  'Taras  cl  navio  e  que  cn  aquella  licrra  fallaron  mucha  genie  pintada  que  se  benia  seguramente  a  donde  eslava  cl 
dicho  10  ahez  e  su  conpana  e  que  de  aquci  Rio  grande  salicron  e  lucron  desqubriendo  por  la  costa  adelantc  por  la 

Herra  lirmc  faita  dentrose  a  paria  e  que  alll  en  paria  quorían  saltar  en  licrra  salvo  que  no  osaron  por  que  les  avian  muerto 
mucha  lente  antes  que  llcgasen  a  paria  e  los  yndios  de  la  própria  paria  no  qucrian  entrar  dentro  de  los  dichos  navios  salvo 
dczían.  sal  capilan,  c  que  eneslo  vlno  oiro  que  se  dice  dlcgo  de  lepe  la  via  dei...;.,  en  el  uso  de  los  yndios  que  lenlan  e  en 
las  tcflas  que  les  dió  cl  dicho  diego  de  lepc  despues  que  vlnicron  a  castilla  e  de  alll  se  fucron  i  la  cspai^ola  que  se  dizc  ta 
ysabela  e  que  ct  dicho  viceynte  anez  se  partló  de  la  ysabcla  que  se  dize  jumcto  y  aios  ojos  dela  baburca?  e  de  alll  perdleron 
dos  navios  en  baios  e  se  blnieron  para  castUla  luego  c  que  cn  todo  este  dicho  lienpo  ny  dcscubrír  de  tierra  cn  que  andublera, 
nunca  el  d!cho  almiranie  andubo  con  etlos  salvo  cl  dicho  viceynte  ahez  que  por  tu  yndustria  descubríó  la  dicha  tierra,  las 
quales  descubrló  por  el  Rey  nuestro  seftor. 

t  Diego  Prielo,  (1&15.  Paios}— dlxo  que  la  sabe  como  en  ella  sc  contyenc  por  que  yva  con  el  dicho  vlceynteaflez 
cn  los  dichos  navios  '     ubrló  Io  contenydo  en  U  dicha  pregunla  y  que  de  anies  no  avia  sydo  desqublerta  por  el 

dicho  almirante  don  ....  .1  .-...^'•■i  nyn  por  oira  persona  c  que  lo  dcscubríó  el  dicho  byceniyancz  contenydo  en  ll  dicha 
pregunta  por  su  saber  c  judustria  e  que  desta  pregunla  esto  sabe. 

i  Juan  Calvo  (ISIS,  Paios -dlxo  que  vi  vcrdad  que  dicho  bicenie  aAcz  descubr^-ó  Io  contenydo  en  la  dicha 
pregunta  fasta  que  cnlraron  en  la  voca  dei  Ryo  grande  y  que  otra  persona  alguna  no  avya  entrado  dentro  fasta  quel  dicho 
biccnte  ahez  lo  dcscubríó  por  su  yndusirta  e  que  si  vino  con  cl  dicho  almirante  quando  dize  que  descubryó  a  parya  que  csie 
te^tigo  no  lo  sabe  c  que  sabt."  lo  que  dJcho  e  declarado  ticne  en  esia  pregunla  esie  le^tlgo  por  que  lo  vido  e  fué  con  cl  dicho 
bicenie  aflcz  a  descobrir  en  Ics  dichos  navios  c  que  desta  esto  sabe. 

i   /!  F.-itfban,  (1^15,  Patos)    dixo  que  la  sabe  como  en  cila  se  contienc  por  quel  \  L-a  con  dlego  de  Icpe 

«I  dicho  via[e  qu<-  =y  todo  uno  en  pos  de  otro  y  vlJo  csle  tcsiigo  la  dicha  Herra  quel  dicho  victnic  afiez  dC5Cubr>-ó  e 

que  al  dicho  lienpo  que  sc  descubrló  nlngund  Cristiano  ta  avia  descublerlo  salvo  el  dicho  vicente  yaf^ez  e  lo  sabe  por  que  lo 
vido  e  que  lo  demas  contenydo  cn  la  dicha  pregunta  este  tesligo  no  lo  sabe. 

Oarciã  Ferrando.  (1515,  Paios)  — dixo  que  lo  que  sabe  es  que  fué  con  el  dicho  bycente  yai\ez  cuando  sc  descubryó 
lo  cc  '?n  la  ct '  ■^  por  orden  de  su  alteza  c  que  vido  quel  dicho  biccnte  yaficz  descubrló  ta  costa  de  paria 

fasto  . .  i  :í  :ii  de  Sar. ,  .  .  ,  salló  cn  tierra  con  cantidad  dc  fu  jente  y  cuatro  escrívanos,  dc  cada  una  nao  cl  suyo,  de  su 
alirza.  e  corló  irboics  e  bebtõ  agua  él  c  su  gente  para  dar  le  a  su  alteza  y  senal  de  posysyon  flsyeron  cierlas  qruces  y 
pusycron  nonbre  ^Ili  donde  lomaron  esic  dia,  Rostro  hcrmoso.  cl  dia  que  la  dicha  tierra  se  dcsqubríó;  alii  cslovieron  dertos 
dias  e  se  parlicron  de  alli  tomando  I.1  bucita  dei  norue&lc  corríendo  la  costa  hasta  la  dicha  paria  e  que  de  alli,  deste  rosiro 
hcmoso,  se  filló  por  los  pilotos  avcr  setccicntas  e  dnqucnta  l«>guas  hasta  la  baya  de  paria  e  que  de  alll  corrieron  la  dicha 
buL-i(a  e  tocaron  en  un  seno  dc  dos  baxns,  cl  uno  de  la  parte  de  la  mar  y  il  otro  de  la  parte  de  Herra,  cerc;idos  por  la  parte 
delániera,  asy  mismo  dvl  dicho  t>axo  que  sc  ovieran  dc  perder  syno  lucra  por  Dios  e  por  un  marynero  que  subió  e  vido 
rcbrutar  los  dichos  baxos  por  delante  y  cntonces  viraran  tos  navios  lallandosc  perdidos  e  deshandar  lo  andado  para  salvar  la 
punTa  para  se  salv;ir  por  la  mar,  el  qual  seno  Ic  pusicron  norbre  la  boca  de  los  tcones,  c  de  alli  corrieron  su  derrota  todavia 
en  el  noruestc  derccho  a  la  paria  e  alli  tuparon  con  un  Rio  grande  el  qual  dezian  los  pilotos  que  3v:a  dc  alli  a  licrra  quarenta 
te^uas  e  alli  quando  loparon  con  este  Rio  avia  t«ys  brazas  de  agua  e  alll  tallando  esta  agua  dulce  tan  buena.  que  mcjor  no 
poJia  ser,  qul/yeron  lazer  una  mucslra  para  ver  sy  el  agua  dende  arriba  hasta  cl  fondo  era  toda  dulzc,  tomando  un  cscalfador 
uc  barbeto  e  faziendo  su  aítcHcio  que  no  se  pudicse  abrir  fasla  que  dlezc  cn  cl  fondo,  c  lallaron  que  dcnde  las  dos  brazas  e 
mirdia  lazia  el  fondo  era  lodo  talado  como  agua  de  la  mar  e  lo  resto  a  la  scys  braças  era  dulçe  c  que  alli  viendo  esta  agua 
I  ■'X  bacyaron  la  b»çy;a  de  agu.i  que  de  antes  trayan  c  echaron  e  lomaron  Ias  que  ovleron  menester  de  alll  para  bcguir 

:^  .  .  e  otro  dia  juntaronse  los  navios  c  acordaron  de  dar  la  vuviia  sobre  tierra  para  sy  pudiesen  saber  el  secreto  deste 
Ryo  e  que  llegaron  fasta  vista  de  Herra,  que  podia  avcr  ocho  léguas  fasta  la  Herra,  e  que  enesie  pasaie  donde  Ucgaron  no 
•via  sy  no  trcs  braças  dc  agua  e  la  tierra  arejada  c  de  alli  no  osaron  pasar  más  (dzia  tii'rra  por  la  bjxeza  de  I.1  Herra,  e  de 
■111  se  bolvieron  sygycndo  tu  viaje  para  paria  e  que  de  derto  nunca  avia  sydo  descuvierta  aquella  lycrra  nyn  onbre  ia  avya 

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os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ÁLVARES  CABRAL 


dcscubvcrto;  todo  to  que  este  tetttso  vfdo  i  vista  de  o)os  e  que  se  desqubryó  por  el  dicho  bvcenle  v'*^*'  *        *u  bucna 
vndustría  e  que  noit  vino  por  cl  dIcho  almirante  nyn  lo  vido  nv  el  dIcho  almyranle  al  dlcho  bvcente  yàRtt  en  lodo  e«''  '  r^o 
e  viaje  e  que  fue  lo  que  descubrló,  dende  quo  dicron  cn  Rosiro  fcnnobo,  que  fuC  ia  primera  liem,  (asta  la  paiya. 
V  cinquenta  ieguai  de  costa  segunl  dlcho  delos  pilotos,  que  lucrou  tuan  de  unb^^>a  e  juan  de  xerez  c  oiro  vezlno  de  tan  |uan 
dei  puerlo  queiie  tcstigo  no  se  aquerda  de  su  nonbre  e  que  desta  premunia  esto  labe. 

Ditgo  Fernandes  Colmenera,  (1515.  Paios)  -dixo  que  la  sabe,  que  «I  mlsmo  viaie  quei  dlcho  bicente  ynMi  im'  i 
descobryr.  este  lesiigo  Xvi  por  caplian  de  un  navio  delos  quci  dlcho  bicente  yifitz  llevava  e  que  tomaron  su  deRoia  deUs 
vslas  dei  cabo  verdi.-  dende  la  yiXt  dei  fuego  e  tueron  (asti  que  drscubfveron  la  liem  firme  e  desde  illy  vlnleton  costeando 
e  descubrícndo  dende  Rostro  liennoso,  que  iepudcron  al  liempo.  fasta  juntar  la  tlerra  con  la  paria,  en  que  ovo  ochocu-nias 
léguas  de  costa  dc  la  dicha  lierra  non  estava  dcscobycna  antes  c  qucl  dicho  blcc nic  v^hcz  v  csic  tesllfio  tomaron  Ia  poSY!>Von 
dt:  la  tierra  por  sus  altezas  e  cortaron  muchos  Ramos  de  los  Arbolet,  e  en  algunos  pryncipales  lugares  fadan  cruces  tn  seAal 
de  posysvon  e  ponicndo  otras  cruces  de  madcros  e  que  nunca  navegaron  conel  dicho  almirante  este  lestiqo  nv  el  dkh  <  iie 
yaflez  qucl  dlxo  que  descubria  a  U  paria  salvo  por  sv  e  por  sus  yndusthas  c  savcr  c  que  p^ra  lo  laccr  cl  dlcho  vii:<  <.*2 
y  esle  lesligo  v       Quc  conel  yvan  c  que  desta  esto  ube. 

t  Arias  Peres,  (1515,  Paios)  — <Uxo  que  sabe  este  tesilgo  lo  conlenydo  por  quel  es  sobryno  de  vicenie  v*ft«  • 
lue  por  capilan  dc  uno  dc  los  navios  en  este  dlcho  vlaie  e  que  es  asy  como  cn  Ia  dIcha  presunta  se  contiene  c  qup  non 
navegaron  con  el  dlcho  almirante  e  que  se  descubryo  Io  susodlcho  por  su  buena  yndustrva  e  saber  quei  dicho  vycenti  aftci  y 
tstc  lestigo  sabyan  de  las  cosas  de  U  mar  Io  qual  dcscubrycron  por  servir  a  su  alteza  a  su  costa  y  misyon. 

Si  siben  que  Diego  de  Lepe  y  los  que  comi  lutron  oiro  víaje  descubríeron  desde  l.i  dicha  pàrla  O  costa 
que  buetve  fazia  el  mediodia  o  el  sur  parte  el  termino  que  agera  esiá  descubitrto,  porque  antes  ny  despues  el  almirante  nl 
otras  personãs  no  han  ydo  a  descubrir  en  aqueltas  partes  e  qucl  dicho  Dtego  de  Lepe  nunca  navegó  conel  dicho  almirante 
en  nin^und  i/ia/e. 

@  Andrí  de  Morales,  piloto.  (1513.  S.  Domingo)  -  dixo,  que  Diego  de  Lcp*  descubrló  aquclla  costa  al  sudueste. 
e  que  dcspucs  lue  otro  quossc  deiia  Alonso  Velez  e  descubrtó  dosdc  el  cabo  de  Cruz  a  U  parte  dei  medlo  dia  todo  Io  que 
esta  descubierto.  e  quel  almyranle  no  fue  ally  segund  es  público  y  notório. 

®  Alonso  de  Mofeda,  (1513,  S.  Domingo)  -  dlxo,  que  U  save.  porque  los  vyó  yr  a  descubrir  el  dlcho  viaje,  y  le 
vyó  volver  a  dar  quenla  a  «us  Altezas,  e  vyó  Ia  ligura  que  truxeron  dei  viaje  que  avlan  hccho. 

0  Anton  Garcia,  piloto,  (1513,  S.  Domingo)  -  dixo.  que  cl  dicho  Diego  dc  Lepe  e  este  lestigo  e  Vyccnte  Afltz  e 
otros.  salyeron  junios  en  cl  tienpo  qucl  dicho  Diego  de  Lepe  lue  a  díscubrir.  e  que  este  tesllgo  e  los  que  con  el  yvan.  que 
heran  Luy»  Guerra  e  Alonso  Velez.  Ilcgaron  a  Io  conieny^o  en  la  dicha  prcgunla.  y  loi  dichos  Diego  de  Lepe  e  Vicente  Aflez 
quedaron  mas  trascros  a  la  vanda  dcl  norte,  e  quesio  es  lo  que  save,  porque  Io  vydo,  c  que  antes  desto  no  crehe  este  t.  srigo 
quei  dicho  almyranle  ry  otra  pprsona  ally  uviesc  Uegado,  porque  los  yndlos  no  tenyan  memoria  dc  aver  visto  chrislianos  e  se 
maravyltavan  mucho  de  lo  que  vvlan. 

^   Pt:!-     ■    '  piloto  dtl  Rey  nucilro  scnor.  (1513.  S<villa)  -  dixo.  que  al  llenpo  que  Diego  de  Lepe  fuá 

i  descubrir  vido  v-y  nãos  y  Ia  gcnic  que  con  cl  yían,  é  Ia»  vido  bolvcr  i  «la  dbdad  de  Sevilla,  salvo  al  dlcho 

Diego  de  Lepe.  que  no  vino.  é  que  los  que  con  el  lucron  truxcron  U  figura  de  to  que  descubrló.  que  dezian  que  hera  desde 
la  d'cha  punta  cortcnida  de  suso,  lisia  la  costa  que  bucive  ai  mcdlo  dia.  é  questo  no  lo  vido  este  tesllgo  porquel  almirante 
don  Cristoval  Colon  no  anduv/o  esta  lierra  ny  U  dcscubrió,  e  que  lo  que  dL-smbrieron  los  dichos  Diego  dc  Lepe  é  su  compaflia. 
lo  Iruxeron  por  fee  é  Icfitimonio  é  esta  pucsto  cn  el  padron  Real. 

@  luan  Rodriguez,  piloto,  (I5I3.  SevilU) -dlxo,  que  este  tesligo  lu<  con  Diego  de  Lepe  al  tienpo  que  fuif  ■ 
descubrir  por  mandado  de  sus  Altezas,  é  vido  qucl  dicho  Diego  dc  Lepe  é  su  conpaflia  descubrieron  desde  el  cabo  de  Sant 
Augustin  'fasta  Paria  toda  la  costa  syguiendo,  que  es  seysdentas  léguas  dc  Herra  lirmc.  cn  que  enira  cn  esto  el  Rio  Grande  y 
cl  Marafió,  è  donde  esta  en  ia  mar  cl  agua  duiçe.  i  que  í  esto  el  almirante  ny  oira»  personãs  no  fueron  i  lo  descubrir,  salvo 
Vicente  Afies  6  Diego  de  Lepe. 

â  Bartolomé  Roldan,  piloto.  (1513.  S.  Domingo)  -  dixo.  que  lo  que  sabe  es  que  Vicente  Afies  fué  i  descubrir 
mes  é  médio  ó  dos  meses  antes  que  Diego  di-  Lepe.  í  despues  lu^  el  dlcho  Die<jo  de  Lepe.  en  cuya  conpartia  yva  este  icsHgo 
f«r  Díloto  é  que  sabe  que  enionces  descubrio  d  dicho  Die^o  dc  Lepe  al  soducstc  dc  Obo-Vcrdc  é  que  entró  en  el  Wo 
orande  Mr  el  qual  subio  sctenis  léguas  el  rio  adentro,  é  dio  U  buelta  por  U  costa  de  U  mar  hazia  cl  ponlente  hasta  liegar 
á  Pari^  é  que  Vicenie  Afies  ilegó  en  aqucl  viaje  entre  Paria  í  cl  Rio  grande,  que  abla  descubierto  Diego  de  Lepe.  é  esle 
teslioo  oasó  por  ia  costa,  hasta  Paria,  é  dixo  este  lestigo  que  hasta  enionces  no  sabe  que  ninguna  persona  lo  ovlcse 
descubierto  porque  al  liempo  quel  dicho  Diego  de  Lepe.  y  este  lestigo  é  Us  otras  personas  que  yban  con  ellos  en  aquei 
vUie  des  q«c  ilcgaron  en  U  tiem.  la  gente  delia  se  maraviiUvan  de  los  ver.  porque  paresda  que  antes  no  avian  visto 
a  otros  cristianos. 


211 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


®  Juêtt  de  Xerez  (isn.  S  Dominflo)- dixo.  que  lo  que  lo  sabe  es  que  il  tlenpo  que  Diego  de  Lepe  se  pirtlo 
dellji  vilU  de  Palo9  para  yr  al  dicho  vi.i|e,  esle  tetKgo  estava  presto  asy  mesmo  pjra  yr  á  descubrír  con  Vicente  ARe»,  é  quci 
dicho  Diego  de  Lepe  Oegó  al  Rio  grande,  t  de  aUJ  corrio  la  costa  hasta  PaHa.  é  de  alli  vlno  i  la  ysla  de  Sant  )uan  é  se  fué 
1  Cattllla.  <  que  este  testtgo  é  los  que  yban  en  su  conpaftla  con  el  dicho  Vicente  Afies  descubríeron  de  la  punta  de  Santa 
Crua  hasta  Parla,  por  la  costa  adclanie,  í  que  dcspucs  desto.  dende  á  qoalro  ó  dnco  meses  quesle  testigo  partio.  Alonso 
Vt)M  4  Luys  Quem  se  parMeron  de  Sevilla  é  lueron  i  descubrír  lo  en  esta  pregunla  conlenldo,  é  descubríeron  desde  Ia 
punta  de  Sanda  Crui,  á  la  vanda  dei  Sur.  hasta  el  termino  que  agora  esla  descubierlo,  é  que  ante  nl  despues,  el  Almirante 
nv  oira  pcrsona  abla  llegado  alll,  porque  nunca  hasla  cntonces  estava  ascntado  en  ninguna  carta  de  navegar,  é  que  lo  sabe 
por  lo  que  dicho  ticne. 

Pedro  de  Medel.  (1513,  S.  Domingo)  -  dlxo,  que  lo  sabe  segund  que  en  ella  sc  condene,  porque  lo  ^do  por 
sus  proplos  ojos.  por  queste  testigo  lué  en  conpaAla  dei  dicho  Diego  de  Lepe. 

t  Pedro  de  Medel,  (ISI3,  Paios)  — dlxo  que  la  sabe  por  que  fué  presonalmente  con  el  dicho  diego  de  lepe  a 
descobrir  e  vido  que  descubryó  por  su  yndustría  e  saber  lo  contcnydo  en  la  dlcha  pregunla  antes  que  persona  descubr^ese 
aquella  costa  e  que  este  testigo  Ic  vido  tomar  posysyon  de  la  lierra  por  su  alteza  e  que  en  seftal  de  posysyon  cortar  arboies 
c  lazer  en  aigunos  arboies  unas  grandes  cruses.  todo  por  cl  Rey  e  Reyna  de  caslilla  e  que  sabe  que  no  lué  con  et  aicho 
almirante  »  descobrir  la  dicha  tiem  llrme  salvo  por  su  buen  saber  e  el  dicho  diego  de  lepe  y  dclos  que  con  él  yban  e  que 
desta  pregunta  esto  sabe  e  que  lo  ube  por  que  lo  vido  a  vista  de  o|os. 

&  Pedro  Sanchez  dei  Céstillo.  piloto,  (1513,  S.  Domingo)— dixo,  que  lo  que  sabe  es  que  este  testigo  !ué  i 
descubrír  por  piloto  con  Diego  de  Lepe  á  la  tierra  llrme  é  llegaron  i  la  punia  que  se  dize  de  Santa  Cruz.  al  Sur  ó  al 
Mediodia  como  en  la  pregunla  se  contiene,  é  la  sabe  por  queste  testigo  yba  en  cl  dicho  viaje  con  cl  dicho  Diego  dc  Lepe,  por 
piloto  en  oira  nio  que  yba  en  conserva  dei  dicho  Diego  de  Lepe,  é  lo  navegó  t  vido  por  sus  propios  oios.  é  que  i  Io  quél 
cree.  que  antes  que  ellos  nlnguna  persona  de  cristlanos  abla  llegado  alli,  porque  eilos  nunca  vieron  ny  hallaron  seAal  de 
cristunos  en  la  dicha  tierra. 

Alonso  Rodriguez  de  la  Calva.  (1515.  Sevilha)  —  dtxo  que  lo  que  sabe  es  que  este  testigo  e  otros  vezinos  de  la 
vllla  de  paios  tueron  en  conpaAla  de  dicho  diego  de  lepe  e  partieron  dende  las  vsl^s  de  Cabo  verde  en  dos  navios,  dei  uno 
delos  qualcs  hera  capllan  cl  dicho  dicço  de  Icpr.  e  ilcvaron  la  via  dei  sudoeste  quinientas  léguas  poco  mis  o  menos  fasta 
que  llegaron  a  la  liem  a  una  baya  que  este  testigo  e  los  otros  que  yban  juntos  Ic  pusieron  nonbrc  san  julian,  e  en  la  dicha 
baya  e  lierra  que  dicho  ha  no  hayaron  lenguas  ningunas,  e  de  alll  corrleron  contra  el  ponlenle  tasta  llcgar  al  Rio  de  maraflon. 
Ia  qual  tiem  vido  este  testigo  que  descubrió  el  dicho  diego  de  lepe  la  costa  dc  luengo  fasta  que  llegaron  a  paria  e  des  que 
llegaron  a  paria  tomaron  en  la  isla  dc  pana  clertos  yndios,  los  cuales  el  dicho  diego  de  Icpc  lru:;o  en  los  navios  e  los 
cntregó  al  seftor  ob|spo  don  juan  de  fonscca  cn  esta  dbdad  de  sevilla.  e  que  sabe  este  testigo  que  la  dicha  tiem  lasta  paria 
como  dicho  ha,  quel  dicho  diego  de  lepe  descubrió,  otra  persona  nlnguna  fasta  entonces  no  la  avfa  descubicrto  ny  ydo  a  ella, 
c  que  lo  sabe  por  queste  testigo  yba  por  reccbtor  de  sus  altezas  cl  dicho  viaje,  c  sy  otra  persona  obiera  ydo  á  descubrír 
aquella  liem  este  Icsilgo  lo  supicra.  por  que  la  dicha  tiem  este  testigo  e  el  dicho  diego  de  lepe  e  los  otros  que  lueron  cl 
dicho  viaje  pusyeron  marcas  en  la  tyem  por  sus  altezas  e  por  que  nynguno  podia  yr  a  descubrír  tín  mandado  de  su  alteza  e 
questo  es  asy  publico  y  dedo  e  lo  que  sabe  dc  esta  pregunla. 

Juan  Oontales,  portoguez.  (ISIS.  Paios) -dlxo  que  la  sabe  como  se  contiene  porque  tue  con  el  dicho  diego  de 
lepe  el  dicho  viaje,  sabe  que  descubrió  la  vuelta  dei  levante  salldo  dei  Rio  grande  hasta  oiro  Rio  que  cs  en  la  costa  que  se 
dize  el  dicho  Rio  santa  Catalina  que  ay  más  dc  Irecyentas  léguas  c  que  sabe  quel  dicho  diego  de  lepe  por  su  yndustría  e 
•aber  descubrió  lo  contenydo  en  la  dlcha  pregunla  syn  yr  con  el  almirante  don  crístcval  cólon  e  que  sabe  lo  contenido  porque 
«e  (aló  presenie  que  lué  con  el  dicho  diego  de  lepe  como  dicho  tiene. 

ftian  Calvo,  (1515.  Paios)  -  dlxo  que  la  sabe  como  en  ella  se  contiene  por  quel  dicho  diego  de  Irpe  conlenydo 
ycndo  solo  a  descobrir  pasó  adeUnic  dcl  Ryo  grande  c  descubryó  la  dlcha  lierra  contenida  en  la  dicha  pregunla  segund  que 
en  ella  se  conivcnc,  por  su  ynduslrva,  e  que  nunca  navegó  yendo  a  descobrir  con  el  dicho  almirant  nyngunt  via|e  c  que  eslo 
lo  sabe  por  que  estaba  este  testigo  en  e)  Ryo  grande  con  el  dicho  bicente  afíez  e  lo  vido  a  vista  de  ojos. 

Gareía  de  lã  Monja  (1515,  Paios)  -  dlxo  que  la  sabe  como  en  la  dlcha  pregunla  se  contiene  por  que  fué  con  el 
dicho  diego  de  lepe.  a  descobrir  e  fué  y  es  como  en  la  dlcha  pregunta  se  contiene  porque  este  testigo  como  dicho  tlene  fué 
con  el  dicho  diego  de  lepe  c  lo  vido  a  vista  de  ojos. 

henando  Esteban  (tSI5,  Paios)  — dicho  que  sabe  que  ycndo  en  conpafila  dei  dicho  diego  de  lepe  a  descobrir 
el  dicho  diego  de  lepe  yendo  por  sy  solo  y  con  su  yndustria  descubrió  tiem  la  qual  nunca  se  avia  descubierlo  e  este  testigo 
vido  como  el  dicho  diego  de  lepe  lomó  la  posysyon  por  cl  Rey  e  Reyna  de  Castilla  e  que  en  sehal  de  posysyon  cortaba 
ramos  de  los  irboles  y  en  clertos  irboles  prindpales  flzo  cruzes  e  que  nunca  el  dicho  diego  de  lepc  navegó  con  el  dicho 
almirante  nyngund  viaje  salvo  por  su  bucna  yndusiria  descubryó  lo  contenido  en  la  dicha  pregunla  e  que  este  testigo  se  falló 
con  el  dicho  diego  de  lepe,  contenydoyen  la  dlcha  pregunta,  a  todo  ello  e  lo  vido  a  vista  dc  ojos  e  que  desta  tanto  sabe. 

^  Oarcia  Ferrando.  (1515,  Paios)  —  dixo  que  sabe  quel  dicho  diego  de  lepe  fué  a  descobrir  por  su  parle  e  ilegó 
al  río  dc  marafion  donde  rccybieron  mucha  afronta  de  los  yndios  segunt  este  testigo  oyó  dezir  aios  dcl  dicho  diego  de  lepe 
c  que  dclo  demis  conlenldo  que  descubrió  el  dicho  diego  dc  lepe  este  testygo  non  lo  sabe,  pero  que  sabe  que  quando 


212 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


e1  dicho  dlego  dc  lepe  íu*  a  descobrir  non  fueron  cl  dicho  jlmlrante.  salvo  con  lu  ynduttrii  e  Mber  y  dMpovmoa 
que  pan  ello  leni*,  que  áéiU  etto  ubc. 

Crísfabãl  GATcia.  (isis,  Pilos)  -  dixo  que  Ij  sabe  como  enella  se  conifene  por  que  luc  con  el  dicho  dlego  dc  l«p« 
•  dcftcobryr  e  que  wauyendo  *1  dicho  vlijc  lomaron  tua  dcrota  tirsde  la  ysla  dol  tucflo  de  cabo  verde  e  lueron  corriendo  eu 
cl  ftudoesle  e  dende  en  qualrocienias  léguas  lalUron  lyem  e  dii*ron  «n  la  punta  dei  eftte  e  de  ayi  fueron  dMCubrIendo 
d  dicho  dleflo  de  lepe  por  »u  ynduttria  e  saber  por  la  cosia  dc  luengo  (asia  parya  e  enuvleron  en  marafton  c  ally  lebantaron 
al  dicho  dlcgo  de  Icpo  dcbcubrydor  oncc  onbres  e  que  lo  deioibricron  por  U  co&tA  de  luengo  que  nadle  lo  avia  desqublerio 
c  que  todo  lo  que  descubrtó  benlan  tomando  la  poscsyon  por  el  Rey  e  Reyiu  de  castilla  dende  cl  Rio  de  un  |uUan  e  qu« 
cn  serial  de  posysyon  lazLa  cruces  e  bs  porya  rn  los  arboles  e  corlaba  e  I  '>  *>!  como  escribir  tu  nombra 

en  un  arbol,  que  agora  cstan  escriplos,  el  qual  aibol  era  muy  aipanlable  dt-     .  '  '      '  inlsmo  Rio  de  un  lulian.  c  que 

etio  sabe  e  lo  sabe  por  que  lo  vido  el  quel  dicho  dlego  de  Icpe  non  navegó  con  el  dicho  ilmlrante  don  cristoval  cólon  tino 
por  sy  y  con  tu  gente  por  tu  sibcr  e  yndustria  e  que  désia  tanto  sabe. 

^  Diego  Fernindez  Coimcntro,  (1514,  Paios)— dijco  que  vido  este  lesUgo  yr  a  descobrir  al  dJcho  dlego  de  tepa 
e  que  dcicubrió  cn  la  ticrra  firtne  a  la  parle  dcl  mcdlo  dia  a  do  dlzen  maraflon  e  que  intet  díl  natllc  descubrió  en  aqueUat 
parles;  prcgunlado  como  lo  sabe,  dixo  que  por  que  lo  vido  yr  a  dcscubryr  c  supo  dc  U  cnbajada  que  Iruxo  el  dicho  dicQO  dc 
lepe  e  que  lo  demás  contenydo  en  la  dlcha  pregunta  que  lo  non  sabe. 

Luis  dei  VéUe.  (1515.  PaIos)-dixo  que  lo  que  tabc  es  quel  dicho  dlego  dc  lepe  fue  a  descobrir  y  csle  tesUgo 
fuc  con  el  dicho  viaje  e  lomaron  su  derrota  des  la  yíla  dei  luego  iunto  con  cl  cabo  verde  e  corrlcron  al  «uduestc  lasta  que 
lallaron  la  Herra  e  que  dieron  en  Rostro  hcrmoso.  c  alli  salto  cl  dicho  capilan  dlego  de  lepe  c  tomó  posysyon  por  tut  alteias 
e  que  nadie  avia  ydo  ny  dcscublcrto  en  aquellas  partet  e  dc  alU  corriô  la  costa  lesle  uetie  tegund  to  conllene  en  la  dlcha 
pregunta  c  lucron  adobnle  a  la  navidad  donde  tomaron  clerla  gente  c  arduvferon  e  descubrleron  mas  dc  «cleclenlas  léguas 
tegund  que  los  pilotes  dccian,  e  que  lucron  a  dar  al  Rio  grande  que  le  liama  maraíton  e  dc  alll  lueron  á  dar  i  la  parla  e 
que  sabe  esic  testlgo  quel  dicho  dlego  de  lepe  no  navegó  conct  dicho  almirante  e  que  lo  dcscubryó  en  ia  tlerra  llrme  que 
dicho  por  su  yndustrta  y  Mber  lo  descubrió  por  sus  alteras;  prcfluntaJo  como  lo  sabe  dyxo  que  por  que  lo  vido  a  vista  de 
dos  e  lo  ayudò  a  descobrfr  e  que  asy  es  publico  e  notório  e  que  desta  c^to  sabe. 

Arias  Perez,  (1515.  Paios)- dixo  que  sabe  que  lo  contenido  cn  la  dlcha  pregunta  descubrleron  (randsco  vclet 
comendador  veilno  de  moguer  e  que  lo  descubrleron  al  lienpo  que  este  icstigo  avia  vcnldo  de  descubryr  su  vlale  •  que  por 
Ia  ynlomiasion  que  dél  ovieron  lucron  adelantc.  doblaran  la  punta  dc  san  aguslin.  e  fueron  a  la  buella  dcl  sur  «  detqubryeron 
ta  costa,  por  su  yndusiria  c  saber  c  (ue  asy  como  cn  ta  dlcha  pregunta  tc  coniiene:  prcgunlado  como  la  sabe  dIxo  que  por 
quel  dicho  frandsco  velez  ynlomio  a  este  lestigo  c  le  dio  razon  dclo  dcsqubterto  que  avfa  el  descobierlo  e  que  olra  pcisona 
lasla  entonces  no  lo  avia  descoblcrto  e  que  lo  sabe  por  que  tanbien  le  mostro  Ia  Herra  que  traya  debuxada  e  junlandola  con 
este  tcsilgo  e  Io  que  abia  descubierio  cs  asy  como  en  cl  dicho  articulo  sc  conllene  e  que  lo  que  diíc  dc  dlego  Icpe  que  cl 
desqubrio,  el  dicho  diego  de  lepe  dcsqubryo  en  U  misma  cosia  que  ettc  tesllgo  y  vlcenlyaneí  ablan  dcKublerto  e  que  dc 
cata  tanto  sabe  ('). 

&j>  Si  sjtfen  que  despues  desto  el  atmirante  fué  a  descobrir  e  descubrió  una  parte  de  la  tyerra  que  agora 
Itaman  Veragua  e  que  de  alli  se  bolvió  s  la  Etpafíclã. 

&  AndT*  de  ÍAorales.  pllolo  (1513.  S.  Domingo)  dixo.  ques  verdad  lo  en  e»ia  premunia  conlcnydo.  porque  esle 
testlgo  eslavT  en  esla  y^la  en  el  puerto  de  Santo  Domingo  al  lienpo  quel  AImyrantc  fue  a  Veragua  y  que  de  aUy  se  volvld. 

«   luan  de  Xerez,  piloto.  (1513.  S.  Domingo)-  dixo.  que  la  sabe  tegund  que  en  ella  se  contiene  porque  al  Ucnpo 
quel  Almlranie  íué  a  dcscubrir  la  posirera  vez.  este  rcs.igo  estava  cn  Sevilla  i  to  vido  partir  é  '^"P^ 
3«cubrir  al  dicho  Almirante  i  csla  ysla  Espahola.  *  de  ay  se  fué  a  Cast.lla.  i  este  testi.o  con  íl.  í  Ic  oy6  d.zi   lo  contenido 
en  la  dicha  provinda,  é  lo  vido  despues  asenlado  en  la  carta  de  navegar  quel  dicho  Almirante  hizo  en  aquel  viaje. 

Pedro  de  Ledisma.  piloto  dei  Rey  nuestro  eehor.  (1513.  Sevilla)  -  dixo.  queste  i.  >  .u.  ton  .-1  dicho  don 
Cristoval  Colon  por  capilan  é  piloto  dC  la  náo  Viicayna  quando  lué  el  vla,c  contenido  en  esu  pu^u.Uu.  c  wJo  quel  dld..) 
Cristoval  coion  por  cap>         v  ^        .dclanle  dei  mar  oceano  en  demanda  de  la 

Z  de  Sam  lin  é  í  i^t  iron  .  «lio^on  1  ticrra.  é  de  alil  lueron  S  la  ysIa  Etpanola.  é  de  alJl  i  la  ysla  de  0-mayca  é  de 
ysU  de  Sant  *  "''  P  ^       ^  es  en  la  licrra  lirme.  é  doze  léguas  antes  que  hallascn  la  ticrra  linne 

ílroTr  y"a  en  la  m"  que  sí"  ze  Ouanasa  en  Icngua  de  yndlos.  U  qual  puso  cl  almirante  la  ysU  de  Pinos,  t  taltaron 
In  ella  en  tlc^a  í  p  !.i^tón  en  cila  con  un  schor  que  se  dezla  Vnube.  i  que  de  alll  travcsaron  las.a  la  Herra  Ifrme  que  se 
H?.  í.r«  d?S?u«  en  "flua  dc  yndlos,  é  que  dc  ali.  corrieron  la  cosia  adclan.e  cn  el  «ie  oeste,  lasta  un  cabo  que  le  ^so 
^rí  ^ho  don  Crisloví^  cl  cabo  de  Grada»  í  Dios.  é  que  dc  ay  boMcron  á  la  misma  costa  por  suduesle  i  sc 
por  nombre  ^^^j^^^J  ^  p,„i„,on  é  ovieron  cierto  rescatc  de  oro  é  ies  dk-ron  nucvaa  que  avia 

ÍÍ^^ToJlndrad^e^q  e  se^"c.^^^  ^        de  alii.  de  Cahay.  tomaron  un  honbre  prindpal  por  gula  qu.  «>  de,ia 


com  a 

lenham  ntSa 
4a  a*|iorinc(iio 


„   .o.         fciiiiiMiifci  M  UMrtif («"  WiiBot  «em  o  ttmtniatm  Aionae  Vi 


qu*  04  primei  toa 


213 


HISTÓRIA  DA  COLONMZAÇAO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Cucaro.  nuc  lo»  llevo  i  U  provindi  de  Caraburo,  é  alll  entraron  en  unol  puertoi  bueno»  que  «III  ay  é  wllcron  ochentj 
canoai  com  mucho  oro.  é  no  quito  reciblr  nlnguna  cosa  è  levanio  las  naos  é  Mtlo  en  la  mar.  é  que  de  alli  íueron  á  o(ra 
provinda  que  sc  dezia  Caliba.  é  alll  eslava  un  cadque  que  tenta  un  bmo  quemado  é  la  cara.  que  te  deila  de  Cadqoe 
Quemado,  é  quetic  defíndlo  la  tierra.  é  que  dc  alli  lueron  á  otra  provinda  que  se  dezla  Urirl  é  illi  le»  dieron  noventa 
marcos  oro  por  Ire»  ili  -.^'  r^  de  cascaveles.  *  de  ay  íueron  al  Rio  de  Veragua  é  alll  hordenó  el  dicho  don  Crisioval  dc  hazer 
un  pucblo  í  que  quc^:  cl  AdcUntado  don  Bartolome  Colon  con  dento  é  veynle  onbres.  v  el  pueblo  fecho  é  concertado, 

tf  el  dldio  don  Crisloval  que  «  queria  venlr  i  la  EspaAola,  lo»  yndio»  se  altersron  en  ver  lomar  posvsyon  de  su  Herra,  é  que 
vendo  do»  barcas  el  rio  arriba  dei  dlcho  Veragua,  loa  vndios  se  alçaron  conir.i  la  gt^nie  c  no  escapó  »vno  un  honbre  dellos.  tf 
que  de  alll  el  almirante  sc  levantõ  con  dos  nao».  tf  de  alli  fueron  por  la  dicha  costa  fasta  otro  puerto  que  te  dize  dcl  Retrete, 
tf  alll  estuvieron  surtos  dcrios  dias  tf  se  alteraron  los  smdios  e  pclearon  con  lot  crttlianos  e  malaron  mucho»  vndios.  tf  de 
alH  »e  Mlícndo  por  la  dicha  cosia  dei  dlcho  puerto  dcl  Retrete,  obra  de  quinie  Icfluas  antes  que  llegaíen  al  golfo  de  Urava 
nl  a  Darien,  tallaron  unas  v«l*»  baicas  junlo  con  la  Herra  firme,  obra  de  una  légua  en  la  mar.  v  esta»  vslas  heran  deipobladas, 
tf  pararon  alll  tf  estuvleron  una  noche.  tf  puso  por  nombre  el  dicho  Almirante  a  eslas  vsla*  Ia*  Barva»,  tf  que  dc  alli,  porque 
le»  faltavan  los  baslimenlos  é  las  nios  eslav^n  comidas  dc  bruma  c  la  gente  desfalledda,  deilos  muertos.  dt-lios  dolienles. 
acordaron  el  Almirante  e  sus  capilanes  tf  pilotos  dc  tomar  caminho  de  la  Espaftola,  é  de  alll  bolvicron  i  la  Espaftola,  tf  no 
pasaron  adclanle  de  tas  dichas  Barbas,  v  lomaron  el  altura  dollas  en  treie  grados  tf  médio,  é  que  no  lomaron  í  la  Espaflola, 
•alvo  i  la  yita  de  Cuba,  de  manera  que  i-n  este  dlctio  viaje  no  dcscubrío  et  dicho  Almirante  salvo  desde  Quanasa  f.tsta  las 
dichas  yslas  que  diien  Barbas,  tf  no  descubríó  i  cl  Oarien  ny  Veragua.  nl  allegó  a  ello,  porquesle  testlgo  anduvo  en  todo 
esic  llenpo  cun  el  dicho  almirante  tf  no  sc  quilo  de  su  conpaAla. 

0  Pedro  de  Medel  (ISIS,  Paios)— diNO  que  sabe  quci  dicho  almirante  tué  a  descubrir  e  de^cubryó  parle  de  la 
tlerra  firme  que  llaman  veragua  por  que  to  vido  yr  este  lestigo  al  dlcho  almirante  el  dicho  viaje  e  lo  vido  venyr  e  lo  supo 
dcio»  qiw  conel  yvan  e  fueron  e  que  desta  tanto  sabe  e  que  «abe  que  se  bolvyá  á  la  espaftola. 

IO.*   Si  ssbi-n  .ji..-  di^pM^s  ..'  '    "iffK  f  Jaan  de  Solis  fueron  »  descubrir  por  mandado  de  Su 

Alteza,  ê  descubrieron  adtljnte  de  U  .',  j  todo  lo  que  hasta  hoy  esta  descubierto,  en  la  qual  el  dicho 

almirante  ao  tocó  ni  descubrió  costa  alguna,  lo  qual  descubrieron  por  su  yndusiria  y  saber  e  que  'odo  lo  que  los  susodichos 
deuabrieroa  es  apartado  delo  qual  almirante  descubrió  por  mucha  cantydad. 

Pedro  de  Ledesma,  piloto  dei  Rey  nuestro  scilor,  (IS13.  Sevilla)  -  dlxo,  questc  testlgo  futf  en  conpaHia  dc  Vlccnle 
AAet  tf  luin  de  Solis  por  mandado  dc  su  Alteia,  tf  vido  quel  dicho  Vicente  AAes  tf  luan  dc  Solis  descubriercn  adelante  de  la 
llena  de  Veragua  A  una  parte  á  la  via  dei  norte  todo  to  que  fasta  oy  está  ganado,  desde  la  ysla  de  Oualasa  fasta  el  noite,  tf 
que  en  estis  tlerraa  te  llaman  Chavaftln  tf  Plntlgua,  tf  allegaron  por  la  via  dei  norte  fasta  veynic  tf  trcs  grados  tf  médio,  tf  que 
en  cato  no  anduvo  el  dicho  don  Crísioval  Colon  ny  lo  descubrió  ny  lo  vido. 

Vicente  Valiez  Pinson,  (lSt3,  Sevilla)  —  dlxo.  que  esle  tesligo  é  )uan  de  Solis  fueron  por  mandado  de  sus  AItez.is 
tf  descubríeron  toda  la  Herra  que  fasta  oy  c<>la  descubierta,  de-íde  la  ysla  de  Ouanaxa  fasta  la  província  d..-  Cimaronn:  y^ndo 
b  cotia  dc  luengo  lasya  el  oriente  está  otra  provinda  que  sc  Uama  Chabaftin  tf  Plntlgua.  que  descubrioLi  este  icstigo  tf  ^u^n 
de  Solis,  tf  que  asi  mlsmo  drscubricron  yendo  la  costa  de  luengo,  una  grand  baya  que  le  pusleron  la  Qran  baya  de  ta  Navidad. 
tf  que  de  alll  descubrió  este  lestigo  las  syeiras  dc  Carya  é  otras  llerras  dcmas  adelantc,  tf  que  á  eslas  provindas  nunca  el 
dicho  don  Cr^stoval  Colon  ny  otro  por  el  llego. 

IS.*  Si  saben  que  enel  dicho  viaje  fuá  el  dicho  Martin  Alonso  (Plnzon)  como  persona  principal  por  capit-in  de 
uno  de  sus  dos  navios  e  sus  hermanos  de  los  otros  dos  e  que  corrieron  desde  la  ysla  dei  hierro  en  el  uesto  ochocitnias 
léguas  c  que  eneste  limpo  doscientãs  léguas  .1nl^s  el  dicho  almirante  se  hazia  con  la  tierra  e  no  sabia  ya  donde  yr  e  desque 
vido  que  no  íaltava  tiegise  al  navio  de  Martin  Alonso  y  le  di\o  que  le  parecia  que  fisyescn,  que  ya  doscientãs  léguas  avian 
andado  demasiado  delo  qual  pensaba  e  ya  avlan  de  at/er  Itegado  ala  tierra. 

Arias  Perez.  (1515,  Patos) -dlxo  que  lo  sabe  como  enel  articulo  sc  conticne;  prcgunlado  como  Io  sabe  dixo  esle 
Icsiigo  que  por  que  vido  partir  de  aqui  ai  dlcho  mariin  atonto  su  padre  como  capitan  principal  con  sus  ermanos  por  capitane» 
dctos  otro»  navios  e  que  tab'  rrieron  de  la  ysla  dei  Ucrro  enel  uesle.  quesie  tfstigo  non  fue  conello^,  pêro  despues 

vlnyeron  a  portar  a  galycya  y  u  .  i  ,iigu  vcnya  de  flandes  c  sc  falló  con  todos  en  un  dia  enel  puerto  de  bayona  e  dc  ally  de 
los  dei  navio  de  su  padre  este  testlgo  les  oyó  dízlr  muchas  vezes  en  general  a^uello  que  sc  conticne  cn  el  dicho  artlqult?  e 
que  por  lo  tusodicho  lo  sabe. 


PRODANZAS  DEL  ALMIRANTE 
0.«   Si  saben  e  han  noticia  de  la  província  nombtaáa  Paria  é  Urabá  e  el  Darien  4  Veragua. 

Juan  de  Xerez,  piloto.  (IM2,  S.  Domingo) -  dixo  que  tiene  notida  de  las  prouyndas  contenydas  en  la  dicha 
pregunla:  dc  la  provynda  de  Paria  por  que  ha  estado  en  eth  al  ticnpo  que  fue  Vice.ite  Aftcs  Plnçon  a  descobrir  la  primera 
vez.  c  que  dc  las  otra»  prcgunlas  tlene  notida  de  oydas,  que  lo  ha  oydo  dezir  a  pilotos  e  marine-os  que  han  estado  en 
aquellas  parlet. 

T.»   Que  díchjs  provinciís  son  en  una  misma  tierra  e  costa  de  mar,  y  commummente  se  llaman  Tferra  fírme. 

214 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


%  DItgo  Prieto,  (ISIS.  Paloa) -  dixo.  qu«  ub«  que  una  vez  Xni  a  descobrir  con  Vlccnle  Valtct,  pucde  avcr 
decyscys  o  desysete  afto».  avkndo  dcsqublerto  quinicnias  o  tevsiefl'»»  léguas  con  llccnda  e  mandado  de  «us  «lleut.  vinkron 
a  parar  a  Paria  e  que  '         .1  este  Ictllgo  que  lodo  era  •  e  que  alll  vénia  un  onbre  en  ol  navio  que  ae  Uamava 

Diego  Marrln  Pyrçon  ij  10  o  marinero  e  aquel  oyó  df.     ■       :    tlso  que  podria  aver  un  afto  que  avia  ydo  por  alll  con 

•I  almiranle.  e  desqubrió  aquella  tierra  al  dlctio  almirante,  que  ea  Paria,  e  que  deryan  que  era  Uerra  llrme.  e  que  avia  mucho 
oro  e  aljotar,  e  que  ly  alli  lueien  que  les  faria  Dio»  niucha»  mercedes.  donde  dNo  el  dicho  Diego  Marlin  Pinçon,  e  que  dava 
muy  pacifica»  las  genfes.  c  quando  el  dIcho  almirante  alll  Ilefló,  e  como  vido  que  avia  oro  e  aljof  w  que  no  quiso  lacer  mis 
que  tomar  quatro  o  cinco  ntRoa  el  dlcho  almirante  para  saber  la  lengua  y  cl  secreto  de  la  tierra  e  se  h]«,  t  que  de  esta 
prequnta  esto  sabe. 

0   Garcia  Atonto,  (1514,  5.  Dominqo)  ~  dlxo,  que  sabe  este  teallgo  quel  dlcho  Almiranle  don  Crlstoval  Colon  tue 
i  descubrir  a  Las  partes  de  la  Herra  lln^.'  ligo  no  lue  all.í         '  '?s,  que  deilan  que  avia  descublerto  a 

Paria  e  que  vido  al  dlcho  AIn  irante  cn  €■>  :   1.  e  que  despur        -  kl'  V.iAez,  vecino  de  Mogucr.  botvlo  por 

mandado  dei  Rey  e  de  la  Reyna  nue«tro9  SeAorrs  1  descubrir  U  dicha  tierra  firme,  e  queste  tesligo  fue  con  cl  dlcho  Vicente 
Vaflez  el  dlcho  viajf.  e  que  uno  de  los  capítulos  quel  dicho  Vicente  Vallcz  Hpvava  >  -  1  nsltucdon  para  el  dlcho  viajo,  hera 
que  no  tocase  cn  Farii  ní  en  nyrãuna  de  las  litrras  quel  dicho  Almiranle  avia  di  j,  e  que  a  oydo  decir  que  todas  ai 

provindas  conlenidas  cn  esta  presunta  son  en  una  costa. 

S.»  Que  el  almirante  don  Cristobal  Colon  descubrià  la  provinda  de  Parla,  que  es  et  principio  é  la  primeva  de 
las  provindas  que  en  aqudia  tierra,  que  dicea  firme,  fué  descubierta  ànles  que  algun  Cristiano  Itobieae  ido  i  la  dicha  tierra, 
ni  tuviese  delia  noticie. 

^   Juan  de  Xerez,  piloto,  (1512.  S.  Domingo)- dixo,  que  sabe  lo  conlenido  cn  b  diciu  pregunta.  Preguntado 

como  Io  sabe,  dixo  que  por  que  no  ■  a  figurado  de  antes  en  nynguna  carta  de  marear,  e  por  la  figura  que  dcllo  liio  el 

dlcho  almyrantc.  vinyeiido  alH  en  l  Paria  este  tcstrgo  con  oiro  plloio  que  avii  estado  alll  con  el  almyranlc  don  CHsioval 

Colon,  que  se  dccia  Juan  Quintero,  c  por  que  cuando  alia  vln>eron,  lo»  yndígs  nonbravan  al  dlcho  '  •,  e  queslonces 

vinycron  con  VIccntlaftcs  Pinçon.  Preguntado  como  lo  sabe  que  antes  no  cstovicse  la  dlclu  provyncla  ti^,,,ji.i  cn  otras  carta» 
de  marcar,  dixo  que  po»  que  nunca  csle  tesiljo  vydo  llgurada  la  dicha  provynda  pueslo  que  ovicsc  vlaio  antes  otras 
carias  como  piloto  que  es. 

13,«  Que  par  haber  el  dictto  almirante  principiado  el  descubrir,  e  por  la  industria  que  dió  en  bailar  las  dichas 
Islas  é  provinda  de  Pãna.  se  h.m  algunas  personjs  pueslo  é  pusieron  en  dcfcubrir  mas  tierra  en  la  dicha  tierra  ■  firme,  asi 
que  loa  dichos  descubrídores,  á  imitacion  dei  dlcho  almiranle  t*  por  su  indusiru,  é  por  lo  que  dd  aprendieron  en  tos  dichos 
viagcs  que  con  el  hícieron,  dcxcubrieron  todo  lo  que  descubrieron  segund  paresce  Mofeda,  Vicente  Valiet,  Juan  de  la  Cosa, 
Cristobal  Ouerra,  Bastidas  y  otras  muchas  personas. 

®  Alonso  Rodriguez  de  La  Calva,  (1515.  Paios) -dixo,  que  Io  que  aabe  drtU  pregunta  ei  que  este  leatlgo  lué 
a  descobrir  con  Diogo  de  Lepe  cl  Ryo  de  Maraflon  c  toda  la  tierra  fasta  la  pArtc  de  las  perlas  pfir  '.Máo  de  sua  alteia,  y 
que  va  cslavan  di^icobiertiis  la  Paria,  c  todo  era  una  costa,  por  que  sy  lu^^ron  lo»  dcscubriii  ucnldos  en  la  dicha 

pregunta  por  la  yndustria  dei  dlcho  almiranle  don  Cristoval  Colon  este  lestigo  no  lo  sabe  pcro  sabe  que  era  el  dlcho  almirante 
de  los  mas  sábios  onbres  de  la  mar  c  dei  descobrir  e  que  nunca  se  falló  en  el  mundo  e  que  esio  sabe  por  que  Io  vido  v  ca 
publiw  e  notório  que  se  tallã  presente  al  dicho  dcscobnr  dei  Maraflon  c  que  di-ila  esto  aabe,  elc 

®  O.irff',1  Alonso,  (1514,  S.  Domingo)- dixo,  que  no  la  sabe  -  !■  quando  el  dkho  Vicente  Vaftez  lue  a 
descubrir  por  la  via  de  Cabo  Verde  c  por  olra  derrota  e  quando  cre^-cron  qu,  n  cn  derccho  dc  Paria,  dixo  que  adcUnte 

avia  de  pasar,  e  que  pasaron  adelanic  de  Paria  mas  de  quslrodenta»  léguas  por  la  dicha  Herra  firme. 

0  Juan  de  Valenda.  (1514.  S.  Domingo)  -  dixo.  que  crec  que  por  ser  cl  Almirante  el  primero  que  descubrío  U 
Herra  de  Paria,  que  fue  d  que  dio  cabsa  que  se  dcícubricse  lo  demas.  e  que  por  aquíllo  descubrieron  adelanto  los  oiros  que 
descubrieron  porquci  ,0  que  dcscubrio  aquctia  tierra      r  -  •        ,■  ••  :,ir.inte  don  Cristoval  Colon,  c  que  despucs  de 

descLbIcrto  *se  fue  a  .         .  e  alia  se  supo  como  avia  tierra  •ron  .ilgunos  armadores  e  vlnieron  e  llegaron 

a  la  dicha  llerra  de  Paria  c  pasaron  adclarle,  e  que  lo  sabe  po.quc  Htdro  A.on40  Nli^o  armo  para  alll  e  lo  vido  bolver,  c  lo 
oyú  asi  dezlr  a  el  e  a  oiros  muchos. 

Que  en  todos  loi  viages,  que  algunos  di 

'  i   <<to  con  el  dicho  a'.-;.     ■    ,  ■   >,  ' 

aisuna^  imoi/rd  muehas  cosas  de  marinerias,  v  dios,  sígulendo  aquello  quet  dicho  almirante 

"iThabia  mostrado  é  la  dicha  induslrta  é  saber  dd  dicho  almiranle  tas  aprendlan  e  aprendieron. 

ffl  Rodríao  Alvarez.  (1514.  S.  Domingo)  -  dlxo,  que  no  sabe  desta  pregunta  ma*  de  quanto  al  tienpo  que  Vicente 
Vaflez  lue  a  descubrir  que  lueron  con  el  algunos  marinero»  de  lo»  que  lucron  primero  con  el  dkho  Almirante^  Pregunlado 
quf  marineros  Iu™ron  dixo.  que  Diego  Maritn  Pinçon  e  un  h,io  suyo  que  se  dezla  Dartolomé  Wartln  c  o.ro  Arias  Pinçon. 
dtfunles.  e  oiro»  que  al  prrtcnic  ro  se  acuerda. 

ffi  Pedro  Sanchez  dd  Castillo.  pHolo  (1513.  S.  Domingo)  ~  dixo,  que  Io  que  sabr  c»  que  este  tcsilgo  vino 
a  descubrir  ^r  piloto  a  la  tierra  íirme  con  Diego  de  Lepe.  c  que  en  cl  dlcho  viaie  venlan  dos  pilotos  c  un  maealre  que  avian 

215 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


vcnido  a  descubrir  la  dfchi  liem  flnne  con  el  Almirante  don  Criitoval  Colon  al  llenpo  que  descubrió  i  Paria,  lo»  quales  se 
1'amaban  Andres  OarcU  Oaldin.  maeslre  de  U  nao  en  que  avia  venido  el  dicho  Almirante,  e  asy  mismo  vénia  entonces 
por  maeslre  en  la  n.io  que  por  pllo^o,  e  quel  uno  de  los  pilotos  se  llami  Darlolome  Roldan  que  asy  mismo 

aviA  venido  por  piloto  en  I3  ji  ^  .  .  no  el  dicho  Almir-inte,  e  que  el  oiro  te  dezla  Martin  de  Arcos,  vezino  dc  Moguer,  e 
que  aiv  mismo  avia  venido  a  descubrir  con  el  dicho  Almirante,  no  sabe  sy  avia  venido  por  piloto,  e  questo  es  lo  que  sabe 
destas  provindas,  so  cargo  dei  dicho  juramento  que  fecho  a^. 

)uan  de  Xmt.  piloto,  (1512.  S.  Domingo)  -  dlxo.  que  sibe  que  en  los  viajes  que  fizieron  Alonso  de  Hoieda  c 
Crialovat  n  >  ^  Viceyntlaftea  e  Diego  de  Lepe  e  Rodrigo  de  iíjslidas.  (ueron  con  ellos  personas  que  avyan  venydo 
primerai  n  el  díctio  almyranie  don  Criaioval  Colon  quando  andovo  por  estas  ys\»*,  por  quesle  tcstigo  vydo  que  Pero 

Alonso  Nino  vino  con  el  dicho  almyranie.  e  dcspucs  fue  por  piloto  con  Cri&toval  Guerra  a  descobrir  el  primero  viaje  que  fizo 
con  cl  dicho  CHstoval  Guerra  a  Paria  c  al  golfo  de  las  Perlas,  qucs  en  Ia  tlcrra  firme,  e  que  vydo  que  Juan  de  la  Cosa, 
pUoto,  vyno  con  cl  dicho  aimyrante  e  despues  íue  a  descobrir  con  Alonso  dc  Hojeda  a  Urabi,  e  con  Vlceynlial\es,  que  luc  a 
descobrir,  fue  luan  dc  Umbrla  e  Juan  Quintero  e  este  testtgo,  que  son  pilotos,  e  avian  wnydo  con  cl  dicho  almyranlt?,  e  que 
asi  mismo  vido  como  Bartolome  Roldan,  que  vyno  por  piloto  dei  dicho  almyranle  quando  descubrio  á  Paria,  tomo  despues 
por  pUoio  con  Diego  dc  Lcpe  quando  luc  a  descubrir  la  dicha  Herra  firme,  e  que  vido  que  con  Rodrigo  de  Bastidas  vinyeron 
por  pilotos  Juan  dc  la  Cosa  e  Morales,  que  antes  avyan  venydo  a  descobrir  con  el  dicho  aimyrante  e  despues  los  vydo  venir 
con  los  sobre  dichot. 

t  Bjricfomé  0,irciã  Ginoirs,  (1512,  S.  Domingo)—  dixo,  que  lo  que  delia  sabe  es  que  Gonçalo  de  Vedya,  difunto 
ttíí  ■  descobrir  con  cl  aimyrante  quando  tuí  este  tesllgo  y  que  sabe  que  despues  vino  a  descobrir  con  Diego  de  Lepe,  c  que 
asy  mysmo  sabe  que  un  Dartolomé  Roldin.  piloto,  que  lué  con  cl  aimyrante,  vino  despues  a  descobrir,  con  el  dicho  Diego 
de  Lepe,  e  que  Andres  Garcia  Valdin,  macstre  que  vino  con  el  aimyrante  al  tienpo  quesle  tcstigo.  y  despues  vino  con  Diego 
de  Lepe  y  quesle  testlgo  aiy  niysmo  íxií  con  el  dicho  D.ego  de  Lepe.  que  era  este  tcstigo  su  criado  quando  fué  a  descobrir, 
e  que  al  tienpo  que  boK^an  para  Castilla  el  dicho  Diego  de  Lepe  locó  en  Paria. 

t  Jtcome  Ginoves,  (1512.  S.  Domingo)-  dixo,  que  sabe  que  al  tienpo  que  lue  a  descobrir  Alonso  de  Hojeda,  fue 
con  él  Bartolome  Roldan,  e  Juan  Vizcayno  lue  con  )uan  de  la  Cosa.  Pregunlado  como  lo  sabe,  d'xo  que  por  que  vido  venir 
a  Darlolome  Roldan  quando  vyno  Hojeda  de  tierra  Fyrme  e  se  le  perdlo  la  caravela  cn  Vaquimo.  e  oyo  dezír  que  fue  al  dicho 
]uan  \/l(cayno,  e  quel  dicho  tUrtoiome  Roldan  es  piloto  c  sabe  que  fue  con  el  dicho  almyranle  por  que  este  testlgo  le  vido 
yr  con  el  quando  se  descubrio  Paria  e  oyo  dezlr  que  avia  venydo  con  el  dicho  aimyrante  cl  dicho  Juan  Viscayno. 


APÊNDICE  C 

VIAGENS  DE  Nlf^O  COM  GUERRA,  DE  HOJEDA  E  DE  BASTIDAS  COM  LA  COSA 

No  decurso  dèste  trabalho  carecemos  de  recorrer  a  datas  relativas  às  viagens  de  Pero  Alonso  Nifio  e 
Cristobal  Guerra,  de  Alonso  de  Hojeda  e  de  Rodrigo  de  Bastidas  com  ]uan  de  la  Cosa. 

Sao  desconhecidas  as  capitulações  dos  dois  primeiros.  Sabc-se  porím,  da  resposta  de  NIcoIao  Perez  ao  interro- 
patório  do  fiscal  (3,-  pregunta,  no  apêndice  D),  que  partiram  cm  H99  pouco  depois  de  Hojeda  na  sua  primeira  expedição. 
Isto  e,  durante  a  primavera  (»);  levaram  consigo  uma  única  caravela  {'•). 

Quanto  ao  regresso.  Mártir  no  8.0  livro  da  Década  I  informa  ter-se  dado  61  dias  depois  da  partida  de  Curiana 
que  loi  a  6  de  levereiro  dc  IMO;  d^onde  se  segue  que  «les  estavam  de  volta  em  6  de  abril,  visto  o  ano  ser  bisexto  ("X  Os 
depoimentos  das  Proòjnzjs  concordam  com  os  cronistas  cm  que  fundearam  em  Dayona  da  Galiza;  aliás  tal  consta  de  um 
diploma  ofidal. 

E-  de  presumir  que  nSo  tardasMm  em  prestar  contas  dos  brilhantes  resultados  da  sua  excursão  ao  bispo  D  Juan 
Zr*T^  *'"J'  ««perintendia  nos  negócios  da  índia  e  os  dcspachára;  o  piloto  Juan  de  Unbria  diz-nos  com  efeito  que  Guerra 
c  Niflo  foram  dei.-chos  a  Sevilha  (resposta  i  4,.  preg.  do  liscal).  )i  a  20  de  maio  mandavam  os  reis  católicos  investigar  das 
fraudes  comendas  pelos  mirinhciros  de  Gu.-rra,  que  sonegaram  ao  quinto  régio  as  pérolas  e  ouro  trazidas  dos  rcscales;  e  os 
donlBlss  contam  que  NIflo  esteve  preso  durante  algum  tempo,  sob  a  suspeita  dc  igual  procedimento.  Este»  lados  são  poste- 


n<au  cM>b*l«cida  na  parle  Ifilliuteda  A  viagem  d*  Hvjfda  tm  ijcw. 
ItavwTvIe,  op  cit  lomo  III.  iloc.  IV.  pAg  m 


I-)   raavwTvIe,  op  cit  lomo  III.  iloc.  IV.  «Ag  TB, 


216 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


riorM  i  prctliçio  de  conus  que  deve  ter-se  reaBiado  antes  d<  flntk)  o  més  de  maio.  rn«a  com  certeu  aniea  de  qiutn 
meses  decorridos,  islo  <,  antes  dos  melado»  de  agosto  («). 

Da  primeira  vlaiem  de  Hoicda  Rcou  assegurado  no  lexto  que  lanio  a  parttda  como  o  regresso  ttvtnm  higar  na 
primavera,  de  1499  e  liOO.  vejamos  «gora  as  reslanles. 

O  valoroso  lldalgo  castelhano,  assim  que  chegou,  mostrou  empenho  em  partir  de  novo,  a-pcsar  ou  por  causa  do 
pequeno  proveito  lírado  da  sua  primeira  aventura. 

Umj  cana  regia  de  28  de  lulho  de  IMO  ao  bispo  de  Córdova  o  atesta,  e  o  alio  lundonirío  efeclivamenie  mandou 
lavrar  o  ãsiento,  cu|a  data  desconhecemos,  sabendo-se  somcnie  da  sua  conlinnaçlo  em  S  de  junho  de  1501  (").  A  necessidade 
desta  (ormalldade  dá  a  entender  que  nas  capitulações  primitivas  se  seguiu  o  costume  de  fixar  praio  para  a  salda  de  navios, 
«•pesar  do  díplonu  de  confirma(Ao  nio  o  mencionar;  em  compensa-lo.  dli-se  que  os  navios  conhentldos  eram  em  número 
de  dez.  A  dificuldade  dc  tretar  tantos  bircos  e  recrutar  as  tripulações  (")  explica  sulldentemenic  o  grande  inlervaki  entre  a 
carta  régia  e  a  partida,  que  só  se  cleciuou  em  lanelro  de  1502  (").  com  quatro  navios  apenas. 

Harrisse  convenceu -se.  nlo  percebemos  por  que  aric.  da  existência  de  mais  uma  viagem  de  Hojeda.  intercalada 
entre  I5O0  e  1501  (■■}.  Alega  o  douto  americanisia  que  a  escritura  dc  confirmação  em  1501,  menciona  estã  vtãgt  que  tuisiti 
à  àescutfrir  na  qual  leve  poco  provtclio.  mas  a  verdade  i  que  ela  cila  as  capitulações  primitivas  do  ano  anterior;  a  viagem 
cm  queslio  é  a  terminada  cm  1500,  nem  se  conlirou  um  nsitnto  \Á  caduco,  pela  execuçJo  do  nélt  projectado.  Harrisse  podia 
ler  citado  o  depoimento  de  Hojeda  <resposia  à  6.*  preguntj  do  (lacal)  em  abdno  de  sua  opinllo;  mas  a  análise  delida  dtic 
mostra  que  a  critica  de  Navarrete  é  fundada  (")  sendo  inexacta  e  contraditória  a  declaração  testemunhal. 

N3o  nos  interessam  as  peripécias  desta  expediçlo.  mas  apenas  averiguar  quando  ela  terminou.  Hojeda  voltando 
dos  seus  falsos  descobrimentos- pois  su  esteve  em  reglóes  ji  conhecidas  chegou  i  Hispanlola  em  setembro  de  1503,  prteo 
a  ordem  de  teus  compartes  Vergira  e  Ocampo,  scguindo-se  um  longo  pleito,  iniciado  na  Ilha  e  terminado  na  metrópole  em 
fevereiro  de  1504  com  a  absolvição  de  Hojeda.  A  pnmcira  sentença  prolcrida  na  Htspaniola  cm  4  dc  maio  de  1503  V'k 
nunda-o  i  /*  merctd  de  Sus  Alleess...  en  un  nãvio  de  los  que  affora  quieren  partir  ('•),  donde  se  conclui  que  foi  debaixo 
de  prisão  até  Espanhi,  onde  n3o  podia  ter  chegado  senJio  nos  fins  de  junho,  o  mais  cedo.  Éle  apelou  desde  logo  da  decisio. 
anies  de  partir,  e  conseguiu  sentença  absolutória  que  lhe  toi  lida  em  Alcali  de  Henares.  a  8  de  novembro  de  1503,  decJa- 
rando-o  tibre  é  quiio;  a  5  de  fevereiro  de  1504  se  lhe  passou  a  carta  executória.  Assim,  Hojeda  esteve  ausente  dc  Espanha 
desde  janeiro  de  I50l  até  hm  de  lunho  de  1503. 

Em  30  de  setambro  de  1504  obteve  o  capitio  castelhano  carta  patente  para  sua  terceira  viagem  que  ainda 
nio  tinha  sido  começada  em  29  dc  novembro  porque  dessa  data  existe  um  diploma  oficial  de  fiança  prestada  pelo 
cumprimento  de  certos  encargos.  Parece  que  partiu  nos  pnnaplos  de  1505,  ignoranJo-sc  quando  voltou. 

nnalmcntc,  a  sua  quarta  expediçlo  com  ]uan  de  l«  Cosa  partíu  da  Hispanlola  cm  10  ou  12  de  novembro 
de  1509  ("X  pois  Hojeda  eslava  na  ilha  desde  150*.  pelo  menos,  e  não  tomou  a  Espanha,  morrendo  em  1515  ou  1516. 

Diremos,  em  último  lugsr,  da  viagem  empreendida  por  Rodrigo  de  Bastidas  com  ]uan  de  la  Cosa,  pllúto  • 
cartógrafo.  O  escrivão  de  Triana  (Sevilha).  lendo  capitulado  em  5  de  junho  de  1500  larpou  de  Espanha  meses  mais  tarde 
com  dois  navios.  Herrero  diz  que  Isio  aconteceu  em  laneiro  de  ISOI  (»»).  sem  duvida  porque  o  seu  gula  Las  Casas  se  Indína 
a  que  a  partida  se  tivesse  realizado  al  principio  dei  ãho  (");  mas  o  bispo  de  Chispa  esqueccu-se  de  preguntar  a  Daslldas 
a  data,  e  erra  no  ano  em  que  llx«  a  viagem.  Andrés  Bematdes.  cronista  a  quem  se  devem  alguns  escassos  esclaredmenios 
sóbrc  csla  expedição,  diz  que  a  sua  duraçSo  lol  de  23  meses  (*);  ora  sabc-se  que  o  regresso  foi  a  5  de  setembro  de  1502, 
o  que  indica  a  partida  em  outubro  de  1500. 

Bastidas  descobriu  fraW  e  W  Oanen.  e  loi  até  Puerto  de  Escribtnos.  no  Panamá;  dal  lelroccdeu  ã  Jamaica 
c  Hispaniola.  aonde  chegou  em  prindplos  de  1502  (")  para  perder  seus  navios.  |á  por  tempestade,  já  pelo  lerrivcl  verme  que 
os  cspanhocs  chamavam  broma  e  nós  bnmã  ou  breano  {''■y 

Acusado  de  várias  irregularidades,  Instaurou-sc-lhc  processo,  do  qual  se  veio  lustificar  a  Espanha,  vindo  na  mesma 
armada  em  que  se  recolhia  Dobadiiha.  O  ex-govemador  pereceu,  com  multa  gente,  em  naufrágio,  mas  o  escrlvjo  salvou-se, 
«portando  a  5  de  Setembro;  a  sentença  absolutória  loi-lhc  lida  em  3  de  dezembro  de  1503.  Náo  consta  doutra  viagem  de 
descobrimenio  de  Bastidas,  ma»  apenas  de  algumas  excursóe*  Inidadas  na  HlspanioU. 


iM  N.w.rr>i«  á\:  -    ^  ■           ao  Ubro  rf*  (iMiWMi  ;w«  Ir  é  ãtttubnr.  tallicntc  «a  Cata  ér  CoAlralútum  dr  SwIIIm.  qi«  «O  ano  IMD 

Ou«r.  .  NIAo  í*i«~^S  ^  "^''tãrlt  ""P"^*^ 

(i..   Navanrt-  ,,n<,t.ji  t-u«n«  «' O^tMíO  «•  Pof1*i«*l  intWiM-no»  «tw  ot  cnatinhaÉio»  %*  miwtravam  avittos  a  Ho>id*  (NairarNl* 

«p.  <lt.  lomo  II  '  ,  „, 


Hiaonm. 


,  ÍA  <to  Iwno  H.  doe  aCXJCIIt 


217 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


APÊNDICE  D 

IndKumo.  *q«l  .udni-mcni.  os  ciloilos  c«|c.$  resultado»  vSo  no  le«to.  Era  vez  de  '«"Oj""""»».  "P6"'«  « 
drniUre.  peto.  mo.l^í.  seguintes.  Cm  prlme-ro  lugar,  se  Im^gmamos  a  par^r  dum  ponio  no  hemisfério  "orle  um. 
teiodfo^  e  um  .KO  de  circulo  mínimo,  com  o  mesmo  rum.  Inicial  SO  ou  SSO.  a  pnmelra  «ti  semprt;  ao  norle  do 
Xndo  Dando  o  mesmo  comprimenlo  i.  duas  curvas,  o  extrémo  da  loxcdroml.  é  sempre  mais  boreal  que  o  da  drcu lar 
ISin  arco  de  droilo  mlximo  entre  dois  pomo.  *  mais  curlo  que  qualquer  outro  l.açado  enl«  *le.  na  esfera.  Estes  pactos 
dc  avor^m  a  nossa  tese.  e  tomam  a.  condus*..  tanto  mais  segura.  Em  .egundo  lugar,  se  P  nzon  «-"'^J  ,^6'* 
com  o  me«no  rumo  magnético,  descreveu  apenas  uma  loxodromia  aparente,  porque  a  linha  norte-sul  da  agulha  tem  direcção 
variivel  com  os  lugaret.  Caminhando  para  o  oddcnie.  esta  linha  desanda  pauUtInamenie  para  o  noroeste  de  soric  que  «ndo 
constantes  os  rumo.  deduzido,  da  búsMla,  os  verdadeiros  se  lomam  gradualmente  de  menor  ângulo  com  o  meridiano. 
A  ràla  em  vti  de  lo«odrómica.  aproxima-se  bastante  dum  drculo  máximo,  no  qual  o  ângulo  de  rumo  vai  decrescendo;  e  os 
cilculos  SC  faiem  com  ma.»  vantagem  por  meio  de  triângulo,  esféricos.  Contudo  damos  também  o.  resultados  a  que  conduzem 
loxodromias.  seívindo-no.  dos  cilculo.  Iclio.  pelo  sr.  Antonio  Pais.  capitâo-tencnie  da  marinha  português*. 

I  •  aieulo  da  UUfadf  do  entrémo  d»  róta  de  300  léçuas.  No  triângulo  esférico  pólo  icrrcstre-Santiago-eicIrémo 
da  róia  conheccm..e  a  colalitude  de  Santiago  75».  o  ailmule  da  nSla  «fio.  «  a  sua  ententío  MO  léguas  16»  13';  a  Utilude 
)5e<lMlda  é  3«ll  44"  N.  A  loxodromla  condut  a  3«33'  N. 

1»  Cikulo  da  extensão  da  róta  pelo  sudoeste  necessária  à  total  ocultação  da  polar.  No  triângulo  esférico  pólo 
lerreih^Sanltaflo  exirémo  da  róta  conhecem-se  Irés  elementos:  colalitude  de  Santiago  75«»:  colatltude  do  ponto  lermi- 
lul   93*M  ;  «ímule  da  róta   46*:  *  extenUo  procurada  é  26"   481  léguas.  A  loxodromla  alonga  se  a  493  légua.. 

3  o  aiculo  das  coordenadas  geográficas  do  eMÍrêmo  da  ráta  de  335  léguas  pelo  rumo  sudoeste.  No  triângulo 
esférico  pólo  "terrestre  Santlago-extrémo  da  róta  .lo  dados  a  colalilude  de  Santiago  75o.  o  azimute  da  lóta  45o  e  a  sua 
exienslo  335  léguas  I8»6  ;  a  latitude  do  extremo  é  1*56  16  N.  A  diferença  de  longitude  para  Santiago  é  12041  52'  . 
clmpUI.cada  cm  12042,  e  como  a  longitude  da  ilha  é  de  23O30"  O.  Oreenwich.  a  do  ponto  termiijil  da  róta  será  de  36oia'. 
A  loKOdromIa  Irás  consigo  2»  17  N  de  Ulitudc  e  36«2S  de  longitude  O.  Qreen. 

4,0  Determina(io  do  tempo  de  visibilidade  da  polar  na  latitude  dg  /o 56  ,  a  20  de  Janeiro  de  tSOO.  Para  isto 
tomam-M  neceuirio.  algun.  cálculos  prévios. 

a)  Cálculo  da  ascençâo  rtcta  do  Sol  no  dia  20  de  Janeiro  de  1500.  às  7  horas  da  tarde,  no  lugar  de  latitude 
l'U  N.  e  longitude  36»  12 ,  O.  Oreenw.  Esta  ascençâo  recta  era  de  3l2o,22  á  mela  noite  de  Greenwich,  naquele  dia. 
tendo  I0O.6  a  variaçáo  horária  da  coordenada  equatorial  solar.  No  lugar,  cuja  longitude  era  de  36o  12'  o.  Oreenw..  o  ângulo 
horário  do  Sol  ás  7«'  da  tarde  (tempo  verdadeiro)  era  105".  e  ésie  Instante  precedia  a  meia  noite  em  Greenwich  de  180°- 
1060-36012  3804Í  2h35";  corre.pondc-lhe  pois  a  correcção  subtractiva  Qo\\  na  a.cenç3o  recta  do  Sol.  que  se  converte 
aMhn  cm  312o,  1|. 

b)  Cálculo  do  ângulo  horário  e  altura  da  polar  is  7  horas  da  tarde  do  dia  20  de  Janeiro  de  1500,  no  lugar  de 
latitude  I0  56N  e  longitude  36^12'  O.  Oreenu/.  Sendo  como  acabámos  de  ver  312o  l!  a  ascençâo  recta  do  Sol  nessa  hora 
c  3*76  a  da  polar,  o  ângulo  dos  meridianos  celestes  dos  dois  astros  era  de  5lo,65  e,  como  o  ângulo  horário  do  Sol  era  105o; 
condulmos  para  o  da  polar  53o,35,  Com  éstc  valor  entramos  no  triângulo  esférico  pólo  celeste  zénite  do  lugar-  estrtla  polar, 
de  que  sâo  dados  mais  dol.  elementos:  distânda  ao  pólo  da  estrtMa  3o25  e  colatltude  do  lugar  S8o4  ;  donde  se  lira  para  a 
altura  verdadeira  da  polar  3ose'l2  ,  sendo  superior  a  4°  a  altura  aparente  provocada  pela  refracçSo. 

c)  Cálculo  do  ângulo  horário  da  polar  quando  no  horizonte  aparente  e  na  latitude  l«S6'  N.  No  Irilngulo 
esférico  pólo  celeste  tenite  do  lugar  estréla  polar  conhecem-se  a  colatltude  do  lugar  &804  ,  a  distância  polar  da  estréla  3o25' 
e  a  sua  distânda  zenltal   90o  1-refracçáo  hontontal  média   90o25':  dedui-se  para  ângulo  horário  da  estréla  133o. 43. 

Os  resultados  de  c)  e  b)  mostram  que  o  Intervalo  de  visibilidade  da  polar  na  data.  hora  e  local  indicados  (ol 
de  133043   530,35   80o,os  reduzido,  a  lempo.  isto  é.  5'>20. 

6.»  Cálculo  da  latitude  austral  em  gue  se  ocultava  totalmente  a  polar  ao  anoitecer  de  20  de  Janeiro  de  ISOO, 
fiara  longitude  compreendida  entre  as  ilhas  de  Santiago  e  de  Trindade.  (27o  e  60o  o.  Greenw.)  Procedendo  como  anterior- 
mente cm  a)  vé-se  que  ás  7  hora.  da  tarde  a  ascençâo  recta  do  Sol  era  nestas  duas  longitudes  exirémas  respectivamente 
3120.07  e  3l2o,i8;  seguindo  o  caminho  Iraçado  em  b)  acha-se  para  Ângulo  horário  da  polar  53o.3l  e  53o. 42.  No  triângulo 
Mférico  pólo  celeste  -  zénite  do  lugar  estréla  no  horizonte,  conhece-se  a  distância  polar  desta  3o25,  a  distânda  zenltal  da 
«tlréla  90o25  e  o  ângulo  horário  compreendido  entre  53o31  e  53o42;  deduz-se  dal  a  latitude  aproximada  de  2o28' S. 
Abstraindo  da  refracçlo  leremos  para  latitude  2o2  . 

6.0  Cálculo  da  extenslo  da  róta  pelo  sudoeste  até  à  latitude  austral  2o2 .  No  triângulo  pólo  terrestre— Santiago— 
extremo  da  róta  tio  dados  a  colatltude  de  Santiago  75o,  t  do  exirémo  da  róta  92o2  e  o  azimute  déle  45o;  deduz-s«  para 
o  trajecto  230,54   435  légua..  A  loxodromia  eleva-o  a  446. 

7.0   Cálculo  da  latitude  da  rÓta  de  300  léguas  pelo  rumo  susudoeste.  No  triângulo  esférico  pólo  terrestre— San- 
lUgo  -extrémo  da  róta  conhecemos  esta   300  léguas    16o  13 ,  o  seu  azimute   22o30'  c  a  colatltude  de  Santiago   75o;  dedu- 
para  o  ponto  terminal  a  latitude  O02  24  '  S.  Com  a  loxodromia  deduzíamos  O02  N. 

1.0   Cálculo  da  latitude  e  longitude  do  extrimo  da  róta  de  324  léguas  pelo  rumo  susudoeste.  Substituindo  oe 


218 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


triingulo  precedente  a  extentlo  da  r4ta  por  324  téguM  ~  17*  X'  49",  obtetnoi  para  latitude  do  cxtrCmo  l«  H'  W  S.  t  para 

a  diferença  de  longitude  dé\t  e  de  Sintiago  6«  37 .  donde  t«  Infere  para  lonaltude  do  extrímo  »•  7 .  Com  a  kmodromla 
chegavamot  a  2o,3S  N.  de  latitude  c  de  longitude  O.  Qreenw. 

9.  «  Cálevh  da  attun  âparente  tfa  pofêr  is  7  horaã  da  lardt  át  30  dt  faneiro  rf*  ISOO  no  lugar  de  lalitudt 
/•  iS'  S.  •  longitude  30»  7'  O.  Orrenw.  A  ascencio  rtcla  do  aol  no  Initanie  e  lugar  é  3I3<>,09:  o  ângulo  doa  merldUnoa 
celeste»  díite  asiro  e  da  polar  monta  a  Sl».67.  e  o  inguto  horirio  d*>te  a  M».33-  No  triinguk»  ealírlco  pólo  celeste -tcnitt 
do  lugar  eitréla  t3o  dados:  colatllude  do  lugar  91<>  15'.  dlslinda  do  pólo  i  esiríl»  3"  25  e  Ingulo  horirio  deala  iio^O. 
concluímos  para  altura  verdadeira  da  polar  47   28  ".  sendo  a  aparente  delermlnada  pela  relracçlo  pouco  superior  a  !•  U . 

10.  »  Cálculo  do  tempo  de  visibilidade,  em  qualquer  época  do  ano,  da  polar  nas  latitudes  de  /•  tO'  Mel»  10'  N. 
No  Iri&ngulo  esférico  pólo  celeste-zenile  do  lugir  esiríla  conhecem-ie:  distância  polar  da  estréla  3*  24'.  a  dlslinda 
zenilal  90»  +  relracçio  horiionlal  média  «X»  25'  e  colalHude  do  tugar  880  50  ;  dcdut-te  para  o  ângulo  horirio  da  estréla 
no  momento  do  ocaso  117»  35  38  .  Como  a  diferença  entre  as  hora»  do  ocaso  «  amanhecer  da  estréla  é  o  dôbro  do 
suplemento  para  1W«  do  seu  Ingulo  horirio.  reduzido  a  tempo,  achamoa  essa  diferença  Igual  aí  h.  16™;  e  sendo  a  duraçlo 
da  noite  de  10.5  horas  pelo  menos  a  cstrèla  é  visível  maU  de  2  hora»,  ao  anoitecer  ou  de  madrugada,  no  lugar  de  latitude 
boreal  1«10'.  Para  o  de  latitude  boreal  2o  10  deduz-se  analogamente  a  visibilidade  por  etpa(o  de  5  hora*. 


APÊNDICE  E 

Extractos  de  cronistas  espanhóis  relaliuos  à  primeira  viagem  de  Vicente  Valdez  Plnzon. 

GONZALO  FERNANDES  OE  OVIEDO 

Da  Retacion  summaha  de  la  Historia  Natural  de  las  índias,  compuesta  y  dirigida  al  Etnperador 
Carlos  V  por  el  capifan  Oomah  Fernandes  de  Oviedo,  transcrila  em  Historiadores  primitivos  de  lãS 
índias  Occidentaes,  de  André  Gonzalez  Darcia. 

Pero  Isto  nl  otro  de  los  <iue  yo  he  visto,  nl  oldo.  ni  leldo  hasta  agora  no  se  Iguala  con  el  rio  Marafton.  que  et  a 
I.  «,rt*  Hoi  h.«nie  en  la  misma  cosia.  el  qual  tiene  en  la  boca.  quando  entra  en  la  mar.  quarenta  léguas,  I  mia  de  otra» 
amas  dcn  J  e      a   e  «rag^a  dul«  de'el  dicho  rio.  Esto  yo  oy  mucha.  vezes  dcdr  al  piloto  Vfcente  Vanc.  P.nçon  qu. 
antas  '  '*         '^^^^        vido  este  rio  Marafton  é  entró  por  el  con  una  caravela  ma.  de  veinte  léguas,  é  halló  en 

fmXs  Was  Vfl"  es  por  .^ar  poca  gente  no  osó  saltar  en  terra,  l  se  tomó  a  sallr  de  el  dIcho  rio.  'blen  quarenta 
fifluas  deml^  Vn  mar         agua  dulce  dei  dicho  rio:  otro.  navio,  le  han  visto;  pero  .1  que  ma.  supo  de  el  es  el  que  he  dicho 

Da  Historia  general  y  natural  de  las  índias  (edição  de  1851)  Livro  XXI.  cap.  3.« 

Entran  las  aguas  de  aquesle  rio  con  mucho  Impetu  en  la  mar.  y  dientro  delia,  dlei  6  doce  légua..  M  coie  deat. 
dulfe  Taq"l  embocamiento  haçe  alli  deniro  dos  braço,  prençipal...  y  al  rio  ma»  oriental  tl.man  rio  de  Navldad;  , 
?  ^  «cdilntal  «  e  que  g«rda  el  próprio  nombrc  de  Maral^on.  y  es  el  mas  prençipal.  el  qual  derechamente  v.ene  dc  I. 

T  o  ,f  r  lérra  adenU  Este  rio  es  cosa  muy  notable  y  seftalada  en  la  pintura  de  la  co.mograph.a  por  su.  grandeças. 
parte  austral.  '^^  '"".f  "'"^.^^^^^  aicho.  hallarl  que  desde  el  cabo  de  Sanct  Aususlln  que  e.li  en  ocho  grado,  y  medJo 
y  qulen  ovtere  ' '^J^i^/J^^  „  ,n.bocamiento  y  atravesarto.  al  rio  MaraHon.  hay  tresdentas  dnquenta  y  ocho 

"  rmas  ó  tn«  r  osu  con^i^^^^^^  con  los  puerto»  é  rios  e  promontórios  que  particularmente  se  ha  declarada 
léguas,  poco  mas  ó  /"^J  „  el  mundo,  se  llamó  un  Hempo  Mar  dulçe.  porque  con  mar  |u>anl«  6 

Este  embocamiento.  que  tan  ,^  ,„  «ue  he  dldio.  é  muchas  más.  *t  ereemo.  i  Vicente  Vallei 

bana  se  haçe  agua  dulce  en  e^mar   J -'^  nquellel^tre.  «pitanes  é  pilotos  y  hermano.  que  se  hallaron  con  el 

Pinçon.  que  h,é  el  que  ^^^J''*';  ^^lon.  en  el  primer  descubrimlen.o  desta.  índia»;  y  este  lué  cl  prim.ro  esp.ltol 

almirante  primeio  dcsu»  ^'^^PJ/Í'"  ,\  ãtár  que  lo  avia  descublerto  el  aRo  d.  mil  e  qulnlentos.  y  que  avia 

Z'o\X'^^  í;'m:.Cte  C«  aTart/^o  L  la  boca  deste  rio;  e  otras  particularidade,  dei  que  «  dlrin  .„ 
Bbro  vigesslmo  terçero. 

Livro  XXIV,  cap. 

El  primero  que  deacobrió  el  rio  Marafton  !ué  el  piloto  VnetnW  YHti  Pinçon.  «>o  de  aqueUo.  Ire.  capilanct 

219 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


pilolM  ¥  hermanos  que  hallaron  con  el  almlranle  primero  don  Cbrlspslóbjl  Colon  en  el  prim«ra  viaje  é  descubrlmienlo  deslis 
indlw-  y  etie  lué  cl  primero  chripíllano  y  espaftol  que  áió  nolid*  deste  (jnnd  rio:  al  qu^l.  despuet  que  volviô  á  Espafta,  el 
calhollco  Rey  don  Fernando  le  túio  merçedes  y  le  (avoresció.  y  el  queria  >-r  i  la  pobiar.  pero  cxcu«i«l«  ta  muerle  afio  de 
mil  qulnlrnto*  y  caiorçe.  e«l*ndo  en  reputaçlon  de  uno  de  lo»  ma»  dieiíro»  hombre»  que  avia  entre  los  pilotos  dei  rey 

de  aquel  Hempo.  ^  .    ^,      ^  ^,  . 

Vo  lo  conotei  e  tratí  í  era  uno  de  lo»  hombre»  de  U  mar  que  yo  he  vwto  mis  bien  hablado  y  que  meior 

entendia  de  »u  arte  v  el  me  dlxo*que  con  cuatro  caravelas  pequena»  avia  entrado  en  este  rio  qulnce  o  veynte  Icgua»  el  aflo 

de  mil  e  quinlento»  aftos.  t  que  vido  muchos  índios  de  Ias  cestas  v  «n  el  embocamlenio  desle  rio.  é  que  satieron  quarenta 

chripstianos  en  tlerra.  contra  lo»  quales  vtnieron  ireynla  e  dos  índios  con  sus  arco»,  y  flexas  y  detrás  de  aquellos  otro» 

muchos  y  estando  cerca  unos  de  otros,  echíronles  los  Indlo»  una  picza  de  oro  iabrad*  e  lo»  chripstianos  echaronles  casca* 

vete»  como  por  via  de  commerdo  c  trueco.  é  los  indio»  lomaron  io»  cascavelcs:  é  quando  los  nucstros  quisicron  tomar  el 

oro  quitleronles  prender,  é  Iravósc  la  batalha  í  maiaron  ocho  espaflote»  é  hlrieron  otros  doçe  ó  irege.  y  con  irabaxo  se 

etcâparon  los  que  quederon.  Vlsia  esta  maidad  y  engafto,  recogieronse  en  lo»  navio»  los  espaftoles  y  pa»»aron»e  a  la  otrs 

co»ta  dentro  dei  mísmo  rio  v  prendleron  trevnte  e  seis  honbres  é  mjlaron  t  hlrieron  otros  atgunos.  porque  los  «altearon  en 

una  provinda  que  se  lUma  Mariatjmbal.  que  es  dentro  de  la  costa  dei  Marailon.  dentro  dei  qual  hay  muchas  Isla»,  segun  lo 

supe  dei  mismo  Vicente  Vaflez  (que  hasta  el  pressente  no  hay  6tro  auctor  de  tanto  credito  en  este  caso),  cl  qual  salió  de 

«01  cm  ou  presa  que  le  costó  caro;  v  en  Ia  costa  çerca  de  tierra  havia  perdido  tas  do»  caravelas.  V  tomóse  i  Espafla  con 

las  dos  olra»  muy  perdido:  at  qual,  ol  deçir  que  desviado  dei  no  y  dc  la  costa  treynte  léguas  apartado  de  Herra,  avia  cogido 

aotta  dulçe  en  la  mar  alio.  por  cau»a  de  la  tuerça  i  luria  oon  que  este  rio  entre  en  ella.  Este  capllan  é  lo»  que  con  el  se 

htBaron  no  pudieron  entender  por  entonces  mi»  particularidade  desie  rio.  ni  Ordaz  supo  ninguna,  nl  la  vido,  ni  se  crce  que 

SC  Bbríron  meior.  viendole.  <l  é  »u  gente  de  lo  que  »c  libráron  donde  lucron  i  parar. 


FRANCISCO  LOPEZ  OE  GOMÁRA 

Da  Historia  general  de  las  índias  con  todo  el  descubrimiento  y  cos^s  notables  que  han 
acaecido  dende  que  se  ganaron  atà  el  aHo  de  1551.  Con  la  conquista  de  México  y  de  la  Nueva 
EspaHa.  Caragoça,  1553. 

Foi.  XLVII.  verso. 

El  descubrimiento  que  hízo  Vicente  Vafiez  Pinçon. 

Va  dixe  que  con  las  nuevas  de  Ias  perlas  y  grandes  tierra»,  que  descubriera  Colon,  se  acodlciaron  algunos  a  Ir 
por  lana.  y  vlnleron,  como  dlzen,  trasquilados.  Estos  fueron  Vicente  Vaflez  Pinçon,  y  Aria»  Pinçon,  8U  sobrino,  que  annaron 
quatro  caravelas  j  su  cosia  rn  Paios,  donde  nacleron,  Dastederon  las  muy  bien  de  gente,  artllleria.  vltuallas,  y  rescatc.  Que 
ncot  estaban  con  los  viajes  que  avian  hecho  a  índias  con  Christobal  Colon.  Uvieron  licencia  dc  los  reyc»  catholicos.  para 
dcMubrtr,  V  rescatar.  en  donde  Colon  no  uvlesse  estado.  Partiron  pues  de  Palo»  a  Ireze  de  noviembre  de  aAo  mil  quifliento» 
menos  uno.  con  pensamiento  de  Iracr  muchas  perlas,  oro,  piedras  y  olras  grande»  riquezas.  LIcgó  a  Santiago,  Isla  de  Cabo 
Verde.  LIcvó  de  alll  su  derrota  mas  al  mediodia  que  Colon.  Atravcssó  la  tórrida.  V  lué  a  dar  al  cabo,  llamado  de  Sant 
Augustin,  la  ftota.  Estos  dcscubrtdorcs  salieron  a  tierra  por  (In  de  enero.  Tomaron  agua.  leAa  y  la  atlura  dei  sol.  E»crívieran 
en  arboles  y  pefta»  el  dia  que  llegaron.  y  sus  proprios  nombres  y  dei  rey  y  reina  en  »eí\al  de  possession,  maraviilados,  y 
pensosos  de  no  bailar  gente  por  allí  para  tomar  lenguas,  y  tino.  de  aquelta  tierra,  y  su  riqueia.  la  segunda  noche.  que  alli 
durmicron,  vieron  non  muy  iexos  muchos  luego».  V  en  la  maftana  qulsleran  feriar  algo  con  lo»  que  al  fuego  estavan  en 
rancho».  Pero  eilos  no  acarearon  a  ello.  Antes  tenian  falante  de  pelear  con  muy  bucnos  arcos,  y  lanças,  que  traian.  Los 
nostro»  huyeron  deilos  por  ser  ombres  maiores  que  gr.indps  .illemanes,  y  de  pies  muy  largos.  Ca  segun  despues  coniaban  los 
Plnçones  los  tenian  por  tanto,  y  médio  que  los  suyos.  Partieron  de  alia  y  tueron  a  surgir  en  un  rio  poco  hondable  por  que 
muchoi  índios  estaban  en  un  cerro  cerce  de  la  marina.  Salieron  a  terra  con  las  barcas,  adelantando-se  un  espaflol,  y  arrojole» 
un  cascavel  para  cevarios.  iillos.  que  armados  estaban.  ccharon  un  paio  dorado  y  arremetieron.  que  se  abaxo  por  el,  a 
prendcrlo.  Acudieron  los  demas  espafloles,  y  travose  una  pclea  cn  que  muríeron  ocho  deilos.  Los  tndlos  siguieron  la  vitoria 
hasta  metcrios  en  las  naos.  y  aun  pelearon  en  el  rio.  Tan  secutivos.  y  bravos  eran.  Quebraron  un  esquife.  Valio  Dios  que  np 
l«iian  yenjA.  sino  poços  escaparon  de  m-jchos  que  heridos  quedaron  Vicente  Yaftez  conocio.  quan  differentc  cosa  es  pelear, 
que  timonear.  Calivaron  treynie  e  seis  Índios  en  oiro  rio,  dlcho  MarialambaL  V  corrieron  Ia  costa  hasta  ilegar  al  gollo  de 
Paria.  Tocaron  en  cabo  primero.  Angla  de  S  Lucas,  tierra  de  humos.  rio  de  Marafion.  rio  de  Orellana,  rio  Dulce  y  otra» 
paite».  Tardaron  dicz  meses  en  ir,  descubrír  e  tomar.  Pcrdieron  dos  caravelas  con  todos  que  dentro  yvan.  Truxcron  haste 
veynlc  esdavos,  tres  mil  libras  de  brasil  y  sândalo,  muchos  juncos  dc  los  preciados.  mucho  anime  blanco.  cortezas  de  derto» 
arboW  que  parecia  canela.  V  un  cuero  dc  aquel  animal  que  mele  los  hijos  cn  el  pecho.  V  contaban  por  gran  cosa  aver  vislo 
arbol  que  no  le  abraçavam  dezeseys  hombres. 

FoL  XLVII I. 

Rio  de  Orellana. 

Unos  io  ll.im.\  mar  Dulce,  y  lo  pon*  de  boca  dncuenta  y  mas  léguas.  Otros  affirman  ser  cl  mismo  que  Marafion. 
dizlendo  que  nace  en  Quito  cerca  de  Muilubamba.  V  que  entra  en  la  mar  poças  mas  de  trexlcntas  légua»  de  Cubagua.  Pero 
aú  no  esii  dei  todo  averiguado.  V  por  esso  los  diflerendamos  

220 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


Nunca  jamis.  a  lo  que  plento.  ombre  nlnguno  navego  tantas  l««uas  por  rio  como  FranKisco  d«  Orellana  por  «te. 
NI  de  rfo  grandf  se  supo  tan  presto  el  nn  y  principio,  como  deale.  Lot  Pln^ones  lo  (I««cubrieron  en  el  aHo  de  mil  v  qulnlenlo». 
Orellana  lo  anduvo  quarenta  y  tns  aftos  despu^s... 

Foi  XLVIII  verso. 
Marafíon. 

Algunos.  tesQ  poco  antes  ipun(«.  dlzen  q  todo  et  un  rio  el  Marafton  v  *l  de  Orellana.  V  que 
Peiú.  Muchos  espaftokí  an  entrado,  aun  q  no  pobUdo.  en  este  rio  detpue»  que  lo  descubrio  Vicente  VJflei  Plnçft.  afio  de 
RiJI  y  quinientos  menol  uno... 

FoL  XLIX. 

£1  cabo  de  San  Agustin. 

Deicubriólo  Vicente  VafleJ  Pinçon.  en  Enero  de  mil  y  qulnlentot  aftoa  con  quatro  caravellaa.  que  taeo  de  Paloi 
dos  mese»  antes.  Fueron  los  Pincone»  grandíssimos  descubridores.  V  hieron  muclias  vese»  a  descubrir.  V  esta.  nav«fl*ron 
mucho.  Américo  Vespudo.  Florentin,  que  lâWen  el  »c  haze  descobridor  de  índias  por  Castclla.  dize  como  tue  al  mlsmo  cabo. 
V  que  le  nombre  de  San  Agustin,  el  aflo  de  uno.  cô  Ires  caravellas  que  le  dl6  el  rey  don  Manuel  de  Portugal,  para  busor 
eslrecho  en  aquelta  cosia  por  do  Ir  a  las  Holucas.  V  que  nawgo  desta  hecha  hasta  *e  poner  en  quarela  grados.  » 
equinoxlal.,.  Unos  ponen  qulnlenlas  léguas,  v  oiros  mas.  desde  el  rio  Marafton  al  cabo  de  San  Agustin.  Esla  cn 
de  costa  la  Herra,  e  punia  de  humos  por  do  e«  le  raya  de  la  repaHidon  de  índias  entre  CastIlU  y  Ponu9»l  U  qual  cae  gr«o 
y  medlo  tras  la  equinodaL 

FR.  DARTOLOMÉ  DE  LAS  CASAS 

Da  Historia  de  tas  índias.  Madrid,  1875. 
Cap.  173.  Tômo  II,  pág.  44a 

Oespues  de  Cristobal  Guerra,  o  poco  despues  que  salió  de  Castilla  para  su  primer  ^ria|e  ^V^'  .^^^^^^^ 
y  nn  dei  ano  de  U99.  Vicente  Vaflez  Pinzon.  hermano  de  Mariln  Alonso  Pinzon.  que  V' 
íescubrimicnto  de  estas  índias,  segun  que  arriba  se  ha  largamente  contado,  con  "f"  "^^^^^^ 

cosia  porque  era  hombre  de  hadenda,  salió  dei  pueno  de  Paios  para  Ir  a  descubnr  por  principio  de  D<rt^rmbre^  afto  de  ^ 
Tcll  tomado  cl  camtno  de  Us  Canárias  y  de  ,111  1  las  de  Cabo  Verde,  y  salido  de  la  de  Santiago.  *  «í;^»;^  '^^ 

L  Encro  de  1500  aftos.  lomaron  la  via  dei  Aus.ro  y  despues  al  Levante,  y  andadas,  segun  '^^^"'^^''^^^J^y"^^^^^^ 

Consoladon.  Hallaron  la  mar  turbia  V  bl-r,caza  como  de  rio.  echaron  U  so„d.^  que  ^  ^^^^^^ 
y  halhronse  en  16  brazas;  van  á  Ia  tierra  y  saltaron  en  ella.  y  nó  "'^^"^^^^     ^e  lo.  reyes  de  Caalllla.  cortando 

íomo  viesen  los  nav.os.  huyeron  AUi  Vicente  Vafiez  ^   ''JL^m      iuridkos  aquelll  n^he  hicieron  cerca  de 

ramas  y  .rboles.  y  pase.ndose  por  .11.  y  ^^^-j--;--'  ^^e'  orcru^of/o' ^m^.  blen  armados.  «Heron  en 
alli  muchos  fueços.  como  que  se  velaban.  El  sol  """o-  «,„        arcos  v  flechas  con  grande  denuedo.  para 

lierra.  y  van  a  los  Índios;  de  los  índios  «len  a  eUos  ireynw  y  lanlo.  «n  sus  ^nros  y  ^'^^  , 
pelear.  y  tra.  estos  oiros  muchos.  Los  cr,stianos  comenzaron  ^  ^  ,  cada  momento  te 

cuenlas  y  o.ras  cosas  de  r^scates.  pero  ellos  no  ""ba"  de  e»^^  inte  se  ^'^^^^  "'Z  que  alH  íban  de  lo.  cristUnos. 
denodaban  para  pelear;  eron.  segundo  '^^^^^^^-^^.^^^^^  tierra  dentro,  y  los  cri.tUno.  í  su. 

Finalmente,  sin  rtiilr.  se  apartaron  los  unos  de  los  «y*^*  . J^^/^'  ^^^J^^^  «erra.  no  paredó  perwna  alguna;  affirmaba 

navios:  «nida  Ia  noche.  los  '"'^'<>'  ^"^«'^"■^'eri  ta^^^^^^^^^  '"""''^ 
Vicente  Vaftez  que  la  pisada  de  los  pié.  de  aqueUos       .'f "  f  "^-ÍTení^r  !o»  navios:  surgie.on  en  la  boca  ó  cerca  delia, 
vela.  V  fueron  m»  adc-ante.  v  U  gen  c":uc  p  "o  cab.7         i  recaudo^para  tomar  lengua  y  saber  U« 

salieran  en  las  barcas,  con  que  entraron  "  "^^^/"';,;";„'^„d,  como  e.  por  alll  toda  elU.  Md.  la  qual  envlaron  un 
secretos  dc  U  tierra:  vleron  luego  en  una  "«f '  /"^^"ÍJ;  '^„eios  y  «ftas  de  .m.slad  que  pudiese.  los  halagase 

hombre  blen  aderezado  de  la.  arma.  que  ceblole.  un  cascabel  para  que  con  el  se 

y  persuadesc  i  que  llega«en  â  conver«c,on.  ^'  J.  como  el  se  .b.í.«  •  tomaria,  arremetten  lodo. 

«Sasen  y  se  allegasen;  el.os  su  esp-da  y  rodela,  de  tal  mancra      dlô  presa  a  «  defender,  que 

ellos  .  lo  prender.  «^""''°'V*'T  l«  bTrí,,  aúe  c  -«'««"^  '  '«  »«^°"'"  '"""^ 

no  les  deió  llegar.  hasta  que  los  de  las  "^^^^^^^^  ^„  que.  antes  que  se  pudiesen  unos  á  oiros  guarnecer. 

sobre  los  cris.ianos  con  tanta  prie^a.  y  ^•'P"^"*"'^';'^;^^;,  "fueron  Van  luego  i  Us  barcas,  y  dentro  en  el  agua.  la. 
n^ataron  dellos  8  a  10.  alguno.  ^^"^^  '  l^^^^^-^.^Xt  íoma^^     «na  barca  y  a.sctearon  al  que  U  guardab.  dentro, 

cerean;  Ilogan  con  gran  esfuerso  '«'"^  f  erpX  desíarrigan  y  matan  los  ma.  dellos.  como  no  luvlesen  otra.  arma. 

V  mucrc  pero  los  crislUnos  con  .us  lanza.  y  ^^^]'^\ZtíV,^^^tí^i  ^^^rtes  y  revucllas;  que  neccssWad  tenlan  de  poner 
Sernslvas'  sino  los  pcUeios.  Blen  ---J„   '  ^^doTe  r.irque.  'si  vlan  que  no  querian  .o.  indlo.  trato  n. 

aquel  Cristiano  cn  aquci  pdigro.  y  '  'Jrde  dTo.  -Igunos  sino  prelendiendo  su  provecho  lemporal.  asi 

=^:;errrmr::^^^^^^  -  .  -  Vi.do.  pue.  10.  nuestro.  q^.^  tar, 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


■u)  l«s  Iba  con  aquello»,  con  harle  triite»  de  perd«r  lot  companeros.  alzaron  U>  velit.  y  Por  U  cosia  abajo.  40  leguai  «I 
Ponirnte  dc&cendleron;  alll  hallaron  Unta  abundância,  dentro  de  la  mar,  de  ajua  dulce,  que  todas  las  vasijas  que  tenlan  vadai 
hinchleron.  Llegaba  esla  agua  dulce,  como  Vicente  Vaftei  deponc  en  su  dicho.  en  el  muchaa  vcccj  alegado  processo,  dentro 
cn  la  mar,  «O  teguas,  v  otros  de  los  que  hieron  con  él.  dicen  X  (y  aun  muchas  más  es  cuasi  commun  opinlon  de  los  que  ye 
via  tratar  deste  rto  en  aqucllos  liempos);  admirados  de  ver  tan  gran  golpe  dc  agua  dulce,  v  quericndo  saber  el  secreto  delia, 
llegaronse  a  lierra,  y  hallan  muchas  Islas  que  ettan  en  ella.  Iodas  graciosíssimas,  frescas  y  deteltables.  y  llenas  de  gentes 
pintadas,  segun  dIcen  lot  que  alll  fueron,  las  cuales  se  venlan  a  ellos,  Ian  seguros  como  si  Ioda  su  vida  hobieron  conversado 
amablemente  con  ellos.  Este  rio  es  aquel  muy  nombrado  Maraflon;  no  sé  por  quien  nl  por  qué  causa  se  Ic  pu&o  aqud 
nombre;  llene  de  boca  y  anchura  a  la  entrada,  segun  dIcen,  30  léguas,  y  algunos  dicen  muchas  mis.  Estando  en  et  surtos  lot 
navios,  con  el  gran  Impelu  y  lucrza  dei  agua  dulce  y  la  de  la  mar,  que  le  resistia,  hadan  un  terrible  ruído,  y  levantaba  los 
navios  cualro  estados  en  alio,  donde  no  padecleron  chlco  peligro;  parece  aqui  Io  que  acac:io  al  Almirante  quando  entró  por 
U  boca  de  la  Slerpe  y  sailó  por  la  boca  dei  Drago,  y  cl  mlsmo  combate  y  pelea  juntamente,  y  peligro,  hay  donde  el  agua 
dultc  CS  )unla  con  la  dei  mar.  cuando  le  dulze  corre  con  Impelu  e  e«  mudii.  y  la  playa  es  descubierta,  mayormenie  tl  la 
mar  et  de  tumbo.  Visto  que  por  aquella  liem.  y  rio  de  Marafton.  y  gente  delias,  no  habla  oro  nl  perlas,  nl  cosa  de  provecho, 
que  en  el  fin  que  lot  traia,  acuerda  tomar  captivos  36  personas.  que  tomar  pudieron.  de  aquelles  humildes  y  mantos 
Innoccntes.  confessado  por  ellos,  que  á  los  navios  seguramente  se  les  venlan,  para  que  no  quedase  pedazo  de  tierra  ni  gente 
ddb.  que  no  pudiese  blen.  y  con  verdad.  contar  sus  obras  písimat,  y  los  que  hoy.  sin  ceguedad,  las  vimos  podamos  attlrmar. 
sin  escrúpulo  de  ccndenda,  haberse  movido  eslos  a  haccr  estos  descubrimicntos,  más  por  robar  y  hacerse  ricos,  con  daftos 

V  escândalos,  caplivcríos  y  mucrtes  destas  gentes,  que  por  convertirlos;  harto  dego,  *ln  duda,  de  mallda  será  el  que  dudare 
dMto,  aunque  poco  menos  les  dió  Dios  el  pjgo  que  i  Cristobal  Qucrra.  De  alll,  dei  rio  Maratlon,  vinieron  la  cosia  absjo  U 
vnclla  de  Paria,  y  en  cl  camino  hallaron  otro  rio  poderoso,  aúnque  no  tan  grande  como  et  Marafton,  y,  porque  se  bebló  d 
agua  dulce  otras  2&  6  30  léguas  en  la  mar,  le  pusleron  el  rio  Dulce.  Crco  que  es  este  rio  un  brazo  grande  dei  rio  Uayapari, 
el  cual  dilemos  cn  cl  cap.  134  que  hace  la  mar  c  goKo  Dulce,  que  cslá  entre  Paria  y  la  isla  de  Trindad.  que  estimaba  cl 
Almirante  sallr  dri  Paraizo  terrenal,  y  aquel  trato  y  rio  dulce  que  de  aquc&to  camino  halló  Vicente  Vahez,  tambien  jurgo  que 
ca  el  rio  donde  habila  aquella  gente  bucna  que  nombramos  los  aruacat.  Pattaron  adelantc  y  entraron  en  Paria,  y  creo  que 
tomaron  alll  brasil;  aunque.  como  hallaron  la  gente  escandallsada  por  haberles  muerto  mucha  gente  Cristobal  Querra,  ó  otro 
salleador  dc  los  que  alll  llcgaron,  tegun  arriba  dijemos,  y  lo  dijeron  con  juramento  los  mismos  S^ae  fueron  con  Vicente  VaRcz, 

V  no  01  aban  saltar  en  Herra,  no  sé  como  lo  pudieron  tomar.  De  Paria  nave^ron  á  dertat  Islas  de  las  que  eslán  por  cl 
camino  de  la  Espal^ola,  no  supe  con  que  intendon.  nl  si  en  la  cosia  dc  Paria,  ó  en  alguna  de  las  Islas  dichas  le  acaed6  la 
iribuladon  que  le  vino:  por  cl  mcs  de  ]utlo,  estando  surtos  todos  cuatro  navios  en  la  parle  6  lierra  donde  era,  subitamente 
vlno  una  Ian  desaforada  tormenta,  que,  a  lot  o|os  de  todos,  se  hundleron  los  dot  navios  con  la  gente;  el  otro,  arrebatóie  cl 
vfento,  rompicndo  las  amarras  de  Ias  anelas;  y  llevalo  el  vlento  con  18  hombres  y  desaparece.  £1  cuarto,  sobre  Ics  andas,  que 
deblan  ser  grandes  y  bucnos  cabics.  tantos  golpes  dló  en  la  mar,  que,  pensando  que  se  hidera  pedazos,  saltaron  cn  la  barca 

V  vlnlcronse  á  tierra,  no  les  quedando  de  el  alguna  espcranza.  Dl;i>ron  que  comenzaron  á  tratar,  lot  poços  que  alll  cstabiiv 
que  seria  bicn  malar  a  lodos  los  Índios  que  por  alll  moraban,  por  que  no  cortvocase  let  comarcanos  y  los  vinicsen  todos  í 
matar.  Ellot  pensaban  en  aquella  tierra  buscar  manera  para  vWir  y  remedlar-sc;  gentil  remédio  hablan  hallado  matando  las 
gentes  que  no  les  habian  ollendldo  en  nada,  por  ellos  imaginarse  por  aquella  via  dc  salvarse,  para  qul  Dtos  les  ayudase;  pero 
la  bondad  dei  misericordioso  Dios  no  dló  lugar  á  que  comctieran  tanta  maldad,  porque  cl  navio  que  se  habia  desaparecido 
con  los  18  hombres,  volvió,  y  el  que  estaba  alli  presente,  amansando  la  tormenta,  no  se  hundió.  Con  los  dos  navios  vinleroo 
a  csla  isla  Etpahoia,  donde  sc  rchlderon  de  lo  que  avlan  menester,  y  de  aqui  tomaron  el  camilto  y  llegaron  á  Espana  en  Rd 
de  setiembrc  de  IbOO  aRos,  tristes,  angustiados,  lesas  las  condendas,  pobres,  gastados  los  dif\cros  que  puso  de  su  hadcnda 
Vicente  Vat\cz  en  el  armada,  mucrtos  los  más  dc  sus  compafíeros.  dejando  atboroiada  y  escandallsada  la  tierra  por  donde 
hablan  andado,  é  intamada  la  gente  Cristiana,  y  aggravladoi  los  que  hablan  echo  pedazos,  y  hechandoles  al  Infíemo  las 
énimas,  sin  causa,  y  los  demas  inocentes  que  captlvaron,  sacados  y  traídos  de  sus  licrras,  prívandoics  de  su  libertad  y  de 
tus  mujcres  y  hijos,  padres  y  madres,  y  las  vidas,  por  cscUvos,  solamente,  que  habian  de&cubicrio  600  léguas  dc  coeit  dc 
mar  haste  Paria,  gloriándose. 

Cap.  CLXXII,  tômo  II,  pág.  441. 

Asl  lo  dicen  les  tesligos  en  e)  tusodicho  processo,  conviene  i  saber,  que  cuando  vlnieron  Vicente  Valdez  y  aa 
compatlla  á  Paria,  qucrian  saltar  cn  ella.  y  que  no  osaron,  porque  Ics  hablan  muerto  mucha  gente  ántes  que  llegasen  i  ella. 

V  dicen  más.  que  los  indlos  dc  alll  no  qucrian  entrar  dentro  de  los  navios,  salvo  que  declan,  sjl,  Capitan,  como  sl  los 
liamaron  para  vingarse  delios,  a  lo  que  parece;  y  dlce  más  un  testlgo  (").  que  en  esto  vino  oiro  descubridor,  que  se  dlce 
Diego  dc  Lepe,  alll,  é  para  probar  al  Fiscal,  que  Diego  de  Lepe  habia  lamblen  descubicrio  tierra,  y  no  toda  cl  Almirante, 
<Qcen  tos  testigos  que  llegaron  a  Pária  cl  dicho  Diego  dc  Lepe  y  su  compafiia,  y  que  tomaron  alli  clertos  Índios,  los  cuales 
después  cl  eniregó  cn  Sevilla  al  Obispo  D.  Juan  de  Fonseca.  Estos  no  los  pudo  él  tomar  sino  hadendo  escândalo,  injuslida 
c  vtoicnda.  y  fuera  blen.  que  el  Obispo  Io  cxamtnira  y  aún  ahorcara  sobre  ello,  pero  nunca  el  seflor  Obispo  dc  esto  tuvo 
mucho  cuidado  en  todo  su  tiempo. 


n  E'  flnlon  FcrnanAti  C«l(naw>,  o  Ritamo  que  dey  a  iatariMçig  anUtlor  {A^mOici  B,  mpoaU  b  T>  pTt«unto  ^  llaal). 

222 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


ANTONIO   DE  HERRERA 


vlCF^f1l  VA- 

Htt  PINZOH 

VA  A  Dr»ai. 
BRIR 

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OUt  ATKA- 

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S     A(M<^  T I H 
POR  ' 
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Da  Historia  general  de  las  índias  occidentjles  e  de  los  hechos  de  los  Castellanos  en  las  islãs 
y  Herra  firme  dei  mar  Oceano.  Antuérpia.  1728. 

Tomo  1.  pág.  90 -Década  I.  livro  IV,  cap.  VI. 

Que  Vicente  Vafíei  Pinzon  descubrió  seiscentas  léguas  hasta  Paria,  v  f»e  el  pHmer  Castellano 
que  atraifessó  la  linei  equinocial. 

Dcspues  dfl  viage  rvtfrido  de  Crísiowil  Quem  rn  cl  mes  de  Deziembre  Vlcenle  Vaftez  Pinron, 
que  «ccomp^fto  al  Almirante  en  el  phmer  descubiimirnto,  con  quatro  n&vios  arnudos  á  su  cotia,  ponjuc  era 
hombre  dc  hazienda,  ulió  dei  pucno  de  Pilos;  y  tomando  el  camino  de  lat  Canariu,  y  deapues  el  de  Cabo 
Verde,  salló  dc  la  Isla  de  Sanliaso,  que  es  una  de  aquvllas  de  Cabo  Vrrdo.  á  13  de  Hencro  dei  ano  de  ISOO, 
tomó  l«  via  dei  Sur.  y  despoéa  a  levante,  y  awiendo  navegado  setedentas  lesua»,  perdió  el  Noric.  y  pató  la 
línea  equinocial,  sfendo  el  primer  subdilo  de  la  Corona  dc  Caslilla,  y  de  Leon.  que  la  airavetó,  y  pasuda  U 
■inca.  luvo  tan  terrible  lotmcnta.  que  prnsaron  perecer,  anduvo  por  la  via  de\  otras  dozlentas  y  quarenta 
léguas,  y  a  26  de  Henero  descubrió  lierra  bien  lexos.  y  eslo  lué  el  cabo  que  aora  llainan  de  Santo  Agusiin,  al 
qual  llamó  Vicente  VaAcz  Cabo  de  Conso)adoii,  y  los  portugueses  dlzen  la  terra  de  santa  Cruz  y  ura  dei 
Brasil;  ttalUron  la  nur  lurbia,  y  blancaio,  como  de  rio,  y  hallaronse  en  diez  e  seis  brazas,  sallaron  en  ticrra, 
y  no  pareci6  gente,  aunque  vieron  rastros  de  liombres.  que  tiuycron  vicndo  los  navios,  y  alli  tomó  Vicente 
VaHez  poftsesslon  de  aquella  tierra  por  la  Corona  de  Caslilla  y  Leon,  haziendo  quantos  autos  jurídicos  para 
ello  era  necessário,  y  aquella  noche  descubríeron  por  alli  cerca  muchos  luegos:  otro  dia  satido  el  Sol 
dcsembarcaron  quarenta  Castellanos  blen  armados,  lueron  adondc  avian  vislo  los  luegos,  por  que  reconocieron 
que  avia  genie,  saJieron  á  ellos  hasta  36  índios  con  arcot  y  flechas  con  demonstracion  de  pelcar,  y  otros 
muchos  tras  ellos. 

Mucho  procurarAt  los  Castellanos  de  alagalos,  y  en  seAos  amansarlos.  mostrando  cascavcks, 
Mpcjos.  Cuentas,  y  otras  ccsas,  pero  no  curando  de  nada,  se  mostraban  más  lerocos.  eram  segundo  adirmaron 
Buyores  de  cuerpo  que  tos  Castellanos,  y  sin  hechar  mano  a  las  arma»  se  aparlaron  los  unos  dc  los  otros. 
Venlda  la  noche  no  parecio  por  toda  aquella  lierra  índio  ninguno.  por  lo  qual  levantando  las  velas,  passaron 
mis  adclante.  y  surgieron  cerca  de  la  boca  dun  rio,  que  por  ser  baxo  no  pudieron  entrar  en  el  los  navios,  lué 
gente  por  cl  rio  en  las  barcas  a  tomar  lengua.  viéron  sobre  una  cuesta  mucha  gente  desnuda,  hazia  la  qual 
enblaron  un  hombre  bien  armado,  y  este  procuro  con  meneos  y  alágos  persuadirios  que  se  acercassem,  hcchóiet 
un  cascavel,  cllos  Ic  hecharon  una  vara  de  dos  palmos  dorada.  y  porque  sc  abaxó  a  tomaria,  corricron  a 
prenderlo.  cercandole  ai  rededor.  pero  con  su  espada  y  rodela  de  tal  mancra  lea  dtó  pricsa  con  tanta  furta 

V  destreza,  estando  Ian  en  si.  que  por  gran  rato  los  dcluvo  sin  que  nadie  se  le  pudiese  acercar  dexando 
mal  heridoí  a  alguncs.  que  lo  Inientaron,  hasta  que  se  admiraron  lodos  dc  ver  que  este  soldado,  dc  quien  no 
Be  lenia  grande  esperança,  huvicsse  hecho  Ian  gran  prueva,  y  era  hombre  de  mediano  corpo,  y  no  muy  robusto, 
hasla  que  los  dc  las  barcas  Ic  tueron  a  toccorrer.  pero  los  índios  disparavan  tantas  flecha»,  y  Ian  apriesaa 
Mbre  los  astellanos.  que  antes  que  se  pudiesen  rebolvcr.  malaron  ocho  o  dIez.  y  hlrleran  i  muchos.  llegaron 
i  las  barcas  y  dentro  dei  agua  las  cercaban  hasta  llegar  atrevidamente  à  asslr  de  los  remos,  tomaron  una 
barca  Hecharon  al  que  la  guardava,  aunque  los  Castellanos  con  sus  espadas,  y  lanças  Infinitos  desbarrigaron, 
«  malaron  y  con  cslo  se  reliraran,  y  los  Chrislianos  con  mucha  tristeza  de  avcr  perdido  tantos  compafteros. 
te  lucron'por  U  costa  abaxo  quarenta  léguas  al  Ponienie,  y  por  la  mucha  abundância  de  agua  dulce.  que 
hallaron  en  la  mar,  hinchieron  sus  basliat,  y  segundo  que  Vicente  Vaftez  lo  aMirm6,  llegava  el  agua  dulce 
quarenta  Icouas  dentro  en  U  mar,  y  queriendo  saber  este  secreto,  se  accrcaron  a  lierra,  y  hallaron  muchas 
Islas  muv  oraciosas  y  frescas  con  muchas  gentes  pintada»  que  acudian  a  los  navios  con  tanto  amor.  como  sl 
toda  cn  vida  con  elios  huvieron  conversado;  ftalla  este  agua  de  aquel  muy  nombrado  rio  Marafton.  que  tlene 
irelnta  leauas  de  boca.  y  alaunos  diccn  más,  y  estando  en  cl  surtos  los  navio»  con  el  gran  Impctu  y  luerça 
dei  agua  dulce.  y  de  U  mar.que  le  resistia,  hazia  un  terrible  ruido  y  levantava  Io.  navios  «> 
alto  padccícndo  gran  peligro.  casl  como  que  succedió  al  Almiranle.  quando  entró  por  U  boca  de  la  Sierpe 

V  salió  por  la  dei  Drago,^  ^^^^^  ^^^^^^  ^  ^^^^^^^^  ^^^^^^^^^ 

w  w  «,«i«A  I»  buflia  de  Paria,  v  en  el  camlno  hallo  otro  rio  poderoso,  aunque  no  tan  grande  como  cl 
hombres.  y  «^""'"f j^^^  e  dnco  é  trclnta  legu.s  a  U  mar:  por  lo  qual  ic  llaman  rio 

du^e  rde^pX  n      eirque  es  X  dei  gran  rio  Vupari,  que  ha  ie  mar  6  golfo  dulc.  que  está  cnjj. 
t  :       .   uír^rTrinldad  V  este  rio  dulce.  que  hallo  Vicente  Vaftez  en  este  camino.  se  luvo  que  es  el  rio 
Í^^<rt^^^:^r^^        pana.  y  am  tomaron  brasd....  y  Uegaroa  *  CaafilU  en  Hn  d. 
«tlembre.  de«ndo  descubierta»  6O0  légua*  hasla  Paria. 


•  Mi 


V.\t  rVTiA  DE 
i.lA- 
i  TAN 
i  (IS  IMUi.i-i 

,  .  ■■.  I  .  ■  -  1  .vs- 


l!L  RIO  MARA- 

Don  tieme 
m  lcquas  de 

BOCA 


el  RIO  VUPA- 
HV  A[>ONDe 
f.l.-N  LO» 
AKUACA9 


I  -ITT. 


ouAS  ne 

Tir-RRA  HASTA 
PARIA 


223 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


APÊNDICE  F 

Extractos  de  cronistas  espanhóis  relativos  à  primeira  viagem  de  Diego  de  Lepe 
FR.  DARTOLOMÉ  DE  LAS  CASAS 
Da  Historia  de  las  índias.  Madrid.  1875. 
Cap.  174,  lômo  II. 

TriB  Marnfe  Vafler  saUó  otro  descubridor.  6  qulzá  deílruidor.  por  el  mismo  m«  de  didembre  y  »tlo  d«  1499 
anos  Esle  fué  un  Dleao  de  Lepe  vedno  dei  Condido,  no  sé  tl  de  Lepe  ó  de  Paios  y  Moguer.  piro  la  mas  ficnie  que  tué  con 
el  diccn  haber  sido  de  Paios;  Ilev6  dos  navios  aderczaJo».  De  la  Isla  dei  fueao.  que  es  una  dc  las  de  abo  Verde,  sisuiõ 
hada  el  mt-lo  dia  algo.  y  dcspuei  al  Levante,  por  el  camlno  que  hizo  Viccnic  Vaflez;  llegaron  ai  cabo  de  Sani  Agusiin.  y  dicen 
que  lo  dobUron.  passando  adelante  algo.  El  Diego  de  Lepe  tomo  poiesion  por  los  reyes  de  astilla,  hadendo  en  lodos 
lugarvs  que  llegaba  actos  que  se  llaman  posestonaics.  segun  derecho  necessários;  uno  dellos  fué  que  escribló  su  nombre  en 
un  arbol  de  grandeza  estrafta,  dcl  cual  dljeron  que  16  hombres  asidos  de  las  manos,  extcndidos  los  brazos.  no  pudicran 
abarcarlo.  Cosa  es  Increible  pcro  possible,  porque  lo»  mayores  lo  hay  cn  estas  islãs  y  «erra  lirmc.  que  parece  no  hdbcrlos 
en  Cira»  partes  dei  mundo  bailado,  y  todos  tos  que  por  etlas  hemos  andado  y  visto  las  ceynas.  que  son  muchos  y  grandes 
arbolea.  como  los  hay  no  nos  espantamos.  Entraran  en  el  rio  Maraf\on  y  alli  robaron  y  sallearon  la  gente  que  pudleran,  donde 
Vicente'  Yaflez  habia  lomado  con  Injustlda  las  36  animas  que  se  vcnian  padllcos  é  confiados  a  los  navios  y  Iraidolos  por 
csclavos.  Parece  que.  como  quedaron  dei  Vicente  Yaftea  agraviados  y  experimentados.  Ilegando  cl  Diego  de  Lepe.  pusiéronse 
cn  armas,  mataronie  II  hombres.  y  porque  siempre  han  de  quedar  los  Índios  mas  lastimado»,  dcbian  de  matar  muchos  dellos 

V  prender  Ic»  que  mas  pudleron  por  esdavos.  Del  rio  Maraflon.  vinleran  costeando  la  tlcrra  firme  por  el  camlno  que  habria 
hecho  Vicente  Vancz;  de  creer  es  que  saltaria  en  algunos  logares  y  lo  que  alti  saltearon  y  mal  hideron  cllos  se  lo  saben.  y 
aún  mcjor  que  enionces,  que  ya  son  todos  cn  la  mar  6  en  la  Herra  sepultados.  Llegaron  á  Paria,  y  como  hallaron  las  gentes 
delia  extranada»  y  alboroladas,  por  los  muchos  que  le  habian  muerto  (segun  lo  dicc  hombrc  de  los  mismos  de  Diego  de  Lepe 

V  en  el  capitulo  171  lué  locado)  deblan  de  haccries  guerra  y  capllvar  los  que  pudieron  haver  a  los  manos,  y  asl  lo  conliesa 
oiro  delos  que  con  ellos  se  hallaron.  y  debia  el  obispo  de  Burgos  sabello.  D.  ]uan  de  Fonsec»  digo,  y  tomarselos.  por  eso 
dlce  aquel  cn  su  dicho  que  en  la  Paria  tomó  Diego  de  Lepe  dertos  Índios  los  cuales  el  dícho  Diego  de  Lepe  truio  cn  los 
navios  c  los  eniregó  al  obispo  D.  Juan  de  Fonseca  cn  esta  dudad  dc  Sevilla.  Estas  son  sus  palavras;  y  fuera  iusto  que  el 
obispo  lo  casligase.y  qulz^  lo  hízo.  sl  por  ventura  su  ceguedad.  que  eneste  negocio  de  las  índias  sempre  tubo,  no  se  lo  eslorbaba. 

ANTONIO  DE  HERRERA 

Da  Historia  general  de  Ajs  índias  Occidentales  o  de  los  hechos  de  los  Castellanos  en  las  Islas 
y  tierra  firme  dei  mar  oceano,  Antuérpia,  1728. 

Tômo  I,  pág.  S0~  Década  I.  Livro  IV,  cap.  7. 

En  lin  dei  mes  de  Diziembre  dei  mismo  áno  de  1499  salló  tras  Viccnie  Vahéz  Pinzon,  Diego  de 
Lepe,  natural  de  PaJos  de  Moguer,  Villa  dei  Conde  de  Miranda,  y  toda  la  más  gente  que  llevõ  era  de  la  misma 
Vitta;  lue  con  dos  navios  a  ia  Isla  dei  Fuego,  que  es  una  de  las  de  Cabo  Verde:  navegó  al  Sur  y  dcspues 
al  Levante.  Itego  al  cabo  de  San  Agustine  le  dobló,  y  passó  mas  adelante.  y  hlio  por  toda  aquella  tierra 
quantos  autos  posses  si  onalcs  lueron  necessários  por  los  Reyes  de  Castilla,  y  uno  fue  que  escrivió  su  nombre 
ARUOi  DF  es-  arbol  de  t»n  estraHa  grandeza  que  no  pudieron  abarcarlo  dlez  e  seis  hombres  asidas  las  manos,  y 

estendidos  los  brados.  Dolvio  al  tio  MaraAon.  enlrõ  cn  el.  y  como  la  gente  estaba  escarmentada  por  36  hombres 
t}ue  llevõ  de  alli  Vicente  VaRez,  hallola  en  armas,  mataron  diez  Castellanos,  pero  ellos  mataron  muchos  índios 
v  caplivaran  otros.  Fueron  costeando  la  tierra  Hrme  por  cl  mltmo  Camino  que  llevá  Vicente  VaAez, 
llegaron  a  Paria .... 


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APÊNDICE  G 

De  Cesáreo  Fernandes  Duro:  La  situacion  dei  cabo  de  San  Agustin  en  el  Brasil,  el  aho 
de  ISIS;  no  Boletin  de  la  Sociedad  Geográfica  de  Madrid,  tômo  XVI.  pág.  27. 

EL  PARECER  DE  ]UAN  RODRIGUEZ  SERRANO 

Juan  Rodriguez  Serrano,  piloto  de  Sú  Alteza,  paresco  a  ciertas  cosas  que  vras.  mds.  me  mandaron  que  dijlesse  e 
dlMC  ml  parescer  Hrmado  de  m)  nombre,  e  yo  paresco  hoy  dia  dc  la  fecha  de  esta  mi  firma  que  cs  Irece  dias  dei  mes  de 
Noviembre  de  mil  quinientos  e  quince  aíios,  e  dcspues  de  pareddo  ante  vras.  mds.  me  ensertaron  una  carta  de  su  Alteza  la 
cual  caria  me  (ue  leida.  sobre  once  porlugueseí  que  truieron  presos  de  la  Isla  EspaAola,  los  cuales  vinieron  sob  razon  que 

224 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


habUn  locado  en  la  liem  dei  Rey  nra.  Scflor,  e  que  dljciemo»  c  deciantcmot  cada  uno  por  il  lo  que  no»  piTetcla  digo. 
MAores.  cn  lo  que  alcanjo  deste  negocio  que  ha  dicz  e  tcts  aAot  poco  mas  ó  menoa  que  parti  deata  dha.  dbdad  tn  doa 
caravelas  que  fue  por  cjpllan  Alonso  Vellei  de  Mendoza  e  luemos  á  las  Isla»  de  Canárias  e  de  alU  tuemoa  en  U  isU  dc 
Sanhago  que  es  en  las  Islas  de  Cabo  Verde  e  tiendo  alli  parllmot  de  la  dha.  Isla  de  Santiago  por  el  sur  derla  canlldad  de 

légua*  diárias  el  llempo  que  no  correr   por  el  susudoetie  y  sin  caminar  oiro  camlno  ninguno  tuento  en  «1  cabo  de 

Sant  Agustin  algo  de  la  parle  dei  norte  cinco  o  ocho  léguas  e  de  alll  doblamos  el  dho.  cabo  sin  ningun  Irabaío  para  la  parta 
dei  sudeste  dcrta  canlldad  de  léguas  en  que  en  este  liempo  yo  era  hambrc  mancebo  e  no  se  me  entendia  nada  de  las  altura» 
e  por  lo  que  ahora  se  me  entlende  digo  que  me  esto  dudoso  que  el  cabo  d«  SanI  Agustin  csli  en  ocho  grados  como  dicen. 
mas  lo  que  yo  ol  1  los  pilotos  que  iban  cn  ambo*  navios,  conforme  ai  camino  que  hablan  fecho  daban  qulnlenla»  e  sessenta 
léguas  desde  la  isU  de  Santiago  hasta  cl  cabo  de  Sant  Agu&tm  nomordesie-susudoeste  y  tamblen  digo  que  he  oldo  que  desde 
el  Cabo  de  Sant  Agustin  a  Parla  se  corren  norueate- sueste  e  que  hay  seldentas  léguas  c  no  te  mas  dt  lo  que  dlcho  lengo- 
ya  lo  que  vras.  mds.  mandan  que  de  ml  parescer  digo  que  non  se  puede  saber  U  ver4ad  ai  non  »e  va  a  ver  de  vista  de  oto». 


APÊNDICE  H 

Instrucções  dadas  a  Lope  Hurtado  de  Mendonça,  fidalgo  da  casa  do  rei  de  Espanha  e 
seu  embaixador  em  Lisboa. 

Do  Arquivo  Nacional  da  Tôrre  do  Tombo. 
Corpo  cronológico,  parte  3.»,  maço  5.  doe  24. 

El  Rey  _  Lo  que  vos  lope  burlado  de  mendonça  gentil  honbre  de  nuestra  casa  aveys  de  deiir  de  nuestra  parte  al 
«renisslmo  Rey  de  Portugal  nueslro  muy  caro  e  muy  amado  hilo  es  lo  scguiente' 

Que  ya  sabe  como  por  lo  capitulado  y  asentado  entre  la  corona  Real  de  eslos  Reynos  de  Castilla  y  U  corona 
Real  de  su  Reyno  de  porlugal  sobre  la  conquista  de  las  cosas  dc  la  mar  pertenesce  a  eslos  Reynos  lodo  lo  que  esta  dentro 
de  la  Raya  que  se  concerto  por  la  dicha  capllulacion  que  es  dc  polo  artico  a  polo  antartlco  dei  norte  al  sur  asentando  las 
trczientas  y  setenta  léguas  de  las  yslas  de  Cabo  Verde  a  la  parte  dei  ponienic  y  que  asy  mísmo  sabe  quan  enleramente  se  ha 
guardado  por  parte  de  eslos  Reynos  lo  que  cerca  desto  se  asento  v  capitulo  mandando  so  grande»  penas  a  los  que  avemo» 
vnviado  a  dcscubrir  que  en  ninguna  manera  locasen  en  lo  que  pertene^e  a  portugal  y  que  alguno»  delos  que  lueron  contra  lo 
asentado  han  seydo  castigados  y  de  oiros  que  apoitaron  a  portugal  el  seflor  Rey  don  Juan  su  predeccsor  tomo  U  hem>enda 
dellos  y  los  mando  íuslidar  e  asi  mesmo  por  mandado  dei  dicho  Rey  ml  hijo  lue  echa  iusllda  en  portugal  de  diego  de  l«pe 
V  muchos  de  Io»  que  con  el  tomaron  murieron  en  la  carçel  lo  qual  huvimos  por  bien  yo  e  la  sereníssima  Reyna  mi  muger 
oue  saneia  qloria  quando  cl  dicho  Rey  don  juan  lo  mando  haicr  por  que  quebrantaron  las  tales  personas  el  d.cho  asyenio  y 
10  que  por  nos  les  avia  sydo  mandado  quando  sc  dcspacharon  de  .  ca  y  »y  a  estos  Reyno»  vlnieron  "ivM  tos  ^"l^"»"" 
caslioar  con  pena  de  muerte  y  asy  se  castigaran  todos  los  que  conira  lo  asentado  vinieren  faziendo  el  dlcho  Rey  m)  hl|o 
cerca  dc  lo  que  abaxo  se  dira  lo  que  es  R«.on  como  yo  espero  que  lo  hara  y  que  agora  me  han  dicho  que  algunos  navio» 
de  »u  Revno  an  vdo  a  dcscubrir  a  Ia  Herra  que  rasla  aqui  se  ha  llamado  Herra  l.rme  e  ahora  mandamo»  Ilamar  Caslllla  dei 
«/í  elS^  J  cTr  de  vr  -  >a  «erra  que  Uaman  eitos  dei  brasil  que  esta  apegada  a  la  dlcha  Herra  de  Castilla  de  oro  an 
^rado  rio  que  esta  descubierto  por  nuestro  mandado  mucho  mas  adelantc  de  lo  que  pertene^e  a  portugal  por  la  d  ch. 
RavTde  U  demarcadon  en  gran  pohuizio  de  la  corona  Real  de  estos  Reyno»  y  en  quebrantamiento  de  lo  que  esta  .sentado 
Irme  maravillaria  mucho  »v  asy  se  ovicse  lecho  lo  qual  seyendo  ansl  tengo  por  (icrto  que  non  se  avra  echo  con 
sablduria  ^Sã  "  ,  d^ho  R^J  mi'hiio  por  ende  que  le  Rucgo  muy  aletuosamen.e  mande  luego  poner  toda  di.igençia  eu 
«Sèrt  verd!d  por  que  ya  poderia  ser  que  aun  que  lo  ovicsen  lecho  gelo  negasen  por  mledo  dc  no  ser  castigados  y  "blda 
w  fue  e  dé^lorm^  castigar  a  los  que  asy  lueron  a  dcscubrir  lo  .uso  did.0  e  a  quales  quier  oiro.  que  non  ayan 
ÔLrdado  êrdkho  asyento  como  a  quebrantadore.  delo  asentado  y  capitulado  y  como  se  a  echo  y  e»  Razon  que  se  luga  en 
guardado  "^^^^^^^      „^  y  .  otro»  exenplo  y  no  oscn  hazer  de  aqui  adelan.e  seme,antes  alrevimlentos 

semeiantes  *  P^^J^^/.^^^J^  "de"  naçer  discórdias  e  dllerenda.  entre  los  Reynos  por  que  no  haslendo  lo  ansy  eslos 
las  semeianles  personas  ^««d  ^^c  en  semej.ntes  casos  se  acoslunbra  y  deve  hazer  lo 

Reynos  temian         "J"      ^^era  por "  -^"^0  am^^^  q«  ten^  .1  dicho  Rey  ml  hl|o  sy  no  que  entre  la  corona  Real 

Alteza  lope  CondúUos  (?)  topf  hurttdo  de  mendofs. 

225 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


( 0«Bt  Qíw  J-O'  L  Qp+^iEv^^^  jTrnASí  S" 
f.,«r.;» -tM  >«G^  -Í^Í«  S«  Tori^ftf  S-Í^x<. 

3.  t(U,i^^ío«  E,  i«««^«p»G*•^"^2êf' 


226 


O  7^"  rtr:      rr>-'^#:  f^sV. 


os  FALSOS  PRECURSORES  DE  ALVARES  CABRAL 


ASePauK  ^E»  íjíU.  |)cvnut/r  íY"^"^^*^^  l'***"^^^ 
2«nA 

en  V-fty  o  rrvt  m^r  rt.  i*^  Cí^nív 


  jr^f^r^  S^íS^-^C^N. 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


InalrucfB**  dadaa  a  Lop*  Hurtado  da  Mendonca.  Ildalgo  da  caaa  de  r«l  da  Eapanha  c  tau  «mbaUador  «m  Uskoa. 


CAPÍTULO  IV 


DUARTE  PACHECO  PEREIRA 

PRECURSOR  DE  CABRAL 

PELO 

PROF.  LUCIfíNO  PEREIRA  Dfí  SILVft 


DUARTE  PACHECO  PEREIRA 


PRECURSOR  DE  CABRAL 


E  verris  em  Cochim  ãssin*far-se 
Tanto  um  peito  soberbo  e  insoletitt, 
Qut  cUãtã  iamãis  cantou  vitória. 
Que  asíim  mertfa  eterno  nome  e  gtária, 

fOs  Lusíadas.  II,  ») 


M  PLENA  época  dos  grandes  descobrimentos,  a  figura  épica  de  Duarte 
Pacheco  Pereira  brilha  radiante  de  fulgor  inextinguível.  Herói  sem  mácula, 
a  tuba  sonorosa  do  poela  máximo  lusitano  não  se  cança  de  celebrar,  em 
seguidas  estâncias  ('),  os  seus  feitos  guerreiros;  apenas  o  som  canoro  se 
vela  de  tristeza  ao  rememorar  -o  grande  esfôrço  mal  agradecido».  Nave- 
gador e  soldado,  cartógrafo  e  roteirisla,  èle  foi,  pelas  suas  múltiplas 
aptidões  c  claras  virtudes,  um  dos  grandes  representantes  da  escola  náutica 
portuguesa,  criada  pelo  esfôrço  persistente  do  Infante  D,  Henrique.  Os 
seus  vastos  conhecimentos  de  navegação  estão  patentes  nas  páginas  do 

  Esmeraldo,  admirável  roteiro  da  circunnavegaçâo  africana.   Em  Cochim 

combateu  gloriosamente,  hábil  em  todos  os  ardis  de  guerra,  pronto  sempre  ao  sacrifício  supremo, 
acudindo  com  o  seu  forte  braço  e  direcção  inieUgenIe  nos  lances  de  ma>or  nsco.  coroado  sempre  pelo 
êxito  da  victória.  Porque  era  sábio  cosmógrafo,  esteve  como  perito  na  conferência  de  Tordes.llas. 
também  descobridor.  Mandado  por  D.  Manuel  às  praias  da  América,  preparou  a  róta  de  Cabral  «n^ 
demanda  do  Brasil,  como  resulta  de  palavras  suas.  Simbolo  da  lealdade  portuguesa,  nunca  mo^^P  d* 
baixos  interesses,  os  actos  da  sua  vida  pura  e  heróica,  que  vamos  suantamenie  narrar.  nSo  permitem 

pôr  em  dúvida  a  veracidade  do  seu  testemunho  r,c.<.i,  ««r 

Duarte  Pacheco  era  descendente  daquele  Diogo  Lopes  Pacheco  que  se  passou  a  Cas  e la.  por 
motivo  do  assassínio  de  D  Inès  de  Castro,  e  depois  voltou  para  Portugal  a  .s;^'^.;^.^^'^^ 
Aliubarrota  com  seu  filho  João  Fernandes  Pacheco.  Êste.  que  D.  João  I  fêz  alcaide  mór  de  Santarém, 
fc^^  pai  de  Gonçalo  Pacheco  tesoureiro  da  casa  de  Ceuta,  criado  do  Infante  D.  "^-'^"^  .^^^^^^^^^ 
vLh.L  ini  f.iho  loào  Pacheco  que  andou  no  Levante  como  capitão  de  uma  armada  a  peleiar  com  os 
.""rsêndrnTor'"»  em\t;Vpe^  n,ou.os.  E'  és,e  ,oâo  Pacheco  o  pai  de  D.a.e  Pacheco  Pere.ra. 
nascido  em  Lisboa  pouco  depois  do  meado  do  século  XV  ( ). 


%  f'Í^!;?/oÍVÍ;/il  oi"^r  Du«.e  P«t,eco  P.rei«.««çao  dc  Rala.1  B..to.  Lltboa.  IWI.  No.ida  pr.llminar,  plg..  IV.  V. 

231 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


AVALEIRO  da  casa  del-rei  D.  loSo  11.  Duarte  Pacheco  loi  um  dos  capitães  da  confiança 
dêste  monarca,  como  se  infere  do  que  êle  próprio  diz  no  Prólogo  do  Esmeraldo: 

<e  por  nào  alargar  mais  a  matéria,  deixo  de  dizer  as  particulandades  de  muitas  coisas 
oue  êstc  glorioso  príncipe  |D.  ]oâo  III  mandou  descobrir  por  mim  e  por  outros  seus  capitães 
-  -  em  muitos  lugares  e  nos  da  cosia  de  Guiné,  dos  quais,  em  tempo  do  Infante  Dom  Hennque 

e  d'El-Rei  D  Afonso,  a  costa  do  mar  sòmente  era  sabida,  sem  se  saber  o  que  dentro  nêles  era*  ('). 


A  esta  missáo  se 
refere  ]oào  de  Bar- 
ros, quando  narra  a 
volta  de  Bartolomeu 
Dias.  em  1487,  do 
descobrimento  do  ca- 
bo de  Boa  Espe- 
rança: 

«Tomados  mui- 
tos mantimentos  que 
acharam,  e  posto  fogo 
à  naveta  que  estava 
bem  comesta  do  gu- 
sano, por  não  haver 
quem  a  pudesse  ma- 
rcar, vieram  ter  à 
ilha  do  Príncipe,  on- 
de acharam  Duarte 
Pacheco.  Cavaleiro 
da  casa  dei  Rei.  mui 
doente,  o  qual  por 
náo  estar  em  dis- 
posição para  por  si 
ir  descobrir  os  rios  da 
costa,  a  que  o  EtRei 
mandava,  enviou  o 
navio  a  fazer  algum 
resgate,  onde  se  per- 
deu, salvando-se  par- 
te da  gente,  que  com 
èle  veio  em  estes  na- 
vios de  Bartolomeu 
Dias.  (*). 

Descrevendo  a 
costa  da  Guiné  nas 
proximidades  do  ca- 
bo Formoso,  êle  mes- 


esCUDO  DOS  PACHECOS 


mo  conta  as  enfer- 
midades sofridas  na- 
quela região:  <Ainda 
que  dous  agravos  te- 
nhamos recebidos  na 
desaição  desta  Etió- 
pia, dos  quais  o  pri- 
meiro é  o  tempo  que 
gastamos  na  prática 
destas  províncias  e 
terras,  que  tantas  en- 
fermidades e  traba* 
lhos  mal  pagos  nos 
tem  custado.  ..»  i"). 
Dos  longos  anos  que 
por  lá  andou  nos  in- 
forma, quando  trata 
do  cabo  de  Lopo 
Gonçalves:  «e  a  ex- 
periência nos  tem  en- 
sinado, porque  por 
muitos  anos  e  tem- 
pos que  esta  região 
das  Etiópias  de  Gui- 
né temos  navegadas 
e  praticadas,  em  mui- 
tos lugares  tomamos 
as  alturas  do  sol  e 
sua  declinação,  para 
se  saber  os  graus 
que  cada  lugar  se 
aparta  em  ladeza  da 
mesma  equinocial 
para  cada  um  dos 
póIos>  C);  e  a  pro- 
pósito do  Nilo  e  do 
rio  Senegal:  «porque 


de  todolos  rios  desta  região  da  Etiópia,  os  quais  por  muitos  anos  cada  dia  praticamos,  sabemos  certo 
que  êste  é  o  maior,  segundo  se  mais  largamente  dirá  no  capítulo  que  adiante  vier.  que  do  rio  de 
Çanagá  falar»  (').  Menciona  também  vilas  e  cidades  do  interior  onde  esteve:  «e  esta  cidade  (a  de  Benim) 
lerá  uma  légua  de  comprido  de  porta  a  porta,  e  não  tem  muro,  sòmente  é  cercada  de  uma  grande  cava 
muito  larga  e  funda,  a  qual  abasta  para  sua  defensão,  e  eu  fui  nela  quatro  i/eses»  C). 


O  Esmerãldo  de  silu  orbis,  ediçSo  de  Epif&nio  Dias.  pela  Sociedade  de  Qeografla  de  Lisboa.  I90S,  plg.  IS. 

(*)  lolo  de  Barros.  Déctds  1.  Livro  111.  Cap.  IV. 

O  Esmeraldo.  Usboa.  I90S.  Llv.  II.  Cap.  8.  plg.  120. 

(*1  Ibidem,  Ltv.  11.  Cap.  II,  pig  127. 

D  Ibidem,  Liv.  1,  Cap.  5,  píj.  28- 

(*)  Ibidem,  Llv.  II.  Cap.  7.  pAg.  118. 


DUARTE  PACHECO PFRFIRA     PRECURSOR  DE  CABRAL 


Duarte  Pacheco  andou  nas  regiòes  equatoriais,  como  cosmógrafo,  fazendo  o  levantamento  da 
costa  e  rios  da  Guiné.  Éle  e  outros  capitães  de  D.  loâo  II  foram  mandados  a  recontiecer  pela  terra 
dentro,  o  que  bem  mostra  como  os  portugueses  nâo  descobriram  só  a  costa  ao  longo  do  mar,  mas 
exploraram  também  o  interior  do  continente  africano.  Disso  oferece  mais  tarde  um  CKemplo  notável 
Duarte  Lopes  (•). 


M  7  de  junho  de  1494  assina  o  tratado  de  Tordesillas,  como  testemunha.  Duarte  Pacheco, 
«contínuo  da  casa  do  senhor  Rei  de  Portugal»  ("*).  Pacheco,  na  sua  qualidade  de  cosmó- 
grafo e  navegador  experimentado,  foi  um  dos  peritos  portugueses  nas  negociações 
déste  tratado. 

Cristóvão  Colombo,  de  regresso  da  sua  primeira  viagem  de  descoberta  da  América, 
julgando  vir  da  ilha  Cipango.  entrou  no  pôrto  de  Lisboa  em  6  de  março  do  ano  de  1493.  D.  ]oâo  II, 
recebendo  Colombo  em  Val  do  Paraíso,  térmo  de  Santarém,  declarou-lhe  que  as  ilhas,  por  êle  achadas, 
pertenciam  à  corôa  portuguesa,  e  assentou  depois  mandar  a  elas  D.  Francisco  de  Almeida  com  uma 
armada  (").  O  papa  Alexandre  VI.  pela  bula  de  4  de  maio  do  mesmo  ano.  estabelecia  o  meridiano  de 
demarcação,  entre  as  possessões  portuguesas  e  castelhanas,  100  léguas  a  ocidente  das  ilhas  dos  Açôres 
e  Cabo  Verde.  Em  junho  seguinte  D.  ]oao  II,  que  se  nâo  conformara  com  a  decisão  ponlifical.  envia 
Pero  Dias  e  Rui  dc  Pina  aos  Reis  Católicos,  com  proposta  de  uma  nova  linha  divisória,  que  seria.  nÍo 
um  meridiano,  mas  um  paralelo  {"):  o  paralelo  que,  passando  pelas  Canárias,  deixaria  ao  sul  as  terras 


m  .Quand  on  prcnd  une  carte  d'Aff1cue  laile  vcrs  18»,  avant  les  voyase»  de  Bartti.  de  Llvlngstone  et  de  Spette. 
et  Qu-on  la  compare  á  unu  carte  laile  ver»  la  lin  du  XVI'  slècle,  apris  les  grande»  exploratíons  portuganos  de  Díeflo  dc  Cam 
de  François  Govea  el  d  Edouard  Lopez,  on  »-aper<oll  que  l'ínlérieur  de  l'Alnque  ítait  bicn  moins  eonnu  il  y  '  ^nntt  an»  qull 
ne  rí.a>t  il  v^^uoi^^  «nts  an.      ,  ,        ^  ^^^^^  ^^.^^  ^^^^^  ^  ^y^.^^  j^»  »ources  et  dc.  eme.  du  Nil.  * 

r^connaltrc  le  centre  du  tani  d  hcroiquc»  vov-igeura  onl  piri  ã  la  tithe  qu^on  a  pu   iusicmcnt  nommer 

Sro  íes  vov^^^^^^^  fai.s      Au.^u.  p.ndant  Ic  XVIIL  s..cle  et  la  première  mollié  du  ^  >íV^*'^f  ^^^^í^í^^^rtS^Í^^^^^^ 
Un  ílal-maior  dl  géogr.phe*  en  chambre  donnail  dc  «vantes  inslrucl.ons  á  une  tcgion  d  explor-itcurs.  cl  c.  ^^'9"  »  vert  "« 
rJntre  de  rAlriflue  p.ir  l  Égvplc.  par  la  cóle  de  Tripolilainc.  par  la  côte  dc  Qumíc.  par  Ic  Cjp.  par  loules  le»  voics  enfln 
p!«oté  L    Ics  deÚH  bonnis  qúc  les  Portuga.»  du  XVK  »iècle,  qui  n-élaicnt  diriges  par  aucunc  espece  d*  "vanl.  avalerU 
nri^«  dVmblèe  et  slns  íSr  C-c»l  un  tait  biiarrc  que.  dc  tant  de  »-.      ■      t  de  tanl  dc  voyagcurs  qu.  onl  rKé  la  Irayen** 

?1^.„  n.nT  l/conlc4Sce  ^  i  son  rclour.il  dévoila  Ic  grand  my^ttre  afr.cain  on  n-s  tormcs:  -S.  fc»  ancten»  avaient  .u 

ru-e^A^ílTuc^Ã^o^íafc^^^  ;rd77^LÍ.Í7ub1-^\^n'°lSI 
rr írfrcs'  í?  bT  i.  Se"  '  s?rr  paTíanlf  dTvoTr  dícou^crt  .e^««1  des  »ourco.  .1  dcs  cruc»  du'  Nil  qu  Edouard  Lopez 
í  ,i   H^^ftuvPrl  c^Que  ís  Irèr"^^  -vaicnl  imprimé  dcu«  cent  quatre-vingl»  ans  avani  son  vovagc  Quand  St.mley.  à  la 

avail  dícouver  1.  c   que  i«  irer^^^^^  ^          „  ^^^^-^^  mord.cus.  dans  |c  ne  sa.»  tomb.en  de 

rechcrche  dc  íl^^"^^^^  avail  trouvé  Ic»  vraies  »ourcc»  du  Nil;  .1  lu>   lallut   un  »ccond  vov  icc  pour 

confcrcnces  c   „^,ff  íl^^..^^^"  dongers.  l  importancc  dc  »a  proprc  dícouverte,  et  poi.r 

recomuilre.  au  priK  'í^_'''*"^de^s  taligues  er  ac^^^^  Nil  Cia  t  Ic  Congo,  cl  qu'on  pouvalt  allcr  de  TOcían  li, 

appUudissemcn  s  dc  1  E^^OP*-  «  í^i  c?  s"  SiaX  avant  Von  dípart.^wil  lu  la  mfme  dcscnpllon  dc  rAfnqu.  .mpr.m*e 
Atlantiquc  par  la  vo.c  qu  íl  °*  '"^^^^^^^  Sn"  el  cúl  suivi.  cn  toute  connaiMancc  dc  cause.  Ia  rouic  que  le 

en  1598.  il  eut  •^'^  d^^''       Co"3V""^,^''^^^^^  longlcmp.  avani   lul  •   (LE  CONGO.  U  vmdíflW 

Porlugais  Edouard  Lopez  nétalt  pas    e  seu     ^^I"''*^^^^^^^  poilugtis,  Le  Congo,  lell^  çu  elle  a  titét 

celu.  dEdouard  Log^J^/^^^^^^V^foi       Torre  do  Tombo.  Lisboa.  18«.  pág^ 79^ 


Leon. 
TIerra. 
Canária, 

W  mír  dZ<ím  I.  Ubro  M.  Cap.  VIU.  Madrid.  1726,  pigs-  47.W 

233 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


de  descoberta  e  conquista  portuguesa,  e  ao  norte  o  domínio  castelhano,  como  tá  lhes  mandara  dizer 
por  meio  de  Rui  de  Sande  (").  A  proposta  não  foi  aceite.  Finalmente,  em  1494.  foi  celebrado  entre  as  duas 
corôas  o  tratado  de  Tcrdesillas.  que  estabeleceu  como  linha  de  demarcação  o  meridiano  situado  370 

léguas  a  oeste  das  ilhas  de  Cabo  Verde. 

Que  os  delegados  portugueses  enviados  às  negociações  de  Tordesillas  tinham  maior  saber  e 
experiência  das  cousas  do  mar  do  que  os  seus  colegas  de  Castela  reconhece  Frei  Bartolomeu  de  Las 
Casas,  bispo  de  Chiapa:  «alli  mandaron  ir  los  reyes  de  Castilla  á  muchas  personas  que  sabian  de 
cosmografia  y  astrologia,  puesto  que  habia  harto  poços  enlonces  en  aquellos  reinos,  y  las  personas 
de  la  mar  que  se  pudieron  haber  (no  pude  saber  los  nombres  delias  ni  quién  fueron).  y  alli  envió  el  rey 
de  Portugal  las  suyas.  que  dcbian  tener.  á  lo  que  yo  juzgué.  más  perícia  y  más  experiência  de  aquellas 
artes,  aí  ménos  de  las  cosas  de  la  mar,  que  las  nuestras>  ('•)■  Um  dos  homens  eminentes  que  lá  se 
achavam,  por  parte  de  Portugal,  era  Duarte  Pacheco.  Cristóvão  Colombo  não  assistiu  às  negociações, 
pois  andava  enlào  na  sua  segunda  viagem  (1493-  1496).  mas  estava  bem  informado  a  respeito  das 
embaixadas  sucessivas  entre  o  rei  português  e  os  Reis  Católicos,  e  estes  mandaram-lhe  um  traslado 
dos  capítulos  do  acôrdo  celebrado  em  Tordesillas.  logo  nos  primeiros  navios  que  enviaram,  depois  que 
éle  partiu  de  Cadiz  em  25  de  setembro  de  1493  ('*).  As  razões  que  moveram  D.  )oão  II  na  sua 
pendência  com  Castela,  até  obter  solução  satisfatória,  são  claramente  expostas  por  Colombo,  a  propósito 
da  sua  terceira  viagem,  em  1498.  Tendo  chegado  à  ilha  de  Santiago  de  Cabo  Verde  no  primeiro 
de  julho  dèste  ano,  e  levantando  ferro  no  dia  4.  assim  explica  o  motivo  do  rumo  que  var  seguir: 

«Torna  el  almirante  á  decir  que  quterc  ir  al  Austro,  porque  entíende,  con  ayuda  de  Ia 
Santíssima  Trinidad,  hallar  islãs  y  tierras,  con  que  Dios  sea  servido,  y  sus  Altezas  y  la  cristíandad 
hayan  placer.  y  que  quiere  ver  cuál  era  la  intincion  dei  rcy  D.  luan  de  Portugal  que  decla  que  al 
Austro  habia  tlerra  firme;  y  por  esto  dice  que  tuvo  diferencias  con  los  reyeu  de  Castilla,  y  en  fin. 
dice,  que  se  concluyó  que  el  rey  de  Portugal  hobiese  370  léguas  de  Ias  islãs  de  los  Azores  y  Cabo 
Verde,  dei  Oeste  al  fin  dei  Norte,  de  polo  a  polo;  y  dice  más,  que  tenia  el  dicho  rey  D.  Juan  por  cierto. 
que  dentro  de  sus  limites  habia  de  hallar  cosas  e  tierras  famosas.  Viníeronle  á  ver  ciertos  príncipales 
de  aquella  isla  de  Santiago,  y  dijéronlc  que  al  sudoeste  de  la  isla  dei  Fuego,  que  es  una  de  las  mismas 
de  Cabo  Verde,  que  está  desta  12  léguas,  se  veia  una  isla.  y  que  el  rey  D.  Juan  tenia  gran  inclinacion 
de  enviar  á  descubrir  al  sudoeste  »  ('*]• 

E  insiste  na  razão  da  derrota  que  tomou,  desde  Santiago  de  Cabo  Verde,  nos  rumos 
sucessivos  de  sudoeste  e  oeste,  c  o  levou  à  terra  de  Pária  no  continente  americano: 

•Miércoics.  4  dias  de  ]ulio.  mandõ  alzar  y  dar  las  vetas  de  aquelta  isla  de  Santiago  

y  mandó  gobernar  por  la  via  de  sudueste,  que  es  camino  que  Ueva  desde  aquellas  íslas  al  Austro  y 
Mediodia,  en  nombre,  dice  él.  de  la  Santa  é  individua  Trinidad,  porque  entónces  estaria  Leste -Oeste  con 
|a  tierra  de  la  Sierra  Leona  y  cabo  de  Sancta  Ana.  en  Guinea,  que  es  debaio  de  la  línea  equinocial, 
donde  dice  que  debaio  de  aquel  paralelo  dei  mundo  se  halla  más  oro  y  cosas  de  valor;  y  que  despues 
nauegarian.  placiendo  á  Nuesiro  Setior,  al  Poniente,  y  de  ahí  pasaria  á  esta  Espaíiola,  en  el  cual  camino 
veria  la  opinion  dei  rey  D.  ]uan,  susodícha»  ('')- 

Assim  certas  pessoas  principais  da  Ilha  de  Santiago  contaram  a  Colombo  que  D.  )o3o  II 
tinha  tendência  a  mandar  descobrir  para  sudoeste  da  ilha  do  Fogo.  do  arquipélago  de  Cabo  Verde,  e  o 


..t.  N.,«.«  ^'f"'''^  .f'  scnlimienlo  quo  luvo  el  Rei  Don  Juan  de  Portugal,  de  haverse  dexado  salir  de  Ias  manos 

r«  NuP^«  "°J°  P"^''^"''^  d>s.mular.  so  color  que  le  perleneda.  mando  armar,  para  embiar  sus  Gentes  à  ocoipar 

L"n'*"'JfjJr„;!:"J..l  Pf.L"':!^.^^.?  '?I..R'^1^^.^^'°'Í^«^  ^  Ruv.de  Sande.  qu..  los  dÍKO.  con  Carias  de  crecnda,%l 


S.Tr«M  ÍhJ  n?*\fi  ^    hpcho  al  Almirante,    que  havia  holgado.  que  huviese  sido  de  fruto  su  industha.  i  navegacion:  l 
2^,^  r«ô  íí*  ^     haviendose  dcscub.erto  Islas.  1  Tierras  ouc  le  pertenecian.  k-  guardarian  Ia  correspondência,  que  ól  haria  cn 
™,  ,?J.  ■/  ' "  '      "  '  v  que  quenan  continuar  cl  bescubrimienlo.  desde  las  Islas  de  Canária  derecho      Poniente.  sin 
'  *^  '•"  que  mandasen  al  Almirante,  que  guardase  aquella  orden.  pues  que  èl  mandaria  ã  sus  Navios, 

en  j  j.     ui  iir,         no  pasasen  el  Termino  contrj  el  ,Vor/.-  flbidrm.  Década  I.  Libro  II,  Cap  V.  pia  43) 

iJ  T?Í'I°  ?"'»  ^^"■Pf.^^^í-"-  '^^'^^  *        por  El  Marquês  dc  la  Fucntesania  úel  Valle  v 


quando  fuese 


D.  ]c»é  Rivon.  Tômo  II.  Madrid.  1675.  Cap  LXXXVU.  pág.  16. 
(»)  Ibidem.  Cap.  LXXXVII.  p.ig  18. 
(")    Ibidem.  Cap,  CXXXI,  225, 
<")   Ibidem,  Cap.  CXXXli.  pág.  226. 

234 


DUARTE  PACHECO  PE RE I  RA  -  PR ECU RSO R  DECABRAI 


próprio  Almirante  ia  dirigir  a  sua  terceira  viagem  de  modo  a  poder  verificar  se  era  certa  a  opinião,  que 
ouvira  30  rei  lusitano,  da  existência  de  uma  terra  íirme  ao  sul.  por  causa  da  qual  tivera  diferenças  com 
os  Reis  Católicos.  Estes,  iá  em  5  de  setembro  de  1493.  estando  em  Barcelona  os  Embaixadores 
portugueses  Pero  Dias  e  Rui  de  Pina.  escreviam  a  Colombo,  recomendando  lhe  que  apressasse  a  sua 
saída  de  Cadix  para  a  segunda  viagem,  e  diziam,  alarmados: 

•  y  porque  despues  de  la  venida  de  los  Portogueses  cn  la  plálica  que  con  ellos  se  ha  habido. 
algunos  quieren  decir  que  lo  que  está  en  médio  desde  ta  punta  que  los  Portogueses  llaman  de  Buenã 
Esperanza.  que  está  en  la  rota  que  agora  ellos  levan,  por  la  Mina  dei  Oro  é  Guinea  abaio.  fasta  la  raya 
que  vos  dijistes  que  debia  venir  en  la  Bula  dei  Papa.  piensan  que  podrá  haber  Islas  v  «un  Tlerra- 
•firme,  que  segun  en  ta  parte  dei  sol  que  está  se  cree  que  serán  muy  provechosas  v  "ias  ricas  que 
todas  las  otras:  y  porque  sabemos  que  desto  sabeis  vos  mas  que  otro  alguno,  vos  rogamos  que  luego 
nos  envieis  vuestro  parecer  en  ello.  porque  si  conviere.  y  os  pareciere  que  aquello  es  tal  negocio  cual 
acá  piensan  que  será.  se  enmiende  la  Bula;  por  eso  por  servício  nuestro  que  luego  nos  lo  escribais»  ('"). 

Aqui  temos  nova  menção  de  terra  firme  ao  sul.  nas  regiões  tropicais  (en  la  parte  dei  sol), 
a  ocidente  da  róta  que  seguiam  as  naus  portuguesas,  pela  Mina  e  Guiné  abaixo,  para  o  cabo  de  Boa 
Esperança.  O  que  dizem  os  reis  castelhanos  ao  Almirante,  e  o  que  êste  afirma  nos  passos  transailos  ('•), 
mostra  claramente  que  D.  ]oâo  II  pretendia,  e  conseguiu,  defender  o  caminho  marítimo  das  índias  que  a 
descoberta  de  Bartolomeu  Dias  em  1487  deixava  patente,  caminho  que  queria  assegurado  nas  águas  do 
Atlântico  austral  por  entre  terras  portuguesas,  quer  do  lado  oriental,  quer  a  ocidente.  Tanto  a  linha 
divisória,  primeiro  proposta,  marcada  pelo  paralelo  das  Canárias,  segundo  Herrera,  como  o  meridiano 
recuado  para  370  légua^s  a  oeste  das  ilhas  de  Cabo  Verde,  deixavam  na  posse  de  Portugal  o  Brasil,  que. 
na  mâo  de  portugueses,  podia  servir  de  escala  no  caminho  do  oriente,  mas  na  posse  de  estranhos 
podia  ser  base  de  operações  ofensivas  do  nosso  comércio  asiático. 


lOMO  se  haviam  de  medir  e  marcar  as  370  léguas  ao  poente  das  ilhas  de  Cabo 
Verde?  Nas  procurações  de  poderes  conferidos  petos  respectivos  soberanos,  quer 
aos  delegados  castelhanos,  quer  aos  delegados  portugueses,  é-lhes  dada  autorização 
para  fazerem  «qualquier  concíerto,  asiento,  limitacion,  demarcacion  e  concórdia  sobre 
el  mar  oceano,  yslas  e  tierra  firme,  que  en  el  estovieren,  por  aquetlos  rumos  de 
mentos  e  grados  de  norte  e  de  sol  e  por  aquellas  partes,  divisones  e  lugares  dei 
cielo  e  dei  mar  e  de  la  tierra  que  vos  bien  paresciere...»  C).  As  palavras  «grados 
de  norte  e  de  sol»  referem-se  aos  dois  processos  de  determinação  da  latitude  geográfica  pelo  Regimento 
da  estrela  do  norte  e  peto  Regimento  da  altura  do  pólo  ao  meio  dia,  dos  quais  nos  ocupamos  já  C). 
Assim  fica  indicado  que  as  370  léguas  se  mediriam  pelo  método  de  alturas  e  rumos  (").  navegando 
desde  as  ilhas  de  Cabo  Verde.  Eslipulava-se  que  dentro  de  10  meses,  contados  da  data  da  capitulação, 
cada  uma  das  partes  contratantes  mandaria  uma  ou  duas  caravelas,  que  deviam  íuntar  se  na  ilha  da 
Gran  Canária,  com  tripulações  mixtas  de  pilotos,  astrónomos  e  marinheiros,  castelhanos  c  portugi:ese3. 
em  número  igual,  para  que  juntamente  podcssem  «mejor  ver  e  reconoscer  Ia  mar  e  los  rumos  e  vientos 


•  MF  I 

1  I  H  'i  ■ 
I 

11.  1.^. 


rr  PA 

t  A 


('•)  Martin  Navarrete.  Colecaon  de  lo»  irisies  y  descubrimiralos  que  hicieron  por  mir  los  espãfíoles,  Tômo  II. 

Mídríd,  '**';,í!*3^',^_ort5ndâ  dos  trechos  transcrilos  foi  )í  reconticdda  por  FaMilno  da  Fonteca  cm  A  descobtrU  do  BrãStl. 
MiKna  iQftft  ríiflç  243-245  Na  segunda  cdiíio,  Lisboa.  I*».  pág*.  3IÍ-322. 
LUboa.  '«O,  Í^SJ  Torre  do  Tombo.  Lisboa,   IS92.  pàg.  73. 

íi')   Capitulo  II  desta  obra.  pigs.  M-M  c 

<»!  Capitulo  II  detia  obra.  pigs.  74-75  e  91-92. 

235 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


e  grados  dei  sol  e  norle  e  senalar  Ias  léguas  sobredichas»  (").  Estes  navios  deviam  fazer  seu  caminho 
alé  às  ilhas  de  Cabo  Verde,  «e  desde  alli  lomaran  su  rota  derecha  al  poniente  hasta  las  dichas  370 
léguas,  medidas  como  las  dichas  personas  que  asi  fueren  acordaren  que  se  deven  medir,  sin  perjuizio 
de  Ias  dichas  parles;  e  alli  donde  se  acabaren  se  haga  el  punto  e  senal  que  convenga  por  grados  de 
sol  o  de  norte,  o  por  singraduras  de  léguas,  o  como  meior  se  pudieren  concordar,  la  qual  dicha  raya 

senalen  desde  el  dicho  polo  artico  al  dicho  polo  antarlico  que  és  de  norte  a  sul.  como  dicho  és  

E  sy  caso  fuere  que  la  dicha  raya  e  limite  de  polo  a  polo,  como  dicho  és,  lopare  en  alguna  ysla  o 
lierra  firme,  que  al  comienço  de  la  tal  ysla  o  tierra,  que  asi  fuere  hallada.  donde  tocare  la  dicha  raya. 
se  haga  alguna  serial  o  torre,  e  que  en  derecho  de  la  tal  seixal  o  torre  se  continue  dende  cn  adelanle 
oiros  sefiales  por  la  tal  ysla  o  tierra.  en  derecho  de  la  dicha  raya...»  ("). 

Os  navios  podiam  partir  das  ilhas  de  Cabo  Verde  directamente  no  rumo  de  oeste,  aualiando-se 
as  léguas  andadas  pela  simples  estimativa  das  singraduras.  mas  tal  processo  ficava  dependente  dos 
juízos  variados  dos  pilotos,  que,  em  tal  questão,  naturalmente  nunca  chegariam  a  harmonizar-se.  Era 
preferível  seguirem  um  rumo  próximo  do  de  oeste,  como  o  de  oeste  quarla-a-noroeste,  até  que  os 
astrolábios  acusassem  uma  diferença  de  graus  na  altura  do  pólo.  correspondente  ao  apartamento  de  370 
léguas  do  meridiano  de  partida.  O  «Regimento  das  léguas >  ('')  a  aplicar  dependia  da  dimensão  adoptada 
para  o  grau  terrestre.  Êsle  processo  é  minuciosamente  explicado  por  Jaime  Ferrer  na  carta  de  1495  aos 
Reis  Católicos  {**).  que  merece  analisar  se,  embora  sucintamente.  ^, 

Os  reis  castelhanos  procuraram  sempre  ('■)  levar  a  efeito  a  demarcação  estipulada.  Consultavam 
cosmógrafos  sôbre  a  melhor  íórma  de  a  realizar  e  queriam  que  Cristóvão  Colombo,  ou  o  irmão, 
tomassem  parte  nêsse  acto  (").  que  nunca  chegou  a  efectuar  se,  por  sobrevir  a  doença  e  morle  de 
D.  loão  II  {-').  em  outubro  de  1495.  Jaime  Ferrer  dá  esta  consulta,  na  carta  a  que  nos  referimos,  depois 
de  ter  primeiramente  notado  que  as  ilhas  de  Cabo  Verde  distam  15  graus  do  equador: 

«Pero  yo  digo  que  posible  es.  y  cosa  muy  cierta.  que  el  dicho  término  y  fin  de  las  dichas 
trescienias  setenta  léguas  se  pueden  fallar  por  la  estrella  dei  Norle,  por  la  regia  y  pláiica  siguiente: 

La  nave  que  partirá  de  las  islãs  de  Cabo  Verde  por  buscar  el  dicho  término,  es  menester  que 
deje  el  paralelo  ó  línea  Occidental  á  mano  ezquierda,  y  que  tome  su  camino  para  la  cuarta  de  Poniente 
la  vuelta  dei  maestral  V  ).  y  que  navegue  tanto  por  la  dicha  cuarta  fasta  que  el  Polus  mundí  se  le  eleve 
diez  y  ocho  grados  y  un  tercio,  y  entonces  la  dicha  nave  será  justo  en  la  línea  suso  dicha  que  pasa 


C)   Alguns  documentos  dã  Torre  do  Tombo.  Lisboa.  IS92.  pág.  76. 
(")    Ibidem,  pig.  76. 

(*)   Do  Regimento  das  léguas  1raiou-se  no  Cipituio  II  desta  obra.  pi<}s.  72-76. 
(»•)   Navarrete,  Coleccion  de  los  vi*ics.  Tômo  II.  Madrid,  I8W,  pátjs.  113-  117. 

(")  Herrera.  Décadã  I.  Libro  II.  Cap.  X.  No  Arquivo  Nacional  da  Tôrre  do  Tombo  (gavfla  10,  maço  5.  n.»  <) 
existe  uma  Carta  paknle.  pastada  pelos  Reis  Católicos  em  Madrid.  7  de  maio  de  1495,  a  que  se  lai  rcleréncia  om  Alguns 
documentos  da  Torre  do  Tombo.  pag.  90,  e  de  que  obsequio^aim-nie  nos  enviou  copia  o  digno  Director,  Snr.  Dr  BaiÂo. 
na  quíi  sc  deUrmina  que  os  astrónomos,  pilotos,  marínhui^os  c  mais  pesscas  Incumbid.is.  por  pane  de  Castela  c  Portugal, 
de  traçar  a  linha  de  demarcação  segundo  o  Iralado  de  Tordesillai,  se  reunam  primeiro  num  ponto  da  rala  dos  dnis  reinos 
em  setembro  seguinte,  para  acordarem  dcniro  di'sse  mes  na  maneira  de  medir  as  370  léguas  e  marcar  a  linha  de  parlicJio 
do  mar  Oceano,  dizendo-se  que  o  acordo  tomado  scri  .iprovado  pelis  Reis  C-itOlicos  e  por  D  loSo  II.  E  como  nlo  seria 
priiico  que  as  caravelas  lõssem  para  esta  demarcji;io.  antes  de  se  descobrir  terra  que  se  julgue  eslar  no  meridiano 
divisório,  esperar-sc-há  que  tal  terra  seia  descoberta  por  qualt^uer  das  partes  contraclantes  do  tratado  de  Tordesiilas. 
E  a  pane  que  a  achar  requereri  á  outra  para  sp  ir  procfder  a  marcaçAo.  o  que  «e  deverá  clecluar.  pelo  proc(-sso 
acordado,  dentro  do  pr^zo  dc  10  meses,  coniadss  desde  a  dala  do  requerimento.  Se  se  reconhecer  que  a  terra  achada 
nio  eslá  na  linha  divisória,  marcar. se-hí  cm  léguas  a  distância  a  que  dela  estiver.  Os  Reis  Cnólicos  deierminam 
também,  sob  craves  pCnas.  que.  em  lédis  as  cartas  de  m^rcir.  que  se  fiierem  em  seus  reinos,  seja  traçado  o  m-ndiano 
de  repartiçio  do  Oceano,  para  saberem  tanto  os  seus  súbditos,  romo  os  do  ni  português,  por  onde,  de  ali  cm  dianie.  hajam  de 
navegar  e  descobrir.  No  Itm  déste  capitulo  póJc  lêr-se  na  Inkqra  ésic  documenlo.  que  é  dado  em  apcnJice. 

(*■)  •£!  traslado  de  los  capítulos  dc  este  asienio  |tr.MaJo  de  Tordk-siilisl  enviaron  los  Reys  al  Almirante  en  los 
primero*  navios,  que  enviaron.  despui-s  que  él  partió  con  los  17  navios,  y  quisíeran  que  se  hallaran  él  ó  su  hermano  en 
tratar  de  aquello  y  as._*rilar  los  diehos  limites  6  torre  que  se  hibia  de  h*cer.  h**cha  la  line.i  quf  habian  dc  imaginar,  como 
aba|o  parecera»  (Las  Casis.  hiilona  úe  /as  Indus.  Tòmo  II.  Madrid.  1875.  Cap,  LXXXVII.  pág  18). 

"Aqui  el  Almirante  hacc  mcrcion  á  los  Rcvs  dd  asienio  que  habian  toiíiaJo  con  el  rev  de  Portugal,  que  po 
pasasen  los  porlugu  .si-s  al  Oeste  (aliás.  370  léguas  al  Oesie]  de  las  islãs  de  fos  Aiores  v  Cabo  Verde,  v  hace  tambicn  men- 
cio(\  como  los  Revs  lo  enviaron  i  ilamar  para  que  se  hallase  cn  los  conclcrlos.  con  los  que  i  la  particion  habian  dc  concurrir.  v 
que  no  pudo  ir  por  la  grave  cnícrmedad  que  incurrió  en  cl  deiCubrimicnto  de  la  tierra  íirme  de  las  índias,  convicnc  i  saber, 
de  Cub.i.  que  luvo  sicmpre.  como  no  la  pudo  rodear,  aún  hasta  agora,  por  lierra  lirme;  artide  más  que  luego  sucedió  la 
muerte  dei  rc/  don  Juan.  ánles  que  pudiesc  aqueUo  poncr  en  obra.  Debia  ser.  que  como  aquello  se  tralõ  el  ano  de  93 
V  W.  hsbna  cnlrelanio  de  entrambas  parles  Impcdimienlos hasta  el  aAo  de  97  (ihás  95]  que  murió  el  rev  D  luan  de  Portugal, 
comn  .irriba  se  vido,  cap.  126.  y  por  esto  dice  aqui  el  Aimiranie.  que  por  la  muerte  dei  rcv  D.  luan  no  se  pudo  poncr  en 
obra-  Obideni.  Cap.  CXXKI,  pág,  223). 

Maesiral    noroeste.  «Cuarta  dc  Poniente  la  vuelta  dei  maestral»     «Oeste  quarta  dc  norocslc>. 


236 


DUARTE  PACHECO  PEREIRA    PRECURSOR  DE  CABRAL 


rii. 


Polo  á  Polo  por  el  fin  de  las  trescienfas  setenla  léguas,  y  de  aqui  es  menester  que  la  dicha  nave  mude, 
Y  tome  su  Camino  por  ta  dicha  línea  la  vuelta  dei  Polo  Anlártico  fasta  que  el  Arlico  se  le  eleve  quince 
grados,  y  enlonces  será  justo  de  fin  en  fin  en  línea  ó  paralelo  que  pasa  por  las  islas  dei  dicho 
Cabo  Verde,  y  en  et  (In  y  verdadero  término  de  las  dichas  frescienlas  setenta  Icguas,  el  cual  término 
muy  claro  se  muesira  por  la  elevacion  de  la  esirella  dei  Norle  por  la  regia  suso  dicha»  ("X 

Assim  a  nau.  partindo  da  ilha  de 
Santiago  (na  caria  faz-se  depois  referência  a 
esta  ilha)  em  15©  de  latitude  norte,  ponto 
A  da  fig.  I,  deveria  seguir  o  rumo  de  oeste- 
-quarta  de- noroeste,  ac.  até  almgir  uma  la- 
titude de  180'/,.  num  ponto  C  Tomando 
então  o  rumo  do  sul.  c  quando  chegasse 
de  novo  h  latitude  de  IS»,  cm  B.  estaria 
no  paralelo  inicial  a  uma  distância,  aq.  de  370  léguas  a  ocidente  do  ponto  de  partida  A.  Como  foi 
delermínada  esta  diferença  de  três  graus  e  um  ler^o  em  latitude,  é  depois  explicado: 

*V  por  mayor  dcclaracion  de  la  regia  suso  dicha  es  de  saber  que  la  cuarla  dei  viento  que 
por  su  camino  tomará  la  nave,  partíendo  de  Ias  islas  dei  Cabo  Verde  al  fin  de  las  370  léguas,  será 
distante  dei  paralelo  ó  línea  Occidental  74  léguas  á  razon  de  vcínte  por  ciento.  y  porque  la  dicha  cuarla 
declina  versus  septentrion  navegando  por  ella,  manifiesto  paresce  la  diferente  elevacion  dei  Polus  mundl. 
y  las  dichas  74  léguas  comprenden  en  latttud  Ires  grados  y  un  tercío  fère*  (")■ 

No  mesmíUriângulo  rectângulo  ABC, 
em  que  o  ângulo  CAB  (fig.  2)  mede  uma  quarta 
ou  110^.  o  cateto  CB  tem  um  comprimento 
de  20",,,  do  outro  cateto  BA  ('')■  E  devendo 
este  último  compreender  370  léguas,  a  distân- 
cia de  C  ao  paralelo  ou  linha  de  leste -oeste 
primitiva,  BA.  deverá  ser  B C  -  0.20  ^<  370  -  74 
léguas.  Ora  estas  74  léguas  abrangeriam  três  graus  c  um  terço  do  meridiano  aproximadamente 
(ferè),  segundo  a  dimensão  do  grau  terrestre  por  êle  adoptado:  «Preterea  es  de  notar  que  segun 
la  regia  suso  dicha,  es  menesler  dar  por  cada  un  grado  700  estádios  segun  Strabo.  Alfragano, 
Teodoci,  Macrobi,  Ambrosi.  Eurístenes  |  Eratóstenes |,  porque  Tolomeu  no  da  por  grado  sino  500  está- 
dios» (").  Ferrer  prefere  o  grau  de  Eratóstenes  de  700  estádios  ou  87  [  milhas  (uma  milha  8  estádios  ) 
ao  grau  de  Ptolomeu  de  500  estádios  ou  62  [  milhas:  um  grau  exageradamente  grande  favorecia  os 
desejos  de  Castela,  nessa  época,  de  aproximar  o  mais  possível  o  meridiano  divisório,  diminuindo  em 
graus  o  que  se  concedera  em  léguas.  As  87  \  milhas  de  Eratóstenes  equivaliam  a  21  léguas  e  J  ('•) 
(uma  légua  4  milhas),  e  as  74  léguas  da  distância  CB  corresponderiam  assim  aproximadamente 
a  3o  j  do  meridiano. 


FIg.  I 


("(  Navarrete,  Coleceion  de  los  W*>M,  T6mo  II.  Madrid,  1BS9.  pigs.  113- 114. 

(»)  tbitíem.  pág,  114. 

(»)  N<8le  triângulo  é  DC^BÃ^lang  II»  15  =BAxO.» 

(«)  ibidem,  pia  1 14  r    .  ^  n.  t 

í»i  Qtial  tr*  reilmcnie  o  comprimento  do  estídlo  erapreqado  por  Eratóstenes  ou  do  que  Piolomeu  usou,  w 
.mhos  cmoríolram  O  mesmo  ou  dilerenie  csíádio.  é  queslJo  que  nlo  importa  aqui;  basta.nos  saber  o  que  a  ène  respcHo  se 
n^n^l/^reDoa  dos  descobrimento*,  pois  nos  interessam  apenas  as  medidas  desta  ípoca  Entcndia-se  entSo  geralmente 
pensava  "3.  *P°5f^°".„!'.^^^  ^l.,  n  ilha  Ferrer  (pág  116  da  obn  citada  de  Navarrete)  diz  e^piessamentc  -contando  ocho 
?."/Hl«/n  fr  mtlta^  a«lm  graus,  tanto  de  Eratdstenct  como  de  Ptolomeu,  a  léguas  de  4  milhas, 

sladlos  por  mitia»  e  assim  i«  4  tun  a  .Aui,,™  252000  estldlos  (360  -  700)  para   «   drcunleréncla  máxima  terrcsire. 

pr.knndo  o  nâo  dlferii  alin^l  da  de  Ptolomeu,  porque  ÍVe  usou  estidio. 

Termina,  porem,  a  *f'"  f 'tSoW  .360  -  JoO)  sígundo  éle.  contidos  na  linha  equinocial.  eqQivallam  aos  252000  de  frató.lenes. 
maiore-.  de  f'*;'"^,*'"' f  J^_l™  unidade  3e  medida  aos  dois  geógrafos.  Fernando  Colombo,  no  t-c.ho  adiante  citado 
Mas  geralm*-nte  /«.  «ridlo^  a  562S  légua»  e  do»  252000  de  Lratóstenu.  a  7875  léguas  de 

ÍÍSiharV^Vo  df  ÍÍSid^s  ;S°Slll,7'"mL,J'dr'?Sp"a«orO  Sidio  era  assim  ,val,ado  em  125  passos,  ou  ,85™. 
adoptarr^tos  1480^  p^ra  a  rn^ ha  romana.  ^^^^^  ^^^^^  ^^^^^^^^         ^  ^^^^  ^ 

una  léaua.  v^U7S« T och  hl  um  numlesto  eQuivoco  de  cinco  por  a,«. 

237 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Sc  SC  tivesse  realizado  na  raia  portuguesa,  em  setembro  dc  1495.  a  conferência  entre  os 
astrónomos,  pilotos,  marinheiros  e  mais  pessoas  de  Castela  e  Portugal,  segundo  o  disposto  na  Carta 
passada  pelos  Reis  Católicos  em  7  de  maio  do  mesmo  ano  ("■),  para  acordarem  na  maneira  de  marcar  a 
linha  de  repartição  do  Oceano,  conferência  onde  a  grandeza  do  grau  terréstre  devia  ser  discutida,  o 
cosmógrafo  Duarte  Pacheco,  testemunha  do  convénio  de  Tordesillas.  nâo  deinaria  de  assistir,  e  sustentaria 
a  opinião  por  êle  expressa  no  Esmeraldo  (").  que  atribui  18  léguas  ao  grau  do  círculo  máximo  terrestre. 
Sendo  assim,  a  navegação  pelo  rumo  de  oeste  quarta  a  noroesle  leria  de  fazer-se  até  vencer  uma 
diferença  de  latitude  de  um  pouco  mais  de  4  graus,  pois  os  3  graus  e  j.  propostos  por  Ferrer,  valeriam, 
segundo  Pacheco,  apenas  60  léguas  (3  ;  X  18  60).  A  esta  diferença  BC  (fig.  3)  de  60  léguas  corrres- 

ponderia  um  afastamento,  BA,  de  300  léguas  desde  o  ponto 
inicial  A  (60  0,20  X  300).  As  370  léguas  estipuladas  no 
convénio  de  Tordesillas  sofreriam  assim  na  realidade  uma 
reducção  de  70  léguas.  E  em  Portugal  não  se  queria  a 
aproximação  do  meridiano  divisório,  que.  com  tanta  ha- 
bilidade diplomática  e  persistência,  se  tinha  conseguido 
Fif-s  colocar  àquela  distância. 

A  légua  compreendia  4  milhas,  e  a  milha  dos  navegadores  portugueses  e  espanhóis  era  então  a 
milha  romana  de  mil  passos.  Colombo,  no  diário  da  primeira  viagem,  ao  descrever  o  porto^  de  Concepcion. 
cm  que  entrou  em  7  de  dezembro  de  1492,  na  ilha  a  que  chamou  Espanhola,  diz  expressamente:  «Tiene 
en  la  boca  este  puerto  mil  passos,  que  es  un  cuarto  de  légua  >  C).  A  milha  romana  tem  sido  avaliada  em 
1481,  em  1478.5  e  em  1477,5  melros.  Adoptamos,  com  o  Prof.  H.  Wagner,  a  conta  redonda  de  1480 
metros  (*"),  o  que  dá  para  valor  da  légua  5920'^.  O  grau  de  87,5  milhas,  atribuído  a  Eratóstenes, 
equivalia  pois  a  129''"'. 5  e  o  de  62,5  milhas,  atribuído  a  Ptolomeu,  valia  92 '"".5. 0  grau  de  18  léguas,  de 
Duarte  Pacheco,  compreendia  106 '"".56  com  um  êrro  apenas  de  4  *  o.  a  menos,  dos  Ul  quilómetros  que 
mede  o  grau  equatorial.  Os  valores  atribuídos  a  Eratóstenes  e  Ptolomeu,  equivalentes  respectivamente 
a  129  í  ca  92  ^  quilómetros,  cuja  média  é  111*'^,  estão  afectados  do  mesmo  êrro  de  17  "  „,  o  primeiro 
por  excesso  e  o  último  por  defeito.  )aime  Ferrer,  reportando-se  à  autoridade  dos  geógrafos  antigoF. 
escolhia  a  opinião  mais  própria  para  prejudicar  os  interêsses  portugueses,  com  um  valor  exagerada- 
mente grande. 

A  avaliação  de  Duarte  Pacheco,  expressamente  exarada  no  Cap.  2.o  do  Livro  l."  do  Esmeraldo, 
«trinta  e  seis  graus  de  longura  que  serão  648  léguas  de  caminho,  contando  a  dezóíto  léguas  por  grau», 
é  a  mais  exacta  que  nos  ficou  daqueles  tempos.  Mas  ela  nâo  foi  adoptada  no  uso  geral,  pois,  como  se 
vê  no  Regimento  de  Munich  e  no  Regimento  de  Évora,  e  no  Tratado  em  defensam  da  carta  de  marear, 
de  Pedro  Nunes,  os  nossos  navegantes  adoptaram  o  grau  de  17  \  léguas  ou  70  milhas,  equivalente  a 
103,6  quilómetros,  com  um  êrro  de  7  "  o  a  menos. 

Como  iá  observámos  ("),  em  manuais  náuticos,  tanto  portugueses  como  espanhóis,  andou 
juntamente  outra  avaliação,  menos  exacta  ainda,  do  grau  em  16  ,  léguas  ou  66  \  milhas.  Assim  se  vè 
no  Livro  de  Marinharia  (").  no  Tratado  dei  Esphera  y  dei  arte  dei  marear,  de  Faleiro.  Sevilla,  1535. 
2.»  parle,  Cap.  Vil.  e  na  obra  De  regulis  et  instrumentis  ('^),  de  Pedro  Nunes.  Dêste  modo  o  círculo 
máximo  terrestre  mediria  24.000  milhas.  Éste  valor  é  dc  origem  árabe  e  encontra-se  citado,  já  como 
opinião  de  sábios  mais  antigos,  no  tratado  dos  crepúsculos  de  Abul  Hazan,  escritor  árabe  do  século  XI, 
tratado  que  vém  anexo  ao  livro  De  Crepusculis  de  Pedro  Nunes,  em  traducção  latina  (**).  Segundo  o 


n  E'  a  Carla,  existente  na  Tôrre  do  Tombo  (gavíla  10,  maço  5,  n.o  4),  a  que  atrás  no»  reterlmo».  nota  (").  e 
que  SC  publica  na  Integra  cm  apêndice,  no  fim  do  Capitulo. 

{**)   Esmeraldo  de  situ  orbis,  Lisboa.  I90S.  Livro  I,  Cap.  2.o,  píg.  23. 

C)   Las  Casas.  IHsiotía  de  las  Indus,  Tômo  1.  Madrid.  1875,  Cap.  Lfl.  pág.  366. 

(*^   M.  Wagner,  Die  Rfkonstruklion  der  ToiCãnelli-Karte  vom  ].  1174.  In  Nachrichten  von  der  Kônigl.  Geseltschafl 
der  Wissenschiflen  tu  Goeitwgen,  P/itlologisch  ■  tiistohsche  Klssse,  1*94,  Nr.  3.  pág.  225  e  páo  266.  nota  2. 
(•')   No  Cap.  II  desta  obra.  pag  75  ' 
(*')   Livro  de  Mârinh^na.  coordenado  por  Drlto  Rcbello.  Lisboa.  1903,  pig  29 
(")   Perri  Nonii  Opera.  Dasilcae.  1566.  pág.  185- 

(")  No  Irontisplcio  desta  obra  de  P.  Nunes,  impressa  em  Lisboa  em  1S42,  lé<se:  «Petri  Nonii  Satadensis.  De 
Crepuscutis  lioer  unu5....  liem  AILtccn  Arabts  fetiistt^imi.  De  causis  Crepuscutorum  líber  unus...  >.  Esta  obra  lol 
reimpressa  por  Mariz  em  Coimbra.  1571.  e  encorporada  no  volume  De  arte  atciue  rãlione  navigandi.  edição  di  1S73.  O  passo, 
a  que  adma  nos  rtfeiimos,  do  tratado  de  Abul  Hazan,  encontia-se  na  pág  57  desta  eliçio  de  1571  e  na  íol.  rij  da  de  1542: 
•Corpus  autem  lerrae  est  sicut  Instnimcnium  omnium  allorum:  et  qujntiias  circuli  magni  coniinenlls  eam  secundum  quod 
dlxerunt  saplcnles.  et  signilicaverunt  illud  per  propo&iiiones  certas,  est  vtginti  qualuor  mille  milUaria* 


238 


UARTE  PACHECO PEREIRA-PRECURSOR  DE  CABRAL 


Prof.  Hermann  Wagner  (").  foi  és)e  grau.  de  66  J  milhas,  o  adoptado  por  Toscanclli.  como  medida  lun- 
damental.  no  mapa  que  acompanhava  a  sua  caria  de  1474  ao  cónego  Fernão  Martins  de  Rorir 
Naturalmente  o  sábio  florentino  tivera  conhecimento,  pelas  suas  conversas  em  Roma  com  Martins, 
daquele  valor  do  grau  como  corrente  ao  tempo  em  Portugal. 


A  Suma  de  Geografia  de  Enciso.Sevilha.  1519.  começa-se  por  dizer,  no  regimento  das  léguas  a  junta 
que  se  segue  imediatamente  ao  calendário,  que  cada  grau  do  meridiano  vale  17  \  léguas.  Mas  mdawz 
antes  (verso  da  7*  fôlha  da  obra)  afírma-se  que  o  grau  mede  16  J  léguas:  <  E  porque 
cada  un  grado  está  lassado  en  16  léguas  y  media  y  un  sesmo  ( ) -I  j=-5|decami- 
no.  Sabrás  que  todo  el  mundo  ticne  en  denedor  360  grados  que  montan  6000  léguas», 
i  Serve  isto  a  Enciso  para  concluir  que  o  hemisfério,  atribuído  a  Portugal  pelo  tratado  de  Tordesillas, 
terminava  na  foz  do  rio  Ganges!  Assim  o  afirma  a  Carlos  V:  «E  porque  vueslra  alteza  tIcne  fecha 
particion  dei  universo  con  el  rey  de  Poriugal  y  el  limite  de  do  comiença  la  parlicion  está  370  léguas  al 
poniente  de  la  ista  dei  Fuego.  las  quales  van  a  dar  en  la  tierra  firme  de  Ias  índias  entre  el  rio  Maraflo 
que  está  al  sudueste  de  la  Isla  dei  Fuego,  y  algo  inclinado  a  la  quarta  de!  Sur  y  enire  Ia  Mar  dulce, 
ha  de  saber  vuestra  alteza  que  desde  este  limite  que  está  a  cerca  de  la  Mar  dulce.  a  do  comiença  la 
particion  segun  la  capilulacion.  fasta  a  Melaca  ('")  ay  2770  léguas,  y  passado  de  Melaca  200  léguas  se 
acaba  e!  limite  de  lo  dei  rey  de  Poriugal,  y  al  fin  deste  limite  está  la  boca  dei  rio  Ganjes,  y  en  la  boca 
dei  Ganjes  comiença  lo  de  vuestra  alteza».  E'  naturalmente  para  poder  fazer  estas  considerações,  com  o 
fim  de  encurtar  o  domínio  poriuguès  na  direcção  do  oriente,  que  Enciso  começa  por  adoptar  no  Prólogo 
um  grau  de  menor  extensão. 

Mais  para  admirar  é  a  opinião  manifestada  por  Fernando  Colombo,  o  filho  natural  do  célebre 
navegador,  numa  memória  intitulada  <Declaracion  dei  derecho  que  la  Real  Corona  de  Castilla  llene  a  la 
conquista  de  las  provindas  de  Pérsia,  Arábia  e  índia,  e  de  Calicut  e  Malaca,  con  todo  lo  demas  que,  al 
Oriente  dei  Cabo  de  Buena  Esperanza.  el  Rey  de  Poriugal,  sin  titulo  ní  derecho  alguno.  tiene  usurpadas, 
fecha  por  D.  Hernando  Colon,  hijo  dei  primer  Almirante  de  las  índias,  y  dirigida  á  S.  C.  C.  Majeslad  el 
Emperador  nuestro  Senor.  ai^o  de  1524»  (*').  Fernando  Colombo  defendia  activamente  que  os  Colombos 
eram,  por  direito  próprio,  vice-reís  e  governadores  de  todas  as  terras  compreendidas  dentro  da  esfera 
de  acção  de  Castela  no  Oceano.  Aquela  memória,  com  tamanhos  desvarios,  era  sobretudo  inspirada 
pelos  pretendidos  interesses  de  família. 

A  ]unta  de  Badajoz,  reunida  neste  mesmo  ano  de  1524,  a  que  concorreram  cosmógrafos, 
letrados  e  pilotos,  poriugueses  e  espanhóis,  em  igual  número,  tinha  por  fim  decidir  se  as  Molucas 
ficavam  ou  não  compreendidas  no  hemisfério  português.  Fernando  Colombo  estava,  pelos  seus  ínterésses 
e  opiniões,  naturalmente  indicado  para  ser  um  dos  delegados  por  Castela.  A  estes  convinha  então  que 
se  adoptasse  um  grau  terrestre  com  o  menor  número  possível  de  milhas,  para  poderem  contar,  desde  p 
meridiano  inicial  da  demarcação,  em  370  léguas  a  oeste  das  ilhas  de  Cabo  Verde,  mais  de  180  graus, 
para  oriente,  alé  às  Molucas,  que  assim  ficariam  situadas  no  hemisfério  espanhol.  Fernando  Colombo, 
alegando  a  dificuldade  de  se  saber  experimentalmente  o  valor  do  grau.  tendo  por  isso  de  recorrer-se 
aos  autores  mais  abalisados  e  seguir-se  aquele  que  se  julgue  conformar  se  mais  com  a  verdade, 
apresentou  êste  parecer  que  é  o  extremo  oposto  do  já  citado,  de  Ferrer: 

í«»   H  Wjqncr.  Dte  Rekonstruktion  der  Toscanelli-Kartt  vom  J.  1474.  obtà  \A  ciradi.  pig.  2M. 

(")   A  poilçao  de  McUcj.  depois  do  Cabo  Cori.  é  por  We  expUcada  adlanre  na  dcicrfçlo  da  «cflunda  Indla.  lltuada 

entre  o  f,  ^^^J^y^^^i^e  ^  Duvate.  Cristóbãl  Colón  y  Pãblo  dei  Poiío  Toscanelli.  Madrid.  1903.  pífl»-  2»,  2SI.  No  paMO 

citado  hi  um  érro  liposrálico  na  daU.  ISM  em  vez  de  1524,  como  8at)enios  por  obsequiow  inlormaçlo  do  autor  d*»le 
exSente  liiro.  Aquela  Dedíracion . . . .  está  Inseria  no  TÔmo  16,  pig.  3«.  Colecdon  de  documentos  inéditos  de  la 
hnloria  de  £spjiiã. 

239 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


•D.  Hernando  Colon       dice  que  no  sigue  Ia  opinion  dei  tiempo  de  Artstótíles  que  daba  800 

estádios  á  cada  grado,  de  que  viene  á  contener-se  en  el  ambitu  dei  esphera  12500  léguas:  ni  recibe  la 
de  Estrabo  en  el  libro  3."  que  asimesmo  es  de  Ambrósio  y  Teodósio  v  Macrobio  v  Eurístenes,  que  daban 
700  estádios  de  que  viene  al  esphera  7875  (esta  íôra  a  opinião  escolhida  por  Jaime  Fener|.  Ni  acepta 
la  de  Marino  v  Tolomeo  en  el  l.o  v  libro  que  dan  500  estádios,  de  que  resultan  al  ambitu  5625 
léguas;  pero  que  sigue  v  Hene  por  buena  la  de  Tebil  y  Almeon  y  Alíragano  en  la  diferencia  8.*  al  cual 
sfguen  algunos  modernos  de  autoridad.  como  es  Pedro  de  Aliaco  en  el  10  cap.  de  imagine  mundi.  y  el 
autor  dei  esphera  en  la  division  de  los  climas,  y  Fr.  ]uan  de  Pecan  en  el  a."  cap.  dei  tratado  de  su 
esphera.  y  el  primero  Almirante  de  las  índias,  como  consta  por  muchas  escrituras  de  su  mano,  los 
cuales  todos  dan  á  cada  grado  56  millas  y  dos  tercios  que  consliluyen  14  léguas  y  dos  tercios  de 
milla;  dó  se  iniiere  y  concluye  en  el  mayor  circulo  dei  esphera  5100  léguas»  (**). 

Assim  Fernando  Colombo  propunha  o  valor  de  56  J  milhas  para  o  grau  terrestre,  adoptado  por 
seu  pai,  que  seguia  Alfragano.  Mas  as  56  \  milhas  de  Alíragano  eram  milhas  árabes,  e  as  de  Cristóvão 
Colombo  eram  as  milhas  romanas  de  1000  passos,  muito  menores.  O  grau  não  atingiria  assim  84 
quilómetros  (USO""  X  56 '  ^83867<n),  mas  isso  não  era  já  aceitável  no  ano  de  1524.  e  por  isso  os  outros 
peritos.  Fr.  Tomás  Duran.  Sebastian  Caboto  e  Juan  Vespucci.  deram  parecer  menos  radical,  embora 
inspirado  em  Igual  motivo  de  interesse  próprio: 

•  Primeramenf e  tenemos  de  graduar  las  léguas  é  darle  menos  léguas  que  pudieremos  al  grado 
dei  cielo.  porque  dando  menos  léguas  menos  haberán  en  toda  la  tierra,  lo  cual  mucho  cumple  al  servício 
de  SS.  MM.:  empero  como  ya  en  otro  escrito  díjímos  parécenos  que  tenemos  de  venir  á  lo  que 
comunmente  usan  los  marineros  ansi  en  Portugal  como  en  Castilla,  que  dan  á  Vada  grado  dei  cielo  17 
léguas  y  media,  é  al  prímer  rumbo  despues  dei  norte  dan  18  y  media,  é  á  el  nomordeste  dan  20  etc 
El  segundo  fundamento  es  que  nos  conformaremos  con  el  Tolomeo  astrólogo  gravisimo  y  esperimentado, 
el  cual  escríbió  despues  de  Pomponio  é  Marino  é  Plinio  é  Estrabo,  el  cual  pone  62  millas  é  media  á 
cada  grado»  ("*). 

Estes  manifestam  a  conveniência,  para  o  serviço  das  Majestades  Católicas,  de  reduzir  o  mais 
possível  as  dimensões  do  orbe  terráqueo  (!)  a  fim  de  lhes  poderem  pertencer  as  Molucas,  mas,  perante 
o  uso  do  grau  de  17  )  léguas  ou  70  milhas  pelos  marinheiros  portugueses  e  castelhanos,  não  ousam 
propor  uma  redução  de  mais  de  7  ' ,  milhas  ao  grau  em  uso,  recorrendo  ao  valor  de  62  )  milhas,  atri- 
buído a  Ptolomeu,  como  interpretação  dos  seus  500  estádios. 

A  respeito  das  discussões,  sobre  vários  pontos,  havidas  entre  os  delegados  de  Portugal  e 
Castela,  observa  Denucé: 

<Les  développements  oratoires  des  Espagnols  ã  Badajoz  auxquels  nous  venons  de  faire 
allusion,  contrastent  singulièrement  avec  le  calme  el  le  savoir  des  délégués  portugals,  à  qui  Thistoire  a 
donné  raison,  au  double  point  de  vue  de  la  siluation  astronomique  des  Moluques  et  de  leurs  premiers 
occupants»  (**). 

A  digressão  que  acabamos  de  fazer  mostra  como  os  inierêsses  de  Portugal  e  Castela  (")  se 


(**)   Navarrere.  Coteccion  de  los  via/es,  Tâmo  IV.  Madrid,  1837,  pig.  335u 
(«)    ibidem,  pág.  33). 

)ran  Denucé.  Mãgtllãn,  Lê  queMion  drs  Moluques  et  la  première  circumnavigation  du  globe.  Mémolre 
pr^senlé  à  la  Classe  des  lettres  de  l  Académie  royale  de  Belgique  k  4  avnl  1910  (Mémoires.  collectlon  ln-4.o.  2.'  série 
Tome  IV.  BniKelle».  1908  1911),  pag  101. 

(•')  As  Qucsiôes  enlre  Portugal  e  Espanha  por  causa  des  domínios  coloniais  continuaram  sempre,  procurando-se 
res6lví--las  cm  Iratados  sucessivos.  No  dia  13  de  janeiro  de  1750  assina-se  em  Madrid  o  tratado,  com  26  artigos,  entre  o  rei 
poriugués.  D.  Jo.\o  V.  e  o  de  Espanha.  D.  Fernando  Vi.  pelo  qual  se  aboliu  a  linha  dc  demarcação  do  tratado  de  Tordesillas, 
detenninando-sc  os  limites  das  possessões  dc  uma  e  outra  Corôa  na  América  meridional-  Em  12  de  fevereiro  de  1761 
celebra-se  no  Prado  novo  tratado,  entre  D.  losé  I  c  D.  Carlos  III.  com  3  artigos,  pelo  qual  se  derrogou  o  de  13  de  laneiro 
de  I7iO.  No  primtiro  de  ouiubio  de  1777.  assina-sc  em  S  Ildefonso  o  tratado  preliminar  de  paz  c  limites  da  América 
meridional,  com  25  artigos,  enire  D,  Maria  I  e  D  Carlos  III.  Das  mstruções  reservadas,  dddas  em  8  de  julho  de  1787  ã  iunia 
d  Estado  em  fcspanha,  no  ministério  do  Conde  de  Flonda  Blanca,  slo  ainda  obiecio  os  confins  espanhóis  com  os  domínios 
portugueses  na  Amínca  (Vlscondt-  dc  Saniarém.  Quadro  elementar  dss  relações  politicas  e  diplomáticas  de  Portugal.  Tòmo  2°, 
Paris.  1842.  pags.  233,  246.  292.  311).  No  Observatório  astronómico  da  Universidade  de  Coimbra  existem  interessantes  mapas 
relativos  is  delimitações  das  Ironteiras  do  Brasil  nessa  época. 


240 


DUARTE  PACHECO  PE REI R A - PRECU RSO R  DE  CABRAL 


debatiam  em  volta  desta  questão  da  grandeza  da  Terra.  D.  )o%o  II  reconhecia  bem  a  necessidade  de 
enviar  às  negociações  de  Tordesillas  tiomens  de  grande  saber  cosmográfico.  como  Duarte  Pacheco 
Pereira.  Os  peritos  do  lado  de  Castela,  quando  se  tratava  de  dar  execução  ao  iralado  e  marcar  o 
meridiano  divisório,  invocavam  a  autoridade  de  Eratóstenes  para  se  usar  um  grau  de  maiores 
dimensões,  tirando  assim  nos  graus  o  que  a  Portugal  lôra  concedido  em  léguas;  quando  se  diKuliu. 
porém,  a  propriedade  das  Molucas.  situadas  no  outro  extrémo.  recorriam  à  autoridade  de  Ptolomeo, 
para  se  adoptar  um  grau  de  menores  dimensões,  diminuindo-se  a  extensSo  dos  180  graus  concedidos. 
Por  parte  de  Porti/gal.  Duarte  Pacheco  deixa  nas  páginas  do  Esmeraldo,  como  resultado  do  seu  saber  e 
experiência,  a  avaliação  mais  exacta  do  grau.  que  se  conhece  do  tempo  dos  descobrimentos. 


LECIDO  em  outubro  de  1495  o  rei  D.  ]oâo  II.  foram  os  grandes  serviços  de  a  mpídkAo 
Duarte  Pacheco  aproveitados  pelo  seu  sucessor.  D.  Manuel,  no  ano  de  1497. 
^mandou  V/asco  da  Gama  a  completar  o  descobrimento  do  caminho  marítimo  da 
índia,  fado  que  assim  é  registado  no  Prólogo  do  Esmeraldo:  «Porquanto  no 
segundo  ano  de  vosso  reinado  da  era  de  nosso  senhor  de  1497  anos,  e  no  28 
de  vossa  idade,  vossa  Alteza  mandou  descobrir  esta  costa,  do  ilhéu  da  Cruz,  donde 
etrei  D.  ]oâo  acabou,  em  diante»  O').  No  ano  seguinte  é  Duarte  Pacheco  que  o 
rei  envia  em  descoberta  às  costas  do  Brasil,  como  resulta  da  análise  do  impor- 
tantíssimo passo  do  Cap.  2S>  do  primeiro  livro  do  Esmeraldo,  que  transcrevemos: 

<E  além  do  que  dito  é,  a  experiência,  que  é  madre  das  cousas,  nos  desengana  e  de  lôda 
dúvida  nos  lira;  e  portanto,  bem  avenlurado  Príncipe,  lemos  sabido  e  visto  — como  no  terceiro  ano  de 
vosso  reinado  do  ano  de  Nosso  Senhor  de  míl  quatrocentos  e  noventa  e  oito,  donde  nos  uossa  Altes^a 
mandou  descobrir  a  parte  ocidental,  passando  além  a  grandeza  do  mar  Oceano,  onde  é  achada  e 
navegada  uma  tam  grande  terra  firme,  com  muitas  e  grandes  ilhas  adjacentes  a  ela,  que  se  estende  a 
setenta  graus  de  ladeza  da  linha  equinocial  contra  o  polo  ártico  e,  posto  que  seja  assaz  fóra,  é 
grandemente  povoada,  e  do  mesmo  círculo  equinocial  torna  outra  vez  e  vai  além  em  vinte  e  oito  graus 
e  meio  de  ladeza  contra  o  polo  antánico.  e  tanto  se  dilata  sua  grandeza  e  corre  com  muita  longura, 
que  de  uma  parte  nem  da  outra  não  foi  visto  nem  sabido  o  fim  e  cabo  dela,  pelo  qual,  segundo  a 
ordem  que  leva.  é  certo  que  vai  em  circuito  por  toda  a  redondeza —  assim  que  lemos  sabido  que  — das 
praias  e  costa  do  mar  destes  Reinos  de  Portugal  e  do  promontório  de  Finisterra  e  de  qualquer  outro 
lugar  da  Europa  e  d'Africa  e  d'AsÍa  atravessando  além  todo  o  Oceano  direitamente  a  ocidente,  ou  a 
loeste  segundo  ordem  de  marinharia,  por  trinta  e  seis  graus  de  longura.  que  serão  seiscentas  e  quarenta 
e  oilo  léguas  dc  caminho,  contando  a  desoito  léguas  por  grau.  e  ha  lugares  algum  tanto  mais  longe  — é 
achada  esta  terra,  navegada  pelos  navios  de  vossa  Alteza  e.  por  vosso  mandado  e  licença,  os  dos 
vossos  vassalos  e  naturais;  e  indo  por  esta  costa  sobredita,  do  mesmo  cErculo  equinocial  em  diante, 
por  vinte  e  oito  graus  de  tadeza  contra  o  pólo  antártico,  é  achado  nela  muito  e  fino  brasil  com  outras 
muitas  cousas  de  que  os  navios  nestes  Reinos  vem  grandemente  carregados  >  (*'). 


(**)   Esmerattto  áe  Situ  orbis.  edifao  da  Sociedade  de  Qeograna.  Lliboa,  I90S,  pJg  16. 

i")  iludem,  pág.  23.  A  íile  passo  laz-se  depois  relcréncia  no  Cap  li  »  do  sejundo  livro:  -mas  como  quer  que 
a  maoeslade  da  orande  nahireza  uu  de  grande  variedade  em  tua  ordem  no  criar  e  gtnr  das  cousas.  *cAamcn  por  rMpfr-^nciã 
Que  oT  homens  diste  promontório  de  Lopo  Ocnçalves  e  tôda  a  outra  lerr*  de  Qulné  ilo  assaz  negros,  e  as  outras  gentes 
Que  lãzem  jíém  ao  mar  Oceano  ao  ociat-nte.  que  tem  o  flrau  do  sol  por  Igual  como  os  neflros  da  dita  Ouíní  ao  Sardos 
quáH  brancos,  e  eslai  slo  as  gcniei  que  tiabitam  na  tetra  ão  brasil,  de  que  lá  no  secundo  capitulo  do  primeiro  livro  Hzemo» 
menção»  (Ibidem,  píg.  127). 

241 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


A  parle  mais  importante  áèstc  trecho  pode  lêr-se  na  rcproducçào  fac-similada.  que  vai  na 
estampa  junla.  da  pigina  correspondenle.  tanio  da  cópia  manuscrita  do  Esmeraldo  existente  na  Biblioteca 
do  Évora  c  feita  na  primeira  metade  do  século  XVIII.  como  da  cópia  conservada  na  Biblioteca  Nacional 
de  Lisboa,  da  segunda  metade  do  mesmo  século.  Na  nossa  transcrição  demos  às  palavras  a  grafia 
moderna,  ê  nâo  adoptamos  a  pontuação  introduzida  por  Epifânio  Dias;  empregamos  os  sinais  ortográ- 
ficos da'  maneira  que  nos  parece  mais  apropriada  à  leitura  do  texto,  sendo  a  principal  diferença  o 
emprego  de  dois  pares  de  traços.  Para  melhor  compreensão  deste  inestimável  passo,  comecemos  por 
notar  que  a  conjunção  como,  logo  a  seguir  ao  primeiro  traço  (como  no  terceiro  ano...),  está  na  significação 
de  quando;  assim  se  vê  usada  varias  vezes  no  Esmeratdo,  por  exemplo  no  Cap.  \2°  do  l.o  Livro 
(pjg.  46  dá  edição  de  1905):  «Como  o  sol  e  a  lua  forem,  pela  mantira  que  acima  íaz  menção,  ao 
nordeste  e  a  quarta  do  leste,  será  um  oitavo  d'água  vazio;  e  tanto  que  chegarem  e.ii  les-nordcste.  será 
um  quarto  da  dita  maré  vazio;  e  como  chegarem  em  leste  e  a  quarta  do  nordeste,  serão  três  oitavos 
dágua  vazios:  e  como  entrarem  no  rumo  de  leste,  será  meia  jusante»;  e  no  final  do  Cap.»  27.o:  <e  as 
aves.  como  a  vêem  ir,  sam  tantas  sobre  ela.  que  a  picam,  que  é  cousa  que  se  nâo  crêra,  porque  a 
carne  destas  cobras  é  tam  mole  ...  (pág.  82)  Note  se  e,n  seguida  que.  na  parte  do  trecho  que  corre 
entre  os  dois  primeiros  traços,  há  anacolulia,  por  falta  de  sequência  gramatical:  a  oração  que  começa 
em  como  (quando)  ficou  sem  verbo,  por  causa  da  intromissão  da  palavra  donde,  sem  a  qual  a  oração 
continuaria  regularmente.  A  seguir  ao  segundo  traço,  o  autor  que  não  tinha  posto  o  complemento  dos 
verbos  do  princípio,  temos  sabido  e  msto,  repete:  assim  que  temos  sabido,  acrescentando  então  o 

complemento:  que  —  —  é  achada  esta  terra.  O  que  êle  tem  sabido  e  uisto  é  que.  além  do  mar 

Oceano,  é  achada  aquela  costa  que  se  estende  a  70  graus  ao  norte  e  a  23  graus  e  meio  para  o  sul;  e 
sabe  isso  (êle  esaeve  em  1505)  por  informações  provenientes  da  experiência  athaía  e  pela  sua  própria 
observação  directa.  Quando  diz  que  tem  i/isto.  refere-se  à  sua  experiência  pessoal,  e  intromete  logo  a 
narrativa  de  quando  ela  começou:  foi  no  ano  de  1498.  por  ordem  do  rei.  O  anacolulo  que  interrompe  a 
seqiiêncía  gramatical  resulta  muito  naturalmente  da  aglomeração  de  pensamentos  na  mente  do  escritor, 
ao  evocar  a  sua  primeira  viagem  para  ocidente,  mas  nâo  prejudica  a  clareza  do  sentido,  e  por  isso  nâo 
deve  classificar  se  de  vicioso  emprègo.  Ao  tempo  a  disciplina  gramatical  era  menos  rígida.  O  escritor, 
deixando  ir  a  pena  atrás  dos  seus  pensamentos,  escrevendo  como  se  falava,  caía  naturalmente  em 
anacolutos,  ora  por  inienupção,  ora  por  mudança  brusca  da  construção,  resultantes  da  interferência  de 
longas  orações  dependentes,  deixando  porém  o  sentido  bem  claro.  Casos,  como  êsie  do  Esmeraldo, 
encontram-se  nos  escritores  modernos,  que  nisso  por  vezes  imitam  os  aniígos,  consciente  e  propositada- 
mente. Assim  se  vê  em  Herculano  C^*). 

Como  já  tem  sido  justamente  observado,  quando  no  Esmeraldo  se  diz  que  o  rei  mandou 
descobrir,  irata-se  sempre  de  um  descobrimento  levado  a  efeito.  Assim  se  vê  na  passagem  primeiro 


('•)  Para  exemplo  damos  c.;c  twctio  <Jo  2o  cap.  de  O  Bobo.  que  rcpr-^duiimos  tal  qu»!  sc  \i  no  Pjnorãinã 
(Vol.  2.0,  tine  2»,  1843.  pág.  22.  2*  coluna):  «Se  era  um  ban^uelc  ou  sar^u.  onde  o  fumo  do  vinho  c  a  ebrÍL-daJe  que  nasce 
do  contado  de  mullos  tiomens  juntos,  das  danais,  do  perpassar  dd$  mulheres  voluptu^riameiUe  adornaJas.  do  ctieiro  das 
flôrí».  das  lorrenics  de  \»t  que  cm  milhôis  de  raios  aquece  o  ^mbíciiic  — a  loucur.i  ficlícia  do  iruiu  parecia  diutar-se.  agiiar-s*. 
co'Vfrter-íc  n'um  turbilhio  inlernal».  Na  orac^io  quí  comtça  cm  onde,  o  suielto  (o  fumo  do  vinho  e  .1  ebricdide)  lica  sem 
vioo.  MA  .in  i  ,^l  (f  .  1  ■-■M  III-  ao  traço,  »egumJo  sc  a  oraçlo  principal.  Contudo  o  sentido  lici  bem  claro,  e  o  leitor 
nem  ac  ap  .-ncia  gramalic.tl  e.  só  rffkclInJo.  dá  por  ela.  Ora  Uto  é  aiSim  escrito  propositaJimente, 

"       ""elhor     -   ■      .ordenada  do  banquete,  eni  que  se  agita  a  kucura  do  trulo.  Granuiicalmeme  é  um  caso 

.10  do  ;  M  Ciiaremo»  alnia  cu  ro  pas&o  de  HercuLno.  Lè-ss  no  Eurico  (23,«  ediçio,  dc  David  Lopes,  iivrart* 

.1  i  iuj.  pig.  26'>(.  L^t  -  V  )'  í.ir  peU  moric  era  u,na  bem  insie  cubiça!  E  quatidfj  se  lembrava  de  oul-  i-ííj  mulher  quj  al 
iatla  a  poucos  passos  i  mulher,  em  cuja  adorjçio  concentrara  loJu*  o*  alectos  do»  mais  íofnioiOi  dias  da  vida; 

cuta  imageni  -  ^     uii  lu^  -  .uioei  do  Calp',  ,     .  continuo  d)anto  dos  olhos  da  sua  '  ■  úv 

Mudtde  e  ;ijra  cm  iodas  as  suas  mulhi-r  >^u■:.  p:uco  hivi.i,  por  nopú  ira 

o  pii;j,  L   níie  poderá,  outrora,  loriu  lo  y  mii:>  i,iiz  d  s  li  itravj        que  iozík:  iíjo  iu^ío  êle 

cair  a  canipi  de  bronze  do  4.icerdõcio,  que  ninqm-m  podiji  .  ii,a  estílarem-lhe  uma  a  uma  todas 

d>  liDiai  do  corj(Ao....>.  til  aqui  um  caso  de    ^  a  o  ití  pozcmoi  em  l':l;co   (L  quando  se 

l.mbrava  de  tjn-  r(<a  mulher  que  ai  a  poi,  miti  Conmdo  a  diç^o  e  s  inor-  bela  e 

cK.ra.  ta'  ia  sugerir  o  tumultu.ir  do  pensam  cm  os  no  espirito  atnbulado  di*  Eurico.  É  és  -m.  um 

cKcmplo  A-  loqa  !\  do  trecho  do  Esmer.ildo.  Epilánio  Dla>  vc.  neste  trecho,  anicolulia  na  n.,    1,  •temos 

wbido  .  ibido.  inola  à  linha  13  Ja  pág  23).  de  acordo  com  a  cxplan.n;io  desta  ligura.  por  èic  dada 

na  SUA  :.íj,  mas  a  anacolulia  está  propriamenic  na  falta  de  sequencia  da  oraçío  de  como,  que 

fica  Incom  dição  dc  Duaite  Pacheco  é.  ahnal.  semelhante  á  que  acabamos  de  ler  num  escritor  da  grandeza  dc 

Alexandre  li   <i3. 


242 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 

iranscrila  que  se  refere  a  Vasco  da  Gama.  e  do  mesmo  modo  quando,  por  duas  vezes,  fala  na  .quarta 
parle  que  vossa  Alte?a  mandou  descobrir  além  do  Oceano.  (  0.  e  noutros  passos.  Duarte  Pacheco  nào 
era  homem  que  deixasse  de  cumprir  um  mandado  real,  por  muito  arriscado  que  fôsse.  nem  se 
compreende  que  viesse  lembrar  ao  próprio  D.  Manuel  uma  ordem  sua  nâo  executada;  e  êle  bem 
claramente  diz  que  a  cumpriu.  O  modo  como  constantemente  se  exprime,  mandou  descobrir,  mostra  que 
considerava  o  rei  empenhado  no  prosseguimento  de  um  plano  que  se  vinha  efectuando.  Vasco  da  Gama 
é  expressamente  nomeado  por  cinco  vezes  nos  dois  primeiros  capítulos  do  Livro  4.0,  em  que  se  trata  da 
primeira  viagem  ã  índia;  por  contraste,  nâo  pode  deixar  de  atribuir  se  signiíicaao  ao  silêncio  em 
que  fica  o  nome  de  Álvares  Cabral,  mesmo  nas  passagens  referentes  ao  descobrimento  da  quarta 
parte  da  Terra. 

No  passo  transcrito,  não  afirma  èle  que  tivesse  percorrido,  em  1498.  a  costa  americana  de 
norte  a  sul.  como  se  tem  já  interpretado.  Conta  que  o  rei  o  mandou,  nesse  ano,  a  descobrir  a  parte 
ocidental,  passando  além  a  grandeza  do  mar  Oceano.  Para  se  entender  o  que  diz  em  continuação,  «onde 
é  achada  c  navegada  uma  tam  grande  terra  firme-,  que  se  estende  desde  70  graus  ao  norie  até  28  , 
graus  de  latitude  austral,  deve  considerar  se  que  os  primeiros  14  capítulos  do  Esmeraldo  foram  escritos 
no  ano  de  1505.  As  notícias  a  respeito  das  regiões  setentrionais,  grandemente  povoadas  C*)  até  70 
graus,  devem  provir  das  viagens  dos  Corle-Reais,  pois  nâo  há  o  menor  indício  de  conhecimento  directo 
de  tais  regiões  por  Duarte  Pacheco,  que  na  Táboa  C')  de  latitudes  nâo  menciona  lugar  algum  da  costa 
norte-americana;  e  o  que  se  diz  a  respeito  de  Gaspar  Côrte  Real.  tanto  na  carta  de  doação  das  terras 
que  èle  descobrisse,  feita  por  D.  Manuel  em  maio  de  1500,  como  na  carta  de  trespasse  para  o  irmão 
Vasco  Eanes  em  setembro  de  1506  ("),  é  incompatível  com  a  ida  anterior  de  Duarte  Pacheco  para  as 
mesmas  terras,  por  mandado  do  rei  D.  Manuel  A  costa  meridional,  onde  há  «muito  e  fino  brasil  com 
outras  muitas  cousas  de  que  os  navios  nestes  reinos  vem  grandemente  carregados»,  é  dada  como 
conhecida  até  28  graus  e  meio;  aí  situa  também  Pacheco  o  lugar  mais  austral  (a  ilha  de  Santo  Amaro) 
da  sua  lista  de  latitudes  geográficas  relativa  ao  Brasil,  intitulada:  «Estes  sab  os  graus  de  ladeza  que  se 
estes  lugares  da  terra  do  Brasil.  d'além  do  mar  Oceano,  apartam  da  linha  equinocial  em  ladeza  contra  o 
pólo  antárlico»  ( i  Para  que  parle  do  continente  americano  se  dirigiu  êle,  quando  passou  «além  a 
grandeza  do  mar  Oceano»?  Naquele  ano  de  1498  não  se  podia  pensar  em  violar  o  tratado  de  Tordesillas, 
dadas  as  relações  de  amizade  e  parentesco  entre  os  monarcas  portugueses  e  castelhanos,  e  a  intenção 
em  que  sempre  estiveram  de  o  respeitar  e  fazer  respeitar.        Dirigir-se  para  a  América  central  seria 


p*)   Esmeraldo  ât  situ  orbis.  Usboa,  190S,  pigs.  2S  e  30. 

{**)  <Dlcono  che  t^uesia  lerra  e  mullo  populala»  (Carta  de  Plelro  Pascualigo  a  SPus  Irmlos,  de  19  de  oulubro 
de  150t.  In  Centenario  do  descobrimento  da  America.  Memorias  da  Comissão  portuguesa,  Lisboa,  1892,  pig.  104.  Hartue.  £« 
Corte-Real  et  leurs  voyages  au  Souneau  Monde,  Paris,  l&U,  págs.  211 -212). 

(»')    £smerildo  de  situ  orbis.  Lisboa.  190&.  págs.  31-38. 

(•*)  Alguns  documentos  da  Torre  do  Tombo.  Lltboa.  1992,  págft.  ISO.  152.  Damião  de  Goes,  na  Cbránica  det  rei 
D.  Emanuel,  cap.  66  da  1.'  Parte,  áit  que  Gaspar  C6rle-Real  fôra  creado  de  D.  Manuel,  quando  èste  era  simples  Duque  de 
Beja.  e  que  se  propòi  Ir  detcobrtr  lems  para  a  banda  do  Norte,  porque  para  a  do  Sul  )!  oulros  Unham  descoberto  mullas. 
Na  caria  de  doarão  a  Gaspar  Cõrle-Real.  de  II  de  maio  de  ISOO,  diz-se  que  éle  «os  dias  passados  se  trabalhou  por  sl  e  á 
■ua  custa,  com  navios  e  liomens.  de  buscar  descnbrlr  e  achar,  com  muito  seu  trabalho  e  dcâpezas  de  sua  fazenda,  e  perigos 
de  sua  pessoa,  algumas  ilhas  e  terra  (irme.  e  pelo  conseguinte  o  quer  ainda  continuar»  (Alguns  documentos,  pÁg.  150),  o  que 
lignlflca  que  éle  já  andava  naquelas  diligências  em  anos  anteriores  a  ISOO.  Na  carta  de  trespasse  dadoacio  para  Vasco  Eanes 
CMe-Real,  de  17  de  setembro  de  150t>.  dli-se  que  seu  irmSo  Gaspar  foi  <o  primeiro  descobridor-  das  lerras  a  que  chegou 
(Atguns  documentos,  pág.  152).  N3o  é  aceitável  que.  para  eslas  mesmas  terras,  doadas  aos  Cõrte-Reais,  tivesse  o  rei 
D.  Manuel  mandado  Duarte  Pacheco  em  1498.  DamlSo  de  Goes  conta  também  que,  depois  da  perda  dos  IrmSos  Gaspar  e 
Miguel,  o  rei.  sentindo  Isso  multo,  'pela  creaçâo  que  nèles  iizera>.  movido  de  «seu  real  e  piedoso  moto*,  no  ano  de  1503 
mandara  duas  naus.  armadas  à  «ua  custa,  busca-los.  Se  Duarte  Pacheco  tivesse  ido  para  as  mesmas  parles  em  1498.  era  éle 
naturalmente  o  Indicado  para  Ir  em  procura  dos  Còrle-Reais,  visto  o  grande  amor  que  D.  Manuel  lhes  tinha,  mas  nésse  ano 
foi  ète  para  a  Indla  com  os  Albuquerque;.  Se  n}o  é  assim  admissível  a  ida  de  Pacheco  para  as  regiões  onde  oft  Côrle-Reais 
•e  perderam,  tem  boa  cxplicaclo  a  tua  viagem  clandestina  ao  Brasil  em  1498. 

O*)    Esmeraldo  de  situ  orbis.  Lisboa,  1905,  pág.  38. 

(**)  No  fragmento,  abrangendo  a  América,  do  planlstério  de  Cantino,  do  ano  de  1502.  dado  no  Cap.  111  desta 
obra.  vécm-se  as  bandeiras  das  quinas  assinalando  os  domínios  portugueses  a  oriente  do  «marco  dantre  Castella  e  Portuguall». 
e  é  de  notar  o  cuidado  que  houve  em  colocar  do  mesmo  lado,  para  llcar  ao  abrigo  do  convénio  de  Tordesillas,  a  terra 
descoberta  por  Gaspar  C&rte-Real  que,  ao  norte,  é  designada  por  Terra  dei  Rey  de  Portuguall  e  lem  a  legenda:  «Esta  terra 
he  descoberta  per  mandado  do  muv  alto  excelentíssimo  Príncipe  Rey  Dom  Manueli  Rey  de  Portuguall  a  qual  descobriu  Gaspar 
de  Cone  Real  cavalleiro  da  casa  do  dlio  Rev....>.  «He  jthe  draughtsman)  placed  Newfoundland  to  the  east  of  lhe  Papal  Une. 
just  brlnglng  II  within  the  Portuguese  domÍnlon>,  observa  Markham  (Tlte  fournal  of  C.  Columbus  and  documents  retjling  to 
the  voyages  of  J.  Cabot  and  Gaspar  Corte  Real,  London,  Hakluyt  Sodety.  IS93,  pig,  Lll).  A  Carta  patente  dos  Reis  Católicos, 
4e  7  de  maio  de  1495.  adiante  publicada  em  apêndice,  ordena,  sob  graves  penas,  que  em  tôdas  as  cartas  de  marear,  desenhadas 
em  seus  reinos  e  scnhoríos.  se  trace  a  raia  divisória,  de  norte  a  sul.  estabelecida  em  Tordesillas.  A  carta  de  marear  reprodu- 
zida, na  estampa  |unta,  do  Regtmiento  de  návegacwn,  de  Pedro  de  Medma,  obedece  ainda  a  essa  prescrl^Ao.  O  meridiano  limite 
esti  na»  370  léguas  a  oeste  das  ilhas  de  Cabo  Verde,  tomadas  na  escala  de  léguas  da  carta. 


244 


DUARTE  PACHECO  PEREI RA - PRECURSOR  DE  CABRAL 


violação,  demasiado  maniíesta.  do  tratado.  Nâo  devendo  ultrapassar  o  meridiano  divisório,  e  nSo  tendo 
ido  para  o  norte,  foram  as  costas  do  Brasil  o  obieclo  da  sua  viagem,  o  que  tem  fácil  explicação. 

O  rei  D.  Manuel  casara  em  outubro  de  1497  com  D.  Isabel,  filha  dos  Reis  Católicos.  O  irmio 
desta,  o  príncipe  D.  ]oào.  morria  a  êsse  tempo,  ficando  ela  herdeira  das  corôas  de  Castela  e  Aragão, 
pelo  que  os  reis  portugueses  se  intitularam  Príncipes  de  Castela,  Leão  e  Aragão.  No  més  de  março 
de  1498  (")  partiram  èles  de  Lisboa  para  Toledo,  onde  foram  jurados  príncipes  de  Castela  e  Leào,  em 
28  de  abril  No  dia  I  de  iunho  chegavam  a  Saragoça,  para  serem  jurados  príncipes  de  Aragão,  mas  os 
aragoneses  opuseram  dificuldades,  e  o  juramento  íoi  se  demorando  até  que,  em  24  de  agosto,  a  rainha 
portuguesa  dava  à  luz  um  filho,  morrendo  em  seguida.  Assim  o  filho  recém  nascido.  Miguel,  que  viveu 
apenas  22  meses,  passou  a  ser  o  príncipe  herdeiro.  O  monarca  português,  viuvo,  estava,  em  9  de  outubro, 
de  regresso  em  Lisboa,  continuando  os  reis  Fernando  e  Isabel,  a  chamar-lhe  príncipe,  ainda  que 
a  título  honorífico. 

Em  30  de  maio  dêste  ano  de  1498,  safa  Colombo  de  San  Lucar  de  Barrameda  para  a  sua 
terceira  viagem,  que  vinha  sendo  preparada  desde  o  ano  anterior.  D.  Manuel,  então  na  córte  dos  Reis 
Católicos,  onde  era  tratado  como  príncipe  herdeiro,  nâo  podia  deixar  de  ter  disso  conhecimento,  assim 
como  depois  havia  de  saber,  em  Lisboa,  da  estada  do  navegador,  no  princípio  de  julho,  em  Santiago  de 
Cabo  Verde.  Segundo  as  transcríçòes  atrás  feitas  (pág.  234),  Colombo  partiu  de  Santiago  com  rumo 
de  sudoeste,  para  verificar  a  opinião  de  D.  ]oão  II.  que  dizia  haver  terra  firme  para  o  sul.  Mas  tinha 
de  respeitar  o  convénio  de  Tordesillas.  Navegando  a  sudoeste,  e  depois  para  oeste,  chegou  à  terra  de 
Pária,  no  hemisfério  ah-ibufdo  a  Castela. 

Quando  em  dezembro  do  ano  seguinte,  1499,  Vicente  Váílos  Pinzón  partiu  do  pôrlo  de  Paios 
para  demandar  o  mesmo  continente,  devia  também  ter  em  consideração  aquele  convénio,  pois  que  ainda 
no  «Asiento  y  capitulacicyi  con  Vicente  Vát^es  Pinzón  para  poblar  en  Ias  lierras  que  habia  descubierlo». 
assinada  em  Granada  pelos  Reis  Católicos,  em  5  de  setembro  de  1501,  se  adverte  expressamente:  <ni 
vavais  a  las  íslas  y  tierra  firme  que  hasta  hoy  son  descubiertas  por  nuestro  mandado  e  con  nuestra 
licencia,  ni  a  las  islãs  e  tierra  firme  det  sereníssimo  Re^  de  Portugal,  Príncipe,  nuestro  muy  caro 
e  muy  amado  hijo»  (**). 

No  convénio  de  Tordesillas  estipulava-se  que,  dentro  de  10  meses,  contados  da  data  da 
assinatura  do  tratado,  duas  ou  quatro  caravelas,  com  tripulações  mixtas  de  pessoal  dos  dois  países, 
iriam  proceder  in  loco  à  marcação  do  meridiano  divisório  em  370  léguas  a  oeste  das  ilhas  de  Cabo 
Verde.  Reconhecendo  se  depois  a  dificuldade  de  execular  esta  determinação  antes  de  conhecer  se  terra 
situada  a  tal  distância,  a  Carta  dos  Reis  Católicos,  de  7  de  maio  de  1495  (**).  estabeleceu  que  se 
esperasse  descoberta  feita  no  meridiano  divisório  por  alguma  das  partes  contratantes.  A  parte  que  tal 
achasse  requereria  da  outra  que  se  fôsse  proceder  à  demarcação,  a  qual  deveria  executar  se  dentro  de 
10  meses,  contados  desde  a  data  do  requerimento.  Assim  se  adiou  a  contagem  dos  primitivos  dez  meses. 
No  caso  de  se  reconhecer  que  a  região  achada  não  estava  debaixo  da  raia.  far-se-ia  a  declaração  de 
quantas  léguas  dela  distava,  num  ou  noutro  domínio;  e  em  qualquer  terra  encontrada  nas  proximidades 
não  deixaria  de  fazer  se  tal  declaração:  «no  dexando  poren  de  en  qualquer  Isla  o  Terra,  que  mas  acerca 
de  la  dicha  lifla  despues  por  el  liempo  se  hallare.  haser  la  dicha  dedaracion».  Mais  ordenam  os  Reis 
Católicos,  sob  graves  penas,  que  em  lódas  as  cartas  de  marcar  desenhadas  em  seus  reinos  e  senhorios 
se  trace  o  meridiano  divisório,  para  que,  tanto  os  seus  súbditos,  como  os  do  rei  lusitano,  tenham 
mais  informação  por  onde  de  aí  em  diante  possam  ir  navegar  e  descobrir.  D.  João  II  preferiria  guardar 
o  segredo  das  suas  descobertas,  mas  a  situação  não  podia  prolongar-se.  Tendo  éle  dirigido  as  negociações 
de  Tordesillas  de  modo  a  evitar  que  ficasse  na  posse  de  estranhos  a  terra  situada  a  ocidente  do 
caminho  das  índias,  o  seu  sucessor  (")  certamente  havia  de  ordenar  reconhecimentos  nos  mares  que  lhe 


êtm  pcnwr  em  ser  o  .•'«"''J^  P^^iã  P«o  da  Cov.lhl  contou  ao  P»  Francisco  Alvares  como  *te  e  Alonso  de  Paiva  foram 
planos  de  descobrimento*  Assim.  cm  Santarfm    por  D  loJo  II.  que  lhes  deu  um  mapa-mundt.  400 

Sespachado»  p-ra  »  K,;"  Í^^NÍí,  vezes  'nlíte  que  es.ala  príin.e  o  «I  D.  Manuel.  sr«tfo  duguf  (Verésdeir. 

^?cVX-:  ir/eS//o%^rír7J?'</iw'"--.  Pe.0       l  A.vares,  Lisboa.  ,«3.  pi«. 


HfST<^R?A  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


eram  atribuídos.  Tendo  em  M97  mandado  Vasco  da  Cama  a  completar  o  caminho  da  índia,  no  ano 
seguinte  envia  um  capitão  da  sua  confiança  a  tomar  conhecimento  das  terras  ocidentais  que  poderiam 
servir  de  escala  no  caminho  do  oriente,  e  a  certificar-se  se  estariam  bem  ao  abrigo  do  Iraiado,  em 
situação  que  não  podesse  ser  questionada. 

Temos  assim,  no  ano  de  1498,  duas  viagens  dirigidas  para  a  terra  firme  que  D.  ]o3o  II  dizia 
existir  ao  sul.  realizando  se  uma,  a  de  Colombo,  nos  mares  do  hemisfério  castelhano,  e  a  outra  em 
águas  portuguesas.  Duarte  Pacheco,  que  navegara  durante  muitos  anos  nas  regiões  equatoriais  do 
Atlântico,  eslava  bem  indicado  para  esta  expedição,  que  naturalmenle  foi  ordenada  depois  da  vinda  de 
Espanha,  quando  D.  Manuel,  tendo  deixado  de  ser  herdeiro  da  coroa  de  Castela,  voltou  a  retomar  mais 
aclivamenie  a  direcçáo  dos  negócios  do  reino  de  Portugal.  Mas,  ordenada  antes  ou  depois,  tinha  por 
destino  as  costas  do  Brasil  esta  viagem,  prudentemente  feita  em  segrédo,  revelada  depois  pelo  autor 
do  Lsmeraldo  em  palavras  discretas,  que  deixam  transparecer  claramente  a  verdade. 

Na  armada  de  Pedro  Álvares  Cabral,  que  larga  de  Lisboa  em  9  de  março  de  1500  vai  Duarte 
Pacheco,  o  qual  neste  mesmo  ano  se  toma  iá  notável  na  índia,  na  tomada  da  nau  do  elefante  a  pedido 
do  rei  de  Calecut,  episódio  que  narram  Castanheda.  Barros,  Goes  e  Osório.  Castanheda  quando 
descrevo  depois  a  armada  dos  Albuquerques.  mandada  à  índia  em  1503,  menciona  entre  os  capitães 
-Duane  Pacheco  Pereira,  de  que  falei  ãtrás  fazendo  assim  notar  que  êsle  é  o  me^mo  que  tomou 
parte  n.i  tomada  da  nau  de  Cochim.  E  que  êle  foi  o  principal  herói  desta  façanha  testemunha  Damião 
de  Goes.;  <Ao  dra  seguinte,  informado  El  Rei  de  Calecut,  pelos  Mouros  que  foram  com  Pero  de  Ataíde 
de  quam  animosamente  os  nossos  o  fizeram,  mandou  pedir  a  Pcdralvares  que  lhe  mandasse  os  aue 
mereciam  ser  vistos  de  lôdolos  Reis.  e  senhores  do  mundo,  aos  quais  féz  a  todos  mercês  e  em  especial 
a  Duarte  Pacheco  Pereira,  por  lhe  os  mouros  dizerem  que  nunca  viram  honftfm  Iam  animoso  nem  tam 
esforçado,  e  que  ele  fòra  a  causa  única  de  se  aquela  nau  tomar,  do  qual  e  das  façanhas  que  fê*z 
na  India,  e  em  outras  partes,  se  dirá  ao  diante»  ("*). 

Segundo  a  narrativa  de  Pero  Vaz  de  Caminha,  a  armada  de  Cabral  passou  pelas  Canárias  em 
H  T''-  ^^^^  22 Jiouveram  vista  das  .lhas  de  Cabo  Verde.  Na  noite  segu^te  perdeu  se  da  rota  a 
sTr;'nhcidadr  E  ''"^  ^^'"'"'^^  acrescenta' com  a  mais  natural 

Páscoa^^^^^^^  '""""'^        ''''  ""^^       '^"90  até  lerça-feira  de  oitavas  de 

i      "  ''"^  "'"^'5  dia  de  tarde  viam  o  Monte 

Pascoal.  Assim  a  frota  vem  sempre  navegando,  de  Lisboa  às  Canárias,  e  às  ilhas  de  Cabo  Ve/de  p 

n^oí;?:/'  ''^•^^P^lo^  rumos  austrais  de  .oeste,  alargando  a  derrota  para  o  ado  ocid  ntaV    é  ir 

clara  omLrX        «''""'"J  evidentemente  propositado,  é  suscTptWe I  de 

Mo  cl.nZr^  armada  va,.  d.ngindo  a  róta.  o  futuro  escritor  do  Esmeraldo,  que.  em  1498  linha 

mand  d„      nT"  \  '  """'^  ^^^^  ^  Srandeza  do  mar  O  ea no  por 

,  ,7^  1  '^'P*'*''       29  d«  '501  aos  Reis  Católicos  e  diz  lhes  que 

;ód7  et rrur  ^JorT'"'         ^  '"'^'^^       ^  ^^^^^  ^^«^^^^       Catral  iue  neU 

pOrte  reparar  seus  navios  e  tomar  água,  parecendo  tal  descoberta  milagre  de  Nosso  Senhor.... 


(-)  C»Unheda.  HistoriM  do  descobrimento  Uj  India,  Livro  I.  Cap.  LV. 
(-)   DamUo  òe  Qoc».  Chrotiica  dei  rei  D.  Manoel.  Parte  I,  Cap.  LVIH. 

ncmbrc  de  S,  cVuz^en^^lí  c"  l^^líô  "I^^Son^  nu.vamen  e  descubrib.  á  Ia  ca.  puso 

q.«  nucstro  SrVr  nul.,grc,jnu-rUc  qu.^o         t  h  íase  Lro"°  P"^""*'*  '"^«''í:'-^  -"^n^-^  V  pacificas;  Ia  cual  parece 

lnd.a.  porque  alll  rep.rO  su,  nav  os  e  l.,.õ  /ou..  (NSmrcVrm^rf^  convenlen.e  y  nvces.:;a  para  U  navegaclon  de  la 
atrís  o  Hnal  da  noia  ('"«i.  pig.  c\V.  A  cÓDia  do  telVo  ^o^Lji  '^i  ^'^^^  '"■  >880.  pig  90).  Vcja-sc 

tem  a  data  de  28  de  aso^to  de  ibOI  ^^  '^  Português  desta  mesma  carli.  existente  no  Arquivo  de  Veneza 


DUARTE  PACHECO  PE RE  I  R  A - PRECU RSO R  DE  CABRAL 


UARTE  Pacheco  vollou  para  a  índia  no  ano  de  1503,  ccmo  capilâo  de  uma  nau   i  aoicco  im 
sob  a  bandeira  de  Afonso  de  Albuquerque.  Deixado  lá  depois,  como  capitão-  '■^•^i'" 
mór  da  índia,  leve  de  sustentar  no  rio  de  Cochim  duros  combates,  em  que  íoi 
sempre  vencedor,  graças  ao  seu 

«Esforço,  força,  ardil  e  coração»  (**). 
Depois  do  regresso  de  Vasco  da  Gama  da  sua  segunda  viagem  ao 
Oriente,  o  rei  de  Calecut  declarou  guerra  ao  rei  de  Cochim,  Trímumpara,  por 
êsic  guardar  inteira  lealdade  aos  poMugucses.  rccusando-se  a  eniregar-lhe  os  que 
estavam  na  sua  cidade.  Em  abril  de  1503.  o  Samorim  man  Jou  o  seu  exército  cometer  o  passo  do  vau. 
assim  chamado  porque  se  podia  por  éle  passar,  de  maré  vasia,  com  água  pelo  joelho,  para  a  ilha  de 
Cochim.  Desbaratado,  Trimumpara  refugiou-se  na  ilha  de  Vaipim,  levando  consigo  todos  os  portugueses  e 
a  feitoria.  Dois  lapidários  milaneses  que  tinham  ido.  com  licença  do  rei  D.  Manuel,  na  bcgunda  armada 
de  Vasco  da  Gama  e  tmham  ficado  com  o  feitor,  passaram-sc  então  para  o  arraial  do  rei  de  Calecut, 
a  quem  muiio  auxiliaram,  por  saberem  fundir  anilharia. 

No  mesmo  mês  pàrtiam  de  Lisboa  seis  naus,  repartidas  em  duas  capitanias,  a  de  Alonso  de 
Albuquerque,  que  levava  como  capitães  Duarte  Pacheco  Pereira  e  Fernão  Martins  de  Almada,  e  a  de 
seu  primo  Francisco  de  Albuquerque,  sob  cuja  bandeira  iam  Nicolau  Coelho  e  Pero  Vaz  da  Veiga,  que 
ss  perdeu.  Os  primeiros  a  chegar  foram  Francisco  de  Albuquerque  e  Nicolau  Coelho,  que,  no  mês  de 
agosto,  encontravam  em  Angediva,  onde  estavam  ínvcrnando,  António  de  Campos,  que  nâo  poderá 
acompanhar  a  frota  do  Gama,  por  lhe  ter  morrido  o  pílôto,  e  Pero  de  Alaíde  com  os  outros  capitães 
que  tinham  escapado  à  tormenta  que,  em  Cúria-Múria,  destruíra  as  naus  dos  Sodrés.  Sabendo  da  guerra 
movida  pelo  Samorim,»  Francisco  de  Albuquerque  saiu  com  os  seus  navios  e  os  que  estavam  em 
Angediva,  seis  velas  ao  todo,  para  Cochim,  onde  se  lhe  juntou  a  nau  de  Duarte  Pacheco.  Restituído 
Trimumpara  ao  seu  reino  e  trazido  para  a  cidade,  os  portugueses  trataram  logo  de  castigar  os  ini- 
migos, fazendo-lhes  incursões  nas  terras;  e  começavam  a  construção  de  uma  fortaleza  sobre  o  rio. 
quando  chegou  Afonso  de  Albuquerque,  que  o  mau  tempo  demorara.  Terminado  o  forte,  foi  benzido 
com  grande  solenidade,  sendo-lhe  postO  o  nome  de  Castelo  Manuel,  «por  honra  de  nosso  Senhor  e  por 
memória  dei  rei  dom  Manoel»  (*'). 

Quando  os  Albuqucrques.  no  fim  de  janeiro  de  1504,  regressaram  ao  reino  com  as  suas  naus 
carregadas,  o  rei  de  Calecut  preparava-se  para  atacar  de  novo  o  de  Cochim,  em  cuja  defeza  ficava 
Duarte  Pacheco  Pereira,  nomeado  capitão-mór  da  (ndia.  com  a  sua  nau  Conceição,  duas  caravelas  do 
comando  de  Pero  Rafael  e  Diogo  Pires,  e  dois  batéis.  Os  portugueses  que  partiam,  admirados  de  éle 
aceitar  o  comando  de  Iam  pequena  armada,  para  resistir  ao  grande  poder  do  Samorim,  dando-o  já  por 
morto,  diziam:  «1  Perdoe  Deus  a  Duarte  Pacheco  e  aos  que  ficam  com  éle»! 

No  dia  em  que  o  Samorim  veio  com  numerosas  fdrças,  resolvido  a  entrar  na  ilha  de  Cochim 
pelo  passo  de  Cambalào.  a  caravela  de  Diogo  Pires  estava  em  concêrio,  a  nau  ficava  em  guarda  da 
cidade,  e  apenas  a  caravela  de  Pero  Rafael  e  os  dois  bateis,  ligados  por  cabos,  um  ao  outro  e  à 
caravela,  ocupavam  o  passo.  Era  no  domingo  de  Ramos.  18  de  março.  Defronte  das  três  embarcações 
tinham  os  dois  milaneses  postado  uma  estância  de  cinco  bombardas.  O  rei  de  Calecut  vinha  por  terra 
com  47.000  homens  de  peleja  entre  naires  e  mouros  ('').  Acompanhavam -no  os  reis  de  Tanor,  Bipur. 
Cologão  e  Curiva,  e  muitos  caimais.  A  armada  que  vinha  pelo  rio  era  dc  160  navios  de  remos,  enire  os' 
quais  76  paraus,  cada  um  com  duas  bombardas,  5  espingardeiros  e  20  frecheiros.  Vinte  dos  paraus 
avançavam  cerrados,  presos  por  cadeias,  para  aferrarem  as  caravelas.  Além  dos  navios  armados  iam 


d.i 

Ku' 

SC 

rf.jl. 

(to  I.: 
aiia  lie 


(")  Os  Lusi^itâS,  X.  aa 


«xplicamo».  .      ...  „,, 

C*)  Ibidem.  Livro  I.  Ctp.  LX^ÍlII. 


I  lo  à  poria  <1* ' 

.nro.  lhe  pn 


inollvos  que  le«/>i 


1  [  r>p  IVtM  O  riinfivn  porque  O  rd  D.  Manuel  leve 

«El  Rei  dom  Emjnuel. 
n  Tl        iffi  Senhor  de 
<>.  porque 

  .  [  .ilum)i-U 

o  dia  em  que  hasccu  »er  da 
I  .  .  1  s  do  fcnhor  Oeus,  cuji  Ic^U 

lou  la^er  uou  lorl^eza  pan 
M  lend^nda  a  Icmbnr  o  nome 


1  em  I 
\J.  cap. 


.  i,  1 


.lie  Pjcheco  à  compokK^o  do         d'       obt»,  como 


247 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


muitos  outros  com  gente.  Causava  espanto  ver  tal  quantidade  de  inimigos,  por  água  e  por  terra,  que 
tudo  cobriam.  O  sol  resplandecia  nos  escudos,  que  traziam  de  muitas  côres.  e  faiscava  nos  milhares  de 
lanças  e  agomias.  Levantavam  grandes  gritas,  c  logo  tocavam  os  instrumentos  de  guerra.  E  os  portu- 
gueses mal  se  viam  no  meio  de  tamanha  multidão,  metidos  na  caravela  c  nos  batéis,  afadigados  a  dar 
foflo  aos  tiros  com  que  recebiam  os  inimigos.  Eram  tantas  as  bombardadas,  que  se  n3o  viam  uns  aos 
outros  com  o  fumo  da  pólvora,  Caravela  e  batéis  ardiam  em  fogo.  E  como  a  jangada  dos  vinte  paraus, 
que  eslava  diante,  apertava  muito  com  sua  espingardaria,  mandou  Duarte  Pacheco  disparar  lhe  um 
camélo,  ficando  desmanchada  ao  segundo  tiro.  Acode  nova  frota  de  paraus,  calures  e  tones.  Ao  fim  da 
tarde  os  poriugueses  ficavam  vencedores,  náo  sendo  morio  nenhum,  e  apenas  alguns  feridos.  E  o  rei  de 
Cochim  e  seus  vassalos  começavam  a  perder  o  mêdo  ao  rei  de  Calecut, 

Ao  outro  dia  a  caravela  de  Diogo  Pires,  iá  concertada,  vinha  para  o  passo  de  Cambalão,  onde 
as  duas  caravelas  com  os  batéis  resistiram  a  dois  novos  ataques.  O  Samorim.  perdendo  a  esperança  de 
poder  alcançar  Cochim  por  éste  passo,  resolveu  cometer  o  mesmo  vau  por  onde  fôra  no  ano  anterior. 
Pacheco,  que  o  suspeitava,  mandou  os  batéis  guardar  o  passo  do  vau,  e  como  as  caravelas  não  podiam 
tá  ficar  por  causa  dos  baixos,  colocou  as  no  passo  de  Palurte,  pouco  mais  de  meia  légua  distante  do 
primeiro.  O  ataque  deu  se  no  primeiro  de  maio.  O  senhor  de  Repelim,  com  tôda  a  frota,  devia  ir  sobre 
o  passo  de  Palurte,  e  o  príncipe  Naubeadarim  marcharia  sòbre  o  vau.  Ao  romper  d'alva  apareceu  a 
armada  inimiga,  composta  de  250  velas.  Ante  manhã  tinham  vindo  os  dois  batéis  do  vau,  por  este  ficar 
seguro  com  a  maré  que  enchia,  pois  sá  se  podia  lá  passar  na  vasanle.  que  havia  de  ler  lugar  ao 
meio-dia.  Assim,  tanto  os  batéis  como  as  caravelas  poderam  combater  no  paaso  de  Palurte,  contra  a 
frota  que  avançava  com  40  paraus  encadeados,  à  frente,  para  aferrarem  as  caravelas.  Pacheco  mandou 
disparar  a  artilharia,  que  desencadeou  os  mais  dos  paraus.  As  bombardadas '«ram  tantas  dambas  as 
partes,  que  nenhuma  das  armadas  se  via  com  o  fumo,  e  estando  já  muito  próximas,  as  frechas,  selas, 
<  lanças  e  paus  tostados  eram  em  tal  abundância  que  faziam  sombra  nos  navios  ('').  A  peleja  continuou 

até  que  a  vitória  se  declarou  pelos  portugueses.  Abandonado  pelo  inimigo  o  passo  de  Palurte,  pôde 
Pacheco  dírigir-se  com  os  batéis  para  o  vau  sobre  que  avançavam  já  os  12.000  homens  de  Naubeadarim, 
pois  era  o  momento  da  baixa-mar.  Os  dois  batéis  entraram  pelo  vau  até  dar  em  sèco,  atirando  com  a 
artilharia  e  espingardaria,  setas  e  arremessos.  Parados,  no  meio  da  multidão  de  gente  que  os  cercava, 
tiveram  de  sustentar  riia  peleja,  que  durou  uma  boa  hora,  até  que  os  batéis  começaram  de  novo  a 
nadar.  Os  inimigos  tiveram  que  retirar  perante  a  maré  que  subia,  tinta  de  sangue.  Tanto  neste  combate 
como  no  de  Palurte  não  morreu  nenhum  português,  e  o  rei  de  Calecut,  vendo  se  derrotado,  aceso  em 
ira  por  o  senhor  de  Repelim  náo  afenar  as  caravelas,  nem  seu  irmão  entrar  o  vau,  proferia  contra 
ambos  muitas  injúrias. 

Passados  alguns  dias,  que  Pacheco  aproveitou  para  mandar  espetar  no  vau  grande  quantidade 
de  estacas  ponieagudas  de  areca,  veio  o  Samorim  em  pessoa  cometer  de  novo  êste  passo  com  fòrças 
superiores,  licando  outra  vez  vencido.  Por  último,  no  mais  terrível  ataque,  vieram  máquinas  novas  de 
guerra,  inventadas  por  um  mouro,  oito  castelos  construídos  cada  um  sôbre  dois  paraus,  assentes  sôbre 
vigas  passadas  de  prôa  a  prôa  e  de  pôpa  a  pòpa,  com  um  sobrado  em  cada  um  dêles.  em  altura  de 
18  p.ilmos,  onde  traziam  bombardas  e  podiam  combater  até  40  homens.  Para  que  os  castelos,  de  que 
Pacheco  tivera  conhecimento,  não  pudessem  dominar  as  caravelas,  pregaram  nas  amuradas  dambas  uns 
esteios  de  meios  mastros  com  uns  chapiteus  em  cima,  em  forma  de  sobrados,  onde  podiam  estar 
6  homens.  O  combate  íoi  na  qutnia-feira  d'Ascenção,  Diante  da  frota  vinham  muitas  balsas  de  lenha 
com  alcatrão  e  estopa  ardendo  em  labaredas.  Após  elas.  t!0  paraus.  muitos  dêles  encadeados,  cheios  de 
gente  e  artilharia,  e  atrás  dèstes  100  catures  e  ainda  80  tones.  As  balsas  em  chamas  não  puderam 
pegar  fogo  às  caravelas,  por  irem  bater  de  encontro  à  jangada  que  Pacheco  lhes  pusera  em  anteparo, 
amarrada  por  cadeias  a  âncoras  de  ferro.  E  quando  acabaram  de  arder,  começaram  os  paraus  a 
chegar-se  à  jangada,  atirando  com  artilharia  às  caravelas,  que  respondiam  e  arrombavam  muitos  dos 
navios.  Aproximando-se  os  castelos,  que  vinham  com  aparência  temerosa,  mandou  Pacheco  atirar  ao 
maior  com  um  camelo,  mas  os  dois  primeiros  tiros  pareceram  não  produzir  efeito,  e  êle.  numa  aflição, 
levantando  as  mãos  ao  céu.  bradou:  «Senhor,  não  me  acoimeis  hoje  meus  pecados»!  Os  oito  castelos 
lançavam  tantas  setas,  tiros  de  espingardas  e  bombardas,  que  era  tudo  uma  nuvem  de  fumo  e  fogo. 
Mas  ao  terceiro  tiro,  o  castelo  principal  começou  a  desmantelar  se,  e  os  portugueses,  vendo  nisso  o 

C)   EvUmot  tcflulndo  a  narrativa  de  Casluitiedi. 

248 


DUARTE  PACHECO  PEREl RA - PRECURSO R  DE  CABRAL 


comêço  da  vitória,  davam  graças,  postos  de  joelhos.  E  continuaram  a  fazer  tal  dano  nos  castelos,  e 
arrombaram  e  meteram  no  fundo  tantos  paraus.  que.  começando  a  subir  a  reponta  da  maré  c  aparlan- 
do-se  da  jangada  os  castelos,  com  êles  retiraram  os  navios  inimigos,  dando  se  por  derrotados.  No  passo 
do  vau  os  dois  batéis,  comandados  por  Cristóvão  Jusarte  e  Simão  d'Andrade,  com  os  paraus  e  catures 
de  Cochim,  em  que  andava  Lourenço  Moreno,  oposeram  se  à  passagem  da  gente  do  rei  de  Calecut,  alé 
que  a  maré  veio  terminar  a  peleja.  Êste  foi  o  dia  de  mais  dura  prova  para  os  portugueses.  O  rei  de 
Calecut  ainda  veio  noutro  dia  atacar  de  novo  com  os  castelos,  mas  com  o  mesmo  resultado.  Sempre 
vencido,  e  não  lhe  aproveitando  nenhuma  das  traições  que  cavilara  contra  Duarte  Pacheco,  acabou  por 
se  meter,  envergonhado,  num  turcol  a  fazer  penitência... 

Reconhecido  o  rei  de  Cochim  aos  grandes  serviços  prestados  por  Duarte  Pacheco  com  as 
espantosas  vitórias,  ganhas  numa  guerra  de  perto  de  quatro  meses,  e  nâo  querendo  êle  aceitar  dádivas 
de  dinheiro,  nem  jóias,  nem  terras,  concedeu-lhe  um  brasão  de  armas,  comemorativo  das  suas  gloriosas 
façanhas:  «e  assim  lhe  dou  por  insígnias  e  sinais  de  seus  feitos  e  honra  que  nisso  ganhou  um  escudo 
vermelho  por  sinal  do  muito  sangue  que  derramou  dos  de  Calicut  nesta  guerra,  e  dentro  nèle  lhe  dou 
cinco  coroas  d'ouro  em  quina  por  cinco  reis  que  nela  desbaratou.  E  a  bordadura  dôste  escudo  lhe  dou 
branca  com  ondas  azuis,  e  nela  ollo  castelos  verdes  de  madeira,  armados  n'agua  sòbre  dois  navios  rasos 
cada  castelo,  por  duas  vezes  que  o  combateram  com  estes  oito  castelos  e  d'ambas  os  desbaratou:  e  dou-lhe 
sete  bandeiras  de  ponta  ao  denedor  dêste  escudo,  três  vermelhas,  e  duas  brancas,  e  duas  azuis  por 
sete  combates  que  lhe  eirei  de  Calicut  deu  por  sua  pessoa,  e  em  todos  sete  os  desbaratou,  e  por  sete 
bandeiras  que  lhe  tomou,  das  mesmas  côres  e  feição:  e  dou-lhe  um  elmo  de  praia  aberto  guarnecido 
douro  e  o  paquífe  douro  e  vermelho,  e  por  timbre  um  castelo  do  mesmo  teor  com  uma  bandeira 
vermelha  de  ponla  nHe>  ('*). 

Em  setembro  dêste  ano  de  1504  chegava  ã  Indía  a  armada  de  13  naus  de  ]o3o  Soares,  com 
quem  Pacheco  regressou  à  pátria,  entrando  em  Lisboa  a  22  de  julho  do  ano  seguinte.  As  honras  que  o 
rei  lhe  prestou,  em  reconhecimento  dos  seus  altos  serviços,  são  assim  narradas  por  Castanheda:  «E 
porque  todos  soubessem  serviços  tam  assinados,  logo  a  uma  quinta-feira  depois  da  chegada  do 
capitão-mór  mandou  (D.  Manuel)  fazer  uma  solene  procissão  como  em  dia  de  corpo  de  Deus:  em  que 
foi  da  Sé  até  o  mosteiro  de  Sam  Domingos,  levando  consigo  a  Duarte  Pacheco.  E  prègou  Dom  Diogo 
Ortiz,  bispo  de  Viseu,  e  disse  por  ordem  tôdas  as  cousas  que  Duarte  Pacheco  féz  na  guerra  contra 
el  rei  de  Calecut.  E  n3o  somente  se  fêz  isto  em  Lisboa,  mas  no  Algarve,  e  em  tódas  as  cidades  e  vilas 
notáveis  de  Portugal:  e  isto  por  mandado  dei  Rei  e  êle  escreveu  todo  ao  Papa  por  Dom  João  Sutil, 
bispo  que  então  era  de  Çafim,  que  levou  as  cartas,  e  assim  o  escreveu  a  muitos  reis  da  Cristandade 
para  que  fôssem  lá  sabidas  façanhas  Iam  notáveis.  O  que  se  não  acha  que  nenhum  rei  nestes  reinos 
fizesse  por  vassalo»  (**). 

|0I  em  seguida,  neste  mesmo  ano  de  1505  ("').  que  Duarte  Pacheco  começou  a  escrever  a  obra  o  e^ntnALoo 
de  que  D.  Manuel  o  encarregou,  pelos  motivos  expostos  no  Prólogo:  «E  como  em  tam  pouco 
tempo  Vossa  Alteza  descobrisse  quási  1500  léguas,  atém  de  tôdolos  antigos  e  modernos,  as 
quais  nunca  foram  sabidas  nem  navegadas  de  nenhumas  nações  dêste  nosso  ocidente,  agora, 
por  maior  segurança  desta  navegação,  convém  que  Vossa  Alteza  mande  tomar  a  descobrir 
e  apurar  esta  costa  do  ilhéu  da  Cruz  em  diante,  porque  é  certo  que  no  seu  primeiro  descobrimento  se 
soube  em  soma  e  não  pelo  miúdo,  como  a  lai  caso  convinha;  e  porque  Vossa  Alteza  me  disse  que 

{">  a<tanh«J*.  Historia  do  descobrimento  dã  índia,  Uvro  I.  Cap.  LXXXVIII. 

ítl!  Uoaò  V'Í"do'iivm^'primclrõ  dii:  «vai  ora  em  90  mos  que  Ceuta  foi  tomada.,  o  que  teve  lusir  em  21  de 
MMta  d«  14IS-  acmcenta  mais  que  Alcácer  Ceguer.  Tinger  t  Arzila  loram  tomada»  .de  47  anos  p^ra  ci-,  e  *  tomada  de 
53S«r  Ce^!i^fo^7J.  W  dc  outubro  de  14M.  c"mo  depois  diz  no  próloflo  do  livro  Mgiuido.  O  jp-  16  ainda  (ol  e«rlto  ne.te 
íio  Mi» Tdeclara  que  »  batalha  do  Salado  foi  «havcri  ora  itó  anoi..  e  cia  teve  lugar  Cfn  30  de  outubro  de  1340^0  cao.  19 
ano,  pois  ^' Ji"^*.-,  deDols  de  l»6  pois  al  se  I*:  .e  no  ano  de  nosso  Senhor  du  l»6  mandou  Vossa 

ASoTrTdm«V°í1rrí   HrS'e  'dé^M^dorTnlS  com  o  mar.  um  castelo.  O  cap.  6  do  livro  quarto,  em  que  a  obra  se 

AHCza  caiMcar  ^.  ^  Manuel  ouc  morreu  em  1521.  pois  começa  por  esta»  paiavrasr  «Novo  trabalho  se  not 

oíS^íâvém'^^^^^^^^  :i"cKvc7o  2ue  no'^.aSe'',S:n%õ^^^^^^         o'^nls.lmrpírndpe  el-Rei  D.  Manuel  no..o  Senhor-. 

249 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


SC  queria  nisto  fiar  de  mim.  portanto  preparei  fazer  um  livro  de  cosmografia  e  marinharia,  cuio  pró- 
logo é  èste  que  aqui  é  escrito».  Incumbido  assim  de  estudar  pormenorisadamentc  a  costa  oriental 
africana  e  a  costa  asiática,  para  compor  o  respectivo  roteiro,  aproveitou  os  seus  vastos  conhecimentos 
a  respeito  do  litoral  africano  do  lado  do  Atlântico,  por  êle  íá  adquiridos  cm  longos  anos  de  experiên- 
cia, «que  é  madre  das  cousas»,  para  começar  logo  a  escrever  o  roleiro  de  tôda  a  costa  d'AÍrica.  a 
partir  do  estreito  de  Gibraltar.  Resolveu  dividir  a  sua  obra  em  cinco  livros.  Nos  33  capítulos  do  pri- 
meiro livro,  dedicado  aos  descobrimentos  do  tempo  do  Infante  D.  Henrique,  depois  de  expostas  as 
noções  astronómicas  mais  necessárias  (círculos  celestes,  curso  do  sol.  maneira  de  calcular  a  latitude 
pela  allura  meridiana  do  sol  tomada  com  astrolábio  ou  quadrante,  e  modo  de  saber  as  horas  da 
maré  (")).  trata  das  róias.  conhcccnças,  sondas,  marés  e  alturas  do  pólo.  ao  longo  da  costa  africana, 
desde  Ceuta  até  ao  cabo  de  Nam.  e  daqui,  pelo  cabo  Boiador  e  cabo  Verde,  até  à  Serra  Leòa.  que  èle 


dá  como  termo  on- 
de chegaram  os  na- 
vegadores manda- 
dos pelo  Infante. 
Os  onze  capítulos 
do  segundo  livro 
continuam  as  rõtas 
e  conhecenças  da 
parte  da  cosia  per- 
corrida no  tempo 
do  rei  D.  Alonso  V, 
desde  a  Serra  Leôa 
pelo  cabo  das  Pal- 
mas, a  Mina,  ilha 
de  Fernando  Pó, 
ultrapassando  o 
eqiiador.até  ao  ca- 
bo de  Santa  Cata- 
rina. Nos  nove  ca- 
pítulos do  terceiro 
livro  ocupa-se  da 
parle  descoberta 
por  Diogo  Cão  e 
Bartolomeu  Dias. 
no  reinado  de  D. 
]oâo  II,  desde  éste 
cabo,  pelo  Congo  e 
cabo  de  Doa  Es- 
perança, terminan- 


do  no  rio  do  In- 
fante.  O  livro  quar- 
to era  dedicado  ao 
iitoralafricanodes- 
coberto  no  tempo 
de  D.  Manuel,  até 
ao  cabo  Guardafui. 
e  o  quinto  à  costa 
asiática  desde  o 
sino  Arábico,  pelo 
sino  Pérsico,  e  d'aí 
em  diante  por  tôda 
a  índia.  Dèstes  dois 
últimos  livros  ape- 
nas chegaram  até 
nós  os  cinco  pri- 
meiros capítulos  do 
quarto  livro,  fican- 
do a  obra  interrom- 
pida no  começo  do 
cap.  6  com  as  pa- 
lavras «Item.  Jaz  o 
rio  do  Infante». 
Nestes  capítulos 
apenas  trata  do  ca- 
minho que  hão  de 
fazer  as  naus  com 
destino  à  índia,  se- 
guindo de  Lisboa 


a  Cabo  Verde,  e  tomando  d*aí  o  rumo  do  sul,  pelo  golfão,  até  estarem  em  altura  de  ir  dobrar  o  Cabo. 
Antes  d'isso  descreve  os  cuidados  que  houve  nos  preparativos  da  armada  de  Vasco  da  Gama,  come- 
çando por  celebrar  um  dos  resultados  da  famosa  viagem,  a  demonstração  completa  do  erro  de  Ptolomeu, 
que  considerava  o  Oceano  Índico  um  mar  fechado,  sem  comunicação  com  o  Atlântico: 

•Tolomeu  escreve,  na  pintura  de  suas  antigas  tábuas  de  cosmografia,  o  mar  Índico  ser  assim 
como  uma  alagôa,  apartado  por  muito  espaço  do  nosso  mar  Oceano  ocidental  que  pela  Etiópia 
meridional  passa;  e  que  entre  estes  dous  mares  ia  uma  ourela  de  terra,  por  impedimento  da  qual,  para 
dentro  para  aquele  golfam  Indico  por  nenhum  modo  nenhuma  nau  podia  passar»  (•«). 

Isso  mesmo  se  celebra  na  carta  maritima  (Carta  marina  nauigatoria)  de  1516,  de  WaldseemuIIer, 
ornamentada  com  belos  desenhos  da  mão  de  um  artista  eminente  da  escola  de  Durer.  ]unlo  do  cabo 


250 


r»)  Vei«.$e  airís,  Cjp.  II.  plgs.  95-97. 

n   Esmerãldo  de  silu  ortis,  lisbOi,  1906,  pigs.  151  -  1S2. 


X 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


da  Boa  Esperan^.  à  entrada  do  Oceano  Índico,  vê  se  uma  figura  de  rei,  cavalgando  um  animal  marinho, 
com  o  scelro  na  mão  direita,  e  uma  cruz.  com  a  bandeira  das  quinas,  na  esquerda.  Por  cima,  a  legenda 
latina  proclama  a  <vilória  do  cristianíssimo  Manuel,  rei  de  Portugal».  Ao  lado,  a  inscrição  posta  dentro 
de  um  quadro  comemora  ter  Ptolomeu  dito  que  o  Oceano  Índico  era  cercado  de  terra  por  todos  os 
lados,  e  depois  mostrado  a  navegação  dos  portugueses  nào  ser  assim  ("). 

O  original  da  obra  de  Pacheco,  segundo  o  testemunho  de  Barbosa  Machado  na  Biblioteca 
Lusitátiã.  conservava -se,  pelo  meado  do  século  XVIM.  na  Livraria  do  Marquês  de  Abrantes,  como  o 
mais  precioso  manuscrilo,  com  16  mapas  iluminados  e  algumas  estampas  pequenas  em  fôlha.  Nas  duas 
cópias  actuaimcnie  existentes,  uma  na  Bíbholeca  de  Évora  e  outra  na  Biblioteca  Nacional  de  Lisboa, 
apenas  se  mencionam  os  lugares  destes  mapas  e  estampas,  como  nas  duas  edições  que  por  estes 
apógralos  se  fizeram,  a  de  Rafael  Baslo,  publicada  em  1892,  e  a  de  Epifânio  Dias.  em  1905.  Um  dos 
mapas  era  o  mapa-mundi,  com  a  Europa,  Asia,  Africa  e  América,  ao  qual  se  faz  referência  no  cap.  5 
do  primeiro  livro  e  no  cap.  7  do  livro  terceiro  (■')■  Havia  outro,  com  as  ilhas  de  Cabo  Verde,  em  que 
estavam  traç3das  as  linhas  dos  rumos  de  todos  os  ventos  ('"):  devia  ser  uma  carta  de  marear  em 
proiecçáo  plana  quadrada,  e  é  bem  para  lamentar  a  perda  dêste  precioso  documento  cartográfico.  Da 
leitura  do  texto  resulta  que  nas  ilustrações  se  viam  representadas  as  cidades  de  Ceuta.  Alcacer-Ceguer 
e  Tânger,  o  cabo  Espartel,  as  vilas  de  Arzila,  Larache,  Salé  e  Almancora.  as  cidades  de  Anafé  e  Safim.  o 
cabo  Verde  com  a  angra  de  Bezeguiche.  a  Serra  Leôa,  a  furna  de  SanfAna,  o  castelo  de  S.  ]orge  da 
Mina.  a  serra  e  ilha  de  Fernando  Pó  e  o  cabo  da  Boa  Esperança,  tudo  isto,  segundo  éle  expressamente 
declara,  pintado  do  natural  ("*). 

No  final  do  Prólogo  declara,  sem  mais  explicação,  que  o  seu  livro  será  chamado  «ESMERALDO 
de  sItu  orbis».  A  segunda  parte  é  o  Iftulo,  de  silu  orbis,  da  geografia  de  Pompónio  Mela,  escritor  do 
primeiro  século  da  nossa  era,  por  éle  muitas  vezes  citado.  Quanto  à  palavra  Esmeraldo,  iulgamos  que 
foi  composta  com  as  letras  dos  dois  nomes,  o  seu  e  o  do  reí.  O  nome  Duarte  feve  em  português  as 
formas  Duardos  e  Eduardo,  e  a  fórma  latinisada  Eduardus.  Como  mostra  o  quadro  iunto,  forjua-se, 
com  as  letras  de  Emmanuel  e  Eduardus.  o  anagrama  Esmeraldus.  Os  dois  nomes  estão  escritos  na 
linha  superior.  Tirando  sucessivamente  as  letras  e,  s,  m.  e,  etc.  que  se  vão  pondo  na  coluna  lateral  em 
ordem  descendente,  deixando  pontuadas  as  letras  que  se  vão  assim  suprimindo,  acaba  por  escrever-se. 
pela  coluna  abaixo,  a  palavra  Esmeraldus.  quando  se  esgotaram  tôdas  as  letras  dos  dois  nomes.  Deve 
notar-se  que  Pacheco  era  grande  desenhador  e  olhava  naturalmente  ao  aspecto  gráfico  das  lefras,  e 
portanto  via  o  n  gráficamenle  incluido  no  m.  considerando  ambas  as  letras  representadas  no  sinal  m. 
Como  a  obra  é  escrita  em  português,  èle  tomaria  o  nome  Esmeraldo,  correspondente  a  Esmeraldus, 
como  Eduardo  a  Eduardus.  Assim  ESMERALDO  de  sltu  orbis  significa  o  novo  tratado  de  situ  orbis.— do 
orbe  desconhecido  dos  geógrafos  antigos-  .  escrito  pelo  português  Duarte  e  dedicado  a  Manuel,  a  cujo  serviço 
éle  pôs  devotadamente  a  sua  espada  e  a  sua  pêna.  Os  nomes— do  autor  e  do  rei  a  quem  a  obra  é  dedicada— 
ficam  assim  iuntos.  como  a  par  caminharam  na  procissão  em  que  D.  Manuel  o  levou  a  seu  lado  em 
Lisboa,  nesse  mesmo  ano  de  1505.  em  comemoração  dos  seus  insignes  feitos  na  índia.  Desta  maneira 
se  explica  também  o  motivo  de  discrição,  por  que  êle  não  dá  esclarecimento  algum,  dizendo  simplesmente: 
•  tudo  isto  com  diligência,  por  seruiço  de  l/ossa  Aiteza.  farei  e  no  melhor  modo  que  puder  e  souber, 
neste  livro  será  escrito,  o  qual  ESMERALDO  de  sltu  orbis  será  chamado».  Num  tempo  em  que  os 
anagramas  tanto  se  usaram  (").  compreende-se  bem  que  Pacheco  composesse  êste  criptograma,  em  que 
quis  deixar  simbolizada  a  sua  dedicação  pelo  rei  (*'). 


<")  Die  ilteitf  Karte  mil  dem  Namen  Amehka  ãus  dem  lahre  1S07  und  rfi*  rmrtA  Marina  a„t  ^.m 

('•)  Ibidan.  pigs.  83-M. 

(")  Ibidem,  pags.  48,  49,  50.  51.  52.  53.  M.  55,  59.  83.  98.  100.  101.  114  125  e  142 

D»e'.  N-.^torfM  da  UtfratuTã  portuguesa,  wl.  II   RenAscenc.^    Pòno    iQu  Í^^V  1  «  "ludjnça  rfo  d  cm  t  (TeoHlo 

.......  ;:!.;;:»^M°uKí'^,'^-";sí'?íi  ~ 

252 


DUARTE  PACHECO  PEREIRA    PRECURSOR  DE  CABRAL 


O  autor  do  Esmeraldo,  além  da  parle  própriamentc  cosmográfica  e  de  marinharia.  d4  indicações 
sobre  os  objectos  de  comércio  nos  diferentes  portos  da  costa  africana,  com  notícias  sÔbre  os  povo»  e 
cidaoes  do  interior  do  sertão,  e  por  vezes,  pelas  suas  referências  aos  tempos  passados  elucida  vjrios 
pontos  da  história  dos  descobrimentos,  como  sucede  no  coméço  do  cap.  4«  do  terceiro  Iwro: 


■31 


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1 


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■        h„„.p  n-sies  reinos  de  Portugal  nos  tempos  passados  entre  alguns  letradas 
•  Muitas  opiniSes  houve  ""'«y'      Z";  /    ,„^ji„.    «rque  uns  diziam  que  nSo  curassem  de 
acerca  do  descobrimento  das  E.,6p,as  de  Q"'"'  «  pego,  atravessando  o  góUâo  até 

descobrir  ao  longo  da  costa  do  ""vf.  '     esta  uia  se  encurtaria  o  cantinho;  outro, 

topar  em  algum,  terra  da  índ.a  ou  v.zmha  dela  '^'"J"  ^^^^  ,  po„,o  »        nela  ,a.  e 

diLram  '^^''^'"^^'"JZeZT  c^^^^^^^  """""  " 

assim  suas  róias  e  conhecenças.  e  wu^  y 


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DUARTE  PACHECO  PEREl  RA-PRECURSOR  DE  CABRAL 


logar  em  que  estavam,  por  onde  podiam  ser  certos  da  terra  que  iam  buscar,  porque  de  outra  guisa  nío 
podiam  saber  a  região  em  que  estavam;  e  a  mim  me  parece  que  a  segunda  opinião  !oi  mais  certa, 
e  assim  se  fèz>. 

Falando  dos  «tempos  passados»,  êle  evoca  naturalmente  as  lembranças  da  sua  mocidade  (•'). 
São  estas  opiniões,  discutidas  entre  os  letrados  de  Portugal,  que  devem  ter  provocado  a  consulta  a 
Paulo  Toscanelli  e  a  carta  déste  ao  cónego  Fernão  Martins  de  Roriz,  de  junho  de  1474  C).  O  plano  de 
Toscanelll  não  foi  adoptado.  Decidiu  se  continuar  a  procurar,  ao  longo  da  costa  africana,  o  caminho  da 
índia,  que  foi  sempre  o  objectivo  dos  descobrimentos  portugueses,  como  confirma  aquele  passo  do 
Esmeraldo.  Ao  autor  parece  que  esta  opinião  foi  mais  certa.  E  assim  o  experimentou  Colombo,  que, 
tendo-se  lançado  a  executar  o  projecto  toscanelíano,  encontrou  a  América,  julgando  ter  atingido  as 
praias  orientais  da  Ásia;  e  nesta  convicção  se  conservou  até  à  sua  morte  em  1506.  procurando  em  vão 
passagem  para  a  fndia.  Os  portugueses,  nas  suas  pesquisas  para  ocidente  no  Atlântico,  procuravam 
novas  terras  que  julgavam  interpostas  ao  caminho  da  índia  por  aquele  lado. 

No  ano  de  1509  fèz  Duarte  Pacheco  uma  das  suas  proezas.  Mandado,  com  algumas  velas,  em 
perseguição  do  corsário  francês  Mondragon.  encontrou  o  no  cabo  de  Finisterra  em  18  de  janeiro,  tra- 
vando com  êle  crua  batalha.  Meteu-lhe  uma  das  naus  no  fundo  e  trouxe-o  préso  para  Lisboa  com  as 
três  naus  restantes  (^). 


(t>)  Do  que  (la  dllo  na  nota  (74),  resulla  que.  déMe  capitulo  do  lerMiro  livro,  «penas  $e  pôde  allrmar  que  tol 
escrito  depois  de  1b06  e  antes  de  Íb2t  Do  que  o  autor  do  Csmera/do  diz  no  linal  do  prólogo  do  segundo  livro,  conrjndo  a 
lom.ida  de  Anila  em  24  de  agosto  de  1471,  com  grande  mortandade  de  mouros,  e  consequente  ocupa-lo  de  Tinger.  logo  por 
éles  abandonada  por  medo,  e  acrescentando  <as  quais  eouias  lôdas  vimos«.  parece  poder  ccnduir-ie  que  Pacheco  cíleve  na 
tomada  de  Anila,  Como  ile  depois  Informa  no  prólogo  do  terceiro  ÍWro.  nest-i  tomada  foi  leito  cavaleiro  D.  João  II.  cniao 
príncipe,  apenas  com  16  anos.  Os  dois  deviam  ser  aproximadamente  da  m  Lide. 

(M)   Aliolaguirre.  no  livro  já  diado  Cristabêl  Coión  v  P^blo  is.  >  ToscãneUi.  Madrid,  1903,  chega  k  concluUo 

de  ser  autí-ntica  a  correspondènda  de  Toscanelli  com  o  cónego  português  hcrnAo  Martins,  e  apócrifa  a  correspondência  do 
sábio  florentino  com  Colombo.  Carlos  Malheiro  Dias,  que  desconheda  o  livro  de  Allotaguirre  quando  escreveu  a  IntroducçJo 
desta  obra,  chega  a  resultado  análogo  ívejam-se  alris  at  pigs.  XCI,  XCII).  O  laclo.  dos  doU  Ilustres  escritores  terem  ildo 
levados  independentemente  à  mesma  condusSo.  é  sintoma  seguro  de  se  achar  atinai  a  verdade  entre  as  duas  opiniftes 
exiièmas  a  que  considera  autêntica  tôda  a  correspondènda  atribuída  a  Toscanelli.  e  a  de  Vignaud.  que  a  julga  tôda  forjada. 
Hoic  pódc  ler-se  como  provada  a  exIslCnda  de  um  cónego  Fcrnio  Martins  de  Rorii.com  quem  Toscanelll  >  rul  fu  em  Roma 
Roiii  é  nome  de  trés  freguesias  portuguesas,  como  se  pódc  ver  na  Corogrã/ii  portuguesa  do  P.»  A  >  da  Costa, 

tômo  I-  uma  no  concelho  de  Darcelos.  outra  no  de  Santo  Tino  e  outra  no  concelho  de  Chaves.  O  cónego  ;  .  j  Manlns  de 
Roriz  devia  ser  um  parente  de  D  Antio  Martins  de  Chivcs  que  foi  cónego  de  Lisboa,  dcâo  de  Évora,  bispo  do  Pôrto  e 
embaixador  por  parle  do  rei  D.  Duarte,  ao  Condito  de  Basília  (veja-se  D  Manuel  Caetano  de  Sousa.  Catalogo  dos  Sumos 
Fonliftces  é  CúTàeães  portugueses.  pAgs.  16-17,  In  Collecfám  das  documentos  e  memorias  da  Acadfmn  H.  da  fUslona 
Portuguesa.  1725.  n.o  XXXIII).  Em  1437  loi  éite  bispo  porlugué*  a  Consfantlnopla  com  o  cardeal  Nicolau  CuM.  na 
embalKada  que  tinha  por  fim  resolver  o  imperador  Joio  P-leôlogo  a  vir  ao  Concilio  de  Ferrara  (Ractolta  Colombiana. 
oarie  V  vol  I  págs.  »5  e  264).  Felio  cardeal  pelo  papa  Eugénio  iV  cm  1439.  dotou  no  ano  seguinte,  e  Irans  eriu  para  o 
locnl  oiíde  hoie  está  o  Hospício  de  Sanlo  António  dos  Portugueses.  con«rvando-w  em  Roma  alò  I  sua  morte,  em  julho 
de  1447  laz  sepultado  na  Basílica  de  S.  ^o^o  de  L,itr.1o.  Acomoanhou  esta  importante  personagem  naturalmenie  como  seu 
secretário  um  par.-nte  mais  novo.  r-m^n  Manins  de  Ron/.  Eram  decerlo  oriundos  ambos  de  Roriz,  unto  de  Chaves. 
A  pSoVirtins  era  faai  continuar  em  Roma.  residindo  no  Hospício  dos  Portugueses,  que  o  falecido  cardeal  b  spo 

do  Sfo  relóríiàra  e  dotara  c  al  co  as  amizade,  o,,,  th.  provinham  do  seu  ilustre  parenie  como  a  do  cardeal  dt 

rSsí  ÂM/nam  corJo  testemunhas,  o  testamento  déste  c  6  de  agosto  de  IW.  dnco  dias  antes  da  sua  mort-. 

SSo  TosSli  rFernào  de  R.vi     ^^r,^o  de  Lisboa,  l  .a  de  Munich  e«iite  unia  obra  de  que  d  autor  o  memo 

«  J«i  í^l  r^f«   i^úynãL  Tetr  non  ahud.  cu|o  assunto  é  o  exime  do  método  filosófico  que  deve  seaulr  se  par.i 

Seoar  ao  coXdS^      ví  d.a.  dr.na.  transcendental:  sio  Interlocutores  T>.nn,.*  Andrea  Vigerius  Petrus  DalEus  Pizanu. 

GoetUng,schen  ■  ,  quc  a  ácoiípanhava.  o  qual  se  pódc  reconstituir  com  sutidenie  exactidlo  pela.  relerínclas 

Toscanelll  a  F.  -  /.n^HHrnt  da  éooca  À^^^  referencias  a  protecção  adoptada  no  mapa  revelam  a 

epistolares  e  por  <'°^"'^^"'°^„  ""ÍS^^^Í^^^^  da  pro|.cçio  dllndrica  rectangular,  de  Marino,  a  um. 

linguagem  precisa  do  slbio.  °         Ç^'*  f  ,oma  por  justos  motivos,  o  módulo  de  66  milhas  e  dois  terços 

cana  de  marear.  N»  sua  ^J^^^^  árabe,  esteve  em  uso  em  Portugal,  como  já  atrás 

para  o  grau  <«o„<^:"''«,'"/'''^°  '^^^^^^  pelo  cónego  Martins  «  ToscaneUl  nas  suas 

notamos  (pág.  238-239).  e  *  Po;'»"'»  hTS^j/Sj  rcfer?-se  ãs  discussões  havidas  em  Portugal  sóbre  os  dois  caminhos  p«n 
conversas.  O  passo.  °-      ^ Xrtin,  ao  tíbio  íh.rentino.  e  a  resposta  désle.  Carta  c  mapa  náo  conveiiceram 

:s"iílíidfs  VoV^^.  maí7otm  o  TJír  qu"  i^ou  Colombo  .  descoberta  d.  América,  resultado  náo  previsto  no 
proiecto  toscanelia^no^^^^  ^  ^^^^^^  ^  p^e  „,  «p.  XLIl. 

255 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


Dois  anos  depois  foi  capílâo  da  armada  que  D.^  Manuel  mandou  ao  estreito  em  socorro  da 
cidade  de  Tânger,  quando  o  rei  de  Fez  a  cercou  em  1511 

Como  prémio  de  tâo  assinalados  serviços  foi  lhe  dado.  em  1519  n  o  lugar  de  capitão  e 
governador  da  cidade  de  S.  }orge  da  Mina.  cargo  que  desempenhou  até  1522.  em  que  foi  substituído 
pelo  filho  de  Afonso  de  Albuquerque,  nomeado  por  alvará  de  D.  João  III.  de  4  de  julho  deste  ano. 

Começam  então  para  éle  os  tempos  de  adversa  fonuna.  Perseguido  pela  inveja,  caluniado, 
embora  se  reconhecesse  serem  faisas  as  culpas  que  lhe  imputavam,  arrastou  anos  de  grande  pobreza 
até  o  de  1533.  cm  que  morreu.  No  úllimo  can\o  dos  Lusíadas,  a  Ninfa  que.  em  catorze  estâncias  seguidas, 
celebra  os  heróicos  feitos  do  Aquiles  Lusitano  na  Índia,  por  fim. 

Cantando  em  baixa  voz,  envolta  em  chôro, 
O  grande  eslòrço  mal  agradecido, 

lamenta  o  galardão  injusto  e  duro.  de  virem  a 

Morrer  nos  hospitais,  cm  pobres  leitos, 
Os  que  ao  Rei  e  à  lei  servem  de  muro. 

Pedro  de  Andrade  Caminha,  nas  suas  Poesias  (").  dedica  lhe  um  epitáfio: 

AO  GRANDE  DUARTE  PACHECO 

A  índia  é  testemunha  das  vitórias  « 

De  Duarte  Pacheco  milagrosas. 
Portugal  o  será  das  poucas  glórias 

Que  lhe  deu  por  suas  obras  gloriosas. 

Todo  mundo  das  claras  suas  histórias 

Louvadas,  e  invejadas,  e  famosas. 
O  justo  Céo  de  su'Alma  limpa  e  pura; 

De  seu  corpo  esta  pobre  sepultura. 


CONCLUSÃO  5ÍJ^2S30NSIDEREM0S  agora  como  êsle  homem  superior,  dotado  de  extraordinária  resistência 

física,  largas  faculdades  intelectuais,  uma  fôrça  de  vontade  e  coragem  indomáveis,  dis- 
pendeu  as  suas  energias  numa  actividade  e  labor  constantes,  ora  manejando  o  astro- 
lábio e  desenhando  mapas,  ora  brandindo  a  espada  e  dirigindo  o  fogo  da  artilharia, 
ora  no  remanso  do  gabinete,  estudando,  escrevendo  e  ornando  de  iluminuras  o  seu 
roteiro  ahncano.  cheio  de  valiosas  informações.  O  rei  D.  ]oão  II,  a  quem  porventura,  em  sua  ado- 
lescência, acompanhou  à  tomada  de  Arzila,  manda-o  a  reconhecer  o  interior  das  costas  da  Guiné, 
onde  passou  anos  de  trabalho  e   doenças,  e  depois,  em    1494,   às  importantes  negociações  de 
Tordesillas.  No  ano  seguinte,  quando  éste  rei  faleceu,  não  se  tinha  procedido  à  demarcação  do 
meridiano  divisório  nem  se  acordara  ainda  na  maneira  de  a  fazer,  mas  tinha  de  proceder-se  a  ela. 
desde  que  alguma  das  partes  contratantes  acusasse  o  encontro  de  terra  presumivelmente  situada  nesse 


{••)   SouM  Vlrcrbo,  Trabalhos  náuticos  dos  Porfiiguws  nos  séculos  XVI  e  XVII.  vol.  I,  pág.  238. 

C»  No  Arquivo  Naclonjl  cu  Tânr  oo  Tombo  i-ntsitm  documento»  pasaados  por  Duarte  Pacbeco  na  qualidade 
d«  govemdor  de  S.  lor^e  da  Mina.  com  data  de  20  de  novcmt>ro,  c  l,  10  e  13  de  dezembro  de  IS19,  de  que  vimos  cópia, 
que  nos  lomcccu  o  digno  Director,  Snr.  Dr.  António  BalJo  {Corpo  cronológico.  Parle  2.'.  maço  85,  n.«  200,  e  mico  86, 
IL«-  30,  «O  e  88).  »    .  ^.      s       .  .         V  . 

(")   Pcfsiês  de  Pedro  de  Andrade  Caminlia.  publicadas  pela  Academia  das  Sdèndas  de  Lisboa.  1791,  pig.  265. 

256 


DUARTE  PACHECO  PE REI  RA  -  PR ECU RSO R  DE  CABRAL 


meridiano.  Em  1498  Colombo  parte  de  Santiago  de  Cabo  Verde  no  rumo  de  sudoeste  a  verificar  a 
opmiâo  de  D.  ]oão  II,  «que  dizia  que  ao  sul  havia  terra  firme»,  e,  navegando  depois  para  o  poente, 
chegou  ao  continente  sul-americano  em  águas  castelhanas.  Nesse  ano  também  D.  Manuel  manda  Duarte 
Pacheco  a  reconhecer  a  mesma  terra  firme,  por  causa  da  qual  D.  ]oao  II  <teve  diferenças  com  os  Reis 
Católicos».  A  essa  terra,  necessária  para  segurança  do  caminho  marítimo  da  índia,  e  conveniente  por 
poder  servir  de  escala,  foi  Duarte  Pacheco  em  prudente  viagem  clandestina.  Ncsie  tempo,  decorridos  já 
27  anos  depois  que  os  portugueses  tinham  ultrapassado  o  equador,  a  carta  de  marear  usada  devia  ser 
já  em  projecção  plana  quadrada  C)  com  graus  de  latitude  e  de  longitude  em  igual  dimensão.  Estavam 
desenhadas  as  ilhas  de  Cabo  Verde  com  o  litoral  africano  na  carta  que  levava,  da  qual  deve  ser  uma 
parte  o  mapa  destas  ilhas  que  juntou  ao  Cap.  28  do  primeiro  livro  do  Esmeraldo.  Navegando  nas 
regiões  equatoriais,  onde  os  erros  da  carta  plana  são  muito  atenuados,  pôde  marcar  nela  com  bastante 
exactidão  a  costa  visitada,  e  de  lá  voltou  informando  D.  Manuel  da  sua  situação  bem  ao  abrigo  das 
estipulações  do  tratado  de  Tordesillas.  Em  1500  a  esquadra  de  Cabral,  guiada  por  êle,  passa  nas 
Canárias  e  ilhas  de  Cabo  Verde  sem  se  deter  (Vasco  da  Gama.  em  1497,  demorara  uma  semana  na  ilha 
de  Santiago  a  tomar  carne,  água  e  lenha  e  correger  as  velas  dos  navios  l"")),  e  segue  nos  rumos  de 
oeste  com  manifesto  propósito  de  atingir  uma  costíi  de  antemão  conhecida;  faz-se  então  a  descoberta 
oficial  do  Brasil,  que  o  monarca  português  comunica  para  Castela,  dizendo  parecer-lhe  que  «nosso 
Senhor  milagrosamente*  quis  que  se  achasse  terra  tam  «conveniente  e  necessária  para  a  navegação  da 
índia»,  pois  nela  se  poderam  concertar  os  navios  c  tomar  água. 

No  ano  de  1503  vai  Duarte  Pacheco  na  armada  dos  Albuquerques,  e  deixado  depois  em 
defesa  do  rei  de  Cochim.  aliado  de  Portugal,  causam  assombro  as  suas  constantes  vitórias  sôbre  o 
poderoso  rei  de  Calecut.  Em  Lisboa  é  consagrado  publicamente  numa  solenidade  religiosa  caminhando  a 
par  de  D.  Manuel,  des(le  a  Sé  até  S.  Domingos.  Revestido  da  sua  armadura,  sôbre  que  descia  o  leve 
manto  pendente  dos  ombros,  empunhava  na  dextra  a  espada  invencível  que  firmara  o  império  português 
no  Oriente;  com  a  longa  barba,  onde  já  alvejavam  as  cans,  o  forte  nariz  aquilino,  os  olhos  grandes 
castanhos,  tam  fácilmente  inflamáveis  em  cóleras  tremendas,  infundia  respeitoso  acatamento  a  sua  nobre 
figura,  resplandecente  de  energia  e  pundonorosa  altivez  ("').  Logo  o  rei  manda  comunicar  os  seus 
grandes  feitos  ao  Papa  e  a  muitos  reis  da  Cristandade,  não  sendo  por  fim  de  estranhar  que,  ao  cabo 
de  tanta  glória,  procurem  feri-lo  as  calúnias  da  inveja,  a  ponto  de  êle  se  queixar  expressamente  dos 
murmuradores,  mordedores  e  maldizentes  que  são  «prasmadores  do  bem  feito  e  nenhuma  cousa  boa 
sabem  fazer»  (").  Neste  ano  de  1505  é  encarregado  de  escrever  o  roteiro  das  costas  africana  e  asiática. 
Era  então  já  bem  patente  a  importância  do  continente  a  que  aportara  Cabral,  onde  era  achado  «muito 
e  fino  brasil  com  outras  muitas  coisas  de  que  os  navios  nestes  reinos  vém  grandemente  carregados». 
E'  bem  compreensível  que,  tendo  a  pêna  na  mão  e  tratando  de  assunto  para  que  invocava  a  experiência, 
«que  é  madre  das  cousas,  nos  desengana  e  de  tòda  a  dúvida  nos  tira»,  êle,  lembrando  a  sua  própria 
experiência,  não  resistisse  a  revelar,  em  palavras  discretas  que  restabelecem  a  verdade,  êsse  seu 
importante  serviço,  a  viagem  de  1498,  que  determinou  a  derrota  seguida  pela  frota  de  Alvares  Cabral 
no  Atlântico  do  sul. 

No  Cap.  2.0  do  primeiro  livro  tenta  êle  elevar  se  ao  conceito  geral  da  distribuição  da  terra  e 
do  mar  por  todo  o  orbe.  socorrendo-se  de  alguns  passos  da  Bíblia  para  completar  a  experiência  das 
navegações  feitas  até  ao  tempo  em  que  escreve.  Tendo  os  portugueses  mostrado  que  o  Oceano  íqdico 
comunicava  livremente  com  o  Atlântico,  não  sendo  portando  um  mar  fechado,  uma  grande  lagôa.  como 
Ptolomeu  julgava,  Duarte  Pacheco  concebe  uma  lagôa  maior,  formada  pelos  dois  Oceanos.  A  costa  da 
América  que  se  estende  ao  norte  até  70  graus  de  latitude,  e  ao  sul  até  28  graus  e  meio,  pensa  êle  que 


(")   Veia-se  atrás  o  Cap.  II,  pág.  92. 

í"l  Roteiro  ds  viagem  de  Vasco  dã  Gama  em  1497.  Lisboa,  1861,  pags.  2-3.  ,  ■ 

(•>í  Que  êle  «»ôbre  ser  muito  bom  cavaleiro  era  demasiadamente  colérico  e  agastado»,  diz-no8  Goes  (Chróntcã 
^-  n  M^nn^i  fan  85  da  Paftc  l).  Quando  escreviamoB  as  linhas  do  icxlo  lembrava-no»  o  retrato  de  Duarte  Pacheco,  que  agora 
2  reDrodJÍ  na  Eitampa  lunla,  e  que  tínhamos  visto  no  Pòrlo  em  casa  do  Ex."o  Snr.  Joio  Fernando  Pacheco  Pereira,  mu 
51««n^n^í  ?  artifal  reDresenlante.  E'  pintado  em  tela,  devendo  ser  cópia  de  quadro  mais  anligo  na  posse  da  íamUIa. 
f  tífíriSi  aue  sl  lé  nuKdo  do  retralS.  rememorando  as  vitórias  de  Cochim  e  a  honra  que  lhe  líz  D,  M«iuel  em  LlibM. 
tr^  fhA^\  fr,»^náà  áe  acrescentamento  posterior.  Uma  leiçâo  nos  impressionou  sobretudo  na  pintura  _  os  olhos -pela 
«mMhínr/fluríSos  logo  com  os  de  alguns  descendentes,  que  se  víem  noutros  quadros  da  mesma  sal»,  e  até  com  os 
3^  um  fSLSrdnonrda  as^'  -OS  olhos  Jo.  Pachecos-.  expUca-nos  o  pai.  Aqui  lhe  agradecemos,  com  vivo  reconhecimento, 
foín^ileia  com  que  permitiu  e  fadlilou  a  reprodução  do  retrato  do  seu  ilustre  antepassado, 
a  gentiieia  com        p^,^^  o^Ôís,  Lisboa,  1905.  Cap.  9.o  do  segundo  livro.  pág.  122. 


257 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


se  prolonga  ainda  muito  mais  nos  dois  sentidos  e  «vai  em  circuito  por  tôda  a  redondeza»,  cercando  o 
mar;  <ora  como  assim  seia  que  esta  terra  d"além  é  tam  grande  e  desta  parte  d'aquém  temos  Europa 
Aírica  e  Ásia,  manifesto  é  que  o  mar  Oceano  é  metido  no  meio  destas  duas  terras  e  íica  médio-terrano' 
pelo  qual  podemos  dizer  que  o  mar  Oceano  não  cerca  a  terra  como  os  filósofos  disseram  mas  antes  a 
terra  deve  cercar  o  mar,  pois  )az  dentro  na  sua  concavidade  e  centro;  pelo  qual  concluo  que  o  mar 
Oceano  não  é  outra  cousa  senão  uma  muito  grande  alagóa  metida  dentro  na  concavidade  da  terra    »  (") 
Esta  era  pois  a  feição  característica  do  mapa-mundi  por  èle  pintado  adiante  e  iunto  ao  Cap  50  («)  Ngo 
deve  surpreender-nos  esta  concepção,  antes  a  devemos  ter  por  bem  natural,  visto  que  a  experiência  de 
enlâo  a  não  contradizia,  pois  foi  só  em  1511,  depois  da  tomada  de  Malaca,  que  os  portugueses 
continuando  as  navegações  para  oriente,  entraram  com  António  de  Abreu  no  mar  Pacífico  e  só  em  1519 
Magalhães  partiu  para  a  memorável  viagem  em  que  atravessou  aquele  grande  Oceano  A  margem 
ocidental  dessa  muito  grande  lagôa  era  formada  pela  parle  do  mundo  desconhecida  de  Pompónio  Mela 
e  dos  outros  antigos  cosmógrafos,  os  quais  -na  quarta  parte  que  Vossa  Alteza  mandou  descobrir  além 
do  Oceano,  por  a  eles  ser  incógnita,  cousa  alguma  não  falaram.,  como  êle  diz,  dirigindo-se  a  D  Manuel  («) 
Falando  pois  desta  nova  costa  ocidental,  apoia-se  na  experiência,  «madre  das  cousas..  Como  já  notámos 
quando  ele  dyz  -temos  sabido  e  uisto-,  devem  nesta  expressão  distinguir-se  duas  partes-  o  oue  êle 
Z^^T  'nformações.  e  o  que  êle  próprio  observou,  pois  se  lhe  não  pode  atribuir  um  conhecimento 
directo  de  tôda  a  costa  americana  de  norte  a  sul,  com  as  «muitas  e  grandes  ilhas  adjacentes  a  ela.  ^ 
A  primeira  parle,  temos  sabido   compreende  os  seus  conhecimentos  provenientes  principalmente  de 
narrativas  das  viagens  de  descoberta  ao  norte  do  equador,  entre  as  quais  se  devem  contarárviagens 
dos  Corte^Rea.s.  e  as  de  Colombo  e  dos  navegadores  castelhanos.  A  segunda  parte,  e  f  eZsJ  u^^o 
refere-se  à  sua  própr.a  experiência,  que  começou  desde  que  o  rei  o  mandou,  em    498  Tscí^  aô 
ocidente:  «e  portanto,  bem-aventurado  Príncipe,  temos  sabido  e  visto-como  (q5ando  no  ,e  ceiro  ano 

ocidPnf.?  n!.r  H  '  r  Alteza  mandou  descobrir  a  parte 

ocidental,  passando  além  a  grandeza  do  mar  Oceano....  >.  Ninguém  mais  competente  para  o  deTei^penho 

tTJLr'"'  ''  ''"\  '^'^  '"^"'^^^^  à  conferência  de  Tordesiflas  e  iam  bem 

rtlTn         hk"  "^"''^^/^"do  >°"9°s  anos  percorrido  os  mares  equatoriais;  foi  êle  quem  deu  ^ 

^andeza  d?  ra:^:^  «^^^^"^       '  -^'íou  com  maior  exact  dão 

a  grandeza  do  grau  terrestre.  .Tena  algum  português,  antes  dêle,  avistado  as  praias  do  DrasiP  Dizendo 

como  test  munha'colomb?r;f  ""^^  "'""^  '''^'^'^^  com  os  Re    C^ó  os 

como  testemunha  Colombo,  é  de  presumir  que  tal  afirmação  não  seria  feita  por  simples  suspeita  mas 

~  rf'°      "'"''''^^^  "^''"^'^^  P^^^aens.  Mas  esta  viagem  de  TgTLha  pô  fim  a 

e  av?atd  "^adV  ^'"^^'^  ''^"^  '  ^^"'^^  dti  ór  . 'q  e  Tão 

tôt  co  J  CnsTelI   Tr^IJ «  ^"'^^  tranquilamente,  sem  possibilidade  de  ques 

ior^fnio  po^gués  "  '"^^^  '  ^'^'"^^^'^  '''''''  ^^^iões  ocidentais,  induindo-as  no 

as  amarguras  de  um  ingrato  esquecimento,  merece  a  iusta  consagração  das  suas  virtudes  e 

(»)  Ibidem.  Cap.  2.0  do  primeiro  livro.  pág.  24 

r^í«  ^'"«'ria  da  Asia  e  da  Africa  o  Nilo,  e  como  põe  aí  nascenfP^  ^LT  ^*9"'"'*o  °^  geógrafos  antigos,  adopia  para 
div^^L^A^i  ^'"^JÍ^^V  -f^"'*  promontório  |da  Boa  lsSe?an«  i  t»  AfnV^  ""U' to  para  o  sul.  prolonga  aquela  l,nha  alé  ao 
divide  de  AsIa.  e  dèste  lugar  correndo  por  cima  da  iPrrf  rfirlfS  ,     "^'"^  P=»"«  Oceano,  e  por  aqui  se 

Eilôpios  Trogoudilas  até  vir  ter  cm  Demiala  no  mar  ío  EoÍdTÔ        '    ^°  "'^undo  o  que  o  Nilo  corre  po?  meio  dos 

láboa  geral  que  adianle  do  dllo  quinto  capitulo  eTtó.  (Cao  7  i  do  1^;;:;  *^<^""'*^  se  poderá  ver  na  pintura  do  inapa-mundl  e 

(•*)   Çsmeraldo  de  Situ  orbis  Lisboa  looi  r^n  ■>»  ^ 

Cap.  2.0  do  livro  primeiro,  págs.  23  e  2í).  P^meiro  muiios  anos  que  esta  cosia  lòssc  sabida  nem  descoberta  (Ibidem 

r)   Veja-se  atrás  o  Cap.  11,  pág.  57. 

258 


DUARTE  PACHECO  PE RE I R A - PRECU RSO R  DE  CABRAL 


altos  feitos.  Mandado  a  descobrir  no  terceiro  ano  do  reinado  de  D.  Manuel,  lá  loi,  antes  de  Cabral, 
através  do  Atlântico,  em  busca  das  terras  do  sul  e  do  ocidente.  Medindo  a  altura  do  sol  pela  medeclina 
do  astrolábio  ou  pelo  fio  do  quadrante,  atento  aos  rumos  da  bússola,  fazendo  correr  o  par  de 
compassos  pela  carta  plana  de  marear,  para  traçar  cuidadosamente  a  róta  do  navio,  desde  o  ponto  do 
continente  africano  ou  da  ilha  de  Cabo  Verde  em  que  Iniciou  a  viagem,  assim  foi  navegando  até  ao 
deslumbramento  da  aparição  da  costa  procurada.  Nesse  ano  Duarte  Pacheco  praticou  o  primeiro  acto  de 
evocação  e  chamamento  à  vida  da  grande  nação  que  Portugal  ctIou  e  a  cujo  desenvolvimento  prestou 
lodo  o  seu  disvelo.  até  que,  chegada  à  sua  maioridade,  ela  proclamou  naturalmente  a  sua  independência. 
E  nesta  hora  em  que  a  naçSo  brasileira  conta  o  primeiro  século  da  sua  soberania,  volvidos  424  anos 
depois  que  um  iam  preclaro  Lusíada  loi  enviado  em  demanda  das  suas  praias,  para  ela  se  dirigem, 
através  do  Atlântico,  todos  os  afectos  dos  corações  portugueses,  a  desejar-lhc  séculos  futuros  de 
prosperidade  e  glória! 


259 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


APÊNDICE  AO  CAPÍTULO  IV 

Cârti  patenie  do«  Rds  Católico*,  dada  cm  Madrid  a  7  de  maio  de  M95,  a  qoal  constitui  um  complemento  ao 
tratado  dc  TordctflUs.  de  7  de  junho  de  I4M.  com  íris  determin-içôes:  primeira,  que,  ante»  da  partida  das  caravelas  para  a 
demarcação  do  meridiano  divisório,  se  reunam  dentro  do  més  dc  setembro  seguinte,  num  ponto  da  fronteira  dos  seus 
reinos  e  do  dc  Portusal.  os  asti^notnoa,  pilotos,  marinheiro»  e  mais  pessoa»  por  «les  nomeados  e  pelo  rei  portugué».  para 
atsentarem  na  maneira  de  estabelecer  o  meridiano  á  distância  de  370  légua»,  a  qual  será  aprovada  pelos  monarcas  de  Castela 
e  Porluflal:  segunda,  que  se  etperari  a  descoberta,  por  alguma  das  duas  Parles  contratantes,  de  ilha  ou  tem  que  pareça 
situada  na  linha  divisória,  e  mandando  a  Parte  que  tal  achar  requerer  da  outra  que  sc  ví  proceder  à  demarcação,  assim  s« 
procederi  dentro  de  dez  mtãt»,  contados  da  data  do  requerimento,  e  no  caso  de  se  vcrlMcar  que  nSo  está  na  linha  a  região 
achada,  far-se-hi  a  declara{So  da  dislAnda  a  que  dela  jaz.  e  nunca  dcixari  de  fazer-sc  declaraçlo  semelhante  em  qualquer 
Ilha  ou  terra  encontrada  na»  suas  proximidades;  terceira,  que,  cm  tòdas  as  cartas  de  marear,  desenhada»  nos  reinos  e 
senhorio»  do«  Reis  Católicos,  se  traçará,  sob  graves  pvnas,  o  meridiano  da  rcpartIçAo  do  mar  Oceano  a  370  léguas  da»  Ilhas 
de  Cabo  Vente,  pira  que  os  súbdito»  castelhanos  e  os  portugueses  saibam  bem  por  onde  poderSo  Ir  a  navegar  e  descobrir  (*■): 

■  Don  Fernando,  e  Dona  Izabel  por  la  Orada  de  Dios  Rey.  c  Reyna  de  Castilla,  de  Leon.  de  Aragon,  de  Secilia. 
de  Onnada.  de  Toledo,  de  Valenda,  de  Oalisla,  de  Mallorca,  de  Ccvllla,  de  SardeAa,  de  Cordova,  de  Córsega,  de  Murcia,  de 
iahen.  dei  Algarbe.  de  Algesira,  de  Gibraltar,  dc  las  Islas  de  Canárias,  Conde  e  Condesa  de  Barcelona,  e  Seflores  de  Vlscaya. 
e  de  Molina.  Duque  de  Alhenas  e  de  Neopalria.  Marques  de  Oristan,  e  de  Qociano.  Porquanto  en  la  Capltuladon.  e  Aslcnlo, 
que  se  hlso  entre  nos  y  «1  Sereníssimo  Rey  de  Portugal,  c  de  los  Algarbes  de  Aquende,  e  de  Alende  cl  Mar  en  Africa,  e 
Sefior  de  Oulnea  nueslro  muy  caro,  e  muy  amado  Hermano,  sobre  la  partldon  dei  Mar  Oceano  lue  ascniado.  e  Capitulado 
entre  outras  cousas  que  desde  el  dia  de  la  fecha  de  la  dicha  CapituUcion  fasta  diez  meses  prímieros  Scgulentes  ayan  dc  ser 
en  la  Isla  de  la  gran  Canária  (**)  Astrólogos,  Pilotos,  e  Marineros,  e  Personas  que  nós,  y  el,  acordaremos  tantos  de  \3  una 
parte  como  dc  la  outra  para  \t  t  haser  e  aenalar  la  lit^a  dc  la  partldon  dcl  dicho  Mar  ha  de  ser  a  tredentas  e  »elenta  léguas 
dc  la»  Islas  dei  Cabo  Verde  a  la  parte  dcl  Ponicnle  por  Una  dereicha  dei  Poio  Artico  al  Polo  Anlartico  que  es  dc  Norte  ha 
Sul  en  que  somos  concordados  en  la  partidon  dei  dicho  Mar  por  la  dlcha  Capltuladon  segundo  mas  largamente  en  cila  es 
convenldo...  considerando  como  la  lifla  de  la  dlcha  partidon  se  puede  metor  haser,  e  sertificar^or  las  dichas  trezienta»,  e 
setenta  légua»,  e  tiendo  primeiramente  acordado,  c  asentado  por  los  dichos  Astrólogos,  Pilotos,  e  Marineros,  e  Personas  antes 
de  la  yda  de  las  dichas  Caravelas  la  lorma,  e  ordem  que  en  el  demarcar,  e  senalar  de  la  dlcha  lil^a  se  aya  de  tener,  e  asi 
por  se  escusar  debates,  c  difcrcnda»  que  sobre  cilas,  e  entre  Us  Personas  que  asI  fuercm  poderan  acontecer,  sl  despues  de 
serem  partido»  lo  quisescn  alia  de  ordenar,  e  vlendo  asy  mlsmo  que  yendo  las  dlcha»  Caravela»,  e  Personas  antes  de  »e 
saber  ser  aliada  lila  o  Terra  cn  cada  una  de  las  dlch.ts  partes  dei  dicho  mar  a  que  lucgo  ordenadamente  ayan  de  yr  nada 
porcn  se  ('°')  harta.  Portanto  para  que  todo  sc  mejor  pueda  haser,  con  dedaracion.  e  scHificaclon  de  anbas  la»  partes  avemo» 
por  bicn,  e  por  esta  prezcnte  Carta  nos  plazc  que  los  dichos  Astrólogos.  Pilotos,  c  Marinero»  e  Persona»  en  que  nós  acorda- 
remos con  el  dicho  Rey  nueslro  Hermano  tantas  dc  la  huna  parte  como  dc  la  oira,  c  que  razonablemente  para  esto  puedan 
bastar  »e  ayan  de  {untar,  e  junlen  en  alguna  parte  de  la  Frontera  dcsios  nuestros  Reynos  e  dei  dicho  Reyno  de  Portugal  los 
quales  ayan  de  Consultar,  acordar,  e  tomar  asiento  dentro  de  lodo  cl  mez  dc  Sciiembre  ptlmcro  que  vemi  deste  af\o  de  la 
fcicha  desta  Carta  la  manera  en  que  la  lifia  de  la  partidon  dei  dicho  Mar  se  ay  de  haser  por  dichas  trezicnlas  e  setenta 
léguas  en  rota  direicha  al  Ponlente  de  las  dichas  Islas  dei  Cabo  Verde  dei  Polo  Artico  al  Polo  Antartico  que  es  dc  Norte 
a  Sul  como  en  la  dicha  Capltuladon  es  contenldo,  y  aqucllo  cn  que  se  concordarcn  siendo  todos  conformes,  c  lucre 
asentado,  e  Senalado  por  cllos  se  aprovará,  e  confermará  por  nós,  y  por  el  dicho  Rey  nueslro  Hermano  por  nuestras 
Cartas  Patentes,  y  sl  antes  o  despues  que  fuere  tomado  cl  dicho  asiento  por  los  dichos  Astrólogos,  Pilotos,  e  Marf> 
neros  que  asi  fueren  nonbradoi,  yendo  a  cada  huna  de  las  partes  por  la  parte  dei  dicho  mar  que  pucdcn  yr  segundo 
lo  contenydo  cn  la  dicha  Capltuladon,  csguardandosc  en  ello  lo  que  cn  cila  se  contlene,  fuere  hallado.  e  se  hallarc  Isla 
o  Terra  que  parcsca  a  qualquier  dc  las  partes  ser  en  parte  donde  se  pueda  haser  la  dicha  llfla  segundo  la  lorma  de  la  dicha 


ft  o  VUcond*  dc  SanUr«m  Irrmin*  o  Iftmo  I  do  Quadro  tlrmrntar  das  rtlaríift  palllltet  t  áiplonAtíeei  dt  Porlugat  (Parít,  IStt,  pJg.  3H) 
poi  uma  r*(*r«i>tta  a  C«le  documinio  (pi«{l»mcnlc  lndi<ado  na  nola  763.  •KtchÉTO  Raal  da  Tarr«  do  Tombo.  Gav.  10.  ma(.  S.  n,  4<).  que  dw  •  ftctU  data 
(Mn.  I<9)  Maio  II  uci*v*  Et  Kvl  O  Fernando  dt  Caticls  ao  Senhor  t(«i  D  Joio  II.  lubrc  a  <lcmar<a(So  do*  mares  dai  duu  tottnt*.  rrata-tr,  poiCm.  dc  uma 

Cana  pat-        '  '  <    da  d*  dala.  I  át  nulo.  em  vn  de  7  Mo  tOmo  II  do  mttmo  Quadro  tUmrnlar  iParl».  IB42.  pégi-  J94.  J9J)  fai  um  •Rctumo  da 

Carla  pé'  io  t  da  Rainha  O  iMbtI.  prortMando  o  praio  drlciminado  (»ra  a  partida  da*  coravelal*,  lenda  Indicado  a  dala  eiada  da 

Cafta  (Ali  jem  da  ptg.  391    NCste  tciuirio  dli'ie  que.  aniei  ar  ic  Ir  pioiedcr  &  demarcacli>.  ie  hto  d(  (eOnIr  aiUónomoi  e  pilotcii  de 

ambai  as  laiici  num  lu^ii  <ia  Tronlelta  da*  duas  mona(i)uias,  dentro  do  mta  de  setembro  Imediaio.  para  resoIvrFcm  o  modo  de  marcar  a  linha  dlvitúria;  e 
•  o  praio  doi  dei  meaca.  que  devia  toniar-s«  detde  a  dala  da  tonveocSo  dc  Toideslllai.  passara  a  corMor-ie  da  data  da  Carla  patenle.  tite  »e  fai  referfncla 
a»  anterior  documertlo  da  Torre  do  T>  <- >  '      'iodo-tc  apenas  o  manutciilo  n*  tOM)  da  Blblloleta  Real  de  Paris  fnola  n'  4%).  Ora  o  praio  dos  det  meiea 
pamava  a  contar-**  d«»de  a  data  do  r>  "  J!?"  *  drmam<*o.  leila  pela  Parte  que  cixcnItaMe  terra  no  mriidiano  dlviiOrio,  Ern  Algnn  docamtntot 

40  Arthipo  Naclenal  da  lorrr  do  Tom  IS».  pAg  Vi.  v«m  nia  indica^Ao    -Carla  doi  leii  O.  Fernando  e  D  lubcl  de  Cattela.  para  que  os  astrónomo*. 

ÇIMoa  c  p«a*oias  incumbidas  d»  Iratai  *  linhj  d«  demarceclo  para  ai  nairga^ars  e  conquistas  daquele  reino  e  do  de  Portugal,  em  virtude  do  tratado  d* 
OTdMUlML  ta  leUnam  num  ;>onlo  da  rala,  r  relatando  vtilas  dclermInacOes  a  fite  respello  Madrid.  7  dc  maio  de  KW».  Esla  incomplcla  noticia  levou  no*  a 
pa4\t  ao  dtgríD  Director  do  Arquivo  Matior^al  cOpli  integral  do  docummto  O  Senhor  Or,  flnlOnlo  Balio  sat>ifei.  tom  uma  prontidJo  e  solitilude  que  multo 
agradecemos,  o  nowo  pedido,  dando  nos  lambem  intormacSo  «obre  o  estado  em  que  actualmenic  sc  encontro  o  original  a  primeira  pAglna  eitA  mullo 
deteriorada  ma»  eililam.  apensai  ao  documenlo.  dua»  (rtplai,  uma  leilo  em  1T73.  e  a  outra  em  ÍBIS  O  teiio  que  publltomol  «  o  do  documento  original. 
ttttaaXatado  per  eslas  <i>plas  noa  pontoa  em  que  >-  '  ri.  Achamos  conveniente  a  publIcafSo  na  integra  deita  Carta,  pouada  com  acârdo  prtiio  de 

D.  Joa<>  11.  como  resulta  da  sua  leitura,  a  qual  m  <i  parte  e  completa  o  lialado  dr  Tordesillas  e  moilra  quanto  os  Rei*  CalAlIcot  Inilstiam  pela 

damartatSo  do*  domínio*  da*  duas  coroas  Quando  i  u.uri  subiu  ao  trono,  ritaia  t  ■  '  .  ■  ■  r,  acordo  entre  os  aitiAi<oni<ii  c  pHotoi  das  duai  naçAe*  Sa 
da  parte  da  Portugal  »t  acuanaa  a  dcMOtwrta  de  tena  na*  piOaimldadrs  do  mnirliam  luiijirUm  as  qiieSlArs  relalivas  ."i  dcmarEaçao.  como  depolt 

•undau  na  Junta  de   Badajot.  B  icapallo  di  r-Unido  do  oiau  |prrri'ff  -lu-  (rf.i  a-  ,,        jj  t>rrer.  em  14*4.  d"ia  opiniBo  que  representaria  para 

hNtugal  uma  parda  de  70  légua*,  como  atrí^  'i4g  ZM),  O  m.i  por  vraqeni  de  reconhecimento,  fe  ias  ein  legitdo- 

m   Pate<«-noi  talUrem  a-i  .i,  talvei-  eara-  ,ic  .iai  dkhat  caravetai*  NSo  se  pode  vciIlKír  no  ohglnal.  que 

MM  ll*A(val  iMste  ponto,  maa  nha  tem  -i.  .     .  .  .  nrenlcnte.  polt  .i,  r,,  >i       ,<  luiiicm  a*  eitlpulacAai  do  Italado  de  7  dc  lijnho  de  I4M.  que  podem 

Mr«l  MB  Algam  docummloi.  pAg*  7$.  76. 

Ma  cApla  da  177}  utd:  M  Aprrrut.  Conjacluramoa  que  a*  palavraa  que  citavam  no  otlgina).  «  te  nlo  podem  ja  Itr.  teriam:  nada  porta 
tt,  como  acima  puicmod. 


260 


DUARTE  PACHECO  P E R E 1 R A - PRECU RSO R  DE  CABRAL 


apltulidon.  «  irandândo  mjumt  U  huna  parte  a  U  olra.  qu*  m«iòen  •cnalar  U  Uft.  wiodlch.  «remo.  nòi,  y  •  dlcho 
Rcv  ruísiro  Hermano  Obligado,  de  mandar  hawr.  e  «enalar  la  dich.  Ilha  .egundo  U  orden  dei  asiento  <iu.  tum  tomate 
por  lo.  Attroloso».  PIlolos.  e  Marinero,  e  Persona.  «uwdicha.  que  ad  hier*n  notnbrado.  dentro  de  d^er  m«e.  primero. 
cornados  dei  dia  que  qualquier  de  las  parle,  rrcquleran  a  la  otra.  v  en  cato  que  no  km  en  el  medlo  de  '»  ^"^ha  Ilfta  o  que 
issi  se  halUre.  m  haii  declaratíon  quanlas  le^u*.  «V  dello  «  l«  dich.  "Ha  a.y  de  nue.tra  parte  como  dela  parte  dei  dlcho 
SerenU.Imo  Rey  nue«tFO  Hermano,  no  dcxando  poren  de  en  qualquer  i.U  o  Terra  que  ma.  f"J** 
por  el  tlempo  se  hallar,  h.«r  1.  dIch*  declandon  e  por  se  ha.er  lo  que  dlcho  e.  no  «  de«ra  de  tener  Ia  m.ne^  «""dlcha 
kallando-te  Isla  o  Terra  debao  de  U  dicha  lifta  como  dtcho  e.  e  hasta  el  dlcho  tlempo  de  lo.  dlchos  d  ea  d«P« 
que  U  huna  parle  requerierem  a  U  otra  como  dlcho  e..  no.  plaze  por  e.la  nue.lra  Carta  prorroflar.  .  '^Vd«  d.  la. 

Lha.  CaraveTa..  .  per^ona.  .yn  enbargo  dei  termino  que  cere  dello  en  1.  dich.  CapItuUdon  ue  i;""'»^ •  '  ^P;^""*^^'  * 
bien  a.l  nos  pl«e.  e  avremo.  por  blen.  para  mas  notlRcadon.  e  dedaradon  de  I.  pan.don  f '/f  °  ^«  ^"•/"''^^^ 
el  dicho  Rev  ívuestro  Hermano  por  U  dld-a  Capl.uladon  e.  leldia.  e  para  que  nuc.tros  «ubdltas  e  N.tur.1..  '"V*n  m« 
Informalo  por  donde  de  aqui  adelan.e  ayan  de  navegar,  e  de.cobrlr.  e  a.l  los  subdl  os.  e  naturale.  dd  dlcho  "JV™ 
Hennano.  de  mandar  como  de  fecho  mandaremos  «.  grave.  pena.  que  7"^^^^^ 
Reynos.  e  Senorios  .e  hiileren  de  aqui  adeUnte  to.  que  obleren  de  yr  por  el  dlcho  Mar  Oceano  .e^nga  U  llh.  d,  U  dWu 
pí^ldon  figurando-^  dei  dlcho  Polo  Artlco  al  dlcho  Pok,  Antarllco  que  e.  de  Norte  a  Sul  en  el  onpa.  ^aío^ 
Ltenta  léguas  de  Us  dlchas  l.las  dei  Cat»  Verde  por  rota  derocha  a  la  parte  de  Po"'*"";"";°  "^^^  '  Mo^TV  '  ^^^^ 
la  medld?dclU  lo.  did.0.  Ailroloao..  .  Ptlolov  e  Marinero.        a.1  .e  i""'"'"  «''"f  "^^^^ 
otorgamo.  que  est.  pre«nte  arta.  y  lo  en  elli  contenido  no  periudique  en  com  aljura  de  U» 

asi  laser  solamenie  para  que  lo»  dlchos  Astrólogo.,  e  persona»  se  """^".^^^^   .  jT  i,  «da  de  U.  dlchas 

de  plomo  pendlente  en  filos  de  seda  a  colore,  daaa  en  la  nuesira  vu«  Revna. 
seu  mandado». 

Regtstàd^.- Arquivo  Njctonil  da  Tórrf  do  Tombo.  Qéveté  10.  Miço  S.  Numrro  4. 


261 


« 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  3RAS1L 

índice 


INTRODUÇÃO 

(PAOS.  I  A  CXXXI) 
POR 

C  MALHEIRO  DIAS 


a)  A$  prioridãdes  portuguesês  no  conhecimento  dês  terrãs 

oddentãit  e  na  cancepfJo  da  conhnenlalfdade  da 
América. 

b)  Quadro  dos  indícios  e  provas  do  conhecimento  pre- 

•Colombino  das  terras  ocidentais,  a  datar  do  início 
das  explorJç^^es  portuguesas  do  Atlintico.  e  da  priori- 
dade portuguesa  na  concepção  do  continente  americano. 
Apêndice  á  Inttoduçao. 


SUMÁRIO 


NadonalUmo  português  

Caracter  oficial  d03  descobflmentos  portu- 
gueses   

Análise  critica  da  Intencionalidade  do  de»- 
cobrimento  do  Dra&ll  

Reprodução  e  verslo  paleogritlca  das  notat 
do  seaetário  de  Estado  Alcáçova  Car- 
neiro, ouvindo  o  parecer  de  Vasco  da 
Gama,  sôbre  a  róta  da  armada  de  Cabral 

Suposta  passagem  de  Vasco  da  Oama  nas 
proximidades  da  costa  brasileira  em  1497 

A  Intencionalidade  do  descobrimento  do 
Drasll  Indicaçio  de  um  conhecimento 
anterior  das  terras  austrais  .... 

Quadro  dos  depoimentos  históricos  denun- 
ciadores do  conhecimento,  anterior  a 
1500.  das  terras  da  América  Austral .  - 

Carta  de  Estevão  fróis  a  D.  Manuel  I: 
fac-simile.  acompanhado  da  leitura  literal 
c  versSo  em  linguagem  moderna  .    .  . 

Significação  da  viagem  de  Duarte  Pacheco 
segundo  o  historiador  brasileiro  ^oio 

Ribeiro  

Intreprelaçio  do  tratado  de  Tordeslllas.  . 
A  concepção  cosmográlica  de  Colombo  ex- 
dufa  a  exislénda  da  América  .... 
Revelação  da  concepção  portuguesa  do  novo 

continente  . 
A  Inllucnda  de  Toscanelit  na  viagem  de 

Colombo 

O  descobrimento  das  Caniriai  pekw  portu- 
gueses no  século  XIV   .    .    •    •    •  ■ 

Cafta  de  Alonso  IV  de  Portugal  ao  Papa 
Clemente  VI.  fac  simílc  e  tradução  do 
Registro  do  Vaticano    ■        ■    '  ' 

Contiedmento  pre-colombino  da  AntOla.  . 

A  corrcspondíncU  de  Toscanclll  com  o 
cónego  Fcmao  Martins  de  Roriz  .    .  - 

Versões  espanhoU  e  italiana  da  carta  d« 
ToscanelU  ao  cAnego  Fpm.lo  Martins  de 
Roriz     .    .    ■  ■ 


pAqs. 
V 

VII 

XI 


PAM. 

Cronologia  colombina,  deduzida  das  Invet- 

tlgaçlks  dos  mais  recentes  historiadores  LXXXIII 

Versdes  espanhola  e  italiana  da  X*  suposta 

carta  de  ToscanelU  a  Colombo     -    .    .  LXXXVIII 

Texto  latino  da  carta  de  Toscanelll  ao  cónego 

Fcmio  Martins  de  Roriz  LXXXIX  a  KQIl 

Preparaçlo  portugncM  do  empreendimento 

de  Colombo   XCVI 

A  revelação  do  pilòto  da  Madeira    ...  CU 

O  proiecto  de  Toscanelll  rennvado  por  Mo- 
netário   CVIaCXIII 

A  politica  de  sigilo,  aplicada  por  D.  ]oio  II 
e  D.  Manuel  ao«  descobrimentos  do 
oddente   CXIII 

A  presença  de  Vespúdo  nas  anradas  por- 
tuguesas de  1501  e  1903    CXVH 

Prioridades  portuguesas  no  conhedmento, 
descobrimento  e  etoloracSo  da  América 
austral  ...  OQMl 

CAPITULO  I 

(PAoS.  I  A  »} 

A  ÉRA  MANUELINA 

POR 

JÚLIO  DANTAS 


XVI  a  XIX 
XX 

XXIII 

XXVII  a  XXIX 

XXni  a  XLVl 

XLVII  a  XLIX 
L 

Lin 

LV 
LX 
LXIII 

LXVaLXVII 
LXVIII 

LXX 

LXXVIII  a  LXXX 


Po««U0al  na  Renascença:  a  revoludo  geográflca  t  o 

comérdo  do  Oriente   * 

Lisboa,  metrópole  comerdal  do  mundo   < 

A  rua  nova  doe  Mercador**  vlsts  pelos  cardeal*  a  paloi 

embaiiadores   * 

Usboa  ddade  da  prata:  a  opul£nda  manuclUia  .  6 

O  paço  da  Ribeira  e  a  côrte  de  D.  Manuel    ....  í 

Músicos  de  Usboa  no  século  XVI   ' 

Portugal  polénda  mllltsr  e  naval:  as  armadas,  oi  arae- 

nals.  a  artilharia   • 

As  embaixadas  de  D.  Manuel   • 

A  sala  dot  Veados  e  a  nobresa  manuelina     ....  lO 

O  povo  no  ddo  épico  dos  descobrimentos  .  .  -  .  II 
A  arguitclura  e  as  navegações.  O  templo  de  Santa  Marta 

de  Belém   " 

A  ourivesaria  manuelina  e  a  blbUa  dos  Jerónimoa  .    -  l« 

As  Igreias  e  o»  mosteiro»  ...                    ...  14 

Os  castelos  de  Cortugal  

A  pintura  portuguesa  no  século  XVI:  08  «primitivos» 

manuelinos ...  '* 

A  pintura  em  tábua  .    .                            ...  !• 

A  Iluminura  ■ 

O  teatro  na  recâmara  de  D.  Manuel:  Qil  Vicente     .    .  a 

As  belas  letra»  na  guarda -roupa  de  D.  Manuel   ...  23 

Os  criadores  de  sdénda   *• 

Sibhis  portugueses  enchem  as  universidade*  estrangeiras 

Os  pedagogos:  os  humanistas  

O*  reitores  portugueses  da  universidade  de  Parti  .  .  » 
A  imprensa  em  Portugal  nos  séculos  XV  e  XVI;  lodúl- 

iria  do  livro   * 

263 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


índice 


CAPÍTULO  II 
A  ARTE  DE  NAVEGAR  DOS  PORTUGUESES 

PEIO 

PROF.  LUCIANO  PEREIRA  DA  SILVA 


pAqs. 

1  —  0  conceito  do  Inlinte  Nivelador  29 

2—0  MirolAblo  «lírico  M 

3  —  0  «itroliblo  plknlslénco  36 

4  —  0  astroliblo  náutico  40 
5-0  quadrante  43 

6  -  A  balMlilha  47 

7  -  Realmenio  da  etirila  do  norte  ....  49 
9  --  Reslmento  da  altura  do  pólo  ao  Rido-dli  ...  55 
9 -Tábuas  do  BOl   59 

O  «Alminich  Perpetuum»  de  Zacuto  60 

A»  tábuas  do  Regimento  át  Úvor»  ......  60 

As  libuM  da  primeira  viagem  dc  Vasco  da  Oama  61 

A  lábua  do  RêgimenXo  de  Munich   62 

As  tábuas  de  Pedro  Nunes    64 

Cosmósralos  ds  D,  ]oáo  II   65 

A  tuposla  ]unta  dos  Matemáticos  dc  D.  Joio  II  66 

Valor  atribuído  a  prcces&áo  dott  equinócios   ....  66 

10  Resimento  do  Cruzeiro  do  Sui   68 

11  — Toleti  de  Martelolo,  regimento  das  l<^uas  .  .  72 
12-  Variacáo  da  agulha   77 

13  Regimento  da  altura  do  pólo  a  qualquer  hora  do  dia  93 

14  Altura  dc  lésle  oésie   65 

15  A  taiti  de  marcar  ■  ...  .90 

16  Marés     95 

17  -  O  saber  náutico  portuçuts  na  epopeia  nacional  100 

CAPÍTULO  III 

(pAos  is?  a  ns) 

OS  FALSOS  PRECURSORES 

DE  Alvares  cadral 

PELO 

PROF.  DUARTE  LEITE 


PAos. 

O  Maraflon  |^ 

Oviedo.  Gomara.  Las  Casas  e  Herrera  |65 

,  A  nomenclatura  de  Pinzon  e  o  PlanlsKrio  de  7uin  de 

I      to  Com  167 

Os  mapa»  de  Cantino  e  da  Biblioteca  Oliveriana.  a  Carta 

de  Mártir  e  os  portulanos  de  Egerton   ...  175 

As  viagens  Ignoradas  de  Pinzon   iso 

III-  Diego  de  Lepe  ....  I86 
Os  diplomas  coniiecidos  .  .  197 
O  brasáo  dos  Pinzonet.    ...  1^9 

tOiego  de  Lepe  morreria  na  forca?   I90 

A  supcsta  primeira  viagem  de  Diego  de  Lepe  I9l 

A  descoberta  do  Amazonas    .....  194 

IV  -  Alonso  Velez  de  Mendoza  195 

Os  diplomas  oficiais   196 

O  depoimento  dc  Serrano  e  aa  Probamas  197 

V- Conclusões   ...  I9a 

Apêndice  A  -  Segunda  navegaçáo  de  Vespúdo    -  201 

Apêndice  B  -  Probanzas  dei  Fiscal  y  dei  Almirante  .  .  203 
Apêndice  C -Viagens  dc  NlHo  com  Oucrra,  de  Hojeda 

e  de  Bastidas  com  La  Co»a    ....        ...  216 

Apêndice  D  «...  218 

Apêndice  E    Extractos  dc  cronistas  espanliOis  relativos 
A  primeira  viagem  de  Vicente  Vaftez  Pinzon:  Gonzalo 

Fernandes  dc  Oviedo   219 

Francisco  Lopez  de  Qomára    220 

Fr.  Dartolomê  de  las  Casas   221 

António  de  Herrera   223 

Apêndice  F  — Extractos  de  cronistas  uspantióis  relativos 
á  primeira  viagem  de  Diego  de  Lepe:  Fr.  Darloiomií 

de  las  Casas  e  António  Herrera   224 

Apêndice  O  -  El  Parecer  de  Juan  Rodrigues  Serrano   .  224 
Apêndice  H    Instruções  dadas  a  Lopc  Hurtado  dc  Men- 
donça,  fidalgo  da  casa  do  rei  de  Espantia  e  seu 

embaixador  em  Lisboa,  com  fãc-simile   225 

CAPdULO  IV 

(PAos.  211  A  Ml) 

DUARTE   PACHECO  PEREIRA 

PRECURSOR  DE  CADRAL 
PELO 

PROF.  LUCIANO  PEREIRA  DA  SILVA 


I  — Alonso  de  Hojeda   109 

A  viagem  dc  Hoteda  em  1499.  ...  III 

A  tesunda  nave^jcao  de  Vespúclo  114 

O  napa-mundi  dc  )uan  de  la  Cosa  .    .  120 

II  — Vicente  Vanez  Pinzon   126 

Os  diplomas  oficiais  ...  127 

As  três  narrativas  de  Pedro  Mártir  .  129 

A  vlaoem  de  Pinzon  em  1499.1500  .    .  131 

Pinzon  cm  1500  nio  atravessou  a  equinocial      ...  141 

Pinzon  em  1500  nSo  tocou  no  Cabo  de  S.  Agoillnho   .  147 

Pinzon  em  1500  náo  avistou  o  Amazonas   |S3 

264 


Duarte  Pacheco  Pereira  —  precursor  de  Cabral   ...  231 

Duarte  Paciieco  na  Guiné   232 

O  tratado  dc  Tordesillas   233 

Duarte  Pacheco  e  a  grandeza  do  grau  terrestre    .    .  235 

A  iunla  dc  Badajoz   239 

A  expediçSo  de  1498    241 

Pacheco  em  Cochim  ....    aiT 

O  Esmeraldo     249 

Conclusão   256 

Apêndice  ao  Cap.  IV.  Carta  paienie  dos  Reis  Católicos. 

de  7  de  maio  dc  1495    260 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


índice  das  gravuras  do  volume  I 


Extrã -texto  -  O  descobrimemo  (1498-1521) 

Entra,  texto  À  Njçio  BrA>llelra  no  pri- 
meiro Centenário  da  Indcpcnrfíncij 

Qrillco  demonsiraiivo  da  relações  de  pro- 
porçlo  entre  as  ireas  lerrltoriait  dc 
Ponugal  e  do  Brull  

N«u  do  século  XV  

A  Imagem  do  mundo  do  Cardeal  Pierre  d"Alllv 

Cxtra-rexto  -  Piintl  do  Inlanie,  Políptico 
de  Nuno  Qonçalves.  (Síoilo  XV)     .  . 

Rosto  do  Trilado  dã  Sphera  composto  p«lo 
malemòtico  Pedro  Nunes.  Edílio  qui- 
nhentista   

Extra-texio  -  Painel  dos  pescadores  e  dos 
cavaleiros.  Políptico  de  Nuno  Goncalves. 
(Século  Xl')  

Quilhermc  Tomás  Raynal.  Retrato  di  ediçlo 
de  I7SS  (Macstrlck)  da  Misfoire  philoso- 
phique  et  politique  des  établissements  et 
du  commerce  lírt  i'iira'^ft'ns  dans  les 
deux  Indes  ■  ... 

EsM^o  de  uma  pane  do  AtUntico,  abran- 
gendo a  costa  oddentat  da  Africa  e  o 
litoral  do  Brasil.  Indicando  Porto  Seguro 

Fac-slmile,  segundo  Vjmhagen,  da  primeira 
tâllu  do  rascunho  ou  borrlo  das  notas 
tomadas  pelo  secretário  de  Estado,  Al- 
cácova  Carneiro,  ouvindo  o  parecer  de 
Vasco  da  Gama  sòbrc  a  2.'  viagem  à  índia 

e*rra -fejfrt  — Painel  do  Arcebispo.  Políptico 
de  Nuno  Gonçalves.  (Século  XV) 

O  itinerário  de  Vasco  da  Gama  na  primeira 
viagem  à  índia,  segundo  Raventtein 

Exlra-lexlo  -  Os  itinerários  de  Vasco  da 
Gama  (l«7)  e  de  Pedro  Alvares  Cabral 
(IMO)  de  Lisboa  à  índia.  Mapa  de  Lafi- 
tau  nis  Découverles  et  Conquestes  des 
Portugais  dais  le  Nouveau  Monde  — 
ExlTa'texto~?a\nt\  dos  Frades  e  da  Re- 
Itquia.  Políptico  de  Nuno  Gonçalves 
(Século  XV)  

Fac-simtie  da  última  lôlha  do  Tratado  de 
TordesilUs,  com  a»  firmas  dc  Fernando 
de  Araglo  e  Isabel  de  Casteb    ■    .  ■ 

Fragmento  da  carta  de  Andréa  Bianco,  de 
1448,  onde  (Igura  a  isola  ottnticha  apro- 
ximadamente na  slluaçSo  da  extremidade 
mais  oriental  da  costa  do  Brasil  .    .  • 

Facsitnile  da  carta  de  Eslevto  Fioi»  a 
O.  Manuel  (1514)  

Apontamento  cartográfico  de  Bartolomeu 
Colombo  do»  litorais  descobertos  na  *.• 
viagem  dc  Crisfóvlo  Colombo.  . 

A  América  austral  da  cana  de  Camino  (tS02) 

Extra -texto -f^  América  da  Uria  dc  a- 
nério  iiw^?)- Extra-texto-fií  Terra  Nova 
na  cana  atribuída  a  Pedro  Reinei 

Carta  oriental  da  Terra  Nova,  de  Pedro 
Reinei  (1505)  .  ■   


PAOS. 

1     Reconsfruçáo  de  Kreischmcr  da  caria  de 

Toscanclll  (1474) 
I     Fragmento  da  carta  de  Andréa  Blanco  (1436) 
indicando  a  Antllla  e  a  Ilha  do  Brasil  . 
I  Fac-simite   do   registo   da   missiva  de 
III         D.  Afonso  IV  ao  Papa  Clemente  VI 
VII         (1345),  no  livro  lU  do  arquivo  do  Va- 

VIII  llcano  

fjrrra-zexro- Carta  de  Oracwto  Benincaaa 
VIIMX         (14S2)^  registando  a  Aniilla 

Extra-texto    Cana  dc  Dartolomeu  Parelo 
(1455),  registando  a  Antllla 
IX     Frontlspido  da  edIfSo  quinhentista  portu- 
guesa das  viagens  de  Marco  Polo 
As  regiões  navegadas  pelos  irmAos  Zeno, 
X-XI          s«gundo  Roscam  (1561) 

Extr,i-texto    Paolo  dei  Pozzo  Totcandli. 
Retrato  de  Georgio  Vasarí  no  paládo 

Vecchio  

Reconstruçlo  dc  Uzkili  da  cana  de  Tosca - 

XII  nelH  (1474)  

Extra-texto    O   Infante  O.  Henrique  por 
Nuno  Goncalves  (Século  Xl^)  Cópia  de 
XiV         Roque  Gameiro  .... 

Reconstrução  de  O.   Pcachcl.  da  carta  de 

Toscinelli  (1474)  

Reconstrução  de  H.  Wagner,  da  carta  de 

Toscanelll  (1474)  

XVI  a  XVIII  Fac  stmile  do  texto  da  missiva  de  Toscanelll 
(1474)  ao  cónego  Femâo  Martins  de 
XX  -  XXI  Rorii,  copiada  ou  recomposta  pelo  punho 
de  CrisIõvSo  Colombo  ou  de  seu  IrmAo 
KXl  Bartolomeu  numa  das  guardas  do  exem- 
plar da  HIstona  rerum  ubique  gestarum. 
de  <^neas  Sllvlus.  Edlçlo  de  1477.  da 

Colombina  .  .   

Texto  lateral,  verbatim  et  liberatim.  da  mis- 
siva de  Toscanelll,  segundo  a  versão 
manuscrita  do  exemplar  da  Histona  re- 
rum ubique  gestarum,  da  Colombina. 
XXIV -XXV        (Reproduzido  da  Biblioteca  Americana 
Verus/iistma )  -  ... 
Texto  da  missiva  de  Toscanelll  com  as  abre- 
XXX        vialurat  reconstituídas  in-extenso  pelo 
tllólogo  Norbert  Sumien.  (Reproduzido 
da  obra  dc  fi.  Vignaud  •  íoscanelli  and 

Columbus  *).   

XXX1I     Exemplos  fac-simllares  demontlratlvof  da 
contuklo  a  que  podem  praslar-se  ai 
XXXIV  a  XLIV        abreviaturas  de  Fernio,  Eateváo  e  Mar- 
tfns  na  escrita  do  século  XV  -  - 
Cristóvlo  Cclombo  segundo  o  retrato  do 
LIV        Museu  Naval  de  Madrid,  atribuído  a 
LVI         António  dei  Rincon  .    .  .... 

Lisboa  no  século  XVI,  segundo  uma  gravura 

alemá  quinhentista  

LVi-LVIl     ExIra-tfxto-ParXt  sueste  da  Terra  Nova 
no  Altas  português  da  Biblioiéca  Rlcar- 
LVII         dlana  de  Flormça 


Mo». 

LXI 
LXIV 

LXV  e  LXVI 
LXVIll-LXtX 
LXX-LXXI 
LXXII 
LXXVl 

LXXVIII-LXXiX 
LXXXI 

LXXXIILXXXIII 
LXXXVI 
LX  XXVII 


XC 


XCI-XCI1 

XCIII 

XCIV 

XCVI 
XCVIII 

C-CI 
26S 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


índice  das  gravuras  do  volume  1 


rAof. 

Oririco  d««  qiutro  viagem  de  Colombo  CIV 
A  caravela  de  Colombo  segundo  uma  gra- 

vura  em  madeira  da  ediçio  prlnctps  {U9J> 

da  cana  de  Colombo  a  Rafael  Sanchez  .  CV 
A  carta  do  Dr  Moneiirio.  reprodução  tac- 

•tlmlUr  do  rrW4tfo  (ía  S^A^ra  .  .  .  CVII,  CVIII  eClX 
Elemento!  da   construção   do  Olobo  de 

Dehaim  na  parte  referente  ao  AilAnlIco 

eolre  os  lllorals  oddentaU  da  Europa  e 

da  Africa  e  ab  Ilhas  e  litorais  da  Asia  .  CX//-CX/// 
Anérlco  Wspúcio.  gravura  do  Llogio  d' Amé- 
rico Vtspucd,  de  Sianisláo  Canovai  .    .  CXVIII 
Reproduçlo  lac-similar  da  página  da  Cosmo- 

grãphix  Introductio  (IM>7),  em  Que  é 

proposto  o  nome  de  Américé  para  O 

Novo  Mundo  .    CXX 

O  mapa-mundo  de  Ruych  (l&Ot),  em  pro- 

leçio  cónica   CXXIIl 

Exttt-teKlo    Planlsférlo  registando  as  gran- 
des viagens  maiiiimat  dos  portugueses 

nos  sículo»  XV.  XV\.  e  XVW  .    -  CXXXfl  CXXXllI 

EKttã  texto    DrasSo  de  O.  Manuel  ■   2-3 

Extrê-texto    A  Rua  Nova  dos  Mercadores.  Recons- 

titútclo  de  Roque  Gameiro  sãbre  o  Líi/ro  de  Morss 

de  D.  Manuel   4-& 

Extrê-lexto-  Pi  Rua  Nova  dos  Mercadores.  Iluminura 

do  Livro  de  Moras  d«  D.  Manuel   4-5 

Mercadores  da  Lisboa  manuelina.  (Desenho  de  Roqui 

Gameiro)   5 

Mulheres  do  povo  na  <poca  manuelina.  (Desenho  de 

Roque  Gameiro)   6 

Homens  do  povo  na  época  manuelina.  (Desenho  de 

Roque  Oamelro)   7 

Estátua  orante  de  D.  Manuel  no  pórtico  axial  do« 

lerónimos.  (Desenho  de  Roque  Gameiro)  ...  8 
Estandarte  de  D  Manuel  no  cortejo  triunfal  do  im- 
perador Maxlmiliano .  ....  io 
Extra-lexto    A  nave  central  da  igreja  doi  Jerónimos. 

(Desenho  de  Roque  Gameiro)   lo 

Tipos  da  nobresa  portuguesa  da  época  manuelina 

(Desenho  de  Roque  Gameiro)   ii 

Pórtico  axial  dos  Jerónimos  (Desenho  de  Roque 

Gameiro)    ...    12 

Exrrã-lexto  -  A  custódia  manuelina  dos  Jerónimos  .  12-13 
f*íra-/«/o-T6rre  de  Santa  Maria  de  Belém 

(aguarela  de  Roque  Gameiro)   u.is 

Convento  de  Cristo,  em  Tomar.  (Desenho  de  Roque 

Gameiro)   U 

Igrelâ  da  Graça,  em  Évora.  (Desenho  de  Roque  Oa- 
melro)   

Exttã-ttxto    Nossa  Senhora  das  Neve».  Painel  de 

Jorge  Afonso.  Século  XW   i^.n 

Página  do  incunibulo   Vilã  Chritíi,  impresso  em 
Lisboa  por  Nicolau  da  Saxónia  e  Valentim  de 

Morávia,  no  ano  de  149b   U 

fjfíra-/«/o-AdoraçJo  dos  Magos.  Painel  de  Cristó- 

vJo  de  Figueiredo  Século  XW   |g.|9 

PígíM  do  Brtvtàno  Bracarense,  imprv&so  em  Braga 

por  Joio  Gheriine.  no  ano  de  M94   19 

266 


Página  da  História  do  Imperalor  Vnpaaiano.  im- 
pressa em  Lisboa  por  Valentim  de  Morávia,  no 
ano  de  1496   

Extra-texto  A  deposiclo  no  Túmulo.  Painel  de  Cris- 
tóvão de  f^igueiredo.  Século  XVI  

Página  dos  Evangelhos  e  Epistolas.  Impressos  no 
texto  por  Rodrigo  Alvares,  no  ano  dc  1497     .  . 

Lisboa  no  tempo  dc  D.  Manuel  Gravura  panorâmica 
exiraida  da  CivUales  Orbis  Terrarum.  de  Qeorqius 
Braun  e  Franciscus  Hohenbcrgius  (1572) 

Damlio  de  Gois,  por  A.  Dúrer  

Extra-texto  A  Rua  Nova  dos  Mercadores  ~  Ilumi- 
nura do  Livro  de  liaras  de  D,  Mânuel  .... 

Extra-texto  D.  Manuel  1  (Composição  de  Roque 
Gameiro  inspirada  na  iconografia  manuelina)  . 

Extra-texto    Astrolábio  esférico  (Século  XIII)     ,  . 

Extra-texto  Astrolábio  plamsfénco  do  rei  Alonso, 
o  Sábio  (Século  Xill)  

Pesagem  do  sol  no  astrolábio.  Cópia  do  Regimiento 
de  navegacion  dc  Pedro  de  Médina  

Astrolábio  suspenso  da  cabrilha  Modélo  escolar 
construído  no  InstHiito  Superior  Técnico  de  Lis- 
boa   

O  quadrante  dos  Libros  dei  saber  de  astronomia 

Figura  de  Ptolomeu  com  um  qujdrante  na  mio.  re- 
produzida do  mapa-mundi  de  Waldseemíiiler 

Observação  da  Polar  tom  a  balestilha  ,    .  . 

Figurj  reproduzida  do  Regimento  de  Évora 

Figura  reproduzida  do  Regimento  de  Munich  .    .  . 

Página  do  Almanach  perpeluum  de  Zacuto.  com  a 
Tabula  declinationis  planetarum  et  solis  ab  equi- 
notiali.  rcprodusida  do  exemplar  existente  na  Dl- 
bhoieca  Nacional  de  Lisboa  

Tolela  de  Marlcloio,  do  mapa  dc  Andrea  Blanco  .  . 

Extra-texto  Nau  portuguesa  do  fim  do  século  KV. 
Rcconstilúiçao  sôbre  documentos  coévos   .    .  . 

BrasJo  de  D-  ]o3o  de  Castro  

Canlo  nordeste  do  mapa  de  Toacanelll.  segundo  a 
reconstrução  de  H.  Wagner  

Figura  reproduzida  do  Tratado  de  P  Nunes  .    .  . 

Extra-texto  Modelo  da  Maquina  do  Mundo  que  se 
conserva  na  Biblioteca  do  Convento  do  Escoriai. 
Espanha  

Extra-texto    Dra&So  de  Camões  

Segunda  Navegação  de  Vespúdo.  Extracto  lac-slmilar 
da  I  •  ediçào  da  Letiera  Florença.  1505-1506  .  . 

Extra-texto  -  As  Antilhas  e  o  litoral  da  América  no 
planisfério  manuscrito  de  Juan  de  La  Cosa  (ISOOX 
existente  no  Museu  Naval  de  Madrid.  Reprodu- 
zido da  litografia  colorida  de  Canovas  l/alleio  y 
Tralnor  

Extra-texto  -  O  Arquipélago  de  Santiago,  o  litoral  da 
África  e  a  ilha  descoberta  por  Portugal.  Fra- 
gmento do  planisfério  de  Juan  de  La  Cosa   .  . 

Extra-texto  -  Carta  dos  ventos  dominantes  na  região 
equatorial  do  Atlântico  nos  meses  de  Janeiro  a 
Março.  N.o  2925  do  Almiraatado  Britânico .    .  . 

Reprodução  fãc-similar  do  tX  livro  da  I.'  Década  de 
Pedro  Mártir  d  Anghiera       edição  de  1511  .  . 


eAas. 

30 

20-21 
21 

22-23 
24 

24-25 

24-25 
34 

38 

40 


42 
44 

46 
47 
52 
63 


64 

72 

76 
•1 

92 

93 


10 
103 

115 


130-121 

130131 

132-133 
134-13» 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


índice  das  gravuras  do  volume  I 


PAúS. 

A  derniã       Pinion  em  isoo  a  partir  4a  Itht  de 

Santiago   1^ 

Carta  das  coriíntti  maritimai  da  rtgtio  equaionat 

do  Atlântico  no  mH  dt  ;*n//ro,  N.o  2951  do  Al- 

miranudo  Britânico   144 

Extra  -texto  A  A  méríca  no  planis/éno  de  Canlino{tW2)  1  Ti  ■  1 75 
Mapa  da  /  •  ediçio  de  ISn  das  Décadas  de  Pedro 

Mártir  d'Anghiera   177 

Extra-texlo  -  Portulanoi  de  Egerlon  (dndc  Honduns 

ao  Brasil).  N.»  2803   178-179 

Extra-texto-Mapa-mundi  do  Atlas  de  portulanos 

de  ãgerton.  N.o  2S03    178-179 

Cxtra-texto  — Caria  do  nordeste  áa  Amenca  Meridio- 

Ml  desde  Pária  at^  o  Essequibo   |79 

Caravela  portuguesa  do  secul9  W  (Kecontttluiçlo 

segundo  documeittot  coévos)   iso 


PAOS 

Pac-simi/e  d«s  InstnicAe*  tfadit  a  Lopc  Hurtado  de 

Mendonça    .    226 

Escudo  dos  Pachccot.   jsa 

Pigma  do  Cap.  2.»  do  l,«  livro  do  Esmeraldo  .  .  M) 
fvrra-frWo  — Carta  de  nurear  reproduzida  do  Regi- 

mienlo  de  navigacion  de  Pedro  de  Medina  .  .  244 
Extra -texto  -  Brasão  de  armas  concedido  pelo  rei 

de  Cochim  a  Duarte  Pacheco   249 

InscTiçSo  reproduzida  da  Carla  marina  de  WaMsee- 

múller   250 

Figura  comemorativa  da  chegada  dos  portugueses  A  Ín- 
dia, reproduzida  da  Carta  marina  de  WaldtcemOller  2bl 
CoiDposicAo  do  nome  Esmeraldus,  como  anagrama 

de  Eduardus  e  Emmanuel   253 

Fac-simtie  da  Prlmeli^  página  do  Esmeraldc  254 
Extra-texto  -  Retrato  de  Duarte  Pacheco  257 


ERRATAS  E  COMENTÁRIOS 


Pig.  I  (linhas  18  e  19)  oftde  »e  \t:  <o  descobrimento,  reco- 
nhecimento e  exploração  da  costa  oriental  da  Amé- 
rica Austral,  até  multo  além  do  Rio  da  Praia,  pelas 
armadas  que  navegaram  para  sudoeste,  enire  1498 
«  1504»,  deverá  lèr-se:  o  descobrimento,  recontit' 
cimento  eexplorãçáo  da  costa  oriental  da  América 
Austral,  al^  jo  Rio  da  Prata,  pelas  armadas  que 
navegaram  para  sudoeste,  entre  1493  e  1514; 
N.  B.  Os  anos  de  ISOl  a  1504  fUam  na  corres- 
pondência de  Vespúcio  o  descobrimento  de  terras 
para  além  do  Rio  da  Prata.  As  referi^ndas  da 
Leltera  e  do  Mundus  Novvs  sJo,  porém.  ISo 
vagas  e  suspeitas,  que  nlo  se  nos  afigura  possh 
vel  sustentar  as  reivindicações  baseadas  nas  (onles 
aludidas.  C  mais  prudente  admitir  que  a  latitude 
do  estuário  do  Prata  loi  pela  primeira  vez  atin- 
gida em  1514,  por  uma  armada  presumivelmente 
dirigida  por  João  de  Lisboa,  o  grande  pilãto.  £ste 
problema  será  amplamente  debatido  no  11  volume 
desta  obra,  nos  capítulos  dedicados  ás  expcdlç&es 
de  1501  e  1503,  narradas  por  Vespúcio.  c  á  expe- 
dlçSo  de  1514,  revelada  pela  narrativa  da  Neuten 
Zeitung  aus  Presilig  Lanât. 

Pig.  V  (linha  I)  onde  se  \i.  «No  estado  actual  da  profusa 
civiliração  humana  parece  impossível  atribuir»... 
deverá  lér-s«:  No  estado  actual  da  profusa  civi- 
lixaçio  humana  parece  difícil  atribuir 

Pág.  VI  (linha  22]  onde  se  lé:  'Hísiory  ol  Brasil*,  deverá 
l*r-se:  Historv  of  Brazil. 

Píg.  XIV  (linha  27)  onde  se  I*:  «P«ro  Escobar»,  deverá  lêr-l*: 
Pero  Escolar. 

Pág,  XIV  (na  legenda  do  mapa)  onde  se  l(:  'Esbòco  de  uma 
pane  do  AiUntico.  mostrando  a  costa  ocidental 
de  Alrtca  e  a  ocidental  do  Brasil,  Indicando  pôrto 
SrcgurO'.  dcveri  lèr-se:  Esbo(o  de  uma  pane  do 
AUintico.  mostrando  a  costa  ocidental  de  África 
e  a  costa  do  Brasil,  indicando  Pôrto  Seguro. 

Pig.  XV  (linhas  I  a  4)  onde  «*  I*:  «No  maço  I.»  de  Lds,  sem 


data.  iLO  21,  do  Arquivo  da  TÔrre  do  Tombo 
existe,  sim.  unf  fragmento  de  instruções,  maa 
começam  tra  parte  referente  a  Angediva.  Sc  o 
excerto  publicado  por  Vamhagen  era  aulénilco 
constituiria  a  parte  anterior  do  manuscrito  incom- 
pleto da  Tõrrc  do  Tombo  >?  deverá  lér-se:  No 
maço  /.«  de  Leis,  sem  data,  nfi  21,  do  Arquivo 
da  TÓrre  do  Tombo,  existe  o  rascunho  ou  cdpis 
das  instruções  politicas  dadas  a  Cabral  e  que 
começam  na  parte  referente  a  Angediva.  O  ex- 
certo publicado  por  Varnhagen  reconheceu-se  não 
passar  das  notas  tomadas  pelo  secretário  de  Es- 
tado.  Alcáçova  Carneiro,  ouvindo  o  parecer  de 
Vasco  da  Qama  como  perito  experimentado  na 
viagem. 

N.  O.  O  exame  mais  atento  do  documento  da 
Tõrre  do  Tombo,  considerado  geralmente  como 
um  fragmento,  mosira  pela  Invocaçáo  habitual  do 
Inicio.  7ejus.  que  constitui  um  lodo  indepen- 
dente, sem  relaçlo  com  as  Instruções  própria- 
mente  náuticas. 
Pág.  XX  (linha  10)  onde  se  l#:  «S-  Vicente»,  deverá  I4r-se: 
S.  Thiago 

Pág.  XX/  (na  legenda  do  mapa)  onde  se  lè:  *]oumal  of  lhe 
llrsl  voyage  o(  Vasco  da  Qama  1417-9*.  dtvcrá 
lér-se:  Journal  of  lhe  fírst  voyage  of  Vasco  d* 

Gjma  1497-99. 

Pág.  XXIV  (Unha  I)  onde  se  I*:  .visivelmenie  entrevista,  de- 
verá lér-se:  logicamente  entrevista. 

Pág.  XXIV  (tinha  14)  onde  se  \í:  «carta  de  Pedro  Alvares  ao 
soberano»,  deverá  lér-se:  carta  de  Pedro  Álvarm 
escrita  ao  soberano. 

Pág.  XXW  (linha  5  da  nota  15)  onde  se  lé:  «baptizada  de 
Cabo  de  Santa  Maria  de  U  Consolación  ou  no 
-  Cabo  de  Santo  Agostinho,  segundo  Caplslrano, 
deverá  lér>se:  (baptizada  de  Cabo  de  Santa  Mêriã 
de  la  Consolación)  ou  no  Cabo  de  Santo  Agos- 
tinho, segundo  Capisirano. 

267 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ERRATAS  E  COMENTÁRIOS 


Píg.  XXI//  (linha  fr  dj  nola  n)  onde  se  lí:  -(pOTla  de  Jare- 
coari*.  deverá  l*r-*e:  fpontt  de  Urérscoàra). 

P4a-  XXW/  (Unha  18)  onde  m  lê:  «Pap*  Alexandre  IV>.  de- 
verl  l*r-»e:  PapM  Aletandre  VI. 

P*g.  XXVn  (linha  32)  onde  •*  I*:  'llnhai'.  deverí  lér  se: 
ilhas. 

Pig.  XXVin  (linha»  12  e  13)  onde  se  I*:  *na  demarcação  de 
Tordesilhas,  que  abranflia  o  Brasil.  -  onde  aierrára 
Cabral,  a  caminho-,  deverá  l*r-»e;  da  demarca- 
ção de  Tordesilhas,  que  abrangia  o  Brasil -onde 
aterrira  Cattrjl  quando  a  caminho. 

Pia-  Cnh*  *2)  onde  se  i*:  «que  Las  Casas  responde», 

deverá  tfr-sc:  que  Las  Caus  atade. 

Pig.  XXX/  (linhas  6  p  7)  onde  se  ít  «Incluía,  nio  só  o  litoral 
do  Drasil.  cujos  gnndiosos  llmlles.  de  Norte  a 
Sul,  foram  traçados  por  tese  meridiano,  como 
tamMm  vastas  regl&es  do  hemisfério  norte»,  de. 
verá  Ifir-M:  inclui  o  tíloral  do  Brasil,  cujos  gran- 
diosos limites,  de  Norte  a  Sul,  foram  traçados 
por  èsse  meridiano. 

Pis-  XXX/  (Unha  16)  onde  se  \«:  •»  de  ]ulho  de  1S00>.  de- 
verá  l«r-sc:  29  de  Julho  de  ISOI. 
N.  B.  A  versão  espanhola  da  carta  de  D.  Ma> 
nuel,  conhecida  através  de  Navarrete,  icm  a  data 
de  29  de  Julho  de  ISOI.  Na  cópia  coeva  do  texto 
original  português  da  mesma  carta,  existente  no 
arquivo  de  Venera,  aparece  a  data  de  2fl  de 
Agosto  de  iMl.  HarrIsse  tentou  explicar  a  dís- 
cordincia  aventando  que  28  de  Agosto  é  a  data 
em  que  se  extraiu  a  cópia.  Supomos  que  a  29  de 
Julho  ainda  nSo  leha  regressado  a  Lisboa  a 
naveta,  mandada  a  Solala  sob  o  comando  de 
Sancho  de  Tovar  Incllnamo-nos.  assim,  a  crit 
que  a  data  verídica  é  a  da  cópia  do  arquivo  de 
Veneza  c  que  o  érro  se  introduziu  na  veralo 
espanhola. 

Pig.  XXX/  (na  nola  40)  onde  se  lé:  «Essa  demarcação  era 
ainda  o  assunto,  vinte  e  quatro  anos  depois  do 
congresso  cosmognilico  de  Badajoz  e  Elvas», 
deverá  lír-se;  Essa  demarcação  era  ainda  o  as- 
sunto do  Congresso  eosmogrifico  de  Badafoi  e 
Elvas,  vinto  e  quatro  anos  depois. 

PÍq.  XXXII,  a  legenda  do  mapa  deverá  ser  substituída  pela 
seguinte:  Fragmento  do  mapa  de  Bianco,  de  t44S, 
onde  figura  a  *isola  otinticha*.  aproximadamente 
na  situaçio  da  extremidade  mais  oriental  dã 
costa  do  Brasil.  Vide  nota  37  da  pàg.  XXXI. 

Píg.  XLVI  (linha  17)  onde  se  lí:  -com  certos  negros  lurta> 
dos»,  deverá  l*r.se;  com  certos  negros  que  leuav» 
furtados. 

Pás-  XLVtI  {tinia  12)  onde  se  M:  •Toscanelli  and  Colom- 
bres», deverá  l*r-se:  Toscanelli  and  Columbus. 

Pifl.  U  (Unha  7)  onde  se  Ifr:  •centum  lenels  versus  ocd- 
dentem».  deverá  lènsc:  centum  leucis  versus  ocd- 
dentem. 

Pis-  II  (Unha  16)  onde  se  \t.  «Alexandre  IV*,  deveri  lér-se: 
Alexandre  VI. 

Pis-  LI  (linha  28)  N.  B.  Não  deve  ocultar-se  que.  logo  depois 
do  regresso  da  expcdlçlo  de  Colombo.  D.  Joio  II 
mandou  aparelhar  uma  esquadra  sob  o  comando 
de  D.  Francisco  de  Almeida,  que  deveria  Ir  reco- 

266 


nhecer  a  situação  das  terras  de  onde  regressava 
tam  ufano  o  aventureiro  genovês.  Porím.  09  In- 
tentos de  D.  )o3o  II-  que  em  Vaie  do  Paraíso 
leve  Colombo  à  sua  mercê,— eram  dlclados  pelos 
deveres  de  monarca,  e  náo  inspirados  pelos  sór- 
didos turores  da  inveja  e  do  despeito,  como  se 
comprai  a  imaginar  a  fantasia  romanesca  de  al- 
guns historiadores. 

Pelo  Tratado  de  Medina  dei  Campo  (30  de  Outu- 
bro de  1431)  e  mais  especificadamente  pelo  Tra- 
tado de  Alcáçovas  (4  de  Setembro  de  1479)  con- 
nnnado  por  Xlslo  IV,  era  reconhecido  pertencer 
in  solidum  a  Portugal  o  senhorio  da  Quiné  com 
todos  os  mares,  tlhas  e  litorais  descobertos  e  a 
descobrir  até  à  fndia. 

D.  loáo  II  encarou  a  hipótese  de  ficarem  as  ter- 
ra» de  onde  voltava  Colombo  dentro  da  área  vaga 
e  Imensa  que  os  Tratados  atribuíam  à  Coróa  com 
o  beneplácito  pontifício.  Barros  exara  a  suspeita 
na  Década  primeira  da  Asia  (Livro  III,  Cap.  Xl|: 
...  rrWo  verdadeiramente  que  esta  terra  des- 
cuberta  lhe  pertencia,  e  assi  lho  davMo  a  enten- 
der as  pessoas  do  seu  Conselho,  principalmente 
aquellas  que  rr.io  otfkiaes  d'este  mister  da  Qeo- 
graphia,  por  a  pouca  distancia  que  avia  das  ilhas 
terceiras  a  estas  que  descobrira  Colom. 
Ruy  de  Pina  (Cap.  LXVl)  transmiliu-nos.  embora 
de  modo  sudnlo,  como  as  cousas  então  se  pas- 
saram: .  .  •períeginndo  El  Rey  fm  sua  memoria 
désle  cuidado  e  teendo  sobr'isso  primeiro  conse- 
lho junto  com  Aldeã  Oavínho  se  toy  a  Torres 
Vedras,  onde  depois  de  Paschoa  teve  sobre  o 
caso  outros  conselhos,  em  que  toy  detrimtnado 
que  armasse  contra  aquellas  partes  como  logo 
armou  e  grossamente;  e  da  Armada  fez  Capitam 
Moor  Dom  Francisco  d'Almeida,  que  sendo  já 
prestes,  chegou  a  El  Rey  hu  chamado  Ferreira, 
Messegeiro  dos  Reys  de  Castelfa  que  por  serem 
certeficados  do  fundamento  da  dieta  Armada,  que 
era  contra  outra  sua,  que  logo  avia  de  tornar» 
lhe  requereo  que  nella  sobreslevesse  atee  se  ver 
por  dereito,  em  cujos  mares  e  conquistas,  o  dicto 
descobrimento  cabia.  Pero  o  qual  enviasse  a  elles 
seus  embaixadores  e  Procuradores  com  todalas 
cousas  que  fezessem  por  seu  titolo,  e  justiça, 
segundo  a  qual  elles  se  justificariam,  desistindo 
ou  se  concordando  como  raram,  e  dereito  lhes 
parecesse.  Polo  qual  El  Rey  desistia  do  enviar 
da  dieta  armada,  e  sob'nsso  ordenou  logo  por 
seus  Embaixadores  e  Procuradores  ao  Doctor 
Pero  Diaz  e  Ruy  de  Pyna ...» 
Estas  informações,  acrescidas  da  narrativa  feita 
pelo  mesmo  cronista  e  embaixador  da  entrevista 
do  rei  com  Cristóvão  Colombo  cm  Vale  do  Pa- 
raíso, adma  do  mosteiro  de  Santa  Marta  das 
Virtudes,  consentem-nos  a  visão  de  conjurto  dos 
aconlecimontos.  Colombo  arnbou  ao  Restêlo  no 
dia  6  de  Março  de  1493.  Logo  avisado,  D.  Joio  II 
mandou-o  Ir  i  sua  presença,  mostrando-lhe  sen- 
timento *por  creer  que  o  dicto  descobrimento  era 
leito  dentro  dos  mares  e  termos  do  seu  Senhorio 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ERRATAS  E  COMENTÁRIOS 


dt  Ouinef*  «  rrivindlcando  logo.  com  a  fftçlo  d« 
cnergta  que  lhe  cn  prúpría.  o&  scut  direitos  is 
terras  de  onde  íle  vinha.  Ao  que  parece  depreen- 
dcr-se  dos  teitos,  Coloinbo  CKcedeu-se  na  enlate 
com  que  enilteceu  a  sua  lasanha.  Eua  lalla  de 
continência,  que  lhe  era  peculiar,  haveria  de  ser 
uma  d>s  cauMt  da  sua  desventura  posterior. 
Ccno  é  que  a  atitude  do  gcnovva  Irritou  a  còrte 
C  que  logo  houve  quem  sugerisse  ao  rei  que  te 
matasse  o  navrgador  a  tlm  de,  sumirlamenie,  se 
resolver  o  pleito  com  Castela  s6bre  as  novas 
terras.  Ésie  atan  dos  iulicos  em  eliminar  Colombo 
foi  mal  recebido  por  D.  lofto  II.  que  *  nom 
soomentf  o  defendeo,  mês  antes  Ihf  tet  honrã  e 
muita  mereee  e  eÓ  eila  o  despedia*. 
O  que  p6de  deduzir-ie  desta  alllude  é  a  dupla  , 
convtc^o  do  rei  de  que  os  navios  de  Colombo 
nlo  haviam  atingido  a  fndia,  e  que  regressavam  | 
daquelas  mal  conhecidas  Ilhas  do  Ocidente,  parm  < 
além  dos  Açôres,  que  tantas  veies,  desde  o  rei-  I 
nado  de  seu  pai.  haviam  sido  motivo  de  doações 
aos  que  te  propunham  ir  descobri-las. 
D.  ]o3o  II  só  reage,  so  aparelha  uma  esquadra, 
só  intervém  qu«ndo  o  Papa  espanhol,  pelo  Breve 
de  3  de  Maio.  atribuiu  à  Espanha  tòdas  as  ilhat  , 
e  terra  llrme.  descobertas  c  por  descobrir,  nas  I 
partes  oddcntals  do  Atl&ntico- 
Páj.  Ull  (Unhas  2a  e  seguintes)  O  critério  com  que  encara- 
mos o  descobrimento  Colombino  n2o  tem,  sequer,  < 
o  mérito  da  originalidade.  ]i  na  terceira  década 
do  século  passado.  Humboldt  o  enunciava  com 
incRcedlvel  clareia,  antecipindo-se  aos  htttorli- 
dores  nossos  contemporâneos,  que  acabaram  de 
desacreditiir  j8  especulações  retóricas  a  que  ser- 
viam dc  tema  Colombo  e  a  sua  obra.  •//  tst  mort 
(Colombo)  saní  avoir  connu  ee  qu'il  avait  atteini, 
dans  la  ferme  persuasion  que  la  còle  de  Veragua 
faisait  partie  du  Calhai  et  de  ta  province  da 
Mango,  que  ta  grande  He  de  Cuí>j  élail  une  trrrt 
ferme  du  commencement  des  Indes,  et  que  de  li 
on  pouvait  paruenir  en  Espagne  sans  traverstr 
les  mers...  Lamirat  mourut  fermement  persuadi 
que  s  il  avait  touché  j  un  contíneni  .1  Cuba,  (au 
cap  Alpha  et  Omega.  eap  du  commencement  H 
dt  la  lin).  j  ta  cõte  de  Paria  et  ò  celle  de  Vera- 
gua. ce  continent  faisait  partie  du  grand  empirt 
du  Khaiai.  c'est-à-dire  de  Vempire  Mongol,  de  Im 
Chine  scplentrionale  ..Us  esperances  dc  ce  grand 
homme  se  fonderent  alors.  comme  on  sait.  sur 
ee  qWit  appela  des  raisons  dt  eosmographie.  sur 
te  peu  de  distance  qu'!!  y  a  des  côtes  occiden- 
tales  d-EuTopt  et  d-Atrique,  aux  cÔtes  du  Catftay 
et  de  Cipango.  sur  des  opinions  d  Aristote  et  de 
Sinéque.  comme  sur  quelques  índices  de  lerrts 
situées  uers  louesl.  quon  avait  recueillis  a  Porto 
Santo,  i  Madere  et  auK  iles  Afores...  Uamiral  ne 
rétrfcissàit  pas  seulement  fOcéan  Aílantique  et 
rétendue  de  toutes  les  mers  qui  couvreni  la  sur- 
face  du  globe:  il  réduisait  aussi  les  dimenstons 
du  globe  mime.  -El  mundo  es  poco;  digo  que  el 
mondo  no  es  lan  snnút  como  dice  el  vulflo»;  le 


monde  tst  peu  de  chos<í.  %\-tH  il  à  la  reme  Isa- 
belle,  il  ett,  jt  le  ctrtitit,  mwns  grand  que  ne  It 
creít  le  uulgairt*. 

Os  historiadores  da  cminfnda  de  Harrissc  e  áã 

Vignaud  pouco  mais  lizcram  do  que  desenvolvtr 
até  is  úlllnu*  consequências  os  conceitos  dlado* 
de  Humboldt,  aplicando -lhes  os  métodos  de  aná- 
lise e  as  revelações  contidas  nos  novos  docu- 
menlos  que  saíram  desde  eniSo  a  lume  nos  car* 
tórios,  blblloiécjs  e  arquivos. 
Píq.  LIV  <na  nota  &l)  onde  se  lé:  «piii  sull'umo>,  deveri 

lér-se:  piu  suiruomo. 
Pág.  LIV  (nota  M.  2.»  linha)  onde  se  I*:  «Canerio  (IM2)*, 
deveri  lér-se:  Canerio  (isos^. 
N.  B.   A  data  da  carta  de  Canerio  foi  fixada 
em  1507  ou  1503  pela  supostçSo  de  que  ela  regis- 
tava a  J-«  navegação  de  Vespúdo.  primeira  ao 
seruifO  de  Portugal.  Demonstraremos  nos  capi- 
tules do  Volume  II  dedicados  J  análise  das  expe 
dif^s  de  1501  e  1503  e  das  cartas  de  Cantino  e 
de  Canerio.  que  esta  é  posterior  a  1502  e  regista 
outras  viagens  que  não  jí  narradas  por  Ves- 
púcio. 

Pifl.  IV  (linha  17)  onde  se  lé:  «os  anos  de  1500  a  ISO»  boreal 
e  austral»,  dever*  lér-se:  os  anos  dt  1500  a  ISOt 
nos  hemisférios  boreal  e  austral. 

Pág.  LV  (na  nota  M)  onde  se  lé:  «Lea  Corte  Real  el  vov«8«* 
au  Nouveau  Monde»,  deverá  lér-se ;  Les  Corte 
Real  et  leurs  vovages  au  Nouveau  Monde. 

Páfl.  LVIU  (na  cóla)  onde  se  lé:  •  RelvindlcjçJo  da  prioridade 
portuguesa  no  descobrimento  da  América»,  de- 
veri lír-sei  Reivindicação  da  prioridade  portu- 
guesa no  conhecimento  da  América. 
N.  ti     Esta   dislincçâo   é   fundamental   na  les« 
delcndlda  na  Introdução  desia  obra.  Nlo  eiclstem 
prov.ia  documentais  de  onde  possa  inferir-se  com 
segurança  o  descobrimento  pre  •  colombino  dat 
terras  oddcntals  pelos  portugueses,  mas  há  nume- 
rosos Indidos  de  que  se  sabia  ou  suspeitava  ea 
Portugal  que  para  li  dos  Açõres  outras  Ilhas  exls- 
liam.  Foi  na  esteira  dèsses  Indidos  que  navegou 
Colombo.  A  sua  viagem  Integra-se  no  ddo  das 
explorações  portuguesas  do  AtUnlIco  oddenlal. 
O  que  difi-ronça  a  expcdlçio  de  Colombo  de  ou- 
tras expedições  portuguesas  que  percorreram  o 
oceano  no  mesmo  rumo,  é  o  licto  de  nunca 
terem  os  portugueses  procurado  a  índia  pelo 
poente,  como  aconselhava  ToscanelU  Indubitável 
nos  parece  que.  sem  lerem  sido  os  primeiros  a 
descobrir  as  terras  americanas,  loram  os  portu- 
gueses os  primeiros  que  tiveram  a  lúdda  con- 
cepção de  que  elas  constituíam  um  novo  conti- 
nente Indeppndenlí  da  Ásia.  O  oceano  Padtlco, 
ésse  mesmo,  )i  esti  preligurado  no  planistério 
de  Cantino. 

Pis-  l-Vfll  titnhs  »)  onde  se  lé:  «Pedro  Eacobar».  devert 
lér-se:  Pedro  Escolar. 

Pifl.  LVin  (na  nota  61)  onde  se  lé.  «cosas  maraviceosas».  de- 
verá lér-se:  coJJS  maravillosas. 

Pla  LXI  (linhas  2  a  í)  onde  se  lé:  «Pôde  duvid*r-se  de  que, 
realmente,  Colombo  tenha  escrito  e  recebido  carias 

269 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  DRASa 


ERRATAS  E  COMENTÁRIOS 


de  ToscaneUi.  mas  que  Toicanelli  haja  rtcrito  ao 
cdeslisHco  portuguía  a  carta.  reveUda  por  Co- 
lombo,  parece-nos  uma  interpretação  remerárta, 
arrojada.,  deverá  ler-ac;  Pôde  duridir-se  de  que, 
restmenie,  Colombo  tenha  escrito  e  recebido  cir- 
zas de  Toscanelli.  mas  negar  t]ue  Toscanelli  hajã 
escrito  ao  eclesiàslico  português  a  carta  revelada 
por  Las  Cãsas  e  por  Fernando  Colombo,  parece- 
nos  uma  interpretação  temerária  e  aem  abôno 
em  provas  documentais. 

N.  B.  A  Introdução  «ustenla.  contra  a  oplnllo 
de  Vignaud,  a  veraddadc  da  corrcspondíncfa  de 
Toscanelli  com  o  Cóneflo  FernJo  Martins  dc  Roriz, 
multo  embora  repute  apóciila  a  posterior  corres- 
pondência com  Crisióvlo  Colombo,  c  só  nesla 
liliima  doulrina  csli  dc  acôrdo  com  o  siblo  pre- 
sidente da  Sociedade  dos  Amertcanislas,  de  Paris. 
Pig.  LXI  (na  nota  77)  onde  se  l*:  »]ulc»  Meos^.  deverá  l*r-se: 
1ule$  Mees. 

Pia.  LXIl  {na  Unha  38)  A  referência  i  Junta  dos  Matemáticos 
nlo  comporta  a  crença  numa  corporação  com  èsse 
titulo,  infundadamenle  generalizada  nos  estudos 
históricos. 

A  )unia  dos  Malemiticos.  no  sentido  dc  uma 
corporação  consultiva,  oficialmente  constituída,  pa- 
rece, depois  das  invcstígaçãcs  do  Dr.  Luciano 
Pereira  da  Silva,  nunca  ter  cKÍslldo.  Junta  con- 
serva em  nossas  referencias  o  significado  restrlcfo 
de  reunião.  E'  natural  que  o  soberano  convocasse 
para  determinadas  consultas  os  matemáticos  ou 
cosmógralos  de  maior  autoridade.  A  uma  dessas 
tuntas  foi  submetido  o  projecto  de  Colombo.  Da 
referência,  que  a  èsse  tnbunal  de  cosmógrafos  se 
encontra  nos  cronistas,  se  introduziu  c  vulgarizou 
modernamente  a  concepção  erróneo  dc  uma  cor- 
poração com  caracter  permanente,  chamada  Junta 
dos  Matemáticos.  (Veia-se  as  pigs.  65  e  66  do 
presente  volume).  A  junta  que  rcgeitou  o  plano 
inexequível  de  Colombo  dc  ir  a  Cathay  c  Cypango 
navegando  para  ocidcnie  era  constituída  pelo  bispo 
D.  Diogo  d'Ortiz,  sob  cuja  direcção  se  preparou 
o  roteiro  que  serviu  a  Pero  da  Covilhã  e  Afonso 
de  Paiva  na  sua  famosa  viagem  terrestre  à  Etió- 
pia e  à  fndla.  e  pelos  ffsícos  mestres  Rodrigo  e 
]osé  Vizinho.  Pelo  mfsmo  processo  de  ampliaçAo 
retórica  se  transfigurou  em  Academia  de  letrados 
a  oficina  típogrilica  dc  S.  Deodato,  de  cujos 
prélos  saiu  a  Cosmographtae  Introductio  e  o  pla- 
nisfério  de  Waldsccmúller.  c  se  engrandeceu  ás 
proporçóes  de  uma  Escola  náutica  o  estabeleci- 
mento fundado  pelo  inianie  D.  Henrique  em  Sa- 
gres, pois  nem  da  Cfironica  dc  Guiné,  de  Azurara, 
nem  dã  ReUção,  de  Diogo  Qomes,  nem  da  pri- 
meira Década,  de  Barros,  se  pódc  inferir  seme- 
lhante cousa. 

Pág.  LXIV  (linha  43)  onde  sc  lê:  «comcmoraclo  do  Centenirlo 
do  descobrimento  da  America  *.  deverá  lir-se : 
comemcrêçio  do  quarto  Centenário  do  descobri- 
mento da  América. 

IXX'£.XX/  «Muito  ao  contrário  do  que  prelenckm  quaatos 
se  esforçaram  por  demonstrar  a  impossibilidade 


portuguesa  de  conceber  a  exislèncla  de  Ilhas  e 
terras  para  ocidente,  ot  geógralot  e  os  navega- 
dores as  suspcillavam  e  as  ssslnabivami. 
N.  B.  Cabe  aqui  invttcar  o  testemunho  de  Co- 
lombo. E'  i'le  próprio  quem  escreve:  *  ...y  gracijs 
al  eterno  Dios  nuestro  Senôr  el  qual  da  a  todos 
aquelles  que  êndan  $u  camino  victoriã  de  cosas 
que  parecen  imposibles.  y  esta  seUaladamente  fue 
la  mia.  porque  aunque  destas  tierras  hayan  fã- 
blado  o  escrito  todo  va  por  conjectura  sin  alegar 
de  vista,  salvo  comprendiendo  a  tanto  que  los 
oyentes  los  mas  escuchavan  e  iuzgavan  mas  por 
fãbla  que  por  poca  cosa  dello».  (Carla  «que  enbió 
Colon  al  Escrivano  de  Racion.  de  las  islãs  baila- 
das en  las  índias,  conlonida  a  otras  dc  Sus  Alte- 
zas. Fecha  en  la  caraveb  sobre  las  Islas  de 
Canária  a  XV  de  febrero.  afio  MCCCCLXXXXccj.) 

Pig.  LXXI  (nota  100)  onde  se  1^:  <un  paginated  work*.  de- 
verá lér-se:  uitpaglnated  ufork. 

Pág  LXXIII  (linha  10)  onde  tc  14:  «Ursa  Maior»,  deveri  lèr-sc: 
Ursa  Menor. 

Pig.  LXXIII  (nota  104)  onde  se  lè:  «in  the  13  >he  cent>, 
deverá  lír-se:  in  the  13  "  Century. 

Pig.  LXXV  (nota  112)  Marcolini  ^1  o  primeiro  editor  da  rela- 
ção dos  Zeni.  Ramuslo  reproduziu-a  no  tómo  II, 
pág.  230  da  sua  Raccolla  di  Viaggi  com  o  titulo 
de  Dello  scoprimento  deWisola  Frislanda,  Eslanda, 
Engrovtíanda,  Estotilanda  el  Içaria.  Fatio  per  due 
fralelle  Zeni  M.  NicolO  il  Kavãliere  et  M.  Antonio. 
A  mais  reputada  edição  moderna  ó  a  de  Major, 
The  voyages  ot  the  venelian  brothers,  Nicolo  and 
Antonio  Zeno,  to  the  northern  seas  (1873). 

Pig.  LXXVI  (nota  114)  onde  se  lé:  <a  viagem  de  Fernão  de 
Magalhães  é  de  14475  milhas»,  deveri  lér-se; 
a  viagem  de  Fernão  de  Magalhães  é  computadã 
em  1447S  milhas. 

Pig.  LXXVIIl  —  h  numeraçio  das  Notas  está  invertida.  A  que 
figura  com  o  numero  de  120  corresponde  à  cha- 
mada 119,  e  vice-vecsa  a  nota  119  corresponde  i 
chamada  120.  Nesta,  onde  se  lé:  «Sereniso  Re 
Católico  >,  deverá  lér-se:  Screníss.  Re  Católico. 

Pig.  LXXXI  —  tii  legenda  do  mapa  foi  indevidamente  Incor- 
porada uma  .inotaçio  destinada  a  assinalar  o  ponto 
do  texto  em  que  devia  ser  intercalada  a  gravura. 
Essa  anotação  figura  como  excrescência  na  pri- 
meira parte  da  legenda,  a  saber:  «Reproduçio  da 
reconstitulçio  de  parle  do  mapa  de  Toscanelli 
por  Uiielli». 

Pig.  LXXXIll  (nota  123)  onde  »e  lé:  <D.  Beatriz  Enriquez  de 
Arane»,  deveri  lèr-sci  D.  Beatriz  Enriquez  de 
Arana. 

Pig.  LXXXni  (nota  124)  onde  se  lé:  <C.  Harhham»,  deveri 
lêr-se :  C.  Markham. 

Pig.  XCl  (linha  3)  onde  se  lé:  «A  demonstração  filológica  de 
Noberl  Sumien  é  concludente»,  deveri  lér-se; 
A  demonstração  filológica  de  Norbert  Sumien  i, 
na  opinião  de  Vtgnaud,  concludente. 
N.  B.  O  Professor  H.  Wagner,  examinando  com 
o  Professor  Wilhelm  Meyer  (de  Speyer),  autori- 
dade eminente,  tanto  OB  Mtuntos  de  palcograiia 
medieval  coino  de  latim  medieval,  a  linguagem  em 


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270 


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HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ERRATAS   E  COMENTÁRIOS 


que  é  redigida  <  caria  de  Toacanelll,  chega  a  con- 
cluir que  nada,  no  tcxio       caria,  se  opõe  a  que  i 
cU  f&aie  escrita  por  um  humanista  da  Idade  mé* 
dia;  apenas  algumas  palavras  se  devem  atribuir  t 
èrros  do  copista,  qui*  nlo  era  grande  sabedor  da  j 
lingua  latina,  como  mostra  a  linha  que  pAt  no 
coméço:  *Copiê  mis»  christotaro  colonbo  per  pau- 
lum  fixicum  cum  una  cjrM  njvigscionis'.  Tam- 
bém acha  que  nlo  slo  de  aceitar  as  emendas 
propostas  por  Notberl  Sumien.  W.  Meyer  é  dc  i 
opinilo  que  a  composi^lo  latina  do  texto  nlo  for-  I 
nece  argumento  para  te  atlmar  que  a  caria  é  ' 
falsitlcaJa  por  pessoa  desconhecedora  da  lingua.  { 
Assim  se  deslai  um  dos  argumentos  dc  Vlgnaud 
contra  a  autenticidade  da  carta  de  Toscanclli  (Her- 
mann  Wagner,  Mentf  Vignaud,  Lm  Itttre  et  lê 
carte  de  TosctnelN.  Paris.  I90l.  in  Qoettingischen 
gelehrlen  Ameigen,  )W2,  Nr.  2,  pigs.  116,  117). 
Pig.  XCJ  (No  lim  da  primeira  coluna)  Substituir  a  legenda 
que  começa:  «Texto  da  carta  dc  Toscanelll,  etc 
e  que  se  acha  aqui  deslocada,  pois  pertence  ii  ' 
pig.  XClIl,  por«csla  outn;  Versão  paleogràfica  ' 
integrêt  do  te/tto  latino  manuscrito  do  exemplar 
de  /tniãs  Sylvtus,  da  Colombina.  (Reproduiida 
da  Bittitoreca  Americana   Vetusrissima.  d*  H. 
Marriase}. 

Pág-  XC///  (Na  legenda  do  tcxio  latino  da  carU  de  ToscanelU) 
AcrcscenUr:  Texto  da  carta  de  ToscanelU  com 
as  abreviaturas  reconstituídas  In -extenso  pelo 
filólogo  Norbert  Sumien. 

Pig.  Xav  (Unbu  I  a  3)  onde  se  lé;  «Nlo  è  possível  con- 
testar que  a  cana  de  ToscanelU  se  baseia  num  i 
sisienu  cosmográiico  semelhante  ao  de  Marino  I 
de  Tyro,  conhecido  através  da  crítica  de  Ptolomeu  | 
e  só  universalizado  pela  Imprmsa  nesse  mesmo  i 
ano  de  I474>,  deverá  t£r<ae:  Nio  é  posstvel  cort'  \ 
testar,  na  opinião  de  Vignaud,  gae  a  carta  dt 
ToscanelU  se  baseia  num  sistema  cosmogràttto 
semelhante  ao  de  Marino  de   Tyro  con/itdéo 
através  da  crítica  de  Ptolomeu  e  só  univtrsaU- 
zado  pela  Imprensa  em  1475. 
N.  B.   Desde  1901,  data  da  ediçlo  francesa  da 
sua  notivcl  obra  la  letire  et  la  carie  de  Tosca' 
nelli.  que  Vignaud  se  serve  diste  argumento. 
Passados  dezasseis  anos,  ainda  laz  déie  uso  no 
seu  grande  trabalho  sôbre  VespiicJo  (Americ  Ves- 
puce.  Paris,  1917).  Nao  obstante  essa  obstlnaçio,  ; 
o  ImpTMSionante  argumento  foi  reduzido  is  mo>  | 
destas  proporções  de  uma  opinilo  Individual  e  j 
illKiiItvel  pelo   eminente   geógrafo   alemSo  H. 
Wagner. 

O  historiador  ameriuno  considera  que  a  apocri*  i 
tia  da  carta  de  ToscanelU  se  deduz  da  circuns- 
tância, entre  outns,  de  reproduzir  a  concepfio 
cosmogrifica  de  Marino  de  Tyro  (segundo  a  qual 
a  largura  do  AllAnilco  se  reduzia  a  130  ou  135 
graus  entre  os  litorais  da  Asla  Oriental  e  da 
Europa  Ocidental),  concepclo  esta  divulgada  alra< 
vé*  da  critica  de  Ptolomeu.  «Or,  en  H74,  data 
de  ta  lettre  a  AUriins,  1'tolémie  n'etait  pas  Im- 
prímé.  Ce  n'ett  qa'en  147$  gu'ane  triduction 


latine  de  eet  ouvrage.  due  à  fac^mat  Angelo,  fui 
imprimee  à  Vtcence*.  E  em  nota  adverte  o  histo- 
riador: *Nous  n'ignorons  pas  qu  il  y  a  une  édi- 
tion  de  Ptoiémée  qui  porte  la  date  de  1462.  Man 
tout  les  bibliographes  s'accordenl  .i  rfrre  çue 
ceife  date  est  erronée  ou  lausse.  Celie  prittndue 
prémière  édition  de  Ptolimée  est  probablemeni 
la  troísieme  ou  la  quatriéme».  Depois  de  assim 
se  haver  expresso  tm  1901,  a  pig.  12  da  sua 
obra  cilada,  Vignaud  volta  ao  assunto  no  Cap.  3.», 
La  *Cosmograpt>(ae  Inlroductiot  et  son  auleur,  da 
obra  Rcenie  dedicada  a  Vespúdo,  onde  o  severo 
critico  dc  Colombo  se  transfigura  em  parctalissimo 
defensor  e  apologista  do  Florcnrlno.  a  ponio  de 
nio  reparar  que  era  portuguesa  a  bandeira  içada 
nos  mastros  das  armadas  em  que  Vespúcio  reali- 
zou, com  secundiria  categoria,  as  duas  viagens 
de  1501  e  1503  i  América  do  Sul.  Ai,  na  nota  230 
da  pig.  225,  rcfcrindo-sc  a  mesma  Iraduçio  de 
]acobus  Angelus,  observa  Vignaud:  *ll  y  a  une 
édition  qui  porte  la  data  de  1463,  mais  tous  le* 
bibliogr.ipltes  savent  qu'íl  y  a  là  une  erreur  typo- 
graphique  et  qu'H  faut  lire  une  aulrt  date,  pro- 
bablemeni celle  de  /<43». 

Todat^a,  NordenshtAld  (Fac-sfmlle  Atlas,  a  pig.  12) 
opina  que  a  dala  deve  ser  recliricada  para  1472  c 
nio  1482,  f  os  argumentos  em  que  o  eminente 
geógrafo  apoia  esta  douta  opiniio  parecem-noi 
convincentes.  A  dala  da  edi^lo  de  Bolonha  é 
expressa  em  caracteres  romanos:  MCCCCLXII. 
O  èrro  tipográfico  consisle  na  falta  dt  um  X.  Se 
a  data  verdadeira  fftsse  I4«2,  como  pretende  l^i- 
gnaud  sem  fundar  o  alvitre  cm  quaisquer  razôes 
plausíveis,  viriam  a  faltar  dois  XX:  hipótese  multo 
menos  verosímil,  se  bem  que  multo  mais  tavo- 
riveJ  à  tese  do  historiador  americano. 
Vemos  pois  que,  quando  Vignaud  afirma  que 
lodos  o«  blbMógrafos  sabem  que  M  na  data  da 
cdiçio  dc  Dolonha  um  èrro  lipogrifico  e  que  a 
data  cxacla  i  provivelmente  a  de  I4B2,  Nordens- 
kiõld  é  multo  decididamente  de  opinilo  que  a 
data  verídica  é  1472.  Também  Vignaud  pretende 
que  a  ediclo  princeps  da  Geografia  de  Ptolomeu 
é  a  de  I47Í  ('rife  parut  pour  la  prerniere  fois 
en  I475*J,  quando  o  mesmo  Nordenshjòld  consi- 
dera como  I.'  edtcio  a  de  Oolonha,  de  1472.  Se 
lAr  assim,  como  supomos,  quando  Toscanclli  es- 
crevia ao  cónego  Pemio  Marilns  de  Roriz,  em 
1474,  ti  havia  quisi  dois  anos  que  eslava  publi- 
cada a  Geografia  piolomaica,  airavés  da  qual  se 
tomou  conhecida  a  concepçlo  cosmográflca  dc 
Marino  dc  Tyro. 

I  XCV  (linhas  23  e  24)  onde  SC  It:  <a  correspondência  de 
Toscanelli*.  deverá  lír-se:  a  correspondência  de 
ToscanelU  com  Fernão  Martins. 

\.  XCV  (Unhas  24  a  26)  <A  tese  da  apocrifía  Integral  da 
correspondência  toscanellana  (que  testemunha  a 
prioridade  do  conhechnento  português  do  plano 
de  Colombo)  nlo  pôde  prevalecer  sÓbre  a  prova 
documental,  que  depóe  a  favor  da  autenticidade». 
N.  B.   Conv^  esclarecer  esta  proposiflo.  qut 


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HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ERRATAS  E  COMENTÁRIOS 


deve  itr  Intfrpreuda  de  acôrdo  com  a  doutrina 
delendidx  na  introdução  c  adoptada  no  decorrer 
da  obra.  Sempre  que  Invocamos  a  aulentiddade 
dJ  corrcipondénaa  de  Toscanclli  relerimo-nos  i 
que  o  tiorenlino  enirereve  com  o  cónego  portu- 
fuét.  E'  ludo  quanto  hk  de  mais  natural  que  um 
geògrito  italiano  tenha  escrito  ácérca  dv  a»sunlos 
cosmojiráficos  a  um  eclesiástico  português  que 
conhecera  cm  Roma,  ao  lempo  em  que  OS  mart* 
nhelroa  portugueses  realizavam  a&  maiores  viagens 
no  AtlAnlico.  Quanto  a  correspondência  posterior 
de  Toscanclli  com  Colombo,  consldcrámo-la  uma 
fraude.  Deve  ter  sido  da  cana  autêntica  de  1474 
(copiada  parece  que  pelo  propno  punho  do  nave- 
gador genovfs  no  Incunàbulo  da  Biblioteca  Co* 
lombina).  quc  se  originaram  js  talsas  cartas  pos- 
teriores. 

Pig.  XCV  (Unha  27)  onde  se  l«:  <Se  a  correspondência  de 
Toscanelli  nAo  existiu  >,  deveri  lér-se:  5^  a  cor- 
respottdfnctA  de  Tosctnelli  com  o  cónego  Fernio 
Martins  de  Roriz  não  existiu, 

Pig.  XC/X  (nota  140)  «As  quatro  narrativas  de  Vespúdo, 
lambtm  remetidas  de  Lisboa  para  a  Loréna,  em 
1504,  |>or  Domênico  Denvenull*. 
N.  B.  Eata  i  a  venlo  divulgada  desde  a  publi- 
caçlo  da  Cosmographtãe  Introductto.  Porém,  no 
11  volume  da  presente  obra,  nos  captiulos  dedU 
cados  ás  viagens  de  Vespiícjo,  mostraremos  que 
esta  atribulçlo  de  origem  *  vl&lvelmente  conle- 
ctural,  tenio  fantasista. 

Pig.  C  (Unha  24)  onde  se  lê:  «Tendo  casado  em  Lisboa»,  de* 
verá  lér-se:  Tendo  casado  em  Lisl>oa  ou  nos  Afóres. 
N.  B.  £'  ainda  hoje  ímposslivl  determinar  doeu- 
mentalmente  as  condições  em  que  se  casou  Cris- 
tóvão Colomtto  e  o  local  em  que  se  realizou  o 
matrimónio,  se  em  Porto  Santo,  se  em  Lisboa. 
Estamos  reduzidos  j  única  fonte  informativa  e 
suspeita  das  Historie  deU  Amiraglio,  atribuídas 
a  Fernando  Colombo. 

Pig.  CVI      (Unhas  8  e  12) 

CXH     (nota  Ib6)  Onde  se  lè  «Mogunda*  deverá 

CXXl'  (Unha  37)  lér-se  MunicIt. 

CXXVI  (tinha  16) 

N.  R.  Mogunda  é  a  lórma  portuguesa  de  Mainz 
e  rtáo  de  Múnchen. 

Por  te  prestar  a  confusões.  n3o  adoptamos  a 
tòrma  portuguesa  de  Múnchen:- Mónaco. 
Pig.  CXI  (9  e  10)  onde  se  lè:  «Depois  do  dlsdpulo  do  Rei 
Artur,  é  o  disdpulo  de  Machlavelo  que  vai  reger 
os  destinos  da  naçio>.  deverá  lér>se:  Depois  do 
discípulo  do  Rei  Arthur,  é  o  contemporâneo  de 
Machiauelo  que  vai  reger  os  destinos  rfj  nação, 
fí.  B.  Machlavelo  escreveu  El  Príncipe  uns  quinie 
anos  depois  da  morte  de  D.  Joáo  II.  Na  memória 
que  o  llorentino  redigiu  para  o  Conselho  dos  Dez, 
Descnzione  dei  modo  tenulo  dal  duca  Valentino 
nelVammazzare  Victellozzo  Utelli,  pdde  examl- 
nar-se  como  se  originou  na  mente  de  Machlavelo 
a  ideia  de  construir  um  sisicma  politico  baseado 
no  esiudo  do  caracter  de  Cesar  Borgla.  Foi  em 
W32,  quando  havia  sete  anos  que  D.  Joio  II 

272 


morrera,  que  Machiavelo  acompanhou  o  bispo 
Francisco  Sodehnl  a  Urbino,  aonde  o  prelado 
fftn  como  embaixador  dos  florentinos  á  côrte 
de  Cesar  Borgia. 

Luiz  XI,  D.  Joio  II  e  Cesar  Borgia  sáo  os  gran- 
des modelos  da  politica  do  tempo,  que  Inspira- 
ram as  máximas  de  Machlavelo.  Este  (oi  o  amigo, 
o  auxiliar  e  multas  vezes  o  conselheiro  de  Pedro 
Soderini.  eleito  gonlaloneiro  de  Florença,  em  1S02, 
e  a  quem  l/espúcio  dirigiu  a  famosa  Lettera,  nar- 
rando as  suas  quatro  viagens  ã  América. 

Pig.  CXIl*  (nota  171)  onde  se  lè:  «(l^asco  Sallego  de  Carva- 
lho)», deverá  lér-se:  (Vasco  Gallego  de  Carvalho/. 

Pig.  CXV  (linha  34)  onde  se  li;  «conservar  desconheddas». 
deverá  lér-se:  conservar  desconhecido. 

CVXI  (linhas  I  e  2)  <0  relatório  de  Gonçalo  Coelho,  desti- 
nado a  D.  Joio  III  e  Incorporado  no  arquivo 
secreto  da  corda,  pcrdeu-se  como  os  anteriores». 
N.  6.  Esta  passagem,  como  muitas  outras  desta 
secção  dedicada  ãs  viagens  de  Vespucio.  refle- 
cte a  confusão  estabelecida  até  hofe  na  critica 
das  expedições  de  'SOl  e  1503.  A  Introdução 
limita-se  a  expor  as  doutrinas  correntes  e  a 
exemplificar  os  êrros  de  Santarém.  Gonçalo  Coe- 
lho não  poderia  ter  regressado  depois  de  tS2l 
fano  em  que  ascende  ao  trôno  D.  João  III),  de 
uma  viagem  ao  Brasil  iniciada  em  IS03.  No  es- 
tudo que  dedicaremos  no  Volume  II  às  expedi- 
ções chamadas  de  Vespúcío—que  nelas  foi  apenas 
personagem  secundária, — detidamente  se  estudará 
a  participação  Vespuciana  no  descobrimento  do 
Brasil  e  se  corregirão  muitos  dos  êrros  que  cir- 
culam nos  textos  históricos  acfrca  das  viagens 
de  1501  e  1503. 

Pig.  CXVI  (nota  l?S)  onde  se  lè:  «Porém,  logo  depois  de 
escrever-,  deverá  lér-se:  Porém,  logo  depois  de 
descrever. 

CXVIÍ  (linhas  24  e  2^)  onde  se  lé:  *0  florentino  foi  um  dos 
descobridores  e  o  seu  primeiro,  embora  fanta- 
sioso, cronista*,  deverá  lér-se:  O  florentino  foi 
um  dos  descobridores  e  o  seu  primeiro,  embora 
fantasioso  narrador, 

Pág.  CXVII  (nota  177)  onde  se  lé:  «Leonardo  Loredan  Domê- 
nico Pisani»,  deverá  lér-se:  Leonardo  Loredan, 
Domênico  Pisani, 

onde  se  lé:  «Serenissme  príndpes»,  deverá  lér-se: 
Serenissime  principes. 

onde  se  lê:  «missier  Creticho»,  deverá  lér-se: 
misser  Creticho 

(nota  180)  onde  se  lé:  «edicâo  vienense  de  IS  0>, 
deverá  lêr-se:  edição  vienense  de  1520 

Pig.  CXX  (nota  186)  onde  se  lé:  <&  hujus  partem  borealem 
Columbanum»,  deverá  lêr-se:  á  hu/us  partem  bo- 
realem Columbanam 

Pág.  CXXfl  (nota  192)  «onde  se  lé:  Sonlev*,  deverá  lér-se: 
Sonthey. 

Pig.  CXXIV  (nota  193)  onde  se  lé:  «Uemhagen>.  deverá  lér-se: 

Varnhagen. 

Pág.  CXXVIII  (linha  31)  onde  se  lé:  «Só,  pois,  a  sdéncla  da 
interposição  de  terras  explicaria»,  deverá  lér-se: 
SÓ,  pois,  a  sciència  da  interposição  de  terras,  ou 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ERRATAS  E  COMENTÁRIOS 


ãnla  ê  de  vastiisimA  exienslo  de  mar  entre  0$  [ 
Açôres  e  a  Ásia  explicaria.  \ 
N.  B.    Parece-nos  arriscado  admitir  a  tutpeiti  | 
portuguesa,  em  parte  alguma  revelada,  de  uma 
barreira  contincnUi,  mas  nio  laltam  o»  Indicie* 
confirmativos  dc  que  em  Portugal  se  ulculava. 
no  fim  do  S4^lo  XV.  com  notável  aprOKima^lo 
da  verdade,  a  circunforinda  máxima  do  globo. 
Isto  bastaria  para  lusiiricar  a  reselçio  dos  platio* 
de  Tosc^inelli  c  Colombo. 
Pág.  CXXVin  (nola  202)  onde  se  lè:  «pátrio  Plcao  France*eo 
dc  M<dlcls>,  deverá  lêr-se:  pafrio  Piero  Fran- 
cesco de  Médicis. 

(nota  203)  onde  se  lé:  *Ludano  Cordeiro,  La  p*r1  , 
des  Portugais  dans  la  découvche  de  1'AméiHquc,  , 
1876,  deverá  l(r-se:  Luciano  Cordeiro,  De  la  part 
prise  par  les  Porlugais  dans  la  découverle  de 
VAmétiQue  (Leitrt  au  Congris  lnternation.il  des  | 
A  mericanistes  —  Première  sessíon  —  Nancy  ■  - 1975).  \ 
N.  B.   N«ste  momenio  em  que  os  estudos  histó- 
ricos portugueses  «e  animam  ás  reivindicações  da 
prioridade  ^ue  compete  a  Portugal  em  muitos  dos  ' 
mais  notáreis  empreendimentos  náuticos  levados 
■  eleito  no  Atlântico  ocidental,  ú  dc  iustica  qu« 
se  retire  da  sombra  a  not^biliaslma  monografia 
de  Luciano  Cordeiro,  que  pela  primeira  vez  en- 
feixou os  dados  essenciais  do  grande  problema 
histórico-seográtlco,  actuali7;)do,  vinte  e  cinco  anos 
depois,  por  Faustino  da  Fonseca.  £ste  úliimo  tinha 
sòbrc  o  seu  Ilustre  antecessor  a  vantagcnt 
mais  abundantes  arsuinentos,  frutos  dos  grandes 
trabalhos  de  Harrlsse,  de  Ravenslein,  de  Ruge, 
de  l/ignaud  e  dos  colaboradores  da  Raecollê 
Colombiana.  Luciano  Cordeiro.  t.im  injustamente 
esquecido,  terminava  a  sua  notável  memúrta  pro- 
metendo ocupar-se  oportunamente  da  descoberta 
e  do  reconhecimento  do  litoral  oriental  da  Amé- 
rica do  Sul  c  nestes  témioi  se  dirigia  ao  Con- 
gresso dos  Ame  rica  nlstas:  *mais  fe  réstrveraf  celte 
teconde  parlie  pour  une  aulre  tois,  si  dans  votre 
bienveillante  sagesse  et  dans  vòtre  amour  de  lê  > 
verité  vous  décidez  qu'il  convient  de  procéder  è 
une  riuiiion  générale  des  falis  et  des  opinions 
concernant  la  lente  et  succesaíve  découverle  da  \ 
eontinent  américain».  \ 
O  Ilustre  polígrafo  morreu  antes  que  principiasse 
a  manllestar-se  com  intensidade,  entre  os  eru-  | 
ditos  dc  história,  a  rebeliáo  contra  os  erróneos  , 
preconceitos  que  desvirtuavam  a  narra-lo  do  des- 
cobrimento da  América.  Como  homenagem  ao 
lábio  precursor,  reproduzimos  as  belas  e  eleva- 
das palavras  doutrinárias  com  que  éle  precedeu 
a  sua  sábia  dissertação: 

•í«  science,  Messieurs,  n'a  polní  de  patríe,  fe  le  \ 
tais.  Celie  relígion  de  la  verilé  ne  connalt  d'au- 
Ires  limites  que  celles  de  la  virité  mime;  mais . 
^est  juslemenl  pour  cela  que  la  science  ne  peut 
itre  injusle  el  si  elle  doit  s'aHranchir  des  nobles 
passions  des '  indtt/idus  etle  ne  doit  pas  non  plut 
tomber  dans  les  défauts  de  ces  mimes  passions.  j 
Dans  la  science  Viniustice  représente  une  lacunt  [ 


ou  un  vice  de  v  critique,  et  cttui  qui  en 

soutire  le  plui  ....  celui  sur  qui  retombe 
cette  injustice  mais  bien  la  science  elle-mime  qui 
Va  commise.  Si  elle  a  négiigé  d'approfondir  cer- 
tains  íatls.  si  elle  a  ÍUbtl  son  veidict  sur  des 
donnies  insufttsanles  ou  tausses,  tani  pis  pour 
elle.  Or,  la  gíographie  hislorique  a  ité  partais  - 
fort  injuste  pour  ce  pelil  pays  qui  a  ouvert  la 
moilié  áu  monde  à  1'autre  mottié.  Les  autret 
nationt  onl  des  gloires  en  assez  grand  nombre 
et  dont  elles  peuveni  à  bon  droit  s'enorgueillir 
pour  qu'il  ne  leur  soil  point  nécessairt  de  priuer 
te  Portugal  de  celle  qui  !■  droit  à  une 

place  dans  rhntoire  de  la  i  ..        jn.  Pardonnea- 
mol  eet  épanchement,  vous  qui  savez  atmer  et 
tionorer  vòtre  patrie  sans  que  cet  amour  obscur- 
cisse  ou  ègare  votre  amour  pcur  la  science, 
e'est-À-dire.  votre  amour  de  la  virité. 
Dans  ce  fail  mime  de  la  découverle  de  l'Ami- 
rique,  on  Itouve  un  exemple  de  ce  que  je  viens 
d'avanceT,  On  a  écrit  que  te  Portugal  auait  didat- 
gni,  par  une  vaniteuse  ignorance,  ce  que  Von 
suppose  avoir  iti  la  conception  du  Nouveau- 
Monde  par  Colomb.  On  a  montré  sous  les  cou- 
leurs  les  plus  sombres  la  science  áídaignée  par 
Vaveuglement  et  le  fjnalisme,  dans  le  tait  du 
rejet  du  dessein  de  Colomb  par  le  rol  Jean  1/  et 
par  ses  conseillers;  on  a  méme  ité  jusqu'à  altir- 
mer  que  le  roi  de  Portugal  avail  abusé  de  la 
franctiise  du  grand  navigateur  et  avait  ctandes- 
linemeni  tait  partir  une  escadre  dans  le  tut  de 
lui  ravir  la  gloíre  de  sa  découverle.  Vous  savea 
cela,  Mtisieurs,  et  nalurel/emenl  vous  savez  aussi 
que  loutes  ces  assertlons  sont  tausses». 
Pág.  CXXIX  (linhas  2  c  3)  ...  «o  cartógrafo  anónimo  que  con- 
tedonou  com  os  resultados  das  viagens  empreen- 
didas para  o  noroeste,  o  oeste  e  o  sudoeste, 
desde  1498  a  IMI,  o  mapa  de  Cantino». 
N.  B.   O  planlstérlo  do  embaixador  Cantino,  a 
cujo  estudo  será  dedicado  um  capitulo  especial 
no  II  volume  desta  obra.  constitui  um  dos  pilares 
da  tésc  desenvolvida  na  Introdução. 
Oe  facto,  éste  extraordinário  e  cluddativo  docu- 
mento cartográfico  atetia  a  concepcáo  coimográ- 
Uca  portuguesa  do  continente  americano  e  revela 
vastos  conhedmentos  dos  htorais  meridionais  e 
orientais  da  Asta  além  dos  percorrido»  por  Vasco 
da  Oama.  Cabral  e  Joio  da  Nova,  porventura 
advindos  da  aqúisl^o  de  portulanos  c  mapas 
dessas  proced^ndas.  Nesse  monumento  da  geo- 
grafia o  Oceano  Pddlico  acha-sc  previsio.  Êla 
confirma  que  as  expedirdes  portuguesas  eram 
devidamente   preparadas  c   providas  do»  mata 
apeHci(oados  elemento»  de  orientaçlo  e  deixa 
Imaginar  que  Vasco  da  Qama,  em  1497,  |i  partiu 
dc  Usboa  com  cartas  náuticas  asiática»,  lalvtx 
mandadas  por  Pero  da  Covilhã. 
A  prioridade  do  mapa  de  Cantino  só  encontra 
tragflima  objecçio  no  planlalérto  conhcddo  pelo 
nome  do  seu  possuidor,  Dr.  Hamy,  o  qual  lha 
4wUcou  um  estudo  acompantudo  dc  rcprodiicAM 

«73 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ERRATAS  E  COMENTÁRIOS 


l.csImlUrei  (Études  historiquei  et  géographi- 
çues,  Parit.  IÍ96).  f  doconhccido  o  nome  do 
canígnto  <iu«  o  cmcuIou.  O  refllsio  das  expio- 
nçbf  de  \/»K0  dl  Gama.  Cabral,  Gaspar  Côrte 
Rcil  e  da  expedição  de  IMl.  indica  a  sua  ortflem 
portuguesa,  embora  a  nomenclatura  sei*  itallan*. 
O  seu  possuidor  airibui-lhe  a  dala  de  1502:  a  do 
mesmo  ano  cm  que  loi  executado  o  mapa  para  o 
embaixador  Cantino,  e  a  precedência  de  dias  ou 
dl  oiMes  do  mapa  do  Dr.  Mamy  apenas  se  intcre 
precirUmentc  da  sua  imperfeição  relativa  e  do 
tacto  de  nio  se  encontrarem  nêle  westíglos  da  ex- 
pediçio  de  Joio  da  Nova,  r^aislada  ro  de  Cantino. 
Ravcnítcin  (A  Joumjl  of  the  tirst  i'Ovage  of 
Vãsco  da  Qama,  Hakluvt  Sociely.  1898.  a  pifl.  207), 
que  o  analisou  cm  reprodução  ampliada  na  parte 
relativa  i  derrota  dc  l^asco  da  Gama,  reconhece 
que  <The  nomenclature  ãlong  lhe  Afriean  coasl 
Is  faiNy  tuU,  and  evidentlf  taken  from  original 
sources,  but  the  spelling  is  so  corrupt.  and  the 
letters  are  frequenllv  so  iltegible.  thãt  I  falled  to 
malte  out  many  of  the  names ...  The  drawing  of 
the  coãst-line  ieave$  very  much  to  be  desired*. 
Ravenslein  certifica  a  superioridade  do  Cantino, 
nlo  só  sòbre  o  Juan  de  la  Cosa  c  o  Hamy.  como 
ainda  sôbre  alguns  dos  planlstérios  imediatamente 
posteriores,  como  o  de  Cancrio:  •/(  is  (o  de  Ni- 
colau Canerio)  almosi  wholly  bjsed  iipon  the 
materiais  previously  ultlised  by  Csntino'5  draugh- 
tsman,  ailhough  more  detaileii  in  outline  und  wilh  a 
more  ample  nomenclature  in  some places.  The  shape 
of  Africa,  houtever,  is  far  more  correctiy  given  on 
Canlino's  chart  lhan  on  Canerio's.  and  lhe  technicsl 
workmanship  ol  lhe  former  is  of  a  superior  cha- 
raeler.  The  legends  of  both  maps  have  evideally 
been  laken  trom  lhe  same  source..  *  (Ibidem,  a 
plg,  210).  SÒbrc  o  mapa  de  Canerio  consulle-se  o 
notivel  estudo  do  prol.  L.  Qallols  publicado  em  1890 
no  Dolelim  da  Sociedade  de  Geogralia  de  Lylo,  le 
Porlulan  de  Nicolas  de  Canerio  Quanto  aos  ma> 
pas  do  Ptolomeu  de  I&I3  (ediçlo  dc  Estrasburgo), 
slo  unanimemente  tidos  como  portugueses. 

Pá0.  CXXX  (Unhas  IS  c  16)  onde  se  it.  'haviam  pisado  na 
OroenUndla  as  terras  amcrícanas>,  deverá  lér-se: 
haviam  pisado  na  Vinlàndia  as  terras  americanas. 

Pis  CXXX  (linha  M)  onde  se  ié:  *0  primeiro  volume  desta 
obra»,  deverá  lér-se;  A  prímtiré  partt  deslã 
obra. 

Páfi  CXXXI  (nota  207,  linha  13)  onde  se  l<:  «Haeblea».  de- 
verá lér-se:  tiaebler. 
Pág.   14  (Unha  6)  onde  se  té:  |*No  hemos  hecho  nadie  en  «I 

Escurialt»  deverá  lér-sei  iSo  hemos  hecho  nada  en 

el  Escoriai  I 

Pág  no  (Unha  29)  Onde  Se  I*:  <Rosselv*,  deverá  lér-se:  Rosclly. 
PIg.  110  (linha  1,  nota  9)  onde  se  lé:  «respostas»,  deverá 

lér-se :  resposta. 
Páfi.  113  (linha  2)  onde  se  té:  «estado»,  deverá  lér-se:  estado 

Venetueia. 

Pág,  1 M  (linha  3)  onde  se  lí :  'Vespuch*.  deverá  lér-se:  Vespuche. 
Pâfl.  US-Na  legenda  da  gravura,  onde  se  lé:  «Extracto  fac-similar 
da  I."  edlçáo  d«  Letlera  (Exemplar  único.  Florença,  160& 

274 


ou  I506>).  deverá  lér-se:  Extracto  tac-simitar  da  r.« 

ediçèo  da  *Lettera:  Florença.  IS05-I506. 

N.  B.  -  Na  opmiâo  do  bibliófilo  inglês  QuarítcH,  a  Ltt- 

tera  foi  impressa  por  Oun  Stefano  di  Carlo  di  Pavia. 

em  Florença,  nàc  antes  de  fS05.  e  presumivelmente  em 

1506.  pois  í  deste  ano  a  versão  latina  da  Cosmogrm- 

phlae  Introduclio.  Apenas  cinco  exemplares  da  edição 

princeps  italiana  são  conhecidos:  o  do  Britlsh  liuseunt; 

o  da  Biblioteca  Palatina  de  Florença;  o  que  pt-itenceu 

a  Varnhagcn  e  cujo  destino  se  ignora;  e  os  das  biblio- 

tecas  Capponi  e  Kalbfleixh. 
Pág.  116  (Unha  S)  onde  se  \t:  «superior  ou  inferior»,  deverá 

lér-se:  superiores. 
Pág.  117  (Unha  4,  noti  50)  onde  se  lé:  «as  omitem»,  deverá 

lér-se;  os  omitem. 
Pág.  117  (Unha  4,  nota  ãO)  onde  se  lé:  «as  limita»,  deverá 

lér-sc:  os  limita. 
Pig.  117  (linha  2.  nota  b2)  onde  se  té:  «a  terras»,  deverá 

lér-se:  ir  a  terras. 
Pág-  121  (Unha  25)  onde  se  lé:  «de»,  deverá  lér-sc:  da. 
Pág.  121  (linha  2,  nota  76)  onde  se  lé   «que  veros»,  deverá 

lér-se:  *quo  verus*.  > 
Pág.  121  (linha  3.  nota  77)  onde  se  lé:  «desconhecdia»,  deverá 

lér-sc:  desconhecida 
Pág  123  (Unha  l,  nota  91)  onde  se  lé:  «op.  dl.»,  deverá 

lér-sc:  *The  discovery  of  North  America*. 
P.1g.  124  (linha  9}  onde  se  lé:  «éle»,  deverá  lér-se:  ela. 
Pig-  124  (linha  13)  onde  se  lé:  «Duchcr»,  deverá  lér-so:  Becher. 
Pág.  124  (Unha  32}  onde  se  lé:  «redocinio»,  deverá  lér-sc: 

raciocínio. 

Pág  124  (linha  3,  nota  95)  onde  se  lé:  «Thacher».  deverá  lér-se: 
Thacher:  a  latitude  excessiva  de  23o  30  em  que  está 

ã  tysla*. 

Pág.  124  (linha  4,  nota  96)  onde  se  lé:  «outro  argumento», 
deverá  lér-se:  ainda  outro. 

Pág.  124  (linha  15.  nota  95) onde  se  té:  <  1500-,  dever.*  lér-se:  /502. 

Pág.  12S  (nota  104)  onde  se  lé:  «Compare-se  moLis  arenosas 
no  extremo  do  litoral,  em  Iodas  as  reproduç&es»,  de- 
verá lér-se:  Compare-se  tmotas  arenosas*  no  extre- 
mo do  litoral,  nas  reproduções  de  Jomard  e  do  6, 
de  Rio  Branco. 

N.  B.  Na  fotolilografia  de  Canovas  Vallejo,  reprodu- 
zida na  presente  obra,  esta  legenda  lê-se  visivel- 
mente mont9  arenosas.  Em  Jomard  e  Rio  Branco, 
motas  arenosas  De  qualquer  modo.  esta  falta  de 
uniformidade  na  reprodução  litogr.Ífica  não  influi  na 
argumentação  que  sustentamos,  flotas  e  montes  a<v- 
nosos  são  sensivelmente  a  mesma  cousa  Náo  podem 
confundtr-se  com  as  montanhas  da  interpretação  do 
douto  Caetano  da  Silva. 

Pág.  126  (Unha  4)  onde  se  té:  «a  primazia  do»,  deverá  lér-«e: 
a  si  a  primazia  no. 

Pág.  126  (Unha  3.  nola  106)  onde  se  lé:  «chesi  trovano  In  ItaUa 
riguardante»,  deverá  lér-se:  *che  si  trovano  in  Itália 
riguardanti*. 

Pág.  127  (Unha  14)  onde  se  lé:  «tivesse»,  deverá  lér-se:  tivesse 

atlingido  ou. 

Pág.  I27(lmha  I,  nola  108)  onde  se  lé:  'Décadas*,  deverá 

lér-se:  Decades. 
Pág.  127  (Unha  I,  nola  108)  onde  se  lé:  «Anglevia».  deverá  lér-sc  : 

Anglería. 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ERRATAS  B  COMENTÁRIOS 


Pág,  128  (linha  IS)  onde  sf  1*:  icorrai.  deverá  lêr-sc:  corre 
Pia- 128  (linhj  I,  no\3  MO)  onde  se  lé:  «AnslevUi,  devcri 

lir-se:  Angleriê. 
Pig.  128  (linha  l.  nora  110)  onde  M  IC:  *DtCêd*s*.  deverá 

lír-se:  Decãdes. 
Pás- 129  (linha  22)  onde  se  lé:  •impressas»,  deverá  l£r-se: 

impressos. 

Pág.  129  (linha  23)  onde  se  lé:  «duvida»,  deverá  lér-se:  du- 
vidã  que. 

Pág.  131  (linha  20)  onde  se  lé:  «mansos,  aqui»,  deverá  lér-se; 
mãnsos  êqui. 

Pág.  131  (linha  40)  onde  se  té:  «Nela>.  deverá  lér-se:  Sele. 
Pág.  132  (linha  II)  onde  se  I*:  «1498..  deverá  lér-se:  1499. 
Pág.  133  (linha  2b)  onde  se  lé:  «sudoeste»,  deverá  lér-sc: 
su$udoeste. 

Pág.  133  (linha  33)  onde  se  lé:  <a  segunda  sec^áo».  deverá 

lír-se:  uma  secção  especi»!. 
Pág.  136  (linha  4)  onde  se  lé:  «amié».  deverá  lér-se:  além. 
Pág.  136  (linha  48)  onde  se  lé:  «cnlrp  18»,  deverá  lér-sc:  entre  13. 
Pág.  138  (linha  I)  onde  se  l£:  «e  o»,  deverá  lér-se:  e  do. 
Pág,  138  (linha  14)  onde  se  lé:  «aconteceu», deverá  lér-se:  ^ron/err 
Pág.  139  (linha  19)  onde  se  ^:  .Mariatambal»,  deverá  lér-sc: 

MarinãUmbai. 

Pág.  142  (linha  2.  nota  152)  onde  se  lé:  •loxodromicas»,  deverá 

lér-se:  ioxodromias. 
Pág.  142  (linha  7,  nota  IS3)  onde  se  lé:  «arbitraric»,  deverá 

lér-se:  *rbitraria. 
Pág.  143  (linha  S.  nota  I&3)  onde  se  lé:  «este  es  le>,  deverá 

lír-sc;  este  es  la. 
Pág.  142  (linha  9,  nota  153)  onde  se  lé:  «flçar  a  Julavenio», 

deverá  lér-se:  licar  a  julavento. 
Pág.  144  (linha  4)  onde  sc  lé:  «velocidade  média»,  deverá  lér<s«: 

velocidade. 

Pág.  145  (linha  3,  nota  lS5)onde  se  lé:  •10o.6>,  deverá  lér-se;  lO^fi. 
Pág.  149 (tinha  6)  onde  se  lé:  *Caput  Crucis*.  deverá  lér-se: 
C.o  de  Cruz. 

Pág.  150  (linha  5)  onde  se  lé:  •permanece»,  deverá  lér-se: 

permãneceu. 

Pág.  ISO  (linha  9)  onde  se  lé:  «Cabote»,  deverá  lér-se:  Caboto. 
Pág.  150  (linha  3,  nota  173)  onde  se  lé:  «Serrano»,  deverá 
lér-se :  Serrão. 

Pág.  151  (linha  27}  onde  se  lé:  «nortee  !«>, deverá  lér-se:  3i//e44o. 
Na  gravura  da  pig.  143.  falta  no  paralelo  3o.5  Sul.  a 
insi:ric.3o  seguinte:  Paralelo  de  3o,5  5  onde  começa  * 
ocultação  total  da  Polar. 

A  ínscriçáo  do  paralelo  3o  Norte  deve  ser  assim  cor- 

ngida:  Paralelo  de  3*  N  onde  começa  m  ocultaçJo 

parcial  da  polar. 
Pág.  152  (linha  I.  nota  181)  onde  selé:<15l ».  deverá  lér-se:  m 
Pág.  153  (linha  10)  onde  se  lé:  «Menamo»,  deverá  lér-se:  Ma- 

hamo. 

Pág.  153  (linha  10)  onde  se  lé:  «Cucuina»,  deverá  lér-se:  Cu- 

ciura. 

Pág.  153  (linha  20)  onde  se  lé:  «lido»,  deverá  lér-se:  tida. 
Pág.  153  (linha  22)  onde  se  lé;  *  a  mais  >,  deverá  lér-se; ,  a  ma/j. 
Pág.  153  (linha  22)  onde  se  lé:  «Cavíane».  deverá  lér-se:  Ca- 
vianê. 

Pig.  153  (nota  184)  onde  se  lé:  <regtons  eçualohales*,  deverá 

lér-se:  rigions  éguatorules. 
Pág  154  (linha  39)  onde  se  lé:  «Cavtane»,  deverá  lér-se:  Ca- 

Viana. 


Pág.  154  (linha  2.  nota  189)  onde  se  lé;  'ipetu;  deverá  lér-se: 
;  âpetu. 
Pág.  155  (nota  192)  onde  se  lé:  «O  mapa  de  CanHno»,  deverá 

lér-sc:  Os  mapas  de  Cantino  e  da  bibliottieca  011- 

veriana. 

Pág.  156(llnha  3)  onde  se  lé:  *Chiocones*.  deverá  lér-sc: 

Chiacones. 

Pág.  158  (linha  44)  onde  se  lé:  «eKlIrpc»,  deverá  lér-se;  estirpe. 
Pág.  m(nota  198)  onde  se  lé:  •284»,  deverá  lér-se;  785. 
Pág.  159  (linha  5)  onde  se  lé:  «de»,  deverá  lér-se:  da. 
Pág  160  (linha  I)  onde  se  lé;  «navcgadar».  deverá  lér-se:  na- 
vegador. 

Pág.  160(hnha   13)  onde  sc  lé:  «pMnceps»,  deverá  lér-se: 

Í*princeps*. 
Pág.  160  (linha  13)  onde  se  lé:  ^Parleore*.  deverá  lér-»e:  Pa 

ricora. 

Pág  160  (linha  21)  onde  se  lé:  *Pêricura*.  deverá  lér-se:  Pa 

risura. 

Pág-  160  (linha  32)  onde  se  lé:  •considerada»,  deverá  lér-se 

considerado. 

Píq.  160  (nota  203)  onde  se  lé:  *eguatorlates*,  deverá  lér-sc: 

équ,ilori.iles. 

I  Páfl.  161  (nota  212)  onde  se  lé:  •540»,  deverá  lér-se:  SlO  e 

596 

'  Pig.  163(nola  225)  onde  se  lé:  «Antoni»,  deverá  tér-St  An- 
tónio. 

I  Pág.  163  (nota  225)  onde  se  lé:  «episodio»,  deverá  lér-s«: 

episódios. 

Pág.  166  (linha  37)  onde  se  lé:  «mascarei»,  deverá  lér-se:  ma- 
çarão (mascaret). 
Pág.  166  (nola  239)  onde  sc  lé:  «passou •.deverá  lér-sc:  passou 

I  sequer. 

I  Pág,  169  (linha  2)  onde  sc  lé:  «outras»,  deverá  lér-se:  outra. 
Pág.  169  (linha  3.  nota  2S0)  onde  se  lé:  «popossum».  deverá 

iér-se:  oppossum. 
Pág.  169  (linha  15)  onde  se  lé:  *toao  e  te;  deverá  lér-sc: 
lodo  eite, 

Pág.  170  (linha  27)  onde  sc  lé:  «Aragua»,  deverá  lér-se: 
Araguao. 

Pág.  170  (nota  259)  onde  se  lé:  «extremo  sul»,  deverá  lér-se: 
f  extremo  sul  nas  reproduções  de  Jomard  e  do  B.  de 

I  Rio  Branco. 

Pág,  171  (hnha  28)  onde  se  lé:  •6(»5  ».  devírá  lér-sf ;  «",5. 

Pig.  175  (tinha  36)  onde  se  lé:  «sudoeile»,  deverá  lér-se: 
I  sueste. 

Pig.  moinha  39)  onde  se  lé:  «tudoesle*.  deverá  iér-t«: 
sueste. 

'  Pág.  176  (nola  280)  onde  sc  lé:  *descoi/ery»,  deverá  lér-s«: 

discovery. 

Pág,  178  (linha  19)  onde  se  lé:  «lazia»,  deverá  lér-sc:  fíi. 
!  Pág.  178  (linha  42)  onde  sc  lé:  «Duas  delas*,  deverá  lér-sc: 

Dois  deles 

Pág.  179  (iinha  5)  onde  sc  lé:  «aberlura,»,  deverá  lér-sc:  aber- 
tara. 

Pág  I79  0inha  19)  onde  se  lé:  «15O0.  Deviam*,  deverá  llr-M: 

I5C0;  deuiam. 

Pág.  180  (nota  292)  onde  se  lé:  «C,  respostas  á  6.*  pregunla». 
deverá  lér-se:  C. 

Pág.  180  (nota  293)  onde  se  lé:  «Id..  lAmo  III.  pág.  102».  de- 
verá lér-sc:  No  apêndice  B,  resposta  à  6.»  pregunla. 
I  Pág.  181  (linha  24)  onde  se  lé:  ««/  atto»,  deverá  lér-M:  #/  alto. 


275 


HISTÓRIA  DA  COLONIZAÇÃO  PORTUGUESA  DO  BRASIL 


ERRATAS  E  COMENTÁRIOS 


PJfl.  Ul  Oinha  29)  onde  te  lí:  «IS09,».  deverá  lír-se:  /5W; 
Pifl.  m  (linha  13)  onde  te  lè:  «minuciosa»,  deverá  lír-sc: 

mtnudoso. 

Pis-       (('nh*  16)  onde  te  16:  <éle>,  deverá  lér-se:  eis. 

Páa  lM  (linha   17)  onde  te  lí:  «conlrarfo».  deverá  lír-ie: 

conlnrio,. 

Pág,  188  (linha  4.  nola  322)  onde  te  l<:  «c4pU>,  deverá  lfr-»e: 

copia  do. 

Pifi.  109  (linha  16)  onde  SC  lé:  «w/no*,  deverá  l£r-se:  vecinos. 
Pás-  190  (linha  2.  nola  332)  onde  SC  lí:  ■Mexerada*.  deverá 

lénse:  MenovidM. 
Pás  191  (linha  23|  onde  se  lí:  'Qucl».  deverá  lír^fte:  quel  este. 
Pág.  192  (linha  8)  onde  se  lí:  «,  da*,  deverá  lír-se:  ,  e  da. 
Pás  193  (linha  7)  onde  SC  lí:  «líz».  deverá  lír-se:  ffz  tambfm. 
Páy.  196  (nola  347)  onde  se  ií:  «Navarrete,  op.  dt.,  lòmo  M, 

pág.  >,  deverá  lír-se:  Navarrete,  op.  eit., 'í6mo  Ul. 

Ph-  347. 

Pis-  198  (linha  26)  onde  se  lí:  «entre»,  deverá  lír-se:  entra. 
Pág.  199  (linha  4)  onde  se  lí:  «estriba-sc.  deverá  lír-se:  es- 

tríl>ã-se  por  uma. 
Pág.  201  (linha  31)  onde  se  lí:  «asserto»,  deverá  lír-se:  acerto. 
Pis- 202  (linha  4)  onde  se  lí:  •  melliam- na >,  deverá  lír-se: 

meltiam  ■  no. 

Pág.  202  (linha  26)  onde  se  lí:  «Abisi»,  deverá  lír-se:  Albizzi. 
Pág.  202  (linha  33)  onde  se  lí:  «embora»,  deverá  lír-se:  em- 
bora. 

Pág.  203  (linha  45)  onde  se  lí:  *de  lei,  deverá  lír-se:  de  la. 
Pág.  203  (linha  60)  onde  se  lí:  «primeiro',  deverá  lír-sc:  pri- 

mero. 

Pág.  204  (linha  9)  onde  se  lí:  «ts»,  deverá  lír-se:  *. 

Pág.  206  (linha  7)  onde  se  lí:  <)esta  sla>,  deverá  lír-se;  esta 

ysla. 

Pág.  206  (linha  13)  onde  se  lí:  «ya*,  deverá  lír-sc:  af>. 
Pás-  206  (linha  17)  onde  se  lí:  «pllôto».  dcveri  lír-se:  pilâlo, 
Pág.  208  (linha  18)  onde  se  lí:  •amuzen».  deverá  lír-se:  ar- 
mazon. 

Pág.  208  (Unha  20)  onde  se  lí :  *  ■  >.  deverá  lír-s«:  t. 

Pág.  209  (linha  38)  onde  se  lí :  «Herra  c>.  deverá  lír-sc :  tferra  a. 


Pág.  212  (linha  64)  onde  se  lí:  «conte  nydojrcn»,  deverá  lír-s«: 

conlenydo  en. 

9iq.  213  (linha  4)  onde  SC  lí:  «sua»,  deverá  lír-se:  $u. 

Pág.  213  (linha  10)  onde  se  lí:  «aspantable»,  deverá  lèr-se: 

espaniãble. 

Pág.  217  (linha  4)  onde  se  lí:  «1500».  deverá  lír-se:  tSOO; 
Pág.  217  (linha  18)  onde  se  lé:  «sendo»  deverá  lír-se:  ,  sendo. 
Pág.  217  (linha  42)  onde  se  lê:  *bresano;  deverá  \éT-se:  busano. 
Pág.  217  (linha  I,  nola  23)  onde  se  lé:  'Década^,  deven  lír-se: 

Década  I,  livro  IV,  cap.  II.» 
PiS-  217  (linha  I,  nola  24)  onde  se  lê:  *Mistoria*,  deverá  lír-se: 

Historia  general  de  las  índias,  livro  II.  cap.  2.<» 
Pág.  218  (linha  2)  onde  se  lí:  «seguintes»:  deverá  lír-se:  aê- 

guintes. 

Piq.  218  (linha  5)  onde  SC  lí:  «pactos»,  deverá  lír-se:  fados. 
Pág.  218  (linha  28)  onde  se  lí:  «IQo.â»  deverá  lír-se:  tO*fi 
PJg.  218  (linha  30)  onde  se  lí:  «Ooil»  deverá  iêr-se:  oo.tt 
Pág.  218  (linha  33)  onde  se  lí:  «1*56»  deverá  lér-se:  loS6' 
Pág.  218  (Unha  33)  onde  se  lê:  <3!2o  ll>  deverá  lír-se:  J/2o,i| 
Pig.  218  (linha  34)  onde  se  lí:  «3076»  deverá  lér-se:  3o,76 
Pig.  218  (linha  41)  onde  se  lí:  «133o43>  deverá  lír-se:  I33»,«3 
Pdg.  218  (linha  43)  onde  se  lê:  «longitude»,  deverá  lír-se:  lon- 
gitudes. 

Pág.  218  (linha  43)  onde  se  lí:  «Ilhas»,  deverá  lír-se:  das  ilha». 
Pág.  218  (linha  47)  onde  se  lí:  «S3o3i  e  S3e42i  deverá  lír-se: 
e  530,42 

Pág.  219  (linha  3)  onde  se  lí:  «2o,38  >  deverá  lér-se:  2o3» 
Pág.  220  (linha  56)  onde  se  lí:  «poní»,  deverá  )èr-se:  pont. 
Pág.  220  (linha  67)  onde  se  lê:  <aú>.  deverá  lír-se:  au. 
Pág.  221  (linha  20)  onde  se  lê:  ^Historia*,  deverá  lír-se:  Mis- 
toria  general. 

Pág.  221  (linha  53)  onde  se  lé:  «cerean»,  devcriPlír-se:  cercan. 
Pág.  22t  (linha  68)  onde  se  lé:  «Viando»,  deverá  lír-se:  Viendo. 
Piq.  222  (linha  I)  onde  se  lí:  «haste»,  deverá  lír-se:  hasta. 
Pág.  222  (linha  27)  onde  se  lí:  «os  aban>,  deverá  lêr-se:  osaban. 
Pág.  224  (linha  4)  onde  se  lé:  'Hislona*.  deverá  lír-se:  Histo- 
ria general. 

Pág.  224  (linha  29)  onde  se  lí:  «o»  deverá  lêr-sc:  # 


■ 


OSZAR »