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HISTÓRIA
DA
COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
HISTÓRIA
DA
COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
EDIÇÃO MONUMENTAL COMEMORA-
TIVA DO PRIMEIRO CENTENÁRIO
DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
DIRECÇÃO E COORDENAÇÃO LITERARIA DIRECÇAO CARTOGRÁFICA
DE DO
CARLOS MALHEIRO DIAS CONSELHEIRO ERNESTO DE VASCONCELÒS
DIRECÇÃO ARTÍSTICA
DC
ROQUE GAMEIRO
LITOGRAFIA NACIONAL
PORTO
MCMXXI
PRIMEIRA PARTE
O DESCOBRIMENTO
VOLUME I
OS PRECURSORES DE CABRAL
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO
DA
LITOGRAFIA NACIONAL
PORTO
ADVERTÊNCIA
Uma das páginas mais brilhantes, mais gloriosas e mais fecundas da História de Portugal é,
sem dúvida, o Descobrimento do Brasil.
Êste imenso território que ocupa quási três quintas partes do Continente Sul-Americano, tanto
na sua extensão geográfica, como na sua grandeza social, foi obra da fé e da energia dos portugueses.
Ao tempo em que as caravelas de Cabral o revelaram ao mundo, a população de Portugal
era muito exígua, talvez dois milhões e meio de almas; todavia, pela sua bravura indomável, a gente
lusitana conseguiu dominar todos os obstáculos e vencer as máximas dificuldades, para manter inalterada
a imensa riqueza do tesouro que descobrira em 1500. cobiçado pelas mais poderosas nações de então,
mas defendido sempre com galhardia.
Foi assim que Portugal pôde transmitir integralmente aos seus legítimos sucessores os
8.527.818 quilómetros quadrados que são hoje a vasta séde da Nação Brasileira, para maior glória de
Portugal em todos os tempos.
O extremado amor que os portugueses votam ao Brasil, que êles consideram um prolonga-
mento da sua pátria, onde encontram o mesmo afecto das suas famílias, carinho igual ao dos lares que
deixam na outra costa do Atlântico, muitas vezes para sempre; esse entranhado amor, essa carinhosa
afeição, e, juntamente, o sentimento religioso que com o sangue nos é transmitido a cada instante pelas
ligações delicadas e puras da familía, tudo isso é elernisado pelo idioma opulento e formoso, suave e
forte, que nossos pais nos ensinaram, para que as nossas almas pudessem melhor sentir as alegrias e
as desventuras comuns, para sorrir ou para chorar com èles.
Por êsse amor inextinguível que liga os dois povos através dos séculos e do Oceano e que
é, simultáneamenie, iman poderoso a atrair e bússola segura a nortear o nosso espirito, para a graça e
para a beleza, é que deixamos a Pátria, o solo abençoado e querido onde nascemos, e a família, o reli-
cário sagrado das nossas crenças e saudades, talvez para nunca mais voltar a vê-la.
No desdobrar de um sonho, arrebatador como todos os sonhos, cheio de ilusões, por vezes
bem amargas, marchamos na mesma róta que Pedro Alvares Cabral traçou em 1500 e aqui viémos cons-
tituir outra família e aqui deixarèmos finalmente os nossos despoíos no campo santo onde, mesmo
reduzidos a pó, ainda nos confundimos nas lágrimas dos vivos pela saudade dos mortos.
* •
A Colónia Portuguesa no Brasil, e com ela a alma de Portugal, cumprindo um dever sagrado
pela sua honra, resolveu concorrer com o maior brilho possível, e, ao mesmo tempo, com o melhor da
sua gratidão ao povo brasileiro, às festas do primeiro Centenário da sua independência; e oferece por
isso, uma obra monumental, artística, scientífica e literária que denominou — /y/s/dr/a áa Colonização Por-
tuguesã do Brasil.
Essa ideia foi sugerida pela Càm.ira Portuguesa de Comêrao e Industria, ''"/'f ^•/^P'^
«nt.H. n« Rio de lane ro à Grande Comissão Portuguesa Pró Pátria, sendo por esta estudada, com a
sentada no Rio de '^"^'^^-JL "^"^^ Carlos Malheiro Dias. que acolheu com extremoso
Mr?6.i:a'e%ue vinha glorificar todo o esf6rço. tôda a generosa part.
VmToflo-^rc^L^esSrd"^^^^ 3dop.ada. n.o tardou a frutificar
Sm punhado de homens de boa vontade e de acção const,tu.u-se em soc.edade Para e^a^^ ^
efeito essa obra notável que vai assinalar uma hora de epope.a na v.da artfst.ca. l.terana e sc.ent.f.ca
dos dois povos im.3os.^ ^^^^^^ ^^^^^.^^ empreendimento nolá.el iniciou desde
logo os seus trabalhos, dedicando-se exclusivamente a essa tarefa tam delicada como bnlhante e fecunda
e dando-me tôda a sua alta competência, lodo o seu talento, todo o seu amor de português.
E iam bem se houve na execução do seu nobre empenho, que podemos apresentar ao pubh o.
ao espirito cuUo das duas nações soberanas, as primícias da obra maravilhosa que va. ser a H.stóna
da Co™^^;— <^;^ ^^^^ ^^^^^ „3 3,,, 3,,„,3 na lilera.ura. convidados a
colaborar com S. Ex.» aceitaram o convite e auguram com as suas penas, ilustres entre as ma,s notáveis,
um êx.to ^^^^^^^^^ 3^,^,.^^^ ,3pi3 ç pi„,el magistrais de Roque Gameiro estão sob
as nossas vistas, extasiadas por tanta beleza de concepção e de feitura, e darão à Histoaa da Colorai-
zacão Portuguesa do Brasil um aspecto inconfundível de obra prima.
A todos os colaboradores portugueses c brasileiros, que vão contribuir com o melhor dos
seus talentos para esta apoteose à raça da Lusitânia, que iá foi dominadora do mundo, e ainda hoie se
orqulha de ser das mais nobres, audazes e valentes, a todos quantos auxiliam a realização desta obra
monumental, em cuias páginas ficarão para todo o sempre os feitos memoráveis de um grande povo de
heróis que nunca deixou de amar e defender a liberdade e a civilização, em nome da Soaedade Editora
da História da Colonização Portuguesa do Brasil, aqui deixo a expressão do mais vivo e profundo
reconhecimento. ^ j 1
E o futuro coroará de glória esta obra que brilhará perpetuamente abençoada pelas gerações
que nos hão-de suceder, ficando vinculados nas suas páginas, como num abraço imperecível, as almas,
os corações e as penas mais ilustres de Porlugal e do Brasil.
Rio, laneiro 1921.
SOUSA CRUZ
mmumm
j)f\
conóni^
A *(m«ncla Ideal que tmorlall*ou no»*a*
dexDbvrum, r Itt por um Inalant» na
hItlAris do globo, dtim punhada d* ma-
rtnhriro* c áe tauadoro» a n\alar pllrl*
do mundo, a «Uiia do Clcrno. a *ncar>
natio harúica do Divino, trta monii-
menloi dr brlria auguala noa ficaram i
um rciabulo. um templo, uma *pop«la.
Tttt Lualada*: oi dv Nuno Ooiitalv»*.
o% d* Cjma««, 0« dff Sanla Mana d«
&<.-i>. ii> <. I ilmov l^ichvlo r Prom* (hvu, o radvnlor c o canior,
o hvrol Ovanie, qur llbvrta. e o q«nlo innAo. qtir o iradui
am múilcn, A itiuiKa da lui. a do mjirmorr, a dn palavra,
E ao memmo tempo qur uTavamoaa* dua* grandff*
•poprlaa equtvatciilct, uma na aitlo, outra no clnttfO,
r«produ»lamoB a p4li'la mnravllhaia qu* lhe» deu alma,
criando um novo Portugal, o do luluro, dabalxo do novo
cAu. no mundo novo. O Br««ll é a «ucarltlla ««grada doa
• Lualadaa-.
rii«mo>lo k no*«a Imagani t *pmelhan(a, <oin lorrtn-
l«a da vida, - o notao t.in))u«. com um tilno dc aurora, a
neaaa te. com evtrólat dv dúr, a* no»ia» ll(|rima«.
Flr«mO'lo rom bvl|o* e cantAc*, lavrando, bala-
lhando t roiando. dr armai na mJo. e de mSo* povia*.
Ot homem e a» piiria* valem. pol«, mai« ou mvno,
conlorme o *«u grau de rellgtlo, quer dUar, O grau d* tra>
larnldad*. o grau de amor. »
Porluiial t uma pAIrla ««ptCndRa. porque t mia
divina do (.'ondeiljvel. a in\e do lnlanlc-dri> obridor t do
lnlanle>mariir. de Nuno Ooiiiaive* r de TernJo Lop*», de
Darlolomru Dia* e dr D. )olo II, dr Oama e de CamAet. dc
h. PranctKCO Xavier r de Alv.ire* Cabral, de D. JoSo de
Caatro e de Albuquerque, do f ern.lo dc Matialhle* e de (111
VIrcnie, de Soror Mariana e de Uernardim Rtbelro. de Mi-
guel d'Almada e d* Pombal, de Pernandea Toma* « da
Meuainho,
Z, acima dc ludo, ela é a inJc de Povo porluRii**,
do povo de Alfubarrola. dat Oetcobcria*. de Monie* Cia-
ro». do nu»»aco, da Terceira, criador Imorlal dc heroia
anAnlmoi, e d« manto* plrbeut e pobretinho*, que fluar-
dam ovulha». (emelam >erra >, dormem no» eirado* e lalam
com o* anjot; do povo cAndIdo e crlillo, amorono, meigo,
melancOlKO, Impregnado de Deu» e de nalureta. e iam
nbUmado em aonho* e «alidade», que. delMando gemer a
alma numa liaula, t o maior lírico do mundo, o maior
poeta do Porlufial.
ei» o povo que it* a* terras d» Sania Crua, a PATRIA
Irml.
O Braill nlo chegou a «ar uma coiAni.i rr>i in,)r>
na(3o, lol logo plirla ^ a nova Pitrla p<
novo* heróis e descobridores, com novos . . ..
Orphrus, novas cniaadas e noia* lira»,
O Orasll cm ims erquen-ar grande como Portugal
em 1S40, e a mesma IC i)ue i ndua à r«volu(lo em U,
o arrasta A Indeprndíncia ■
Abrai ou-no» o mas tu u i>j>' a1, ardenios na mesma
Chama. Cernande* toints e ]o*í Donllaclo. em vet dc
Inimigos, erjm IrmJlo*. As na*»A» pátrias desligaram -se,
para melhor »e <a»arem. Desuniram o* corpo*, para ealrel-
■ arem a* alma*. DiiplicandO-*e, quiteram-tr mal*. O amor
cresceu em bele/j, porque aiiinenlou em llberd,ade. Viven-
do tam livre» e distante*. Itatcrniaamos hole como nunca.
Na filãrla r no sonho, no» ais e nos bel|Os, no riso c na
dAr, Amando-no» através das onda», vencemoa o espa<o.
AmandO^nOB através da tiislArla, vente mo* o (empo que
1' tol> C, com a ImortaHdade do nosso amor, venceremos
« morta, no porvir.
I
c
♦
INTRODUÇÃO
*Que ousar e perfazer lammanito feito
*Fòr* a humanos esforços impossível
*Se o braço portuguet não ajudasse.»
Oarreit, Camões, cânio IV.
HrSTORIADOR que se proponha acrescentar mais uma narrativa ã história
emocionante do descobrimento, exploração e colonização da Qiiarfã Orbis
Pars peios povos cristãos da Europa, perconendo alé às fontes contempo-
râneas dos descobrimentos a copiosa documentação esparsa nos arquivos e
nas bibliotecas, interrogando ainda uma vez. na esperança de melhor decifrá-
los e compreendê-los, os protagonistas, as personagens secundárias, a com-
parsaria e os espectadores do grandioso drama histórico, não deverá subor-
dinar-se à única esperança de reconstituir, com a aiuda de inéditos e pe-
remptórios documentos, os sucessos que se esbateram ou apagaram nos
horizontes enublados do pretérito. E' ainda possível, porém, aiustar a uma
harmonia mais perfeita do coniunto e à verosimilhança —que é verdade subiéctiva - grande numero de
factos, tanto primários como secundários, em volta dos quais se exerceu a perícia dos precedentes historia-
dores." No periodo excedente de quatro séculos, que separa a humanidade actual dos seis aconiecimento»
geográficos que nolabilisaram a transição da Idade Média para a Renascença: a passagem do equador ma-
temático por Alvaro Esteves, em 1471 ; a transposição do cabo da Boa Esperança por Dariolomeu Dias. em
1487; o descobrimento das Antilhas -imaginários arquipélagos asiáticos-pelo genovês Colombo, suposto
genro do donatário de Porto Santo, em 1492; a chegada de Vasco da Gama ã índia, em 1498; o descobri-
mento, reconhecimento e exploração da costa oriental da América Austral, alé muito além do Rio da Prata,
pelas armadas que navegaram para sudoeste, entre 1498 e 1504 ; e, finalmente, o encontro da passagem para
o Pacifico, realizada em 1520 por uma armada domtnadoramente conduzida e comandada pelo pilôto portu-
guês Fernão de Magalhães, milhares de obras foram dedicadas à investigação e ao estudo desses empreen-
dimentos gigantescos. Com excepção das histórias de Roma e da Grécia, que constituem os mananciais da
civilização europeia, alimentados, mercê das conquistas gregas e romanas, pelas correntes das civilizações
anteriores asiática e africana setentrional, nenhum aconiecimento ou conjunto de acontecimentos históricos
foi mais investigado, analisado e descrito que o do descobrimento dos mundos novos, sob todos os com-
plexos aspectos geográficos, antropológicos, etnográficos, políticos, sociais e económicos. Só pelo que res-
peita ao Brasil, o ilustre bibliófilo brasileiro, sr. ]osé Carlos Rodrigues, reuniu uma biblioteca composta
VOL. 1 *
Introdução
de 2646 números (1), abrangendo o período colonial, a que há a acrescentar mais cêrca de 12000 trabalhos
de t6da a espécie, relativos ao século da Independência: colecção preciosissima, hoje incorporada no
património opulento da Biblioteca Nacional do Río de Janeiro.
Êsle trabalho aglomerado em quatro séculos, que denuncia o afan incansável do espíríto hu-
mano em narrar, esclarecer, explicar, comentar o maior empreendimenio da civilização europeia, continúa
o seu itinerário cm busca da verdade, e cada geração de historiadores passa à geração que lhe sucede
o fach o com que sonda as remanescentes penumbras da história e do universo. Uma vida inteira
náo b. para o conhecimento integral désse imenso espólio histórico, cuio inventário sucinto reque-
reria volumes. Todavia, a tarefa colossal, à medida que se amplia em número de trabalhos, progressiva-
mente adquire um espíríto sintético. Cada grupo de investigadores depura e resume a obra dos ante-
cessores e acontece que longuissimas narrativas, amplíssimas exposições de teses históricas, sobrevivem
apenas na expressão, por assim dizer algébrica, da sua síntese. A obra dos historiógrafos caminha sen-
sivelmente para uma cristalização na obra dos pensadores. As gerações abnegadas vão carreando,
ahravés dos séculos, as montanhas de minério de onde os génios extrairão as poálhas de rádio. Docu-
mentos foram encontrados pelos investigadores nos esconderijos dos arquivos, desenterrados do sepulcro
do olvido, e que vieram substituir ou anular o trabalho laboriosamente condensado em centenares de
volumes, fruto de extensos periodos de meditação e de ansiosas pesquisas. Grandes obras, como o
Examen Critique de fhistoire Geographique du Nouvpju Contincnt, de Mumboldt. cognominado <o novo
Aristóteles», começam a oscilar sôbre os monumentais alicerces, e não só deixam margem a controvérsias
sõbre pontos capitais de interpretação, como não puderam anular a necessidade, mas apenas simplificá-la
e atenuá-la, de um constante manuseamento dos documentos históricos subsidiários e referência inces-
sante aos depoimentos fundamentais numa obra dêste género, que se propõe descer das ideias gerais
aos detalhes e narrar com a máxima aproximação da verdade e explicá-lo, em tòda a complexidade, o
milagre que consiste em haver querido e podido uma pequena nação, ocupando 91.949 quilómetros qua-
drados de superfície, com uma população de 1.800.000 habitantes (2), devassar, dominar, povoar, colonizar
um território semi-virgcm. palmilhado por tribus rarefeitas e erráticas, com uma área que actualmente
excede oílo milhões e quinhentos mil quilómetros quadrados (3), criando no espaço de três séculos um
dos maiores impérios da terra, situado entre os e 10* de Lai. N. e os 33» 45' de Lat. S., transfun-
díndo-lhe a Ifngua. a religião e as instituições jurídicas, insuflando-lhe uma consciência de nacionalidade,
construindo, finalmente, desde os alicerces etnográficos até à cumiada espiritual, uma nação, em um
quinto do tempo que fôra preciso para organizar, com a fusão dos elementos peninsulares e as civilizações
fenícia, romana e árabe medieval, a minúscula nação mater, a •. . . pequena casa lusitana* que só
no século Klll terminára com a conquista do Algarve a construção do habitat euTOpeúiH).
(í) — BIblíothfca n ' ■ logo annoiado dos livros sobre o Brasil e de alguns autograptios e manuscrtplof,
pertencentes a ]. C. Rodrigues ,i, i907.
(2) -O Inlanie D. Pedro, pronunciando-sc, cm conselho presidido pelo rei. contra a expedição a Tanger, «m 1437,
dizia: *MãS, posto caso que passásseis e tomásseis Tanger. Alcácer, Arrilh, queria. Senhor, s,iber. que lhe faneis, norqut
povoar delias um regno Iam despovoado e Iam minguado de gente, como é este vosso, he uupossiveh. Rui de Pina ChronicM
àt D. Duarte, cap. 19,
Uide sobre demografia portuguesa dos séculos XV e XVI, O Povo Porluguez. por Dento Carqueia; Historia da
Sc rr» Porluii.ll /I,) sccuto XV. por A. de Sousa Silva Costa Lobo; Historia da Administração Publica em Portugal nos
êti // a XV. por Gama Barros.
. ».««J^*"r.* «"'"i 9"^* <^'"»lou em 8.525.054 K,2 .i Mípcrflcle do Brasil. Incluindo a região adquirida do
Am (152.000 quHr.n ■ i , subtracção dos 390O0 cedidos ao PenO ' ilculo pl.inimélrico sofreu, porem, graves contes-
tacOes. como j .t. ^. Padiberg (Estudo Cntiro e Calculo l\ . ,co d.is Ar,:is do Dr.tsil e seus Estados - Porto
«egrc. 1907). que j h^ou cn. 8.MO.0OO K.2. O Darão Homem de Melo. no Atlas, calcula-a cm 8.051 260 K 2 A estimativa de
Mumboldt muilo aniunor Ji incorporação do Acre - é de pouco mjis de 7,950.000 K.2. Finalmente, o professor H Morize
M-^** *; cálculos e i.Kluindo néles as ilhas. es!u.1rio do Ama^onas. bafas e lagoas, avaliou em
».5220on K7 ,1 .W, ria território do Drasfl, P 'n.iquer modo. o império fundado poios portugueses na América representa
X"""" ." ' ^ '^'5 da p,ii , do planeia, e consiitue. sem solução de continuidade, a terceira das
. , , . so logo depois da . ,,. europeia e asiática (parcelada pela última grande guerra) e da China.
r„m« ..i L^t . * ^ **** i^rvMOTio do Alaska, Quanto ao Impírio Dritánico. aprescnta-se-noa
como um imen -i \l^ ■ domínios dispersos nos cinco contmeniei.
, . do Amaíonas (t, 897.000 K.2). de M.illo Grosso (1.374.000 K.2) e do Pará (1 149000 K 2) é
«íwrtldí S^Drasilí" ' ' ' América do Sul. exceptuada a Ai^ntina. cuja área total corresponde a 1/3 d«
A-uw '«"fiório brasileiro, desde as nascenics do Cotingo ao rio Chuv, aproxtma-s* ds
C300 quilómetro», sensivelmente igual a da sua máxima extensão horizontal. hi"»»»- « w
^J;?/»7!ÍÍ!IL'"!Í'"" •''/''"■í" ° -'"''"s. um lr.-ibalho histórico dos mais
noíaueis emiltiu acerca da extensão nJo imj mas espantosa, alc.rr. ,,, /moeno oortuouez na America uma
cbservaçio uerdade,ra. a saber, oue essa conqu,.u e a colomsaçSÒ cc ■ foram a obra dTu ^^^^
nem .ocr.rro dr e.,r.n.,.r. Jos F.f.u,o..Un.dos foram oopul. iões de , . d"ver7as queconZuiraí 7^raZ deJen-
, , ^ °{ yorU, os hespanhocs da Florida e da Califórnia, os franceses de tod*
' '■"^f*" ' t^meçou quando Napoleão, desprovido de recursos para bater * supremaci»
II
introdução
Sc o mislérío da geração dM
espécies permanece como o sumo prodígio
de que a biologia mal devassou a incó-
gnita, éste outro grande prodígio da gera-
ção de uma nacionalidade é dos fenóme-
nos mais surpreendentes da História.
Certamente, èste empreendimento, reali-
zado no continente americano, não é
senão a repetição, a milenários de dis-
tância, de outras emprésas idênticas ope-
radas na Asia, na Africa setentrional e na
Europa. Os processos, limitados às capa-
cidades físicas, mentais e morais da espé-
cie humana, não variaram senão nas con-
dições em que houveram de aplicar-se.
Mas o que torna verdadeiramente emocio-
nante a colonização europeia da América
é a mudança de uma civilização avançada
para um continente que permanecia, k
data dèsse encontro assombroso, num es-
tádio primitivo da evolução humana, ha-
bitado por povos airazados em dezenas
de milhares de anos das civilizações asiá-
tica e europeia e que, excepção, talvez,
das raças presumivelmente transmigradas
do Ocidente e localizadas na América
Central e Ocidental, num isolamento in-
sular, como as dos Incas c Aziecas, apre-
sentavam nos costumes, na mentalidade
rudimentar e na amoralidade os síndromas
das éras pre-hislóricas da Europa. A Amé-
, . rica antartico era um dos paraísos sobrevi-
ventes do planeta, onde os homens vaguea-
vam pelas clareiras das florestas, taciturnos, inocentes, nus e terríveis como as feras, entre as aves cantoras
e os reptis venenosos, na adolescência da sua realeza. O europeu, herdeiro da imponente e idealista
civilização mediterrânea, que já criara a religião, a moral, a lei, o estado e a arte, e iá <' rira a
imprensa e já sislemalizára as sclcncias e já concebia a mais transcendente modalidade da nu^rdade,
expressa no movimento da Reforma, encontrava- se, subitamente, perante os representantes vivos, seus
contemporâneos, da selvajaria mullimilenar em que tinham vivido os antepassados nas épocas remotas
de que não restavam senão vestígios paleonlológícos — pois as próprias irrupções dos bárbaros na Europa
Central, que acabaram por submergir a decadência ainda majestosa do Império Romano, acusavam um
grau de evolução incomparáveimcnte superior ao dos habitantes da América antártica cisãndina, que não
haviam atingido o conhecimento dos metais e permaneciam no período arcaico da pedra lascada e
polida, se bem que utilizando-se do barro para a confecção dos utensílios domésticos e revelando na
navegação dos estuários, deltas e litorais, conhecimentos que chegou a supor se adquiridos pelo conta-
cto com raças transatlânticas.
O extraordinário, neste drama da História universal, é o defrontar do homem da Renascença
com o espécimen do homem pre histórico da América; o encontro da nobreza europeia, oriunda da
cavalgada mística das Cruzadas, com o antropófago: do homem vestido de brocados flamengos e veludos
genoveses com o homem nu da idade lítica; da caravela artilhada com a piroga; do guerreiro armado
da espada e do arcabuz com o aborígene nómada, que o deh-onlava com o arco flexível e as aceradas
mãritima da Ingialerra, tendo o poderio nãval da França sido aniquilado em Trafalgar, entendeu dever negociar tom Jefferson
a alienação do império banhado '•■■!:■ M ■^'íipi. Se a Luiziania tiivsse sido conservada como património e o Canadá tiouvesM
podido não se tornar inglez, a l i sendo a potencia dominadora na America do Norte. . .• A CONQUISTA DO
BRASIL conferencia realisada n.' .í^ l . .. u/í de Qeograp/tiJ de Bruxellas peto Dr. M.de Oliveira Lima. Edílio do Instituto
histórico e Oeographico de S. Paulo. 1913. A pag. 9 e 9. A obra alcml a que se refere Oliveira Llnu é * Oescnichte von
Brasilian, de Heinrich Handelminn. Berlim, 1660.
la
Introdução
flechas; dos homens que haviam começado a edificar os Jerónimos com o exemplar fóssil, habitante das
selvas tropicais. O maravilhoso é a implantação do homem civilizado, do homem que tinha uma legis-
lação, uma poesia e uma arte, nos abismos vegetais das florestas asfixiantes, enire os seus ferozes
irmãos primitivos, obrigado a transportar para o paraíso inóspito, ressoante de rugidos, de silvos e de
cantos, a cruz pesada da civilização. Emocionantissimo espectáculo é êsse a que pudemos, por assim
dizer, assistir, da transfusão de uma civilização mullimilenária. que já produzira os poemas de Homero,
de Vergíiio e de Dante, a filosofia de Platão, a scicncia de Pvthágoras, Ptolomeu e Euclides, a arte de
Phidias. de Fra-Angélico. de Dotticcelli. de Nuno Gonçalves, de Miguel Angelo e de Leonardo de Vinci,
a eloquência de Demósthenes. de Cicero e de Santo Agostinho, a arquitectura do Parthénon. do Fórum e
das catedrais bizantina, românica e gótica, numa selva gigantesca, povoada por um homem infantilmente
terrível, que ainda devorava os seus semelhantes e conservava o casto impudor sexual do anio e do tigre.
No conflito inevitável entre os representantes da civilização ariana e as errantes populações
autóctones da América, produziram-se, com muito menores intensidade c duração, os choques a que a
Europa servira de teatro, durante dezenas de séculos alé à gradual suplantação do bárbaro renitente
pela raça evoluída, da fôrça animal pela energia disciplinada, do imigrante nómada pelo agricultor seden-
tário, e a conversão das fôrças dinâmicas que animavam a espécie na fórma estática da sua organização
social. A história da civilização inicial da América é uma repetição atenuada do drama preliminar e
tumultuoso da civilização europeia. O estrondoso conflito das raças, a que serviu de teatro a Europa
8presenta-se-nos incomparavelmente mais violento e demorado: uma como enorme ampliação do breve
conflito americano, que se resume em pouco mais de dois séculos de oposição do civilizado dominador
ao selvagem recalcitrante, que reage contra o intruso com as energias ferozes da sua combatividade
nativa, aliando-se às forças vegetais o .mimais da natureza contra o europeu, impondo-lhe a necessidade
simultânea de derrubar as florestas com o fogo e o machado, abater as feras agressivas e domesticar o
seu irmão hostil.
Nada nos parece mais ocioso do que discutir o processo estrutural dessa colonização, que
assume o aspecto de uma invasão à mão armada, porquanto na história do mundo o homem nunca pôde
aplicar à sua evolução outro processo, que não o da lei biológica da selecção pela lula, prolongado até
aos nossos tempos e actualizado na maior guerra da História, travada entre os povos que caminham na
vanguarda da civilização c que repeliram os choques temerosos do eslrondeante conflito bélico do mundo
antigo, prolongado na quási incessante batalha da Idade Média: turbilhão de animalidade e de espiri-
tualismo, em que pareceram reproduzir-se na espécie as convulsões plutónicas.
É um fragmento desse empreendimento formidável da proiecção ultramarina da civilização con-
tinental europeia, ou da fundação da nova Europa americana, que esta obra pretende narrar à luz dos
documentos, que são os vestígios do passado.
A história da criação do Brasil nunca poderá deixar de interessar no mesmo grau a Portu-
gueses e Brasileiros, pois se a estes pertence de direito e de facto a propriedade da grandiosa naciona-
lidade constituída, a obra de gestação é portuguesa e nela se perpetua a glória do ciclo épico das
navegações e dos périplos lusitanos e as imponentes capacidades colonizadoras de uma raça (5). Bastaria
a prodigiosa realidade de haver o pequeno Portugal descoberto, explorado, povoado, defendido e organi-
zado na América austral uma das maiores nações do mundo e tè-la legado aos descendentes dos povoa-
dores intacta em seus amplíssimos limites, disputada pelo preço do sangue às cobiças francesa, castelhana,
batava e inglesa, para que a minúscula naçào dos lusos fôsse de direito admitida no grémio glorioso
das nacionalidades que o destino predestinou para serem, em uma hora sublime da sua existência, as
guias e porta-estandarles da civilização. Outros e muitos títulos a impõem como uma daquelas nações
que mais concorreram para o descobrímento das vastas regiões ignotas do planeta, para o avanço impá-
vido do homem pelos oceanos, e. consequentemente, para as metamorfoses operadas nas condições
morais, mentais e económicas da humanidade com o advento da Renascença.
l^rrftoho BctuéTÂ Lu^^^^^^ Tnr^ , T,^'"^" ""'^ff''""'"''" ^ommavam menos de um terço de odo o
introdução
No esiado actual da profusa civilização humana parece impossível atribuir às mais forte*
nações modernas possibilidades de executarem missões tamanhas, sob o ponto de vista da importinda
universal, cosno as distribuídas pelo destino ao povo porlusués nos séculos XV e XVI.
A ufania dessa glória não pode ser monopólio do ramo europeu da grande famflia étnica
scindida pela longínqua emprésa que foi chamada a desempenhar no outro hemisfério do orbe. Menos
de um século transcorrido para além do primeiro contacto dos marinheiros da esquadra de Pedro Alvares
Cabral com os tupiniquins (que Vaz de Caminha pintou com as côres de um Fra Angélico na carta ao
soberano, tal qual debuxasse para um Livro de Horas a iluminura do Eden), já os guerreiros nus do
valente e tealissimo Ararigbova. mandado armar cavaleiro de Cristo pelo mfstico O. Sebastião, e os pri-
meiros brasileiros nascidos nos lares portugueses, como o heróico ^orge de Albuquerque, ou das uniões
do branco e da aborígene, como as descendências mamelucas de loão Ramalho e do Caramuru, coope-
ravam na obra ingente dos colonizadores, e de tal modo se entrelaçaram e confundiram no arrostar das
mesmas vicissitudes, no afrontar dos mesmos perigos e na participação das mesmas lulas, que se torna
difícil, através do ciclo das expedições sertanejas, não menos épico que o das expedições marítimas,
distinguir o Português do Brasileiro no heterogéneo elenco das hostes heróicas das bandeiras
Com igual motivo podem os habitantes de Portugal e do Brasil honrar-se com os grandes
leitos de seus maiores. Aceitar as mercês do passado não obriga a resgatá-las no futuro com uma par-
cela sequer de diminuição na ciosa e inconteste soberania. Brancos, aborígenes c mestiços derramaram
e confundiram o sangue na mesma obra grandiosa, a que serviram de teatro os litorais e as selvas, até
aos remotos plalós centrais e aos contrafortes da cordilheira andina, em frente de cujas escarpas temero-
sas esbarraram, afinal, ofegantes da marcha portentosa, os conquistadores do hinterland brasileiro.
Comuns a ambos os povos soberanos são êsses antepassados, desafiadores de mistérios, heróis
da história Irágico-maritima, que passam, nos anais do mundo, por entre os bulcões, as vagas revoltas,
as tempestades e ciclónes do mare tenebrosum, afrontando as catástrofes, a caminho dos ignotos mundos,
sob o pálio celeste recamado de novas constelações. Antepassados comuns, no mesmo grau de paren-
tesco, êles o são de ambos os povos, enquanto a linhagem se entroncar na ascendência lusa. muito
embora enxertada de cruzamentos, a que não puderam eximtr se os povos de mais alta estirpe, como o
romano, que acabou sendo um conglomerado de raças heteróclitas.
O aborígene não possuía a noção de pátria. Estacionava muito áquem da fase de evolução
social em que as tribus erráticas e inimigas, fundindo-se e fixando-se, conceberam a ideia complementar
de nação. Seria grosseiro erro imaginar-se que o ideal de independência se deflagrou nas colónias da
América pela contaminação do rebelde nativismo indígena. Foram os próprios colonos, os mesmos filhos
e netos dos puritanos ingleses, dos aventureiros espanhóis e dos imigrados portugueses que, sob o
império das conveniências, sobretudo de ordem económica, atearam as ideias de libertação, ao depois
enobrecidas pelo patriciado intelectual e por êle guiadas para o desfecho da emancipação política. Foi
com a progénie europeia que as grandes nações da América criaram a sua civilização, e ainda hoje,
volvidos quatro séculos, elas não puderam associar em grande escala os aborígenes sobreviventes à obra
civilizadora, de origem e de substância europeia (6 A).
S Portugueses que. na aurora do século XVI. agregaram ao património territorial da pe-
quena metrópole peninsular as regiões imensas da América austral, situadas na área
demarcada pelo Tratado de Tordesilhas — depois ampliada desmesuradamente pela con-
quista-eram um povo animado pelo mais fecundo e concentrado nacionalismo. Ainda
não evoluíra para o universalismo romano, prolongado pela Igreja no domínio teocrático.
A história de Portugal, no cicio de quatro séculos, que se desdobra até à dominação filipina, divide se
em dois períodos distintos. No primeiro, a nação é criada, defendida e fortalecida por um sentimento
WS
Í6Í 'Os portuqueses. misturunào-se com os Índios, produziram uma r*fj íguãlmenie valente e fundamental-
mente emoreendedorj Á qual é sobretudo devida a conquista do interior do Brasil. . . O Brasil i. pois. a obra "Jf'/»"'/-
7ã^aphfc7 tTnl^^^^^^ dos seus propnos mos. Isto nos constituo uma tradição "f^^-"/''^ ' "j"^^^^
^rantla para o futurO' Õ BRASIL E OS ESTRANGEIROS, contertnda dc M. dc Oliveira Lima lu Sociedade de aeograni
de Antuérpia. Edíçào do Inslitulo Histórico c Geográfico de S. Paulo. 1913. A pag. 3. ^ , . ,
(6 A,^,A America tem nas veias o sangue, a inielligenca e a cqueza dos ''•"''"''P''*''^^^"' cifaltrS
apaches, os guaLf^s ou os africanos, ma. os mglezes e os « ' j;" ' ''té JerZs oTi hoTsòm^'-
nos educou id^J^^I^^JlS^^- W^^^
de Paris, olferecido pelo sr. Embaixador do Brasil, Úaslio da Cunha, ao Corpo Diplomático Americano. 12 oe uuiuoro oc
Introdução
nacionalista de genuína concepção germânica, em oposição ao universalismo da decadência romana,
revivido nos grandiosos projectos de Carlos Magno. E' ésse senlimenlo nacionalista, concentrado no
•olo pátrio, que traça os delineamentos medievais do mapa politico europeu; e mostra-se Iam robusto
que, no ano de 1232. quando o mais poderoso dos papas obtém do rei de Inglaterra a ordem de prisão
contra Huberl de Burgh, inimigo obstinado da hegemonia de Roma. o soberano não encontra no reino
um ferreiro inglês que se preste a forjar as algemas do patriota prisioneiro. Ameaçado de sofrer a
torlura, o ferreiro, a quem fòra ordenada a tarefa infamante, manda dizer, altivamente, ao monarca:
. 'Vnii morrer do que algemar o homem que defendeu a Inglaterra contra o estrangeiro!» Até ao delírio
\ Portugal foi todo êle como o ferreiro inglês. Os seus reis lutaram contra os pontífices na
defesa da soberania do Estado e conservaram-se, sem receio às excomunhões, os mais intransigentes
e militantes apóstolos do amor soli í ' A decadência portuguesa resultou, como a de Roma, da
t, ' r 'ersalizar-se, *A ■> : ensina-nos que os únicos poifos que realizaram grandes
( s que contiuerain os seus esforços dentro tios Hmiles em que é possível desert'
volverem e fixarem a sua particularidade nacional.» Este aforismo de Chamberlain (7) explica a
formação da nacionalidade por i. a solidei dos seus alicerces, a crise por que ela passou no século
XVI, precisamente quanto atingifri o auge do esplendor, e. por último, elucida o fenómeno assombrador
de que resultou a criaçáo do /' ' do Brasil. Na América, os Portugueses aplicaram com o máximo
potencial de energia o seu nàí no, defendendo o lenitório da penetração estrangeira e realizando
uma obra imperecivelmenie portuguesa (7 A). Repetiram no Brasil o que haviam realizado em Portugal
e conseguiram por esse processus fundar a única grande nacionalidade intcr-tropical de projecção
europeia.
É êste fenómeno que Roberl Southey observa e glorifica na sua History of Brasil, quando
analisa as causas do insucesso da Holanda: *A pele/a ambiciosa que os holandeses sustentaram por
tantos anos. com tal desumanidade e tal dispêndio de tesouro e sangue, não produziu outro benefício
que o de como um aviso às demais Potências, qu.vn impossível é efectuar uma conquista per-
manente r I. Povo de tam afincado nacionalismo como o português, em país como esse. é inven-
cível poi ly ,...r fôrça humana.*
Se não fôra a transplantação do nacionalismo tradicional português, o Brasil não existiria (7 B)
No imenso espaço do globo em que se edificou uma nacionalidade, veriamos um grupo de domínios
coloniais: no Rio de janeiro, a França Antártica; no centro, a Nova Holanda; no norle, a França Equi-
nócial. e. presumivelmente, mais uma colónia inglesa, abrangendo o território compreendido entre o
Anvt^onas e o Essequibo, que em 1627 o rei de Inglaterra concedia a uma companhia, em cuja cabeça
I im 05 nomes magníficos do Duque de Buckingham e do Conde de Pembroke. Nenhuma destas
nações, como se prova com o exemplo exuberante da História, teria derivado para os domínios ameri-
( iua do ' ' concentrado nas metrópoles, Contemplaríamos actualmente na América
i. V , (,.. tukiiiizaçào francesa, holandesa e inglesa, aplicados como em Madagáscar,
tiii I i.is e na Africa equatorial. O exemplo dos Estados-Unidos não pode alterar a verosi-
milhança desta previsão, pois que èles constituem um caso sui generis de colonização religiosa, política
e Cl. il, empreendida simultaneamente por povos de diversas origens e nacionalidades. A índia e o
r ^j.u as suas civilizações antiquíssimas, não puderam, até hoje. lornar-se independentes da tutela
l r ^ n com II 1 poder simultàneamente liberal e inflexível. iComo haveriam de originar-se
ii .1. sem ; ij histórico, por cujo âmbito gigantesco vagueavam tribus no estado
selvagem, os estímulos de rebelião e uma consciência de nacionalidade?
(7)— H, S. ChamtwrUln. La Oénèse du XlXme. Siède, a pdg. 911.
(7 A)— «O Brasil e os Lusiâdas sJlo *5 duas grandes obras de Portug,U». Joaouim Nabuco O tuoar de Camões
na titteraivrj, contcr^nci.i realizada na Universidade de Vale. aos 14 dc Maio dc 1908.
t*) ■ ■ ■ se. IJ (cm Portugal) como aqui, dés dos seus primeiros dias. As
f(i;n»,'. . T r^sr,., rr- sUncus. apprcndtTjm. para logo, como por instinclo. a ajudar-se umas
portuguei, o qual nunca se afastara da fidelidade ao Rei; mas a
, ■ ' íflí fodas ãs colónias entregues a si mesmas, um senlimenlo de
nacipnalismr revelou no'- í. . .
' ' « rvlon..,.. u.- IJ i:,oprio alvedrio • ■ vraçSo. por assim dizer, prestaram assistência is
mats dislantvs por occasiSo das invasões .. . Umram-se ellas para r i f-Tanceses. alliados com os Índios locaes. os
Tamoyos e de í565 a IS7I destruíram o germrn da França Antartic. u< :^uOlau Durand e de Villeq.i,gnon. Do mesmo modo
0 povo de Prrnambueo. em 1615. sob Jeronymo de Albuquerque, irá ao fAaranhio para destruir a njscenle Fr.jnçj Equinonial
ff.r'",^'"' Oue grande e incessante esforço os Colonisadores oara ficarem com o paiz para sU fm
1 i«. i J T 'T' P"'""'" do M^ranhio. a adade do Pará. e Ja recbassam os Hollandeses. tomando Jhes os fortes
J,,^^Zt H 'O á direila. entre anno e I629k JoaquJm Nabuco. O Espinto de Nacio-
nalidade na Historia do Brasil, conler«nda ruUuda no Spamsh Club da Univer»i<Ude 4e Yale. aos Ib de Maio de I»8
VI
Introdução
EDICANDO-SE ésie trabalho de reconstituição a narrar os trâmites da obra portuguesa no
Brasil e a patentear o procesáo que presidiu à geração de uma das nacionalidades mais
profundamente animadas da consciência dos seus destinos, tem de descenar-se inicialmente
o pano scénico para a heróica representação do prólogo marftimo do imponente drama
histórico, desenrolado através de três séculos integrais e um fragmento de vinte e dois
anos do século XIX.
As navegações portu*
guesas, de que os descobrimentos
das Antilhas e do Brasil cons-
tituem dois dos maiores episódios,
teem sido geralmente encaradas
como o depoimento da audácia
heróica da raça e narradas por
fórma a passarem, ante a imagi-
nação das maiorias, como uma
prodigiosa e audaz Po-
rém, nâo é verdade. Esse teste-
munho de heroísmo nada possui
do que possa confundir-se com
uma aventura, na acepção vulgar
da palavra. Os descobrimentos re-
sultaram de um plano nacional, a
que presidiram concepções geo-
gráficas arrojadas, desenvolvidas
por um trabalho scientífico de
grande envergadura. Não há dú-
vida de que a sedução céltica
pelas audazes empresas, o misti-
cismo peculiar da raça, que fre-
quentemente a impeliu para além
das suas possibilidades e conve-
niências e a lançou em empreendimentos que lhe exauriram o vigor, transmitiu ã tarefa gigantesca ésse
guid aventureiro, que dá um sabor de romance de cavalaria às navegações ilimitadas, à ambição exorbi-
tante de avassalar o mundo, de fundar impérios quási lendário» à fôrça de longínquos, cuja conservação
custava anualmente o preço pesado de uma guerra. )à Colombo, na carta escrita aos Reis Católicos, por
ocasião da 3.* viagem, os estimulava com ês(e elogio trágico ao valor português: ...*Ni decir dei pre-
sente de hs Reys de Portugal, que tuuieron corazon para sostener a Guinea ^ dei descobrir delia, v ff"*
gastaron oro y gente á tanta, que quien contasse toda la dei reino se bailaria que otra tanta como lã
mitad son muerío en la Guinea, ^ todavia la continuaron.»
Quando Colombo escrevia, não principiara ainda a funcionar o matadouro da Asia, consumidor
insaciável de vidas; não tivéra início a tragédia da índia, que actuou com os filtros orientais sõbre a
raça austera, lançando-a ao desvario e à perdição. O nardo e o incenso asiáticos não haviam perturbado
até à embriaguez o povo forte e sisudo, morigerado e estóico. Èle era ainda aquele rude e sublime povo
que Nuno Gonçalves representou nas tábuas do políptico imortal, com os guerreiros, os doutores, os
aonistas, os prelados e os pescadores, •envoltos nas redes como em mantos reaes». Êsse povo, dedicado
ao serviço da Pátria como o romano da grande éra, conservara da lição e do contacto de Roma o ins-
tinto prático e harmonizára o com o seu poético misticismo. O Infante D. Henrique, um dos maiores
príncipes da Cristandade, tem a brônzea têmpera de um romano e a sua tradicional tolerância utilitária.
O grão-mestre da Ordem de Cristo recorre à sciêncía dos árabes e iudeus para o estudo dos mistérios
da natureza; e o plano que êle amadurece em longas e doutas vigílias não é uma aventura, mas uma
tarefa de estadista e de sábio. Como Ulysses, que manda que o amarrem ao mastro da triréme para nâo
sucumbir às seduções das sereias, o infante encadeia o coração ao interêsse da Pátria, para resistir às
tentações da piedade. No Promontório Sacro, como a própria imagem do dever, aponta o mar e os
espaços ignotos aos nautas. A ordem é avançar, avançar sempre, prôa ao mistério, ao encontro das
regiões que a sciência antiga de Estrabão, Hipparco e Plínio dizia inabilaveis (onde os raios solares
carbonizavam os sêres vivos!), por sÔbre os fundos pélagos, abrindo caminho pelas aguas plúmbeas,
VII
■l
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01 aiAL
NAU DC s£CULO XV
(QRAVURA CM MADEIRA DO TEMPO)
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O RIU
Introdução
30itadas por uma cóJera perpétua e povoadas de monsiros aquáticos. Cada um daqueles descobridores
 mundos, manejados pelo génio implacável que entrevia a realidade prec.sava de ler. como o pnme.ro
mareante cantado na ode horaciana, o coração envolto numa tríplice ligadura de bronze, para nào estalar
de terror. . . ^. ,
//// robur et sps triplex
Circa pectus erat. qui fragUem truci
Commisit pélago ratem
Primas
A imponente história dos descobrimentos portugueses continuará ininteligível enquanto nâo
fôr integrada na cultura universitária do quadrivio, colocando os sábios no primeiro plano, ao lado dos
heróis Alé à hora sublime em que o Infante consultou os astrónomos, os cartógrafos e os pilotos, a
cosmografia medieval apenas conhecêra e suspeitára a metade do planeta, reproduzindo nos mapa-mun-
jgíptíma n^rfl.
iiBtpro bUbocnoM nian» «qooTibim f louiínà ft rtjfoha b*( gr. «ímpli po^»
rvB aà* prtiíDUrio» tiíhnaio mwert fijnrf ftqBlric jpp^rr mnirotanrâ tt\t th
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A IMAatM DO MUNDO
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VIII
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€3tem oous tratados q o incCmo DOu
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DuuidJdoanauegaçáo-Cóastauoasoo
inouiincnfooorcl:':fua DecIttiiiçâo.Ec
Rcgimêto oa altura aíTtacm^Dia^cc
mo nos ou t ros tempos
COM PREVTLEGI
Retio de TRATADO DA SPHCRA compoiío pelo nuirmiilco P«dro Nunci. adido «ulnhcnilMa
dos 05 conhecimentos
geográficos herdados
dos árabes e dos gre-
gos. Na flora simbólica
dos ventos, a rosa de
Timóslhenes e de Vitrú-
vio passa a ter. com as
descobertas portugue-
sas, as trinta e duas
pétalas em que se divi-
diu a circunferência do
horizonte. Foi em Por-
tugal, na opinião insus-
peita de Azunl, que se
fÍKaram os princípios e
as leis segundo os
quais os navios pude-
ram orientar-se em to-
das as direcções da ro-
sa dos ventos, com o
auxilio da agulha ma-
gnética. Foi em Portugal
que se prepararam os
germens dos mundos
novos e os primeiros
esboços dos futuros pla-
nisférios, Fra Mauro é
o antepassado do car-
tógrafo português que
predeline no pergaminho
encomendado pelo em-
baixador de Ferrara o
continente american o.
desenrolando-o através
da teia de azimutes que
cobre o espaço oceâ-
nico e onde o Drasil
embrionário ostenta a
legenda pictural dos pa-
pagaios policromos e
das florestas estilizadas
pelo iluminator. Dila-
tando o mundo, criando
novas condições sociais
para a humanidade, con-
correndo para a meta-
PAINEL DO INFANTE
o rctrilo qut, nctte pBinel. d««d« logo •* no* impA», é o do Inlania D. H«nHqu«. Eilaa palnal* foram. tom •falia, pinta-
do* «fn aua honra «Co Inlanre quam domina no conlunio da obra, baatando para laao (onaldarar o luaar lio «Mcapclonal Qua nala
ocupam oa aaua amigoa t aicudalroa. a convertando-ae aaalm aataa painala na vardadalra apola4aa da D. Manriqua, vUio qua a aua
Vila naval da Sagraa « ho|e uma oaaada daalrofida a vlalo lambam qua noa -LUSÍADAS- a llgura cantral á a do Gama. Com o
ralrato do Infanta, aqui pintado do natural, como iodoa O* mala ratratot, <A aacap^Bo do da rainha D. I*abal, da quem D. Afonao V
«ra |i viuvo, acntlndo-aa qua dianla do manequim o ganlo do pintor arralacaul. aurga o Ciclo daa NawagatAaa porlu(|ua*ai. Cl-lo. pola.
■I, o Siblo « o HerOI qua «onhou a rcalltou todo o Imanao, cario • ratlactido aonho doa OaacobHmanloa. faiando matar i% ondaa aa
prlmatraa naua qua romparam a trava ocelnica - a aram comandada* paloa Itomana qua ao fundo do painal aa aprumam am Iam
nebra a aimple* poaiura, Rico* donatirlot, lanhorai da comanda*, - vaiicm oi «aua capofaa da bordo, aam uma Inaignla ou uma (ala.
D. Afonao V aloellta dianla do Santo, que lha aalt moalrando O Evangelho de S. ]olo. Oranda Inlalaclual, arilata, prddigo com pln-
lotat a crontalaa, D. Afonao V aparaca-noa com a eanillata dum mofO cavaleiro da Tavola-Radonda, a quem o aol africano loailra
o roalo. Enire al-ral aau pai c o tnlanie, um domai qua vIrA a aar o Mommm, na opinllo da laabal a CaiOlltai ~ D. )olo 11. A dlrelia
do Santo, a llgur* feminina poder« >ar a Duquaaa da Coimbra, viuva do Infanfa D. Pedro, ou. aegundo uma Intareaaanta Identifica-
cio propeaia, a Rainha Santa laabat.
lAPONSO LOPCft VIEIRA
IX
Introdução
mortóse das concepções astronómicas e geográficas, conquistando os mares como Roma con-
quistára a terra. Portugal é. nos séculos XV e XVI. um dos luminares da sciência. Lisboa aparece-nos
como uma nova Alexandria. Desde 1431, que o Infante instituirá na Universidade de Lisboa os cursos
de aritmética, geometria e astronomia, D. Duarte consagrara dois capítulos do Leàl Conselheiro ao cálculo
da tiora pela estrela polar. Os sábios portugueses regem cadeiras em Bolonha. Luvânia, Salamanca,
Bordéus e Montpellier. Sessenta anos antes da Alemanha. Portugal funda uma Universidade. Antes de
Paris, Lisboa tem prelos onde se imprimem os incunábulos. É essa alta sciência que prepara a epopeia.
É essa escola de nautas que realizará o milagre de transformar o humilde tecelão genovês no descobri-
dor da América. ^
A preocupação de n3o submeter ao mesmo ritmo a História dos descobrimentos nos dois he-
misférios e de ramificar a viagem milagrosa de Colombo à Guanahani. nas explorações do Atlântico
ocidental, tem colocado a quási totalidade dos historiadores sob o império de avassaladores precon-
ceitos, impcdindo-os. até hoje. de harmonizara verosimilhança com a versão histórica do descobrimento das
Antilhas e do Brasil. Todavia, já na dedicatória do Tratado em defensam da Carta de marear ao Infante
D. Luis, seu discípulo, o matemático Pedro Nunes, um dos grandes doutores do sapiente século XVI,
traçava os amplíssimos limites da obra gloriosa dos navegadores portugueses: *nam ha duuida que as
nauegãções d'este reyno de cem ãnos a esta parte são as maiores: mais maravilhosas : de mais altas e
mais discretas conjecturas, que as de nâhuma outra gente do mundo. Os portugueses ousaram cometer
o grande mar Oceano. Entraram por elle sem néhum receio. Descobriram nouas ylhas. nouas terras,
nouos mares, nouos povos; e. o que mais he: nouo ceu e nouas estreitas. £ perderam-lhe tanto o medo,
que: nem a grande quentura da torrada zona, nem o descompassado frio da extrema parte do sul com
que os antigos escriptores nos ameaçavam, lhes poude estoruar; que, perdendo a estreita do norte e
tornando-a a cobrar: descobrindo e passando o temeroso Cabo da Boa Esperança, o mar da Ethyopia,
de Arábia, de Pérsia, puderam chegar á índia. Passaram o rio Ganges fam nomeado, a grande Tapro-
bana, e as f/lhas mais orientais. TÍrar3-nos muitas ignorâncias e amostraram -nos ser a terra mór que o
mar e hauer hi Antípodas, que até os Santos duvidauam ; e que não ha regiam que nem per quente
nem per fria se deixe de habitar. E que em hum mesmo clima e igual distancia da equinocial, ha
homens brancos e pretos e de mu^ differentes calidades. E fezeram o mar tam cbam que nam ha quem
hoje ouse diser que achasse novamente alguma pequena ylha, algus baxos, ou sequer algum penedo,
que per nossas navegações nam se/a já descoberto.»
c tratado que bo oouroz Bero
nunc3 JCoímograpt» od TrteY ^^^<^ (<nbo2 fej
cmocfcnfamoacarta oc mareancõ orcgi
mérooaalmra.^ingido aomufío
cfaarcado: mu^to CTcelcn*
rc í^iinapc t» ^ffante
+ +
+
X
introdução
li
ENHUM técnico naval, a quem se lenha submetido a apreciação do problema da casuali- ^
dade ou intencionalidade da arribada de Pedro Álvares Cabral a Vera Cruz. deixou de
argumentar semelhantemente ao oficial da armada portuguesa e engenheiro hidrógrafo. '
Daldaque da Silva, pronunciando-se a favor de uma intencionalidade manifesta (8). No ha
estado actual dos estudos históricos, parece mais do que nunca difícil sustentar a tese ' ' '
esdrúxula da casualidade, tam ardentemente defendida, há setenta anos, pelo poeta Gonçalves Dias (9),
e principalmente animada pelas presunções do grande Humboldt (10), que reivindicou para a Alema-
nha a honra de haver sido a fonte escolar onde os cosmógrafos portugueses aprenderam a aplicar a
sciêncla astronómica às navegações (10 A).
Em três fases distintas se nos apresenta a versão da casualidade como factor do descobri-
mento. A primeira pertence o insuspeito depoimento de Caminha: dc S. Vicente até à ancoragem, na mi»k>hia
nenhuma menção de tempestade. A esquadra, depois das diligências para encontrar a nau desgarrada,
segue seu caminho até Vera Cruz. A essas porfiadas diligências atribui Antonio Galvão a perda da
derrota; <e indo fóra delia toparão signaes de terra por onde o capitáo-mór foi em sua busca tantos dias
que os da Armada lhe requererão que deixasse aquella porfia, mas ao outro dia virão a costa do
Brasil'. É uma versão inverosímil, esta que nos mostra a frota navegando desde as paragens do arqui-
pélago de Cabo Verde até cérca do litoral da América, à busca de uma nau tresmalhada. Nem Cabral a
procuraria fóra da derrota preestabelecida da índia. A passagem de Galvão presta-se, entretanto, a inter-
pretação muito diversa, que a avizinha da verdade. Sabemos por Vaz de Caminha que os primeiros
vestígios de (erra só foram assinalados na véspera do descobrimento de Vera Cruz. Se, pois, os da
armada requereram ao Capitão-mór que deixasse aquela porfia de tantos dias em descobrir a terra, é
porque os pilotos viam com inquietação o desvio considerável da nau capitania e presumivelmente ignora-
vam as instruções a que obedecia o almirante: o propósito de levar a esquadra até às terras ocidentais.
(8)- O Descobrimento do Brasil por Pedro AUnnes Cãbral. memória de A. Daldaque da Silva, publicada no volume
dc Memorias da CommissSo Português.! dâ Exposição Cohmbinã, comemorativa do Cenlt-nírlo do descobrimento da Amiínca.
e organizado pela Academia Real de Sciéncias dc Lisboa, 1892.
{<i) — Reflexões áccrcii d.t Mc/non-t do Uluslre senhor Joíttjuim Norberto de Sousa e Silf i ■sentadas ■ n <.so
de 26 de Maio de 1854 do Inslituto Histórico e Geográfico do Bnsil por A. Gonçalves Di.is A . i consei! >r-
bcrto de Sousa e Silva t hcada no tom. XV d.i «Revista Trimestral do Instituto* (I8S2). As /:, ;-Vwi,> de A, uon^alvci
Dias e a RetuuçJo do t-^ "O Norberto de Sousa c Silva t-ncontram-sc no tomo XVIII da mesma Revista (1855).
{\0)^E)iamen critique de 1'Mstotre de la géographie du nouvexu continent, por A, dc Humboldl. Paris, 1836-39.
Cosmos, idem. Paris, 1855-59.
(10 A>- «Dcpuis Mumboidl, le lond de la qiicstion esl rcsté Ic mime; on prétendail que les tables nautiqucs por-
lugalses soni basées sur les EpInímOrides dc Regiomontanus et que les insiruments de la m-irine sont ceux de rasironomie
de Nurembcrg . . . Soutenu5 par un ccriain nombro d auteurs porlugais qui, sans avoir tfin l - questioni. acccptaicnl le»
hvpothéscs d'Humboldl, les historiens elrjiií^er^ Miivironl la mémc voie: pour aflermir les p( on en ajoula mime une
nouvelle en atlribu.inl ã líeliaim le mt-riiL- d <ivGir . le calcut des latitudes aux marms poriuij.iii. L'histoire atnsi dclormée
coridui5.iit ã la conctusion que les Porlugaii avj.. ■ iqué de ressourccs asiroiiomiques et avaicnt cu recours a I ttrangcr
pour riísoudre des probleintjs qu'ils avaienl é\é lea premiers à poser, Cette thése, se rapportani à l époque la plus b ' le
l'hlstoire nationate porlugaise. iious a paru insoutenable. Nous nous sommes proposé d approfondir cc problemc et .1 /er
le cliemin aux íuturs hisioriens, en leur procurant quelques solides données ã subsiltuer aux hvpolhéses d Humboldl cl de
ceux qui Tont suivi». - W/sW/re de tã science nauUque porlugaise j répoque des Grandes Découueries. Collection de documents
publiés par ordre du Ministére de Vlnstruction Publique de la République Portugaise, par Joaquim Densaude. Munich, Carl
Kuhn, 1914. Vol. I, pág. 6.
PAINÉIS DOS PESCADORES E DOS CAVALEIROS
o painel do« Pe»cador«« dave representar o* lundadoree da Companhia de Laso*, organliada peio Infanre. veilldoe
como ae veetem ainda ho|e ot pc.cadoree porluaue.ea. que nem triplico encontram também oe aeua Iluairee evôi. embrulhado*
nas ride» -alguém o dis»e-como num manto real. No painel do» Cawalelro». a tlB«r« do belo velho pflde representar um do* eo-
brevivenlea de AUubarrota; eerlo bravo» fronteiros de Africa, companheiro» de erma» de el-rel. oe ouiro»: e. entre #1*». o loatado
cavaleiro do capscCIe, lalves O conde D. Duarte de Meneeee, alfcr«»-m4r>
Quando em nt» U«« a honre de reslUar uma confertncla no Mu»eu Nacional de Arte Antifla, a prop4»lla doa
quadro» de Nuno Oonçalve». conclui com eaiaa palavra» 1 - Nenhum pai» po»»ul em pintura ume elnteíe mal» nacional, mala
poderosa c mais bela do que e»l» que o» painel» de S. Vlcenl* represenlam para nd». Por uma de»»a» coincidência» que o daalino
pouca» veie» prepara, no momento em que a alma portuguesa, vibrante d* unidade, prOdlga de e»lftr(0. Uenla de canaeco» e de
crimee. desabrochava na sua mal» alia tloraçlo. um ma.lre de aínlo. um r.irall.la dotado com a» mal» alia» qualidades que lormam
um pfnior. lUou-a na sus mal» grave, mal» simple», mels porlugueea alllude. de modo que nfl» coniempllmo» a mal» bela Imagem
da Pílrla quando contempllmos esla» Tibua» Sagrada». , . _ . ^ , i,^,a.^,,^
t preciso Impor ao eaplrtto nacional este* painéis como uns novos .LUSÍADAS-, menos deslumbrantes do sol mitológico
da Renascença, mas mal. prd«lmo» por Uso do coraçlo palpltanlo d« «/ey; um evocador • maravilhoso poema composto com tlgurae
humana» -Avfls que no» enchem de orgulho « no» concedem ainda um pouco da sue calme contida e tremente : belos Anlepa»»adoa
que nos olham decerto com irUteaa. ma» tamb«m com alguma daquela «eperanca herdka cem que pela patHa aotreram e emaran.
AFONSO LOPES VIEIRA
XI
Introdução
Castanheda. Barros. Damião de Góis. Osório. Gandavo. Lafitau. não atribuem à tempestade
nem às correntes a derivação da esquadra para oeste.
"pedro de Maris nos Diálogos de varia historia (Dial. IV. cap. VIU); Rocha Pita. na Mistona
da America Portuguesa (Liv. I. pág. 6); Faria, na Asia (Tomo I. parte I. Cap. V); António Ca.tano de
Sousa, na M,stor,a Genealógica (Tomo III. Liv. IV. Cap. V). testemunham a tormenta, em que ampharam
o suéste. acompanhado de aguaceiros, de que resultou garrarem as naus |á ancoradas, na noite de 23
para 24.
A •MCMÒRIA>
ne DALOAOUC
OA SILVA
tf'
Finalmente. Raynal. na Histoire philoso-
phique et politique des étabhssemenfs et du com-
mercê des européens dans les deux Indes. (II) in-
sere na história do descobrimento do Brasil e lança
em circulação a palavra acaso (12).
É precária em história a hipótese que
contradiz a verosimilhança e os dados racionais e
scientílicos do problema.
Os argumentos reunidos na Memoria do
oficial da marinha de guerra portuguesa. Baldaque
da Silva, constituem ainda hoje a objecção técnica
irredutivel, apresentada à versão universalizada de
um descobrimento imprevisto. Êle prova que os na-
vios da expedição não foram arrastados para oeste
pela acção coérciva e insuperável dos elementos,
apoiando-se no próprio testemunho de Pero Vaz de
Caminha. Nem sinais de tempestade entre Cabo Ver-
de e Vera Cruz: *Seguimos nosso caminho per este
mar de lomgo ataá terça feira doitauas de páscoa
que foram XX dias dabril que topamos si/naaes
deterá. . . » Na estação do ano em que navegava
« Mir.Mi<^r a esquadra, as tempestades sopram, aliás, do noro-
este e do sudeste, afastando portanto os veleiros
da costa para o mar largo. A haver estalado tem-
poral, provindo dos quadrantes de fóra. entre os
rumos de NE e SE. teria durado alguns dias e tres-
malhado os navios, incidente que forçosamente fi-
caria registado nas cartas de Caminha e de mestre
loão e na relação do «Piloto Anónimo*. O tempo
de 28 dias em que a esquadra navega desde as
ilhas de Cabo Verde até ao Brasil demonstra as
condiçóes favoráveis em que se realizou a viagem,
no rumo sensivelmente de sudoeste (13). Igualmente
se prova que os navios não foram impelidos pelas
correntes aquáticas. O grande circuito marítimo do
Atlântico Sul, movendo-se de leste para oeste ao
largo do equador, inflecte para o sudoeste na al-
tura de Fernando de Noronha, desvia-se sucessivamente para sueste e
^^^^^
A rt
PA
MAi>
RETRATO DE RAVNAL
■egundo o original da raadiclo de I7M (Maaatrkk) úa MUIoIrt pM-
leste até ao Cabo da Boa-
(ii)~Mieitrick 1775,
1. ' , * 7 J ■ ' '* " ' " '"■''^^ oriente p^rj occuiente. cbega-se S deducçâo 4e que nÍo
na um eitemplo de desvio. ,íf,io ou l, que desoneriusse n.u'io. produzindo um grande erro de tongilude no
" orimu- IJ.IIJ occidente. t ji'iJ.i conseruam se frescjs js mi-rnonas das copiosis navegações de Africa
tuepodi.tm subir. nJo ficou u-sf,'munho de arnbjda e deson,-ntJiJo por causa de temporal, calmaria, corrente-
pI,;. *' '°f'^ <■'"'!'-"'•"" reiornauam ao ponto de partida, ou em suma realisau.im o seu destino,
l^ortanto. parece inadmissível que. dentre uma quantidade orçaiwi em 3 a 4 mil navegações, saltasse para fora da reora um
sà caso para tMcepçio singular*. Almimnle ). J. da Fonseca, Descobrimento do BrazU. a p^, 21 Rio 1995 ^
r^uat^r ÍÍ^L J.^^H'' ""^ disiance de soo tieus. au milteu de laquelle on a h tranverser la zone des calmes de
rí? VÍ , ^ ^'"P'oi>/i/ plus de lemps. Ce premier voyage au Br,H,l peut donc étre
citf aussi comme le premier .'xemple qui exist.- d.- lavanlage de couper la ligne dans 10' - LES COTES DUBRESIL oor
Eme.1 Mouchez. II «ecçio. pifi. 1I6, Noia. Paris. 1864. Dépòt des cartes et plans de la Marine OHtbIL. por
XII
Introdução
Esperança, o que tudo demonstra a nenhuma influência que poderia ter na aterragem da esquadrada).
Acrescenle se a estes argumentos o de correr para S5W com moderada velocidade, paralelamente à terra
e a pouca distância da costa, a ramificação brasileira do grande circuito do Atlântico austral, e o da
possibilidade, para os navios da frota, que eram veleiros e de pano latino, de abrir caminho para barla-
vento, vencendo qualquer destas correntes, e ter-se-á demonstrado a inanidade scientifica da hipótese
retórica da influência das correntes, porquanto as naus as leriam dominado se o destino da denota, com
vento próspero, visasse unicamente montar o Cabo da I3oa Esperança, para seguir para Calecut (15).
A outra hipótese de que os navios de Cabral foram desviados para oeste por erro cometido
na navegação, quer seja na orientação, quer no cálculo da latitude ou na estimativa da derrota percor- l l «umo
rida. revela-se igualmente inaceitável. As posições e orientação da costa ocidental da Africa e a situação
do Cabo da Doa Esperança eram suficientemente conhecidas pelas viagens anteriores, convindo não
esquecer que o próprio Bariolomeu Dias e Nicolau Coelho, companheiro de Vasco da Gama. viajavam
na esquadra. Torna-se assim pueril, senão impertinente, admitir que, ao fim de quási um século de inin-
terruptas e audaciosíssimas explorações oceânicas, os nautas portugueses errassem uma só vez na der-
rota, para descobrirem o Brasil, e caminhassem às cegas, como às vezes caminham os historiadores.
É inadmissível que os pilotos de Cabral não soubessem perfeitamente soltar o rumo. para ir dobrar o
Cabo. Não existe hoje um matemático ou geógrafo que duvide da tam provada sciência dos pilotos por-
tugueses. Orientando se a derrota pela agulha magnética e experimentando esta uma variaçSo para leste,
compreendida entre 5<» e IO© na zona e época consideradas, não podia também a pequena diferença do
rumo da agulha (mesmo desatendida a variação, já conhecida) influir e justificar o grande desvio para
oeste. A esquadra partiu do Tejo com rumo às Canárias, dado pelas agulhas de bordo, e passou entre
elas sem êrro de orientação, embora a agulha magnética houvesse já experimentado uma variação com-
preendida entre 5° e 10« para leste. A passagem pelo arquipélago de Cabo Verde realizou se com a
mesma exactidão (16). Continuando a regular-se pelas mesmas agulhas e dentro dos limites da mesma
variação, é inaceitável a explicação empírica de um èrro de rumo. proveniente da falsa mdicação das
(14)-A corrente do Gulf-Slream começa a fazer-se senlir cnire 50o e 30o de longitude oddenlal. 65o ou 70o de
latitude austral, caminhando para o sul do continente africano, onde se biparte, prosseouindo um dos braços para teste, com
prolonaamento ali ao oceano Índico, correndo o ouiro ao longo da costa oc.denta da ílHca. «"''^^ /ul-Norte ate ao gôll^
da Guiné e ãs regiões equatoriais onde muda de direcção, atravessando o Atlântico (sempre cobrindo a lintia). indo bater no
Cabo de S RooGe, Al se subdwide em duas correntes N. e S A tracção d«la corrente pelásgica. em cuia lona navegou
Cabral desde a passagem de S, Tiago de Cabo Verde, paralelo 15. mais ou menos, não podia arrastar a armada, corno demons-
frí Zeferino CiSdido na sua obra BR/ÍZ/i. a pig. 145 e seg. Admitindo porím. o absurdo de uma «^o^T^^^^^T^c ' R*J,fp ' I
milha por hora poder arrastar irresistivelmente as naus veleiras da esquadra, esta devena ir parar ao Calw «o^"*- «
nao a 170 Lai. S-. ou sejam mais de 12o abaÍKO da Lat. correspondente i posição daquela balisa geográfica. 0 *in^rane j ]
da Fonseca no MU estudo analilico DESCOBRIMENTO DO BRAZIL. observa ludiclosamente : 'uindo na bordada do sudoeste
fvistJ^t! tirrts^rJnts^^ Pernambuco, se nSo ao norte. S^o tendo ar,sudo. é claro que '''"''\Z"Z\7usdfr
e gue! portanto, não foi arrastado para occidente por força das çorrenteias que, ao conirano
seaiíem de Africa e logo se re<urvam ao longo da costa oriental do Brasil prosegumdo para o sul. conformando-se com o
límaTaté aSio'- de latitude, ponto de onde come(a a contra -correnteza ; deduzindo-se af.nat que o arrastamento serja evi-
'ZteJnte anís para o sul do cue para o occidente. Repete- se a propos,to a -Ota anda 'i^^""^
thiago a rumo do sussodoeste verdadeiro (22o30-) passa se umas 30 léguas 3o mar do cabo f J/^^y^f'/'"".^^ .^^i
7 S '" Aaoslinho precisa-se de fazer rumo de 25o a 26o sudoeste verdadeiro; para demandar Mucunpe Jo '""J*
de^zer runlodê 4o" sudoeste. Sab.do que 22030' é sussodoeste verdadeiro, o mais f geiro exame patente,a que 25* a 26"
sudoeste se '^^^^PJ^^^^^^^^^^^^ {irlnSi^^op^rSo^^c^onsidera caduca a hipótese do deslocamento
da esquadra?e Cabral para' oeste im^^^^^ ^Falsa é la uecçMa tradizione, chejl ^^.^/'JjPP^^J;^^^^^
trascZto inopmatamenle a ovest dei capo \/erde dalla forza delia correnli: la rota cosi ocadentale dei Cabral tu dovut, a
deliberato propósito-. Op. dt. pág. 276. Nota.
(15)- No Cap. I da Primeira Parte da sua obra BRAZIL. Zeferino Cindido, embora con^rfclo do P^Pf-^f.
rado de Cabral ern toca? uma terra preconhecida. explica como. na obscrvànda das mstniçôes níuticis. eslabeleddas pela
^xoeriéícia dos piKlos de Vasco da Oama. a armada leria avislado o litoral da América austral, ainda que J
r^^.^r ,lo do alm rante ^ A corrente batia a bombordo no costado dos navios, sob um angulo sensivelmente de 45o Estes
í MÍormaír/,am /iríw rumo de sudoeste, impellidos pelos ventos ponteiros de nordeste ou de pópa. Bella navegação era
iZYr^meZrdefeic^^^ epocha do anno. precisamente reconhecida, em que se aproveitava a monção duplamente
Vjvoràvel a l^^^^^^^ "ormtnZfo no Atlântico e à travessia do Golphão Indiano na quadra das monções do sudoeste.
Esta sciencia ''^'gfjJ^J^^^^^^^^ ZTeTm^^de^oTaTom q^ «Àju o descobridor do Brasil. verU spparel
TOo-lSLM^^^
nâo resolve o F^biema^ ^ verosimilhança as condições náuti^s em que «^t'*""^..^;^^*^^^
defendida por DaldlqS da Silva: um afastamento voluntário para oesle com o objectivo de locar as terras da América Austral
/.t^ n r„mn fòra até aí SSW SW 1 4 S. S. 1 4 SE., aproximadamente como se costumava ao ser escriplo o
,H i L/^r^ rde Duaíe Pache^^ para dianie mudou. -D. Vasco da Gama. escreve Gaspar Corrêa,
f smerj do c/^ or*« de p 3 t ^^^^^^^^ ^ caminho, que era cortar pelo mar largo
fez conselho com os mfSíres í P"^''" ""^ ..... ^n^vo resguardo por dobrar o cabo de Boa Esperança, e de
introdução
agulhas, para justificar a aterragem da frota à vista do monte Paschoal. Conhecendo as latitudes e os
rumos, navegando em paragens de fracas correntes marítimas e com vento próspero, é manifesta a
impossibilidade de Iam grande êrro no
cálculo ou estimativa do caminho nave-
gado, que desviasse a expedição tantos
graus para oeste. Realmente, como objecta
o autor da Memoria, cortando a linha a
oeste das ilhas de Cabo Verde e seguindo
para o sul muito ao poente pelo meri-
diano de 300. a oeste de Greenwich, com
destino a montar o Cabo da Boa Espe-
rança, seria precisa uma corrente aérea
ou marflíma constante, ou um érro sis-
temático para oeste, de 10 milhas diárias,
durante 15 dias. para desviar a frota
tanto para o ocidente.
A hipótese de um êrro come-
tido na navegação não apresenta funda-
mento, tanto pelo que diz respeito à falsa
orientação da agulha magnética, como à
errónea determinação das latitudes diá-
rias e das distâncias percorridas em cada
singradura: inadvertcncias, equívocos e
ignorância, tanto menos aceitáveis quanto
navegavam na esquadra pilotos conhe-
cedores do Allânlico sul e com a perícia
de Bartolomeu Dias, Pero Escobar e Ni-
colau Coelho. Nem caso de fòrça maior,
nem êrro náutico determinaram o desvio
da frota para oeste (17). Por exclusão de
partes, restaria a considerar, sob o ponto
de vista técnico, a única hipótese admis-
sível de um desvio propositado a cami-
nho do ocidente. É o que faz o aulor
da Memoria, com o mesmo rigor analí-
tico.
^í""' Pi^inieiramente. os antecedentes. ]á Vasco da Gama déra o ori
ir/f-r 'r-"^"' - ^s^t -t:t:f'
Cibftco d> uma parte do Arilnilco. moilrândo • Coata ocidental de Airica
• ■ ocidvnial do Draall, Indicando pOrlo teguro.
mrTri 1 1 r» I rnrrv»
oirir uma .i, abrigada que 3 áò dia c noilc de 23 de Abnh .Tr , '^^'";"*'*,P-»" ^ resolução de Cabral em pro-
t« nmcoT^, ; g ,o„os de lomgo ds coL SÍmJS- ^e llT. '^^"^''"'^ '^^^ P"'>fo^ rnandou o capitam leuan-
Umos per* tornar 490* e lenhM .... ■ . pers vetr se achauamos alguãa abrigada e Òoo pouso omde jouues.
??,>S '^^•'''^'■'VS'' «''«-'^^rST"''" Catrai. não menor, e vario
or ente. montou o «fro afnano. sem gue temporaes, cprrM/«;/oí ríLír/.; "'íf ^^^^""'^'"^•"'e do ocddente nauègou parm
V... . .. ftinuranle J. J. da Fon«ca, O Descohrmento do Brasil, « pia. 30. * " occiderMe, um* outra
XIV
Introdução
há indício de ali ter entrado, nem vestígio de haver dali saldo. No maço i.» de Leis, sem data, n.» 21,
do Arquivo da Tòne do Tombo, existe, sim. um fragmento de instruções, mas começam na parte referente
a Angediva. Se o excerto publicado por Vamhagen era autêntico, iconstituíria a parte anterior do manus-
crito incompleto da Tôrre do Tombo? As informações insuficientes de Vamhagen sôbre a origem e
aquisição do documento são lastimáveis, por não bastarem à orientação de novas pesquisas que enca-
minhariam, porventura, outros historiadores ao encontro de preciosos e desconhecidos manuscritos.
A perda, no nosso tempo, de um documento desta valiosa espécie, possuído por um historiador da
probidade de Vamhagen (embora tam omisso na referência às fontes documentais) serve para exemplificar
o extravio de tantas outras páginas capitais da história dos descobrimentos portugueses.
Eis a passagem do fragmento das instruções, reproduzido na 1.» edição da Historia Geral do
Brasil e a que o autor da Memoria faz indirecta referência, sem suspeitar da fonte em que Mouchez
colhera a informação: «... faram seu caminho direito a ylha de sam tiago e se ao tempo que ahy
chegarem tenerem agoa em abastança para quatro meses não devem oousar na dita ylha nem faser
nenhuma demora soomente emquanto lhe o tempo sert/yr a popa faserem seu caminho pelo sul e se
ouverem de guynar seja sobre ha banda do sudoeste. (A margem) — 5e tomarem antes a çlha de sam
nicolao no caso desta necessidade pela barra da ylha de sam tiago. — E tanto que nelles deer o uento
escasso deuem ir na volta do mar ate meterem o cabo de booa esperança em leste franco e dy em
diante navegarem segundo lhe servyr o tempo e mais ganharem porque como forem na dita paragem
nom lhe myngoara tempo com ajuda de noso senhor com que cobrem dito cabo. E por esta maneira
lhe parece que ha navegaçam sera mais breve e os navios mais seguros do busano e isso mesmo os
mantimentos se teem milhor e a gente yraa mais saã.»
É evidente que se pretendia com estas instruções evitar não só as calmas e trovoadas da
costa africana, como fugir das tempestades desencadeadas na região circunvizinha do Cabo Tormentoso,
derivando os navios para o largo. Os conhecimentos experimentais revelados nas instmções. relativamente
aos ventos, calmas e correntes marítimas do Atlântico, representavam aquisições das viagens anteriores
e testemunham que as viagens portuguesas de exploração obedeciam a um rigoroso plano sistemático e
admiravelmente concebido, orientadas por um manancial de conhecimentos, derivados da prática e da
observação, o que tudo explica o arrojo magnífico de Vasco da Gama em soltar o rumo a meio do
oceano, engolfando-se pelo Atlântico sul, a grande distância do litoral, abandonando o primitivo processo
de exploração, costa a costa, como se quisera imprimir a essa destemida resolução o significado simbó-
lico da conquista definitiva dos mistérios oceânicos, uma vez que já sabia onde terminava o continente
africano e ia encontrar, amplíssimo, o caminho triunfal que conduzia à fndía as naves portuguesas: as
primeiras que transportavam por mar os homens da civilização ocidental até entre os povos da civili*
zaçâo oriental.
Varnhagen, a pág. 71 da 2* edição da sua História, refere-se ao fac-simile da primeira fôlhã
do rascunho ou borrão das instruções dadas a Pedro Álvares Cabral e publica êsse fac-simile.
Em face dêle foi feita a reprodução e versão paleográfica, publicadas nas páginas seguintes,
sendo a cópia não sÓ quanto possível ipsis literis, com abreviaturas desdobradas, como até subordinadã
à disposição de páginas e linhas do original. Do seu contexto se deduz claramente que estas supostas
instruções não são mais que notas tomadas pelo secretário de Estado, Alcaçova Carneiro, ouvindo o
parecer de Vasco da Gama como perito experimentado na viagem Ei-las:
ANTÓNIO DAlAO
XV
Introdução
C7
o.
-9^
XVI
Introdução
Esla he a maneira que parceo a vasco da
gama que deue teor pedrealvarez
em sua yda prazcmdo a nosso senhor
Item primeiramente ante que daquy parta
fazer muy bõoa hordenan^a pera se
nam perderem huuns nauyos dos outros
nesta maneira
saluo se allguua das
naaos nam sofrer
também a vella
como a do capitam
e a força do tenpo
lhe rrequerer que ha
tire
se estes nauios partymdo
desta costa se perderem
com tenpo huus dos outros
com tenpo que huus corram
a huu porto e outros
a outro A maneira pera
se ajuntarem
E nam lhe fazendo do
norte os ditos synaes
altgiin dos nauios
nem no vemdo pella
vos fares com todos os outros
se tornaram ante a Ilha
de sam nicolao no caso
desta necesidade pela
doença da Ilha de sam
tiago
A saber cada uez que ouuerem de vyrar fara
o capitam moor dous foguos e
todos lhe Responderam com outros dous
cada huum. E depois de lhe asy Res
pomderem todos viraram E asy lhe
terá dado de synal que a huum
fogo sera por seguir E tres por tirar
moneta E quatro por amaynar
E nèhuum nam virara nem amaynara
nem tirara moneta sem que primeiro
o capitam moor faca os ditos fogos
E todos tenham Respomdydo E depois
que asy forem amaynados nam guyn
dara nèhuum senam depois que ho
capitam mor fizer h'es fogos e todos
Responderem e mynguando aliguum nom
guyndaram soomente andaram amay
nados ate que venha o dya porque nom
poderam tanto Rollar as naaos
que no dya se nam vejam E por
saparelhar fara qualquer que for desaparelhado
muytos fogos por tal que os outros nauyos vaão
a elle.
o vosso caminho direito a agoada de sam bras
Item depois que em bõoa ora daqui partirem
faram seu caminho direito a ylha
de samtíago e se ao tenpo que hy chegarem
teuerem agoa em abastança pera quatro
meses nam deuem pousar na dita
ytha nem fazer nêhuuma demora
soomente em quamio lhe o tenpo seruyr
se os nauyos partindo
desta cidade ante da
trauasarem aas
canaryas os tomar
tenpo com que ajam
de tornar faram
todo o posyuel
por todos tomar
a esta cidade E se
aliguum a nom poder
aver trabalhara
quamto poder de tomar
Setuuel E dhonde
quer que se achar
fara logo aqui sa
omde he pera lhe
ser mandado o que
faça
E aiy em quanto tomardes
agoa vos poderá ho
dito nauyo encalçar
E nam vos encalcando
partires como fordes
prestes e leixar lhe es
hy taacs synaes
pera que sayba quamdo
aly chegar que soes
pasado e vos siga
XVII
Introdução
">AO^ i^^^-^
XVIll
Introdução
A popa fazerem seu caminha pelo sul
E se ouuerem de guynar seja sobre
ha bamda do suducstc E tanto que
neles deer o vento escasso deuem hyr
na volta do mar ale meterem o cabo de
bõoa esperança em leste franco
E dy em diante nauegarem segundo
lhe seruir o tenpo e mais ganharem
porque como forem na dyta parajcem
nom lhe myngoara tenpo com aíuda de noso senhor
com que cobrem o dito cabo E per
esta maneira lhe parece que a nauegaçam
sera mais breue e os nauyos mais
seguros do bussano e jsso mesmo os
mantymentos se teem mjlhor e a jenie
yraa mais sãa
e ouue que se deue
dar marcas
domde se façam
os caminhos pêra os
nauios que se asy
perderem e que jsto
se fara com muy
booa pratica de
todolos pilotos que
E se for caso que nosso senhor nam queyra que
allguum destes nauyos se perca do
capitam deuesse de ter de loo de loo
quanto poder por aver o cabo e hir se
a agoada de sam bras E se for
hy primeiro que ho capitam deue se
damarar muy beem e esperallo
porque he necessário que ho capitam moor
vaa hy pera tomar sua agoa pera
que dy cm diante nam tenha que
fazer com ha terra mas aRedar se
delta ate monçcnbique por saúde da
jente e nam ter nella que fazer
E se for caso que o capitam moor venha
primeiro a esta agoada que ho tal nauyo
ou naujos que se delle perder
M: I ■ I .(
Introdução
ÉSTE o momenro de considerar os esforços com que se empenharam alguns histo-
riadores para exlraír da própria derrota de Vasco da Gama argumentos concludentes
da intencionalidade do desvio de Cabral para oeste. Essas tentativas foram inspiradas
na louvável intenção de corrigir os equívocos patentes dos humanistas e apresentar
uma versão do descobrimento de Vera Cru2 em concordância com as objecções dos técni-
cos navais. Compreendeu se que a tese da aterragem ocasional estava gravemente desacreditada. Avulta
cada vez maior o êrro inadmissível que simullâneamente aceita como facto averiguado a problemática
viagem de Pinzon aos litorais do Brasil setentrional e persevera em considerar que só por acaso a grande
armada portuguesa da índia, desviando-se do seu rumo e navegando para oeste, sem haver feito aguada
em S. Vicente, descobrira as terras da América austral, já procuradas pelos sucessores e émulos do
descobridor de Pária.
Analisando a derrota de Vasco da Gama e a notícia dos sinais de terra, consignados no Roteiro,
a 22 de Agosto, indo a esquadra «na volta do mar ao sul e a quarta de susoeste», Zeferino Cândido
supunha cortar o nó górdio do problema, escrevendo: «fasco da Gama ia na trilha nova, recommendada
e definida petas suas instrucções. que todas Itie ordenavam que cahisse para loeste. quando a sua mira
lhe 'jrj leste. Largando de S. T/iiago de Cabo Verde, em 23o e 30' de Longitude O. G.. no rumo
de síi . , .. . o corte da tinha ha de collocar-se a mais de 25°, talvez por 30° O. G. . . O que fazia l/asco
da Gama por taes alturas, vindo de Lisboa a Cabo Verde, de S. Thiago calúndo para oeste, tomando o
rumo de sudoeste? Isto para passar ao sul da Africa em viagem para o Oriente? Era o novo methodo
de marinhar pelo Atlântico pela utilisaçâo dos ventos que no hemispherio do Sul sopram para leste com
diversas inclinações, segundo a latitude e ainda segundo a época do anno. Esse conhecimento, levado a
Lisboa por Bartholomeu Dias. dera a Vasco da Gama as instrucções pelas quaes se devia guiar para
abrir o novo caminho. As ilhas de Cabo Verde ficam marcando a primeira estação depois de Lisboa.
Dahi. com o rumo de sudoeste, tocado pelos ventos favoráveis do norte, corta se a linha na mais propicia
ir 'O. Agora. eslJ se na região onde os ventos do norte e do sul se chocam, formando correntes
in< ji..jres. por veies tempestuosas. Ahi.épreciso bolinar, procurando os alisados do sul (aliás os ventos
geraes e nào os alísios do hemispherio sul), e. uma vez na sua região, voltar-lhe a popa e dcixar-se irá
sua mercê, /ia-de bater-se na costa da Africa, em ponto mais ao norte ou mais ao sul, segundo o ponto
de loeste onde se fez a reversão. Vasco da Gama. ao passar a linha, na região dos ventos irregulares,
foi batido pela tempestade, que lhe partiu a verga; andou muitos dias bolinando, com amuras a bom-
bordo e pairando com o troquefe e o papa figo; foi quando andou procurando o ponto de reversão, do
qual, largando a pôpa aos ventos, fosse dar no sul da Africa . . . Vasco da Gama virou de um ponto
situado muito ao norte. Resultou dahi que, em vez de montar o cabo, foi dar na bahia de Santa Helena,
5* proximamente do Cabo ou do ponto que procurava. É o que podemos chamar o erro de Vasco da
Gama. contra o qual elle não deixaria de prevenir Cabral, que lhe veio na esteira e debaixo das suas
instrucções. Se não fôra esse erro. o descobridor do Brasil teria sido Vasco da Gama; como ainda e
muito naturalmente seria cUe o descobridor se não fôra a tempestade que o perseguiu e destroçou. Não
fôra esse desassocego. seu, dos capitães e da maruja, elle teria dado a verdadeira importância aos signaes
de terra, que os garções lhe mostraram no dia 22 de Agosto de 1497... Fique assentado que Vasco da Gama
andou ao lado da terra do Brasil, justamente no mais difficil momento da sua viagem atlântica, quando
procurava o seu ponto de reversão, quando se achava no encontro dos ventos dos dois hemispherios...* (18).
(II) -Zeferino Cindido, Brasil, a pifi». 129 e seguintes.
PAINEL DO ARCEBISPO
Rodaado paio mau CabMo. o Arcablapo. Sagundo Idanllllcacftca propaataa, variamos, i diralta do Santo, o Infanta O.
Farnando. Irmlo dal-ral. a na riflura que pouaa am aua franla. o condaaiaual O. Padro, lilho do llutlre morto da Allarrobalra. a Cio
prAprlo pocla « «aplillo llloaúlico.
ArONSO LOPES VIEIRA.
XX
Introdução
Esta primeira tentativa, com o sentido de explicar o desvio voluntário para oeste da armada
de Pedro Álvares Cabral, não atingiu o objectivo.
Embora aceitando se os pontos de vista do historiador, que reconstituem as instruções náuticas
e os pormenores da grandiosa manobra, instituída por Bartolomeu Dias para a montagem do finisterra
africano, é preciso distinguir entre a viagem de 1497 e a de 1500 o propósito que, nesta última, parece
ter havido, de reconhecer a terra ocidental e verificar a sua inclusão na zona portuguesa da demarcação
de Tordesilhas (18 A). Não podia ter sido apenas para evitar a repetição do chamado erro náutico de
Vasco da Gama que a segunda armada da índia aproou tanto para ocidente. Vasco da Gama dirigia-se
O Itinerário de Vasco da Gama (1497) segundo Ravenstein. Journal of tfie fírst voyage of Uãsco da Qãmã 1417 — 9.
Translaled and edited wilti Notes, and introduclion. and Appendices by E. 0. Ravenstein. tiakluyl Society (Londres (I89S)
à índia e estava excluído dos seus desígnios reconhecer quaisquer terras cujos vestígios lhe fossem
assinalados no decurso da viagem. Cabral levava, segundo os técnicos navais depreendem da derrota,
instruções para reconhecer as terras firmes do Ocidente, para onde começavam impacientemente a diri-
gir-se, após o achado de Pária, os navegadores espanhóis.
Quanto a haver Vasco da Gama navegado nas proximidades da costa do Brasil, a referência
do Roteiro não autorisa essa suposição. Confundiu-se na análise dessa passagem o susoeste (SSE) com
susudoeste (SSW). As aves. «feitas como garções», voavam para as bandas da África e não para os
litorais da América.
Esta constatação inutiliza a tese de Zeferino Cândido que. na dissertação histórica, composta a
convite do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, por ocasião do 4.» Centenário do descobrimento
do Brasil, ainda impressionava o auditório, assim exposta; «O Gama passara a região equinocial batido
(19 A)^ «fra bene naturale infatti c/te il Portogallo. dopo U irjffitn dl ToráesiUas, inuiasse sue navi a ricereart
se qualche terra oltreocc^nica esistesse per lui di qua detla r.iy.i (Imea di p I: e fe inuiasse, piultosto che a ponente
dove le due prime navigazioni di Colombo auevan dimosirato ffiacere ogni ■ ; là delia raya ...» Carlo Errera, L'Epoca
delle Grandi Scoperte Geografiche. a pág- 277. Nota. Miiào. 1902.
XXI
Introdução
pelã tormenta: soffrera grossa avaria na sua S. GABRIEL, e. nesse estado duas vezes lamentoso, perce-
bera distinctamente signaes de terra: andava ao lado da terra brasileira, que condições inmsiveis lhe não
permittiram procurar. . . \/iesse em monção apropriada e favorável, de boa viagem, sem incidente e sem
damno. . . e Vasco da Gama não largaria a Cabral a terra que as aves lhe iam mostrando no seu bater
áã tardinha. A prâa da S. GABRIEL, voltada ao rumo dos garções, abicaria em terras brasileiras tres
annos antes do facto histórico qi nos commemorando.»
]á anieriormcnte ao li. iv.ii..dor português, o almirante ). ]. da Fonseca encarara a mesma
hipó)ese(l9) e admitira que o Gama leria podido avistar as terras americanas: •Proseguindo de Cabo
Verde a 22 de Agosto de 1497, vindo já na bordada do sudoeste com brisa franca de nordeste. Vasco
da Gama andou pelos 30° de Latitude, demorando lhe o Cabo africano quasi a leste, sendo 45 o a rela-
tiva differença de Longitude, sem que temporaes, calmarias, correntezas o arrastassem para as partes do
ocidente, cujas terras, mais ou menos enfumaçadas aos 8° e 10'> de Latitude S., houvera enxergado, no
caso de possuir um bom óculo de alcance.»
A estância IV do Canto V dos *Lusiadas»:
De Mauritânia os montes, e lugares,
Terra que Antheo n'hum tempo possuío,
Deixando á mão esquerda, que á direita
Não ha certeza d'outra. mas suspeita,
icontribuiu para emprestar à passagem do Roteiro semelhante interpretação? É provável. Mas Camões
nao atribui à viagem de Vasco da Gama a origem das suspeitas sôbre a existência do continente oci-
dental antáriico. Eram elas anteriores â »'iagem e iá lhes encontramos os indícios nas negociações do
Tratado de Tordesilhas, que remonlam a 1493, como testemunha a carta dirigida pelos Reis Católicos a
Colombo, datada de 5 de Setembro desse ano. na qual se alude à persuasão dos delegados de Portugal
da existência de ilhas e terra firme, a ocidente da Mina, da Guiné e do Cabo da Boa Esperança (20)
Entretanto, a errónea mierpretaçâo do Roteiro divulgou-se e adquiriu fóros de indiscutível (21)
Que Vasco da Gama se tivesse aproximado da costa do Brasil não 6 impossível, conquanto não prová-
vel. O que nâo pôde é mfenr-se que. a 22 de Agosto, os tripulantes vissem voar as aves aquáticas para
a terra americana, pois que elas se dirigiam para o lado oposto da América. O estado actuai da critica
histórica, aplicada a essa passagem do Roteiro, está assim resumido pelo Dr. Luciano Pereira da Silva-
.0 susueste é SSC e não SSW. susudoeste. As aves dirigiam-se, pois. para as bandas da Africa e não
do contmente amencano Para onde? Para uma ilha: a ilha de Tristão da Cunha, segundo Ravenstein
iJn^JZZí / T^'J^'/"<i^J^'" <io.s dias a pairar e estarem a 22 de Agosto a 800 legoas. Ravens-
tem (22) entende que esta data deve ser 22 de Outubro.*
Oliveira Martins arquitectou outra versão da in-
tencionalidade, segundo a qual à curiosidade do comandante
da esquadra de 1500 se deverá atribuir o descobrimento
O historiador mostra-nos Cabral dirigindo a armada rumo
ao ocidente por seu alvedrio, sem tomar aguada em Cabo
Verde, saindo da derrota, demorando a viagem e correndo
os riscos fatais da sêde à procura de uma terra desconhe-
cida, mas suspeitada, qual um novo Colombo: -por debaixo
das bravas ondas, por saber os segredos da terra e os
mysterios e enganos do Oceano, os Portugueses, com a sua
curiosidade heróica, tomaram em suas mãos o futuro da
Europa e do mundo. No anno seguinte ao da descoberta
da India. Pedro Alvares Cabral, que para lá fôra mandado
com uma imponente esquadra, não resiste â tentação da
curiosidade. Descendo no Atlântico, em direcção a Leste
!iI!l"L ' ^o^^. Descobrimento do Brjsil. Rio dc Janeiro. ia95
ao - Navarrete. Coilrcaon de los vi^,es que h.acron por m.,r tos Espaíiotes Vol II díq io9
Introdução
nn ^""""^^^ inaceitável. Os descobrimentos portugueses não foram uma aventura e iàmais.
no vasto c.clo das navegações, se viu um comandante desobedecer às instruções que re etr^ e Ze^
de P.To K ' ^^^^"^^ 'anotas. Demasiado árdua se apresentava a missão
esqu^d a d comérdo" ' d''''"'"" ^''^^ comandandVa m s mpo ente
esquadra de comércio e de guerra que la sulcara o Atlântico, para que ainda a dificultásse dilatando a
.mensa v.agem a busca de uma terra nova. Se a procurou, é porque lho tinham ordenado
TESE da intencionalidade, hoje avassaladora, assenta em argumentos bastante menos
precários. O orador oficial. Dr. Alfredo Nascimento, na sessão solene de 22 de Abril
iS * ^^""^^"o"' ''""■'^ ^^"'^"^"0 do descobrimento, promovida pelo Insti-
tuto H,stónco do Rio de Janeiro, reconhecia que .tudo leva a riscar da Historia a
nicas f...nd. c arrebatamento involuntário da esquadra pelas desconhecidas correntes ocea-
conscilní^^^^^^ '''í ' ^""rf^/n^n/o que Cabral não estava desviado do rumo que seguia
C.br.l oh?, w!?"'"*^ ^' ^"''^ «""='"5065 de que ^não foi a derrota de
?en eL nL^^^^ se.rfo .//á^ de ptanejado reconhecimento, e de que .nem calmarias, nem cor
rentezas. nem venta mas podenam causar um tal desvio ou desorientação nunca vista>(23)
Realmente, a manobra de reversão não obrigava os pilotos experientes de Cabral a amarar
nn . T 'rn H " ""'"^ ' '^^"^'^^ "'"'^^ ^^"°»^ ^-^^ africano (24). Tendo em
TLl ^"f '^.'^^^^^ ""T" ' ''"^''"^ ""^ C^""'"»-^ "^-^ o descobrimento
de terra, o desvio da armada para oeste apresenta o convincente aspecto de um acto intencional
A defesa técnica desta intencionalidade conclui que. fazendo-se os gerais de SE, na estacão
considerada, muito para E depois de ultrapassada a linha para o sul. e justificando-se o desvio pa^
rn'i;roZtrH/'',''"*'^T '^"^ ^ aproveitado aquela circunstância favorável
do alargamento do vento, para barlaventear na direcção do Cabo da Doa Esperançado que não fez por
quanto arribou para o ocidente, em direcção oposta àquela que deveria seguir, se pretendesse simples-
mente montar o Cabo africano.
A admissão desta tese implica o conhecimento anterior -e aliás pouco surpreendente das
terras ocidentais. Cabral teria. pois. largado do Tejo com uma dupia e grandiosa missão- reconhecer os
territórios reivindicados e obtidos em Tordesilhas. (24 A) e inaugurar em vasta escala as relações oolíticas '
e comerciais com a Índia. Numa só viagem (que já não seria, como as anteriores, de exploração mas
de comercio, conquista e diplomacia) o pequeno Poriugal ligava os povos do continente europeu com a
•quarta parte' do mundo, que o rei ^mandou descobrir além do oceano por a elles ser incoqnvta> (25) '""^
e estabelecia as carreiras marítimas com os países das especiarias, ao tempo em que Colombo continuava
a milhares de milhas da Asia, procurando no gôlfo do iWéxico a passagem para Cathav e Cypanao oor
entre as *insulis índia supra Oangem> (26). t»- a . k
Esta é a única solução que harmoniza o parecer unanime dos técnicos navais com a realidade
III'; M
'■ 1 »KA& AU »
— Descobrimento do Brasil, Rfo, 1895.
(21) - No Cap. V do Quarto Livro do tsmeraldo de Situ orbis. a grande obra de cosmoorafía ou* Duan,. P^rh»™
Pereira dc.KOu inaniiscnla. e de que há duas edições recentes, feitas seguAdo os apõgralos Ls oTtSecl PúbliS do
c Lisboa (a I.» de 1892 prcfaoada e comentada pelo conservador do Arquivo da Torre rio Tombo Sael EdSo d/Lf^^^
Dasio: a 2.» de 1905. editada pela Soc.edade de Geografia de Lisboa, com anotações cn.ic^s de AuS^Mo EDitrnio di^l^
Dias) encontra-se com o titulo de Do qu.nlo Iwro do esmeralda dc s,tu orbis como se deve faíero camwho do c.ba u^7m
parB 3 /nd,j pelo golfom. a descnç^o da riavegaçâo -dc longo, no Atlântico para contornar o cabo Bm EÍpei^^^
(24 A) — C(. Errera. 1'Epocj deite Grandi Scoperte, a pág. ZTi.
C2b) — Esmeraldo de Situ Orbis. Primeiro Livro. III cap.
. ■ í^^í ' ^^^^ Cristóvão Colombo, dirigida a Gabriel Sanchez, tesoureiro do rei D. Fernando de Castela jiA Hi<n„,^
XXIII
Introdução
, , nos aconlecimcntos e até nos documentos históricos (27). Desde a passagem do
^sivelment "'^%^^**J^;^^^^^^^ pereira. restituída à exada interpretação, na ediçào critica
deTugusio f p.fan.o da Silua Dias. publicada em 1905 pela Sociedade de Geografia de Lisboa até à
«rirde Pascualigo c ao planisfério de Cantino (1502). os mdicios do conhecimento da América Seten-
Sonal Centrai e Austral multiplicam se e impôem-sc à atenção dos historiadores, esperando ainda a
Sacão numa ampla e reícita narrativa das explorações do Atlântico ocidental, que. tendo por sóhdos
Donios de apoio os copiosos vesligios históricos da verdade, desvende, de acôrdo com a verosimilhança,
os transparentes mistérios, aglomerados nesta página capital da história do mundo.
PROBLEMA histórico -geográfico do descobrimento do Brasil aparece singularmente sim-
plificado se transferirmos para as negociações decorrentes do descobrimento das Anti-
lhas por Colombo, concluídas no Tratado de Tordesilhas, o ponto de partida de tòda a
exegése crítica retrospectiva e subsequente.
Se nâo ficou documentada a intencionalidade da arribada de Cabral a Vera Cruz,
isso dcve-se. presumivelmente, tanto à perda da carta de Pedro Alvares ao soberano, como à politica de
mistério que sistemàticamente se aplicou às navegações portuguesas no sentido do poente. Entretanto, a
aceitação da tese generalizada da aterragem ocasional encontra-se detida perante obiecções tam sóhdamente
concatenadas, que a enfermam de uma evidente inverosimilhança (28). O conhecimento, anterior a 1500, da
existência das terras ocidentais, a que aportou a frota de Cabral, não só se deduz das explorações espa-
nholas ao sul de Pária, mas ressalta do simples confronto das derrotas das armadas de 1497 e de 1500.
Aliás, iá Alonso Hoieda partiu em 1499 de Espanha com a recomendação expressa de não tocar nos
lerritórios de Portugal. ...
Para se ter noção mais exacta da enónea interpretação, dada até hoie pelos historiadores à
presença voluntária da segunda expedição à índia nas aguas brasileiras, é preciso cotejar os aconteci-
mentos anteriores com a versão da casualidade, originada entre os eruditos pela leitura dos cronistas, aos
quais, manifestamente, ficaram ocultos os arquivos secretos onde se guardavam os documentos iniciais
das navegações para o Ocidente, conjecturalmente com o duplo fim de não distrair os esforços empenha-
dos no empreendimento nacional asiático e para não atrair a concupiscência das outras nações, acesa pe-
los êxitos marítimos da corôa de Portugal. Tudo faz crêr que os cronistas não leram os relatórios dos
capitães e pilotos, relativos à América do Sul, compreendidos no período do reconhecimento e explora-
(27) — O caplllo de mar c guerra, conselheiro Erncsio dc Vasconcelos, secretário perpétuo da Sociedade de Oeo-
grafta âc Lisboa, auim expõe o contunio de drcunslÂiicias em que sc apresenta i apreciação técnioi o problema do des-
cobrimento :
• Coni^ii ^Tguns )1 tcnIv^'Ti :^^:T vin que o ('''^cr^brímento do Brasil nSo fõra um tacto casual, é certo que muitos
•Inda cr^m qn devido a un l- que s. < os navios dc Cabral para cesto. N3o 6, portanto, de estranhar
quf 1' ' iMiiia cm imii.^" .i «^iLf foi um ; .n^ .í/o aquele descobrimento. De todos os nossos roteirlstas. um
do -r c experiência c Du.irte Pacheco, o celebre autor do Esmeraldo de Situ Orbis, uma das mais
ptv<.ii.' ' '<o. cm que o autor se revela um occanógrato de subido valor da sua época. Prova-o o
frinct/ lido o cipilulo 2 o. ao tratar da díscuísJo dj grandeij da pjrle sólida e da liquida do globo.
■ido dc ternis a teste e a oeste. e. nessa sua ideia al se encontra a passagem que a
i(iic, cm I49S, já se sabia da existência de terras a sudoeste do Oceano:
«... ff Miem do que dito hf, ha experiência que tie madre das cousas, nos desengana e de toda duvida nos tira;
t por tanto bemaventurado Príncipe, temos sabido e visto como no terceiro anno de vosso reinado do hanno de nosso senhor
de tnil quatrocentos e noventa e oito. donde nos vossa alteza mandou descobrir ha parte Occidental, passando alem a gran-
hachada e navegada húa tam grande terra firme, com muitas e grandes ilhas .i/acenfcs a cila,
- de /.trf(*7.t rf,t hnlia equinocial contra o pollo arlico e posto que sr/j assaz tóra. he grande-
' .I I. t' ut» / torna outra vei e vay alem de vnile e oito graaos e nieo de ladeia contra o
fi.' c tanto i: corre com muita longura que de uma parte nem da outra nem foi visto nem
sabido ho lim c cabo i. ' qual secundo ha bordem que leua he certo que vay em cercoyto por toda a Redondeza...*
E mais ab.i i aindA ;
«... i- hindo por esta costa sobiedita do mesmo circulo equinocial em diante per vinte e oito graus de ladesa
contra o potio antartico he hachado nella munio e tino brazil ... *
1^0 capitulo seguinte, tratando das partes do mundo conhecido, corrobora :
* ■ .^lífro "'''^uos cosmographos que a mesma terra por muitos annos andarom e doutras pessoas que isso
mesmo por w icam ha souberam em trcs parles notáveis ha díuidiram ; £ NA QUARTA PARTE QUE VOSSA
ALTEZA Al/lA^ L i i ^í^ . íilR ALEM DO OCEANO por a elles ser incógnita cousa alguma nom /alarom...*
(28) «Ha innos. o Instituto Histórico poz em discusslo a lese: se o descobrimento de nossa pátria fôra ou nSo
devido a mero acaso. Um sócio concluiu pela negativa c cobrou foros dc exlravaganle e chovcram-lhc em cima as rclulaç6es.
Hote a ideia dc loaquim Norberto avassala triumphantcmentc * maioria.* O descobrimento do Brasil pelos Portugueses, por
Capistrano dc Abreu. Rio. 1900.
XXIV
1
MAPA DE LAFITAU
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Os ileneririo» de Vasco da Gama (1497) c de Pedro Alvares Cabral <I5O0) entre o arquipélago de Cabo Verrie e o Cabo
da Boa Esperança, segundo o Mapa de Lalitau nas 'Decouvtrtes et Conquestn des Portugiis dtm le Nouvf*u Mondei.
I
MAPA DE LAFITAU
Os ílenerários de Vasco da Gama <t497) e de Pedro Alvares Cabral (1500) entre o arquipélago de Cabo Verde e o Cabo
da Boa Esperança, segundo o Mapa de Lafilau nas •Decouivrtes et Conquestes des Portugsis dsns It NouvtJu Monde*.
Introdução
çào do litoral, (29) emquanto se procurou em sigilo a nova passagem para a Asia c a realização do
périplo americano, que Femáo de Magalhães haveria de executar em condições de uma trágica e épica
grandeza, que bastariam para testemunhar a férrea lémpera dos heróis da epopeia marítima lusitana.
Essas viagens misteriosas quási só as conhecemos pelas narrativas de Vespúcio (30), compro-
vadas no planisfério de Canério, e o nome do florentino não figura em nenhum dos documentos conser-
vados na Torre do Tombo, que perpetuam a memória de tantos pilotos estrangeiros. Os historiadores
nunca diligenciaram investigar e relacionar as íntimas ligações dêsse facto tam significativo com o misté-
rio que já anteriormente cercava as expedições transatlânticas para o poente, nos dois hemisférios, de
onde resulta a séria presunção da insuficiência dos cronistas como fontes informativas dèsse período.
Capistrano de Abreu, o historiador brasileiro que é, actualmente, a máxima erudição nos assuntos que se
referem ao primeiro século da existência histórica do Brasil, iá salientou nos comentários, apostos à 2.»
edição da MistorUi de frei Vicente do Salvador, a ignorância dos primeiros historiadores àcêrca de quanta
se referia às viagens iniciais (31). A navegação para o Brasil só deixa de ser um mistério quando se travam
os primeiros combates com os concorrentes, atraídos ao anúncio de Vespúcio, e quando se enceta a ex-
ploração mercantil e depois a colonização agrária do gigantesco domínio. Pôde afoitamente afirmar sc que
nenhum dos cronistas do século XVI conheceu, sequer, a carta de Caminha (32) e quando se vê um Gas-
par Corrêa, nas Lendas da índia (33), indicar a data de 25 de Março, dia de Nossa Senhora, como a da
partida da esquadra de Cabral do Tejo, fica-se surpreso e perplexo, ao verificar a submissão de tantos
historiadores nossos contemporâneos a êsses prolo-cronistas do Brasil, precàriamenie informados sôbre
quanto se refere às novas terras da coròa. e excedidos nos míopes conhecimentos pela espionagem dos
delegados de Veneza e da casa ducal de Ferrara, que já em 1502 surpreendiam e revelavam a concepção
portuguesa do continente americano (34).
ui- j^'* ^^"^ mesmo, ao que i fácil deduzir, contieceram a chamada narração do •pildio anónimo» da frota de Ca-
brar, publicada cm 1507 por Montalbodo nos Pae}.t nuov-iniente rtirovàli. E" csi.i a mesma narraliva Que serviu à tradução la-
tina de Grinco. publicada no Novus Orbis. (1532) e à colecção de Ramúslo. de onde foi lradii/id.i para a CoUnçSo de Notícias
para a Hísiana e Gcographia das Nações Ultramarinas, publicada pela Academia Real de Scii^n ' Lisboa c que P.irbo»a
Machado, na sua liibliollifca Lusitana, airtbui ao próprio Cabral. Sob o titulo llinerarum Pa .* tor .^ comp)la(ào dc
Montalbodo traduzida em latim, cm 1509. O que hâ ale agora apurado sôbre a publicação cm iDiia do to ■pilôlo anó-
nimo», em 1507, permite conioclur.ir-se que o serviço de espionagem, mantido em Lisboa pelas rcpúblii mas. era admi-
ravelmente organizado, pois ás diligiincias do embaixador dc Veneza lunto à côrie portuguesa. Giovanni Mjlteo Crético (ou
Lourenço Crético. como llic chama Humboldl, fundado em Tirabosclii). passou á Itaiia a narração do piloto de Cabral. Vide
Bibltotheca Brasi/iensc. de ]. C. Rodrigues, a pág, 432 c seguintes, na notícia bibliográfica da colecçlo de Montalbodo. c na
qual SC compendiam as copiosas informações, coligidas na Raccolta Colombiana.
(30) Desde 1835 a 1837. o Visconde de Santarém esforçou-sc por provar, em uma sírie dc rnmnniríçfle» k Socie-
dade dc Geografia dc Paris, derivantes de uma consulta que lhe dirigira Navarrete, a falsidade das . de Vcipúdo,
pretendendo deduzir essa falsidade do sUíncio que sôbre o navegador llorenlino manlinhain o» cronistas i locumentos con-
servados na Tôrre do Tombo.
(31) Frei Vicente do Salvador, historia do Brasil. íSOO-1627, nova cdIçSo por Capistrano de Abreu. S. Paulo,
Welsiflog trmSos, 1918. A pág. 6, o erudito comentador assinala: *Sâo-lhe desconhecidos (a trel Vicente) os documentos origi-
nae$ do periodo.»
(32) Publicada pela primeira vez por Manoel Aires de Casal, na sua Chorographia Brasílica ou relaçio fiistorico-geo-
graphica do reino do Brasil composta e dedicada a sua magestade fidelíssima por um presbítero secular do gram priorado do
Crãto. 2 tomos. Rio de )aneíro. Impressão Regia, 1817.
(33) Gaspar Corrêa tinha cinco anos quando Cabral comandou a expedição do descobrimento oficial do Brasil.
Ainda de menor Idade, embarcou para a índia, onde viveu, Éle mesmo o cerlillca {Lendas, I cap. pig. 2) quando escreve. *E
por haver deiaseis anos que a índia era descoberta quando cu a ella vim em moço de pouca idade, sem entendimento de
tomar este cuidado...' As Lendas da índia foram escritas entre IS29 a 1561.
(34) As cartas de Alberto Cantino ao duque de Ferrara. Hercules d'E3te. (17 de Outubro dc ISOl e 19 de Novembro
de 1502) e do embaixador Pietro Pascualigo ao Senado dc Veneza (18 dc Outubro dc 1501) e a seus irmãos (19 de Outubro
do mesmo ano) esláo traduzidas c publicadas nas Memorias da Commissão Portuguesa do Centenario do descobrimento da
America. Lisboa, Tipografia da Academia Real de Sciências, 1892.
PAINÉIS DOS FRADES E DA RELÍQUIA
No painel doa Fradei, vtmo* o* cKrlsos i*rradoi da Ordam d* CUKr, antre o* quai* o valho a belo monflc tarA o Dom
■ bad« da Alcobaça, a o frade da barba*, atgum que acompanhou O. Atonto V nai aua* rcpcHdai expedlcOvi. No patnel da Relíquia,
aailin chamado por nele aer exibida, pelo clérigo ajoelhado, a relíquia do marilr 8. VicenK. encontra-**, com um livro aberto, que
poderi aar uma SIblla ou um tratado aatroldflico, uma liflura d* |ud*u, cu|a preaenca nlo 4 ali claramcnta «aplicável.
AFONSO LOPES VIEIRA.
XXV
Introdução
Éste êrro de visão em que permanecem muitos historiadores é tanto ^aiy"^^^.*!'"';^^^
terras, cuia posse Portugal acautelara nas estipulações de Tordesilhas (35).
. j-^- «.P ^^ I nislrano ác Abreu, o nobre Alonso de Ho-
(35) Scflundo Varnhagen. ■> '^s contnrlMO por ^-^ , 27 de Junho de 1499 as bôcas do
leda (acomp-inhido do pllôto lquali»c..lc. wsuiWo o mesmo hisloriador. Vicente Vafte^ Pin-
A««ú ou do Apodv. no acjual Esiido do Rio Or.inde do None gj-^»^ ■ s , ^^^^^^ .^^^^ ^ p ,^ Mo-
zon (o comandante da N>fi.n na c«ped,(io d.; í„.on ou "° ^^^o de Sl.o Agosimho. ^.coundo Caplslnino. en-
curlpc. no Co-iri, (baptizada de Cabo de St,» ^. "."nt. d- l. ren>fo,irí. no M.iranh.ío ?), dal. segumdo com
piorando a 'é ao cabo. a n i. onde for.im os espanhóis atacados
rumo de N. descobrindo a i i i n ineses), que haveria aportado enlre Ros-
pelos índ/05 par.K-ii»e«; c. t. S com 0% índios '"J»0- tsies itinerários de Hoieda. de Plnzon e
10 Henno» e o Amazona^ " *>* , ir.4 nc...i. ..'^ A viagem de Pinzon. das ires a mais impor-
de Lepc sSo ainda hipólcs. * ,ndo-se exclusivamente da edlç.lo de 1516 das Déc.id.is de
'Í:L Ma;Sr^"Í« âS drp.^ D..,o L.1ou..o a ..o....ca,io do M.r Dulce (possivelmente o Orenoco) com o rio
Maranhão ou Arn«ona. ^ ^^^^^^^ descobrimento do Amazona, por l^^n Cousin Cai.ano da Silva em fOy.poc et rAnr.zone
§§ iMi a 1536) del.nit.vamcntc o afulou da hislóna. atirando-o para o dommio da lenda.
OS PAINÉIS DE S. VICENTE
0«lr. t«Io. o. primitivo. portuíu««. «|o núcl.o lérn,. |« ho|« um. .dmlrâv.l «.col. n.clon.l d. PIn.ur.. Nuno
Oon,.lv« * • m..or m...r.. p.U ,u.lld.d. . p.l. .Iflnltlc.çlo d. .u. Cbr. qu. .té rô. ch.B.r. ..r.v*. do. ...,««. do.t.rr-
moio. • d. Incúrl. do. homcn.. ... ■
E.tudado. p.lo Or. loU d« ri«u«lr.do. ln..Br»do. (ro.l.ur.do. ■•Ri r.ioqut.) p.lo prol. Lucl.no Pr«lro om
«u.rd.do. no MU..U d. Ari. Antlg. d. Ll.bo.. Ml*. p.tn.U m.r.c.r.m .o llu.tr. cri.lco «p.nttol Dr. D.ru.t. v Mor... .eiu.l dlr-
'lor do do Pr*do. «i.. p.l-vr... cu|o «Ic.nc. « v.rd.d.lr.m.nl. fn.gnltlco p.r. PorluB.I . -Nuno Oonf.lv.. nlo .. p.r.c.
com ninauén.. N. ir-n.c.ndlnd. d br. lulgo «r um. orla«m. um. prim.lr. Inl.rpr.l.clo dum modo pictórico, d. «r.ci.rl.-
tlC*. «<•• «lo d.pol. .. «u. I.i.m. nlo .p.n.. . .ri. portugu.... o q... ..ri. p.H.llim.nl. «pllcâv.i. m.. . .rl« p.nin.ul.r. . «ri.
..pinhol.. O prlm.lro moUvo do v.lor dl.l.. p.ln.l. con.l.ic «m SU. -rqulv.r.m um. g.l.rU d. r.lr.lo. do no..o .«culo
XV R.tr.io. .m i.m.nho n.tur.l. Itflur.ndo o. hom.n. m.l. r.pr«.nl.tlvo. d. 4po». colhido, n. Il.flrinct. d., .u.. vld.. prô-
pri.» • do. MU. movimento. Inl.rioro.. com «l.i p.n.tràmo. n. Intlmld.d. d. vld. marlllm.. su.rTClr. . popular d. grande «poca
úh hlaiArla n.clon.l.
AFONSO LOpes VieiRA
XXVI
Introdução
Quadro dos depofmenlos históricos denunciadores do conhecimento, anterior a 1500,
das terras da América Austral
Carta dos Reis Catholicos a Colombo, de Setembro de 1493. (Navar-
rete Cofleccion de los viajes y descubrimientos que hicieron por mar los Es-
paiioles, tom. 2, pág. 109.)
•V porque despues de ta venida de los Portugueses (os embaÍKado-
res de D. João II, que haviam chegado à córte espanhola a 15 de Agosto
do mesmo ano) en la ptática que con eitos se tia tiabido, algunos quieren
decir que lo que está en médio desde la punta que los portugueses llaman
de Buena Esperanza. que está en la rota que ellos lleuan por la Mina dei
Oro e Guinea abajo tiasta la raya que i/os dijistes que debia venir en la Bula
dei Papa, piensan que podrá fiaber Islas y aun Tierra firme, que segun en
la parte dei sol que está, se cree que seran mu{f prouechosas y mas ricas
que todas las otras...*
Tratado de Tordesilhas, de 7 de Junho de 1494.
(Alguns documentos da Tõrre do Tombo, a pág. 74-75.)
A pendência originada pela I." expedição de Colombo e pelos breves
do Papa Alexandre IV, de 3 e 4 de Mato de 1493. concluída no Tratado de Tor-
desilhas, constituí a primeira grande prova indirecta do conhecimento portu-
guês das terras ocidentais do hemisfério sul. O breve de 4 de Maío, corri-
gindo o da véspera, fixava uma Unha meridíana que, a distância de 100 lé-
guas a Oeste dos Açores e das ilhas do Cabo Verde, servisse de demarca-
ção. O hemisfério Ocidental devia pertencer à Espanha e o Oriental a Por-
tugal. Era a linha ideada pelas concepções empíricas de Colombo, mas que
salvaguardava os domínios africanos e o caminho marítimo da índia. D. ]oão
II recusa-se a aceitá-la. Os seus embaixadores, Pedro Dias c Rui de Pina
vão a Castela defender os interesses da corõa de Portugal. Fernando e Isa-
bel mandam Lopo de Herrera a Lisboa negociar uma contraproposta. Final-
mente, a 15 de Agosto de 1493, os delegados portugueses chegam à côrte
espanhola para as laboriosas negociações ultimadas no Tratado de Tordesi-
lhas, que transpunha a linha de demarcação para mais 270 léguas a Oeste,
isto é, para 370 léguas das linhas de Cabo Verde, tomando por ponto de
partida a ilha mais ocidental do arquipélago.
...•a Sus Altesas plaze & los dichos sus procuradores en su nombre
& por uertud de los dichos sus poderes otorgaron & consentieron que se
haga ã sinale por el dicho mar oceano una raya o linea direcha de polo a
polo, conviene a saber, dei polo artico al polo antartico que es de norte a
sul, la qual raya o linea se aya de dar & dê derecha, como dicho es, a tre-
sientas & setenta léguas de las f/slas dei Cabo Verde, hasta la parte dei po-
niente, por grados o por otra manera, como mejor & mas presto se pueda
dar, de manera que non seam mas, & que todo lo que hasta aquj faltado fir
descubierto, & de aquj en delante se allare fit descubriere por el dicho sefior
Rey de Portugal & por sus navjos, asy yslas, como tierra firme, desde la
dicha raya â linea, dada en la forma suso dicha, yendo por la dicha parte
dei lei/ante, dentro de la dicha raya a la parte dei levante, o dei norte, o dei
sul delia, tanto que no sea atrauesando la dicha raya que esto sea & finque
D« «iK* r«-
■ullava, p%lm»
cilculatccittala.
c o n c • d la rv«l>
mcnra mati IM
léauaa a Poriu*
flal. aAbra a 4t-
mar^Bclo anl*-
rlor. «m virtud*
dc a* »fi<onlrar
a Ilha do Corvo,
a mala oddvniai
doa A<«r«a, ■
ctr<a d* « U-
Iuaa a ocidani*
a lonflliudc
mala ocidanlal
do arquIs^lafO
da Cabo Vardó-
XXVM
IH-I«I
Introdução
& pertenesca al dicho seôor Rey de Portugal y a sus subçessores para s,em.
pre janiiis...*
A crilica geográfica da convenção de Tordesilhas, cingindo se aos co-
nheclmenlos do fim do século XV sôbre o diámc.ro da Terra e tendo em
consideração os erros nos cálculos das longi.udes. admite que Portugal nao
deíendta nesse grande pleito o itinerário da índia pelo Onente. que de facto
lhe estava adjudicado, nem a posse dos descobrinientos anteriores mas a
regiões ocidentais ao sul do Equador, porventura ,á avistadas por Pero Vaz
da Cunha, o Disagudo. no regresso da sua exped.çâo ao Senegal em 1488.
O futuro revelou as intenções de D. ]o5o II. quando no encalço da armada
de Vasco da Gama parte, clandestinamente. Duarte Pacheco P/reira. a reco-
nhecer a existência das terras firmes e ilhas na demarcação de Tordesilhas
que abrangia o Brasil.-onde aterrára Cabral, a cammho de Calecut, depois
que o regresso triunfal do Gama definitivamente consagrára o plano portu-
guês.
Duarte Pacheco Pereira, na obra <de cosmografia e marinharia» Es-
meraldo de Situ Orbis. (que comportava o plano descritivo da costa africana,
começando no estreito de Gibraltar, na direcção do sul. até ao cabo de Guar-
dafui e dat à cosia meridional da Asia. abrangendo lôda a India) e de cuio
manuscrito original existem duas cópias nas bibliotecas de Évora e Lisboa,
assim descreve a primeira viagem portuguesa de reconhecimento da America,
a mandado do rei D. Manuel, a quem a obra é dedicada:
(1
.lo
...'ha experiência, que he madre das cousas, nos desengana e de toda
a duvida nos tira: e por tanto, bemaventurado Príncipe, temos sabido e visto
como no terceiro anno do vosso Reinado do hanno de nosso senhor de mH
quatrocentos e noventa e oito. donde nos vossa alteza mandou descobrir ha
parte occidental. passando alem ha grandesa do mar oceano, onde he achada
e navegada hua tão grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adja-
centes a ella, que se estende a satenta grãos de ladeza da linha equinoçial
contra o polío artico e posto que seja asaz fóra, he grandemente povoada, e
do mesmo circulo equinocial torna outra vez e vay alem em vinte e oito
graaos e meio de ladeza contra o pollo antartico, e tanto se dilata sua gran-
desa e corre com muita longura, que de hua parte nem de outra nam foy
visto nem sabido ho fim e cabo delia; pelh qual segundo ha hordem que
feua, he certo que vay em cercoyto por toda a Redondeza: assim que temos
sabido que das prayas e costa do mar destes Reynos de Portugal e do pro-
montório de rinis-Terra e de qualquer outro lugar da Europa e da Africa e
d'Asia hatravessando alem todo ho oceano direitamente ha oucidente ou ha
loest segundo ordem de marinharia, por trinta e seis graaos de longura,
que seram seiscentas e quarenta e o^to leguoas de caminho, contando ha
dezoyto léguas por graao, e ha lugares algum tanto mais longe, he achada
esta terra nam naueguada pellos nauios de vossa alteza.*
(Esmeraldo De Situ Orbis, de Duarte Pacheco
Pereira, edição crítica, anotada por Augusto Epifânio
da Silva Dias. publicada pela Sociedade de Geo-
pi;;.(«o a. .«il I grafia de Lisboa, em 1905.- 1." Livro. Cap. 2.o.)
Pedro Alvares Cabral, comandando uma esquadra de Irese navios,
desvia-se da róta da índia, deixa de tomar água no arquipélago de Cabo
Verde, infringindo lemeràriamenle a prática, estabelecida por Bartolomeu Dias
e Vasco da Gama. e navega para oeste até avistar e fundear no litoral ame-
ricano, prosseguindo depois viagem para Calecut, mandando a caravela dos
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Introdução
1500
1505
mantimentos continuar para o norte a exploração do litoral, de regresso a
Lisboa, portadora do seu relatório ao rei.
O bacharel mestre loào, físico e cirurgião, escreve a D. Manuel, de
Vera Cruz, na mesma data que Pero Vaz de Caminha: <Quanto. Sefior. al
sytyo desta tierra. mande i/ossa Alteza traer un mapamundj que tyene Pero
Vaaz Bisagudo. e por ay podrra ver \/ossa Alteza el s\tyo desta Herra...»
No mês de Março de 1505, o rei D. Manuel escreve ao rei de Espa-
nha uma longa carta, relatando-lhe as expedições da índia até ao mês de
Março, e assim recapitula o acontecimento de 1500: *Da dita armada foi Ca-
pitão General Pedro Ali/ez Cabral. Navegando el/e além do Cabo Verde des-
cobriram uma terra que novamente ueiu á noticia desta nossa Europa á qual
terra puz o nome de Santa Cruz... Outros chamam ltie Terra Nova ou Novo
Mundo. Esta terra aonde elles fundearam é situada alem do Trópico do Can-
cro em XI II gráos; pois os marinheiros com seus quadrantes e astrolábios
tomaram a altura: porque sempre navegam para aquelles mares com ins-
trumentos astrológicos. Sabindo do dito Cabo Verde esta terra jaz entre
Oeste e Sud-oest. ventos principaes. e dista do dito Cabo Verde quatrocentas
léguas. Dos seus ttabitantes. de sua fertilidade, grandesa e condição, e se seja
Ilha ou terra firme, com outras nossas cartas temos fá dado a Vossa Sere-
níssima larga informação. Sahindo a dita armada deste logar, o capitão dei-
xou ahi dous christãos á mercê de Deus... D'estes dous homens, em uma
outra armada que directamente mandámos Aquella terra voltou um que sa-
bia a lingua dos indígenas, e nos informou de tudo. Desta terra o capitão
fez regressar a nós aquella caravella que levava mantimentos.*
(Tradução por Próspero Peragalo da *Cópia
de una littera dei Re de Portogallo mãdata al Re
de Castella dei viaggio et successo de índia, im-
presso in Roma per maestro Joanni da Besicken.
nel anno MCCCCCV a di XXII] de Octobre.'
• Scopcr«c ii(>
una lerra nava-
minlie • nollllm
Q*ra Ara curop»
A mrmwá» dm
IMI, cm qua via-
|ou VcaõOclo •
Su« aKplorira «
poral ai< tr' óa
Ulltude &. A ca-
ravela de Oaa-
puT da Lamoa,
• m qua Iria to-
mo pItAio Andr4
Ooncalvaa.
Êste quadro pódc ser acrescentado. O depoimento de Colombo no Diário da primeira viagem,
publicado por Navarrete no l.» vol. da Coleccion de los viages v descubrimienlos que hicieron por mar
los Espafioles, transcrito dos manuscritos de Las Casas, pertencentes ao arquivo da Casa Ducal do In-
fantado (36). tem sido incluido no processo da reivindicação portuguesa, se bem que as palavras atribui-
rias por Colombo a D. }oâo II, em Vale Paraíso, tenham sido interpretadas de modo discordante pelos
historiadores.
A revelação real do conhecimento ou suspeita das terras que demoravam nos confins ociden-
tais do Atlântico, ou remontava à época em que Colombo conseguiu ser admitido à presença do sobe-
rano no decurso das negociações em que se empenhou para obter o comando de uma esquadra, com
promessa de a levar às índias pelo poente (36 A), ou resulta mais provàvelmenie das reclamações dos
delegados, enviados a Espanha para defenderem a política colonial de D. ]oão 11 e conseguirem as ba-
ses de um acòrdo que salvaguardasse os interêsses da coroa portuguesa. E só quando narra a 3." via-
gem de Colombo, que Las Casas responde sem ambiguidade às presunções de D. loào 11: *Torna o
Almirante a diser que quer ir ao austro, porque entende com ajuda da S. S. Trindade achar ilhas e
terras, com que Deus seja servido, e SSAA. e a Christandade tenham praser e quer vèr qual era a m-
tenção do rei D. João de Portugal, que dizia que ao austro havia terras.»
Í361 O oríalnal destinado aos Reis Católicos. nSo existe. Las Casas, na Ws/orM d? /JS /«rfíjs, lai déle gran-
des exiracios condensados por tlerrcra (Historij General de los hechos de los Caslelhnos en las Islas y lierra f,rme dei mar
Oceano Dec i lS^^^^^ ^ XX e «-ib. II. caps. I a 3.) Fernando Colombo, hipoielicamenie o autor fVnfon« do /W-
Í7rfn?e oaíece íàmbím ler-, do ong.nal para os seus extraclos. (Cap- XXXVI da versio italiana de ma H,stor,e de
T Fe!naSdo CoSoe^^^^^ b- . o aulor dah.sloría de los Re^-s Catohccs. embora pouco o lenha utilizado, presumi-
íelSrfcoSecertambém. o mesmo nio podendo |i dizer-se de Oviedo (M.sforia General de las Ind.as,, que nJo o menaona.
{36 A) A passagem de lo>o dc Darro» nio deixa lugar a quaisquer dúvidas: /""^í"', í*'^,fí"ríííl'"
iouSo Colon homem falador e glorioso em mostrar suas habilidades, i maes fantástico A de tmag.naçio <õ sua ilha Cypigo.
XXIX
Útilma lOlha de TraUtfo da Tordaallhaa, com aa acalnaluraa d« Farnande a Itabal
XXX
Introdução
UERER provar de mais pôde concorrer, em certos casos, para projectar dúvidas sôbre os
documentos e indícios insuspeitos. O que parece depreender-se das negociações de Tor- y,,„uA*
desilhas é que os delegados portugueses pugnavam pela posse de terras, que conside-
ravam nào abrangidas pelas 100 léguas do Breve de 4 de Maio. O tratado, afastando
para 370 léguas da ilha mais ocidental do arquipélago de Cabo Verde a Imha divisória,
inclui não só o litoral do Brasil, cujos grandiosos limites, de Norte a Sul. foram traçados por êsse me-
ridiano como também vastas regiões do hemisfério norte. A linha de demarcação do mapa de Cantmo.
como â de todos os mapas portugueses posteriores, corta o Brasil na linha equatorial, abrangendo as
explorações hipotéticas de Hoieda. Pinzon e Lepe. na costa setentrional brasileira: facto que concede uma
porta de entrada, ainda que temerária, aos que sustentam a veracidade cronológica do cálculo de Este-
vão Fróis. (37) De qualquer modo. a cautela de D. Manuel, ao noticiar ao rei de Castela o descobri-
mento de Pedro Alvares Cabral: terra muifo necessária c conuenienfe á navegação da India, e perfeita-
mente iustiíicável. Os próprios termos de que se serve o rei para a comunicação denotam siniultanea-
mente a preocupação da prudência e um júbilo moderado -que se sobreporia aos ditames da discreçào
Tnte o aparecimento imprevisto de terras idênticas às descobertas por Colombo e que o descobridor
ainda imaginava visinhas de Cathay. Dos termos da carta real de 29 de lulho de 1500 08) deduz-se a
convicção de que as terras a que aportára Cabral não demoravam nas proximidades do contmente asia-
Iko É esta sciência que distingue fundamentalmente o ciclo das navegações colombinas do ciclo das na- hao
veqações portuguesas no Atlântico ocidental. Mesmo depois da carta de Toscanelli. como após a viagem
de Colombo os portugueses nunca identificam com a Ásia as terras ocidentais. Colombo procura a índ^ . , j r
ocSe Os portugueses consideram os mares e terras de oeste como independentes das regiões
asiáti^s. Professando a cosmografia portuguesa a doutrina da esferoicidade da terra, a '-rm"^^
se desdenha a concepção toscaneliana parece demonstrar o caracter experimental da incredulidade lusi-
tana 39) A data do desembarque de Cabral em Vera Cruz. uma das mais importantes e5"Pu'afes do
atado de Tordesilhas não fôra ainda -nem iàmaís seria -cumprida. Pelo pacto de 7 de lunho de 1494
as duas parles contratantes obrigavam-se a enviar, dentro do prazo de tres meses, a contar do d.a da
Rectificação duas ou mais caravelas, conforme conviesse, para conduzir à Grande Canária uma missão
com^Z\ pilotos e astrónomos, a fim de ser determinada a linha demarcadora (40). E^'^^ f
miTsões portuguesa e espanhola, dirigir-se-iam às ilhas de Cabo Verde, para de la navegarem 370 léguas
Dara oeste, fixando a distância percorrida. .
Esta dupla expedição não se realizou. i Portugal ocultava o seu segredo? Colombo la partir
certo no çu. rf/z/.: ^--^f ^,^3-^^^^^^
2xecu1ar. Vignaud invoca ^^"f ''f ° """/('J,*'^ poenic. A supr«5.1o da relcrínc. À Ind a
L^qS^lclocuLSiré^^erieiii^^S^^^ «^^ índia consl.uian, um privilegio concedido p...
""^ ' 7n Na ca.a de 30 de l^^^o^- IS... csc;Ha
Sioneiro dos espanhóis dava. cm IS14. Pf " /,P°"^, -"^V""^ provas históricas. <Nào nos giiuer.,m r.aber .1 prouj do
para 1194. constílui «Jcpcmento ^"^^f^'^ f^'""'"/, JSríS ir/rrLVsV r que /J Jojm Coellio, ho d., por,, dj Cruz.
que alegávamos, como Vossj Aitoza posuhfj estjs , aVscòbrir e aue Vossã Altei.i e$t.w.-> em posf destts
lizynhoda cfdjde de UKboA.vicra ler por omdenos .^'"J-^^ litoral norte do Brasil, na pri-
«ris por mu.tos Icmpos ^ ^ - Éste notável «^0^""'%"'°^^^ « /"^^ e óiogo Ribeiro (trucidado pelos aborígenes), do
meira década do soculo XVI. empreendidas por ]oâo Coelho. ]o^^^^^^ 1«8 a pág. 304) para designar a data do des-
que. como pretendeu Fausl.no da ^^J^^^^^f^^/^^^f.^^^^^^^ Suissa (árbitro escolhido
cobrimenio do Brasil- O DarSo do ^^^^'"['^^■''^J^^^^^^^ é^que os principais monumentos Carto-
na pendência com a França ^/^'>^S. ''^'f .Jl^^^^^^^^ sôbrc informações geoflriíica. porlu-
;m2^o a,„.a o .«un,o. vi„.. . .no. O.po,. .0 Co„,«»o «.mo^-inco d. D...,o,
é
1 r
PA.
■\M-
0-
AS
iCI-
1 lONir ICA-
Introdução
Dara a terceira viagem, na tenaz esperança de encontrar, finalmente, as terras da civilização e da "queza
asiática D Manuel unca afirmára a enérgica paciência e a capacidade form.davel de ^-screção de D.
loào II Aqita-o a curiosidade de saber... Porventura duvida, ou receia que as expedições espanholas,
lhe .nvadam as regiões conquistadas polo maquiavélico antecessor^ o ^oj-^^-;^
\ Pacheco Pereira, um dos
signatários das estipula-
ções de Tordesilhas, é
enviado em sigflo, a re-
conhecer o valor das
aquisições do Tratado,
no mesmo ano em que
D. Manuel vai ser jurado
em Toledo herdeiro da
corôa de Castela e Ara-
gão. Vasco da Gama par-
tira para a índia, coman-
dando temeràriamente
uma pequena esquadra
de três velas. O resul-
tado da expedição era
incerto, a viagem imensa,
temerosos os perigos que
ia defrontar. Naquela
hora suprema, Portugal
jogava os seus destinos.
do ir. I.ln,. B-..h. «.... ln..rto no -O.oar.pMc.l lourn-L. orglo d. Roy. O.o«r^hlc-1 So-
cUlvi m-p. . qo. .• r.t.r. no ..M «rllso do m..mo lorn.l do mí. d. I.v.relro d. tWI.
D Manuel precavia-se. procurando compensações para o possível insucesso da grandiosa empresa em
que se empenhára a naçSo... Duarte Pacheco é mandado ^descobrir ha parte ouadenlal. passando
alem ha grandcsa do mar o r.-r','-... j
Vasco da Oama r. porém, da (ndia asiática, transportando para Lisboa os produtos do
Oriente, conduzidos pela primeira vez à Europa por via marítima. Duarte Pacheco trazia também ao rei
venturoso a certeza de *ttua tam grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes a ella*...
Já agora, as expedições para as terras da América austral vão prosseguir, embora com as caute-
las, aconselhadas pela prudência a uma pequena nação, impossibilitada, à mingua de gente, de realizar si-
multáncamenle a conquista e exploração da África, da índia e da América.
Pedro Alvares Cabral, partindo para Calecut, em 1500, i levava instruções para visitar as terras do
ocidente? O desvio da derrota não consente outra interpretação. Em 1501. nova esquadra, onde vai Vespúcio.
encaminha-se clandestinamente a Santa Cruz. Em 1503. a expedição de Gonçalo Coelho segue, igualmente, o
rumo do sudoeste. Os acontecimentos encadeiam-se lógicamente. apoiados nos documentos e indícios históri-
cos, sem solução de continuidade, sem inverosimilhanças. de acòrdo com as mais recentes investigações
dos historiadores.
A conduta de D. ]oâo II. recusando.sucessivamente.osproiectosdeToscanelli.de Colombo e de
Monetário, tornar-se-ia de tal modo inteligível com a viagem do autor do Esmeraldo, que esta expedição apare-
ce-nos como a chave interpretativa dos próprios mistérios que escurecem a página histórica do descobrimento
da América e que resistiram à análise de Humboldt, Fiscke, Muller, D'Avezac, Peschel. Harrisse e Vignaud...
A viagem de 1498 comprovaria as intenções que ditaram a política de D. loão II em Tordesi-
lhas. Se D. ]oâo II. em I493-94. obstinadamente procurou acautelar a posse das terras austrais, é porque
delas havia suspeita ou conhecimento. Não se reclama o que não se supõe existir. Ao mesmo tempo, êle
parece saber que essas terras não eram os limites ou prolongamentos insulares da Ásia. cA recusa à
proposta de Colombo implicava a suspeição de terras intercaladas, ao ocidente, entre a Europa e o con-
tinente asiático? Esta convicção explicaria cabalmente a perseverança no rumo do Oriente, o prossegui-
mento do périplo africano... O que se mostra impossível é argumentar com a persuasão portuguesa de
que no Ocidente nào existiam quaisquer terras. Nesse mar ocidental, os cartógrafos localizavam a Antí-
lia e são numerosas as doações das terras que os navegadores para essa banda viessem a descobrir.
Navegava-se, pois. para o Ocidente, antes que Colombo partisse de Paios para as Antilhas.
Os dois problemas aparecem intimamente ligados. Esta conexão obriga-nos a passar em revista
05 indícios de um conhecimento português anterior a Colombo das terras ocidentais do hemisfério norte.
XXXII
Introdução
CARTA DE ESTEVÃO FRÓIS A D. MANUEL I
éos originais quinhentistas n,ais ^'^^J^" " f^W^^^ passo " para a custódia do guarda-môr Damião
gico. Da posse do secretino de ^ ""^/^Tr/o r S Jorge. Posto por ordem e catalogado no
le Gois: do Paço da Ribeira ''^/JJJ^^Zrtm^^^^^^^^^ ^e^elou-o. mas sem a marcação
século mil. no consulado do ff'^"' " Hi„6ria do Brasil. ^ ^
como aliás foi sempre seu L w« linhas angustiosas de cativo, desesperadas de con-
iQuem o escreveu? cQuem '^^f''" ^•'"''""""íl. registos da chancelaria do Monarca
denado? Baldadamente lhe procuraremos ° ^^/J^J^"^,'^/^:,;^™, .ir-nos-ha secamente çue ele é
venturoso, '^^f^^^'';;:^'^^: ro"":;:r Tcll' ^'^^nte. .amos a di^er servilmente, segundo o
Zil^^d^épL. responderá ser nr. ^^f^^^^^fl^;;^;,^,, .^seguido pelos Indios. com a carauéia
Andando a descobnr terras /"f . '/'^"^^^^ castelhanos acusaram-no de invadir a
em mau estado, replicava éle. refugiéra-se ,5,3 estava preso e peto menos
t::c1 ~aot/r.rotj .... .«.«^
crimina,. ImZdTda partilha do mundo a descohrir entre Portuga, e Espanha.
„ emjue -/^-^f r^STa correspondência anterior e „ue nSo sai^.
mos também o destino dos cativos^ suficiente para tirar do otvido o nome de Estevão
rr.s quelli: Z rir^Vo.. . .estar tamalto serv.^o . cud:
.açso da t,ual foi um verdadeiro mérftr. ^^^^^^^ ^^^^^
XXXIII
Introdução
Snftor
eu espreuj a uosa alteza destas ym
dyas omde estou preso como uosa al
teza sabe e asy sfior tyui qua maney
Ra que fyz treladar ho proceso que con
tra nos fezeram e ho mandey a uosa
alteza pera que fose emformado do
que se dysya contra nos / e depoys de la
sRor ser ho proceso ho que se mays ao
dyamte fez nelle / Asy he que sayo ho al
quayde mayor marcos dagylar
com huum desembargo que amie de
todas as cousas mandaua que
micc francisco corço e pero corço / ho que qua
uja estado fosem metydos a tor
memto nam predyjucamdo
ao prouado contra nos per ho
prometor da iuslyca do quall
mandado e desembargo nos
0 ^
^\ --VA/V
XXXVl
Introdução
Apelamos pera Rolacam de sua al
teza os quaes sftor contyrmaram a sentença
do alquayde mayor / ho quall os meteo
a íormemto dagua e cordes e lhe pcrgun
tauam no dyto tormento se uinhamos
de purtugatl com emtemcam de
emtrarmos em terás dei Rey de
castelã / os quaes sempre dyxe
Ram que nam e que ujnham a des
cobryr terás nouas de uosa al
teza / como ho tynham dyto em
seus dytos e mays nam dyxeram
e sobre tudo ysto sftor nos nam que
Rem despachar / nem nos qujse
Ram Receber a proua do que alega
uamos como uosa alteza pusu
hya estas terás a ujmte anos e
mays e que ia joam coelho ho da
porta da cruz ujzynho da cydade de
lyxboa ujera ter por omde nos
outros uinhamos a descobryr
e que uosa alteza estava em pose
destas terás por muitos tempos e que
ho que se usaua e pratycaua amtre
os lymites asy hera que da lynha
canumcyall pera o sull hera
de uosa alteza e que da mesma
lynha pera ho norte hera dei
Rey padre de uosa alteza e que
nos que nam pasaramos a lynha
canumcyall nem chegáramos
.
Ova
XXXVIII
Introdução
A cila com ccmto e cvmcoemta Icgoas
e quamio mays que os testygos que cernira
nos heram dados nos heram todos sos
pcytos e a quausa da sospevcam / asy he
Ra que que todos heram castelhanos e que
segumdo a Regra e ley de direito asy hera
que sobre caso de propyadade damtre
huum Reyno a outro nam se aujam de
Receber aos autores teslygos / dos
naturaes do Rcyno ;' quamto mays
sfior que todos estes leslygos que contra
nos deram heram todos os que
nos predujucauam dos naturaes
de paios de moger que heram ho
mes que nos queRyam mal! / por
quausa de huum dyogo de lepc
que uosa alteza mandou em
forcar por que foy tomado nas par
tes de gync com certos negros que le
uaua furtados aos quaes
teslygos amdauam dyzemdo por
toda esta cydade que nos emfor
casem a todos sobre suas almas
que nam lhe falltaua nada de os
apropyar aos judeus quamdo
dyzyam ho seu samge uenha sobre
nos e sobre nosos filhos e etc / dysto siior
e doutras cousas mays por ymteyro
fezemos arlygos / sem a nenhuum
nos queReRem receber a proua
Agora nam sey sfior ho que quereram
fazer / ho feyto esta concruso sobre
ho tormento nam sey ho que seRa
nos snor nam temos quem por
XXKIX
^ • -y/^í^^v.M. ^^^^
'X
XL
introdução
nos íaca senam ho bacharell pero mo
Reno / ho quall lemos por noso letera
do e alem de auogar por nos nos a
juda em todas das outras necy
cydades por sermos naturaes do Rev
no de uosa alteza e nos dyz que por
sermos uasalos de uosa alteza
fara lodo ho que nelle for como de
fevto sftor ho faz ; sopryco a uosa al
leza que nam nos desempare e que
nos proueja de maneyra que nam
pereçamos como cullpados
poys que ho nam somos e que em
quaso que nos fosemos cullpados
em fycar omde fycamos se he
lera dcIRey de castelã nos nam
fycamos na dyta lera como em
lera delRey de castelã se nam co
mo em tera de uosa alteza ; e por
que nella nos quiseram matar os
ymdyos e huum pero galego como
uosa alteza sabe nos acolhemos
a estas partes por nam lermos ou
tra mays perlo omde nos a ca
Rauela podese trazer por que estaua
todo comesta do busano / e
e fazya muita agua e mays trazia
mos ho leme comesto e quebra
do e ele como uosa alteza mays
largamente sabe e uo lo eu snor
lenho esprilo '/ porlamto sfior so
pricamos a uosa alteza que nos
lyure deste catyueyro em que es
íamos ' e nam consymta nosa al
teza que poys dyogo de lepe pago
"^í^-^-"^'^
Ok
XLll
Introdução
como culpado que nos pagemos a iustyca
que se nelle fez semdo yninoceintes do
pecado que nos põem por que asaz abasta ter
nos uay em huum anno presos como nos
tem / sem quausa e (ornada toda nosa
fazemda so por nos vyrmos acolher
em sua tera poer nos ho que nos nam
fezemos nem pemsamos / que he bem craro
sftor que a hobra que elles Recebem nas
ylhas dos açores de uosa alteza nam
he esta com que nos elles Receberam
que quamtos naujos de qua uam todos
uam toquar em quada huuma
destas ylhas omde os uasalos
de uosa alteza lhe fazem muita om
Ra / e nam nos premdem nem alor
menlam como elles nos fezeram /
nam me cuiipe uosa alteza de ho eu
asy dyzer e espreuer porque siior se fora
em cullpa ou sospeyta ouuira em
mjm do que nos poem eu sftor sofrera tu
do com muita pacyemcya / porem snor esla
Reixa que elles siior tem comnosco
nam he noua senam muito uelha
que lhe fycou dos nosos anteceso
Res dalfcRobeyra / e com ella
am dyr a coua // sopryco a uosa al
teza que me queyra Remedyar com jus
lyca espreuemdo a eIRey uoso padre
siior que oulhe nosa ynnocemcya
e quamta vmiustyca nos fazem
em nos terem presos uay em huum
anno sem causa / em no que que alem
XLIIl
01
.1 í-^
5
CA
XLIV
Introdução
de uosa alteza aminvstrar iustyca nos
fara muita mercê e Rogamos a deus por
uoso Reall estado com acrecemtamento
de muita vyda e posto que uosa alteza me
nam conhece como a cryado eu sftor na
venta (de) e de coracam ho sam de uosa
alteza por que sftor se Wcaua no Ryo om
de fvquev nam fov V com emiemcam
senam de saber ho que auia na lera pe
Ra de tudo dar conla a uosa alteza i co
mo espero em deus de dar segumdo
achev em huum aluara que uosa alie
za , ivnha dado a dyogo Rybeyro arau
to de uosa alteza em que uosa alteza
lhe emcarcgaua que oulhasc bem
pelas cousas da tera ho quall care
go eu snor tomey polo elle ma
tarem os ynidvos como uosa alte
za sabe li W\o as maos de uosa al
teza , Desta cydade de samio domjgo
aos XXX dias do mes de ]ulho de b< e xiiii
anos ; Das vmdias delRev de castelã //
2
I O " fcC ^ g,
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do criado e seruidor esteuam
de uosa alteza Iroez
(„ Torre do Tombo- Corpo Chronologico-P.' 1. nu 15. doe. 99.
XLV
introdução
CARTA DE ESTEVÃO FRÓIS A D. MANOEL I
Tenlallva -«Je tradução de porluguH arcaico para porluguÔ» moderno, pelo dr. Anlónlo
Senhor
Eu etcitwl a V. A. (tolat índia» onde estou príso como V. A. sabe. c. a&slm. senhor, tive cá maneira dc larer
IretUdar o procc»»o que contra nó» (ntcniaram e o mandei a V. A. para ser Informado do que diziam contra nós e depois de
la senhor eslar o proce»»o. o que ao diante nílc sc líz. Assim é que saiu o alcaidc-mór Marcos d Aguitar com um despa-
cho que anies de mais nada ordenava que mlcc Francisco Corço e Pero Corço, o que cA havia estado, fossem melidos a lor-
memo nSo prejudicando ao provado contra nós pelo promotor da justiça, do qual despacho apelámos para a relaçào dc S. A,,
que confirmou a sentença do alca.dc-mor. c tste o» meteu a tormento de água e cordéis e lhes prcgunlavam no tormento se
vínhamos de Portugal com Intenção dc entrarmos em terras d el-rel de Castela. Responderam que nao e que vinham a desce
brlr terras nova» de V. A., como tinham dito em seus interrogatórios, e a pesar disto, senhor, nos nào querem despachar, nem
no* quiseram r«ceber a prova do que jlcgavamos. como V. A. possuía estas lenos hi vinte anos c mais c que já JoSo Coe-
lho, o da porta dâ Cniz. visinhada ddade de Lisbôa. viéra por onde nós o-lros vínhamos a dcscotirír e que V A, eslava de
posse de»lM lerra» por muitos tempos e que o assente quanto a limites era que da linha equinódal para o sul pertencia a
V. A. c da mc«ma linha para o norte a el-rei de Castela e nós náo passáramos a linha equinódal nem chegáramos a ela com
ISO líflua». Ainda mais: «« leslemunhas contra nós eram suspeitas por serem castelhanos, o que. secundo a regra e lei do
Dir\it, r, que. sôbre caso de propriedade entre um reino c oulro nio se haviam de receber testemunhas dos naturais
do (, ■ mais, senhor, que Iodas estas tcsiemunhas. que contra nós deram, eram todos os que nos prc|udicavam. do»
natural» de Palo», homcn» que no» queriam mal por causa de um Diogo de Lepe que V. A. mandou enforcar por ter sido
encontrado na Ouiné com certos negros furtados. Essas testemunhas andavam dizendo por toda esta ctdadc que nos cnlor-
cassem a todo», pois nada fatiava para o» apropriar aos judeu» quando diziam que o seu sangue viésse sÔbre nós e sÔbre
nos»o» niho», ele Di»to. senhor, e doutras coisa» mais por inteiro filemos artigos sem nos quererem receber a prova dc ne-
nhum.
Agora, senhor, náo »ci o que quereráo lazer. O feito está concluso sôbre o tormento; não scl o quf será c nó»
•cnhor. nSo temo» por nó» senJo o bacharel Pero Moreno. Temo-lo por nosso letrado, e, além de ser nosso advogado, nos
aluda cm Iodas as outras necessidades por sermos naturais do reino dc V. A., e nos diz que por sermos vassalos de V. A.
lará tudo o que puder, como de leito far.
Suplico a V. A. que nos náo desampare e que nos proveja de maneira que náo pereçamos como culpados, pois o
nlo somo» e. no caso dc o sermos por ficarmos em terras d-el-rei dc Castella. nos n5o ficamos na dita terra como em terra
d cl-rvl de Castela. »enao como em lerra de V. A., e porque nela nos quiseram matar os índios c um Pero Galego, como V. A.
»abc. no» acolhemos a eslas partes por náo lermos outra mais perlo onde a caravíla nos pudésse trazer porque eslava tôda
alacada do busano e fazia muita água c mais trazíamos o leme avariado e quebrado, como V. A. mais largamente sabe e vô-lo
tenho escrito. Portanto, senhor, suplicamos a V. A. que nos livre diste cativeiro e náo consinta que nós paguemos a justiça
que »e fiz cm Diogo de Lepe, estando Inocentes do pecado que nos põem porque ó bastante ter-nos presos vai num ano.
•cm causa, e tomada lôda a nossa fazenda. »6 por nos virmos acolher em sua terra, acusar-nos do que nào lizímos nem pen-
•ámo». E' bem claro, senhor, que a obra que *lcs recebem nos Açôre» de V. A. nSo é csla com que nos receberam, que
quanto» mai» de cá váo. todos váo locar cm cada uma deslas ilhas onde os vassalos de V. A. lhe lazem muita honra c nâo
o» prendem, nem alcumenlam, como òlcs nos lizeram.
Nao me culpe V. A. de o eu assim dizer e escrever porque, senhor, se eu lôra culpado sofréra hido com mult»
\ porím. senhor, esta rixa que ties tem connosco nao é nova. senáo muito velha, pois licou dos nossos antepassado»
.j ,\ii,iui>beira (parecf que quereria escrever Aliubarróta) c com ela hao-de ir á cova.
Suplico a V. A. que me queira remediar com jusliça, escrevendo a el-rei vosso pai que olhe pela nossa inocência
e quanta injusiiça no» fazem em no» terem presos sem causa, vai em um ano. no que V. A., além de administrar justiça noa
fará mulla mercê.
Rogamos a Deu» pelo vosso real estado com acrescento de muita vida. E posto que V. A. me náo conhece como
a criado, eu. de vontade e coraçáo o sou pois que. se ficava no Rio onde fiquei não foi com intençáo senão de saber o que
havia na terra para de tudo dar co-la a V. A., como espero cm Deus de dar, segundo achei em um alvará que V. A, deu a
Diogo Ribeiro, araulo de V. A., em que o encarregava de olhar bem pelas cousas da terra, o qual cargo, senhor, eu o lomet
por o matarem os Índios, como V. A. sabe.
D^ío a» maos dc V. A. . Desta ddade de S. Domingos, a 30 de julho 1514.
Do criado e servidor de
V. A.
Estevão Próis.
XLVI
Introdução
INTENCIONALIDADE da viagem de Cabral ao Brasil conduz, de indução em indução, às ^""v*^ po
provas da viagem relatada no Esmeraldo e da convicção portuguesa, baseada na expe-
riência, da Impossibilidade de se atingir a índia pelo Ocidente. Esta impossibilidade nSo i^**
derivava do temor de atravessar o Atlântico. Viagens de alto mar eram já, havia muito, íumai>
as dos Açôres. Dadas as noções contemporâneas sòbre a grandeza da circunferência ter-
restre, é difícil resistir à tentação de atribuir a atitude portuguesa ao conhecimento do obstáculo conti-
nental, senão a um cálculo, já corrigido, da extensão do circulo máximo.
Os depoimentos de Colombo, transmitidos pelos biógrafos seus contemporâneos, os copiosos
vestígios documentais que restam das explorações portuguesas do Atlântico, no sentido do Ocidente, as
cartas de Toscanelli e de Monetário, constituiriam os pilares sólidos desta tese. A autenticidade de al-
guns dêsles documentos é. porém, contestada. O historiador e diplomata americano Henry Vignaud, vice-
presidente da Sociedade dos Americanistas. de Paris, reuniu, num livro célebre. Toscanelli and Cohmbus:
the Letier and Chart of ToscaneUi (41), o resultado dos seus longos e minuciosos estudos colombinos,
concluindo pela apocrifta da carta em que o sábio florentino teria aconselhado ao rei de Portugal, no
ano de 1474. uma viagem para a índia pelo poente; plano executado sem êxito, dezoito anos depois, por
um improvisado navegador genovês, chamado Cristóvão Colombo.
Será, pois. necessário, para demonstrar a intencionalidade da aterragem de Cabral ao Brasil,
cm 1500, a veracidade da viagem de Duarte Pacheco, em 1498, e a prioridade portuguesa da concepção
do novo continente -proceder, embora de um modo sumário, à revisão do processo, instaurado pela crí-
tica histórica a alguns dos documentos capitais de que teremos de servir-nos. Esse trabalho abrange o
quadro das navegações portuguesas para Oesle. anteriores a Colombo, as cartas de Toscanelli e Mone-
tário, os depoimentos colombinos, os mapas de Cantino e Canério. a carta de Pascuáligo ao Senado de
Veneza (publicada pela 1.» vez na edição de 1880-1881 do Diarii di Marino Sanuto. da Biblioteca Mar-
ciana, de Veneza), a de Pascuáligo aos imãos (publicada pela \.> vez nos Paesi Nitovamentc RetrovaU,
Cap. CXXVl; Veneza 1507), a de Alberto Cantino, embaixador do duque de Ferrara em Lisboa (publicada
pela 1.» vez pelo historiador americano Henry Harrisse. a pág. 204 da sua obra sôbre os Côrte-^Reais
(41 A), cópia do M. S., original do Arquivo de Módena). os descobrimentos problemáticos de Hoieda. Pinzon
e Lepe. e, finalmente, a correspondência de Vespúcio. que nos fornece as únicas informações que possuí-
mos sôbre as explorações da costa brasileira, empreendidas pelas armadas portuguesas, de 1501 e 1503.
Anles porém, devemos registar que iá o historiador brasileiro, João Ribeiro, chegára a conclu-
sões Idênticas, consignadas no prefácio à publicação crítica, anotada, da carta de Pero Vaz de Caminha,
publicada na colectânea de várias crónicas. O Fabordão (42).
Não é possiuel mais admitlir- escreve o eminente polígrafo -flue
a descoberta do BrasU foi resultado accidental e de mero accaso. como por
tantos séculos se repetiu. 5sse problema importantissimo, e nem se pode
imaginar outro mais importante, ainda considerado fora da nossa fusiona,
na mesma historia do mundo, foi resolvido principalmente pela pubhcaiào
do ESMERALDO DE SITU ORBIS. U se uerá mais de uma vez que o
rei de Portugal hauia comettido aos seus marinheiros a empresa de revelar
o extremo occidente, e delia Pedro Alvares Cabral, o primeiro ou o segundo,
recebeu essa incumbência; e depois das próprias palavras de Cammha.
quando affirma que 'seguiram a derrota pelo mar de longo; a phrase
ignorada, quando tardiamente foi lida nos archivos. já nào offerece duvida.
O «mar de longo» é o do occidente. Duarte Pacheco, o heroe da India. com-
panheiro de Cabral e auctor do ESMERALDO, falando das tres partes
do antigo mundo, acrescenta:
«e a quarta parte que Uossa Alteza
mandou descobrir alem do oceano...»
(I-Cap. Ill)
!•
i> .
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( HVi
tgL4JUUUU>JLi JJXUJJJLtJUl
Ml) Londres 1902. No ano an.erior. Vignaud publlcára em Paris a edição (ranceM da m«ma obn. (ampliada r.
*^ (41 M L,-s Corte Real et leurs vofaaes ju nouveau monde. Pans, IBIIJ,
(42) H. Qamier, edilor. Rio de Janeiro e Parts. 1910.
XLVI I
Introdução
e anteriormente:
•bem aventurado Príncipe, temos sabido e visto como no terceiro
ênno do vosso reinado, anno do Senhor de mH quatrocentos e no-
venta e oito donde nos vossa Alteza mandou descobrir ha parte
Occidental passando alem da grandeza do mar ociano honde se
acha navegada uma tam grande terra firme com muitas grandes
ilhas adjacentes a ella que se estende a setenta grãos de ladeza
da linha equinocial*...
•Ora nâo é possível que o famozo capitão se dirijisse ao Rei.
attribuindo á Alteza e a si próprio um embuste a esse tempo desproposi-
tado. Ainda mais. O segundo trecho mostra que a grande terra achada foi
a confirmação do êxito da empresa anteriormente comettida.
'Cabral veiu muito deliberadamente caminho das terras america-
nas, seguindo alem da grandeza do mar oceano.
'Outros talvez o precederam: e agora já parecem menos exagera-
das as alegações, sem duvida inverosímeis, de Gaspar Estaço. (ANTIGUI-
DADES. CAP. 84) e as do espanhol Gomara sobre a prioridade dos
portuguezes.
■ mo é menos certo ainda, que com Gonçalo Velho descora a genia-
lidade do genovez; o descobridor dos Açores inicia o rumo de Oeste, e
elle por setenta annos é o precursor de Colombo.
•É util notar que o afastamento da frota de Cabral é excessivo,
ainda mesmo contando para isso uma LONGA TEMPESTADE (lugar com-
mum já hoje sem credito em varias lendas dos descobrimentos) da qual é
extremamente curioso que não fale Vaz Caminha na sua carta. O mesmo
silencio a respeito da TEMPESTADE (n'esta confunctura. acidente impor-
tante) guarda a outra relação anónima que conhecemos pela versão italiana
de Ramuzio.
-A rota do SUL. que continuou a ser a dos pilotos de carreira,(43)
torceu para oeste. Mas só para oeste vão as naus que vém arribadas ou
impossibilitadas de alcançar o cabo extremo africano e n'este caso se
fazem na volta do Brasil, demandando Santo Agostinho. Bahia de todos
os Santos ou Abrolhos. Nenhum acidente deste valor se depara nas duas
relações do descobrimento do Brasil.
Ms palavras de Caminha -SEGUIMOS NOSSO CAMINHO POR
ESSE MAR DE LONGO ATÉ QUE TOPAMOS SINAIS DE TERRA*
merecem mais detido comentário; para os antigos e ainda até os alvores
da idade moderna, o rumo leste-oeste era considerado de LONGO, porque
até então as maiores distancias extremas eram do oriente ao occidente ou
vice versa. attenta a configuração do mundo antigo que era apenas uma
zona do planeta alongada, pois, n'aquelle sentido.*
*Ho)e. na navegação atlântica poderia supõr-se que a NAVEGA-
ÇÃO DE LONGO seria a de norte sul. Outrora, a expressão equivalia ao
SECUNDUA\ MARE dos romanos. Sobre o meridiano contavam se os graus
de LADEZA como diziam os antigos cosmographos portugueses e aliás
a sciencia moderna conservou as mesmas expressões antigas LONJÍTUDE
(leste-oeste) e LATITUDE (nortesul).
(43) Roteiro de Vicentes Rodrigue». 16; Id. d« Aleixo da Mola, 96-97. ed. de O. Pereira.- Soe. Oeogr. Lisboa,
XLV/III
*Até antes de D. Henrique os naucgantes do sul não se animavam
s prolongar a viajem a L'05STE além do cabo Bojador, assim chamado
por que BOJAVA para o occidente umas quarenta léguas, ainda augmenta-
das de parceis que FERVIAM por uma restinga adiante, por seis léguas.
'Parecia entÀo aos navegadores que o mar FERVIA e só a audá-
cia da NAVEGAÇÃO DE LONGO poude contornar o Bojador e dissipar
as antigas superstições. Quando a experiência da navegação costeira mos-
trou que se podia mais tarde fazer a VOLTA DO MAR (abandonando a
costa) entio começaram as grandes NAVEGAÇÕES DE LONGO e o pri-
meiro rasgo será sair de Lisboa no rumo S. S. O. até Forteventura das
Canárias, isto ê, a 28o.
<Esta é a rota da índia c também a do Brasil, seguindo os rumos
sucessivos das Canárias, Cabo Branco e Cabo Verde: rf.i/ por diante os
que buscavam a índia navegavam PARA O SUL seiscentas léguas.
•A CARTA DE CAMINHA indica sucessivamente a$ escalas CANÁ-
RIAS. CABO VERDE.
• Vê-se que o rumo de Cabral foi de S. O. e não S. e que a hipo-
these explicativa desse afastamento - a de que os navegantes fujiam a
tempest.uies ou iam ALCANÇAR OUTRAS CORRENTES- é meramente
gratuita, e é mesmo tendenciosa, pois aponta á conclusão de que o desco-
brimento devia ser CASUAL; ao contrario, o desvio para oeste era sempre
um conselho por aproveitar os gerais.
*Cabral abandonou o sul por oeste, no mesmo momento de nave-
gação em que Vasco da Gama, pouco antes, abandonara o rumo do sul
por leste, demandando a terra africana até a angra de Santa Helena. Antes
doesse desvio, ambos, um com a certeza, outro com a fantazia e esperança,
demandavam a terra firme.
'Bem antes da prova experimental da redondeza da terra, dada por
Fernando de Magalhães, já Dom Manuel fazia executar uma POMA ou
globo solido do mundo com as cartas de marear de Jorge de Vasconcel-
los: em Lisboa ou nenhures é que havia a intuição mais nitida do planeta,
qual o haviam revelado as navegações.*
XLIX
Introdução
mil Brurt *
IaRTINDO do simples para o composto e do conhecido para o duv.doso. anngom se
suhados que seria difícil obter, se intentássemos penetrar no labmnto em que lantòs
' e tam grandes espíritos se perderam, Perante a clareza da sôbr.a ^^9""^^"'^^^^.° .f/"^
La do historiador brasHeiro ]oào Ribeiro, como estamos longe da profusa d'a^c " de
Goncalves olas. na polémica erudita que o grande poeta sustentou nas suas ReUe.ôes
CO. o Con-meir^^^^^^^^^^ ^^-^^^^^^ ,,,, ,3ndo o depoi-
. Arjfles Tusítano protótipo da honra cavalheiresca e a mais brilhante figura guerreira da
mento do «Aquiles lusitano . P"' ""P" negociações de D. loâo II revelam a forte sus-
'^'";^^::",^^3road''e:'::is'' zr::T:\%z\i{^:^L\.... ^^^.o.^<^^ do „.a„has
„1 DCTOcíuar as dúvidas e prolongar as inlerrogacôes e relicéncas perplexas dos su ess,-
proporçSes para perpciuar as ou P « ^^^^^^^ .^^.^.^^ ^ arqueologia hislórica
voí intérpretes desta P/fma da H,s ona^^ mediterrânea. A pertinácia com que o
reconstituiu o quadro '^'l^'^ '^'^^^ dvilizações caldaica. babilónica, assíria, judaica, lenida
«'"'^ti^e f paíecTter etrre ido pe^roftr^^^^ n,istérios do problema dos descobrimento,
ccartag.nesa parece ter esmo e^ P ^ ^^^^^ ^^^.^.^^^ resultados que almg.r.a a
Q„,s.se 3da em sentido inverso do usado no método cronológ.co progresstvo:
""'Tef Ôelo mi'odr;egre sivo^S^^ no estudo da geografia fisica se partiu das idades aCuats da Terra
" TL oiLntZia ! porque não aplicar o mesmo processo aos períodos controversos da Histó-
A nráticaTlVnstra que tftda a naíraliva que comece no duvidoso, depressa envereda Para a cri-
na? A P"''" ''''"X,"^^^^^^ da América s6 parece um enigma porque a fantasia alucmatória de
Co;:r'Ton^alídr co: a"'sisuda'discre,âo po^.uguesa-o envolveu na névoa em que se perdem
os "'^'Ori»^»;!^- j semelhança dos relatórios de Cabral, dos capitães da esquadra e dos pilotos,
as cartas de Caminha e de Se ]oão se ttnham perdido. cA que inverosimeis hipóteses nao se have^
ri^rónlreaue oríistoriadores, no eslôrço de reconstituir com as imaginosas versões da tempestade, do
Xe das co^enTls oceânicas e do acaso, essa página tam formosa do desembarque dos .cavaleiros
"'"''Dia':;te''da impassibilidade scientifica de reconhecer a constrangen.e influência ^as ventanias e
da, correntes como determinante do desvio de Cabral na sua róta, sem paragem desde as andas pa.sa^
«Òs Tuná^ das ilhas de Cabo Verde até aos luxuriosos panoramas tropicais de Vera Cruz, pod a-se
^essent fTm p cut^Ôr, como as equações de Le Verrier demonstraram a ''^ / ^'^.f ^ °;
^ OS argonautas portugueses, desistindo de ir procurar por ocidente o velo de ouro de Tosca
nelli tinham as suas razões. É impossível negar as alegações e esperanças de Colombo de desembar
« em Cwango ou Cathay: as terras das especiarias, que no mapa do aulor veneziano do Lwro das Ma-
ZZs do Munáo ficavam a mais de 1500 léguas para o Oriente da sua situação na esfera Na corte
poCuesa d^ boa fonte se sabe. pois que é a da experiência, que Colombo se Hude. '«o nao obsta a
que D )oâo II proteste contra o Breve de 3 de Maio de I«3. Inler ccetera et Ex,m,^ deuohoms. e o
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I
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d.,lc ou c.!.u.lld«dc ío doscobnmcnlo C^^ral. A ■«'''"'f"' ty dZ-SV lr méslral do Insílulo Mislórico c Geogrí-
x^^,.T' ' '''"\r'o^„'itK%\p%.% r3M^^^^^^^^ '
406 do mnmo T , _ portugueses nos mares da Amírica, menciona a
" ito Vcspucio. esquece ndo-se. ao proclamar tamanha inius-
cra porluguísrde que loi com um pilôio português que
; l?r*o Pacilici; de%ue o autor do 7r./jdj) dei esphera
iiUola é o portugui-s Francisco Falciro; de tiue o por-
que a Carta Real de 6 de Agoslo de 1508. pub .cada
. mlerioridade em que se achava a marinha espanhola em
niiftto tòsse autorizado a navegar sem o quadrante, o
inos dCDOis o ' >a. t"" ^J^^s cartas, datadas de Sevilha.
, :-"°or.1'rês« . '.s superiores conhecimentos dos h^-
. i . . .lado que Goncalves bias conironlasse os gro^elros
Pinzon - que se orientaram pela allura polar -com a '-'"«^^f ^f.
i ir como impróprio da sua inteliséncia. argumento iam absurdo, que nos
dos se^i os do empregado comeFcial dos Médicis. para explorar as terras
. L- iflaa it/W*
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Vot. III. a paa.
I com a portuguesa.
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de Lkpaitiu. io.io í)í^»
n,i<;sagem do finisterra
obra náutica da litt
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299 da
idos por Colombo. Hojcda
que Uuarie l'atiicco c i-abul Imtiaiii ii*io manaji-loi a reconhecer em 1499 e ISOO.
L
/ntrodução
Breve do dia seguinte, que já restringe as concessões exorbitantes do anterior, obtidas por Bernardin
de Carvajal e Ruiz de Medina. O primeiro doava a Fernando de Castela e a Isabel de Aragão, que ti-
nham unificado a Espanha no tálamo, omnes insulas et femis firmes inventas et inveniendas, ííetectas et
deteqendas uersus occidentem et meridiem... O segundo já decretava que as concessões espanholas
abrangeriam apenas as terras a poente de uma linha meridiana. traçada a 100 léguas a oeste e ao sul
das ilhas dos Açôres e de Cabo Verde: qu(e iinea distet a qualibet insulanim qucp vulganter nuncu-
pantur de los Azares y Cabo Verde centum teneis versus occidentem et meridiem... Resolutamente o
rei de Portugal protesta contra a partilha magnânima do pontífice espanhol, mas o exame das suas re-
clamações revela que nâo é o receio de ver atribuidas à Espanha as regiões meridionais da Asia (das
quais se aproximam cada vez mais as naus portuguesas) que determina o protesto. Se em Portugal se
acreditasse que Colombo atingira a Ásia pelo caminho rápido do Ocidente, a circunnavegaçao da Africa
teria sido interrompida e as caravelas portuguesas, que havia mais de meio século desciam a costa afri-
cana à procura da passagem para o mar das índias, fariam prôa ao poente. Para lustificar a rebeldia
contra o decreto da Cúria. D. leão II podia invocar as bulas anteriores de Nicolau V (8 de laneiro de
1454) e de Calixto III (13 de Março de 1455). confirmadas por Xisto IV. que Alexandre IV. o pontífice
espanhol anulara ao anúncio do regresso da frota de Colombo, carregada de escravos.
As navegações para o Oriente prosseguiram, mas as reclamações foram sustentadas.
Os trofeus que Colombo trazia da Guanahani e da Mayaguana. e que, por fôrça maior, veio exi-
bir a lisboa. eram a prova de que nâo atingira os arquipélagos asiáticos. Só a cegueira de Colombo
podia identificar a Ásia de Marco Polo. a Ásia dos esplendores e das especiarias essa Asia que ha-
via tantos séculos estava em relações comerciais seguidas com a Europa, por intermédio das caravanas
arábicas- de onde proviéra o Cristianismo, seguindo o itinerário de todas as religiões monoteislas. -
com aquelas ilhas habitadas por canibais, i Teria sido. então, para capturar alguns Papaga.os e chegar
ao contacto com uma humanidade primitiva e selvagem que. durante tantos anos de dispêndios e catás-
trofes, a nação gastara o melhor do seu heroísmo e dos seus haveres? Basta encarar êste contra-senso
para conceber a incredulidade de D. ]oão 11 -embora o tivesse impressionado, a princípio, a côr
dos cativos, trazidos por Colombo. -e para compreender a política a que fez obedecer, como um diplo-
mata consumado, as negociações ultimadas em Tordesilhas.
O historiador henry Vignaud. entre os motivos que expõe na análise exaustiva da carta de
Toscanelli para considerá-la apócrifa, menciona o de não cogitar ainda Portugal, no fim do remado de , ,
D Afonso V. nas índias asiAticas. mas apenas nas índias africanas do Preste ]oao.
Entre a carta de Toscanelli. que nos foi revelada pelo próprio filho de Colombo e que teria
sido escrita a um cónego Fernão Martins, em 25 de ]unho de 1474. e a partida do descobridor incon-
r^ente da América, em 3 de Agosto de 1492. para as Antilhas, decorreram dezoito anos. Em Dezembro
dc 88 Bartolomeu Dias regressava do Cabo da Boa Esperança, de descobrir a passagem para o
(ndi o havendo partido no verão do ano anterior. Neste mesmo ano de 1487. D. )oao II n^andára Pero
da Covilhã e Afonso de Paiva renovar a tentativa de dois anos atrás, para se ahngir a costa oriental
da África Se de facto, o objectivo das navegações portuguesas fósse apenas a índia afncana o re. de
Porfu ^ter^ prosseguido à obra de D. ]oâo l. de D. Duarte e dos pruneiros anos do remado dc seu
Se iresco pai. obra truncada, apenas assinalada pelas tomadas vingadoras de Tanger e Arz. a. Mas
«ac amrn e a falta de continuidade nessa empresa militar c não parece md.car-nos que o objcct^o
Tor ^guês visava a navegação comercial do Índico? Nâo faltaram historiadores que. ^"^''^^^^^o os acon^
fprVmPntos dos séculos XV e XVI com a moderna mentalidade, sal.enlaram o erro do sobre-humano
l"p~^^^^^^ <íue essa ambição heróica de alcançar a a.r^^^^^^^^^^^
fni rAura de enfraquecimento e ruina. e que haveria sido muito mais profícua e menos d spendiosa a
ó a err stre pl en aS^^^^ o impetuoso heroísmo português para o litoral africano ^Wd..erràneo
asiát CO do Irai mediterrâneo, contornando o bloqueio turco, suplantando a cara.ana com a esquad a.
A INDIA ASIA
Introdução
nação a tamanho empreendimento. Parecem-nos ociosas quaisquer conjecturas, quando a empresa gigan-
tesca foi concluída pela nação pigméa.
A verdade é que não havia outro modo de resolver o problema das relações marítimas da
Europa meridional com o Oriente asiático. A viagem da circunnavegaçào da África era imensa, mas que
nío exislia caminho mais curto todos nós o sabemos, pois só depois de Lesseps praticar a incisão do
istmo de Suez os navios deixaram de seguir a róia de Vasco da Gama, como ainda hoje a navegação
entre a Europa e o Brasil austral se orienta pela mesma róta de Cabral, pelas mesmas estradas maríti-
mas, com as mesmas escalas. Havia, sim. um outro caminho, mas mais extenso que o périplo africano,
(45). por onde passou, com a energia despótica de um tirano e a audácia sombria de um super homem,
depois das execuções punitivas na costa patagónica, o pilòlo português Fernão de Magalhães, coman-
dando uma frota de Espanha.
Quando a viagem da índia vai vencendo as morosas escalas, o Mediterrâneo está fechado ao
Oriente pelos turcos e o litoral africano encontra se na posse dos mouros. Para Portugal havia só o
recurso de lançar-se ao mar. Os cavaleiros de Cristo e de S. Tiago apearam se dos ginetes e subiram para
o convés das naus. É essa «cavalaria dos oceanos» que desvenda os mistérios aquáticos do globo, que
gradualmente desce e remonta o continente africano, que põe a Europa em contacto com as milenárias
civilizações orientais, apaga com audácia impávida as legendas assustadoras dos finisterras, corrige os
erros da geografia de Ptolomeu, descobre as constelações dos novos céus austrais: que dá motivo,
enfim, para que Duarte Pacheco Pereira, começando a escrever o Esmeraldo, nos primeiros anos do
século XVI. assim possa rematar a oferenda do prólogo a D. Manuel: apoderemos por vós dizer o que
disse UergHio por Cesúr Augusto: ~ *Tu és governador do grande mar e todos honram as tuas gran-
desas e a ti sirva a ultima Thulle*.
A D
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DA
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DESCOBRIMENTO das Antilhas apresenta-se nos como um episódio à margem das nave-
gações lusitanas, pois os navegadores do Índico haveriam de tocar, um dia, na América
Austral e as expedições dos Còrte-Reais acabariam por atingir (como atingiram em 1500)
as terras da América setentrional. (46) acrescentando ao mapa do mundo um continente.
Assim, num breve ciclo de oitenta anos, Portugal leria completado a revelação dos mundos
novos, embora Colombo houvesse continuado em Cénova a humilde profissão paterna de tecelão (47).
Os erros acumulados dificultam o trânsito do pesquisador no caminho da verdade. É necessá*
rio transpor ésses erros com resolução. A história do descobrimento da América ainda aguarda o histo-
riador que repita a revolução operada por Momsen na história de Roma (48). Como a alquimia e a as-
trologia medievais, a sciéncia histórica está inçada de preconceitos empíricos. Menos feliz do que as
sciéncias positivas, baseadas na observação e na análise, e que se insubordinaram contra os erros do
passado, a História continua acorrentada às versões dos cronistas, que atestam frequentemente de me*
mória, que são, bastantes vezes, os fixadores de tradições orais, cujas obras veneráveis, mutiladas
pela censura como monumentos incondusos, tiveram de submeter-se às conveniências do Estado,
sem violarem os arquivos secretos onde os reis guardavam as chaves da sua diplomacia e da sua
politica.
(45) PemAo de MagalliSes nivcsou 14.47S milhas de S. Lucar às Molucas.
(46) Segundo o P.« Cordeiro, na Historia Insulans, só cscríla no princípio do século XVill, }oio Vaz Còrte-Reat
e Alvaro "< '' I . Homem teriam desembarcado na ilha da Terceira, de regresso da Terra Nova dos Bacalhaus, por volla de
1464, e. < < do vaga a capitania, por morle de lacomo dc Bruges, a solicitaram da viuva do Duque de Viseu. Esta nar-
rativa (a 111 da op. cit.) é Inspirada e em pjric n-produílda do cap IX do Liv. IV das Saudades da Tem, do dr.
Qaspar I ■ .Jo dc Alvaro Rodrigues de Aiovcdo. Funch.il 1873) Honr\' Harrisse. em ics Corie-Reãl el leurs voyjges
ãu Nouii ^, 1883) demonstrou com o ^alionlc auxilio das r <:ões de Ernesto do Canto, que nlo tiá base
para adiu ,1 Vaz CÕito-Real tenha descoberto o continente .1 -o.
(47) *Seriã a Ametica fatalmente descoberta pelos portugueses dentro de pouco tempo, ainda que Colombo não
existira; ' ' dos mares africanos, afastavam-se sempre para oeste com o fim de evitar as calma-
rias da ■ ito do Brasil. pí>is foi o que sertã cgualmente o da America, um episodio do périplo
africano'. João K.t>v:iio. íiiHtjtij bt^itt. pig. 28.
(••■■^ ■ ....
l'AmfrÍqae. i<
auteurs de noui- u-iiij>,, , ,1 > víJj.
LII
ffirmer dès main' - - ' c'est que Vhisloire des Cãti nrcliatcs de la découuerle de
Humboldl el V. jo Irmng. el telle que la :inciil encore la pluparl des
crireK Utiiry \/ignaud. La lettre el la Carte dn íoscanelti. * pág. 6.
Introdução
É eKtremamenIe moroso o curso de uma idéa nova até à sua incorporação na História. Peto
que respeita propriamente ao assunto das expedições atlânticas, os recentes trabalhos de historiadores,
geógrafos e scienllstas. como os de Beazley. de harrisse, de Ravenstein. de Vignaud, de Densaúde, de
Luciano Pereira da Silva, que acumularam provas inéditas e múltiplos indícios para a estrutura de novas
conjecturas, não puderam ainda influir decisivamente na alteração das antigas e erróneas concepções, im-
postas pela autoridade de nomes consagrados que imperam nas altitudes da sabedoria humana. A in-
fluência dos novos Aristóteles não durará, porém, o que durou a do primeiro génio da dinastia.
O homem habitua-se ao que sabe e dificilmente condescende em reconhecer o érro que inuti-
liza êsscs conhecimentos laboriosamente adquiridos. Outra não é a causa a que se deva atribuir — para
só citar um exemplo —a relutância dos astrónomos, dos matemáticos, de tôda a sciéncía universitária
em geral, para admitir a teoria astronómica do cónego polaco de Frauenburg. Muito tempo depois da
publicação, em 1543. do De reuolutionibus orbium ccelestium. que só aos setenta anos Copérnico se
resolveu a imprimir em Nurembergia, dedicando-o ao papa Paulo IM, ainda nas universidades os sa-
pientes doutores e orgulhosos capelos ministravam a errónea (se bem que maravilhosa cm seus resul-
tados surpreendentes) concepção piolomaica da astronomia, sôbre cuia base convencional a humanidade
havia realizado alguns dos mais grandiosos empreendimentos, como as descobertas dos mundos novos
que demoravam incógnitos na imensidade das águas, circundados pelos abismos oceânicos. Só no século
XVII, o sistema heliocêntrico do observador da Cúria Copérnico foi unanimemente aceite, depois de cor-
rigido o érro da órbita circular dos planetas, e depois que Galileu, inventando a luneta astronómica,
tornou possível a observação das fases de Vénus, dos satélites de ]úpiter (Mundus Jouiâfis) e das man-
chas móveis do Sol, que tornaram manifesto o movimento de rotação do globo solar e permitiram à
imaginação humana lobrigar, ao depois, a existência de outros milhões e biliões de sóis chamejantes,
centros de sistemas planetários, revoluteando nos incomensuráveis espaços celestes.
OLOMBO é um nome que principia a designar para os historiadores mais uma data eterna
do que um homem efémero. Na viagem às Antilhas, os povos europeus, fundadores da
néo-civilizaçào americana (pois que na América central e transândina tinham encon-
trado sobrevivência dc remotas civilizações, comparáveis aos pródromos das civilizações
egipcia e assíria) simbolizaram o assombroso acontecimento social que dessa viagem
mística e aventureira resultou. Para ser exacto, o historiador não pôde apelidar Co-
lombo de descobridor da América.
O nauta genovês encontrou a América, ignorando-a; visitou-a em mais três viagens, tenaz-
mente convicto de que navegava nos mares asiáticos, olhando-a sempre através da mesma ilusão com
que da primeira vez a avistara do convés da Santa Maria (49). Flagrante inexactidão seria atríbuir lhe o
descobrimento de um continente novo. quando o infeliz grande homem assim persistia na crença de ha-
ver atingido os confins orientais da Asia, e não as regiões de apagada memória, por onde, havia mile-
nários, tinham transitado as nómadas multidões humanas, isoladas mais tarde pelas gigantescas convul-
sões geológicas e os dilúvios. Colombo nunca entreviu a correlação das lendas com as realidades ime-
moriais e as remotas convivências do homem europeu e asiático com o seu irmão americano. Este rea-
lizador de quimeras, colocado pelo acaso diante da mais grandiosa das realidades, supõe encontrar se
(quando exausto de procurar a Cypango das maravilhas) nas visinhanças das regiões metafísicas, onde a
antiguidade clássica localizava o Eden e os Campos Elísios, e onde o protegido dos frades arrábidos
A rnvrff"-.(n
Ur» AMI HtLA
(49) Ao historiador geógrafo F, Wicscr deve-se a descoberta, num códice Iloríniinn. quMra psboço? rartopríficot,
desenhados à margem da cópia de uma carta de Colombo, dat.id.i da ]3maic.i, .los 7 il n
cartográficos devidos a Bartolomeu, irmão de Crislovào Colombo e seu companheiro de - n
da das erróneas concepções cosmográfica» de Colombo. A costa entre Danasse e Retrete € id como sendo « coíla
orienta! da China (Sinaruni sttusf . no lado oposto a Retrete assinala-sc o litoral do Panam-í, b,.L i -lo Ocejínus Indtcus.
Isto passava-sc três anos depois que Colombo, ro decurso da 3,' viagem (1498-tsoO) avistara a terra lirme de 1'úrla. vislnha
daquele rio Dulce (o Orenoco) a que Pmzon Iria no último ano do sículo XV. e que se procura idcntilicar com o Amazona».
Cí. Wiescr, Die Harte des B*rtolomeo Colombo. Insbruck. 1893.
Llll
Introdução
pretendia dever encontrar-se o Paraíso bíblico (50) -pois na sua imaginação exaltada as reminiscências
clássicas misiuravam-se aos êxtases e arrebatamentos de um místico medieval (51) Êsle delírio religioso
nâo prejudicava a ambiçào. por vezes áspera, de um megalómano, exasperado por longa abstinência de
ventura, deslumbrado petas visões de minas de ouro. bancos aquáticos dc pérolas, jazidas de carbúncu-
los e de esmeraldas. Clinicamente. Colombo foi já classificado por Lombroso como um herói patológico,
acometido pelo delírio das grandezas, sôfrego de lílulos. de riquezas e de honras; e infunde surprèsa
ver tão exaltada fé, posta ao serviço de uma expedição mercantil, em que os Pinzon entraram com sa-
liente cooperaçáo. a título de sócios de um negócio fascinador, que prometia lucros fabulosos (52).
n.o ç^or-
. L^.^^f^l-
« .o, ....
De lado, a Amírica s6 é descoberta na sua conlinuidade territorial - embora ainda com limi
^ .ntprecsos-pela expedKâo clandestina de um dos consultores técnicos de Portugal em To rdesil T
Duane Pacheco Pere.ra. em 1498 (53), e pelas viagens quási simultâneas de Pedro Alvares CabrTa Vera
nas
d
l.r
ífluaj ajl(),id4s do mar) ' ^ " ™' « a 'nwísao das águas doces dos ,
Cana dl- Colombo .tos R. '^'J opinon de estos súnios c sumos i,
' ■ ■'. i. íJ.iá- 408,
, , .."ílSe-SV^r" Colombo .r. L-epoc. deite Grandi Scoperie :
■lenti sinsoían delia suã dotrhna co ' ^ ^cufezzã di osserujzione. nè
-.. op. cit. pág. 289. ritj, e misetãmenle distralla d*
(S2) O CU»IO tOl«l da CxpcdíC^JO foi de 1 167 M? mirMif^lc A ,
■'■ ' '''^o de maravedis, sendo o»T " brasifeira) ou £ 9M).
■s n.wtos pr.i proprirí1,>ilr rf,, tolombo. Ao conrr.irio do que por muilo
■nto de ini. ' J""" '""""^ncia paw a .iqui-
. cr modo f ^ 1".^" de la Cosa:
.»pí^ò^<^;S' ~í , . , '=i
líoii. cm 1S08, reclamando o ctJ
A Coròa <
tempo Sr
ti' .1
njLiiliiÍ4iii; u
foram considerai.
'lada nórida.'«Solu, , -°„,í*^ S'"oví' Canério(IS02). composto com
* •'"na do descobrimento da Amenca 1"*". Ponce de Uon. Pste
■* ■ ■ rtintnca , ^ .^jp^ Cantino. Harrisse (Les
os Reis. Durante trinta
por H. Harrisse. Paris.
Corte fie.ll et leurs
LIV
Mondej observa: -nous jvons ,a u,, n- , LV^^^" Cantino. Harrisse (Les
Introdução
Cruz e de Gaspar Côrte-Real à Terra Nova. É com a notícia destas duas últimas viagens, realizadas no
último ano do século XV nas Américas setentrional e austral, e de outras misteriosas navegações por-
tuguesas na América central, que o embaixador Alberto Cantino manda compor em Lisboa, em 1502 o
planisfério iluminado, remetido ao duque de Ferrara (54). em cujo pergaminho aparecem traçadas a
Groelândia e as terras do Lavrador e dos Dacaláos, prolongando-se até às regiões da América Austral
aonde acostára, na róta da índia, por 16« 16', aproximadamente, de Latitude S., a expedição de Cabral
como ao depois a de Afonso de Albuquerque, em 1503 (55). Éste mapa. considerado em seguida ao
fragmento de ]uan de la Cosa. o primeiro grande monumento cartográfico da América, representa um
depoimento decisivo acêrca do papel proeminente, desempenhado nas navegações do Atlântico ocidental
pelos antepassados históricos dos Brasileiros e revela ao mundo a ligação continental das regiões tro-
picais de Vera Cruz com as terras glaciais do Lavrador, delineando o litoral da península da Flórida,
aonde só em 1508 chegou Sebastião d*Ocampo. São essas viagens — das quais uma proposital (56), e
outra que, erròneamente, se tem denominado incidental — que inspiram o primeiro planisfério do século
XVI em que aparece o esboço do continente americano.
O primeiro mapa do novo continente é. pois, português e consequência das viagens simultâ-
neas de Côrte-Real e Pedro Álvares, completada esta última por uma série de expedições clandesti-
nas, realizadas entre os anos de 1500 a 1502 boreal e austral do continente americano. Resultante da
concordância destas diversas informações geográficas, aparece a imagem da América, a primeira fi-
xação pictural da idéa da unidade continental, fundada na observação directa. Até êsse momento,
nenhum documento, de qualquer natureza ou procedência, permite atribuir à Espanha e aos seus na-
vegadores a concepção da unidade continental das terras do Ocidente. Existe, sim, um outro documento
anterior, mas que só confirma a prioridade da surpreendente concepção portuguesa do continente ociden-
tal. É a carta de Pascuáligo, escrita de Lisboa aos 18 de Outubro de 1501. (57) relatando a chegada de
traeé et dhrit êpparcmcnt <ie visu te liltor.it des États-Unis: fjit .i" ■^ídér.tble qu inãtlendu* . . . Ncntium grande geó-
grafo confronlou ainda o ptanistírio de Cantino com a passagem do /. ííi, em que Duarte Pjchcco Feteira menciona a
viagem de cNplor.iç.lo (luo no ano de 1498 empreendeu para as parles otidvnuls. Apenas os tiistoriadores mala modernos, como
Errera. se relerem .is •■>i\--iier(c che ignoti nm-injton porioghesi (?) compierono intorno al iSOl tango te coste deitã ftorida e
forse detta drotina ...»
(54) O planisfério. enviado de Lisboa a Hercules dTsic. duque de Ferrara, em dat.i tlK.ida anleriormcntc a 19 de
Novembro de 1502, cncontra-se na Biblioteca Estense dc Mddena. Um decalque do documento original, executado pelos profet-
sores da Escola Militar de Módena. Malatesta Zattcra c Antilti, foi reproduíldo etn fac-simile por PIliuski para a obra dC Henry
Harrisse: <íf5 Cortv-fif.it ct i/ofages au Nouveau Monde* (1863), com as dimensões X^^.TO :: l'n.21. No prtlogo dpso obra
escreveu Henry Harrisse: «O planisfério de Cimino, além do inleri>sse excepcional que desperta, fjirndo-nos r as
regiõti msitjdas ou descobert.is por Gaspar Côrte-Reat, revela f.iclos que icranlam um problema cosmogrifico . , por-
fância n.io escapará ao leitor. Não iàmente os geógrafos rcconhecerJo nos contornos ocidentais o protótipo dos delinea-
mentos do novo continente, que se nota em todas as edições de geografia de Ptolomeu, publicadas em Itália, na Alemanha
0 em t-ran(a, até ao meado do século XVI, mas verão com surpresa que o litoral da península da Flórida e da parte oriental
dos Estados Unidos foi descoberto, explorado e a êle deram nome navegadores que se ignora quem tossem e qual a sua
nacionalidade, doie anos antes pelo menos da mais antiga expedição de que haja memórià'.
Por ocasí.1o do úllimo Centenário do descobrimento da América, figurou na scccAo portuguesa da cxposiçSn f
bina de Madrid uma cOpia fologr.ilica do mapa de Cantino, enviado pela Societ.í Geographica Italiana de Roma ao M
dos Negócios Estrangeiros, de Portugal. Esle monumento cartográfico cncontra-se também na colecção de reproduçin- . inUi-
gnificas, executadas sob a dirccç-lo do historiador o geógrafo americano Edwar Lulher Sfcvenson l^h. D., editada em New
Drunswiclí (I90&). c que consta de vinte mapas, reproduzidos em 124 lolhas. nas dimensões dos documentos cartográficos
originais, acompanhados de texto e mapas interpretativos, in quarto. O mapa de Cantino (Carta de navigar per te Isole nova-
mente trovato in le parle de 1'lndia) é o numero um da colecção, como a primeira Imagem pictural da América, c está publi-
cado em 15 (olhas de 300 :: 480 mm, com a seguinte nota Informativa: tNcat to the Juan de la Cosa map the oldest knou/n
cartographiral document on America. It records tlie discoverivs of the ihird r -f Colombus (1498), ot the voyage ot
hoieJa lo Venezuela (N90), of Cabral lo Brazil (ISOO). and of Corle-Reals to Neu ■ id (ISOl). It appears to be lhe u/ork
of an Itatian copyist hased upon Spanish and Porluguese sources.
(55) A I3ahia Cabrália. desde a ponta de Sanio António, ao norte, afé à Corôa Vermelha, ao sul. compreendendo
os recifes Sequaratvba. Itassepanoma, Alagadas, Baixinha da Coróa Vermelha c rocha da mesma Corda, mede 12.954 metros de
comprimento sobre 5 556 de largura.
As coordenadas da ponta noric, que tórma uma das entradas da bala, sAo a latitude de I6o 15' 35" e a longitude
de Ao 9' 15", referida ao meridiano do Rio dc Janeiro.
Na sua carta a D. Manuel, o 'bacharel mestre Joham. ffsico c cirurgião*, assinala a latitude dc 17 aráos: >ayer
segunda feira, que fueron 27 dc Abril, desçendimos a Herra, yo, e el pylato do capytan moor. e el pyloto de Sancho do Tovar;
e tomamos a altura dei sol, al medjo dja; e falíamos 56 grrados, e ta sombra era septentrional (deve entender^sc meridional).
Por lo qual segundo las rreglas dd estrolabjo, jusgamos ser afastados de la equinoçial. por 17 grrados*. (Corpo (Tron,. parie
3.>, maço 2. n.o 2)— (Descoberia por Varnhagen e publicada na Revista Trimestral do «Instituto Histórico e Oeogriflco* do
Rio de janeiro, em 1843. a carta dc Jobanes arttum et medicina bachalaurius está transcrita a pág. 122.123 de Alguns docu-
mentos da Torre do Tombo.)
(56) O mapa de Cantino é antecedido pela carta de Pietro Pascu.iligo, escrita em 18 dc Outubro de ISOl. extraída
pelo paleógrafo c historiador Rank dos arquivos de Veneza, e onde o autor narra ao Senado Veneziano a chegada de um dot
navios que partiram com Oaspar Cõrte-Real. no rumo tradiciona. das expedições da audaz e heróica lamilia : «Crêem os da dita
carafella — QScreve Pascuáligo — çuc a sobredita terra à firme e csfã ligada com a outra que o anno passado foi descoberta
a oeste por outras caravellas de Sua Alteza . . . Também crêem estar ligada com as Antilhas, que foram descobertas pela
hespanfta e com a Terra dos Papagaios (Brasil) ullimamenie achada pelos navios deste reino que foram a Calecut.»
(57) M. Sanulo. Diari, códice Marciano, VII, 228.
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CARTA De
PASCUAllOO
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Introdução
Mipa d« Canário, análogo ao d« CanMno. na parta corr««pondenia k matma ragllo amarlcana,
«Mtraldo do Ailjt dp Kraiachmvr
1
1
introdução
um dos navios de Côrte-Roal. no. regresso da Terra Nova: ^quat terra... etiam credono coniungerse con
ie Andiíie, che furono discoperte per li reali di Sp.igna. et con la terra dei Papagá. nouiter trovata per
la naue di questo ré che andarono in Calicut...» Esta carta, encontrada pelo historiador Ranke na biblio-
teca Marciana, foi comunicada a Humboldt. A surprésa do genial geógrafo devia ter sido grande perante
um documento em que se provava que já antes da primeira viagem de Colombo a Honduras e Verágua
C«rt» oritnui âm T«rr» Nov*. dc P.dro R«ln«l. ih», copiada Ho Aila. d« Krciichratr
se sabia em Portugal que as nevosas terras setentrionais do Ocidente se ligavam sem solução de conti-
nuidade às terras das aves faladoras, no hemisfério austral.
Perante a revelação prodigiosa, que abalava tantas das suas convicções. Humboldt. incrédulo,
exclama : ^cette dwination qui proclame, malgré íabsence de tant de chainons intermédiaires une liai-
son contineníale entre le Brésil et les ferres glacées du Ubrador, est trés surprenante • (58) Faltou
(Sa) Humboldt, Exsmen Critique, IV, a pig. 263.
LVII
Introdução
3 Humboidl o conhccimenro do planisfério dc Cantino. Éste documento lhe teria demonstrado a reali-
dade do que chamou adivinhação. O grande geógrafo constataria os indícios da passagem dos navios
po' armonlc a 1501. pelos mares da Amónca central e litorais dos Estados-Unídos: os
ó!'. .:L<.:ic<ji.ino:> quc supunha faltarem para a base experimental da concepção do continente ame-
ru jno.
E. entretanto, esia honra táo proeminente, que confere aos antepassados dos Brasileiros, aos
colonizadores do Drasil. a prioridade do conhecimento do continente americano, deixamo-la disputar sem
protestos, fortalecendo com o nosso consentimento ou, pelo menos, com o nosso mutismo, a presunção
dc equidade nas glórias conferidas a outros povos, se bem que menos favorecidos pelo destino, mais
quinhoados no 7Ôlo com que defendem, através dos descendentes directos e colaterais, as suas honras
históricas.
•
III
I
ECENTEMENTE. alguns historiadores e, mais pròpriamentc. alguns polígrafos, téem recla-
mado para Portugal, como o sr. Faustino da Fonseca (59). os direitos de prioridade no
descobrimento da América. Essas reclamações assumiram quási todas o tom de um libelo
contra Colombo e pretendiam fundar esta reivindicarão no debate ocioso dos conheci-
mentos scientificos do genovês (60) e na sua suposta apropriação de roteiros portugueses
para a viagem às Antilhas: ponto inicial da integração da América na história da civilização. O desen-
volvimento dc tal tese. incapaz de anular o faclo incontroverso da heróica viagem, encontrará forçosa-
mente no caminho obstáculos intransponíveis. Os rigorosos métodos da crflica histórica não se lhe podem
aplicar. Quaisquer trabalhos assim orientados terão de degenerar numa literatura panfletária ou numa
altercação nacionalista, não pDdendo assumir a gravidade, a forte contextura de uma obra objectiva e
imparcial, superior às paixões e às especulações patrióticas e diaiéclicas. Certamente, Colombo não era,
— muito longe estava de ser — na acepção superior da palavra, um homem de sciência. Foi a íé que o
inspirou e guiou. Foi mais o Êrro do que a Verdade que o conduziu às Antilhas. Êle era impelido
pelas informações, colhidas no convívio com os navegadores portugueses e pela persuasão da veracidade
da teoria toscancliana. possuindo sôbre a extensão do continente asiático noções empíricas e formidá-
velmente erradas, pois colocava o ]apâo-a Cypango de Marco Polo - a sete mil milhas para o
oriente da sua real posição geográfica(6l)! Assim partiu para a índia pelo ocidente, convicto de que ia
desembarcar com os trajos de gala entre as civilizações asiáticas milenárias, nas terras dos pavões e
das especiarias. Descobrindo as Antilhas, e não obstante 4 decepção que o esperava, imagina ter atin-
gido os arquipélagos orientais. Era estranho às suas cogitações o descobrimento de um novo mundo.
A concepção geográfica colombina difere fundamentalmente da portuguesa, que nasce na aula
experimental dos mares, onde foi assistida e desenvolvida por uma congregação secular de pilotos, cos-
mógrafos c matemáticos do valor de Alvaro e Martins Esteves. Pedro de Barcelos, a dinastia dos Dias.
Pedro Escobar e Pedro de Alemquer. )oão de Lisboa, João Fernandes Lavrador, Fernão de Magalhães!
lirr
in
por Fauslino da i Lisboa 1900 História dos Descobrimentos Portugueses,
'(M A Impnmir fíò 1, , 1 i Nacional de Lisboa, cm 1917. (Em 1919 acíiavam-se
1)0 as duii pnmciras parles do 1 volume), A obra comndc-sc de três volumes
ij para lamentar que até tioie nâo leiílta sido dada à publicidade
'í f "O CU a sciènda c<
para 1!
r.
ram a proporemos
fida. lá Humboidl. no Examen Critiqut,
ica dr Colombo a uma .in.'itKí' ritiorosa,
!Óra
' Jas.
úua, Orw-Wvn. ItiVO); H. Ui^jnaud
I'aris, 1892; Christophe CÒIomtt,
i hisloriadores e geógrafos reduzl-
• ■ '■ . ?A«,^ Lisboa ao TapSo (Cyp-^^ncfo) a dist.Wia mpdM.i .itniv<i< do CinM r!o P>n,im.i fi de 11.355 milhas M<- 1852
10. quar, , , ^"^ '^'0-
i i r/jffí dí Cu/dfl. louio i. pjg. Jí). " ' ' ' " ■ ■ ele, .ircie.
LVII!
Introdução
Zacuto. Duarte Pacheco. Francisco Faleiro. Pedro Nunes e D. ]o3o de Castro (62). Há entre as duas o
contrasto da improvisação com a experiência. Sem diminuí-lo mais do que fizeram os seus críticos ine-
xoráveis, pôde considerar-se Colombo um arquétipo de aventureiro, com as capacidades de perseverança
e de convicção, próprias de uma éra de fé ardente, que só a Reforma iria entibiar. Inutilmente se procu-
rará na epopeia marítima portuguesa uma figura similar. Os navegadores lusos eram servidores do
Estado, obedecendo a instruções oficiais, cumprindo com risco da vida um programa nacional, seguindo
rótas pre-estabeiccidas e preparadas com todos os recursos da scièncla do tempo, para a execuçáo das
missões que lhes confiava o soberano (63). Colombo, pelo contrário, negociou o preço do serviço, exigiu
honras, cargos, títulos e lucros, impôs condições, reclamou exorbitantes recompensas (64).
Cousa alguma naquela obra genial de organização e de realização sistemática dos Portugueses
— porventura a mais extraordinária que em todos os tempos um pequeno povo concebeu e executou —
é deixada ao acaso, à aventura. Os chefes das expedições são pilotos experimentados, os próceres da
nobreza de sangue, coadjuvados petos cosmógrafos mais peritos. Nenhum povo colonizador teve ao seu
serviço, naqueles tempos, homens da têmpera de Vasco da Gama, D. Francisco de Almeida, Duarte
Pacheco, D. )oão de Castro, e dois guerreiros-estadistas das proporções cesarianas de Afonso de Albu-
querque, cuja memória continua a ser venerada na Asia, e de Mem de Sá. construtor do Estado do
Brasil.
No estudo do problema geográfico dos descobrimentos do Atlântico, é preciso atender à origem
experimental da convicção que levou os portugueses a perseverar na procura da índia pelo Oriente c os
decidiu a preferir os incontáveis riscos e as ruinosas despesas de uma viagem gigantesca à breve expe-
dição que Toscanelli e Monetário aconselhavam, para atingir pelo ocidente os confins orientais da Asia.
Se D. Afonso V. ou antes o Príncipe D. João (65), houvesse tentado pôr em prática o plano toscaneliano,
os portugueses não haveriam chegado à índia antes do que chegaram, mas leriam descoberto a América
com uma antecipação de dezoito anos sôbre Colombo. — se não sucedesse (como supomos teria aconte-
cido) chegarem os navegadores ás ilhas ou terras do litoral americano, reconhecerem que não haviam
atingido as regiões da Asia, regressarem desiludidos para prosseguirem o périplo africano, abandonando
por longo praso os descobrimentos ao poente. Idêntico resultado adviria da expedição de Colombo, se
o navegador náo tivesse voltado da Hispaniola convicto de haver atingido o objectivo ambicioso, que
animára o prudente Fernando e a entusiasta Isabel a cobrirem a aventura com a bandeira soberana dos
reinos de Castela e Aragão, desfraldada nos tôpos da Santa Maria, da Nifia e da Pinta i(>6).
(62) Acluaimcnie. quaisquer rtlerínci.is S «tscola dc Sagres» só podem ler um scniirto (ipurado, ^rm rorrospon-
dl^ncia com um.i ,icadumi.i n.^ulica, iundada p; ' te, A «Escot.! de Sagres- é o ciclo das ■ das
c cusle.idJs pelo Inl.mle; cscoKi pr,1licj, cuj.is . mrjiTi »s próprias galés e earjvi-tas. V^i por
]oào da Rocha.
(63) «iti nuestr.t (epopcya de /j comiuisU rfc Amcricj) fuf reaSttãdã en el cKltínor po: ■ ' ■ys:
la de Porlug,U /t/(' fc.iUzúd.i cn cl interior por /os fíi'j'i'S, los InKinles. los Consf/eros, por ,ttjin'llos rol ■ce-
bir, pri'parjr y Hcvãr á Mi/ tt'rmitio un,i Libor de litãnes* -Informe sobre l,is obras ' /.ts por ri jiíuh Uva >'itide.
no Bolelin de Ij Real Academi.i de l.i Hntoria (Madrid. Tomo LXVIll, pág. 391) por D. 1' Nove y Colsoii. d-i Real
Academia Espantiola e da Real Academia de História, do Madrid.
(64) As condições ii - is por Colombo eram inaceitáveis cm Portugal. Nem D. loio II. nem D. Mar • t i mait
acederi.im a recompensar um t o com iam exorbitantes honras e poderes, nunca concedidos pela Corõa ao -^Si
qualificados servidores, A capítui.L^ao úm 17 dc Abril de 1492 consignava que Colombo leria c Iransmillri» aos h' i i nlo
e cargo de Almiranle de lod.is as ilhas e continentes do oceano que viesse a descobrir, com honras e prcro<; 4»
Iribiit.idas ao Almirante dc i Colombo c í.l'iis herdeiros leriam o timio e o cargo de Vice-rei c Ooviui.ulut UL-ral
de tod.is as terras e contim : .-rios. com o direito de propor ã Coroa uma IKm Irtpitce, p.in su.i cícolha o nomeaç.^o,
dos governadores de cada iUia ou piuviiicia ; que 1 10 dc Iodas as pedras p^cClosa^
seriam airíbuidas ao almiranle, como sua propriedade, deduzido o cii^^fo d.i atin
Colombo seria o único juií qualificado para resolver as ias enlt iMnhoi* e O!» povos das n
que Colombo e seus herdeiros, em todos os tempos, li:. .^ito de i. ■ r com a 8." parte das despe . . .
com direito correspondente à 8.* parle dos lucros.
(65) Desde 1474, ao Príncipe Real D. ]o.^o fõra conliada por seu pai. o Rei D, Afonso V. a admfnltfraçJo colo-
nial. (Barros, Dec. I, L, 3 pAo IS2) Carla de confirmação da admimslraçào colonial de D loSo. datada de 4 do Maio de M8I.
publicada nos Ann.te» A' v/í.icí. N.o 2, série. 1845, p-íg. 37 - Leis ' oslo e 10 dr - i ' 174,
publicadas pelo sr. ]o.h , . . na sua obra fjstronomie njulique ãu Po ^^ique des <j< '>'5,
a pág. 273 e 27S.
(66) De qualquer modo. D- )oJlo II tinha motivos para recusar as ofertas de Colombo pelo preço exorbilantc que
élc reclamava a um rei que dispunha de experientes e desinteressados navegadores, dedicado» ao serviço da naç.lo. Como
observa o insuspeito Humboldt. no 'Exjmen critique', a América haveria sido descoberta pelas nav. ■ r - i i '■■ ilo»
Còrle-Reais e pelas armadas da índia, admitindo-sc, embora, que, por ocasião da primeira viagem il de
Patos a 3 de Agoslo de 1492, dezoilo anos depois de escrita a caria de Paulo Ti >'i ao Cónego I '.^.n;!!!.. O. jo.io 11
nio suspeitasse da exisiíncia das terras ocidentais. Ora, esla suspeita nào é só i , mas parece revelada por subsistentes
provas que facultam ao historiador a tnlerpretaçao racional dos numerosos enignida da navcgaclo jllAnlica ocidental.
LIX
Introdução
a Jndias Ocidentais: assim se baplizaram os arquipélagos americanos (67) Era uma ilusào ma<t
a essa m.ragem deve a Espanha a assinalada glória da epopeia uirramarina. que tem o semS* e as
'ZTret^s ' como ornado de pí^^as ca
PROBLEMA Colombino ainda nâo está resolvido no sentido rigoroso em que só a
unan.rn.dade de opiniões autorizadas, concordes sòbre uma solução, poderá torná-la
dcnn.hva. Para H. V.gnaud (68). o núcleo da questão colombina reside na prova de
apócHfa correspondência de Toscanelli. que o historiador americano reputa
clora da /í^L^z/fr f H"'"''^'^ ' ^*»"'^'<^°> ^«^^'^"'^ ^a Comissão dire-
HnmhnMW7n .^^"^r^""'' ^ ^ ^lemâo Sophus Ruge admitem e sustentam, de acordo com
1772)1 «7.' ""^^<l"^"'--^nte. como D^Avezac no congresso de Antíé?^
Viq au*/L omL"'n^'^^ 'h ' ""^ ' ^*^^"t>^""<^"'-- ^"í^ plano fôra mé^o executor Para
fòfZ t nt r ' Toscanelli: -A /o^re rf^ m/<,rma(ra«. de onde extraiu a sua conuicçlo
sZn .uZ r ''"í ^'"'"^'^^ '^^^f^^^^^nte às terras e ilhas que se supunha teren^
5,rfo at;;5Mrf^5 nas reg.ôes inexploradas do Atlântico. (73). Chegou à América, procurando aTiírde S
am^par/da ^erlfmilh^ní ^"f ^ * P'™"^'" viagem -e adrêde improvisada.
V
regresso
semeadas
ÂoZlm^'''" " por Charles Jourdain. no
Journal de I i
(68) Toscãnetti xnd Cotomhiit
ctdade da corrwp.v
(1903). sob a fo<
» Reply trom Mr. /Uiui
L* lenrf et h carie d.
comunicada ao Conaresw do» Ainmcaniiia*,
(69) Paolo dtt Poito To
(TO) QuI a déeoutvrt ; , ., ^ ,
Legenda c nrifã Sloria. MiUo. IW2.
(71) Enarnfit Crilique. Vol I. a pig. 227.
ff/«^ra/«nr.,ríon;S?c/ ' 'íic'í An1íí^s?,/i,iTX í ^""-o^P "rrf.W ,«on ne le croit
(73) ia letuc *7 /a rjrtí tf« Toscanelli. a píj. i09.
Va.conc.lo». íit* 1 1 1 """^ ''"'^ « <^^">nlca da Con,p,„„, ^^^^^ ^
101 publicada cm Kr^ V cdiílo h ^ ' ^ii- ^larA/j*/, a/id
rM d-^rnfríf*. Florença. 1892; Toscanelli. no Vol. V da Raccolta
* - ^. . /f«u«. de IS de Janeiro de 1898: Cristoíero Colombo nella
a prtmdra das
LX
/cra.fn°«»^^^^ o^^-.o.nol^.ca.
epist. Ep. CXXXVI.
Introdução
gido no espírito de Colombo, ipara que. com que fim. inventaria a carta de Toscanelli ao cónego portu-
guês Fernão Martins? Pôde duvidar-se de que. realmente, Colombo tenha escrito e recebido cartas de
Toscanelh. mas que Toscanelli haia escrito ao eclesiástico português a carta, revelada por Colombo,
parece-nos uma interpretação temerária, arrojada, i Qual podia ser o interêsse de Colombo em demonstrar
que o seu plano -ou seja o plano de Toscanelli -desde 1474 era conhecido em Portugal? E se de
fado. ele partiu à busca de um mundo novo. que lhe revelára o pilòto da Madeira, i com que fito teria
RtConBtruçSo da Carta da Toicanclll. segundo Krciaehinar
substituído essa realidade por uma fantasia insusleniável. fonte das suas maiores desventuras? Colombo
volta da expedição, assegurando a D. ]oào II e aos soberanos espanhóis, empreiteiros da viagem, que
regressava das regiões encantadas da Asia. das ilhas descritas por Marco Polo; persevera, até depois da
sua 4.^ viagem, em afirmar (e essa será a sua desgraça) que os seus navios navegaram" por entre os
arquipélagos asiáticos. A todos estes factos incontroversos. Vignaud contrapõe a hipótese imprevista de
que Colombo saíra de Paios à descoberta de um novo mundo que lhe fôra revelado por um pilôto
arribado à Madeira, e que, para extinguir os rumores que já corriam de dever o descobrimento a indi-
cações positivas (76) e para demonstrar a concepção scientífica a que fôra subordinado o empreendimento,
fabrica a carta e o mapa de Toscanelli (77). Esta tese. se fora possível dar-lhe consislcncia. serviria, tanto
como as restantes, para salientar e demonstrar a precedência portuguesa, a preparação portuguesa, os
direitos portugueses no descobrimento das terras ocidentais. A aceitar-se a versão do eminente historia-
dor americano, só se explicariam os receios de Colombo e as precauções da Espanha -aquele, para
•lu A Os aulores conlcmporâneos <lc Colombo que regísiram o episódio das indi»cdes oblldss do piWto falorido
na Ilha da Madeira, sâo Oviedo (La tlisloria general de las /ndia-i, Scvilh.i [ 11 e IV 1 .1 ,
de Las fndiasj no Livro 1. Cap. XIV. op. tOS cl scq; Qomar.1 (Historia de Las in.. XIV c"xV
ycQi irnrncrã Parte de los Comentários Reates) Livro J. Cap, 111. Fernando Coloiiiúo dei S. Fernando Lo(ombo)
Cap, IX. Ver em Vignaud. op. cit.. a pág. 110 cl scq, do Cap. The Slory of Itie Pilol. so far as ii>c know. ^»i»i'*oo,,
/No ^aIVIJV^^IÍ^^Í ''^ '^"^""t"' ■' ^'"'''"'Pf^^ iolomh. por lules Mcos. na .Rov.sta Portuguesa Colonial e Marilima».
(N.o «2). Onlo Rebelo. Nota adicional à ediçio do Livro de Mannhariã. Lisboa. 1903. Píg. 27S e seg.
LXI
Introdução
1 t) tl ' M
3' r a glóna ilcgil.ma; csla. para defender o domínio das novas terras -pelas fundadas reclamações
e io...,J.C3çòes de Portugal. cQuem. ar os pc desde os princípios do século XV nave-
flava nas regiões remotas do Allâniico ? . ú.. ti poder-.. -.:uio os pilotos portugueses, instruir cilombo
^bre a existência de novas ilhas, postadas a Ocidenie? cQue outras navegações, a não ser as dos
Português^ c filiadas nesse ciclo, ainda semi-Iegendário, das intrépidas viagens de )oão Va? Córte-Rcal
de João Fernandes, o Lavrador, de Pero de Barcelos, de Alvaro da Fonte c de Vicente Dias podiam
haver serv.do de escola e animação a Colombo? A preparação portuguesa da viagem nâo oferece dúvi-
das a nenhum historiador. Vignaud atribui exclusivamente a essa preparação o empreendimento Colom-
bino, apresenlando-nos a intervenção menial de Toscanelli como um episódio fraudulento. A ausência da
carta de Toscanell. em cousa alguma afecta a cooperação portuguesa no descobrimento da América
Todavia a e.^tenc.a dessa carta é necessária para explicar a relutância portuguesa em aceitar os servi-"
ír.olc / ° [."'""'''^ """^ ^^^^^^ " ^«'^'"^ '°90 contra os direitos da Espanha
ÍIhÍI .h« i"" r*'^'''''- ' reclamações só cessarão com o acordo, genialmente preparado de
Tordesilhas. A perda de muitos documentos fundamentais, que instruiriam de modo cabal as reivindica
çôes portuguesas, permitiu que o problema do descobrimento da América se perpetuasse até hoie sem
solução, por ISSO que só dando como prólogo a ésse acontecimento as navegações lusitanas do At Ian ico
se consegue uma versão inteligível da proeza colombina - mesmo na hipótese de Vignaud -e se conci^
HilrT. aTa • aparentemente contraditórios, que entram na composição desta página obscura da
História. A própria correspondência, trocada entre Toscaneili e Colombo. (78) pôde se uma fábula como
da carta de Toscaneili a um cónego da Sé de Lisboa, em 1474. recomendando a D. Afonso V a v^^^^^^^^^
LL„.''nnH "^'^ ^«'«'"bo. relacionado em Lisboa com os cosmógrafos. pilLs e ar^
grafos portugueses, podia ter conhecido. ^Mas devem também considerar-se fábuL as car as escril"
Toscanell, ao conselheiro de D. Afonso V. e por Monetário a D. )oão 11(79) rprimeirrinXldo .
róta do poente .dei rnu, treue camino çue tt.y àe a,ui a ias índias, llonde í . a
segunda, invocando o De ccelo et mundo, de Aristóteles, e a autoridade éo cardeaT^e reX Iv e de
Sâo questões preliminares a analisar, se bem que os estudos dos problemas náuticos anexos
. csK;s temas nos pro.ectarâo aparentemente para longe dos objectivos, traçados a u^estul dedkado
a ac(.ao portuguesa na América austral. *;iiuao aeaicado
O que está fôra de discussão é o conhecimento que em Portugal -séde de uma verdadeira
^cola experimental da navegação - havia das doutrinas em que as opiniões de Toscaneili e de Mor^e
táno se baseavam. Regressando de suas viagens, o Infante D Pedro o à:,^ <ilt^P.TrL. ,
livro de Marco Polo. com que o presenteára o Sen;do de Wneza ("o . Data poif 1^^4^^^^^^^^^
o conhecimento português da fonte de onde emanaram as doutrinU oue O^lnmL Li?/' '
*w ' ' ]oi(|uii. I » V cvorj, a pag. 194 L Asírono/mc Natitique
.r r. • P ^"f^,<*r^^^ P»-- V-'-"'*- Fernandes, o .temâo Lisboa. IS02. N, dcdiai.ória ao Rei O M.nu.1
' I dòssica r 1^ pressentidas
■50 nas intonnj.
c de ,rtc do s^u :>peculum > a existência de lerras
■■ • -^"10 XIII. 1 on. o ..V r*'* • r>; . ., e outro
'm as Ids o ima qr,v ' 'ntonnj. que.em con-
,.' rion eoopent
V^-* ter hoc quod
■' "■ ■ ■í-!i'i:.iiío inter Or/Vo-
'j .luri-m hoc sil, non est
í
, , "V"
rrtt longe plusguãm medtelas tmjr . ... * ** Ocadentis usque jd Unem índue suprj terrãm
LXII
Introdução
t Ti7l^toU^rj u^",*' ' «P*^^'-^"^'^- P^^^ às promessas de Colombo era mis-
ler a le s.mpl.sla de uma a, , : ...ninma e a cupidez avenlureira dos Pinzon. Aqueles fortes indícios em
que o v.s.onar,o fundava a inabalável crença não consli.uiam matéria nova para D. )oào II Com os
documentos que amda sobrevivem nos arquivos da Torre do Tombo póde-se provar a perais ôncia das
To^f "/''nT'' """"'^^ '''^'''"^ vestígios' nas doações de .eí^Tsusp^ ,ad
ZrO iT^^ r^^'"'^' modernamente em sustentar a originalidade da r Jcolom!
r^t?JZ ' ■ ■ ' quatrocentas e quarenta e oito ilhas- das especia-
es/á no mar alto. longe da terra f.rme m/7 e quinhentas milhas.. . Chamam a este mar o de Cyn mas
^cala pelfAníliaT f Hp"''"''"'"* ' '"^ ' ^^^^ ''^^ "=^^SOu Colombo, com
escala pela Antília. de onde nao passou . . . Assim o navegador descobriu a América.
S expedições portuguesas para o poente, que determinaram o achamento dos Açôres. con-
stiluem um longo ciclo, cuio exame, depois das investigações de Ernesto do Canto, ainda
nao foi ngorosamenio empreendido, o que não impede a constatação reiterada de via
- 9^"^ ""'6 rumo. permitindo a verificação da inviabilidade do plano de Paulo Toscanelli
e dc Jerónimo Monetário.
1 í '?f^''"' [ioémia fixa no seu globo o ano de 143 1 como o da expedição, mandada pelo
iníanle D. Henrique a explorar o Atlântico ocidental; mas já em 1418 Bartolomeu Perestrélo descobria
Porto Santo; em 1419. Gonçalves Zarco e Tristão Vaz haviam descoberto a Madeira, e. em 1425, começava
o povoamento das ilhas descobertas (82).
Eslas daias nào correspondem com exactidão ao início das navegações e descobrimentos por-
tugueses. No reinado de D. Afonso IV. anteriormente a 1336. as naves lusitanas velejavam até às Caná-
rias-as msutas foriunatarum, \á desenhadas numa carta do século í<l(83)-e, sete anos depois, uma
segunda expedição dc conquista lá ia com maquinas de guerra para subjugar os habitantes e tomar
posse do arquipélago (84). Até há poucos anos. as obiccções levantadas sôbre a prioridade portuguesa
da redescoberta das Canárias não podiam, como tantas outras, ser contestadas com a prova concludente.
A" fotografia do registo pontifício da carta escrita por D. Afonso IV ao Papa Clemente VI. em 1345, se
não fornece ainda essa prova irrefutável, encaminha para ela as investigações dos paleógrafos. Desde
que a tradução da caria, inserta nos Annaes ^eclesiásticos de Baronia. (85) foi publicada pelo académico
Joaquim José da Costa de Macedo, nas Memorias da Academia Real de Sciencias. de Lisboa (86). e que
Ernesto do Canto obteve, quási um século depois, a certidão da mesma carta, passada pelo dr. Angelo
Metampo, /jrí/íiu5 custos dos Arquivos da Santa Sé. — a missiva original de Afonso IV nào foi ainda
apresentada para o exame da crítica-histórica. Possuímos apenas, reproduzida nos Annaes das Biblio-
O R
I f
(82) Os descobrimcnlos do Inlantc principiaram, segundo Galvio e Faria c Sousa, em 1412. M i-^r itmlle que â«
Ilhas do grupo d.i Madeira e dos Açores loram du.is vives enconlradas pelos porluguescs. sendo a i nos Infdo»
do século XIV, no período da aclividade marittma do .ilmiranle Peçanha, A expedição de conquista às Cai ■■> reinado de
D. Alonso IV, remonta a IMI. No porlulano laurenciano de I35I já figuram as ilhas da Madeira. Muilo y- iicnlc com a
Antltia deu-se o mesmo Icnómcno que com os Açóres, a Madeira e as Canárias. A sua lixaçio. embora dibih.ui.i, nos' porlu-
lanos anleriorcs à viagem de Colombo, denota um descobrimento remoto, e talvez ocasional, mas dc que se' conservou a
I ! Nào é licito duvidar de que os arquipílagos das Canírias, da M.idoira e dos Açôre» (c talvez mesmo o de Cabo Verde
o na carta Mecia de Vila Destes, daiada de \'^l3) foram conhecidos dos lenido», dos gregos c dos romanos sob a'
'. os dois primeiros, dc Ilhas Afortunadas e das Hispéhdcs. sendo arriscado identificar com os Açdres as Cassltc-
fallam os hisioriadores que admitem a probabilidade de haverem os fenícios levado muito mais longe » explorações
oce.j.i.a^, e terem conhecido, antes dos portugueses, o mar dos Sargaços.
(83) No Comentário do Apocalipse de S. João. do monge Beáto de Líébana. Cf.KrcIschmer, Oeschlchle der Oeo-
grapttie. a pág. 53.
mci
nii ■
d<
riii
(84) Dca^lev. í^ti The d.itvn of modem ffeogrjphy, ocup -
às Canárias, narrada por IJoc.icio. seourdo inform.içftes colhidas <lt> ri'
navios que partiram de Lisboa p.r ■■<> das í
D. Afonso A armad.i ia ai ■■ do quf ■
com extraordinAriit rapidez (S dias.'') thegou as ilhas da Fortuna».
(85) Tomo IV. pág. 212.
(86) Tomo VI, parte 1.*. 1819.
i^nvolvid ' I porlu(juc«a dc 1341
' (lorcn! in Sevilha: 'De três
lur.im fornviiúoí peio lil/io e herdeiro de D. Dinis,
ntoi levava maquinas de sitio, cavalos e armas, e
LXIII
■
Introdução
thecas e Arquivos NacionaesiSl). a fotografia do seu regislo no Livro 138 do Arquivo do Vaticano. No
estado, porém, cm que se encontra a questão, dificilmente poderá contcstar se que, no primeiro quartel
do século XIV. prosseguindo as tradições náuticas dos fenícios e dos árabes, os Portugueses navegavam
no alto mar, longe das _
costas. Foi. enlreianio. a
t' i'^s nautas de Incompa-
rável intrepidez, que, em
1419. percorriam as 535
milhas que separam a Ma-
deira de Lisboa; que em
1456 venciam as 1510
milhas marltinr ^' '■ S.
Tiago de Cabo \ . que
em 1487 navegavam as
5175 milhas, que medeiam
entro Lisboa e o Cabo da
Doa Esi^i""-'-! iv ■ eni
1498 av.ii , 1 mi-
lhas pelo mar alé Cale-
cut.—que se negou com-
petência e coragem para
empreender a viagem de
4175 milhas, de Paios a
Cuba, realizada por um
navegador, cujas observa-
ções para determinação
das laliludes. pela aluíra
do sol. náo podem sequer
inspirar a menor confian-
ça, pois que no cálculo
mais simples, baseado so-
bre a esirèla polar, co-
C.rti d* Andrea* Blanco lU». Indicando a Anlflla « Ilha do Bra.tí.
• «laiani* na Dlblloi.ca d* S. Marco*. d« V.n««* (do Atlaa d« Krclachmer)
metia graves erros, anotados e comentados por Dreusing (88); e. ainda hoie, os geógrafos discutem sem
chegarem a acordo, qual das actuais ilhas do arquipélago das Lucaias é a Guanahani (89)
Nas notas autógrafas sôbre assuntos astronómicos (cerca de 250) revela-se frequentemente a
■mperlca de Co ombo. no calculo das latitudes pela altura do sol. A Tabuia Deciinationl. de Zacuto
de 93- erumT. ^N América, mostra erros inverosimeis. como o de admitir uma fracção
de 93 em um grau! Numa passagem do seu Diário (13 de Dezembro de 1492). lé-se que a latitude se
deduz da duração do d. a (90). O monumento glorificador da Raccolta Colombiana, com que o govêrno
.ta .ano concorreu para a comemoração do Centenário do descobrimento da América, como homenagem
nacional ao nauta genovês, patenteia as deficiências scientificas do herói da Santa iAaria. Isso nTo impe
SeaV^arquipTag^darS^ ' ^^^"^"^ '''' -
«8 (Zar Geschithtc der K^rtogr^ph,c in HetUerz Zeitschrift f. wiss. Geographie II, pAg. 193).
con.m^fp com .1 nriTÍ^.lo com qup í^-^ n ifi-n , c r.»,- ,i
Q*^ onípo das l . ,!-,-
pelj tlh.» ii- imic. ;
Fox. tl-i r icjn.i
(cl N- 1. pig
'* "■' ■■• ' nunicitciulura nào colombina.
(90) Colombus (IW1> por Sophus Ruac. Píg 250.
LXIV
a blllude de Vera Criiz. c que permiliu
hoie divergtm os geógrafos sôbre quai
'pud Washinglon Irwing) opina
L.i, pela. ilha Walling; o capilão
pci,i AVayaguana. E no DiÁno de Colombo
mas no lexio. irânsmitido por Las Casas,
Introdução
Cane d* Alottio IV da Penugal ao Papa Clamanla VI, raprotluitda do livro i» do arquivo do VaiUaae
«atPu'-^nmnrati6ÍwfmTTa6 rçcrjnmua pntci^fnnm: amnTictrí/^ cnrJJtmuTV«)|niiyi
ctTi^'Kj6<^iicmtinpami^-p>J^ fniunrr^. [offrmc^j
"^m^nCun^çt^^/^ pTijyTTTtoitan^ iffonri mamtí j>|ífti/
yimjLcim contm yriis^ Bm|p^cmo& m[fítmmtf eStnmc jvitciníáxoc yAOjuifino^fctçii^'
taTioSTeWucint^^itní^nlu&íJamaíl^^ fncm|c/cv«ofixiÇfí)nmtnnirir cm»o iv/liiin^
^^^aucnjjiino patní^Sio^o (tíítncn^^mmA çroiíSaa |àax>f(Xirtc lumifafie |itmo
^^^^cm típcvRi innRe ct*3 uom* filme vir7\ (}pn|"ueÍTv "pemn^lu ct^|^ líij tumirucmía
^^SCuuJ^Súom i^mj o[cu£it>tDSl (1? i u {\ih\o aii^Jan tSpíi- juoni {"èm fumiiuJaf^
tic 2uoKt/|j (\iacfp)TO6jiu*tTii^Uu|ytn mmjjonna nTi|rn%n nirmcttyac men ^
TUI
^;iv ;^| -™ p/nwTpmyat p^yjri Q^uoeyi^
^Vtn'^n^ rnfálírana wfmitci lujiríícrt mu tomr^triirii^Ti [i i(au/ |õrnmc muaíitn/oòwptf'
nmci
- I - ^- Y < ' ^ ciiiTimTD^pTniaircKgiJl»*'
ífyieo(?Tm*CTmnx6TloeticTOattr^átc0^ '
LXV
Introdução
Q-^iu^aíín0nniiímim mtíri) imtm-cnuiiiVinuô mm o:n(tair2 crpSiciiii) mufnmfc^
a>mo|ai^ín'-iu pnmo nimAioect^-TPc^^ Co^fí5*Txn^ mr nog ct^fr^ce Snnhimo'
ruCvrtrvnnn^^pnmjuTi^iuitJí^ucomiat^ p»"ctitiitciítni^Iatcicim'm^
^iiKrmnuiftíiiirnifi^^^TnfeviamxeT^ ■
'ií^^^"-^-5^^rf^f "'^"^ prctnme oE^í^crrooipuinT^ nJ^|íLtÍ6' iiofmitmvrn
^-íjuopKtnft íí^oe it»^c/ atnmttiie i^io c\fc iu4Gfta> m^úmact^nS fdé^
mtaimmi^culfe^ ffí,:íp,^ l^^^C^ rtVu^^n^ fupiíg.mim itSnac^m R '
bwudtrraiftjct^^jneouannm, cometi |x,^^^^
nc2J)ao[up»&^cx))iW^ tcnv^,orn cícnicntwm ccrrnin nfemíníive.l tom íh/n "
Introdução
CARTA DE EL-REI D. AFONSO IV AO PAPA CLEMENTE VI, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1345
II ^o","*!'""!, ^^^^'•^ * Senhor CIcmcnIc, pela Divina Provldincia Sumo PonliHce da Sacrosanla « Univírsal
lfire(a. Alonso. Rei de Portugal c do Algarve, liumllde « dcvolo lilho vo8SO. com a devida rcveríncin c devotamente
DCija 05 pes.
Aquele que s&brc a pedra angubr lundou a sua S." Igrej,!. quis que ■ ' ■ para o luluro governada por »ui
sucessores, de manetr.i que direiUmínle em ludo, com o ptso. conta e medid.i n fonthiti,im.->lo o'. mais assíduos e
saudáveis incremcnlos; para que. dilatada ' m com o aumento dos (leis, enir.iqufti ' -3os. lorairnenie
floresça a te ds Cristo. C. por Isso. vós, mo sucessor do Senhor, a quem foi o oiiif.' ea
dtligtncla aci-rca do rebanho Crist.lo. nJo cuidais om quardi-to d.is mordeduras dos lobo» mas amda em Io
como emendemos da carta que V. S.<if nos dirigiu, crl.iiulo príncipe a D Luis. nosso parente, para extirpar a-^ irat
da infidelidade, que mulilmenle ocup.im lód.i .i irrr.i .1 Alortuii.idas (Canárias), e para pl,inl.ir a vinha . : ■ Deus.
Respondendo, pois. d dita caria o quL- nos ocorreu, din n i , : i^vtrcntemente. por sua ordem, que os nosso» rj:ui .u uram 08
primeiros que acharam as mencionada') ilhas.
E nós, atendendo a que as relrríit;!*; ii^ni cv*nvam mais perlo de nós do que dc qu it-^- r outro príncipe e a que
por nos podiam mais comodamcnie stibjii ^ para ali os olhos do nosso ent :.». e desejando pôr cm
execução o nosso intento, mandamos 1.1 ai, .i ; e algumas náus para explorar a ih - i lo da ti , i
abordando às ditas ilhas, se apoderaram por lòrç.i de homens, animais, e outra! cousas, c as trouxeram com
a04 nossos reinos. Porém, quando cuidávamos em mandar uma annad.i par.i conquistar as referidas Ilhas. > .,;:íiiu
dc cavaleiros c peões, impediu o nosso inlonlo a guerra que se aluou primeiro enire nós r el-rci dc Cam . entre
nós e os reis sarracenos. Tudo isto, por ser notório, estamos certos de que n.\o s ' uio-o em con-
sideração os nossos embaixadores, que há pouco enviámos a V S a», (como nos con liio Dom I uls)
julgaram, e nao sem causa, que se nos linha feito agravo v ■ ' i ido e prot-uio . i ■ ; mo
D. Luis; e assim o fizeram chegar aos vossos ouvidoí; n.lo -ló iicl.i t
Ilhas, como pela comodidade e oporii: ' oi> outr' ji
nós e as noss.is ocnles começado tell/. ^cr conv mor
oulro, para louv -lo o concluir, ou an , nue i^kto nos fosii; toaiui r v, b, ■>
obsiante o qii'.' ■, desejando seguir .■ .i;il<>rii';-:firi" (luc -írMu-irí' r i-i cbi' i i-,
apostólicos, ria da vossa e da Ap
vontade eu. ■ . principalmente porque -, i m : > n , , n , D.
Luis, nosso parenie. o qual. assistindo-lhe a divina «raça. a voisa i i c a da bi- Apostólica, que em tamanho e tam
filo negócio lhe dô rnfio aiudadora, se mostrará lal operário e cultivador n i ■ uinira da vinha do Senhor Sabeoi. que í a Sanla
greia de Deus, que, pelo seu ministério, haja de aumenlar-se para o tuturo a honr.i e glória da cristandade.
Mas quanto ao que a vossa piedade nos roga, e para que mais al<^i'i uivrite nos exorta em o Senhor, c vem a
ser que cm reverência divina e da Santa Sé Apostólica e por zelo da mesma fé, li por mui recomendado o referido prín-
cipe e o negócio acima dilo e lhe darmos o auxilio e favor que comodamente pu..Li,iiii!>, do menos que o sobredito príncipe
possa ler e tirar livremente de nossos reinos e terras, á sua cusla c por seus jusios preços, navios, gentes dc armas, e outras
cousas para o dilo intento: certificamos 3 V. Benigna Clemência que havemos por mui recomendado assim o príncipe como o
negócio, ã vista do que fica exposto, e que se comodamente pudéssemos lhe dariamos auxilio e favor.
iMas quem pôde dar o que n-lo tem? ^Ouem é que, tendo os seus carneiros sedenlo lue
nasce nos seus prédios para uso dos outros vismhos? ^Acaso a caridade bem intendida nAo deve c , ó
Pai espiritual, náo expusemos, há pouco, a V. Santidade, por intermédio dos nossos embaixadores, as lu lue
pela defesa e dil.iiaç.lo da fé católica havemos contraído, e cm raz.io das quais vos temos suplic.j uc,
que vos digneis auxíliar-nos. concedendo-nos. com paternal piedade, o dizimo das Igrejas dos nossos remos/ iUucm acusaiv
um rei de pedir, quando carece? Nisto, porém V. Santidade nos desculpará.
A gente de guerra e os nossos navios, ainda que os tivessemcs cm maior quai nio podemos dislral-los, e
enviá-los em auxilio dos outros, por cau^a da guerra que sustenlamos e nos propomos ir com os agarénos. noasoft
visinhos pérfidos e poderosos. Quanto, porém, a viveres e outras cousas necessárias permitimos que os tevem livremente dos
nossos reinos e terras, lanio quanto fôr possível, sem detrímenio dèsles e dos meus súbditos, por respeito para com Deus,
para com V. Santidade c a Sé Apostólica, zélo da fé. e também por consideração com o referido Prfndpe. nosso parente, ao
qual dispensaremos O mais possível todo o auxilio e favor. O Alllssimo Senhor conserve por dilatados anos a vida a
V. Santidade.
Dada em Monlemór o Novo a 12 dc Fevereiro de 134S.
Traduflo d« loaqulm }e»é d« Cosia d« Maçado • )ea* Pedro da Ceala.
LXVII
Introdução
o f OK fi r 1 1
Que èsse oceano, por onde Colombo se aventurava, nâo era, porém, um dos... mares nunca
dantes nauegados. isso prova se suficientemente (91); como já ficaram também esclarecidos na obra deci-
siva de Densaúde, fruto de vinte anos de estudos c pesquisas laboriosas, a origem peninsular da scíència
náutica portuguesa da época dos grandes descobrimentos e o grau de desenvolvimento que assumiu
o cultivo das mal' is c da astronomia — como também o das humanidades — durante o século em
que a construtora uo brasil foi a cstréla de maior grandeza na constelarão das nações europeias, dando
professores às universidades e abrindo nos mares, com as quilhas das naus, as estradas marítimas dos
novos mundos (92X
Diogo Gomes de Sintra, em As Relações do descobrimento da Guiné e das ilhas dos Açores,
Madeira e Cabo Verde, assinala que o Infante, «desejando conhecer as regiões afastadas do oceano oci-
dental, se acaso haveria ilhas ou terra firme além da descrição de Ptolomeu, enviou caravelas para
procurar terras» (93). O mapa-mundo de Becário (1435) regista a Antília e outras ilhas a oeste dos
AçÔres, com a inscrição */nsute de nouo repertce* (94), cQuem podia té las avistado num lempo em que
só os Portugueses navegavam no Atlântico ocidental? Também o mapa de Andréa Bianco (1436) reproduz
a Antflia da carta de Decário, indicando o mar dos Sargaços: pormenor comprovativo do fundamento
com que se assinalava a nova terra, que já não é possível identificar-se com a lenda platónica. O mapa-
mundo de Andréa Bianco não foi ainda submetido a uma análise interpretativa, inspirada na aceitação
conjéctural, apriorística, do descobrimento português do mar da Baga. do arquipélago da Antília e da
movediça ilha Brasil (95). Um tal estudo equivaleria a condenar concepções consagradas e daria motivo a
refazer a história dos descobrimentos pre colombinos do Atlântico ocidental, dada a insistência de Andréa
Bianco em apresentar nos. ainda em 1448, numa carta do seu porlulano. a sudoeste das ilhas de Cabo
Verde (só descobertas em 1456). em frente da costa africana, essa ilha misteriosa, que. desta vez. se
assmala no mesmo paralelo c nas proximidades do meridiano em que, cincoenta e dois anos mais larde,
os portugueses descobririam uma extensa terra, que viria a chamar-se o Brasil . . .
Bitoí^ ^MrlVL ^ombifn de íois /« Antil/es ont été vu€s. av»nt U grande entrephse de Colomb. par des
pilotes égares ou . >;;,r„rr„. ,r,.r,, r,oms som rcsiís inconnus?. Viatituá. Amérie Vespuce. Paris. 1917 a pág H?
Ailmntlau0 / , / ' "'2? u*""*. voi'ãge dc Christophe Colomb de frjncíiir rOeéan
AUêitnçue dam U .lu. o. , u... >/.. H. Harrisse, Les Corte R^jt. Pjrís. 1883 a pág 40
Altadímliet.c^Bl.cíhínXírvínír'''^ * ''^T' '''' grandes découvertes. por Joaquim Ben saúde. (Dem.
fflímwmrr r,.,un<r„. h^onr Reproduclíon lac-simllé du plus ancien eKcmplaire connu.
inlroduciion, Edilíon allcmande cl française: (Sellenheitcn aus
luoj.si K, I . . ■ . f dei Arte dei morear. Sevilha. 1535, par Francisco Falero (Por-
h a\ . L\L \^'^T.T^^.T' T íSeltenheiler, aus saddenlschcn D.bllotiieken. de
Kdící. <:,ci.c..h..,.n au. sudZU\'í*fôl.oXtrde"^ ''^ ReproduCion lacslmUÍ, avec une
(93) A pÍ3. 28 da vcrsio porlugucsa de Gabriel Pereira
ffr.v • lommv /.in .n»..^ ^'^^ iK^?rl .^\\ ^ °' Piziiganl está reproduzido nos Monuments de l.i Géo-
P»' .5) dT , X/rfo (^^^^^^^^^^^^ ^ porlulanos de Andréa Bianco (1436). de
1 1 pia 1W> A , , Vo J ■ AnilS Am . í « '° À viagem de Colombo (Humboldt. supra.
-^fT J. (^!,tinn ■ ; , n Jrqu,pcl.igo das Luca.as aparece pela primeira vez na carloqrafia com o
opr , , ,, f'^"'!^ chegou a propô-la: Hisp),mola
■ Aconteceu com a An i o fluAn,?..^-^^^^ "'""i cons,der,to. Ant.li^ Insula- Sunt illae
lhes nòooV ^IZÁ H?!-^ \ y V^^^)^ ''^ acontecíra com outras d-is ilhas atlànlic.is: os redesco-
«na Ocn. , ! í perime a Eumpa do fim do SJc« J^^f remotamen.e conhecd.s e assi.alad..s. A glória colomb na
voltava da tm PortuflJl pó«^m essa IdeSliSío "Jivcgador tivesse anunciado, no regresso da America, que
ngorosamenle documentados, imprimem a lese do almirante FIcuriol de Lanole na
-cn,ad:em l'?(«;'pe,o «pH^:io^^'iu'*3X^^^^^ ^'^ÍT ° «^-^P„---en,o de'um'a'"pl'q^ue:i
' ThMse. cm 1B«. , ■ , rc° ■ siníÕl.^^^^ r^rh. ™^ , comandante do Harllvy. cm 1738. e o coman-
sup, ti,ae das ondas; e a TZ^ [ TL a '"""«"V^o ^ altura de menos de dois metros acima da
wni „..|o f<^. , < -,ie Hontm dtf um sículo, de um rochedo, situado a 46^ 40" - 25» 29'. descoberto em
sr.tun., ,u, s ««mplo» quc explicariam alauns dos enigmas que nos apresentam os monumentos «no^
LKVIII
8 .íí
"fel;
/
Introdução
VHHMMiminilMA
CORRESPONDÊNCIA de Toscanelli constitui um dos capítulos de mais alto inler*ssc na
questão colombina e que se liga, por liames tào íntimos como fortes, aos dois proble
mas sucessivos — e, porventura conexos — da prioridade portuguesa no conhecimento
das terras ocidentais e do propósito que, após a exploração clandestina de Duarte
Pacheco Pereira, referida no Esmeraldo de situ Orbis. conduziu a segunda armada da
Indía a Vera Cruz.
Náo é possível obscurecer a importância transcendente do facto de ser conhecido em Portugal,
desde 1474, o plano de uma viagem às índias pelo poente, que Colombo pretendeu realizar em 1492. e
de cujo maIògro(%) resultou o descobrimento de um dos arquipélagos americanos.
Las Casas, na Historia de las índias, e o autor anónimo das Historie deli Ammiraglio. atri-
buem ao ^bio florentino uma influência considerável, senão decisiva, no empreendimento audacioso de
Colombo. Este teria submetido a Toscanelli o projecto de uma viagem às índias pelo Ocidente. Toscanelli
haveria respondido. enviando-Ihe cópias de uma carta e de um mapa que. em Julho de 1474. mandára a
um cónego de Lisboa. Fernão Martins, que o consultára da parte do soberano.
Tanio Fernando Colombo, suposto autor das Historie, como Las Casas, arcebispo de Chiapa,
publicam o texto daquela carta (sem data), escrita por Toscanelli a Colombo, e onde se encontra inserta
a cópia da epístola, dirigida ao cónego Fernão Martins, — e ainda o texto de uma segunda carta, igual-
mente sem data (que mais parece um complemento da anterior ou composta de passagens dela extraídas),
em que Toscanelli o anima a executar o audaz projecto, elogiando o ânimo português, sempre disposto
aos grandes empreendimentos.
Ainda que patenteando flagrantes incorrecções, impróprias de um sábio com a cultura de Tos-
canelli, os textos dessas cartas, reproduzidos na edição italiana quinhentista das Historie e no manus-
crito de Las Casas, constituíam as únicas fontes de informação sòbre a intervenção mental do astrónomo
florentino no descobrimento da América. A autenticidade da correspondência toscaneliana foi considerada
pela quási totalidade dos historiadores, desde Humboldt a Errera (97), como inatacável, ressalvando,
embora, a versão possivelmente alteradr em que nos foi transmitida.
A ninguém acudira a suposição de que Colombo, ou os seus panegiristas. tivessem inventado
uma correspondência, onde se confere a Toscanelli a prioridade, senão a autoria, do plano da viagem de
1492, e de onde resulta, sem compreensível vantagem para o descobridor, que a primazia no conheci-
mento dèsse plano coube aos Portugueses.
Em 1871, o historiador americano Henri Harrisse encontrou, num incunábulo da Colombina, de
Sevilha, a cópia, aparentemente escrita pelo próprio punho de Cristóvão Colombo, (ou por seu irmão
Bartolomeu) da mes.na carta de Toscanelli ao cónego Fernão Martins — mas. desta vez, em latim.
Esta descoberta imprevista parecia dever concorrer para que se dissipassem quaisquer dúvidas,
suscitadas pela correspondência toscaneliana. Atraindo as atenções dos críticos, essa descoberta provocou
os estudos dos membros da Sociedade dos Americanistas de Paris, Gonzalez de la Rosa (98) e Henry
Vignaud, o último dos quais, numa obra exaustiva, modêlo de erudição e de método analítico, condenou
a correspondência de Toscanelli como apócrifa, muito embora doclarando-se, com probidade exemplar,
detido na prova decisiva da sua hipótese, pela impossibilidade de encontrar a explicação cabal e a justi-
ficação convincente da fraude.
(96) *7o3o Fernandes Lavrador e Pero de B.ircellos, um pouco antes, ou ao mesmo tempo que Chrístovio
Colombo, descobriram a ferra <jue ficjrá sempre com o nome do primeiro.* Brito Rcbclio, na Inlroduc^Ao cdiçSo do Livro
de Mãrínhana. i pág. XXVII. Lisboa, 1903. Cl. Ernesto do Canto, Quem deu o nome i terrj do (..tvr.utor. ia95.
(97) *A Paolo dei Pozzo Toscanelli rimane quindi Inlero il merilo di .ivere idea: luegno. onde Colombo
fu Iralto alia scoperta dei Nuovo MondO'. Carlo Errera. L'epoca delle Gr.mdi Scoperte G. ; pig, 243. MlUo, 1902.
(98) La solution de lous tes problèmea retatifs à Otrísiopht Colomb Memória apresenl.ida ao CongrcsM inlcrna-
donal dos Americanistas. Paris, Setembro, 1900,
LXIX
Introdução
USPEITANDO de apócrifa a correspondência de Toscanelli. negando consequentemente a
influência que o sábio florentino teria exercido no ânimo de Colombo, o historiador
I- Vignaud transfere para os Portugueses o mérito de haverem preparado a viagem de
Colombo no Atlântico ocidental. E, todavia, a rejeição da autenticidade da carta de Tos-
canelli ao cónego Fernão Martins sonega aos historiadores o incomparável documento
que concorreria para decifrar os enigmas persistentes que cercam as origens do descobrimento da Amé-
rica,—pois o que mais interessa não é saber-se que a sciéncia náutica e a experiência portuguesas
prepararam e instruíram o navegador genovês, mas quais os motivos que inspiraram a atitude de
D. ]oao II, em relação ao projecto de Colombo; que aconselharam Portugal a insistir no caminho do
Oriente, para atingir a índia; que dirigiram a política sibilina do Tratado de Tordesilhas; que moveram
D. Manuel, no mesmo ano em que Vasco da Gama ancorou em Calecut, a enviar Duarte Pacheco, a explo-
rar «as partes ocidentais»; e que. finalmente, no ano seguinte ao do regresso do Gama, levaram os navios
da segunda armada da índia a Vera Cruz.
A carta de Paulo Toscanelli, de 25 de ]unho de 1474. muito provávelmente foi uma realidade,
e quem se incumbe de a confirmar, de projectá-la para a posteridade, é o próprio Colombo, que nenhum
inierèsse confessado ou oculto teria em inventá la.
A influência do plano toscaneliano sôbre o projecto de Colombo aparece-nos afirmada por
múltiplos indícios. Vignaud, com inatacável probidade, não os nega; mas, na presença de documentos
visivelmente truncados e deformados, prefere considerar apócrifa a correspondência do sábio florentino,
forjada à posteriori, i Com que fim ? i Para impor um carácter scientífico ao que não passava de uma
aventura, ou. peor ainda, de uma expolíaçâo? Porém, Colombo nunca aproveitou a fraude, e esta circuns-
tância basta para fazer periclitar aquela hipótese (99), Que Colombo fortalecêra. no convívio com os
navegadores portugueses do Atlântico, a sua crença na existência de terras postadas a oeste, parece
incontestável. Éle próprio o afirma. O procedimento de D. ]oâo II em recusar o plano de Colombo e de
nada tentar, pelos seus próprios e poderosos recursos, para experimentá-lo. permite supor que a invia-
bilidade do projecto toscaneliano fôra já experimentalmente constatada, i Os Portugueses teriam, pois,
navegado para além dos Açores? Indubitávelmente navegaram.
Sendo assim, quanto mais fortes e numerosos os argumentos de Colombo para provar a exis-
tência das terras e ilhas do ocidente, mais a convicção portuguesa lógicamente se fortaleceria no sentido
de procurar o caminho da- índia pelo nascente.- pois só o pressentimento ou conhecimento daquelas
terras justifica cabalmente a rejeição do plano toscaneliano. Há, em tóda esta questão, ainda confusa, um
lacto que deve ser salientado, Colombo não se propõe ir à Aniília, mas à Asia. Para Colombo, segundo
se depreende da correspondência toscaneliana, a existência da Antília não admite dúvidas, pois que ela
constitui um ponto de referência, uma escala na heróica viagem. Todavia —icaso extraordinário !--é a
eàsa Aniília que èle vai. é essa Antília que cie imagina ser Cypango. e essa Antília é a América. Ora, se
pp< ontramos a Antília em carias e porlulanos dos meados do século XV. e se Toscanelli (ou Colombo)
o conhecimento português dessa *isla de Antil que vosotros llamais de Siete Ciudades. de ía qual
tcncmos noticia» (Las Casas) ou «Serf ab insula Antilia vobis nota* (texto latino manuscrito)! é forçoso
inferir que a existência da terra aonde foi Colombo, dessa Antilia que nos portulanos do século XV
eslava assinalada a uma distância de 30° a 35o de Lisboa, e no Globo de Dehaim a uns 50° do meri-
diano da mesma cidade, não era ignorada em Portugal.
Sob o ponto de vista náutico, a viagem de Colombo não oferecia insuperáveis dificuldades
para os navegadores que haviam apagado as lendas aterradoras do oceano; que tinham provado a habi-
tabilidade do equador, a *Regio inhabilabilis propter nimium calorem»: afrontado os mistérios atlânti-
cos e aperfeiçoado os recursos da sciéncia astronómica e geográfica, na sua aplicação à orientação dos
navios. O plano de Colombo, se teóricamentc se baseia na doutrina de Toscanelli. na parte experimental
funda-se nos conhecimentos portugueses, referidos nas obras dos panegiristas de Cristóvão Colombo
salientemente de Las Casas e Fernando Colombo. Muito ao contrário do que pretendem quantos se
LXX
I
Introdução
esforçaram por demonstrar a impossibilidade portuguesa de conceber a existência de ilhas e terras para
ocidente, os geógraíos e os navegadores as suspeitavam e as assinalavam (lOO).
AVIAM decorrido oito anos. em 1482 -data da hipotética viagem de Colombo à costa da
Gumé e forte de S. ]orge da Mina (levantado em I482),-depois que o sábio florentino.
Paulo Toscanelli. teria escrito a um suposto cónego Fernão Martins, indicando a D. Afonso V
o caminho mais curto de Lisboa a Cvpango e à província de Cathay. Nesse ano de 1474.
o príncipe herdeiro. D. João, iniciava, ainda no reinado paterno, a administração das coló-
nias e navegações ultramarinas.
A coincidência da data de 1474, na carta de Toscanelli. com a nomeaçSo do príncipe para o
cargo em que se estreava, num auspicioso tirocínio, o maior génio político da realeza, abre diante do
historiador as mais vastas perspectivas e permite a suposição de que um eclesiástico (Fernão Martins.
Estevão Martms ou Fernão de Roris, pouco importa,) escreveu a Toscanelli. solicitando, em nome do Rei,
o parecer do sábio sóbre o máximo problema com que se defrontava o programa nacional dos desco-
brimentos marítimos.
Havia quarenta anos que Gil Eanes, pagem do Infante, dobrára o atemorizante Boiador e que o i-robicma
Afonso Gonçalves Daldaia atingira a linha do trópico de Câncer, limite setentrional da zona tórrida mahikmo
Tinham decorrido vinte e nove anos desde que Dinis Dias. o primeiro da dinastia insigne de navega- rM^,',"""'*
dores, à qual o destino rcservára a glória de descobrir o finisterra africano, passára em frente à foz do
Senegal — que delimita a raça preta da berbere e mauritana -e chegara a Cabo Verde, onde os negros,
atónitos e aterrados, altercam sôbre se é peixe, ave ou fantasma, o navio português. Alcançára-se o IS»
de latitude N. Desvendaram-se aos Portugueses as luxuriantes paisagens tropicais: as primeiras que os
europeus contemplavam. A concepção clássica da inabitabilidade da zona tórrida prováva-se errada. Na
frase de Ruge, *à sombra das palmeiras de Cabo i/erde encontrára o seu túmulo a geografia da Idade
Média*. Uma a uma. baqueavam, perante a audácia impávida dos devassadores dos oceanos, dos pesqui-
sadores de mistérios, as fábulas e as lendas da antiguidade. Havia iá quatro anos que Alvaro Esteves,
o grande piloto, penelrára o equador térmico, na Costa do Ouro. e as embocaduras do Niger. ultrapas-
sando a Régio perusta. no equador matemático, até ao cabo de Santa Catarina, a lo 51' de latitude S.
Tinham sido descobertas mais as ilhas de Fernando Pó. Formosa. S. Tomé, Príncipe e Ano Bom: as
*insula Martini*, do globo de Dehaim. O périplo da África avançava, mas era ainda difícil saber as
dimensões que atingiria. Assim como no rumo do ocidente se tinham visto aflorar dos abismos oceâni-
cos o arquipélago dos Açôres. e. para sudoeste, o da Madeira, - além das Canárias (as Malkart, dos
fenícios) tinham-se achado as ilhas de Cabo Verde, adjacentes da Africa. Para lá dos Açôres. i que ou-
tras ilhas emergiriam do oceano? t Qual o caminho a tomar para atingir depressa a (ndia? Os Por-
tugueses conheciam o Livro de Marco Polo, com que a Senhoria de Veneza presenteára o Infante D. Pe-
dro—senão também o mapa-mundo, que acompanhára a dádiva preciosa. Nesse mapa, a costa oriental
(100) One of the first publications conlaining some words aboul lhe discoverícs ot tlic Porluflucse, Is VeUsei
Ferdwjndi . . . Régis Portugultir or.itoris ãd Innocrnlium octãvum ponti/iccm nuiximum de obedienliô orétio, s. I, e1 a,, (firsi
cdition Rome 1485. Hain N.o 15760). In aboul tlie middk- ol thi- sniall, un paginak-d work we rcad lhe lollowirq rcm.trW.ibtc
words, which 1 give hcre írom an edilion (Kain N.o 15761) prinlcd some whal Lilcr (MM?): •.Non dcsunt !
qu.im plurã alia cius in chrisli ihesu fidcm cl fíomjnjm ccclrsum nuTítA, que si sigilLilim recemere vi-iim fvi.
esscl progrederer, sed duo Umhim qujm brevíssimo fjerstringjm. Primum ijuod eo regnanle Hcnrici pjirui ciu» de que supra
meminimus induslru ceplj n.ifigjri Elhiopiã est. Ãllerum vero sil quod eodem tempere in occeano .ilhl.tntico deeem insuU
vix ipsis orbis descriptoribus cognite ã noslris invente sunt et omnes Lusilaniã coloníe reducte. In quibus um mirã incolãrum
trequentia habitalis Christiana íides fiaud minore ceremonta quam inter nos rolitur. Ita uf rnlhi vere alfonsus Rex gloriosas
ãd chrislianam religionem sacralissimam colendam non contentas maiorum suorum finibus videatur, nisi eliam novas provin-
lias, nova regna, novas insulas et QUASI NOVOS ET INCÓGNITOS ORBES chrisli nomíni et Romant ecciesie et vobiã
tandem pater beatissime et successoríbus vestris in postcrum addicerel».
— A. E. Nordenskiôld, Facsimile- Atlas to the carlv History of Cartography, a pig. 62, VI Cap. The fírsi map$ o/
the New World and of the neu/ly discovered paris of Africa and Asia.
LXXI
00
DA INUIA
*TtCA
A»l-
■ I I, I -1 III
oRicNre
Introdução
da Asia. de acòrdo com a narração do viaiante veneziano, deveria prolongar-se até onde se encontra a
Califórnia; e a ilha de Cypango ocuparia o silio do México, aproximadamente, como no globo de Be-
haim. Nâo faltavam motivos para que os conselheiros do príncipe vacilassem. Embora Vígnaud, es-
forçando se por salvar a tese da apocrifia integral da correspondência de Toscanelli, sustente que os
portugueses nào pensavam, em
1474, em executar o périplo da
Africa, e muito menos em atingir a
índia, não faltam historiadores com
a convicção de que *para o In-
fante D. Henrique a distinção en-
tre a índia asiática e a índia
africana, ou Terra do Preste João.
estava já claramente estabelecida,
e que a Bula de Nicolau V. de
1454. define a índia como obje-
ctivo dos esforços do Infante» (lOí).
Ésse propósito, se a princípio é
problemático, vai-se esclarecendo
progressivamente, numa evolução
que se acentua na Bula de 13 de
Março de 1456, em que Calixto
III renova as concessões do pon-
tifica seu antecessor e lhes acres-
centa a iurisdiçâo espiritual da
Ordem de Cristo sobre as terras,
desde o cabo Não até à índia:
•dominium et potestas in spirí-
tualibus duntaxat in insulis, villis,
portubus, terris. et locis a capl-
tibus de Boiador et de Nam us-
que per totam Guineam. et ultra
meridionalem plagam usque ad
Indos acquisitis et acquirendis
Para sustentar que a obra sistemá-
tica da circunnavegação da Africa
não foi guiada pela esperança de
achar o caminho das índias Afri-
cana e Asiática, seria preciso co-
meçar por admitir a ignorância eu-
ropeia da península fndica e dos
grandes impérios orientais. Os co-
nhecimentos que da Asia pos-
suíam os portugueses seriam su-
ficientemente revelados na esco-
lha, pelo Concílio de Lvão. em
1245, do franciscano Lourenço de
Portugal para delegado do Papa,
ao Grão Khan mongólico
C1»oliuroDeRfco(4ovcrKto.
C9rraluooo3carrflDcbuú0CTioac8oa8Díea8(CTTa9.
CCó pMuiíe^o od Wcr noíTo rcnboj.q ncnbuij faça a impjcf
íítn Dcftchuroné t>o vcnoacin roDoíloe fc»rcffnoa i rcntxy
nos fiem llçéça oe BaUnnm ffrnái)C5ropcna cofcuM na cor
Pr«nt««ptclo «o Livro d» Marco Polo. Tr»ducclo • lmpr«*«lo d* Vaicnilm F«rn*nd«*
O vetun.a conum. aUm do 1..10 dc M.rco P«ulo. jt outrai obr» menclonadM no Ululo! iunio
(DoaHimplar da Diblloiaca N«tlonal d« Lttboa) '
(102). Pôde haver historiadores
nossos contemporâneos que igno-
rem os escritos dos primeiros geógrafos, mas os dirigentes dos povos, que, no final da Idade Média reali-
zaram os en preendimentos das descobertas, nào podiam desconhecé-Ios. As obras de Azurara de Duarte
Pacheco, de Barros, de Castanheda, de Galvão, de Rezende e Damião de Góis. até ao sublime poeta épico
)ulho de I9cí""* ^' • Chnstophe Colomb. ita Revlm Portuguesa Colonial e MiriHma-
(102) Beaslev. Tht datvn of modern gtography. Vol. II, pig. 276. (Londres, 1806.)
LXXII
Introdução
cronista da apotéose, lestem unham o conhecimento minudencioso dos autores gregos e latinos. Os erros
geográficos, concernentes ao Oriente, que conduziram aos mapas de Marco Polo e Toscanelli e ao globo
de Behaim. projectando a Ásia para leste, ináo datam de Eratóstenes? i Nào foram aceites por Ptolomeu?
Heródoto, o «pai da história», dizia fundar-se nas noticias mais fidedignas, para afirmar que os índios
eram a gente que vivia mais perto da saída do sol. na Asia do levante, e que estes extremos do mundo
abundavam nos produtos mais preciosos. Estrabão assinalava a (ndia como o primeiro país e o mais
extenso do Oriente. Os contemporâneos de Alexandre Magno, cujos guerreiros tinham encontrado o pa-
vão em estado silvestre, nas selvas indianas, foram os primeiros a descrever as regiões meridionais
da Asia. Megasteno notára a configuração peninsular da índia; Onesecrilo mencionou a ilha de Tapro-
bana (Ceilão). Ambos haviam observado o desaparecimento no céu da Ursa Maior, que, na (ndia me-
ridional, desce abaixo do horizonte visual. A Ásia não era um mito ou a reminiscência lendária de uma
realidade remota, como a Atlântida de Platão. O veneziano Marco Polo viajára durante vinte e quatro
anos peta Ásia, desde a Tartária ao Japão, no fim do século XIII (103). A influência dos seus escritos já
se manifestára na cartografia do século XIV. a começar no mapa catalão de 1375. O abade dos pre-
monstratenses de Poitiers ditara uma geografia asiática, dando à China a denominação de Cathay e onde
copiosamente referia as riquezas fabulosas da índia. São Luís. rei de França, confiara, cm 1256. ao fran-
ciscano Guilherme de Rubruck uma missão diplomática na Ásia. O provincial da ordem dos franciscanos
em Colónia, ]oào de Plano Carpini, visitára, nesse mesmo século Xlíl, como embaixador da Cúria, o
Grão Khan da Mongólia (104). A Asia. conhecida pela civilização greco-latina. depois da triunfal expedi-
ção de Alexandre, era. inconfundivelmente, o fito das expedições guerreiro-navais-mercantis. sistematisadas
e desenvolvidas, desde o Infanto D. Henrique até D. João II.
Fôra. designadamente, a conquista de Constantinopla pelos turcos, completando a obstrução
das vias terrestres e marítimas meridionais para a Ásia, (pois já desde 1171, Saiadíno se apoderára do
Egipto, fechando as comunicações com o mar Roxo) que inspirára a audaciosa cmprésa das conquistas
oceânicas. O próprio périplo da África, considerado por Vignaud fóra das cogitações portuguesas, nào
constituía, sequer, no domínio da lenda, como no da realidade, uma concepção original. Sobreviviam na
tradição o legendário périplo fenício do reinado de Necao (600 anos A. C) e o périplo púnico do almi-
rante cartaginês Hanon. Sabia-se que Políbio, às ordens de Scipiào, visitára as costas da Mauritânia.
No século XIII (1281), os irmãos Vadimo e Guido de Vivaldi, genoveses, e, dez anos depois, Ugolino
Vivaldi e Teodósio Dória, tinham empreendido circunnavegar o continente africano. *Começjrjm aquelã
viagem com o objectivo temerário de procurar o ciminho pelo Atlântico ad partes Indiae>(l05). Esta
índia, que os genoveses Vivaldi procuraram por mar, nos fins do século XllI, iporque não haviam de
tentar achá-la os portugueses, no século XV? i Falta o documento que o declare peremplóriamente?
iNem esse documento falia! (106) cMas quem poderia supor que. mais de quatro séculos volvidos, depois
da execução do plano gigante, um grande historiador se lembraria de negar o objectivo da índia a uma
obra ininterrupta e sistemática de exploração oceânica. . . que atingiu a índia? (107)
Em 1457, (dezassete anos antes da consulta a Toscanelli] Diogo Gomes e João Gonçalves
Ribeiro entraram no rio Gâmbia, que subiram até à cidade de Cantor, onde souberam que as caravanas
(103) M r >ik of sir Marco Peto tha Vcncuan, Londres, 1871; A. Oartoll, Vuggt di Mjicíi 1'oIq
secando la lexione • . :ii.\no piú jnlico, Florença, 1863.
(1W) Journeys of William o/ Rubruck and John ot Plãn de Carpine. lo Tjiríarv in tfie 13 lhe o-nl, Hakluyi Society.
I ■ ■' . 1900; D'Avezac, NoUce sur Ir >if TarU: ■' itti dc /Vj» dí C.irpini en
i r.T, no Tomo IV do Rccucd de i ra da : .i dc P.. , '); F. M. Sctimidl,
Ui.-b*i Hubruk's Rcisc t/on Í2&3-I2ÍS, no luiiio XX, pá^j». 161 - 2S3 da ^cUi-cliiiU dn uc^iílschaft fui Lrdiiunde, Berlim. 1865.
(105) C. Eirera, Op, CU., a pág. 178. •Gi.í ncl I29l. < ' ' ino Vifaldi > ' ■ quoddam,
viagium quod aliquis lisque nunc faceri' minime ailempiavit-, ■ -^egno di m ad parles
InaíA'', verso Ijluna aoe Ui quvlle confrade che, da Sotala e dali Lliupu aih' due grandt pcimoli.' Jòialulu; tiiaiw vagamente
comprese altora nella denominaitonc di ludia».
(106) Carta de doaçAo dc D. M»nucl a Vasco da Oaina, dc 10 de Agoslo de IS02. Alguns documentos da Torre
do Tombo, a pág. 127.
(107) •// est avM que, dés avaiU fannfe 1474, les Porlugais miditalenl datteindre par mer les eÔtes occidentates
de la Chine et da Japon*. Hvnry Harrlsse, Les Cõrle-Real el leurs voyages au nouveau -monde, a pig. 23. Paris, I8S3.
lu
LXXIII
Introdução
de Tunis e do Cairo chegavam até ali e que, para além do tempestuoso promontório da Serra Leôa.
corriam rios para leste. Tam provável pareceu a Diogo Gomes chegar à índia, dobrando a extremidade
meridional da Africa, que trouxe para bordo um índio abissínio, a fim de servir de intérprete aos Por-
tugueses. tComo é. pois. possível sustentar que. nas cogitações lusitanas, não entrava o périplo africano,
quando os Portugueses sâo os iniciadores e os executores dos grandes périplos continentais?
Indiscutivelmente, o problema náutico e económico da segunda metade do século XV consistia
em achar o caminho marítimo das índias, em cuja direcção se repeliam, arrojadas e pertinazes, as explo-
rações portuguesas, t Porque, enlâo. se hesitava e se consultava, em nome do Rei, o sábio florentino?
Porque as índias, no planeta esférico, podiam igualmente alingir-se pelo Ocidente. Esta era a concepção
de Toscanelli. Para se escrever com propriedade, esta concepção nào podia deixar de ser geral a todos
os astrónomos, geógrafos e matemáticos. É evidente que. sendo esférica a Terra, se pôde atingir um
determinado ponto dela. partindo, indiferentemente, para o nascente ou para o poente. O problema resu-
mia se em saber qual das duas róias devia ser explorada qual dos dois caminhos era o mais curto.
E os impérios da antiguidade oriental estiveram sempre em relação com os povos mediter-
râneos da antiguidade clássica, - que nào ignoravam que. para além da Pérsia, havia
outros países «imensuráveis e magníficos», — e se êsse conhecimento experimental do
Oriente foi herdado, desenvolvido e cultivado pelas cidades maritimas italianas, que con-
tinuaram explorando o comércio do luxo asiático, não é menos certo e provado que não
faltavam aos geógrafos do século XV os patentes indícios da existência das terras ocidentais. Os Escan-
dinavos tinham já pisado o solo americano (108). O primeiro europeu que viu a América, provávelmente
nas primeiras décadas do século X. parece ter sido Guunbiorn. que. navegando para a Islândia foi
arrastado para oeste pelos ventos glaciais e as correntes e avistou as brumosas enseadas que lhe con-
servam o nome. para trás das quais enxergou a terra firme.
Na última década do bárbaro século X. aí se estabeleceu Erico, o Ruivo, fugido da Noruega
por homicídio, e que lhe chamou a Groenlândia: terra verde. A noticia do descobrimento chegou até ás
cidades marítimas da Alemanha. Adão de Bremen, na Gesta hammaburgensis ecclesiae pontificum refe-
re se a uma expedição de frisôes do rio Weser às terras setentrionais. Os Normandos levaram 'ainda
mais longe as arrojadas viagens no mar das brumas. Djorn, pelo ano de 986. indo da Islândia à Groen-
lândia, descobriu novas terras, que foram exploradas por Leif. filho de Erico, o colonizador Esta expe-
dição, que atravessou a regiào dos penhascos, dos prados e das vinhas (Vinlândia), devia ter cheoado
até perto de 4lo de latitude N.: cêrca do promontório do Estado de Massachusetts (108-A). Em princí-
pios do século XII. )á possuía a Groenlândia o primeiro bispo, e continuou a tei prelado de mitra e bá-
culo com residência na diocese, até Alfr (1368 a 78). H. Major (109) fixa o ano de 1406 como o último da
residência dos prelados na Groenlândia, havendo, desde essa data. só bispos titulares até 1537 Aban-
donada e esquecida, a Groenlândia reentrou na tréva e na lenda, desvaneceu-se como uma nuvem na
memória dos homens, nào tendo sido considerada nunca como fazendo parte integrante de um continente
transatlântico. Todavia em Portugal, no ano de 1502. sabe-se já (como constada carta de Pascuáligo)
que a fria e inóspita Groenlândia é a parie mais setentrional do mesmo continente imenso a que per-
tence a cálida e luxuriante Terra dos Papagaios.
I l.Uilllllll
(108) Ouslave Stonn. Studics ot lhe Vinland vovaqes mémoirei d#* li» Çn^.v-M a .■ ^ ^
Sornunds au X' suW.-, 1874; D. F da Cosia. D^^coui>,-rte de rTmén^^^^^^^ Découuerte de lAménçue
(I08-A> Contudo, Vignaud. no Journal deg Améhcénisies de Pjrt< íann h*' .<vw«
decida dos escandinavos atí 4 latllude cm que os liistoriadoris géralmeíí^^U^^^^ """"5 P«»>Iomática a
lenham Ido além da Terra Nova. seraimenie colocam a VinlAndia, presumindo que éte« nlo
(10») UofíffM of the Ztni to the Northtrn Se*s. Hakluyt Socicly. Londres. 1873.
LXXIV
Introdução
UE noticias podiam ter os portugueses, em 1474. das terras misteriosas do ocidente em
condições de iustificarem uma consulta a Toscanelli? «tiaenie. em
Ml
Nunca se apagaram por completo da memória do homem europeu as relações ÍV ^
que havia entretido, nas éras remotas, com o seu semelhante de outras e longínquas ocdinu '
ilhas e mai. IxX^^^lJ a ' iornadas. a Oeste da Bretanha, se encontram várias
^f/vLl? ' ""^.grande contmenle. de chma benigno. As lendas medievais de S. Brandão e das
Sete Cidades parecem ong.nadas nas primeiras colonizações cristãs da Groenlândia (I lO) Havia muito!
('nlstVes^o^cicr 'dTs '"^^^ Massilia no 'fim TXZx^,
T\nL\ T Jl sobre-humanas proezas, quando os exércitos macedónios de Alexandre atingiam
m6 e I44« n Ar. ° '^^ 5e'^n'"onal do mundo para noroeste. Nos mapas de Andréa Bianco de
1436 e 1448. o Atlant.co oc.denta! é povoado de ilhas, entre as quais figura a enigmática Antilia a flor
m.stenosa do oceano, que Pedro de Medina, autor do Regimiento <ie nLgaaon e da Zte JTnaVual
a Lusitams est mventa scd modo quando qucrrilur non inuenitur» (m). e que surge pela primeira vez
no mapa anónimo de 1424 da biblioteca do grão duque de Weimar e nas cartas de Becário (1426) Nâo
faliam indícios de natureza lendária, náulica e cartográfica, para justificar a indecisão portuguesa
Entre ou ras viagens ia realizadas, no Atlântico ocidental, deve em especial mencionar-se a dos venezia-
nos. Nicolo e Antonio Zeno. em 1390. estudadas por Mumboldt. Major e Nordenskiõld (l 12). Anteriormente
a carta catalã (1375) inscrevia as ilhas Orcades e a Scilàndia. i^^normeme.
Esta série considerável de factos basta para colocar a consulta a Toscanelli no terreno da r
mais evidente verosimilhança. Mas há a acrescentar que. justamente nesta época -dois anos antes da ' "
consulta ao sábio florentino, como que inspirando-a^quere a tradição que loão Vaz Côrle-Real lenha STt",
pela primeira vez visitado a Terra Nova dos Bacalhaus. Quando mesmo essa viagem audaz e proble-
málica viesse a provar-se (e nâo há elemento algum de prova em favor dela) nâo poderia dizer-se com
veracidade que os Poriugueses descobriram a América vinte anos antes de Colombo, mas apenas que
lá haviam estado, como os Escandinavos indubitavelmente lá estiveram, como os anacoretas iriandcses
e os Venezianos. Nicolo e Antonio Zeno. incertamente lá foram ou lá pretenderam e supozeram ir Em
1472. dois anos antes da caria de Toscanelli. haviam talvez principiado as pertinazes expedições dos
Lorte-Keais para o ngroeste (1 13), Como lucidamente adverte Bensaúde. essa viagem de )oào Vaz nada
teria de fenomenal, antecedendo 28 anos a viagem indiscutida de Gaspar Côrle-Real. Dos Açôres à
Terra Nova. a distância é menor do que o percurso de Lisboa a Cabo Verde.
A consulta do cónego de Lisboa corresponde a uma situação de fundada perplexidade. É o
rei de Portugal que indaga sòbre «a róta mais curta para as terras das especiarias*.
Sobejavam razões que induziam a coroa a essa indagação, Os navios portugueses traziam a
Lisboa as notícias de ilhas entrevistas no longínquo horisonte. iA Aniília? i Simples miragem? cOs
arquipélagos anteriores às procuradas índias?...
Nunca um problema histórico se apresentou com mais lógica e verosimilhança ao investigador, «rvi i^ao
se considerarmos que o finisterra africano ainda não fora atingido. O que surpreende é que os historia- '
A.i5n.ir« . \ k""^ '^^ ^ . """'í^*'' ""^P^s de Becário. de Fra Mauro c dc Benincjsa. cslá sempre locjilizadj no
rtiiantico ocidcnial. «ehaim regisla-a como uma grande ilha a poenle. nas proximidades do Equador, A llh.i rcndária v.it asaim
descendo do setentri.lo para as regiòes da Amiírica ausirul. e conliniia a aparecer, depois do reconhecimento do litoral .im^ri.
cano. nos mapas de Sebasli.lo Cabol e de Mercator (N.o» 23, 21 e 76 dos í^I" fí rf»- f.i 'hit' dc i ij
Jendária das Sete Cidades figura Umbém no globo dc Nurembergia. onde .i narra t. i nnvo
bispo do Forio, acompanhado de scfs bispos. Fernando Colombo, no § 4 u.i^ y/. li /im/, ioujIiiiliUl- íc lhe
refere. Ruvsch, no mapa Unifersalior cognit orbis tabulú ex recfníibu:, con/rrr.t <>' -iihit^ , ido Jk edIcJo de
1503 do seu Ptolomeu, coloca-a enlre os Açòros e a Hispaniola. onde ai: com a AntllÍJ
A lenda da nave poriugucsa, que no tempo do Iníanie D, Henrique lõra .\ iii. , , Poriuqal é aindÃ
recolhida por Fernando Colombo (§ 9) e por Herrera (Hisforia general dc /o> iuctio^ dt . „ lis /sUs i Herra
firme dcl M.ir oicnw. vtc, Liv. í): -En liempo dei iníanie D. Enrique de Porlugãl coi>^ ... un n.vio que bãbim
sMido de Porlugal e no paró hasta dar a eltas: . .
("O cr D Avezac, Is/es de VAfrique. Paris. 1849. a pág, 27; Buaclic, Mémoire sur risle Aniilij, nas '■' \\
do Instituto de França, 1806. Formalconi. no Saggio sulla náutica anlica dei Veneziani, nJio hcsllava, ii cm 1789 em .r
a Antili.1 com a América. - i . ■
. ^ . ^ (112) — De//o scoprimenlo delfisole Frislanda, Eslanda, Engrovelanda estotitanda e Içaria, fatio aoto U Polo ar-
tico doi due frarelli Zeno. M. Nicoló il K. e M. Antonio. Veneza. 1558; Nordenskjòld. Perlplus. a pio. 86: Stom Om Zenierncs
rêiser, Cristiania, 1891 ; Lucas, The Annafs of lhe [^oyages ot lhe brothers N. and A- Zeno. Londres. 1898.
s iD,t Oi3) — Arquii/o dos Açores, Vol. 4, pág. 416; LAsironomie Nautique des Portugais. etc. dc Joaquim BenMúdc,
LXXV
Introdução
1 a corrcspúiidôncia toscaneliana uma fraude, não tenham principiado por explicar
nne poderiam ter levado Colombo a falsificar um documento que lhe diminuía a
de le con- '
Oi >..'05 r
glória, e a í. condições tais, que a invocarão de uma personagem, quer verídica, quer in-
existente, só serviria para o comprometer e denunciar como um falsário. A êsse tempo viveriam descen-
dentes colaterais do valido de D. Afonso V. Seria demência dcsafiar-lhes os desmentidos. Comete-se uma
iníusliça contra Colombo, imaginando-o incapaz de forjar documentos que melhor servissem a sua glória
e o seu ínturèsse. cm que náo se testemunhasse a anteciparão do conhecimento, por parte de D. ]oâo li.
SEPTENTRION ALIVM PARTIVM NOVA TABVLA
Mapa da* rcslAaa per onda navtsaram o* Irmloa 2*no. acflundo Piolomtu Oa RotcaUI (IMI). Idtnilco ao raproduildo por Kr«tachin«r
do plano do florentino sóbre o plano do genovês. Êsse desprendimento c essa imprudência nâo se con-
ciliam nem com a ambição de Colombo, nem com os intuitos dos seus panegiristas. Analisando propria-
mente o problema da autenticidade da carta, escrita cm 25 de }unho de 1474 ao áulico de D. Afonso V.
ocorre, antes de mais nada, inquirir a quem essa carta podia aproveitar, e só é possível concluir-se que
o seu contexto, em 1474, aproveitaria especialmente a Portugal, que detinha o monopólio da navegação
do Atlântico. Em I57t. data da primeira publicação, era ainda h glória e à sciéncia portuguesas que êsses
documentos aproveitavam, pois já. de há muito, um piloto português, indo da Espanha às Molucas. pro-
várafque, de facto, o caminho para as índias pelo Ocidente existia, mas era muitíssimo mais extenso do
que a róta portuguesa pelo Oriente (1 14). c De onde provem, todavia, o conhecimento universal da carta
(114) De S. Lucar « « viagem Fernão de MagalMes é de 14475 milhas; de Lisboa a Calecut.
320 milnjt (mimas de i9%2 melros).
Vako da Gama navegou
LXXVI
Paolo d«l Pozzo Toicanalll. ••Hundo o r«lr«lo pinrado por Oaoralo ViaaH, na sala da Coalmo It Vatchio no palácio Vacchio,
am rioranta. (A psTionaflam rairauda ft diralia da Toacanalll, « Marcillo Mclno. A piniura da Vaaarl raprodu* um ra-
iralo da Alaaalo 5aldovlnatil, ^ua axlallu na Igrala da Santa Trinllá.)
(
Introdução
de Toscanelli? Das Hhtorie deli Ammiraglio, supostamente escritas no original espanhol pelo próprio
lilho de Cristóvão Colombo, e da historia de Las índias, de frei Bartolomeu de Las Casas, bispo de
Chiapa. o mais autorisado panegirista do genovês, e. talvez, o único historiador do grande acontecimento,
que escreveu, (sem contar Pedro Mártir) sobre depoimentos e documentos originais. Acontece que!
durante séculos, a única versão conhecida da carta de Toscanelli é a de Fernando Colombo, relraduzida
em espanhol por Barcia, no I Vol. dos Historiadores Primitiuos de las índias Occidentaies. O manuscrito
de Las Casas (115) só fica incorporado na bibliografia, com a sua publicação no século XIXÍI16), embora
o tivessem consultado e conhecido em longos extratos. nas transcrições de Navarrete e em cópias
manuscritas, numerosos geógrafos e historiadores anteriores, como o eminente Humboldt (l 17). Nào se
trata, pois, de uma invenção de Fernando Colombo, desde que o Bispo de Chiapa, biógrafo áustero do
grande homem, e incapaz de falsidade consciente, a arquivava também, com pequenas variantes. A fonte
das versões italiana e espanhola da carta é. necessáriamenie, a mesma. Entretanto, nem a biografia
italiana parece copiar Las Casas, cuja obra nâo fôra publicada, nem Las Casas copta as Historie deli
Ammiraglio, que aparecem na Itália depois de escrita a Historia de las índias. Ambos escrevem à vista
de documentos, provindos do espólio do Almirante, mas independentemente e com objectivos sensivel-
mente diversos. Ao passo que o livro do filho procura converter Colombo num herói legendário, o livro
do arcebispo narra as acções do homem, sem ocultar as suas fraquezas.
LI A
'■1 i-ii
Ao três, conforme a versão dos biógrafos citados, as cartas de Toscanelli. Da primeira, aprimi ira
escrita ao cónego Martins, só lemos conhecimento pela segunda, que pretende ser uma ' ' ^
cópia da anterior, acrescentada de algumas linhas de prólogo, dirigidas a Colombo; e, ,
finalmente, uma terceira caria, menos importante, que haveria sido escrita pelo sábio llo-
renlino ao navegador genovês e inserta nas mesmas obras. Comecemos pela segunda,
desde que. só pela versão desta segunda carta, conhecemos (ainda que sensivelmente alterado) o texto
da primeira, dirigida ao conselheiro de D. Afonso V, e cuio original, como tantos outros documentos, se
perdeu. É. porém, da maior importância o facto de ser trazido ao tribunal da história um documento
desta magnitude, pelo próprio filho do navegador que arrebatara a Portugal a glória de descobrir a
quarta parte do mundo; de ser éle o portador, o revelador da carta extraordinária e providencial A carta
de Toscanelli constitui, em última análise, a justificação plena de D. ]oào II e da Junta dos Matemáticos
é o categórico depoimento coevo da sciéncia e da consciência com que Portuga! recusou os serviços de
Colombo. ]unta ao processo histórico peia parte adversa, podia ser -contestada na sua autenticidade
(por tal modo ela engrandece a sciéncia geográfica portuguesa) se os paleógrafos a houvessem desen-
cantado do sepulcro dos arquivos de Portugal. Mas é o filho de Cristóvão Colombo, o almirante de
Espanha, que a mostra ao mundo. Esta circunstância torna-a inatacável, muito embora Colombo a tenha
visivelmente adulterado, como aconteceu a tudo quanto foi atingido pela sua imaginação dramática e
transfiguradora.
Essa alteração é a maior garantia da autenticidade da carta de Toscanelli. Extraordinário para-
doxo: a falsificação torna-a ainda mais verdadeira. Pretendendo harmonisá-la com a sua glória, Colombo,
ou seu filho, ou o desconhecido autor das Historie deli Ammiraglio aplÍcou-lhe o estigma inapagável
da veracidade (118).
(ItS) Caicula-se que a Historia de las índias (oi concluída mais de meio sifculo depois da moiic de Colombo.
(116) Hislori.1 ilc l3S índias, ahora por primera vez dãda á luz per el marques de La Fiiensanta dei Valle
V D. 7. Sancho Rafon. Madrid, M. Ginesta. 1875- 1B76, 5 vol. ln-4.
(117) No calálogo de 1914, a LivrariJi Quarllch. de Londres, anunciava a Historia General de las índias em um
M, S. de 941 páginas, com 21 de index. do século XVII. e que perlencéia à livraria dc Lord Sruart de Roltiesay. Era uma
cópia inicgral, das mais pcrleitas enire as muitas que circularam alé à imprcssJo da obra.
(118) Fernand Colon, sa vie, ses aeuvres. ensaio crllico por H. Hjrrisse. Pari*. 1872. D. Fernando Colon Msto^
riador de su padre, pelo mesmo, SevIItia. 1871. Le Livre de Fernan Colomb, por O Avezac
LXXVII
Introdução
PRIMEIRA CARTA DE TOSCANELLI A COLOMBO, REPRODUZINDO A CARTA ESCRITA
EM 25 DE JUNHO DE 1474 AO CÓNEGO FERNAO MARTINS
Texto em espanhol, segundo a versão de LãS
Casas, na Historia de la» Indtas, escrita entre
1527 e 1559. (Voí. I. Cap. XII, pâgs. 92-96. na
edição 1875-76).
«A Cristobal Columbo, Paulo,
físico, salud:
«Vo veo el magnifico v grande tu deseo
para haber de pasar adonde nace la especicría,
y por respuesta de tu carta te invio el treslado
de otra carta que ha dias yo escribí a un amigo
V iamiliar dei Serenisimo Rey de Portugal, anies
de las guerras de Castilla, a respuesta de oira
que por comision de S. A. me escribíó sobre el
dícho caso, y te invio otra tal carta de marear,
como es la que yo le invié, por ta qual seràs
satisfecho de tus demandas; cuyo treslado es el
que sigue(n9).
«Mucho placer hobe de saber la privanza
V familiaridad que tienes con vuesiro generosi-
simo Y magnificenllsimo Rey. y bien que otras
muchas veces lenga dicho dei muy breve camino
que hay de aqui a las índias, adonde nace la
especicría, por el camino de la mar mas corto
que aquel que vosotros hacels para Guinea, di-
cesme que quiere agora S. A. de mi alguna de-
claracion y á oio demonstracion, porque se
enlícnda y se pueda tomar el dicho camino: y
aunque conozco de mi que se lo puedo monsirar
en forma de esfera como está el mundo, deter-
miné por mas fácil obra y mayor inteligência
monslrar el dicho camino por una carta seme-
jante à aquellas que sc hacen para navegar, y
ansi la invio a S M. hecha y debujada de mi
mano; en la cual eslá pintado todo cl fin dei
Poniente, tomando desde Irlanda al Austro hasta
el fin de Guinea, con todas las íslas que en este
Texto em italiano, segundo a versão de Fernando
Colombo, nas Historie delfAmmlragllo (Cap. VIU
foi 16 recto, na /.* edição de I57IJ U20).
«A Christoforo Colombo, Paolo,
fisico. salute:
<lo veggo il nobile e gran desiderio tuo di
voler passar là. dove nascono le specierie.
«Onde per risposta d una tua lettera ti man-
do la copia d'un'altra lettera, che alquanti giorni
fa io scrissi ad un mio amico, domestico dei
sereniss. Ré di Portogallo. avanli le guerre di
Castiglia, in risposta d'un'altra, che per commis-
sione di sua Altezza egli mi scrisse sopra deito
caso: e ti mando un'allra caria navigaloría. símile
a quella, ch'ío mandai a lui, per la que! reslcran
sodisfatte le tue dimande. La copia di quella mia
lettera è quesla:
«A Fernando Martinez canónico di Lisbona
Paolo Fisico Salute.
•Mollo mi piacque intcndere la domesti-
chezza, che tu haí col tuo Serenissimo £c Magní-
ficentís. Ré, St quanlunque molte altrc volte io
habbia raglonato dei brevissimo camino, che é
di quã airindíe, dove nascono le specierie, per
la via dei marc. il quale Ío tengo piu breve di
quel. che voi fate per Quinea, tu mi dici, che
Sua Altezza vorrebbe hora da me alcuna díchia-
ratione, o dimoslralione. accíoche s'intenda, & si
possa prcndere deito camino.
• La onde, come ch'io sappia di poter ciò
mostrarle con la sfera in mano, & farle veder,
come sta il mondo; nondimeno ho deliberato per
piu íacilltá, S per maggiore intelligenza dimons-
trar detto camino per una carta, simile a quelle.
che si fanno per navigare.
• E cosi la mando a sua Maestá. fatta e
disegnala di mia mano netie quale è dipinto lutto
II fine dei Ponente, pigliando da Irlanda alTAus-
tro infino al fin di Guinea con tutte le Isole, che
(119)
O
tti
mi-
M.t
6 vtvié o I
ta ctrtã d.
dei S. D. Fernando Colombo: nelle qtiali shã particolare. A vera relationc delia vifa. A de talti
r.'V.>.'fl^r' n.irfrr , r ,/, ,7 , ^ /^ff delVIndic Occidentãli. detie Mondo
j tradolte nell Italiana dal S. Alfonso Ulloa.
(130) N> wnio do Las Ca*.i«. a iranscríc^o tpvit rrrM* da caria a FemSo Martins 6 dada a seguir ao lexio
'ária A pui''' antecedida da seguinte explicação: «C/ segundo
• lí Colon, ' ••'ífor.-.^rle |' aftcion,irle .1 sii negocio, fuâ, que un
"30 un i se Itamaba Hernando Martinez y carlean-
.'grafia. m.ii . jíjnofi que á la sazon, en tiempo dei rey
sus pensamiem
>, f enifióle i
1 Lisboa, dl
iit>al Colon f! ju í.
;• la que más ó por me/or via sc descaba ftjrçr i las rcgiones marineras 6
r,>fir; jí^o áe sus cartas, v matéria de que traetaban. £1 cual. como estaba
on V andaba por ponerta en prática, acordó de escribír al dicho
:nrdio ã un loren/o Birardo, ansimismo florentino, que i la sazon
Paulo la intincton que lenia y deseaba poder cumplir. Rescibtda
ipondiôle una carta en latin. encorporando la que /labia escnplo al
l .líin<
Hernando Martinez, canónigo. la qual yo vide y tuve en mi mano vuelta de latin en romance . . . »
Lxxvm
Introdução
Camino son. en frente de Ias cuales derecho por
Fomente esta pintado el comíenzo dc las índias
con Ias islas y los lugares adonde podeis des-
viar para la línea equinoccial. y por cuánio espa-
cio. es a saber, en cuánlas léguas podeis llegar
a aquellos lugares ferlilisimos y de toda manera
de especiena y de ioyas y piedras preciosas; y
no lengais a maravilla si yo llamo Poniente
adonde nace la especieria. porque en commun
se dice que nace en Levante, mas quien nave-
gare al Poniente siempre hallará las dichas par-
tidas en Poniente. é quien fuere por tierra en
Levante s.empre hallara Ias mismas partidas en
Levante.
«Las rayas derechas que estan en luengo
en la dicha carta amuestran la distancia que es
de Poniente ã Levante; las otras que son de
través amuestran la distancia que es de seplen-
Inon en Austro. Tambien yo pinte en Ia dicha
carta muchos lugares en las partes de índia,
adonde se podria ir aconteciendo algun caso de
tormenta o de vienlos contrários o cualquier otro
caso que no se esperase acaecer y tambien por-
que se sepa bien de todas aquellas partidas, de
que débeis holgar mucho.
«V sabed que en Iodas aquellas islãs no
viven ni tractan sino mercaderes. avisandoos que
alh hay Ian gran cantidad de nãos. marineros.
mercaderes con mercaderias. como en todo lo
oiro dei mundo, y en especial en un puerto nobi-
Iisimo Mamado Zaiton. do cargan y descargan
cada ano 100 naos grandes de pimienta. allende
Ias otras muchas naos que cargan las otras es-
peciehas.
«Esla pátria es populatisima. y en ella hav
muchas provindas y muchos reinos y ciudades
sin cuento debaio dei Senorio de un Príncipe
que se llama Gran Khan. el cual nombre quiere
decir en nuestro romance. Rey de los Reyes el
asiento es Io mas dei íiempo en Ia província 'de
Catayo. Sus aniecesores desearon mucho de ha-
ber platica è conversacion con crislianos. y habla
doscientos anos que enviaron al Sancto Padre
para que enviase muchos sábios é doctores que
les ensenasen nuestra fe. mas aquellos que el
envio, por impedimento, se volvieron dei camino
Y tambien al Papa Eugénio vino un embajador
que le contaba Ia grande amisfad que elios tie-
nen con cristianos, è vo hablé mucho con él é
de muchas cosas é de las grandezas de los edi-
fícios reales, y de Ia grandeza de los rios en
ancho y en largo, cosa maravillosa. é de la
muchedumbre de Ias ciudades que son allá á la
Grilla dellos, é como solamente en un rio son
doscientas ciudades. y hay puentes de piedra
in tulto queslo camino giacciono; per fronte alie
qual, dntlo per Ponente giace dípinto il principio
den Indie con le Isole, e luoghi. dove poleie
andare: e quanto dal Polo Artico vi potele dis-
costare per la linea Equinoctiale. e per quanto
spalio; cióe m quante leghe potele giungere a
quei luoghi ferlilissimi d ogni sorte di specieria
e di gemme. e pietre pretiose.
«E non habbiate a maraviglia. se lo chiamo
Ponente il paese. ove nasce in Levante: perchio-
che coloro, che navigheranno al Ponente. sempre
Iroveranno delti luoghi in Ponente; e quelli. che
anderanno per terra al Levante, sempre Irove-
ranno detti luoghi in Levante.
•Le linee dritte. que giacciono al lungo in
delta carta, dismostrano la distanza, che è dal
Ponente al Levante; le allre. che sono per obli-
quo, dimoslrano la distanza. che è dalla Tramon*
latia al Mezzogiorno.
•Ancora io dipinsi in detia carta molti luo-
ghi nelle parti dell india. dove si potrebbe an-
dare, avvenendo alcun caso di fortuna, o di venii
contrarii. o qualunque altro caso, che non si
aspettasse, che dovesse avvenire.
«Ed appresso, per darvi piena informalione
di tutii quei luoghi. i quali desiderale mollo
conoscere, sapplate. che in lutte quelle isole non
habitano, ne prallicano altri. che mercatanii; av-
verlendovi, quivi essere cosi gran quanlitá dí
navi. e di marinari con mercatantie. come in ogni
altra parte dei mondo, specialmente in un porlo
nobilíssimo, chiamalo Zaiton. dove caricano, e
discaricano ogni anno cento navi grosse di pepe,
oitre alie molíe altre navi. che caricano altre
specierie.
«Queslo paese è popolalísimo. e sono molte
provinde, e molti regni. e dttà senza numero
solto il domínio di un Príncipe chiamato il Gran
Cane. il qual nome vuol dire Ré de Ré, Ia resi-
denza dei quale la maggíor parte dei tempo è
nella província dei Cataio.
<I suoi aniecessori desíderarono molto ha-
ver prattica e amicitia con Christiani. e gia du-
gento anni mandarono Ambasciatori al sommo
Pontefice. supplicandolo. che gli mandasse molli
savii e dottori, che grinsegnassero la nostra fede,
ma per grímpedimenti, ch'ebbero detii Ambasda-
tori. tornanoro a dietro senza arrívare a Roma.
<E ancora a Papa Eugénio IV venne uno
Ambasciatore. íl quale gli raccontó la grande
amicitia. che quei Principi, e i loro popoli hanno
co christiani: E io parlai lungamenie con lui di
molte cose, e delia grandezza delle fabriche re-
Sali, e delia grossezza dei fíumí in larghezza. e
LXXIX
Introdução
mármol muy anchas v niuv largas, adornadas de
muchas columnas de piedra mármol. Esla pátria
es digna cuanto nunca se hava hallado, é no
solamcnle se puede haber en ella grandisimas
ganâncias ê muchas cosas, mas aún sc puede
haber oro é plaia é piedras preciosas é de todas
maneras de especieria. en gran suma, de la cual
nunca se Irae a estas nucslras partes; v ver-
dad que hombres sábios y doctos, filósofos v
astrólogos, y oiros grandes sábios, en todas
arles de grande íngenio. gobiernan la magnifica
província 6 ordenan las balallas.
<V de la ciudad de Lisboa, en derecho por
el Poniente, son en la dicha carta 26 cspacios,
y en cada uno detios hay 230 millas hasta la
nobilisima y gran ciudad de Quinsay, la cual
tiene al cerco 100 miltas que son 23 léguas, en
la cual son 10 pucnies de piedra mármol. El
nombrc de Ia cual ciudad en nueslro romance,
quiere decir ciudad dei cielo; de la cual se
cuentan cosas maravillosas de la grandeza de
los artifícios y de las rcntas (este espado es
cuasi la tcrcera parte de la esfera), la cual ciu-
dad es, en la província de Mango, vecina de la
ciudad dei Cal^yo, en ta cual cí\á lo mas dei
licmpo el Rey. é de la isla de Aniíl, la que
vosotros Mamais de Sicte Ciudadcs. de la cual
tonemos notícia, hasta la nobilisima ista de Ci*
pango hay 10 cspacios que son 2500 millas. es
a saber b2j léguas, la cual isla es fertilisima de
oro y de perlas y piedras preciosas.
*Sabed que de oro puro cobijan los templos
y las casas reaics; asi que por no ser conocido
cl camino es\íin todas estas cosas encubierias, y
a cila se puede ir muy seguramente. Muchas
otras cosas se podrian decir. mas conto os tenga
ya dicho por palabra y sois de buena conside-
racion, sé que no vos queda por entender, y por
tanto no me alargo mas, y esto sea por satis-
faccion de tus demandas cuanto la brevedad dei
liempo y mis occupacíones me lian dado lugar;
y ansi quedo muy presto a salisfacer y servir
a S. A. cuanto mandare muy largamente.
• Fecha en la ciudad de Florência a 23 de
]unio de 1474 afios.
in lunghezza, e ei mi disse molle cose maravi*
gliose delia motiiludine delle cittá, e luoghí, che
son fondatti nelle rive loro. e che solamcnle in
un hume si irovano dugcnto cittá cdifícate con
ponti dí pietra di marmo, molto larghi. e lunghí
adornaii di molle colonne.
■Questo paese è degno tanto, quanto ogni
altro, che si habbia trovalo; e non solamente vi
si può trovar grandíssimo guadagno. e molle cose
ricche; ma ancora oro, e argento, e pielre pretiose,
e di ogni sorte di specicria in grande quantílã, delia
quale niai non si poria in queste nostre parti.
*Ed è il vero, che molii huomini dotti, Fi-
losofi. c Astrologi, e altri grandi savii in tutte le
Arti, e do grande ingegno govcrnano quella gran
província, e ordinano le battaglíe.
•Dalla città di Lisbona per drillo verso Po-
nente sono in detta carta vcniisei spatii, ciascun
de'quali contien dugento è cinquanta míglía fino
alia nobilíssima, e gran città di Quisai, ta quale
gira ccnio miglia, che sono trentacinque leghe;
ove sono dicci ponti di pieira di marmo.
«11 nome di questa cittá significa Cittá dei
cielo, delia qual si narrano cose maravigliose
intorno atla grandezza de gríngegni, e fabriche,
e rendili. Questo spatio è quasi la terza parle
dclla sfera. Giace questa città nclla província di
Mango, vicina alia provinda dei Cataio, nclla
quale sta la maggior parte dei tempo il Rè.
• E dall isola dí Antilia, che voi chiamate dí
selle cittá, delia quale havete noticia, fino alta
nobilíssima isola di Cípango sono diecí spalii che
fanno due míla c cinquecenio miglia. cÍoè du-
gente e venlicinquc leghe: la quale Isola è fertí-
lissima d'oro. di perle, c dí pietre pretiose.
*E sappiate, che con piasire d'oro fino co-
prono i Templí, e le caregali. Dí modo che, per
non esser conoscíuto il camino. tutte queste cose
si ritrovano nascoste. e coperle; e ad esse si
può andar sícuramcnie.
•Molle altre cose si potrebbono díre; ma,
come io vi hogia deito à bocca, e voi sicte pru-
dente, e di buon giudicio, mi rendo certo, che
non vi resta cosa alcuna da intendere: e però
non sarò piíi lungo.
<E questo sia per sodisfactione deite vostre
richiesic, quanto la brcvitá dei tempo e le mie
occupalioni mi hanno concesso.
«E cosi resto prontíssimo à sodisfare. e
servir sua Altezza compiutamente in tullo quello.
che mi commandcrà.
•Da Fiorenza, à XXV Giugno, delfanno
MCCCCLXXIIII.
LXXX
Introdução
IS o primeiro e debatido documento que prova o conhecimento anterior português do
plano toscaneliano (executado por Colombo), remontando a 1474. e do qual se conclui
a estreita conexão da índia africana com a índia asiática, nos obiectivos marítimos dos
Portugueses. Esforçando-se por acumular a maior soma de indícios contra a autentici-
dade da caria de Toscanelli. Vignaud contesta que em Portugal se cogitasse, nessa
época, nas regiões industânicas. Por uma singular coincidência, como já observamos, o ano de 1474 6 o
do advento do príncipe D. )oào à administração colonial que precedeu a declaração de guerra, suscitada
pela sucessão de Henrique IV ao trono de Castela; e. embora Vignaud conjecture que. desde 1474 a 1479.
os Portugueses, empenhados na guerra com a Espanha, tenham interrompido a sua acção nos mareji
é com a data de 28 de Janeiro de 1474 que se faz a concessão a Fernão Teles das ilhas que mandar
descobrir, conquanto não sejam nos mares da Guiné; em 31 de Agosto, regulamcnta-se o trânsito marí-
timo: em 4 de Novembro, é publicada a lei. estimulando as construções navais; em 10 dêste mesmo mès.
são ampliadas as concessões a Fernão Teles, abrangendo as ilhas povoadas no Atlântico Ocidental.
A
"vil;
Rcproduclo da rsconslllulclo da pane do Mapa dc Toacanelll por Uilelll. - O mapa de Toacanelll, qua tarla acompanhada a
caria ao cónago Pernlo MarMna, «agundo a r«canalUul(ao de Uilelll, na Raccolia Colombiana. Ncala raconalllultlo, oa eapa(oe alo da
cinco sTaua cqulvalcnlea a «T > . tnllhaa lloreniinaa, ou a n ■ , milhai romanaa. ou M» alidloa d« iM mairoa. o qu» Aá como rMullado
III.*» melroa para o aráu equatorial, ou aejam *OMi.T» melroa para a cIrcuntarCncla maalma lerraalra.
A admissão, nesle documento, da existência de ilhas povoadas parece revelar a influência de
recentes informações, quer derivadas de fonte nacional, quer da fonte toscaneliana. Até aí, os Portugue-
ses só haviam encontrado no rumo do poente ilhas desertas. Os termos da nova concessão permitem a
suspeita da interferência de um novo factor que altera as concepções geográficas portuguesas e con-
stitui uma singular coincidência que essa teoria se exteriorise num documento oficial, precisamente no mesmo
ano em que Toscanelli responde à consulta do cónego Fernão Martins. Vignaud considera que esta
consulta, dirigida a um sábio que nunca safra da Itália, por uma nação que dispunha dos melhores
marinheiros do mundo e os únicos que conheciam o Atlântico (*who u/ere then the besf sailors in the
world and the only ones acquainíed with the Atlantic...*) não tem justificação. O argumento não é
aplicável a êste caso especial, pois era precisamente na Itália, em relações comerciais terrestres com a
Asia, que se podiam obter informações mais seguras sobre os países do Oriente.
éAs informações do sábio são obsoletas? Talvez sejam. Mas, nesta altura, o que parece inve-
rosímil ao severo analista, que argúe, com sérios argumentos, a carta de Toscanelli de conter noções
geográficas anacrór cas (121), já não é, própriamenle a nomenclatura arcaica da epístola, mas o projecto
bNTt
(121) Essa prova i. aliás, uma das mais admlrávelmente exposliis. no trabalho analflico do lilsloríador, m» nlo
basta para Invalidar a existência dc uma carta, que só conhccomos por Intermédio de Colombo. Tudo parece Indicar — inalalt-
mos neste ponto — que Colombo nâo nos iransmiliu na sua redacção originai a carta dc Toscanelli. bem deixar de acreditar
que a correspondência rnlre o sibio florentino e um cónego português foi uma realidade, pôde admillr-sc que dessa corropon-
dência nos legou Colombo uma versão incorrecta e incompleta. A 2.* e a 2." car1.is devem ser parles Iruncadas de uma tò
caria do Toscanctli a Colombo, ou mesmo até uma fraude, executada sõbre a base da caria do sábio florentino ao cónego por-
tuguês. O que parece tcmcrArío admitir é a n3o exísléncia da carta de To&canclli, dc 1474. As oulras podem ter sido tortidi>
sòbre £sse documento, e provavelmente o foram.
» LXXXI
Introdução
portiigufrs de atingir as índias, de estabelecer relações marítimas com o Oriente asiático Para Vignaud
os Portugueses náo meditavam em projecto de lai magnitude,,, que realizaram uinie e quatro anos
depois. Surpreende que o crítico perspicaz nâo tenha reparado que. dessa premissa, se conclui que
Colombo possuía ideias mais avançadas e conhecimentos geográficos mais completos que os dos cosmó-
grafos portugueses. Se. em 1480. Colombo era capaz de conceber uma viagem às índias asiáticas pelo
Ocidente, é extremamente difícil sustentar que os dirigentes de Portugal só tivessem pensado no Indus-
tâo. depois da proposta de Colombo. A tese de Vignaud admite para o inculto Colombo um plano que
reputa prematuro num Estado que fizera das expedições marítimas, havia mais de meio século, um
empreendimento nacional em grande escala, apoiado na mais avançada cultura náutica e cosmográfica-
superioridade que. aliás, o mesmo Vignaud reconhece quando, procedendo à análise do hipotético mapa
de Toscanelh. reconstituido por Uzielli. na Raccolta Colombiana (122). enalteceu o incomparável conheci-
mento que do Atlântico tinham adquirido os Portugueses: <We may ivell then ask what light such a
document could throw on the question of the better route to reach the Indies ... and what this map
w whtch Ufas to be found no neiv information or suggestion for those who occupied themselt/es with
cosmography and navigation, could teach seamen, like the Portuguese, who knew the Atlantic better
than any one, and to whom no Portolano of the period was unknown». Entretanto, na carta de EI-Rei
D. Manuel, de doação a Vasco da Gama de duzentos e trinta mil reais de renda, datada de 10 de
Janeiro de 1502 (publicada a pág. 127 de Alguns Documentos da Torre do Tombo), o monarca expressa se
nestes lermos explícitos: *A quantos esta carta virem fazemos saber que, seendo pello Vfante Dom
Amrnque meu tyo começado o descubrimento da terra da Gufnea na era de mil e quatroçentos e trinta
e três. com entençam e desejo de pella costa da dieta terra de Gujnea se aver de descobrir e achar
ã Vmdja ...»
Esta índia, a que se refere o rei numa caria de doação ao descobridor do caminho marítimo
para a Asia meridional, quatro anos depois do descobrimento, ^póde porventura continuar a coníundir-se
com a India africana? t Nâo representa ésie documento a prova irrefutável dos objectivos poriugueses?
A carta de Toscanelli prova, implicitamente, o intuito português de alcançar a índia asiática
Esse objectivo constitui um ponto preliminar na discussão da correspondência loscaneliana
O INFANTE D. HENRIQUE
£•!« r«imo de InfanI* • doa úlllmoa lempoa da aua vida. U ouando AU uanri» »>■■.. .t.
«ua volira -.<*.lc.B,.n.. a ..I.Uncla. .e„„rla um pouco .pa.lflu.d. . ao. Irn^naa dõ 17* m ™.. ^ ! ""i* "
- ■ « o Inlatil. D. Nanrlqua «um doa raroa homana que Influíram noa daatinoa da humanidade c « um doa «eu. ..«t«.
droalro.. Do cl.rlo d., .ochaa. com ,u. .a alumiava na. vlflllla. d. Saara., .urdiu uma lu. dV.lúmbrou a Í.rr. iflda Ê ! cõn'
c.pdo do co.moa. qu. marca a Cr. Mod.rna. aô .. lomíra po.alv.l dcpol. qua .ata aiWo. #.., h.r/l .nT.lh«/ra «íuda^^^^
pa* • ea aalre*. na aoltdle do Promontdrlo Sacro, na «ua vila do Cabo d* S Vleenl.. «nvaineefra. aatudando o* ma-
AFONSO LOPES VIEIRA.
(122) Na pnnchi X d« Toscénelli. A reconílltuiçâo é execulada em projecção plana quadrada. 0$ espaços slo
de 5*. cada grau Igual a 67 , milhas florçnttnas. correspondentes a 75 [ milhas romanas, ou 605 sládlos de 185 metro* o
XtnJÍ ^^7^111^ """^ ""^ * S-otx» no círculo equinocial, uma «c-
LXXKII
introdução
OSCANELLI atingira, em 1474. os setenta e sete anos. c morreu oito anos depois em I48Z
roi neste penodo de oito anos que o sábio de Florença escreveu uma carta ao cónego
ae Lisboa, a comunicou por cópia a Cristóvão Colombo, e voltou a escrever-lhc pela
segunda vez. a breve epistola, de que depois nos ocuparemos. Em 1482-83. Colombo vai
ou laaanoi^ ■ * * ^ " ^ '^'^e da Mina. recem-construido. É nesse ano de 1483
ou 1484 023). que geralmente se supõe ter Cristóvão Colombo proposto a D. João M a viagem à índia
at^irl' T""" ^^"""^^ ^ máxima iLS para
í h.rr.l . ^^K^^' -''"' '"'"'f conviessem. Toscanelli não protestaria contra o depoente. Naquela
altura, com o sab.o ,a morto. Colombo podia apresentar se como o único confidente dos projectos de
Toscanelh. . Para que inventar a carta do cónego Fernão Martins? É evidente que êle a nâo inventou e
que eia é. porventura, a única cousa autêntica em toda esta confusa história
^''''^.u^"*'^ 'í"^^"" '^''^^^ ^'^ ^"^ P^"'^' o escrevéra a um cónego portu-
guês, expondo lhe o plano de uma viagem marítima à índia, pelo poente.
Na fórma. sensivelmente irregular, em que as Historie deli Ammiraglio e a Historia de lâs
índias conservam o documento epistolar, endereçado a Colombo, patenteiam-se duas indicações cronoló-
gicas. .Ha uns dias. que Toscanelli respondera a Fernão Martins, que lhe havia escrito, por encarqo do
rei. Temos, assim, (mterprelando literalmente a expressão: «há uns dias>) que Toscanelli haveria escrito
a Colombo nesse mesmo ano de 1474 (124). É deveras eslranhável. porque a assinatura de Colombo
ainda figura em um documento firmado em Génova, no ano de 1476. conquanto esta circunstância não
baste para invalidar a veracidade daquela primeira data. pois Colombo poderia ler ido a Génova inci-
dentalmente, nesse mesmo ano. Contra a hipótese conciliadora levantam se. porém, objecções irretórquí-
(123) Cronologia colombina, deduzida das pesquisas e estudos dos mais recentes historiadores
Nascimenio 1451
Estabelecido peio congresso dos Ame-
ricanistdS dc Paris, em Setembro de 1900.
Víitda para Porlugat. 1476-1477
Viagem j ísLindta (?) ... Fevereiro 1477
(Las Casas)
Casâmenio cm Lisboa (?) 1478
com D. Filipa Moniz Perestrelo, (?) fi-
lha dc D. Isabel ^íoniz e Bartolomeu
Perestrelo. l.o donatário de Porto Sanlo.
Nascimento de Diogo Colombo 1479
Residência em Porto Santo 1479- 1481
Viagem à Ouiné (?) Dezembro 1461 • 1482
Regresso a Porto Santo e passagem na
Madeira 1482
Regresso a Lisboa, 1483
Morte de D. Filipa 1484 (?)
Proposla a D. João 11 1483 a I485(?)
Partida para Espanha 1485
Residência em Cadii I48S-I486
hóspede do Conde Medina-C<£li.
Residência em Córdova 1485
hóspede dc D. Alonso de Qulnlanilla
e i.a cnircvista com a rainha Isabel.
Viagem a Salamanca fim de 1486
Córdova. 1487
recebimento de 3.000 maravedis.
MÁlaga e regresso a Córdova 1487
Ligarão com D. Dealriz Enriquez de
Arane. em Córdova.
Nascimento de Fernando Colombo . . . 1488
Viagem a Lisboa Setembro 1488
Regresso .1 Fspanha Abril 1489
Visita aos reis católicos . , . Dezembro 1491
no acampamento de SM fé.
Capituhç.lo com os reis católicos -Abril 17 1492
AditJmento ã capitulação 30 1492
Partida de Paios . . . Agosto 2 1492
k tj j. ' ^ expressão -alguns dias hà* ou *ãlquanti giorni ta' lem sido submetida a virias Inlerprolaçóes Hum.
bcldt tradu-Ia lileralmente: há alguns dias fFxãmen critique. Vol I. pag. 224)- Fiske iThe Discovri' ol Amenc.i Vo( I paa
363), C. Harkham <Thc Journal ol Colcmbus. pág. 3). Winsor (Chn^toplu r Cclombus, pág. 108) traduiem-na : h.i al^um úm/to.
Nem Navanete. nem W Irwing. nem Roseily dc Lorgues, nem Mjtor admilcm que eia possa abranger um praso que v.i além
do ano de 1474 Como, porém, os mais recentes estudos colombinos fixam o ano de 1476 para a chegada de Colombo a Por-
tuga , H. Harrisse, que pleíleia a aulenlicidade da caria, propõe que a expressão; 'alguns tlus há' srii didj a signllicj(Jo
ampliatiwa de h.i muito tempo. Não pode. porém, á primeira vista, .1 mais hâbil dialéctica aiuslar uma ev iam clara a um
priso mínimo dc seis anos. que tantos sào os necess.ários para lazer de Colombo, após o cisamenlo, ui. , bridor F toda-
via quando Rauenstcin, em nota da pág- XVI. da vcrsào inglesa do roteiro de Vasco da Gama, cdilada pela Hakluvt Society.
Iradtiz o hA diás por long jgo. invocando para e&sa interpretação oulra passagem de Colombo, parece ser. na opinião do dr.
Luciano Pereira da Siiva, «o único que traduz bem». «Em português, tenho encontrado ftomem df di.is. homem ;J de dias
signlllcando homem /á velho-. Pódc admitir-se que essa seja. de lado. a intenção da expressão colombina. Que a expressão
n.í dids tenha a significação de hj tempos, na linguagem portuguesa do século XV. í um lacto indubitável- Caminha, na sua
carta, emprega-a, quando diz: 'este que o agasalhou (ao degredado) era là de dias. . . » Também, na carta de doaçio de el-rel
a Manuel a Miguel Corte Real. de 15 de Janeiro de 1502. se lè. com a mesma significação ampliadora; -ÍAiguell Corte Reall
fidállguo de nossa cassa e nosso porteiro moor nos disse ora que. vemdo elle como Gaspar Corte Reall seu irmaio avia dias
que partira desta cidade com tres navyos a descobrir terra nova. da quall fá tinha achada parte delia , . . »
LXXXIII
Introdução
veis(l25). Vejamos a outra indicação cronológica: 'Antes das guerras de Castela^ teria escrito Tosca-
nelli. A guerra da sucessão de Castela, como judiciosamente observa Ruge, na crítica a que submeteu
a cana, inserta nas Historie dcU Ammirag/io. tendo durado de 1474 a 1479(126). «é evidente que para
usar da expressão, antes das guerras de Castela, devia estar já apaziguado o conflito, pois ninguém
assim se exprime no princípio ou durante uma guerra, quando escreve: há alguns dias». O que se infere
do texto é que Toscanelli deveria ter escrito o equivalente a há alguns anos. porquanto a expressão
«Aá dias», então corrente em Portugal, tinha a significação de há tempos, que Harrisse lhe atribui e de
que encontramos exemplos concludentes na carta de Vaz de Caminha e na doação de D Manuel a
Miguel Côrte-Real. de 15 de Janeiro de 1502.
Afim de produzir-se um juizo seguro sôbre o ano cm que Toscanelli poderia ter escrito a
Colombo (eliminado na cópia fornecida a Las Casas), seria necessário estabelecer documentalmente a
data da chegada de Colombo a Portugal. Fixam na uns em 1472-73 (127); outros, os mais avançados no
exame da questão colombina, inclinam-se para a data de 76 (128). Mas a prova da viciação começa por
venficar se na ausência de data da carta. Não se compreende que, havendo Toscanelli datado a carta
a Fernão Martins, não houvesse datado a carta dirigida a Colombo. Uma falsificação integral de prcfe-
rénaa deixaria sem data a carta a Fernão Martins. É inadmissível que. no espaço de alguns dias antes
de haver recebido uma resposta ou podido verificar o resultado do seu parecer, exposto a pedido do
rei. Toscanelli o comunicasse a um estranho sem qualificação e se tivesse entregue ao trabalho de traçar
para êle um novo mapa com o roteiro das índias. Poderia argumentar-se precáriamenie com a qualifi-
cação de compatriota em que Colombo se tivesse dirigido a Toscanelli. mas o argumento é insustentável
Como parece inferir-se da 2.' carta, supostamente escrita a Colombo, o sábio florentino imaginava escre-
ver... a um português! Mesmo admitindo, pro absurdo, que entre essas duas cartas mediaram apenas
êiguns dias. a prioridade do conhecimento português do plano toscaneliano ficaria do mesmo modo
estabelecida. Tal, porém, não aconteceu. A única hipótese aceitável é a que empresta à expressão «há
dias. a lata significação de há tempos. Seria impossível admitir que. quási simultâneamente o conse-
ii escui.ir.-i .1 proposia lemcrána dos nobilíssimos Doria e Vlvaldl que haviam oaao com a =. «.fí / /
n«n« f^^r^Hqal. OS estudos colombinos, a-pesar da sua inlima relação com as navegações portuguesas do Atlânlico
Cindo , .damenie os h>5loriadoreS. A questão da corre spondé- cia de Toscanelli%m cu%s deb-ites lêem .n eí
Sílíd» '^'^ e gcogr^lid dos Eslados-Unidos. da Alem.inha da Inglaterra c da I d lia só foi
d* "'""a P°"'^«\**^"'os portugueses. Os colaboradores do livro de Memoms. comemoíativrdo 4 o Cen Ic
LXXXIV
Introdução
Iheiro do monarca e o desconhecido e humilde (129) Cristóvão Colombo, cniáo da idade de 23 anos
houvessem escnro ao sábio de Florença. A caria de Colombo subentende o conhecimento prévio di
consulta, dirigida pelo cónego de Lisboa a Toscanelli. tComo conseguiu Colombo essa indicação? ^De
que circunstâncias resultou a sua sciència do projecto toscaneliano? Essa revelação t podiam dar-lha as
expedições, porvenfura realizadas com rumo ao Ocidente, para experimentar a veracidade das alegações
do florentino? iSão essas navegações para o poente que o colocam na pista do segrèdo? A convivên-
cia de Colombo com pilotos, cosmógrafos e cartógrafos portugueses tornaria admissível esta conjectura.
Incimamo nos. todavia, a acreditar que Colombo conheceu — se é que a não teve em seu poder — a carta
original de Toscanelli ao cónego português. Eis como as Historie deli Ammiraglio {mi revertidas para
o espanhol, explicam a origem das relações epistolares entre Colombo e o sábio de Florença: <esM,
autoridad. y otras seme/antes de este autor (Julio Capitolino), fueran las que movieron más al Almirante
para creer su imaginacion. como tambien un maestro, contemporâneo dei mismo Almirante, el cual dió
causa en gran parte á que emprendiese este via/e con mas ânimo, porque siendo el referido maestro
Paulo, amigo de Fernando Martinez, canónigo de Lisboa, y escribiendo-se cartas uno á otro sobre la
nauegación que se hacia al pais de Guinea. en tiempo dei rev D. Alfonso de Portugal, y la que podia
hacerse en las partes dei Occidente. Ilegó á noticia dei Almirante, que era curiosissimo de estas cosas,
y al instante por médio de Lorenzo Giraldo. Florentin, que se fiallaba en Lisboa, escribió sobre esto al
maestro Paulo, y le envió una esferilla descubriendole su intento â quien el maestro Paulo respondió
lo que se sigue. traducido de latin en nuestra lengua ...»
A carta de 1474 é escrita quando ainda reina D. Afonso V. Colombo apresenta o seu plano
a D. ]oão II, que subiu ao trono em 1481. Todas as indicações se combinam para a afirmação plausível
de que. só depois de concluída a guerra da sucessão, em 1479, Colombo leria podido dirigir se a Tos-
canelli, quando íá D. ]oâo II e a ]unta dos Matemáticos saberiam experimentalmente que a róia do
Ocidente não conduzia à índia, pelo menos no espaço indicado na carta e no mapa do florentino. Que já
anteriormente a 1474 se tinham realizado longas pesquisas no Oceano, rumo do poente, deduz-se dos
documentos, conservados no arquivo da Tôrre do Tombo e publicados por ocasião do último centenário
do descobrimento da América (131).
CARTA de Toscanelli exerce tam grande influência sôbre as resoluções de Colombo,
dirige-o com tam imperiosa autoridade no caminho da esperança, alimenta tam confes-
sadamente a sua fé, que, na narrativa empreendida por Las Casas, com o auxílio do
Dm/70 que o navegador redigiu da viagem heróica, ela é uma outra bússola que orienta
o nauta nas solidões oceânicas. Pôde a róta da pequena frota desviar-se do itinerário
toscaneliano e não coincidirem com as realidades as indicações do sábio florentino. (Embora! As terras
(129) *There is no re/tson lo bclieve thãl betore his lu/entftí/lti yar Colombus was anylbing more ihnn a mar-
cham OT mariner. s-tlling befori' lhe m.tst, anti joininq one shif afler anolher as opportunilies for good vavaaes ofhTfd them-
selves: CHRISTOPHER COLOMBUS. por Filson Voung, Tom. l. pág. 61.
(130) Rcporlamo-nos aqui. para maior simplllicaçào, á lractu(âo espantiola da venio iUMana. teita por Afonso
Ulloa, e publicada cm 1S71, segundo o manuscríro original espanhol, de Fernando Colombo (?). que se per<l< ' i incluiu
na sua obra. Historiadores Primitivos de las Índias Occidentales. (publicada cm 1749) -Cj Historia di' D C- n, ijue
compuío en Castellano Don Fernando Coton, su hilo. y traduxo en toscano Alfonso de Ulloa, vuelta a '■ ■ <r,o.
Çor non parecer el original*. A passagem pulilicada é transcrita da Coleccion de libros raros e curiosos , a,
ol. V. (Madrid 1891) com o lilulo 'Historia dei Almirante Don Cristot> ' i en la cual st da particular y , la.
cion de su vida y de sus fiectios, y dei dcscubrimiento de las fndias O. ^ j, llamadas Nuevo Mundo- - l. . un
Fernando Colon.
(131) *A$ navegações continuam. Emquanto. seguindo o impufso que l/ies imprimira o infante D. Henrique, se
continuava a circumnavegação da Africa, afim de encontrar o !■ Preste JoAo das índias, e os paizes que as relações
de Marco Paulo haviam revelado, os particulares, por seu turnr. i.mdo a auctorixaçâo re.i! "r.-^rnravam continuar a car-
reira que Gonçalo Velho e Machico fiaviam aberto para o Occidente. Assim nos apparecem as i . dadas a JoSo Vogado
em 1462. ao infante D. Fernando, em l^tsj. 1462 e 1473, a Rui Gonçalves da Camara neste un .mm t r,-rnj,-' T •lies, em
28 de Janeiro de 1474 de qualquer ilha ou terra despovoada. m,is quasi vinte meies depois, a 10 de A' , e-lhe
ampliada a concessão, nâo só a terras desaproveitadas, mas a outras aproveitadas e povoa'1- . V rece .i:., , i^uta.em
clausula da segunda carta. Que factos determinaram esta ampliação?. . . Os vinte meies rf. entre uma e outra doação
permittem espaço sufficienle de tempo para armar navios, fazer uma primeira viagem e prep.ii .u j ii .i ser"'-'' ' '■■ ■net-
ledora. Se Fernão Telles não tem fallecido dezoito meies depois, no primeiro de Abril de 1477. que r te
não teriam seguido?. . . Em 1484 continua a serie das explorações para Occidente. de que dão testemunho m . ,j, u^.içJo
ã Fernão Domingues do Arco. de 30 de Junho de esse anno, c as de 24 de Jultio e 4 de Agosto de 1486 a Fernão Dulmo e
João Affonso do Estreito...* jadnlo Ignacio de Brito Rebelo, na tntroducção da edição do códice do téculo XVI, Ltifro de
Marinharia, a pag. XXV. Cf. Alguns documentos da Torre do Tombo; o Archivo dos Açores, vol. IV, de pag. 436 em deante;
Ernesto do Canto, Quem deu o nome ã terra do Labrador, 1896.
LXXXV
Introdução
que éle apontára a Colombo, que promctéra a D. Afonso V. ali estavam. cEram as mesmas? Colombo,
deslumbrado, nào cogila em resolver essa incógnita. A sua capacidade de fé atinge os paramos do'
sublime ou do absurdo. Colombo nâo raciocina, nâo analisa. Crê. Para os nossos tempos scépticos, êsse
último filho da Idade Média, contaminado pela ânsia de riquezas e de glórias, que caracteriza a aurora
da Renascença, é quási ininteligível. Uns querem que lenha sido um inspirado, outros um sábio, outros
ainda, um aventureiro, impelido c transfigurado por uma ambição formidável. Èie é a consequência das
circunstâncias, mas uma consequência activa, pois que a sua obstinação é prodigiosa. Transviado nas
Lucaias, pensa navegar por entre os arquipélagos asiáticos. A mísera e canibalesca humanidade que
encontra apresenta já caracteres étnicos que a aproximam - julga êle — da família oriental. Crêr é a sua
Recontlltultlo do m«pa d« Totcanclll por O. P««ch«1. (Das AutUnd. iwt)
Pro|FC(lo irapea«tform«. d* merldlanoa convtrgani».
fÔrça e a sua missão. Éle crê, inabalàvelmente, heróicamente, sem se deixar vencer pelas decepções. Os
seus olhos azuis de visionário e de ambicioso, que esperavam contemplar os palácios cobertos de ouro
das cidades de Cypango e os templos de mármore de Cathay. orvalham-se de lágrimas de alegria, ao
avistarem as paisagens americanas. Filho do nada. tendo tardiamente e sem método aprendido o pouco
que sabe. cosmógrafo improvisado, o antigo tecelão genovês pôde agradecer a Deus a ignorância que o
conduz milagrosamente à descoberta de um novo mundo. Porque éle. nas intimidades mais secretas da
consciência, reconhece a sua insuficiência, e só isso explica aquele apêgo supersticioso ao itinerário de
Toscinelli. A sua falta de sciència é suprida pela autoridade do sábio de Florença. Ruge e D Avezac
leem razão, quando, através das narrativas de Las Casas, o consideram como o executor fanatizado e
dócil do plano toscaneliano.
E' impossível admitir que o virtuoso Las Casas seja um falsário e minta conscientemente
quando, ao refcnr se h carta de Toscanelli. escreve: «/a qual vo mde y tui/e en mi mano vuelta de
latm en romance*. Ninguém, nem o próprio e probo Vignaud. se aventura a imaginá-lo conivente de
uma fraude, alias com objectivos inexplicáveis, quando, nestas palavras categóricas, se refere ao mapa
do sábio florcntmo: Wa carta de marear que le Ínvio. yo. que esta historia escrito, tengo en mi poder >
LXXXVl
Introdução
Para não acreditar na veracidade da intervenção de Toscanelli seria preciso admitir que Las Casas foi
o cúmplice de uma mistificação, cA que misterioso interêsse obedecia, porém. Colombo, repartindo a sua
glória com Toscanelli? Compreendia-se que êle confiscasse do conhecimento universal os documentos
que o protraiam a um plano secundário no extraordinário empreendimento, mas náo se compreende que
Cristóvão Colombo, ou seu irmão, ou seu filho, ou o seu panegirisia, os inventassem, para diminuir ta-
manho feito diante da posteridade. Colombo nunca invocou a participação preponderante da opinião tos-
canehana, como fizeram os seus biógrafos. São estes que no-la denunciam em todos os pormenores. Se
aceitássemos a inconcebível necessidade que êle teria de apoiar o seu projecto na opinião de um sábio,
nao poderíamos explicar porque não fêz uso da correspondência, mas muito menos compreenderíamos
a conveniência de Colombo em associar a essa falsificação o nome do rei de Portugal e de um ima-
ginário cónego da Sé de Lisboa; em certificar o conhecimento português, anterior ao seu, da opinião e
plano de Toscanelli; em agravar essa inépcia com a confecção de uma segunda carta, que é a apologia do
caracter português.
Reconatllulçlo do mapa de To*canelM. por H. Wagner
IDIt Rekonairuhtlen der ToacanctII - Kan* vom }. - l«»>. no» AnaU da Raal Socicdada d« Scltnciaa da OAltlnoan. im. n.<> ) -O (nap«
é elaborado aegundo uma proiccflo plana rectangular. Oa etpacoí alo de Cinco graut de *• ■ ■ mllhaa romanae de l.tM metro*
no circulo Riixlmo equatorial. Oa conlornoa da Aala e de Cypango alo oa do globo de Datialm,
AUTENTICIDADE do plano toscaneltano aparece-nos fortemente confirmada pelos vestí-
gios que se entreveem da sua influência na viagem de Colombo. Talvez, se não
estivesse sob o domínio supersticioso da sciência de Toscanelli, êle tivesse reconhecido
o engano e admitido o descobrimento de um mundo novo: glória maior que a de
haver descoberto um novo caminho para um mundo antigo. A narrativa de Las Casas
documenta demasiadamente a obcessão toscanetíana do navegador. Alguns exemplos, escolhidos ao acaso
entre muitíssimos: ^pidió (Colombo) á tos Reys que le diesen sus cartas para eí Gran Khan, puesto que
Paulo, físico, se engarió creyendo que la primera Herra que habia de hallar habia de ser tos reinos dei
Gran Khan...* (Tom. I. pág. 96); *creo que todo su viaje sobre esta carta fundó. pero aun más se lo
quiso nuestro Sehor declarar...* (Tom. I, pág. 96); *oido et Almirante este nombre Cibao ser tierrã
donde hacia oro, de creer os que se le regoci/ó et corazon, y dobló su esperama, ãcordindose de ta
carta ó figura que le envió Paulo, físico, de la isla de Cipango...* (Tom. I. pág. 394); •cree que esta
gente de Caniba no ser otra cosa sino la gente dei Gran Khan. que debia ser de alH uecina . . . Esta
LXXXVII
Introdução
opinion teria, y harto le ayudaba á tenerla la carta ô mapa. que traia, de Pauto, fisico, y la informacion
que le ttabia dado por sus cartas...» (Tom. I. pág. 370); »Tenia uoluntad el Almirante de rodear esta
Isla de Samoeto, Isabela, para ver si podia tener habla con el Rey que creia haber en ella. para probar
si podia dei haber el oro que traia ó tenia. y segundo que habia entendido á tos indios que traia con-
sigo de la isla de Sant Salvador, la primera que descobrió. Eslaba por alli otra isla muy grande que
llamaban Cuba. la qual creia que era Cipango...* (Tom. I, pág. 314); *por aqui parece que se le hizo
el Camino mas cercano de lo que el pensaba. y el mundo mas largo, y no estar la tierra dei Gran Khan
derechamente ai gueste ó Poniente, como el florentino le habia escrito, y, en la figura que le envió
pintada, le habia certificado. (Tom. I, pág. 315).
A concepcáo toscaneltana é uma como que túnica de Nessus da aventura de Colombo.
Quanto mais se analisa este problema histórico, mais avultam as provas da influência de Tos-
Canelli na viagem às Antilhas. Se a carta do sábio florentino fosse integralmente falsificada, não teria
sido preciso viciá-la, e, sobretudo, não teria valido a pêna inventá-la, pois que ela obscurece a glória
do descobridor c proclama a prioridade portuguesa no conhecimento e exame do projecto loscaneiiano.
Entretanto, essa fraude sem inierêsse explicável, ihaveria sido tam minuciosamente preparada por Colom-
bo, que até o próprio nome do intermediário da correspondência chegou até nós!
sas e das Historie:
STA convicção não é abalada com o conhecimento da 2.» carta de Toscanelli. que repete
quási ipsis verbis a introdução da carta ao cónego Fernão Martins, e pôde bem ser uma
variante da anterior, denunciando uma fraude arquitectada sòbre um único documento
autêntico, de que Colombo se teria servido, para improvisar os restantes.
Como fizemos com a primeira, transcrevêmo la nas duas versões de Las Ca-
ias Casas (Historia de las índias)
«A Cristobal Columbo, Paulo,
fisico. salud:
•Vo rescibi tus cartas con las cosas que
me enviaste, y con ellas rescibi gran merced. Vo
veo el tu deseo magnifico y grande a navegar
en las partes de Levante por las de Poniente,
como por la carta que yo le invio se amuestra.
la cual se amostrara mejor en forma de esfera
redonda, pláceme mucho sea bien entendida; y
que es el dicho viaje no solamente postble. mas
que es verdadero y cierlo è de honra è ganân-
cia inestimable y de grandisima fama entre todos
los crislianos.
•Mas vos no lo podreis bien conoscer per-
fectamente, salvo con la experiência ò con ta
ptatica. como yo la he tenido coplosisima. è bu-
ena ò verdadera informacion de hombres magni-
licos y de grande saber, que son uenidos de las
dichas partidas aqui en corte de Roma. y de
otros mercaderes que han traclado mucho tiempo
en aquellas partes, hombres de mucha auctoridad.
■Asi que cuando se hara el dicho viaje
será à reinos poderosos è ciudadcs e províncias
nobilísimas. riquisimas de todas maneras de co-
LXXXVin
D. Fernando Colombo (Historie deli Ammi-
raglio. versão de Ullõaj
'A Christoforo Colombo, Paolo,
fisico, salute.
«lo ho rícevuto tue lettere con le cose, che
mi mandasti, le quali io hebbi per gran favore:
e estimai íl tuo desiderio nobile. e grande, bra-
mando tu dí navigar dal Levante al Ponente, co-
me per la carta. ch'io ti mandai, si dimostra: la
quale si di mostrera meglio in forma di sfera
rotonda. Mi piace molto, che ella sia bene intesa
e che detto viagio non sol sia possibile, ma ve-
ro, e certo, e di honore, e guadagno Incstima-
bile. e dl grandíssima fama appresso tutti i chris-
tiani.
•Voi non lo potete conoscere perffetamente,
se non con la esperientia, ò con la prattica. co-
me io l ho havuta copiosissimamente, e con buo-
na. e vera informalione di huomint illustri, e di
gran sapere, che son venuti di detti luoghi in
questa corte di Roma; e di alíri mercatantl, che
hanno traficato lungo tempo in quelle parti, per-
sone di grande autoritá.
«Di modo che, quando si fara detto uiaggio,
sara in Regni potenti, e in città, e provincie no-
Introdução
sas en grande abundância y a nosoiros mucho
nr-i-"rias, ansi como de todas maneras de ps-
I I en gran suma y de joyas en grandisima
(Abundância.
«Tambien se irà ã los dichos Reyes y
Príncipes que estan muy ganosos. mas que nos,
de haber Irado ò lengua con crislianos destas
nuesiras partes, porque grande parte dellos son
crislianos, y tambien por haber lengua y tracto
con ios hombres sábios y de ingenio de aca,
ansi en la religion como en todas las otras ciên-
cias, por la gran fama de los impérios y regi-
mientos que han destas nuestras parles; porias
cuales cosas todas y otras muchas que se po-
driam decir, no me maravlllo que tu que eies de
gran corazon y toda la nacion de portugueses,
que han seido siempre hombres generosos en
Iodas grandes empresas, te vea con el corazon
encendido y gran deseo de poner en obra el
dicho vlaie.»
bilissime. ricchissime. e di ogni sorte di cose. a
noi molto necessaríe, abondanti; cioè di ognl
qualilà di specierie tn gran somma. e di gioie
in gran copia.
<Ció sara caro etiandio a quei Rè, e prin-
cipi, che sono desiderosissimi di pratiicare e con-
Iraltar con christiani di questi nosiri paesi. si
per esser parte di lor christiani, e si ancora per
haver tingua. e praftíca con gli huominí savij e
d ingegno di questi luoghi, cosi nella rellgione.
come In tutle le altre scientie, per Ia gran fama
degl' imperij. e reggimenti, che hanno di quesle
parti. Per lo qualí cose, e per mollc altrc. che si
potrebbono dire, non mi maraviglio, che tu. che
sei di gran cuore, e tutia la natioiíe Portoghese, la
quale ha havuto sempre huomini scgnalaii in tul-
te le imprese, sij col cuore acceso, e in gran de-
siderio di eseguir deito viaggio.» ,
HWf^pHSSUMlNDO éste problema, embora episódico, uma transcendente importância, para docu-
■fl^lB mentar o conhecimento português da concepçáo toscaneliana, contemporâneo do infcio
qH^^^S administração colonial do príncipe D. ]oào, não é possível deixar de submeté-lo a
99Wfi exame ainda mais rigoroso.
E' tam difícil explicar, senão justificar, os motivos que teriam levado Colombo a inven-
tar a correspondência de Toscanelli com o cónego Fernão Martins, que o historiador Filson Voung, a
pág. 105 do seu Christopher Colombiis. sugere ter sido a falsificação das cartas de Toscanelli empreen-
dida por ocasião da segunda estada de Colombo em Lisboa, em 1488; e arquitecta, para explicá-la, a se-
guinte e inconcebível hipótese: Colombo, com a amarga experiência dos primeiros insucessos e conven-
cido de que só apoiando as suas teorias em um parecer com autoridade scientffica conseguiria conven-
cer o Rei e a lunta dos Matemáticos, foria. de cumplicidade com o irmão (Bartolomeu) as cartas de Tosca-
nelli, destinadas a exercerem uma influência decisiva em favor do seu audaz projecto! Aventando esta
hipótese temerária, o historiador inglês não reparou quanto ela é imprópria da sua sagacidade. iPara
demover a Junta dos Matemáticos. Colombo inventaria um documenio em que invocava uma falsa corres-
pondência, trocada entre Toscanelli e um imaginário cónego Fernão Martins, valido ou conselheiro de D.
Afonso V, pai do soberano! De duas, uma: ou o tal cónego Fernão Martins não existia, e a fraude ficaria
patente, ou já morrera, como já tinha morrido Toscanelli. e ainda nesse caso não era natural que D.
loão II e a Junta ignorassem tam importante documenio. De qualquer dos modos, a hipótese de Voung
afigura-se inaceitável e só serve para provar a inconsistência da tese negativista, que precisa de recor-
rer a Iam inverosímeis expedientes, para explicar o inexplicável.
Há, porém, argumentos, na verdade, que se Impõem à consideração da critica histórica. A aná-
lise admirável e exaustiva de Vignaud revela indubitavelmente que houve falsificação.
Presumivelmente, as cartas não foram forjadas in totum por Cristóvão Colombo ou Bartolo-
meu Colombo, mas alteradas na fórma primitiva e acomodadas à conveniência do descobridor. A morte
de Toscanelli garantia a impunidade da fraude. Coube ao historiador Henry Harrisse a fortuna de co-
nhecer, em 1871. por indicação do conservador da Biblioteca Colombina, de Sevilha, D. )osé Fernandez
y Velasco, senão o original de Toscanelli. pelo menos a reconstituição em latim da carta de 1474, es-
crita pelo próprio punho de Colombo, numa das guardas em branco de um pequeno fólio de 105 páginas
" LXXXIX
Introdução
(129) sem numeração, impresso em caractéres romanos, contendo numa página um diagrama colorido à
máo e muitas notas marginais, de mistura com extractos de Santo Agostinho e Josephus.
Harrisse Iranscreve-a, verbatim et liberatim. no volume adicional da Biblioteca Americana
Uetuslissima (130).
mV« l^/d//l.?d.JVm br^^^ PO""9"n. "p..d. ,o« r.compo.,., por Crl.WvIo Co.ombo-o. .e« ,rm«« O.r.olo.
2". «om»d^«." Lr • <*p'- •p'-»- * ««..0,. to.«.
TION NON ^rníÍA AsÍa iSÍNOR^Nn "'^TO RIA RERUM VBIQUE OESTARVM. CVM LOCORVM DESCRIP-
Tnss. IWJ.*'*'*^'^ ànaiption ot works nlatiag to America, pablíshtd befuwn the years 1492 Mnd issi. Paris, Livraria
XC
Introdução
STE texto latino da carta de Toscanelli a Fernão Martins apresenta se inçado de incor-
recções, que não podem ser atribuídas ao sábio florentino. A demonstração filológica de
Nobert Sumien (131) é concludente. Êste argumento seria, porventura, decisivo se não
reconhecêssemos que a carta de Toscanelli sofreu alterações consideráveis, na versão co-
.r A A '^""^'"^ foi transmitida. A tese negativista e tam superiormente concatenada de
vignaud perde a força convincente se. aceitando a veracidade de uma correspondência de Toscanelli
com uma personagem da côrte de D. Afonso V. relativa ao projecto de uma viagem à índia pelo Oci-
: . ^ toscaneliana no empreendimento de Colombo), admitirmos a
possibilidade de ter o navegador confecionado com essa caHa verídica as duas cartas falsas posteriores
No exame destas duas cartas logo salta à vista a uniformidade da fórmula empregada por Toscanelli na
-í/í) ueo et magnifico e grande deseo para haber de passar adonde nace la especieria^ com a da 2«'
veoel tu deseo magnifico e grande de nauegar en las partes de Levante...* Nâo só é pouco natu-
ral que Toscanelli guardasse (e que a remetêsse a Colombo) uma segunda via da epístola, que escreveu
a Fernão Martins, como se afigura difícil justificar os erros de redacção, cometidos por Colombo se ti-
vesse conservado em seu poder o texto de Toscanelli. Supomos que teria obtido em Portugai cópia
XVI
Inlroduttion.
Copia mi fa xpofaro coionbo p paulií fixicú cu
vna carra nauigac*' ||
Fcrdinâdo marcini canónico vlix*' paulus phiftcu^
falurC//a. tua valitudine dcgri : íimiliantate 9 lege
vro gcncrol li/rjimo [i] magnificêrifíimo f)ncipt
iocudi rh íuir iurclligcrc / cú tecú alliis loitirr su
dc brcuiori via id loca aromatu p manrimã nauigac'*
$ sir ca facití p guinei /qucnt nCic . S. rex. ame
quãdji declarac" ymo porius ad octuiú ollcntioiii
vt crias mcdioítcr dori illã viã capêt í inrelligcrct/
Ego aure ^ \ is cogicã poífe hoc ostèdi p forniâ
rpcricã vr c múdui tn dctcrminaui, p (aciliori ín-
rcUigtnL" ac eriã ^ faciliori opa/oJlcdere viã illá
p $ tarrc nauigac'" íiur iílud dcciararc/ Mito ergo
fiie . JVI. cartã manibs mcís factã í ^ ddiént' litora
vrã I infuk ex qbj incipiarr inrcrfaccre vcrfiis
occafu fcnp r loca ad tjuc dcbcarr pucnirc i ipiu
a polo vl a linea eqnoriali debearr dcciinarc : p
^ru spaciô. f. p quot miliar' dcbcarf puenire ad ioca
fertiiilíim» 0ÍG5 aromatu i gcmarú i nõ niiremioi
si voco occidcntales ptes v COt aromata 9 tôitcr
dicát" onctaics qa nauigátibs ad occidêcê fcnp ilic
ptes iriucniút' p fubterrancas nauigaciones / si cni
p tcrrâ r p fupiora itincra ad oriêtê fcnp rcpirci'/'
lince ergo recte i longirudine carte siéte oAcdút
diftanc** ab oriêtê' verfus occidcs q autc tranfutrle
> Ugai rvpcrxnlui, ( Mifntc
TCKie da caria d* Toscanelli com a« abr«vlaturaa, raconailluldsa
In-cBlenao pelo lllôloao Norbert Sumien.
XVII
IniroHucíiún.
n oílídut fpacia anicridie verfus fcptenf/rwraui
Autc i carta diucrfa loca ad íj puaiirc poteçrr .p
maiori noricia nauig" . f. vcff cafu aii^ alibi ^
cxiOimarct vcnirct / prin' aut£ vt ortêdat incolis
ipos híc notic" / aliquã p-irO illius y dcbebir cc
iocíid] farf/nõ cõíidãt' aun-in iiiAilis lí mtrcarorcs/
aicnt' ibi eni tanta copia nauiganc"'cft 9 merciino-
niis v t i toro rclicj orbe nÕ íit íicutí i vno ponu
nobiiiíimo vocato sairõ ' aferút ejií ccnru naues
pípcris m.i^ i CO portu fingulis anis dcftrrí/sine
alus nauibí port.mtibf allia aromata / par'a illa cft
popnlarilima liirKima mulrinidinc puincia^ : rcgrwy
J ciuiratfi ílnc numero ' fuh vno jlíncipe q dicit'
magnus kan .jj nome ííjVrtcai i iarnio xtx n-gú/
cuius fedes : reruicncia c vt plimu i pnincia katay/
aiUKjui siii dcíidcrabãi cõforciú xpianoy lã lut/
loo /anii* mifccr^' ad pjpã : polluLibât plunmos
dotos i Hdc vt lilununarcnrur/scd q milVi ll tiípcditi
I ithicre rcdicr' /eriã rpr Fugcnij vcnit vnus ad
cugcniG q dc baiiuolctia ma^crga xpiaiiosarirmabat
I ego fccG lor>go fcrmonc locut^ fú dc mwltr dc
magtudinc cdificiov rcgaliO : dc inagtudirK fluuiu
i latwidine 1 longirudine mirabili i dc muititudinc
ciuitatú i ripis fluuifi vt in vno flumic/200/c'
ciuirates íint çOirutc x põtcs marmorci mag
laritudinis t longitudinis \ ndi (p colonpms ornati/
I knrrrfHf
• anni.
t nuMiuni.
(131) -Visnaud. La letfre et la nrle de Toscanelli, apendtce B. a pig 281 e Mg.
XCl
Introdução
/HtrrniueHjM da carta escrita ao cónego, )á porvenrura incorrecta,
. . c \' ^ ^'^'^ ^'^ composto as outras duas. Além da irans-
hec pit'1 digna í vr p larinos qucrai -nõ lolu ^^.^.^ ^^^^^ ^ ^^^^^^ ^^^^.^^ ^ ^^.^^^ 1^
lucra mgcncú cx ca capi polui auri argcrui gcnuy ^^^^ ^ Colombo é Iam ilógico e insignificante, que im-
ois gcneris t aromaiú t|uc núi^ ad nos dckrut / pressiona pela vulgaridade; nem é admissível que Tos-
vcv PP doctos viros philosotos : astrólogos pitos canelli transmitisse o seu plano a um desconhecido.
I qb] ingcnij» : ariib\ ira potes : magíica puicii sem juslilicar melhor essa prova rara de confiança,
gubcrnct' ac etii bdU •ducii r hec p ali<iitula A análise arguta de Vignaud teve o estimá-
faiiOacitioncl ad fuS petic" «ptu brcuicas ipris vel mérito de chamar as atenções dos historiadores
dedii I occupac" mcc occplcci" pat^ ifutuy rcgic Para a fraude da correspondência toscaneliana. Essa
- I I f,- rt\«.r.. H»fí flrtr' fraude, de facto, parece existir, mas não exclui a pro-
maicílaii mtu voct Utius fânllaccrc data tlor . _, ^ .•■ .
' ^ babilidade de Toscanelli ter escrito ao cónego poriu-
2Í "unij 1474"' guês. É, pelo contrário, a existência dessa carta que
A civitatc vlix- p occidctc indirecto sfit'26' inspiraria e incitaria Colombo a falsificar a correspon-
fpacia i cana figta ql"l>J lú miliaru" .'ío* j^^^ja posterior.
vfíp ad nobilinniã z max" ciuitatc quifay circuii /\ perda da epístola original do sábio, diri-
ciii ccmú miliar* i hi pôtcs dccc : nome cius gida no ano de 1474 ao eclesiástico de Lisboa, não
fonat' cita dei cicloz/ciuiias ccli t multa mirada deve incluir-sc entre os argumentos ou indícios de íal-
dccanarrant dcmuU.iudincartihaGidcrcdittbs' sidade. Trata-se de um documento de carácter parti-
hoc fuac- clt fere tcrcia pars tocms fpcrc/quc cular como a corrospondência de Lutéro, de Munstcr.
. . . . . , , ■ J- L de Melanchton e do cardeal Rembo com Damião dc
ciuitas c I DUicia maíi/ t. vitina pumcic katay - - j ^ - ^
,.iuii«> ç ...ag. j , . r 1 I G61S. Muito mais para surpreender é que nao se en-
i ^ rcfidcncm t erre regia ell/«d ab infula antiba Tône do Tombo os relatórios dos capi-
vob] nota ad infuli nnbilirimâ cippagu íui dccc ,^55 armadas, mandadas ao Brasil desde Cabral a
fpacia c cni ilta iníula tcitilirinia auro margaritis Martim de Sousa. Poderia objectar-se que não lemos
: gcmis t auro folido coopiunt icnpla : domos certeza de haverem sido escritcs esses relatórios, m^s
rcgias/ita <;p p vgnota itmera nõ magna nia.is a objecção é insubsistente. De alguns, como os de
fpacia iianfcCidú/ multa lonairc cem apitus' dccla- Pedro Álvares Cabral e de seus pilotos, sabemos pela
rãda p d.l.gcns conlidmior p hcc potcrit ex fc "'"'í' iJ" de Caminha que foram redigidos e ex-
, . , j , -V ^ pedidos. Do verboso Vespucio temos lambem o tes-
ipo rcliq ^Ipiccrc/valc dilccuhmc^ ^ ^3^^^ ^^^^^^^^ ^ ^3^^^,
gresso da expedição de 1503 ao Brasil, os seus pa-
. »o<«M..M. . p^.^ ^^^^^^ ^^j3 p^^^g lastimará mais
tarde, apresentando-a como causa de impossibilidade
na factura da sua famosa obra sobre o Novo Mu,ido. nunca publicada. Não obstante, nos arquivos de
Portugal nem sequer se encontra um vestígio de Vespucio...
É certo que o original da carta de Toscanelll desapareceu, mas também não existe nenhuma
prova documental da sua irrealidade, antes possui a História um documento que vale como prova indi-
recta da intervenção de Toscanelli na expedição do Atlântico ocidental, realizada por Colombo: a carta
do duque Hercules d*Este ao seu embaixador em Floiença. Manfredo Manfredi, escrita de Ferrara aos
26 de junho de 1494. e publicada na Raccolta Cohmbiãiu (132). Nessa carta, o duque d"Esle incumbe o
seu embaixador de proceder a buscas no espólio de Toscanelli (falecido em 1482), no sentido de desco-
brir quaisquer noticias referentes às ilhas recém-descobertas por Colombo. Vignaud reconhece que esta
diligência parece demonstrar que na Itália não eram ignoradas as idéas de Toscanelli sõbre a róta da
índia pelo ocidente, e porventura se suspeitava de que êle entretivera uma correspondência epistolar sõbre
o assunto, — muito embora se não prove que o destinatário dessa correspondência fosse Colombo.
(1)2) Fõittí Itãtiine, Vol. 1. pig. 14S.
XCII
Introdução
FerdtMMJo martifii canoiuco vlix^trnu. p>«l«4 ph,»ia,» «lut», de tu* faliiu4ÍM de port» & hmiluHuie nm rtçr vtUro g«i>ereuuimi>
BUKnilkc-liM.mo printipc ÍocuxIki miii íuii inullicerc . lecun «lliu locutu mm de breuiori v» ad loa aroiTUlui p«r nuriiiiiiM
r«u.jt«.^m (it ea qiNM í»c.i« p«. juímm* querít m.*< ^muitmw, rex a me qua«dam dechimtiMem ymo pcHiu* . ' ,m vl
«um mediocriter doli ilJam vi«« cap»rt«c & intdlifícfc-t Euo .ui^ qM««v.t çognmoM poMC hoc otie«li |v. ^rm.,i , , . , , , , ..Ju,
u*»n drtermiiuui pro faciliorí inicUig«nca « aam pr» ractliorí oprrc o.iMdcre vum ilbM p«r qMai caru n. . f,wt illud d«Urai«
M.Ki crjto luc M<ii*//aci caru- nunibw moi facu*. qm duiKMnixr Ikon v«/r« & iiwule w qMboi incip.au iictraíere wrwi» occuum «np/r
& loca ad que drbcaii^ p^rxienirr & ^uaMtwm a polo v«l a línet cqninotiali dcbeuUi dediíure « p*r qM«iu« »paciu«t •í./w/ p*r quoi mil.am debmtú
prrxjaun ad loca rmiliMÍma omm^n uwxaxwm & gmaruat & no* mircmini >i voco occúlcnuka p«rtc> véi au»i aninuu »•< cfmmNnxtet
dicMmtMr orintaln q»ã nauigutibw ad ocò.lcic*. «rpw iUc pano \num\»ntur prr tubwrnnMi nauÍKacioflM Si oniat ptr tcrmat & p«i- lup^Hora
mncra ad oricmcM ttnper nprrittmtmr . I.nec ergo nxtc ia longiiudine caflc ligNatc o»lc«diuil diiunctnm nb orienlCM vmui occkIcm
qMc auKM iranwcne Mmi (>»tci*dg«t apaci» a meridic vcttus w|>lrni*-.9iM!m . nouui autc". i« catu diucru loa ad qw p#nienire poMtlw
pro maion notícia nnuigaii/rMm vUúft vtmut w) caau aJiquo alibi qtMw cxíiiitnarcHi venife»( pai-tin «uIcm vi MieNdaMt incotii iprat haim noticiam
altqiui» patric llliu» quoJ debtbit oie íocuikImm ulu no* coKnidaxi aiii/<x in iníulii míi mcrcaiorei . aterit ibi cni-i Unu íopia naui-
guntimm «1 itim mcrcimonii» vl i* tolo relíquo orbe no» liwt licuii in vno |»rtu nob.li*imo v<i.:aio mio* , utjum entm ccntuM
nauoi pipefít magire i* oo porm tingutia aanii dderri . aine alít* nauibau poitaniibw atita aromau . paiHa illa cat
popuiaiisima diií^mn mullitudine p^ouinciarvai & regnorBiN & ciuiuiuM linc numero , tub vno pnncipe qw diciwr macnui
kan qKorf nomcn ligHiíicat íh latino rcJC reguw , cuiua icdes & rcaidcneia cj/ vi pliihmuM íh p»wjincia kauy . aniiqui tvi
dctidcnbaal contorciu»» chni/ianDr»» am twii .wa a»ní miaceraat ad papam & potiulabajit plurimoa doioa ia ftde vi illumína-
reniur »cd qm miwi sumí mpcdiíi in itinert rcdicruni ctiao) tmpdr* EuKçnii vtnil vnui od eugeniiwi q«( de bcniuolotia
cnagiu erga chtu/uimt iiftrnwbni & ego lecum longo urmone locutKj t»m de mullu de magnitudinc edificiof-i» regaliuM
& dc magnitudinc fluuium in bttiudine & tongiiudine mirabtli & de muliimdine ciuiintum i« itpíi íIuuíum vi in vno
flumi<M loa c ciuiutea lini ««liiwie & ponte» maraiOTO magm latitudinta & longiiudinit vndiqw colonpnis
ornaii hec paiHa digna cj/ vt prr Uiinoi qucramr no« wtuni qma lucra ingenci.t ex cm capi poiuni auri argenii
f^ttUímm ommi» gencri» St aromaiuoi que nunqwim ari noa d^ferMntur vctum p»vp//p doctoi víroa phi)'>ioío> & atirotogoa p«ritoa
& qiribw ingeniia & ariibm ÍU poiem & magwífiea pnmincia gubcrnadar ac cliaw bella /«iducani . hoc pro aliqMMiuU tauira[cione]
ad tiiiUK pdicMncra qiMNtuiN breuitat tímptríi dedit à occupacMina mcc (unccpKcriiHl paratiM in fuiuruM regie maieilMi qiutnliMi volei laiiui
saiitracctv . diXA Huri-n/ic .15 iunii 1474.
A duitate vlixt/o«ii ptr occidcotcm índimio suni .16, tpacta in CAtu lignau qMorvm qaolib*/ haitt miliario. ijo. viqM ad nobilifÍm[am]
& maxrmm ciuiuiem quÍMay circuil enijpi ccniuiw miliara & hmin poniea dccejo & nome* eíui tonal ciu dei ciclo ciuiiu
ccli Si mullA miranda de ea narrantrfr dc mulliludinc artiticiuM & dc reditibw . tioc tpaciMm mi fere lercia piu-i
tociui apcft que ciuiiai ei/ ím pwiiircia mangi uiAuí vicina pwuincie hatay in qiu rciidcncia ferre rvgia cai . Scd ah
iniula antilia vobu nou ad iniulan» nobilrtimam ^ippangu tumi dcce»» ipacia tir eniw itb iniuU (criiliMma aurfoj
margariiia & geinni» & auro tolido coop«r-iuni tenpta & domot rcgioi lu ^uo^ ptr ygnoin ilincra no* m4C'i'.i^
matii tpacia imn^runduin mulu fonaMC ejfcni apfniui docUrai«d4 W diligcn» (on^ideraiui pgr hec poic^ij
Cl se ipifO ntiqjra prMpicere vale díiccliiimc.
Rcproduildo da Obra de Henry Vlgnaud. "ToacanellI and Columbua"
t)i ■ O
ÚNICO argumento, aparentemente embaraçoso, que nos apresenta a tese da apocriffa,
consiste nas dúvidas que pairam sobre a existência de um cónego Pernão Martins, que "Ao mamtins
leria vivido no reinado de D. Afonso V. iPóde esta lacuna bastar para estabelecer fun-
dadas suspeições sobre a autenticidade da correspondência de Toscanelli, dirigida a
um homem que não deixou nenhum indício de passagem pela terra, embora a cor-
respondência no-lo apresente como uma personagem considerável do seu tempo, valido e conselheiro do
Rei?
Confundindo-o com Estevão Martins, Varnhagen considerava resolvido o problema, tanto mais
que nunca lhe perpassou pelo espírito, pouco dotado para a análise, a suspeita de uma fraude. Mas não
há indício de Toscanelli haver conhecido o capelão de D. Afonso V, que acompanhou o monarca
a França.
Seria, pois, necessário encontrar um cónego português de nome parecido, que se provasse ter
conhecido Toscanelli. Nesse caso, a identificação apresentaria circunstâncias convincentes.
É exactamente porque concordamos com Vignaud, sóbre a manifesta corrupção do texto ori-
XCIII
Introdução
gmal da carta de Toscanelli, que presumimos, por analogia, haver sido também alterado o nome do
destinatário da caria. Esta hipótese é tanto mais verosimil quanto é certo que só por intermédio do
autor anónimo das fiistorie e de Us Casas temos notícia dtese cónego Fernão Martins A cópia
do texto latmo da caria de Toscanelli. escrita por Cristóvão (ou Bartolomeu) Colombo no exemplar da
Mtstona Rerum Ubique Oestarum. nâo menciona o nome do cónego. É provável que os herdeiros ou
os panegirislas de Colombo o lenham alterado involuntá-
riamente. As abreviaturas de Fernão, de Estevão, de Mar-
tins e de Roriz prestam se a confusões na caligrafia qui-
nhentista. Ora. houve um cónego da Sé de Lisboa que
conheceu Toscanelli. Ésse conhecimento prova se de um
modo irretorquível, pois que ésse cónego assinou, junta-
mente com Toscanelli, o testamento do Cardeal de Cusa,
falecido em 6 de Agosto de 1464 (133). Somente, ésse
c««mpio« iit.* Imitado», damontirando ■ coniutie cópego nSo SC chama Fcmão Martins, mas Fernão Ro*
l^*: :T,Z:^:'"'" r^mio. í.. Hz. Até prova em contrário, reconhecemos, de acôrdo
com Uzielli. nesle cónego Fernão Roriz o destinatário da
carta, escnia por Toscanelli em 1474. carta de que se ulílisou Colombo e que tanto contribuiu para ca-
pacitá lo da viabilidade de uma viagem à fndia pelo poente. (134).
Fcrnlo Martini, ««flundo
a gralU da prlmrlra
maUd* do S«culo XV.
CaitvloManina, ••flgndo
a gralla doa rvglatoa
d« O. Alonao V.
Ao é possível contestar que a carta de Toscanelli se baseia num sistema cosmográfico se-
melhante ao de Marino de Tyro. conhecido através da critica de Ptolomeu e só univer-
salisado pela imprensa nesse mesmo ano de 1474.
A esta objecção e a todas as que decorrem da apreciação desta circunstância,
pela surprésa de ver adoptada por um sábio da envergadura de Toscanelli um sistema
CUJOS erros fundamentais Ptolomeu patenteára. Sophus Ruge e H. Wagner responderam com argumentos
que lhes reduzem consideráuelmente o alcance. Toscanelli corrigiu os cálculos de Marino de Tyro fun-
dado na experiência das viagens de Marco Polo e Conti e das Navegações portuguesas. A largura do
Oceano, entre Lisboa e as projecções mais orientais da Ásia. era calculada em I30o. Se cada espaço de
5 graus no paralelo 41 equivalia, no mapa de Toscanelli, a 250 milhas (24.000 milhas na circunferência
equatorial), a distancia ocidental de Lisboa a Quinsay seria apenas de 6.500 milhas. Toscanelli podia con-
ceber êsle sistema congénere ao de Marino de Tyro, mas nenhum geógrafo reconhece a Colombo a cul-
mra e as capacidades requeridas para Iam arrojados cálculos, que atentavam contra o dogma ptolomaico
O lacto das Ideias de Colombo serem idênticas às da carta de Toscanelli nâo prova absolutamente que
lenha sido êle quem manipulou a carta. A discussão travada acerca da sciéncia geográfica de Toscanelli
uma vez que não possuímos elementos bastantes de verificação para conduzir-nos a uma prova enira
no domínio das mais ousadas conjecturas (135).
A fé de que se mostrou animado Colombo só podia ter-Ihe sido insuflada pela opinião pres-
tigiosa de um sábio. Que o sistema de onde se originou o plano toscaneliano era erróneo reconhece-
ram-no. segundo todas as presunções, os portugueses que confiaram à iniciativa particular as explora-
ções no Atlântico ocidental e se recusaram a aceitar os serviços de Colombo,- convictos, como se
e d^lendeu nr.lu^iS^o''l,í';í7^^^^^ í^^y ^'"^ ^^enUnc^lo de^^-se a UzlelH, que a apresentou
(134) Qui a découMTt VAmérique ? por Ccsare de Lollis. na Revue des Revuei. de 15 de Janeiro de 1898.
(13i) Sophus Ruge. Biogrãphie des Christoph Colombes, Dre»dcn. 1890.
XCiV
Introdução
XZ^^tto^ZTZt '''' ' ' descobhr.se ao Ocidente do arqui-
So ^ ''''' constituíam prolongamentos orientais do continente
milhanca d^\Z'ff ' sumariamente empreendida, do problema loscaneliano. resulta a Inverosi-
rias fer^H.. K f '""^ documentos que atribuem a outrem as teo-
^ria Ah^^^^^ embora erróneas, que o levaram a descobrir as Antilhas, e. mais tarde, a terra firme de
Pár a. Ai.as essa h.potese coloca Vignaud perante uma série de dificuldades insolúveis como seTam a
aX^hou. " ""'"^ ' ■ '^'<^ "oiombo nuncT l
manimit;,r5^ T^^Ty ^'"ericano procura em vão resolver essas dificuldades, atribuindo a
mampulaçào a Bartolomeu ou a Luís Colombo, iustificando-a com a conveniência de destruir o boato
oroiect dt"ir rPH^^^^K^'"' ''''''''' ' ^^"^'^^^^ ^olombo e o sêí
proiecto de ,r redescobrir as terras misteriosas de onde êle viera. Mas estas conclusões levantam outras
e numerosas ob.ecções. Se a reconstituição do te.to latino no incunábulo da Colombina é da mào de
Cristóvão Colombo, como afirmam alguns paleógrafos, a fraude é da sua autoria, e não a podemos atri-
buir à intenção pre citada, vislo só muito depois da morte de Colombo a história do piloto da Madeira
se ter propagado nas obras de Oviedo e Gomara. É Vignaud o primeiro a reconhecer a fragilidade das
conclusões da sua laboriosa lese. Se os autores da falsificação foram os Colombos. ccomo se explica
que, Só em 1571, na edição italiana das Historie deli Ammiragiio. houvesse sido utilizada quando há
muito tinham morrido todos eles? Se o duque Hercules dEste suspeitou, em 1494. da intervenção de
Toscanelh no descobrimento das índias Ocidentais, écomo conciliar com estes factos a hipótese sus-
tentada de que a correspondência toscaneliana foi só muito posteriormente forjada para fins misle-
nosos ?
A tese da apocrifia integral da correspondência toscaneliana (que testemunha a prioridade do
conhecimento português do plano de Colombo) não pôde prevalecer sobre a prova documental que de-
põe a favor da autenticidade. '
Se a correspondência de Toscanelli não existiu, ié. então, obra da fantasia de um loucol
Um grande homem que inventa uma correspondência de cuio teor resulta que náo passou de simples
executor de um plano alheio, de um descobridor que forja uma correspondência em que se esforça por
provar o conhecimento anterior que do seu plano tivera a côrte portuguesa, de um ambicioso que se
dedica a reduzir voluntáriamente a própria glória -eis o tríplice absurdo a que conduz a tese da aoo-
crifia. *^
A análise do historiador Vignaud patenteia as viciações que sofreu a correspondência de Tos-
canelli, mas não prova que essa correspondência tenha sido inventada pelos biógrafos e herdeiros de
Colombo.
lUANDO Colombo expoz a D. )oão II o seu projecto, oito anos haviam decorrido desde
que Toscanelli comunicára à Ccróa de Portugal o mesmo plano. Desde 1474 a 1492, as
expedições para o ocidente, de iniciativa particular, tinham continuado; mas nem Fer-
não Teles, nem Fernão Domingues do Arco, nem Fernão d Ulmo. nem ]oào Afonso do
Estreito, nos seus pedidos de doação de ilhas e terra firme, mencionam a índia ou
deixam sequer de leve suspeitar a crença de que as terras demandadas pertençam ao continente asiá-
tico, não obstante a concepção da esferoícidade da terra permitir essa credulidade. Há só um meio de
justificar a ausência de referências às ilhas asiáticas: a sciência de que entre a Europa e a Ásia se in-
tercalavam outras terras, essas mesmas aonde os Escandinavos tinham aporiado desde o século X com
as expedições de Gunnbjorn e de Erico, o Ruivo, que o Zeni e o polaco )oão de Szkolny haviam já
porventura visitado, levados no sôpro irresistível dos ventos tempestuosos; aquelas mesmas terras que
XCV
Introdução
*un uecino de la isla de la Madera, el a/lo de 1484, pidio at Rey de Portugal licencia par.t ir descu-
brír,. que juraba que ueiã cada atio y siempre de uma manera*.
A carta de Toscanclli ao cónego Fernão Roriz, conhecida através da cópia, presumf-
vetmcnle alterada, da redacção primitiva, feita pelo próprio punho de Colombo, coniinúa incorpo-
rada no processo histórico das navegaç&es portuguesas, conservando a significação da prioridade
do conhecimento português do plano de Toscanelli, renovado por Colombo o Monetário, e rcve*
lando a origem experi-
mental do seu tríplice
repúdio, fundado no
conhecimento da invia-
bilidade de se atingir
a fndia pelo poente.
Êsse repúdio não im
plica, poróm, de modo
algum, a incredulidade
na eKistèncía de outras
terras no Ocidente, pa
ra lá dos Acòres, pois
não só essas terras
eram motivo de navega-
ções, como de doações.
Todos os historia-
dores que se ocuparam
da correspondência de
Toscaneili e dela extraí-
ram conclusões, como
d'Avezac, Uzielli, Lollis,
Harrissc. Ruge e Vi-
gnaud. só se ocupam de
um aspecto do probie*
ma, a saber: que a au-
tenticidade dessa cor-
respondência concede-
ria ao £ábio florentino
a mais nobre parte da
glória colombina. Ainda
outra é a conclusilo
que poderá atíngír-se.
CrUldvIo Colombo, cegundo O rciralo do mu*eu navil dc Madrid,
atribuído ■ AniOnio d*l Rincon
: ;ando fórj de t^da a
dúvida a preparação su-
bsidiária portuguesa do
planodcColombo- pois
que êle próprio a cerlifi-
ca — o que nos interessa
é salientar que a corres-
pondência de Toscanelli
prova, acima de tudo, a
prioridade portuguesa
no conhecimento do
plano de Colombo, e
prova ainda, conjeclu-
ralmenle. que êsse pla-
no seductor não foi
executado pela razão da
falta de convicção no
seu êxito: pelo motivo
de que as informações
colhidas nas pesquisas
do Atlântico Ocidental
certificavam a inviabi-
lidade de se atingir a
fndia pelo poente, o
que ficou demonstrado
com a viagem de Co-
lombo,—que nâo pas-
sou da Anillia. iá ante-
riormente incorporada
na cartografia quinhen-
tista. Se a distância dos
Açôres, da Madeira e
das Canárias h f:ulia fosse a que indicava Toscanelli, nSo teriam ns esquadras dos potentados orien-
tais, as armadas de Cathay c Cypango vindo ã Europa, iou não haveriam sido avistadas dessas vi-
gias semeadas no Atlântico? íNão tinham iá os navegadores orientais, como revelou Afonso de Al-
buquerque, na comunicação ao rei, de l de Abril de 1512, (com que lhe enviava uma carta náu-
tica de um piloto de }ava.) atingido os litorais da Patagónia, aniecipando-se aos europeus no conhe-
cimento do continente ulfra-africano ?
• • •
•
IH
KfTSSifyai S factos apurados permitem estabelecer de modo incontroverso que, se Colombo, tecelão
e depois marinheiro, nasceu em Génova, o descobridor nasceu em Portugal.
Foi na convivência com os pilotos e cosmógrafos portugueses; na loja de car-
tógrafo e instrumentos náuticos de seu irmão Bartolomeu; na Lisboa do século XV, ma-
triz dos navegadores, verdadeira capital geográfica da Europa; no ambiente da epopeia
maritima portuguesa; ouvindo, depois, as narrações dos açorianos; e, talvez, como sus-
peita Vignaud, e como o afirmaram Oviedo. Gomara. Acoste, Benzoni. Mariana. Garcilaso de la Vega,
Torquemada. Gregório Garcia. Pizarro, e tantos outros, recolhendo a confidência do anónimo piloto
XCVI
introdução
(136). falecido na Madeira, ao regressar da trágica viagem à Antflia - que Cristóvão Colombo concebeu o
projecto de ir pelo ocidente ao oriente, convicto de que as terras entrevistas pelos marinheiros por-
tugueses, no Atlântico ocidental, de onde as correntes e os ventos traziam canas, semelhantes às da ín-
dia, troncos de árvores desconhecidas e cadáveres de íeições estranhas, eram os arquipélagos asiáticos
de Marco Polo.
Até à chegada a Lisboa presumivelmente no fim de 1476 — Colombo, embora dado à vida do
mar, nunca se ocupara de descobrimentos.
As esquadras italianas desempenhavam no Mediterrâneo uma missão mercantil. Nem Génova,
nem a opulenta Veneza, no fim do século KV. se dedicavam aos descobrimentos de terras. Os navios
venezianos e genoveses, que transpunham as colunas de Hércules, faziam viagens de cabotagem até ao
mar do Norte. Os interesses comerciais da poderosa república dos Doges, rainha do Adriático — destro-
nada no século XVI pelos portugueses — fixavam os roteiros das esquadras. Uma sábia política, desde o
século XII, obtivéra dos imperadores gregos de Dyzâncío privilégios excepcionais e a concessão de múl-
tiplos portos de escala na costa do Peloponéso, no Arquipélago, no gôlfo de Volo, nos Dardanelos e no
Mármara, que permitiam às galeras venezianas atingirem Constantinopla, circularem no mar Negro, vele-
jarem até à Criméa e aos confins do mar de Azof. Cândia, Rhodes e Chypre constituíam, no Egeu. outros
tantos portos de escala para a penetração do Oriente latino. Na costa da Syria, Tyro era o fóco irra-
diante e o entreposto do comércio veneziano. Os seus mercadores infiltravam-se, chegavam a Laodícéa.
a I3evrouth, a Caifa e Sidónia, traficavam desde Antiochia a Jerusalém, penetravam até Damasco e Ba-
gdad, captavam em Alexandria os produtos da índia e da Arábia, as especiarias preciosas, o ruibarbo, o
almíscar do Thibet, a pimenta, a canela, a noz-moscada, o cravo, a cânfora, o aloés, o incenso arábico,
as tâmaras da Lybia. o sândalo, a goma: todas as mercadorias que as caravanas asiáticas conduziam
aos portos do Levante (137). Era èsse tráfico opulento que os portugueses, predecessores dos Britânicos
no comércio da idade moderna, cobiçavam e que os arrojava para o oceano, à procura dos caminhos
que conduziam aos países das especiarias.
Havia mais de meio século que o infante O. Henrique lançara ao mar as caravelas, como
activa matilha aquática à caça das ilhas. Os portugueses iam gradualmente erguendo o véu de mistério
que encobria duas terças partes do planeta. Eram éles os reveladores do orbe ignoto, cuja audácia não
trepidava ante a missão temerária de, embarcados em frágeis naves, arrostando contra o pavor das ten-
das e a fúria das tempestades, procurarem nos oceanos as terras desconhecidas e traçarem no mapa lí-
quido os caminhos marítimos inter-continentais. A civilização moderna é urdida sôbre essa trama de fa-
çanhas prodigiosas.
M Lisboa, hóspede do irmão, vivendo na loja do cartógrafo, no bairro da gente do mar— .i<>mbo cm
cujos restos ainda hoje ostentam nos umbrais das portas, como um estigma de glória,
as naus e caravelas esculpidas no líoz — Colombo vê entrar e sair no estuário as naves
aventurosas que vão e voltam das paragens remótas da África e dos arquipélagos atlân-
ticos. Ali convive com os pilotos e os cosmógrafos, escuta as narrações dos marinhei-
ros, é o espectador enlevado de um dos mais grandiosos dramas que os povos eleitos representaram
sõbre a terra.
Lisboa era. então, o cais cosmopolita de onde a Europa se projectava para o mundo desco-
nhecido. Gente de todos os países afluía à capital portuguesa (138). Pululavam os aventureiros e os mer-
cadores. As sciências, as artes e as letras atingiam o esplendor, que fulguraria por todo um século até
)0000»OOOOOQC
(136) É Garcllaso de la Vega C|iie, peli primeira vez. nos Commenlãhos Rtslet. o Identlllca com o pUôto de
Huelva. Allonso Sanchez, dizendo ter ouvido contar ao pai a tiislórla do pilôlo. alirado peU lempesUdc ia Anillhat.
(137) Une republique pUnaennc. Venizc, por Charles Diehl. Paris. 1916.
(138) Lisboa conquislára ji esM posição no século XIV. como ccrtilica a ChroniCM de D. Fernjndo.dt Femlo
as inlormaçõcs do cronisia escreveu Oliveira Martins: *A alfandega de Lisboa rendia no tempo de D. Fernêndo
de 35 a 40000 dobras ou, proximamenfe, êSO contos da nossa moeda. Não admira a exiguidade da somma; vefa-se antes neiía
a expressão do caracter de porto-franco da Lisboa de então. Com effeito. o mesmo ehronista nos dix que um anno se carre-
garam *12000 toneis de vinho, afora os que levaram os njvtos da segunda carregação em março: Muitaa veie», ante a ctda-
u XCVII
Lopes. Com
de 35 a 40000
IH>A
Introdução
ao epílogo do poema épico. £]á corriam rumores entre a gente marítima, de que o plano legado pelo
Infante aos gráo-meslrcs, seus sucessores na Ordem de Cristo, abrangia o contômo da Africa até ao mar
Vermelho e ao gôlfo Pérsico ? Possivelmente e do èxito do grandioso cmpreendimonto resultaria para os
genoveses, e principalmente para os venezianos — que detinham o monopólio do tráfico de mercadorias
com o Oriente, por intermédio do Egipto — incalculáveis prejuízos. Portugal avançava cautamenie na exe-
Ucboa no «éculo XVI Oravura «m cobre da cdlfflo talina da obra d* Hans Stadcn aftbr* o Draan <Francfon im)
cuçao do projecto gigantesco, para não alarmar os interesses ameaçados das Repúblicas mediterrâneas,
tanto mais que os pilõtos da Ligúria e do Adriático, estabelecidos em Lisboa, e os delegados e embaixa-
dores das cidades marítimas italianas exerciam uma hábil espionagem, informando-se com as tripulaçCes
sôbre os menores acontecimentos marítimos (139). Foi assim que Pascuáligo, Cantino e Crelico obtiveram
rfr, havia 400 e 500 ' de ruTTegscio, e msís 100 ou 150 em S.tcavcm e no Montijo i carga de sal e de vinho. 8m frente
de Lisboa, nota o (< a selva àcs navios era fstnanha que as barcas da outra banda não podiam cruzar entre ellas e
ir (ornar terra em íunivi. liram ainda estes navios ãS barcas da marinha primitiva? Não; eram navios de coberta, da lota-
(.10 media de lOO lonfis, como então se ditia ; e perante os números anteriormente expostos, parece-me nSo ser exaggerado
elevar o movimento marilimo annuat do porto de 250 a 300 mil toneladas, tísses navios iam e vinham de Lisboa para In-
glaterra, para a Itália, cru/ando no mar do Norte e no Mediterrâneo, levando os produclos agrícolas nacionaes e trazendo-
tos e manufacturas. Quem girava com rsfe comtnercio marítimo? Eitrangriros principalmente. Já desde então se de-
I- .1 o caracter cosmopolita da nossa historia. Lisboa, diz rernão Lopes, té grande cidide de muitas e desvairadas gen-
tes: Havia ahi estantes (residências) de muitas terras e muitas casas de cada nação: genovezes, lombardos, aragonezes,
marroquinos, milanezes, corsos, biscamhos, fruindo privilégios e isenções de que os soberanos não eram avaros*. Portugal
nos Mares, a pig. 21.
(139) Eri I4S1-92, as Còrte» de Évora observaram ao rei a conveniinda de vigiar os florentinos e genoveses, que
eram numerosos em Lisboa.
XCVIII
Introdução
as sensacionais informações das suas cartas, que nenhum cronista, nesse tempo, conseguiu igualar, quanto
mais suplantar. O mapa anónimo de Cantino aparece-nos como o mais completo documento dessa sagaz
espionagem, que conta ainda no activo a aquisição da narrativa, ctiamada do «pilòto anónimo», da frota
de Cabral, conhecida geralmente da tradução de Ramuzio, mas que iá em 1507 Montalbodo publicara nos
Paesi nuovamente refroi/ati (140),
No ano de 1476. quando o humilde Colombo, na penúria, vem esiabclecer-se em Portugal e
•brigar-se na casa de Bartolomeu, o Tejo oferecia-llie o espectáculo de um acampamento naval, fóco di-
rigente e absorvente das viagens oceânicas e dos descobrimentos. Muito mais do que Veneza, rainha do
comércio, Lisboa era a Roma dos mares, séde de todos os conhecimentos e progressos náuticos do
tempo, a escola de altos estudos dos navegadores. Nos estaleiros da Ribeira Nova trabalhavam os mais
hábeis construtores de navios: vendiam-se em Lisboa os melhores planisférios, astrolábios e quadrantes;
confecionauam-se com mais perfeição do que em qualquer parte as cartas e porlulanos iluminados a
ouro e púrpura; obtinham-se as melhores cópias das obras astronómicas; encontravam-se os pilotos
mais audazes e experimentados. Cosmópolis marítima, para a segunda cidade das sete colinas, aberta a
todos os estrangeiros, corriam os homens seduzidos pelas viagens, os hábeis pintores de planisférios, os
aventureiros, atraídos pela cupidez do lucro e pela tentação viril das navegações heróicas. Embora pouco
letrado, Bartolomeu tinha fama de hábil na confecção dos portulanos. António Gallo, secretário do Se-
nado de Génova, refere-se no De Nãi/igatione Columbi per inaccessum Antea Oceanum commentarío-
lus ao estabelecimento do cartógrafo genovês em Lisboa e ao seu talento na pintura de cartas de ma-
rear: tSed Bartholomeus, minor natu. in Lusitânia, demum U/issipone consisteraf. ubi intentas qucestui
tabuUs pingendis operam dcdit. queis ad usum nauticum; etc Agostino Giustiniani confirma ler sido
Bartolomeu quem ensinou Colombo a desenhar as cartas e a iluminar os planisférios (141). Munôz. es-
clarecido por tantas informações concordes, consídera-o um bom cartógrafo e artífice de instrumentos
náuticos. (142) Cristóvão Colombo cursava uma escola excelente para a missão de predestinado. Traba-
lhando com o compasso e o cálamo ao lado do irmão (143) — que, mais de uma vez, nas horas de atri-
bulação, havia de ser seu amparo fiel - Cristóvão Colombo medita e sonha... Não parece impossível,
antes se afigura provável, que nesse meio tivesse oblido as primeiras informações da correspondência de
Toscanelli com um cónego da Sé de Lisboa, pois geralmente as carias eram expedidas por intermédio
de passageiros e tripulantes das naus. Mas a germinação do grande proiecto. que devia fazer do calí-
grafo e cartógrafo um descobridor de novos mundos, não podia deixar de ser lenta. Serão precisos o casa-
mento e a elevação social que de aí lhe proveio; a enirada na família de um dos antigos servidores do
Infante; a leitura e o esludo do espólio do donatário de Pòrlo Santo; a residência nos Açôres e as notí-
cias colhidas naquele posto avançado da conquista portuguesa do Atlântico ocidental; as narrativas das
equipagens das naus e as informações reiteradas, insistentes, das ilhas que, nos confins do poente, emer-
giam do Atlântico; o encontro providencial da Madeira, que favorecia o predestinado, cotocando-o frente
a frente do anónimo piloto, arremessado pelos ventos às ilhas misteriosas do além. — para que. no geno-
vês humilde, contagiado pelo delírio heróico em que vivia a alma portuguesa, nascesse o descobridor.
A cultura que o iluminou, as informações que o guiaram, o heroísmo que o empolgou são portugueses:
tanto como a sua mulher, a sacrificada Isabel Moniz Perestrêlo, tanto como o seu único filho legítimo,
D. Diogo. Até ao fim da vida. naturalisado espanhol, arrastando os títulos platónicos como um outro Rei
Lear da glória, vergado ao pêso da ingratidão. Colombo considerará sempre Portugal como a escola In-
signe onde os navegadores aprenderam o caminho dos mundos novos, desafiando os perigos que os
guardavam.
A falta de confiança que o antigo pintor de planisférios e futuro inventor da doutrina incon-
gruente da protuberância do planeta inspirava aos conselheiros do monarca português, aos cosmógrafos
e políticos da Junta dos Matemáticos, e em geral a todos os capitães de longo curso, que constituíam a
plêiada gloriosa dos exploradores do Oceano, era tanto mais iustificada, quanto o seu plano e os argu-
mentos em que o fundava não ofereciam novidade para o rei Impenetrável e os seus áulicos eruditos.
(140) As quatro narrativas de Vespúdo foram também remelldas de Lisboa para a Lor«na, cm 1504. por Domê-
nico Benvenuti.
(141) Numa caria de 1501 aos Reis Calólicos Colombo agradcda a Deu», entre outro» dons. o *ingtnlo en Im
ãníma y rnsnos para debu/ãr lã esfera, y en eUj las ciadades, rios, montaHa$, istas y puertos, todo en tu próprio sitio».
(142) Historia dei Nuevo Mundo, de Muftoz. Madrid, 1793.
(143) Las Casas, liisioria de Las índias, tomo t. pâg. 236: Algunos dias se sustente con la industria de su buea
ingenio y trabajo de sus manos, /taciendo o pintando cartas de marear, las euaies sabia muy bien hacer, vendlendolas a loa
navegantes*.
XCIX
introdução
pire os quais *le nâo passava, como o descreve ]oâo de Darros, nas Décadas, de um *homem fsfêdor
êt glorioso em mostrar suas habilidades & mais fantástico. . . que certo no que dizia:
Colombo desempenhou uma missão superior à sua condição social e mediana cultura. A fé
de um predestinado, essa fé que «move montanhas», ainda uma vez revelou o poder onlpotente na exis-
tência dramática do antigo tecelão: •Christophurus Cohmbus. lanarias de )anua*. . . A biografia atribuída
ao filho enobrecido e erudflo do Almirante tem o propósito de uma transfiguração da realidade, exal-
çando o herói do berço humilde ^ altura da sua proeza, dando-lhe as proporções de uma personagem
lendária. Mas se todo èsse estórço foi em pura perda para a posteridade, já desde Oiustiniani. com mais
motivo não conseguiria iludir os contemporâneos. Desde que veio fixar se em Lisboa, nos últimos anos
do reinado de D. Afonso V, e rccolher-se à protecção do irmão, eram notórias a humilde origem e a
cultura rudimentar do imigrado genovês. O seu casamento com D. Filipa Moniz, filha da segunda mulher
de Perestrèlo, neta de Gil Aires Moniz. — que fôra escrivão da puridade de NunAlvares, — é um ponto
ainda obscuro da sua biografia. Até hoie. não se descobriu o assento dôste matrimónio, nem sequer o
do bapllsmo do filho que dèle nasceu. O mais forte indício que possuímos da veracidade daquela união,
corroborando as informações de Las Casas, encontramo-lo no testamento de D. Diogo Colombo, na pas-
sagem em que se refere à sepultura da mâi, na capela da Piedade, na igreja do Carmo, em Lisboa, jazigo
de sua linhagem. Ora. o fundador dessa capeta, como se !è na Chronica dos Carmelitas, de frei José
Pereira de SanfAna, foi Gil Aires, e os filhos dèste, Vasco Gil Moniz, tio e tutor de Bartolomeu Peres-
frélo. Diogo Gil e Guiomar Gil sustentaram uma demanda para reivindicar o direito a serem sepultados
na dita capela da Piedade, ou Nossa Senhora do Pranto. A êsie casamento poderiam atribuir se as faci-
lidades que Colombo encontrou para ser admitido à presença do rei. e o conhecimento da carta de
Toscanelli: mas infundem desconfianças a falta de noticias sôbre quaisquer diligências de Monizes e
Peresirélos om favor de Colombo e o silêncio obstinado que ôle mantém acêrca da família nobre a que
conseguiu ligar-se. Do que se depreende dos seus biógrafos, tendo casado em Lisboa com D. Filipa.
Moniz, filha da viuva de Perestrèlo. D. Isabel. Cristóvão Colombo acabára por ir viver nas terras do
cunhado. Pedro Corrêa, na ilha de Pôrlo Santo, doada pelo infante D. Henrique, em 1 de Novembro de
1446(144). a Bartolomeu Perestrèlo *por elle seer o primeiro que per seu mandado a dieta ylha pobrou» . . .
Ês!e casamento teria colocado Colombo em mais (ntimo contacto com os navegadores portu-
gueses, dando-lhe ingresso na família de um dos heróis da 'caualaria do oceano», criada pelo Infante-
^E a êsses laços de parentesco que Colombo terá devido, pelo estimulo que êles trouxeram à sua
ambição, a gloriosa carreira de descobridor da América? Talvez; como Vespúclo deveu à presença nas
expedições portuguesas de I50I e 1503 a honra exorbitante de ver dado o seu nome ao novo conti-
nente, que os vastos empreendimentos marítimos dos Portugueses levaram a inscrever no planisfério.
O próprio Colombo e são o seu panegirista Las Casas e o biógrafo das Historie deli
Ammiraglio que se anticipam aos reivindicadores da preparação portuguesa do descobri-
mento da América, revclando-a com numerosos pormenores. Desintegrar a viagem colom-
bina das viagens quási centenárias dos navegadores portugueses, isso se afigura impos-
sível, tam estreitos são os élos que a vinculam aos empreendimentos maritimos lusitanos.
Os arquipélagos atlânticos, que representam um papel essencial no futuro descobrimento das Antilhas,
foram fixados ou reintegrados no mapa do mundo pelas expedições intrépidas dos Portugueses. Desde
Humboldl, os geógrafos unànimemente reconhecem que a revelação do conlinentc ocidental seria infali-
velmente feita pelos Portugueses no decurso das suas navegações para noroeste e sudoeste, se Colombo
nào conseguisse obter no acampamento de Granada o concurso de Fernando e Isabel.
A sciéncia náutica portuguesa achava se, nos fms do século XV, aparelhada com os conheci-
mentos necessários para empreender uma viagem como a de Colombo, totalmente realizada no hemisfério
norte, guiada pela estrela polar, com a duração de quarenta e dois dias. assim distribuídos: de Paios às
Canárias, sele dias; das Canárias à Guanahani, trinta e cinco dias.
(144) ChuiceUrii de D. Afonso V. livro 33. a 8S.
c
1
Introdução
n*«nM n/r''***'* ^"^ Q"^^*"'^^* Qaffarel fá reconhecia, referindo-se ao legendário
pínplo de Hannon. que .ce voyagc présenUit de toutes autres difficulfés qu-urt ucf^age en Améríauê.
« nlTnUWnf II' '"""^ ^"3'^ P^°'<''"3 Europa do que geralmenle se supõe. Basta examinar
o planisféno para se constatar quanto é relativamente estreito o palco marítimo do Atlântico cm que se
STJ./T'u Colombo. Comparado à extensão do Pacífico, por cujas imensas solidões o portu-
H^^h^fl. Magalhães guiou os navios castelhanos, o Atlântico aparece-nos como um mar interior.
H.rl 1 "P'"*^^^"'^ "/^ q"3dro sintético da proximidade a que ficam os litorais americanos dos
20 2Í Ut .íw ! ^^^l^^^PO conhecidos. Do cabo Roxo. próximo à Serra Leôa.
(20 20 Lat. N. - 190 14 Long.) ao cabo de S. Roque. (S- 28' 17" Lat. N.-37o 37" 26" Long) a distância é
V^r«K '""V ^"'"^ ' ' **** '-"'^ Quilómetros. O cabo Barclay, na região de
.^'r Qj^^^^lâ^íl-a.íego ,o' Lat. N..260 48- Long.) aproxima-se tanto do cabo Wralh. na Escócia
(580 39 Lai. N..70 18' Long.) e de Stadtland. na Noruega (62» 7* Lat. N.). que a distância entre estes'
pontos e. respechvamenle. de 1392 e 1552 quilómetros, o que explica a viabilidade das navegações
escandmavas dos séculos X a XII. suficientemente demonstradas, a ponto de nâo permitirem dúvidas
sobre o descobrimento e colonização da Groenlândia e da Vinlàndia pelos povos da Europa setentrional
quatro séculos anies que Colombo emprcendêsse a sua viagem às Antilhas. Essas distâncias interconti-
nentais apresentavam-se ainda sensivelmente diminuídas para os Portugueses. Da foz do Tejo à Ilha de
S Miguel, nos Açôres. a distância é de 1372 quilómetros. Da ilha do Corvo, a mais ocidental do arqui-
pélago açoreano, à costa americana, a distância é de 2.288 quilómetros. Bartolomeu Dias. na viagem ao
cabo da Doa Esperança, em 1487. navegou 9.610 quilómetros: o quádruplo da distância do Corvo ao
litoral americano. De Lisboa a Calecut. Vasco da Gama navegou 17.612 quilómetros. Se compararmos a
róta de Colombo, de 4,250 milhas, com a de Cabral, que venceu 11.320 milhas, no percurso de Belém à
India, verifica-se que as viagens portuguesas sSo muito mais extensas que as expedições colombinas
R«"P''"'ando a'9uns dos cálculos reGnidos por Humboldt e passando em revista os vestígios
históricos das navegações no Atlântico. Gaffarel escrevia em 1869: <// se peut donc que fAt/jntique j
été de bonne heure parcouru par de hardis maríns, et que que/ques uns dentre eux. p/us audacieux
ou plus heureux, aient découuert CAmérique avant íépoque officieile».
Em auxilio das aproximações favoráveis à passagem intercontinental de alguns ponto» litorâ-
nios da Europa, da Africa e da América, vinham ainda as correntes marítimas, os imensos rios pelás-
gicos, como o Guíf Stream. que desempenharam um papel proeminente nas expedições portuguesas e
espanholas, trazendo às ilhas do Atlântico os vestígios e avisos das terras americanas. As praias dos
Açôres as correntes marinhas lançavam troncos dc arvores desconhecidas, pinheiros e bambus gigantes-
cos (146), Aqueles marinheiros, tam práticos em orientar-se pelo vôo das aves. tam exercitados no cálculo
da terra próxima, que. pela côr das águas, a passagem fortuita de uma alga ou de umas hervas fluctuan
tes. anteviam as ilhas, não poderiam ficar insensíveis às consecutivas provas materiais da existência de
outros arquipélagos, demorando a poente, emergindo do tumulto perene das ondas. Martim Vicente
encontrára por 400 léguas a oeste do cabo de S. Vicente •un pedaço de madero labrado por artificio,
i à lo que se juzgaba non con hierro. de lo qual i por haber ventado muchos dias poniente. imaginabà
que aquel paio vénia de alguna isla* . . . Pedro Correia, cunhado de Colombo, vira também, nas proxi-
midades da Madeira, um madeiro trabalhado por mâo humana, vogando nas ondas e impelido dos lados
do Ocidente. Bambus idênticos aos citados por Ptolomeu como originários da índia, eram lançados pelas
ondas às costas açoreanas Na Graciosa e no Faial o mar depositava troncos de arvores dc ignorada
espécie na flora europeia, verdadeiras mensagens das terras misteriosas do ocidente, «fn la isla de
Flores becho la mar dos cuerpos de hombres muertos que mostraban tener las caras mui anchas i de
otro gosto que tenian los cbristianos». No § 5 da biografia paterna. D. Fernando Colon assinala que êsse
conjunto de revelações materiais (tantas vezes citadas e transcritas das Historie deli Ammiraglio. da
Historia de ias índias, de Las Casas, de Herrera e de Oviedo) haviam poderosamente concorrido para
fortalecer a convicção de Colombo, levando-o a identificar com a Asia as terras de oeste.
Essas terras não eram uma miragem de Colombo, pois tinham já sido motivo de doações.
Ao seu encontro haviam navegado as intemeratas caravelas portuguesas. Colombo nlo procurou sequer
ocultá-lo. No Diário da 1.^ viagem, a 9 de Agosto, na ilha de Gomera. êle *se acuerda que. estando en
(145) Reunel, Oeographieal systhfm ot Merodotus. pág. 672. Qu.itrrradre. Buletin de VAcãdémie dea Inscriplionê
1846. pág. 382. Oallarel. Etudc sur h-s rãpporis de rAméwiçue et de 1'Ancien Conlinent ãvani Christophe Colomb. plg, ^2. '
(146) Humboldt examinou em Tenerite um Ironco dc eedrela odoratã, que fupoz oriundo das Honduras.
a
Introdução
Portugal el ano de 1484. vino uno de ta ista de la Madera aí Rey a le pedire una carabela para ir a
^ta herra que u,a. el cuaí juraba que cada ano la via>... António Leme coniára também a Colombo
haver descoberto três ilhas para as bandas ocidentais dos Açores...
Seria t3o fastidioso como inútil acompanhar oar et passu os historiadores espanhóis na prova
da cooperação portuguesa no plano Colombino, t um fado admitido por todos os americanistas que
Lolombo nâo poderia ter concebido o seu projecto sem a anterior e prolongada residência em Portugal
be os seus esforços se malograram em obter da Coroa portuguesa os meios de executar o plano de Tos-
caríeis foi lustamente porque êsse plano não apresentava novidade nem imediato interesse O abandono
pelo Estado as iniciativas particulares das expedições ocidentais revela que os cosmógrafos portugueses
haviam definitivamente estabelecido a prova da impossibilidade de se atingir a índia pelo poente e essa
persuasão denota a posse de conhecimentos geográficos exiraordináriamenie avançados D João II
recusa os serviços de Colombo porque não lhe faltam ousados navegadores para empreenderem a explo-
ração do mar ocidental, mas essa recusa não prova contra o conhecimento das terras do ocidente pois
elas eram motivo de concessões e objectivo de expedições. Essa sciència ficaria demonstrada no tratado
ONDUZINDO até às últimas consequências a tése negativista da autenticidade da cor-
respondência toscaneliana, Vignaud julgou descobrir na confidência do pilôto falecido
na Madeira, o misterioso objectivo da fraude colombina (147). Pelo modo como aparece
integrado na História, êste episódio tem um sugestivo aspecto de veracidade mas está
longe de reunir as condições de autenticidade da carta de Toscanelli. Falsificar a carta
e o mapa de um sábio para os sobrepor à informação e ao roteiro de um anónimo pilôto, não vemos
onde nisso estivesse o mlerésse de Colombo, que nunca invocou publicamente, enquanto vivo. a direcção
menlal de Toscanelli. ^
... /'^^ .f^'?í .'^^ P"^**^ emprestada por muitos historiadores uma importância
exorbitante e indevida? Mesmo admitindo a hipótese de ser Português o marinheiro que regressára das
Antilhas, para onde o impelira a tempestade, êste facto só viria confirmar, com um novo depoimento, a
suficientemente provada participação e preparação portuguesas no plano de navegar o Atlântico, para o
Ocidente, ao encontro da India. ^
Supõe se que a história do pilôto remonta aos tempos da 1.* viagem e teria sido difundida
l^la tnpulaçào da esquadra do descobrimento, entre a qual não era bemquisto o Almirante, que dispu-
fára mesquinhamente ao marinheiro da Pinta. Rodrigo de Triana, as alvíçaras de 20.000 maravedis
promendas pelos reis ao primeiro que assinalasse terra. Mas seria então preciso admitir que o próprio
Colombo houvesse revelado aos Pinzon. ou a qualquer outro dos companheiros da expedição, que a sua
proeza se limitava a percorrer a rota de um precursor: aquele pilôto que atravessara o Atlântico
r ln! ^ •'^"'Pora.s levado nas asas dos ventos, e que fòra morrer à Madeira. legando-lhe. à hora
da morte, o seu segrêdo. Sena necessário admitir o inverosímil
Oui.rfn^fni^írtr*' "^^""""f ° '"«P^esso onde é narrado o episódio: a Historia general de las índias,
t JZ ^"^ "° ^^^^im. O historiador espanhol só o regista para lhe
patentear a falsidade e a origem suspeita. Las Casas, no capítulo XIV. do Livro I da tUstoria de las
l^^^n""?"^ r P'*' ^"^ Espaniola. quando a visitou em 1502.
ainda em yida de Colombo, que <los primeros que fueron a descobrir y poblar ta isla habian oido a
los naturales que poços afios antes que llegasen habian aportado alli otros ttombrcs blancos y barbados
como ellosK Isto significaria que outros marinheiros europeus, antes dos espanhóis, tinham chegado às
(H8) Op. df. Livro I, Cap. I c IV.
CII
Introdução
da lenda ^,L'>!ÍmT X'Z'"'''f' P'""'"^^^" '555. Oomara repete Oviedo, ma, aceita a veracidade
V ofZ ZZZ ^ ^ nauegacion. Otros uiscaino, que contrataba en Inglaterra ^ Lncia
LTchaoJX ' í ^ tolamente concuerdan todos (7) en aue
y con la marca v altura de las tierras. novamente vistas e halladas . .
, . singular, à medida que os historiadores se distanciam dos aconlecimentos mais oormp
nores a,untam ao lendário episódio do pilôto da Madeira. Garcilaso de la Vega. To uTo l Cap H da
ceZ 7r f cornn,ent,inos Reales ,ue tratan de el origen de los Incas, publicados em M9 -
htuln! ^/^^^^^'V"^' 'í^' ' "'^Sem de Colombo- narra-nos o episódio na versa-o definh.la com Que
Se s u oat oTn r?'- '!,-'^°"^'''° P^í. durante a infância, e. mais tarde a amigos
de seu pa., que o tmham escutado da bôca dos tripulantes da Santa Maria, da Pinta e da Nifia Fixando
para o encontro de Colombo com o pilôto o ano de 1483 ou 1484 (149). e confessando ser multo duvi
Sanchez (^^^.j ^^'""^ P^o-^^el ser êle um marinheiro de Huelva, chamado Alonso
w- ^-^ 5^^^.^* "«"^ Acosta (151). nem Frutuoso lhe mencionam o
f cada com IZZ\ T ^^^f T ' Personagem aparece conieCuralmente den."
ficada com Alonso Sanchez. Aires de Casal, na Corographia Brasílica (Vol. I. pág. 2) chama-lhe Francisco
Fernando Colombo, no cap. IX. último parágrafo, das Historie deli Ammiragll. atribui a Vicente Dias
a aventura contada por Oviedo. Tam pouco os historiadores estão de acordo sobre qual a ilha em que
Shríl'rHp r m''!.^'-""^"'"'" '^"^^^"^ inconsciente, descobridor da América. Oviedo hesita entre
Cabo Verde e a Madeira. Gomara e Garcilaso optam por uma das ilhas do arquipélago açoreano
Frutuoso (Saudades da Terra), Garibay (Los XL libros dei compendio historial de las cTrTnicTy Z.
versai „stona de todos los reynos de Espana). Mariana (Historia general de Esparta) indicam a Made"rá
fr.nMi. n,2.ír P^'' ^^''"'"''^ 'P'^"'^" Sanchez como o provável herói da
tragédia marítima, lança definitivamente êste obscuro episódio para o Índex dos problemas insolúveis-
Com excepção de Las Casas, que fixa a origem da sua narrativa, declarando repelir o que os primeiros
colonizadores da Haiti ouviram dos naturais da ilha. os restantes historiadores não autenticam com
qualquer referencia concreta as suas dramáticas narrações. Oviedo, o primeiro de todos, registando o
episódio, adverte: <Para mi yo lo tengo por falso, é como diçe el Augustino: Melius est dubitare de
ocullis. quam htigare de incertis».
A versão portuguesa não é melhor fundada que a versão espanhola, conquanto os primeiros
e mais idóneos narradores admitam a hipótese de ser português o denunciador da existência da América
e começar só em Garcilaso, um século depois, a reivindicação da sua naturalidade espanhola O jesuita
Manuel Fialho, na Évora Gloriosa, impressa em Roma. em 1728. dá-nos a primeira versão portuguesa
circunstanciada do misterioso drama. O piloto chamava-se Afonso Sanches, era mestre duma caravela
de Cascais e tinha por ofício carregar assucar na Madeira e trazê-lo a Lisboa. Fazendo nesse ano de
1486 (?) a costumada viagem, uma tormenta, apartando-o do rumo. impeliu-o para o poente, desarvorado,
por espaço de muitos dias, até que avistou terra e desembarcou, para reparar o velame e refrescar'
fazendo depois pròa a leste e regressando à Madeira, onde chegou moribundo, recolhendo-se na esta-
lóslo. da vida^de CoiSmba* P^^^nd^ ler sido em H86. data que n3o concorda com a reUdo crono-
M»rfriH ?àJ- rP^t^-/^ '"'"""'l "í' Alonso Sanchez de Huelua. no Boletim da Real AcadenUa de Hlltorij d«
Madrid. Vol. XXI. 1892; D. José Ferrer de Coulo. Coton y Alonso Sanchez. Madrid. 1857. niwoní, om
^« t. *í^'íi Acosta, I590-/yi5/onj natural y moral de las índias. Livro I, Cap. XIX: "Porque puet ãssi sucedia en el
í.fr,t.'.T'í . "ostro tiempo quando aquel mannero fcuyo nombre aun no sabemos, para que neíocio fan grande no li
VJi V.Kt tJÍ í'."" * P?^l aviendo por un lerrible importuno temporal reconocfdo el nuetfo mundo, dexo per paga
dei buen hospedage a Chrislobal Colon la noticia de cosa tan grande"
CIU
Introdução
Ugem de Colombo: um genovês estabelecido no Funchal, que pintava cartas de marear e a quem leoára
por gratidão, o roleiro da nova terra.
O hisloriador Henry Vignaud passa em revista, com a habitua) e rigorosa minúcia as fomes
espanholas do episódio do pilôto da Madeira (152), sem conseguir apurar uma versáo com" visos de
autenticidade indiscutível, o que não obsta a que persista na convicção da sua veracidade, como única
explicação da fraude posterior das cartas de Toscanelli.
Preferimos aceitar a versão plausível de Fernando Colombo, que no Cap. IX das Historie
referindo-se à passagem de Oviedo, rectifica-a, declarando que foi Vicente Dias, um português de Tavir»,
regressando da Ou.né à Terceira, com escala pela Madeira, quem contára a Colombo ter avistado uma
Ilha no rumo do poente, para onde o vento lhe impelira, durante dias. o navio.
Colombo nSo procura ocultar as informações portuguesas que recolhêra sôbre a existência das
terras ocidentais. Nio só as encontramos mencionadas em seus biógrafos, como no Diário, quando anco-
rado em Comera, nas Caninas. Colombo recorda que um homem viéra da Madeira, em 1484 pedir ao
rei de Portugal uma caravela, para descobrir uma ilha que descobrira e que jurava ver cada ano sempre
na mesma direcçio. llsia bem pôde ser a origem da lenda do pilôio. acrescentada pelos tripulantes da
expedição com a noticia do misterioso portulano-io de Toscanelli ?- por que se guiava Colombo e
cuia procedência nunca revelára aos próprios Pinzon.
Esta singela fórmula de interpretação tem a vantagem de apoiar-se nos factos incontroversos
e de conciliar as palavras tam significativas de Las Casas: *esto. al ménos. me parece que sin algum
duda podemos creer: que ó por esta occasión, ó por tas otras. ó por parte deltas, ó por todas juntas
cuando él se determino, tan cierto iba de descubrir to que descubrio y bailar lo que halló como si
(IS2) ToscsneUi and Columbus. C«p. V.
CIV
Introdução
ZT,''có'Z TesLZ'Z T'"' """""■■■•<'")• ' -auiçâo lei,a a Colombo, pelo
iiwai aa (.oroa ae tspanha, no decurso da demanda de D. Diogo, de haver o almiraniP rf.«,-„h„rt„ l
r.„' „i f ""'"í"'' ''«''«"«M). Nâo é preciso inclu r nó lÔngri vê márt da prep.
bracL'de r".?' """" o <"=P°™«"«> do P"ó.o de Cascais ou dfnuelv aleddo n«
do .ande';:i =^ ^ní^^ ^d^^ ^ZTl ^u:^:a«t^;e^rr:^°~
a bciencia náutica de Portugal, que transformou o tece-
Ião num almirante; muito embora sejam portuguesas as
fontes em que se inspirou e onde collieu a convicção do
êxito, - admiremos a fé sublime.! tam portuguesa tam-
bém! que impele as trés pequenas naves, de cem. cin-
eoenta e quarenta toneladas, pelas solidões imensas dos
mares, Olhe-se o planisfério; meça-se a longura da der-
rota, onde não há uma escala, um ponto de socorro, e
associemo-nos à admiração universal que circunda èste
crente. Certamente, êle caminha inspirado por um érro.
O que éle pensa ir descobrir é a opulenta civilização
de Cathay e Cypango. Mas não é a primeira vez que.
perseguindo uma ilusão, se alcança uma realidade. O
destino condú-lo, sem que o suspeite e jamais o saiba,
a um continente novo, a uma dessas massas continentais,
entrevistas pelo génio de Cicero e de Séneca, pela refle-
xão de Macróbio, pela sciència de Estrabão e de Aris-
tóteles. Admiremos em Colombo um dos gloriosos discí-
pulos da escola náutica portuguesa. Sem a sombra de
uma dúvida, êle não é um santo. Tanto como a fé o
conduz a ambição. O contrato que firmou dá-lhe a juris-
dição de governador das terras descobertas, nomeia-o
almirante do Atlântico ocidental e garante-lhe quinhão
considerável na partilha dos lucros fabulosos. Como se
lôra pouco, Colombo ainda extorque por avidez a um
pobre marinheiro as alvíçaras. prometidas pelos reis ao
primeiro que enxergasse a (erra procurada! A sua con-
duta não lem, não podia ler, a grandiosa solenidade, o
desinteresse patriótico de um D. Francisco de Almeida,
de um Duarte Pacheco, de um Pedro Alvares Cabral
de um Afonso de Albuquerque, de um D. ]o.io de' Castro. Logo. à míngua de ouro se apodéra
de maturas humanas e m.c.a a escravatura na América. O sangue corre logo no primeiro contacrdot
civilizados com os bárbaros. Empolga-o a cobiça do metal precioso. As páginas do seu D.ér o TmX
decem no confronto com a narrat.va do escrivão Caminha. Não esqueçamos, porém, que a sua fortuna
-i am brevel-era o resultado de uma obstinação formidável, de uma luta emocionante contra a des
ventura de incalculáveis vic.ssKudes e sacrifícios. Êle. realmente, inaugura uma nova éra na história da
humanidade. E um escolhido do Destino. Veneremos a sua memória e vejamos na sua façanha um novo
certificado da sciencia náutica lusitana, pois era ela que ia ao leme da Sanfa Maria, da Pinta e da
Niria. guiando os nautas sobre os abismos oceânicos e conduzindo-os à imortalidade
Acabou por se reconhecer que aquelas Antílias. aonde fora Colombo, faziam parle de um
novo continente A prioridade desse conhecimento é uma das maiores glórias da gente lusitana, herdada
por sua descendência na America. Apagada a denominação sobreposta e errónea de índias Ocidentais
reapareceu e sobreviveu a nomenclatura cartográfica, com que sempre as designaram os Portugueses*
a fni^/a ae Colombo. Pac.«lmll« de uma flravur> «m mm-
dcira de nn, da cdl^lo da Epiitoim Chriiloft Colon cul
eUt notU» mutto dabtt : d» $ntullt indlc taprm «tnçtm no-
P9r /avnllê.... dirisida a RaUal Sanctiai. Ictouralro da
ral O. Fernando, d* Caaiela, « traduilda para o latim
por Leandro da Cotco.
<IS3) Op. dl. pág. 106.
(154) NAvarrele. Coiec. Viages. etc. VoL III, Prob*nz*§ det Pt$e*l.
OJ
Introdução
Mas não só no arquipélago, onde Colombo desfraldou o estandarte de Castela e Aragão, ficou o nome
da AnMIia, afinado como uma reivindicarão. No extrêmo norte, o do Lavrador; no extrémo sul, o de Ma-
galhães—são marcos eternos que atestam a lide dos nautas lusitanos, antepassados dos Brasileiros,
pelos mares americanos. Enquanto èsses nomes perdurarem como sentinelas da glória de Portugal
nos dois hemisférios, e. peto grandioso espaço de seis mil e seiscentos quilómetros de litorais do Novo
Mundo, um gigantesco império de nome português mantiver entre os povos da terra, como sua língua,
o mesmo idioma em que rezou Nun'Alvares e escreveu LuEs de Camões, será impossível excluir os desco-
brimentos da América do ciclo épico das navegações portuguesas, em que se integra o próprio Colombo,
discípulo daquela escola náutica de onde saíram os reveladores das regiões incógnitas da terra ()55X
ATADA de 14 de ]ulho de 1493, (quatro meses e oito dias depois da chegada de Colombo
a Lisboa, de regresso da expedirão que partira de Paios a 3 de Agosto do ano anterior,
e quando ainda nào havia disso sciència na Alemanha) a carta do dr. Jerónimo Míinz-
meister. de Nurembérgia. foi incorporada nas edições portuguesas do Tratado da Esphe-
ra (156), de Sacrobosco: volume de 40 páginas, ornadas de 32 toscas gravuras, que con-
stituía o livro, por assim dizer escolar, dos marinheiros portugueses, resumindo elementarmente a sciência
contemporânea da astronomia, segundo a concepção piolomaica. Da primeira tradução portuguesa do
original latino de Sacrobosco são conhecidas duas edições (exemplares de Mogúncia e de Évora), tendo
o insigne matemático Pedro Nunes publicado uma terceira, aumentada com cinco capítulos, ou tratados,
em 1537 (Lisboa, Germão Galhardc, impressor). O confronto analítico das duas edições, a que procedeu
Joaquim Densaúde (157), revelou no exemplar de Évora evidente superioridade de conhecimentos e de
método expositivo sòbre o exemplar de Mogúncia, o que permite assinalar, como anterior à de Évora,
esta edição, que Hartig iá considera, «pelo aspecto e conteúdo>, uma reimpressão mal cuidada, denun-
ciadora de um trabalho urgente. Que o exemplar português do Tratado da £sphera da biblioteca bávara,
impresso em Lisboa por Herman de Campos, seia anterior a 1512. e que a data, fixada por Luciano
Cordeiro para o exemplar de Évora (1519-20) pareça incerta e possa ser antecipada com verosimilhança,
são circunstâncias que nada influem na significação histórica que assume a incorporação, nas duas edi-
ções do Tratado, da carta de Monetário (158).
£ Quais podiam ser os motivos que aconselharam a inclusão dèsse documento em um livro
oficial, destinado ao ensino rudimentar da astronomia, aplicada à navegação?
Na data provável em que a missiva do dr. Monetário foi incluída pela primeira vez no Tra-
tado da Eòphera, *tirada de lati cn liguajen por mestre aluaro da torre mestre em theologia da ordem
de sam domingos pregador do dicto senhor rej/», a prctenção colombina do descobrimento dos arquipé-
lagos asiáticos nào sofrera ainda uma solene e universal contestação. D. loão II morrera a 25 de Outu-
bro de 1495. O Tratado de Tordesilhas fòra assinado a 7 de Junho do ano anterior, instituindo o meri-
diano de demarcação, que abandonava definitivamente e baldadamente à Espanha o caminho da fndia
(155) Prinrl|>Jis trabalhos do histori.'tdor Henry Vlgnaud, dedicados à quesiSo da correspondência toscaneliana:
Lã lettrc et la cjrle ■ 7f, Paris. \90l ; sttr V.-ulhcnticití dc la letire de Toscanelli dc 25 Juin apresen-
tada ao Concjrcsso In do» AmcriCJnit: L-dida das rcsposlas a Q. UzíeIH, Hermann Wagner c L. Gallois. Paris,
1902; r- and loluiiiliuí.. Londres, 1902; iúnti. Carias a Sir tiements R, Maritham e a C. Raymond DeazUy. Londres,
1903; /(/. .1.1 de Sir Clcments R, Markham e resposta. Londres. 1903; L.i route de Indes cl les mdicãtions que Toscanelli
suratt Ijurriif}. ,( Colomb. carl.i ao dr. )ules Mces e dr. Soptius Ruge. Paris. 1903, Sophus Ruge el ses vues sur Cotomb, no
«Journal dc la Socieie des Américanistes», vol. III. n.* I; Hisloire Cnttque de la grande entrepnse de Cotomb, Paris. 1911.
(156) « Tractado da Sptiera do mundo íyrada de lalim em li/guoagem com ha caria que hun grande doulor aleiman
mandou ao rey de putlugalt dom Joham el seyudo*. (Incunábulo da Blbiioleca Real de Munich). 'impresso em ha cidade dt
Lixboa por hermão de Campos com graça e prwilegio* . . .
A úliima InscriçAo do incunábulo da Biblioteca Real de Mogúnda está incompleta por motivo da deteriorado no
papel do Irontiftplcio, e foi reconsiiluida pelo perito em incunábulos ibéricos. Conrad Haebler.
(157) rAstronomie Nautique au Portugal, ele Bem, 1912.
(153) No seu estudo sòbre As Tábuas náuticas portuguesas e o Almanaeh Perpetuam de Zacuto, publicado no
VoL IX do Boletim da Scounda Classe da ^cadcmia das Sdénctas de Lisboa, o dr. Luciano Pereira da Silva fixa o ano de
ISI7 como o da tmpresslo do Regimento de cvora.
CVl
Introdução
pelo Ocidente Prelendeu-se fazer acreditar que D. ]oâo II. nesse acôrdo. que é uma obra prima de
sagacidade, sufiaente para revelar a consumada sciência política do maior monarca de Portugal foi ven-
cido. Apreciada a solução com qualrocenlos e vinte e seis anos de intervalo, èsse iufzo erróneo tem um
aspecto de pálida veracidade. Mas não é com o critério actual do valor da América que pôde emitir-se
opinião sôbre um documento do fim do século XV. Em 1494, V/asco da Gama nào partira para a índia-
Cristóvão Colombo ainda proclamava urbi et orbi que as caravelas e os galeões espanhóis navegavam
nas aguas de Cypango e Cathay. nas proximidades das regiões dos aromáticos e das especiarias
U. ]oào II sabia, porém, que o caminho da índia, desde a viagem marítima de Bartolomeu Dias (1487.88)
e da viagem terrestre de Pero da Covilhã, estava achado pelo Oriente, e teria motivos para calcular que
entre a Espanha e o seu objectivo ambicioso se intercalavam a Ocidente terras extensas O fito econó*
mico e político dos descobrimentos era a índia, só a índia. Terras novas e imensas já Portugal desco-
brira e submetera ao seu domínio na África. Eram o Oriente das especiarias, a civilização e a riqueza
asiáticas, o manancial da fortuna veneziana, as terras opulentas aonde já Salomão mandara buscar as
pérolas e as sedas, que a Espanha e Portugal procuravam, em competição, atingir. D. João II abando-
nando a Espanha o falso caminho do Ocidente, reconquistara o monopólio da róta do Oriente Fôra uma
grande vitória diplomática. A carta do dr. Monetário, incluida no Tratado da Esphera. proclama que
Portugal desistiu consciente e voluntáriamente de ir à índia, navegando no hemisfério norte para o
poente, d Porque desistiu? £ Porque. Irés vezes, que se saiba, opôs objecções a um plano, apresentado
sucessivamente por Toscanelli (1474). por Colombo (1484), e por Monetário (1493)? Da primeira e segunda
vez. ainda se poderia, com o desconhecimento dos factos e indícios averiguados, explicar a recusa pelo
lemor de avançar demais pelo mar dentro -e já se mostrou o que vale e que crédito pôde merecer esta
mesquinha interpretação, que profana as memórias de uma legião de heróis e de sábios, t Mas como
explicar a terceira recusa, quando já Colombo regressára triunfante, das ilhas maravilhosas, onde encon-
trara... cambais, e que èle afiançava, convictamente, serem as ilhas anteriores e adjacentes à opulenta
Cypango. de Marco Polo?
Em 1474, no preciso momento em que D. João. ainda em vida do pai, idealista e cavalheiresco,
assume a administração colonial do reino, quando Toscanelli aconselha a róta do Ocidente para as
índias, nenhum obstáculo, nem mesmo a próxima guerra com Castela, embaraçava êsse empreendimento.
?Porque não é executado? As vantagens pareciam imensas: iquási metade do caminho! ieconomia
enorme de custo e de tempo! Colombo baseava-se sôbre a distância calculada em I.ISO léguas entre as
Canárias e Cypango. ou 1.350 léguas de Lisboa, ou 950 léguas dos Açôres(I59). lEra aos navegadores
que tinham percorrido os 2.833 quilómetros que separam o estuário do Tejo da ilha de S. Tiago de
Cabo Verde, que se atribuía o lemor de navegar em linha recta as 950 léguas que. no mapa de Tosca-
nelli. separavam os Açóres de Cathay! O argumento é de insólita ridicularia. principalmente quando nos
lembramos de que. em 1488. Bartolo-
BTíSfStidíracartaíaHiIou T^ifrcnímo^monfero Doiifoi
alcmí Dacioaoe Knoíúberd;flcm íZHoiwnbaQo ítreutlT»
woíftc^-Dó '^Q\?m\po fcgúDo oeportufjal.^bK \?o ocT
cobamíto co rrar Oceano *i pouln^i3 oo gram /Cam oe
^Tata? tfraoa oc lanm em lingoa3cmpo2 mertrí Siuaro
oa ca:rc;ine(lrc rni \\? olo^ia oa o«H3n oc fjm oo.Tingo*
p2egaoo2 00 oiro ^\poi iRce*:- •*
meu Dias atingiu o Cabo da Doa Es
perança (quatro anos antes da expedi
çâo de Colombo), a 7.896 quilómetros
de Lisboa.
Mas se não foi o temor do
Atlântico, c podia ter sido o receio de
Castela? A situação financeira e naval
da Espanha, em 1492. pôde aferir-se
por estes factos incontroversos: O te-
souro real estava vasio. Luis de Sant-
'Angel adianiára à Rainha 5.300 duca-
dos para o armamento da fróta de Co-
lombo. Martin Alonso Pínzon auxiliára
com a sua influência o equipamento da
expedição. A esquadra que ia. com a
© IhtnílTtmo címricíifllmo.Joliwne IRo' oe ^
tugal *i ooe algarues n oa mâuntartia manuma: %
Inoenroi p?ímef 20 oas pftwe foifunaoas iCono'
rifls oa maxx^ n ooe afoics. I^fcroninio mon*
tario oouroBaldDáffUf bumiloofmnte fcencoiTKnoa.|^.^
(U£c q^e cflc {omai ttcmSk 00 ro-cmlTtmo Jnfanuoõ^Zln
Kl
lULML.
(159) Admilindo, com a maioria dos malemálicos e geóqralos. aue as milhás do mana Totran.iii •«« a.
CVII
Introdução
tni tio que nuca pnDoeíhr a frabaH» nem oefpf frts poí *
oncobíira reoonooaoae ren-ae pra lua ínouííríaftieftc iri
outonos arcc 00 pouos inarinrroe oa Crtnopia t)o nur oc
wymxc areeho trópico oe iCapacomo cófuas m.rciiounaa
aílícofrio ©uiofiráoa Ocp.irapfoiJ)ifTk,7ira £ícrauoe'Zou
firas CoufaDXomt^oqunhnfíiTitx! s;in(wae pera rrlomio:
«tnoítmioaoe '2slc;ii.'2taii4)anrf»ipgram p:oucrto./£ nan
pe Wiuíoa qiiccnibzcuc foiípo os tv Kt^jíopin quafi befías em
wndpança bum^na aíicnaoosoo culro niuiiio oiCpTi pcrlaia
wnl?ama6Ui3roar a rdigianicflit^o
Ira.iConriDeranoo cílco couíie. iK^aníinIíanoimiicriíTvim
«ct oc ihomdnopqms conuioar cua magcrtaoe a bufc^r aia
ra ototfll oc catar "«ip naiípoíquí fflnflotclee confblTa mi
WnDoIíurofi-gunoooccdoftmuriDo-etarribéScncano^n
lo liurooon nJtut^ee t ^cm oc aliaco caroeal muf Irtraoo
■awflfoaDcr OUÍTO0 umproa varóre ifLÍurccícoscófiníím
aguo t>op;inopooooíiei«f Ip.ibifaiicbferacíKgaDoafajao
WDo ocaDcteahíauíl fam fmaco 00 defanlea quea muf roa
flqw ticftcsooua (ugawz tantíc aocímaoqueiifo;m£mnl9
gktm 00 oiiciiíf as pMpas oaa ilt^au oos açoicaSã
Ji»^ inf&iOoe:po:qafl'r t» oiga.-niup círtos argumêtoe.pol'
loíqceocmoarafíuoafcpiouaflqucllj ma.ir cm poucos oiaa
IMMcgarfc contra ^ataç^ojutal n nó k rroune aifh^ano
oofroíimi fpmcaa osqce Diffrãfoomcnr.-Ijíjaquarmparte
M ttira cOar Oílhibcrta ao maar:': a terra ftgúoo aa trco fiiae
p3KUQGÍ^^z%iSC»ã fobÍ3o iiMrpciquciiatuciifaeqiKpciten
ctfti a pabitaçam oa Ifcrra :ntír0 fc a Oe cren- a dpcnoicia
«píouaucfg crtojiaoquc ao Fm.iginaíóf9fíiTitnllicae.l^oi
que CCTfo íabcre quç muptoo oiiiojoaoos oflronomoe ; nc*
^romm- fllsiiúiit)abiiaça/n ocbafio Doeiropicoe í fciii*
tioc(O6.Ãla0guacecoiifiioíuacr>.irtefmm vâs ^fnlfas ptoa
«rperítDda. iHuni fí^ oiimoa que a tírra nani efla alamw
ra fob niflr.niars peílo coiiti\ir!o |?o maar eOa inwnerlb.
/E>amoq a rcooiiocja oibuular ocUa , abonoani também
bandeira de Espanha, fundear nos por-
to? de Cafhay orienlal, compunha-se de
Irès pequeno? navios, somando cento
e noventa toneladas, só um dos quais
com coberta inteira, e os outros dois
com coberta de proa e pôpa. A tripu-
lação dificilmente recrutada. compU'
nha-se de 120 homens. Colombo co-
mandava a 5.7/7A7 /í1<Tr;j ; Martin Alonso
Pinzon a Pinr,i, levando por piloto o
irmão. Francisco Martín; c. finalmente.
Vicente Vafiez Pinzon era o coman-
dante da M/í,7. Com propriedade se
lhe poderia chamar a expedição dos
Pinzon. Os riscos que èles corriam não
devem aquilatar-se de tnenores que os
de Colombo, e, embora tivessem con-
tribuído com a sua influência no equi-
pamento da fróta. do êxito da aven-
tura não podiam esperar nem honras
nem glórias. Estas todas iriam para o
genovês que ensaiava por conta alheia
e benefício próprio o pl.mo de Tosca-
nclli, considerado inviável pela nação,
onde èlo. Colombo, aprendèra experi-
mentalmente tudo o que sabia... Esta
Espanha, que assim modestamente se
estreiava nas longínquas descobertas, e
que s6 um século mais tarde reuniria
os cento e trinta navios da Invencível
Armada, não podia Infundir temor ao
grande político sôbre cuja cabeça ge-
nial assentava a coroa portuguesa. Êle
sempre moslrára. com energia terrível,
e até sanguinária, que sabia querer,
impor e mandar. Na hora em que Co-
lombo, «recebido triunfalmente cm ^zi-
linca tomaram parle H""^hr>M., Peschcl. Rug.. Uzlelli, D Avezuc. Hermann Wagner e H.nry Vignaud.
Daco eomoreo .dulô hÍ^;?/ . f • h^. ' ^ ''J"".'"" ° P"'''^-''^ ài: atingir o oriente pelo ocidente, abrangia o es-
KE com ,odt Ji^Ã nJ^^^ ° da Luropa c da Afnca. ^da Irlanda à Ouinéí até às Imibrias oncnta.í da
26 Moa^õ. cíí. um S*^ao II, n.,?*^ """/ "** «,P*íO intcrrncdlario. A díMincia de Lisboa a Quinsay achava-se div.dida em
26 espaços «d^ "7,''*'" *^f^2M milhas, ./a q,j.il audJd es. en /a proi^mcrj de fiUngo. vecina de la audad dei CUayo . . .
f»con.lit>,irl^TT<."Xi'',r..íl?r^"l\~'^«'l!"'"^ ^ ° ""^P* "^^ nieridiano» paraletos entre si ou convergentes. Na
pecon.l,t>ur.lc> .1, I eschel. •«'uaim.-nte condciada. a pro,ecçio adoptada é Irape/iforme.com meridianos convergentes D-Avezac
L'!' ' L«^Í^LV.''1''';°Í™'''''' "«"'"''o "^t^^- ToscanUI.. na Raccolta Colomb,,na, e H.rmann Wagner.
o,„ Tnf.?r « '"í"^" *■'"> Pfoiccçâo plana graduada, com meridianos e
i , a „ , I?„?"^ .c ..?«°« ''T*""**' '^^"So la d,cha caria amucsiran la d.sUnciA
S«o ■Tos^^nolli .ue ik/V^V ÍJ^r/.íí^^íVí.íX'; , 1 ' ~ " " ^ ^ <>
terçar» n,r/i'rf^'"l*,''^f/J!..?'"i"^); como l.cou d.io. ^.paços de 240 milhas cada um, equivalentes a ^quasi la
óíobo LZlXr !r"i'r«^ c.mro.írsia. Qd...se erradamenlo deduzir que o mapa iotal do
SiSad X IMO " -"''f»"- com os quais nào poderia obter-se
um. d , dos ^^l^<^^^^^^fl"^J^^j'^ do globo ;., , , ui n\o úiz que os 26 espaços sSo. exaclamenie, a terça
Jlmo . 1; nVn \li\^JJri / t ' /' ^'^"^"^ ^'í'""^' " ^^Sncr. que Toscanelli dividia o circulo iX
íi ' ^* espaços de 5" cada um. que perfazem os 360 araus A este rt* suliida ch.-oa opia Aniii*/. rfi
carta a t ctaao Kun.. pois o cilculo da dislAn.ia enlre os do,s continentes íu unfcrmentc 1 30 gr^uf Beha^m oS re-
5rre'r '■'"'■ÍSm^rilíi^^rr- ^'^"'«■„f «"VSCh. em .b07.Vurorp'oblemafse Jrigin^^
firau de to , u espaço <f de 2W> milhas, diz a cana. de onde se condui que o grau é de M milhas em um paralelo ao
CVIII
Introdução
e a alguns índios escravisados, a Espa-
nha eslava empenhada numa grande luta
com a França, por um grave lillgio de
fronteiras. Em 1493, quando Behaim re-
gressa a Portugal, depois de uma ausên-
cia de três anos na Alemanha, portador
da carta do Dr. Monetário a D. loSo II.
•tÇQoabaftáçaô^rriíílCjae.CfanJlprttârtnbcWPettlUFrfl- cetona. (leo). com veemente orgulho
U09O63c3airrnielhl0 0€fcíágdrn(Mrinm»Su«0CÍ ? mesquinhos da eKpedl-
©qiiania glozia alcançaraa íe fcjcras fyo oiiâue b^bmiá 'i^''"'"**'^ ^ algumas aves exóticas
fir coutxwoo eo teu onocntc: t amUm quanto pioucrto os
comerooe tcDaí^iiií^^e tiiarefaraa os U^s oo oxíenic m*
butanae:-; twym voes os íhete marauiíbaooefcfogigarl
mup Iditíiknuao kii fenI?o:io.5a tclouuom poí grancv fwm
cjpc oeíUonáos-z Sralicoe í qb íTUitanoaãpolomoBlci*'
JCom|?og^anOeouqijeOcÍ]f^5fcam-qucn datada de H de lulho. na qual o sábio
tloequcOdWprOOaiequcpaOcOatíUacftrtflafoçnouarncnU recomenda ao rei uma viagem para
lílb:OaagranOc3lt>aOe^rulanOQ;<ÍucC02rop02COHatr^^ oeste (seis anos depois da expedição de
ta9legU0ae.1iaquaIagran0irima WitaçamOcgvntCOODJlO Bartolomeu Dias e 19 após a carta idén-
lbll>oaODODUofillI;?OlOOque.í3èfl^eí?cfla<(píDÍ^aC*' ''^a de Paulo Toscanelli). Ôle trás impli
barc09leuitarteaiu cm íouuoJca conoDcoRoa ooirol^ercu * — — '
Ics^ztoerascambriTire te apíejpera erteíámntwpoi compa
nt)cv?oOcputaDOCH) noflòrep XH^anmiliiino i>oía\\?o2tm
tiat>o boomío fihgularnKnie pcra cfío a^^bar.? ouiroe mu^«
co8niarínl;>e^ro0 felxooiee cjuc noucgaram Ija largura 00
uar.tOínanoocamintvTweEHjàerooapxapcr íua inCHíftrta
per <|uac»am£ct>iliiio:o ^aarolabio ^ourroBlngait)oe on«
fst nmi fiio iion catim OBanotara.? maf o naucganama p;af8
Oíicival fob btía tcmpcmiifa rau^ tempcraoa Oo aan^z Domar
nwvto&infiiiooourgiinwuosfaniptllosquaeôluamarteílaoe .« ^ ^ , .
po|-facíbnu^i]i^arec^.caA re:tZeT"L:sr:Ts^icr'rs
■C.£ tu inefinoce ml íÇ tOOatoCOufeo com tua -nounna: Redonda, perdia a batalha de Toro Uma
mte a vtij)3 eraminaa. C po; lanto efcreucr tmviae couíae única causa explica e justifica a regeiçâo
Odtat^íratXlflçeOiraqucmCOTrcquenflmactJCgUfaoca- por Portugal do piano de Toscanelli-
haJwotOQOpOOerOÍOCOnferueancmíCUpropDrtiocacaba Colombo Monetário: o conhecimento ex-
ÍW>t)0 camml>0 00llfâr Ó (CU0CaiiaIIcr2O6 finascdcbSDOCÒ perimontal da sua inviablHdade. Para che-
imnOJlallOaOe.OaleOCÍnOiÚbergvl vilIaDcalta^lcmanbíia gar a êste resultado, para atingir esta
q|uat02$e oc jPuHpo.faUuia oenul 1 quatiocentoe'2 noucnra
^treaamioa.
citamente à Coroa portuguesa o convite,
o apoio e a aliança de Maximiliano, im-
perador do Sacro Impório Romano, pai
do futuro rei de Castela e Aragão, Fi-
lipe de Brabante, casado em 1496 com
]oana de Aragão, filha de Fernando e
Isabel, e de cujo casamento nasceria o
grande Carlos V, imperador da Alema-
nha e rei de Espanha.
Passára o tempo em que um
rei imprudente e idealista, último repre-
Carta do Dr. lerOnlmo MonoiArlo, (Mdnjtmalaiar) de NurambArdU. dirigida ao
ral D. ]o3o II [>ariu:i>l, daiadi dc II da )ulhe d« l«t>. a publicada no
TrUaOt da Cifffrvra (atcmplar da Évora).
convicção, era indispensável sondar o
Atlântico para o ocidente. Isto fizera-se.
Desde que, em 1474, o prín-
cipe D. loâo assume a administração co-
lonial, no mesmo ano em que Toscanelli
escreve a carta ao cónego da Sé de Lis-
boa, as navegações para o poente, do iniciativa particular, recomeçam.
Sem que precisemos dc proceder a novas indagações — que seriam apenas de interêsse aces-
N. do inSpico Câncer. Uzlclli. atribuindo ao gnu equatonal a medida de 67 2 milhas. (lund.ido em aponlamento» do próprio
3
Toscanelli) obtém j nprcsentaçjo do grau dc 50 milhas no paralelo de Lisboa. Enirelanto, a milha dc 67 2 ao grju kvú uma
3
medida esícndalim-fi " .nllna. nJo sendo crivei que com ela tompuíesse Toscineltl um mapa, deshnado aos m.irinheiro»
portugueses . . 0& os chegaram, porém, a um entendimcnlu Concordou-sc cm que as milhas deviam ser romanis, M
milhas por praii no "U •li* paralelo (latiludo em que era colocada Lisboa) produiem. assim. 74 000 mciios e no gr.iu equa-
torial de 67 2 milhas. 100,1^6 2 metros. Na realidade, o grau equatorial mede 111.277.5 metros c no qujdrjgòíiino paralelo
3 3
•5.357.7 metros. Chega-sc á condusJo de que. no paralelo de Lisboa, a circunfcríncia terrestre era. pelo cJIculo roscancllano
de 26.610 quilómclros. O .iríjumcnlo mais forle conlr.i ,i hipolese da milha florentina consiste em que cada grau corresponde-
ria a til 077 melros, ou stia um lotai dc 'íOa<>3J20 melros para a circunferência mixima da terra: 28S.220 metro» mais do quc
na r Ora, a concL-pi.5o loíicantliã- fotno a dc Monetário, reduzia e nio ampliava a cirxrunfcr^nda do globo; e tttt
teu, > >e obtini com .i :idopç.lo das i.iillias romanas
i\ vantagem do cimlnho por ocidenk* era domonslrada por éste modo:
Dc Lisboa a Quiitbav pelo poente . . . 130 graus (26 espaços)
De Lisboa a Quinsay pelo nascente. . 230 graus (46 cspacos)
(160) i Ú com fundado receio que os historiadores iioje repetem a Irase consagrada, pois que no Dnr.ino da mu-
nicipalidade de Barcelona, referente ao ano de H93, nem a mais breve referência se encontra i iccepclo de Colombo I
CIX
Introdução
tóno neste trabalho - encontramos reQnidos no volume comemorativo do quarto Centenário do desco-
brimento da Aménca. Alguns Documentos da Torre do Tombo, os vestígios sobreviventes, e íá aqui ci-
lados, dessas sondagens do Atlântico ocidental. Com a data de 28 de Janeiro de 1474 depara-se-nos a
pâgmas 38. a cana de D. Afonso V. fazendo doação a Fernão Teles das ilhas que achar pessoalmente
ou por seus homens e navios no mar oceano, para as povoar, ^nom sendo porem as taaes ylhas nas par-
tes da Oumee\ e declarando que o mesmo poderá haver as ilhas Foreiras. que adquiriu por contrato
com Diogo de Teive. o qual, iuntamente com seu pai. João de Teive. as descobrira havia pouco (Livro
das Ilhas. fl. 5 v.o). Logo a pág. 40. encontramos a carta de 10 de Novembro de 1475. ampliando a doa-
ção a Fernão Teles, 'governador e mordomo moor da princesa minha muyto amada e prezada filha de
quaesquer ylhas, que achar per ssy e per seus nauios ou homens, que a ysso mande ou que per 'elle
ãs uaão buscar, com lanfo que nom seiam em os mares de Guinea. segundo mays compridamente he
comtheudo em a dita carta. £ porque em a dita carta nom declara de ylhas despovoadas, e que o dito
temam Telles per ssy ou per outrem mande povoar, e poderia ser que. em elle as assy mandando bus-
car, seus navi^os ou fenfe achariam as Sete Cidades ou alguuas outras i^lhas poboadas que ao presente
nom som navegadas... eu declaro per esta mvnha carta... que me praaz que aja em ellas todo aquelle
senhorio e sopreolidade e poder em os moradores, e pêra eíles aquelles mesmos privillegios e liberda-
des, que per a dita carta pêra os moradores das outras {/lhas def/*. etc...
l Dever se há entrever nos termos da doação a lição de viagens anteriores ou a influência da
concepção loscancliana ? A experiência demonstrára serem desertas todas as ilhas até ali achadas no
nimo do ocidente. A generalização do facto experimental levára a considerar despovoadas as ilhas que
demorassem no mesmo rumo, perdidas no Atlântico. Mas a tése de Toscanelli faz admitir o descobri-
mento das Ilhas habitadas, a oeste: presumivelmente; as ferras da Groenlândia, que figuravam no mapa
catalão de 1375. às quais se refere a epístola de Monetário: <d grande Ilha da Grulanda. que corre por
costa ccc leguoas. na quall ha grandíssima habitaçam de gente>, e a misteriosa Aniília, onde a tradição
localizava, segundo se depreende da carta de Toscanelli. as lendárias Sete Cidades.
Esta carta de doação tem um valor histórico documental e interpretativo considerável Seria
pueni admitir que D. Aíonso V cercásse de tantos resguardos um assunto alheio à realidade e legislasse
sôbre ele com tanta minúcia.e absurdo supor que a um homem de tam alta estirpe, que o soberano confessa
•tem tectos a mym em os ditos meus regnos tantos e tão ass^^nados servyços^ se concedessem privilé-
gios em tenras que se presumisse não existirem ou aonde éle não diligenciasse mandar seus navios
O contrário, porém, se consigna nesta passagem da carta: 'por o dito Fernam Telles teer vontade de as
mandar buscar e descobrir, e cuydar que de serem achadas podiam vyr gramdes proveytos a meus
regnos*.
t positivo que se procuram na imensidade dos mares as terras e ilhas incógnitas e povoadas
do Ocidente — que haveriam de chamar-se. um dia, a América.
1' I
Ati
C t ... in
TO&tANCLLI
M 1480. num dos artigos do tratado, celebrado por D. Afonso V com Fernando e Isabel, em
Toledo, aos 6 de Março. Portugal cede as ilhas Canárias à Espanha, e obtém em troca
das ilhas sáfaras o reconhecimento da *posesion casi posesion en que estan en todos los
II fff^rras, rrescates de Ou/nea, con sus minas de oro. e quatesquier oh-as yslas. cos-
tas, tierras. descubiertas ã por descobrir, faltadas & por faltar, yslas de la Madera Puerto
Sancto, & Desierta. & todas las yslas de los Açores. V islãs de las Flores, e asy las islãs de Cabo Verde
e todas las islas que agora tiene descubiertas. e qualesquier otras islãs que se faltarem o conquirieren
de las yslas de Canária pera baxo contra Gujnea. porque todo lo que es faltado e se fallare conquerir
o descobierto finca a los dichos Rey e Príncipe de Portugal e sus reynos. tirando solamente las islas
de Canária, a saber, Lançarote. Palma. Fuerte Ventura, la Gomera. el Fierro, ia Graciosa, la Gran Caná-
ria, Tenerife...*
Êste inventário sucinto do nascente império colonial português, em grande parte composto de
ilhas espalhadas peta amplidão oceânica, como outras tantas esculcas. «postos de escala e de esperança»
conhrma a prioridade portuguesa no descobrimeuto e conquista das anárias. e descerra nos a visão
CX
Introdução
grandiosa do programa de D. }oáo 11. Os direitos sôbre as terras a descobrir sSo amplíssimos. Nâo
os negociaria Portugal em troca de outras concessões, outorgando o cerlo pelo incerto, se nâo corres-
pondesse a assinatura do tratado de Toledo ao período das grandes explorações do oceano. O herdeiro
do Irono mandava pesquisar o Atlànlico, de nascente a poente. O seu guante de (erro íá se fazia sentir
no govèrno do Estado. Nesse mesmo ano de 1480. um mès depois da assinatura do tratado Í6 d'Abril),
é expedida ordem aos capitães dos navios, enviados à Guiné, para capturarem os navios estrangeiros que
encontrassem fóra dos limites marcados nas estipulações da paz. e deitassem ao mar as tripulações
(Chanc. de D. Afonso V. liv. 32» fl. 63), sem mais processo.
Depois do discípulo do Rei Artur, é o discípulo de Machiauelo que vai reger os destinos da
nação. Rodeado pelos cavaleiros-cosmógrafos, formados na escola prática do Infante, no trono de Por-
tugal está um gigante. A carta do Dr. Monetário, de que é portador Martinho da Dohémia. e escrita quando
ainda na Alemanha se ignorava o regresso de Colombo, repete, depois de um arrebatado elogio ao so-
berano, o plano e os argumentos de Toscanelli (161)- Ao passo, porém, que a exortação de Paulo dei
P0020 Toscanelli pôde ser considerada apócrifa por um historiador da envergadura de Vignaud. a exor-
!ação de Hieronvmus Múnzer, de Nurembérgia (identificado por Schmelter desde 1848) está acima de to-
das as suspeitas. O Dr. Monetário visitou Portugal em 1494 e deixou uma descrição da viagem, em que
refere as audiências que D. ]oão II lhe concedeu em Évora, no decurso do mès de Novembro daquele
ano (162). A sua carta quási que se poJería dizer que autentica a anterior, mostrando que o plano tos-
caneliano era uma concepção verdadeiramente transcendental, fóra do alcance de um homem da elemen-
tar cultura de Colombo, e que constituía assunto privativo das cogitações dos sábios.
Miinzmeister é. em Nurembérgia. o equivalente de Toscanelli em Florença, e a sua missiva a
D. loão II. denunciando que a mesma ideia do flotcntino ocorrera à escola alemá de Regiomontano, pa-
rece uma réplica da carta a Fernão Roriz. Em 14 de lulho de 1493, o sábio alemão e Martinho da Dohé-
mia (que havia três anos estava na Alemanha) ignoravam a partida e o regresso de Colombo. O Dr. Mo-
netário propõe ao rei de Portugal o mesmo projecto de Toscanelli, recorrendo aos mesmos argumentos,
inspirados na leitura dos polígrafos medievais. Da comparação, iá feita por Harrisse (163), das razões
alegadas pelos sábios florentino e nurembergués ressalta, manifesta, uma identidade quási absoluta, que
permitiria a suspeita do conhecimento anterior da caria de Toscanelli por Martinho da Bohémia. — com-
panheiro de Diogo Cão na segunda viagem à Africa, armado cavaleiro de Cristo por D. João II, genro
do 1.0 capitão donatário das ilhas do Faial e Pico, autor do globo em que escrevera na legenda dos
Açòres: *pâra o poente está o mar chamado Oceano, onde também se nauega para mais longe do que
indica Ptolomeu* e que é o portador da epistola de Monetário! Ambos se fundam na doutrina das mes-
mas autoridades: Aristóteles. Séneca, e o Cardeal Pierre d"Aillv, — que repete os argumentos de Rogério
Bacon.
Como, porém, nenhumas relações iámais existiram entre o sábio Monetário e o cartógrafo Co-
lombo, não é possível- para os que atribuem ao descobridor das Antilhas a falsificação do documento
loscaneliano — atribuir-lhe qualquer sugestão próxima ou remota no convite, dirigido pelo sapiente ale-
mão a D. loâo II, em nome do imperador Maximíliano. O confronto das duas cartas, de Toscanelli e de
Monetário, demonstra, de modo insofismável, a identidade de opinião dos dois sábios, e a referência à
Groenlândia indica claramente que o conhecimento das terras ocidentais nâo constituía um mistério. Aos
Portugueses coubera, porventura, apurar que essas terras se prolongavam para o sul das regiões árticas,
como a éles coube, em I50I. antes de mais ninguém, relacionarem geográficamente aquelas regiões com
os territórios austrais, incluídos na esfera de posse portuguesa, criada pelo Tratado de Tordesilhas.
É, precisamente, depois de se travar conhecimento com a carta do Dr. Monetário, que melhor
pôde ajuizar-se da autenticidade da carta de Toscanelli e recapitular as circunstâncias em que ela foi
escrita. O cónego Fernão Roriz desempenhou )unto do sábio de Florença a mesma acção de intermediá-
rio que Maninho da Bohémia iunio do Dr. Monetário, com a única diferença de que. desta vez, )á nâo é
o rei que solicita a consulta. Essa solicitação, todavia, justificava-se plenamente em 1474.
•onn rrTTTTTvrrriTTinnrrv»
(161) C(. loaquim Dcnsaúde, CAstronomie Nautique au Portugal, págs. 162 a 195.
(162) Hunstmann hieronymus Múnzer, Bericht uber die Enideckung der Guines, mit emMtender Erklirung,
pelo Dr. F. Kunslmann. Abhandiung der Akademie der Wlssenscliallen, Múnchcn. Histonche aawe. Tomo 7 118SS). pigs. 2t9
a 362.
(163) Harrisse. Christoplie Colomb devant {'Histoire, a pág. 51.
CXI
Introdução
rmfK de Pkolo dei Pozzo Toscanelli espalhára se por tòda a Itália, onde Porlugal man-
tinha as mai8 esireilas relações politicas, comerciais e eclesiásticas. Na Atenas italiana o
(lisc pulo do famoso Drunelleschi. o fonstrulor do gnomon da catedral de Florença oue
corrigira os pontos solsticiais. as variações da eciiplica e as Tábuas Afonsinas, passava
recolhèn, .Ahr. ^'n ""^.'^ geógrafo do seu tempo, aquele que maior número de informações
V cõ s",ar Toscanelli^ Po' n '"'^"'"'^^ portugueses, i Porque mandára D. Afonso
a^^lu7ara?raídn. ' ^^''^^"^.f^'^^'^"*:^- ^^^ulo XV. era uma das sédes do comércio oriental, aonde
vlrdâs oioL^^t ^mpreend.menlos comerciais e financeiros dos Médicis. os mercadores que volta-
^Hn.t H PK^ «"'emporâneo de Toscanelli. comentador de Veroilio e
Í^i^ó de Van r'.^''"""'' ^''"iotecáno florentino interrogando os estrangeiros que habi"v m o
im O seu nroiecto loZe! ^7"'' ''"''"'^ """"'«^ Asia
uma concenc^o tnm ^ f '^''^"'^ ""^ """'"^^ '""^^ « especiarias é
Tear Sen.l T ' ''^ ' interpunham a oeste pôde ex-
£ as i r^^^^^ ^í"^ ^ 'Snorância de Colombo confun-
r^n.nL n?. , ! arqu.pélagos asiáticos, para que pudesse medir-se em tôda a grandesa
cu^nr nl J ' ^««'^^^'"•«^ ^"^'«8 motivos que tinham determinado D. loão II a re-
cusar os serviços do genovês... ic
associadas^ao ""conhJlli^^^^H" P°^'"9"^sas das terras entrevistas e doadas no Atlântico ocidental
romo Hcf ""f'"""^"'» P^oiecto de Toscanelli. que .mpeliram Colombo à expediç.io temerária.
carda do To7r. .ir"'p ""To "° «-«"í^^ '«^es da
S^íieirMonetàrió " """'^ ' ''''' ^ '""^^"'^^
..cc, H ° induziram a aconselhar o rei de Portugal éle os enumera na sua carta
atestado de honra, passado pela sciéncia do Renascimento alemão à sciència náutica portuguesa que di-
rigia as armadas lusitanas, ampliadoras do mundo, quando iam
*âbrindo aquelles mares
Que geração alguma n.lo abriu*
CARTA DO DR. MONETÁRIO (166)
.^0 sereníssimo e inuictissimo Jo/tanne rey de purtugai e dos aígarues e da mauritania ma-
rmma e muemtor primiro das jlhas fortunadas canárias da madeira e dos açores, hieronimo moUtario
doutor aiemâ muy umildosamcnte se encomenda, porque ate que este louuor reçebeste do serenissimo
míante dõ anrnque teu tio que nunca perdoaste a trabalho nem despesas pera descobrir a redondeza
das terras e pera tua mdustria fezeste tributários ate os pouos marítimos da ethiopia e o mar de gui-
neea alee ho trópico de caprícorno com suas mercadurias. asy como ouro: granas de para^^so, pimenta
escrauos e outras cousas com ho qual ingenho ganhaste pera ty louuor. immortalidade e gloria e tam'-
òen mu^ gram proueito. e nam he duuída que em breue tempo os de ethiopia quasi bestas em seme-
lhança humana alienados do culto dfuino, dispan per tua industria sua bestialidade e uenham a quar-
dar a religtam cathohca. Considerando estas cousas Maxlmilfano. Inultlsslmo rey de Romanos quis
conuldar tua magestade a buscar a terra orlentall de catay muy rica. porque Aristóteles confessa em
fim do huro sequndo de ceio e mundo, e também Séneca no quinto liuro dos naturaaes e pedro de
altaco cardeall muf letrado na sua jdade e outros muf muytos barões esclaresçidos confessam diguo
n D í^"? comenlárwrt das Ororgiras, dc Ver^dio. (IMO). Undi»o escreveu: .f^o autem mterfui ouum Flortn-
tiMi lUos Psulus phrsicvs diligenter quãt-que mttrrcgarft: -"<tr« immui quum riortn-
(16^) A pás do IV Cipílulo. n* ediçio de 1892. comfinorativa do a * Centenário do descobrimento da Amírita.
ar.nBcHç.lo*"*^ '^'^^^1» SíTSí/r.'^" "^^"'""''"'^ '^'^ sunro<Oo rt.. .^r- viaturas e a ortografia do exemplar de Évor..
f™«.« a ^ Dr^Mori-iArio Uu . . .^ras de tiistoriadores contemporúneos. O
WiràucH.Mol ». tomo if^ ' * " ' " P*9- Qn.«crl e Haíllfl. ílStor.sciJi
CXII
introdução
tio principio do oriente abitauel seer achegado asaz ao fim do occidente auitaueU: sam sinaes os ele-
fantes que ha muytos aqui nestes dous lugares, e também as canas que ha tormenta lança da praya
do oriente as prayas das jlhas dos açores. Sam também infinidos: porque asy ho diga: muy certos ar-
gumentos, pálios quaes demonstratiuos se proua aquelle maar em poucoí diai nauegarte contra catay
orlentatl. e nom te trouue alfragano e outros sem esperiença. os quaes diserom soomente hua quarta
parte da terra estar descuberta ao maar. e ha terra segudo as tres suas partes estar alagada sob ho
maar. porque nas cousas que pertençem a habitaçam da terra mais se a de creer a esperiença e as
prouaues estarias que as ymaginaçioôes fantásticas. Porque certo sabes que muitos autorizados astró-
nomos negarom ser alguma habitaçam debaixo dos trópicos e equinoçios. As quaes cousas tu achaste
serem uaSs e falsas por tua esperiencia. nam seja duuida que a terra nam esta alagada sob ho mar:
mais pello contrairá o maar estaa immerso. Et ainda a redondeza orbicular delia. Abondam também a
ty as abastanças e riquezas, e sam a ty marinheiros muy sábios os quaes a sy mesmo deseiam ganhar
immortalidade e gloria. O quanta gloria alcançaras, se fezeres o oriente habitauell seer conhesçido ao
teu ocçidente. e também quanto proueito os commercios te daram que mais farás as jlhas do oriente
tributarias, e muytas vezes os reys marauilhados se sogigaram muy teuemente ao teu senhorio. ]a te
louuam por grande príncipe os alemãos e jtalicos e os rutanos apolonios scithos, e os que moram de-
baixo da seca estreita do polo artico: con ho grande duque de moscauia. que nam ha muytos annos
que debaixo da sequiedade da dieta estreita foy nouamente sabida a grande Ilha de grulanda, que corre
por costa. ccc. leguoas. na quall ha grandíssima habitaçam de gente do dicto senhorio do dicto senhor
duque. Mais se esta espediçam acabares aleuantarteam em louuores como deus: ou outro Hercules, e
terás tam ben se te apraz pêra este caminho por companheiro deputado de nosso rey MaxImiHano ho
senhor martlnho boémio singularmente pera esto acabar: e outros muy muytos marinheiros sabe-
dores que nauegaram ha largura do maar tomando caminho das /lhas dos açores por sua industria
per quadrante chitindro e astrolábio e outros jngenhos: onde nem frio nem calma os anojara e mais
nauegaram a praya orientall sob huua temperança muy temperada do aar: e do maar. muytos jnfindos
argumentos sam pellos quaes tua magestade pode seer estimada. Mais que aproueita esporear a quem
corre. Et tu mesmo es tall : que todalas cousas com tua industria ate a unha examinas, e portanto es-
creuer muytas cousas desta cousa he jmpedir a quem corre: que nam achegue ao cabo. ho todo pode-
roso conserue aty em teu propósito e acabado o caminho do maar de teus caualieiros sejas celebrado
com immortalidade: vale. de numberga vila da alta alemanha a. 14. de julho: salutis de mill e quafro-
çentos e nouenta e tres annos.*
|eMONSTRADA a política de mislério. aplicada sistemáticamente pela Coroa portuguesa à
exploração das terras ocidentais, ter-se há transposto um dos maiores obstáculos ergui-
dos até hoje perante os historiadores, que os tém impedido de abranger o panorama
histórico do sucessivo e metódico reconhecimento do litoral americano pelas activas ar-
madas de Portugal.
Essa política de sigillo inclui a viagem de Duarte Pacheco Pereira, em 1498; outras misterio-
sas explorações na América centrai, de que há vestígios no mapa de Cantino (!67); a viagem de Pedro
Álvares Cabral, em 1500; a expedição do comando, atribuído a André Gonçalves, (168) Gonçalo Coelho
(169) ou D. Nuno Manuel (170). em 1501 ; a de Gonçalo Coelho, em 1503; a exploração das costas seten-
I Oli l ULik I 1 \S
(167) Porventura identificáveis com a referida no Esmeraldo.
(163) Gaspar Correa, nas Lfnii.is da India. a pig, 152 do Vol. I, depois de contar cOmo André Gonçalves foi de
Porlo Seguro mandado a Lisboa com a nova do dcscobrimenro. continua: « . . .tornou a El-Rey, e houve muyfo prazer e logo
armou navios em que tornou a mandar André Gonçalues a descobrir esta terra, porque mandou experimentar o pao t acha-
ram que fazia muy fina côr vermelha, com que logo fez contracto com mercadores que lhe comprarão o pao a peso, que
toram carregar este brasil, de que houve grande trato. . . »
(169) Lafileau. na Histoire des Conquêtes et Découverfes des Portugals. a pág, 134 do Vol. I: *Ayant apprts peu
de temps après la d&ouverte du Brésil. par le relour du vaisseau. que Cabral avail depeché, il fit un autre armemení de six
vaisseaux sous la conduite de Gonsalvo Coelho, pour alter en prendre une plus ample connaissance et une possession plus
assurée».
Embora sob a rubrica de 1501, Lafltcau. cuidentemcnle. confunde com a de 1503 a expedlçSo de ISOI.
(170) Vamhagen. na sua Historia Geral do Brasil, (3,« edtçào, revista por C. dc Abreu), a pág. 128 do VoL I:
A capitania da nova frolilha foi pelo rei D. Manuel, segundo as conjecturas mais admissiueís, confiada a um dos seus favo-
recidos, D. Nuno Manuel, ao depois guarda-mór e almolacé-mór da sua casa, irmSo do seu camareiro-mór D. João Manuel,
e ambos filhí?s de D. João, bispo da Guarda, e de Justa Rodrigues, ama que tòra do mesmo rei:
" CXIII
Introdução
trionais do Brasil, em cujos mares leriam navegado Joào Coelho e ]oâo de Lisboa (que deu o nome a
um dos rios ao N. do Maranhão); e a yiagem de 1514. a que se refere a narrativa do Zeitung aus Bre-
sUig Landt, no decurso da qual )oâo de Lisboa descobriu o esruário do Praia (17I).
A exposição que vimos desenvolvendo admite a veracidade da expedição referida por Duarte
Pacheco, no Esmeraldo de Situ Orbis, indispensável à compreensão do desvio intencional de Cabral,
conduzindo lógicamenie à fone presunção de um anterior conhecimento da existência das terras da Amé-
rica do Sul. que elucidaria as reivindicações de D. ]oào II e tôda a sua politica marítima. É êsse con-
junlo de acontecimentos que torna compreensível o enigma cartográfico do planisfério de Cantino: que
permite explicar a concepção da unidade continental da América, (por Humboldt atribuída a um prodígio
de adivinhação): e que nos coloca perante a hipótese surpreendente do conhecimento português pre-
colombino das terras americanas, permitindo-nos entrever, talvez, os sólidos motivos que levaram Por-
tugal a despresar os conselhos de Toscanelli e Monetário, a recusar os oferecimentos de Colombo e a
ruH M > perseverar com pertinácia na róta do Oriente, para alcançar as índias.
t ' Os mesmos motivos que aconselharam os historiadores prudentes a suspeitarem da viagem de
Duarte Pacheco (sem a qual esta página da história do mundo se apresenta ininteligível) impuseram-se
ao Visconde de Santarém para duvidar das 3.» e 4.» viagens de Vespúcio. A análise da tése de Sanla-
t rem. compendiada nas Recherches hisíoriques. critiques et bibliographiques sur Americ Wespuce et ses
liuio ifoyages. constitui o mais convincente dos argumentos em favor das hipóteses expostas nesla Introdução.
O conceito de Ampère: «// uaux rnieux présenter comme douteux des f^iits réels. que da-
voir affirmé des faits douteux» (172), se pôde evitar precipitações de julgamento, inquinou a crítica
histórica de um negativismo sistemático. Aplicando-o rigorosamente. Santarém, no caso de Vespúcio. como
Vignaud, no caso de Toscanelli, pretenderam mostrar- nos. como plausíveis falsidades, verdades apenas
obscurecidas.
Foi em 1826. que D. Martín Fernandez Navarrete, o compilador e comentador da Coíeccion de
los uiages y descubrimientos que hicieron por mar los EspaHoíes desde fines dei sigío XI/ (173). con-
sultou o Visconde de Santarém sÔbre as explorações que Vespúcio afirma haver empreendido por in-
cumbência de Portugal, concluindo Santarém por admitir a inveracidade dessas alegações, e indo assim
ao encontro dos interesses do historiador espanhol, que nâo podia deixar de reconhecer que as cartas
de Vespúcio transferiram para Portugal uma parte considerável das glórias marítimas da Espanha no
Novo Mundo.
Respondendo a Navarrete. Santarém começava por informá-lo de que nem nos documentos das
Chanceílarias originaes de D. Manuel (1495 a 1503 indusivé). nem nos 82.902 documentos do Corpo
chronohgico. nem nos 6.095 documentos reunidos no chamado Corpo das gavetas, nem ainda nos nu-
merosos maços de cartas de reis. principes e outras personagens, depositadas nos arquivos reais, en-
contrára menção ou vestígio de Américo Vespúcio. Com a sua proverbial probidade de investigador. San-
tarém nâo limitou à Tôrrc do Tombo a indagação, pois notificou a Navarrete que também na colecção
de Manuscritos da Biblioteca de Paris as investigações não tinham logrado encontrar rastro de Vespú-
cio. Por consequência, as pretensões do loquaz florentino deviam ser encaradas como suspeitas e ligar-se
pouca lé a tudo quanto èle narrára nas cartas a Pedro Soderini. traduzidas e publicadas só em I8I2
pela Academia Real das Sciéncias, na Cotlecçâo de Noticias para seruirem á historia o á geograptiia das
nações ultramarinas. A opinião de Santarém não foi abalada pela narração do «piloto anónimo.» onde
se testemunha que Pedro Alvares, regressando a Portugal, (onde chegou no mes de julho de 1501) en-
« j j * "C^oino 05 hcspanhoes n,Jo pretendum ter descoberto o rio da Prata antes de 1516. a attirmacão de Alvaro
Mendes de Vasconcel/os (sôbre ã prioridade porluguosâ do descobrimento) jpen.is impliciva que a armada de D. Nuno viria
anteriormente. Que veio em ISI4, demonstrou o recentemente l<- Cueblcr, por meio de uma copia manuscripla d.i gazeta
allemS. encontcida no arcliivo da família Fufjger». Capisirjro de Abreu, cm noI.i, a pág, I2S, da 3,^ edição da flfíton.! Geral
do Orjíí/ de Vjmijjgen A àa\à de IbH contcre com a Inlormaçâo de Gaspar Correa: .Partto-se (Fernão de M.igalhães) das
Canárias de Tananíe e fof demandar o Cabo Verde, d'onde atravessou i costa do fírasil. e for entrar em hum no ove se chama
Janeiro. . . E d aquy foráo navegando at,* chegarem ao cabo de Santa Mana. que Joèo de Lisboa descobrira no armo de
tjl4. . . . Lendas da lndi.t. Tomo II, pág. 628. E a esta mesma expediçio de ]oào de Lisboa que se rclcrc a passagem de
Herrera: "tret cerros que pareciam Islas, tas quales dixo el piloto Cirjvjflo (Vasco Saltego de Carvalho) qve eram el cabo
de Santa Mari.i. que lo sabia por nlacion de Juan de Lisboa, piloto português, qve avia estado en et" Década II Llv 9
Cap. 10. Todavia, desta viagem de Joio de Lisboa, descobridor do Rio da Praia, também nJo ficaram noticias nos arquivos,
t mâlt uma expediçio clandi-stma a somar ài anteriores; e enquanto alguns historiadores pretendem ler sido os espanhóis
que detcobnram o brasil setenlrtonal, prova-se que os portugueses alé descobriram os litorais da Argentina...
(!72) Ampère, Nistoire liltéraire de lã France. Tomo. 1. Intr.
(173) Que Humboldt considerou <uin dos monumentos históricos dos tempos modernos., a p4g. IS da Introdução
do cxamen Critique. • r » »
CXIV
Introdução
conirára na passagem por Cabo Verde uma esquadra de três navios, justamente aquela em que se
achava o homem predestinado a legar o nome ao novo continente.
Santarém não é fácil de convencer. A passagem em que se regista o encontro em Besene-
gue de Irês navios, mandados a reconhecer as terras de Santa Cruz. não a reputa, apesar da coincidên-
cia das datas, bastante decisiva, para dela concluir que Vespúcio navegava na esquadra. Todavia, a coin-
cidência é de tal ordem, que equivale a uma prova. <hegamos ao Cabo de Boa Esperança, dia de Pas.
coa de flores... abordamos na primeira terra junto com Cabo Verde, que se chama Besenegue aonde
acfiamos tres nauios que eí-rei de Portugal mandara para descobrir a terra noua, que nós tínhamos
achado quando htamos para Calicut...* t uma afirmação categórica, corroborada, pelo que respeita a
essa escala de Cabral, pelos depoimentos do rei D. Manuel na carta ao rei de Espanha, conhecida na
tradução italiana, publicada em Roma, no ano de 1505, por mestre ]oào de Dosicken ( *et arrivorno a
Bezebiche giunto con Capo Verte...*), de ]oào de Barros, de Damião de Góis e de Castanheda O
nome de Bezebiche. empregado por D. Manuel, em relação a um pôrto junto de Cabo Verde, é aplicado
à mesma localidade por Giovanni da Empoll. na carta ao pai. publicada no Archiuo Storico Italiano
(Append.. Tom. ÍII. 1846. de pág. 35 a pág. 84); *fummo... a uista dei Capo Verde, chiamato Bisighicci,
principio delf Etiópia inferiore. Al quale luogo giunsi molto malato di grandíssima febre e fui' di tal
sorte aggrauato delia mallatia ... e navigando alia terra di Santa Croce, chiamata Brasil, sanai dei
tutto...* Barros refere-se igualmente ao pório de Bezeguiche, no Liv. VI. cap. II da Asia. Imperturbável,
o historiador invoca Damião de Góis em auxílio da sua Incredulidade. 1 Pois é crível que o mais ins-
truído dos cronistas, contemporâneo dessas viagens, guarda-mór do aquivo rea! da Tòrre do Tombo
desde 1548. tam mal informado estivesse sòbre Vespúcio e se limitasse a referir o encontro de Cabral
em Cabo Verde com a nau de Diogo Dias, que se separara da esquadra no caminho da índia?
Geralmente aceites, hoje. as informações de Vespúcio como fidedignas, (descontando-lhes os
exageros da sua presunção pedaniesca) o argumento de Santarém perdeu totalmente o valor.
i E admissível que o guarda-mór da Tòrre do Tombo não conhecesse os livros c os papeis
de Américo Vespúcio, que éste assevera haver entregado ao rei. ao chegar a Lisboa? pregunta Santa-
rém. Não s6 e possível, como também essa ignorância abrange os relatórios de Cabral e dos capitães
da sua esquadra, a carta de Caminha, o relatório de Gonçalo Coelho e o manuscrito do Esmeraldo. Se
êsses documentos tivessem sido manuseados pelos cronistas, outra, muito diversa, haveria sido a narra-
tiva que em todos lèmos sóbre o descobrimento de Vera Cruz.
Santarém confirma-se nas suas dúvidas com a ausência de referências às viagens de Vespú-
cio, na correspondência diplomática de Ruy de Sande e Mendes de Vasconcelos. Essas referências não
podiam ali encontrar-se, tratando se de expedições cujo alcance a Coroa portuguesa tinha o maior inte-
resse em conservar desconhecidas à Espanha. Entretanto, é o próprio D. Manuel, na carta ao rei de
Castela, escrita em Março de 1505 (174), quem confirma a viagem de 1501. Quanto à segunda viagem, a
de 1503. Pedro de Mari<í refere-se-lhe no V Dialogo, embora não designando o ano. mas citando o facto
de haver D. Manuel mandado a Santa Cruz uma esquadra de seis velas, comandada por Gonçalo Coelho.
Damião de Góis é ainda mais peremptório, designando a data da partida dos seis navios: a 10 de ]u-
(174) A carta de D. Manuel, cujo original nho se encontrou .linda. loÍ vertida para italiano c ímpretsa cm Roma
peio lipògraio Joào de besiclien. em Outubro de IM)S. Dessa edlçJo apenas existem três exemplares; um na Marciana, de
Vene3a. ouiro descoberto por Vamliagem. na biblioteca Corsini. de Kiorcnça, e o terceiro na Colombm.i, de Sevilha. O biblió-
filo ingli^s tiurnell publicou de&ta cana uma versáo inglesa, cm edição limitada de exemplares, com o titulo: The if.ilian uer'
ston ot a Lelter Itum thv Kmy or Portugal (Dom Manuel/ to lhe King of Castilla (terdmand), ivnttcn in 1505, giving an
ãccouni of lhe voyjgfS and conquestes tn lhe t.ist índias- frotn 1500 lo IS05. A- D. — Repnnieà from lhe copy (pnnled
by J. BeStcken at home m ISOSj in lhe Marciana Lwrary at Ventce (one of the three new in existencfj tvilh Notes by A. C.
Burnell. Fh. O. Lomlon; í^nnied not for sale Dy Mns Wyman and Sons. 1881. Uma reprodução literal do protótipo romano
e a sua tradução em português foi publicada por l^rospero Peragallo no volume de Memorias da Commiss.}o l\>rluguesa do
Centenario do Descobrimenio da Amertca, edição da Academia das Scièncias de Lisboa, acompanhada de comenlário».
Seria arriscado pronunciarmo-nos sòbre a aulcnlicidade déste documento, publicado na iL^lia i-m vid.i de D. Ma-
nuel. tComo desapareceu dos arquivos de Espanha? tComo aparece Iradu/ido eni Roma, no ano de 1' '' r analogia
com a publicação em VcncíJ da relação da viagem de Cabral, deve-se atribuir ã organização 3dmir.ivel da i'm vene-
ziana na t^panha e em Portugal a aquisição do original ou da sua cópia? Hã anti-ccdenles que permitem esi ' vera-
cidade uos taclos narrados no documento não pode ser posta em duvida; ^mas é^ses fados loram agrupado epia-
loiar ou. realmente, consiavam, literalmenie trasladados de uma missiva de D. Manuel ao rei Católico? f:' uma quMiSo
em aberio.
Na sua obra. tantas vezes citada, Bra/il, Zeferino Candido dedica um capitulo ã prova de apocrltia de outra caria
de D. Manuel aoi» reis Católicos, datada de 29 de ]ulho de ISOl. e conhecida por uma versão espanhola, publicada por Navar-
rete, no Vol. 111. pãg. 94. n.^ XIII. da toleccion de los tiiagcs. Todavia, dez anos antes da publicação daquele trabalho, no Dollt-
imo delia Socim Oivaralica lidlian.t (Vol. Ill, pag. 271 e seg. da 3.« Sene) o professor Belgrano, de Qénova, publicava o lexto
original, português, da cana de D. Manuel, encontrado no Arquivo do Estado de Veneza, c que velo destruir a laboriosa argu-
mentação do erudito histonograto.
cxv
Introdução
nho de 1503. O relatório de Gonçalo Coelho, destinado a D. João III e incorporado no arquivo secreto
da Coroa, perdeu-se como os anteriores. Néle se encontrariam, possivelmente, acusações severas ao cos-
mógrafo florentino que teria motivado o regresso de Vespúcio a Espanha. Pela primeira vez, admitindo
(CQ nota) a presença de Vespúcio na segunda esquadra de Gonçalo Coelho. Santarém pregunta se o
facto de estar confiado o comando àquele capitão português não destrói as pretensões do florentino aos
descobrimentos que éle se atribui.
Ésie é o ponto de vista em que deve ser colocada a questão. Vespúcio, nas suas famosas
cartas, só dele fala, só louva os seus actos e a sua sciência — aliás medíocre, como foi fácil provar— só
se preocupa com a própria fama. As pretensões do ambicioso florentino teem pouco ou nenhum funda-
mento. O antigo empregado dos Médícis, o improvisado cosmógrafo não comandava as esquadras de
Portugal. Equiparar a situação de Vespúcio nas expedições portuguesas de 1501 e 1503, com a do por-
tuguês Fernão de Magalhães na esquadra espanhola, é totalmente impossível. Vespúcio viajava em um
posto secundário, sob as ordens imediatas do capitào-mór (175). Os Espanhóis viaiavam sob o comando
de um Português; e como se a Providência quisera assinalar essa posição de domínio, colocou Fernão
de Magalhães perante uma insubordinação dos capitães e das tripulações. E' conhecida a energia auto-
ritária com que éle dominou a insurreição, mandando apunhalar Luis de Mendoza, capitão da Victoria,
e depois esquartejar o seu cadáver, decapitar Gaspar de Quesada, capitão da Conception, e abandonar
nas praias inóspitas da Patagónia a D. Juan de Cartagena, vedor geral da armada, a quem, anterior-
mente, destituíra das honras do cargo.
Revendo e analisando os seus próprios argumentos, Santarém acaba por ínclínar-se para a
opinião de Munoz, aceitando a presença de Vespúcio nas duas expedições de 1501 e 1503, e atríbuindo-
Ihc o mesmo proceiimenio com os portugueses que já tivera com Hojeda, usurpando-lhes a glória dos
emprecndimenlos, depreciando lhes a competência e fazendo-se passar pelo protagonista do grandioso
drama marítimo de que foi. nos mares da América austral, apenas um dos actores.
A pretensão de Vespúcio não vai. porém, contra o que alegam os seus detractores, até ao ex-
Irémo de apresentar-se como comandante das armadas. Referindo se presumivelmente a Gonçalo Coelho,
embora sem nonieá-lo, chama-lhe o *nosso capitão-mór* e transporta de si para éle o epíteto de presun-
çoso. Vespúcio inclui-se no número dos capitães das náus. É possível, embora não provável que, na
expedição de 1503, lhe tenha sido confiado um comando, em prémio dos serviços prestados na expedi-
ção anterior, de 1501. Santarém verbera a injustiça com que Vespúcio ligou o nome ao Novo Mundo,
quando não passava de um subalterno nas esquadras que revelaram o continente e definitiuan-.ente dis-
siparam a fantasmagoria asiática de Colombo. Mas não foi Vespúcio quem impôs o nome à quarta parte
do mundo. Apenas com a publicidade das suas narrativas êle contribuiu para que a terra nova fosse bap-
tizada de América. Tudo isto sâo incidentes laterais da questão. A culpa, se culpa houve, deveremos
atribui-la à politica de segrèdo. implantada por D. ]oão II e continuada pelo seu sucessor, — pois en-
quanto as missivas de Américo Vespúcio emocionavam a Europa. ]oão de Barros nem sequer ciiava a
expedição de 1501 ao Brasil, limitando se a registar a de João da Nova à índia; e o mesmo silêncio
observava com a de 1503, consignando apenas, nesse ano, a armada comandada por Afonso de Albu-
querque, destinada ao Oriente. A confusão que Santarém estabelece entre a expedição de 1501 a Santa
Cruz e a armada da índia, do co-nando de João da Nova, a que se agregara a nau do armador floren-
tino Bartolomeu Marchioni, comandada por Fernando Vinet, é inadmissivel. Nada existe de comum entre
as duts. O facto de Osório, na sua pomposa De Rebus Emmanuelis Régis (Livro XII), omitir as duas
expedições, só demonstra o desconíiecimenlo. aliás tam provado, dos cronistas sobre quanto se refere às
explorações iniciais do litoral da América austral.
Cabe nesta altura uma referência à carta em que Giovanni Mattéo Crético. funcionário díplo-
(I7S) A leitura dos primeiros parágrafos da primeira carta de Vespúcio a Sodcrini deixa a persuasão de que era
éle o comandante da armadj *Je ISOl : "AprescntãnJo-me j El-Ket D. Manuel, n osttou elle grande praser com j minha cfie-
ggàa c to<ro't me fue fossi' CJ'ii ires naus su.is, que estavam a pique a descobrir terras lovas" porque a minha in-
' '?ar pa a o Sul pelo mar Atlântico, iiartimos deste porio de Elhiopia" ... Porem, logo depois de escrever, com
I" I. o episodio que afcslnala o primeiro coniaclo da armada com os indios aniropofagos, Vtspúcio escrvve:
'■i'esou-wi iá/ií muito, vendo com os nossos próprios olhos as crueldades, que comefião com o luorit'. parecendo a todos
tf ã injuria inio<e attel; e estando mais de quarenta dos nossos com o propósito iie sjitar em terra e de umgar tão crus
morte « arfo t<Ío b i'm/ e deshumano, o Cai>il.\o-mór não o qutz consentir .. ." Havia, pois, acima da píO=apia do florentino, um
comandante português, embora adiante Vespúcio declare que, tiavendo já bons dez mezes que navegavam. Itie foi conttado o
comando absoluto da esquadra.
CXVI
Introdução
má(ico de Veneza em Lisboa. (176) informa que a armada de 1500 descobriu «uma lerra firme que cos-
leára por mais de quinhentas léguas, sem lhe encontrar fim». Crético utilisa as informações exageradas
da viagem de regresso de Gaspar de Lemos, de Vera Cruz a Lisboa, cuios pormenores ignoramos, ou
revela, nessa sua carta, que a espionagem veneziana era também iludida, pois é êle mesmo quem cor-
rige, dias depois, a informação errónea, obtendo o descrilivo circunstânciado da viagem de Cabral co-
nhecido por «narração do pilôto anónimo» {177).
Esta exploração do litoral brasileiro poderia ter sido realisada. independentemente da esquadra
de Cabral, por um navio ou Hotilha que. partindo de Lisboa depois do regresso de Gaspar de Lemos
(e talvez sob o comando de André Gonçalves), tivesse voltado da Terra dos Papagaios pelo mesmo
tempo em que Cabral regressava da índia. O planisfério de Cantino, registando uma exploração diferente,
anterior ou simultânea à narrada por Vespúcio. abre caminho a esta hipóiese.
No ano de 1507, a concepção portuguesa do novo continente universaliza se com a publicação
do mapa de Waldseemuller. onde a terra nova aparece com o nome de América, acompanhando a pu-
blicação das cartas de Vespúcio na Cosmographi^ Introductio. insuper quatuor Ameríci Vespucii navi-
gationis, saída dos préios lorènos de S. Deodato.
Não vemos motivo de fundada queixa para Portugal em que llacomylo. Aplano (178), Va-
diano (179) e Camers (180) reivindiquem para Vespúcio. navegando numa esquadra portuguesa, sob o
comando de um português, a revelação do continente americano. A Europa ouvira insistentemente pro-
clamar que o arquipélago das Antilhas e a própria terra de Pária constituíam prolongamentos da Ásia.
São as expedições portuguesas que revelam ao mundo a ilusão colombina e é Américo Vespúcio o
arauto dessa grandiosa revelação.
Se Barleu (I8I) incorre no êrro de atribuir a Vespúcio o descobrimento da América do Sul,
atenua-o. reconhecendo que o realisou por ordem do rei de Portugal. Efectivamente, embarcando nas ar-
madas portuguesas de 1501 e 1503, o florentino foi um dos descobridores e o seu primeiro, embora fan-
tasioso cronista.
As dúvidas, estabelecidas sôbre a veracidade das quatro viagens de Vespúcio, só atingem a 1.",
remontando a Las Casas (182) e Herrera a acusação de terem sido falsificadas as datas das suas duas
primeiras viagens ao Novo Mundo, com o objectivo de se arrogar a glória do descobrimento da Amé-
>. í "Tirã^^oschi. Foscjtrinl. Humboldt, H.irriue e Varnhagen chamam-o de Lorenzo, todos seguindo a Tira-
òosctu. Segundo documentos, porém. d.i Universidade dv Pádua (onde M professor) e da Dibliofhecé Marciana, seu nome 4
Giovanni Matiéo. Jose Carlos Rodrigues. Catalogo da biblioteca Brasiliense, a pág. 438.
(177) Todavia. Capistrano dc Abreu admire que a frota de Cabral tenha seguido h visl.i do litoral do Brasil por
mutlos dias. ale cnconirar os vcnios lauorâvcis á manobra de nvcrsao para a montagem do Cabo da Boa Esperança cirando
a caria de Domênico Pi3.im. escrita de Lisboa em 27 de Julho de IWl e Inserta na Raccolta Colombiana, parle 3.«, I pig.
43 45. c na qual se tunda o historiador para escrever, a pág 51 do seu opúsculo, O Descobrimento do Brasil- "A 2 de Maio
Pedr'alvares Cãbr.il U-v.uUou ancora c fci beirando a costa, espaço de duas mil milhas, isto é. quinhentas léguas, alem de
Porto Seguro, sem c/ivg.tr ,i mr-lhe tim..." Esia conlusSo ongma-be num equívoco. A carta de Domênico Pisani dl OiovannL
que lôra a Lisboa com Pascuáligo. oratore em Portucjal. "per rcndere piu decorosa fambasciata siraordinaria". reproduz a
carta de Cretico, puolicada por Montalboddo, nos Paesi novamente retrovali et Novo Mondo (liv. VI) e que se encontra no
Vol. V, M. S, da Crónica Delfina tl.i Bibuot^ca de Brescia. Na sua caria, dirigida ao doge Leonardo Loredan Domênico PlsariL
diz: "Sereniss me príncipes. Credo vosira serenit.i. per Ititere dei magnifico ambassador domino Pietro Pasqualigo, dottor,
hablia inteso quello fio per Capitolo di una leltera di missier Creticho dottor. che é apud regem Lusilanie, de 27 Julio in
Lisbona..." E nesta altura principia a transcriçàc da caria de Ciético. Tendo sido este mesmo Ciéllco o autor compilador ou
simples tradutor da "narraçio do pilòto anónimo", tontorme se verifica da carta de Angelo Trevisan di Bernardino, de 21 de
Agosto de ISOI, conclui-te que a nanacào corrige as inlormaçôes erróneas, transmitidas anteriormcnie por Crético a Pisani. A
etquadra de Cabral nâo navegou, pois, ao longo da costa do Brasil pelo espado de duas mil milhas, como pretende Capli-
trano. tundando-se na > pistola de Pisam.
(178) Cosmographicus Liber Petri Apiani Mathemalico studiose collectus, 1524. A pág. H. Aplano (Pedro Dle-
nlvitz) abre o IV cap.. discorrendo sobre a Amén a, chamada a quarta parte do mundo, que tomou o nome de Américo Vcí-
púcto. No globo, inserto a pág. 2, vé íc a Amínca lígcrada numa ilha com a legenda Ameri, e Apiano explica que assim é
considerada por estar cercada de agua por todos os lados.
(179) Carla de Vadlano (Joachim Watt) a Rodolphus Agrícola, de Viena, reprodusida por WInsor. da edição vie-
nense de 1515. a pig. 1S2 do II Vol, da Narrative and criticai history ot America. Vadiano lnscr« na sua tradução de Pom-
ponio Mela (1522) um mapa onde o novo conlinenie ausiral ostinla a legenda América Província.
(180) O Irade Camers fjo.innis Ctmertis Minori tani, Artium, et Sacnr Theologix Doetoris) foi o anotador da
edição vienense de 15 O da antiga colelànea histórica do gramático Solino. para a qual Aplano coníecionou o segundo mapa,
(o primeiro é o de W.ildseemúller — liacomvlo) em que o novo conlinenie aparece com o nome de América. O confronto diste
documento cartográfico e de todos os outros publicados nas suas primeiras décadas do século y.V\ com o planisfério portu-
gut)s de Cantino (1502), mostra que a tontc informativa portuguesa é comum a todos éles. Na cana de Apiano a América do
Sul. quási inteiramente descoberta e explorada pelos portugueses no litoral Atlântico, aparece multo mala conhecida do que a
parte setentrional do continente.
(181) Gasparis Barlael Reram per octennium in BrsslHa, efe. Amslerdam, 1647.
(Id2) Las Casas dedica os cap. 140 e 144 a 149 do Livro 1 da Historia de las índias, à crillca das prelens6e«
de Vespúdo.
CXVII
Introdução
rica. Alguns historiadores admitem que Vespúcio antecedeu nas suas narrativas a viagem verídica com
Hojeda de uma outra imaginária viagem, deslocando para ela parte dos factos relacionados com a de
1499. Isto, todavia, não afecta a autenticidade das viagens ulteriores, feitas por conta de Portugal.
Os longos debates eruditos, a que deu pretexto a pseudo reivindicação de Vespúcio, de haver
descoberto a terra firme americana antes de Colombo, tenderam a estabelecer a identificação da viagem
de 1497 com a de 1499, assentando-se
que Colombo avistou a terra firme em
1498. um ano antes de Hojeda, La Cosa
e Vespúcio (183).
Esta discussão erudita intciou-se.
desenvolveu-se, documentou-se e ultimou-
se na ignorância do manuscrito do Esme-
raldo de Situ Oibis, que parece assinalar
a prioridade portuguesa do conhecimento
do continente americano remontando à ex-
ploração clandestina de Duarte Pacheco
Pereira no ano de 1498,
l Mas era. ao menos, Vespúcio o
grande cosmógrafo que os seus panegi-
ristas exalçam e sobrepõem aos portu-
gueses ? Restaurada a crítica histórica em
bases scientificas, os matemáiicos-geógra-
fos, desde Navarrete a Luciano Pereira
da Silva, reduziram a modestas propor-
ções essa fama exorbitante. ]á o emi-
nente autor da Colecion de los viages, subme-
tendo a rigorosa análise a cosmografia
vespuciana, constatava muitos dos erros
de cálculo de que enfermam as suas nar-
rativas. Segundo a relação de Vespúcio
na 2.» viagem, a distância da terra, calcu-
lada pelo navegador, correspondia a 666
2/3 léguas marinhas c a direcção ao Su-
doeste: distância e direcção que coloca-
riam Vespúcio com os seus navios a 165
léguas para além do litoral do Brasil se-
tentrional, em pleno continente. A mesma
róta e a latitude de 5<> S. colocavam-no a
58 léguas para além da costa. Há erros
ainda mais consideráveis nos seus cálcu-
los de navegação na América meridional.
A róta. designada por Vespúcio ao Su-
doeste e à distância de 933 1/3 léguas marinhas, localizava os navios, como observa Navarrete, no conti-
nente, na latitude 19» 15' S.. e a 390 léguas do litoral. A inteligência de Vespúcio que se revela nas suas
extasiadas narrativas — embora inferiores às de Caminha e Pero Lopes e literariamente mediocres — nunca
pôde desembaraçar-se de uma ostensiva presunção charlatanesca como quando pretende fazer-se pas-
sar pelo mentor da esquadra e o único a bordo que sabia usar do astrolábio e do quadrante, a um
tempo em que todos os marítimos portugueses se serviam dos Regimentos para determinarem as latitu-
des pelo astrolábio e o quadrante; ou quando divaga sòbre os diâmetros e semi-diámetros das estrelas.
Essa vaidade pedantesca denuncia-se em todos os escritos, onde êle oculta os nomes dos
AM r RIC . V E SPUCCIUS
Rvtraio da Am*rlce V*ap(lcla, ■«gundo uma gravura anilga
(1S3) A d.itA dc I ' a expedição de Hojeda, foi prov.ida iurídicamente pelo depoimento ajuramentado
do próprio Hoteda c dc Andre < do*: -jous pilotos, .i qu.indo do famoso processo intentado contra D. Diogo Co-
lombo, o filho ponugu(s e suces^ -nbo. Vídc AjcimN-, Op. dt. Tomo III. Henry Vign.iud reuniu no seu
PMl» recente trabalha de Invcsiig.;^ \'r'.rvjr'\ publicado cm 1917 pelo editor Leroux, de Paris. lOílo' os
nuteriâis indltpens-lvels ao etiudo da perlou ^clareccndo. completando e ampliando a argun
aglomerada deadi Vamiusc" ' Uzielli, o ilti-i ' ' io conseguiu corrigir muitos dos erros em cii'
CXVIII
Introdução
chefes e companheiros, amesquinhando-os para se engrandecer, a ponto de proclamar-se o mais sábio
dos navegadores do mundo: <navigandi disciplina magis callebam q. omnes nauderi toíius orbis» Nem
mesmo Crisiovao Colombo lhe merece uma palavra de saudade e de elogio. A única vez que o menciona
relere-se-lhe nestes lermos sècos: *venimusque ad Antigliae insulam quam paucis nuper ab annis
Lítnstophorus Cotombus discoperuit* (Cf. em Navarrete, pág. 261).
E. contudo, essas narrativas de Vespúcio, onde há iá uma antecipação do Barão de Munchhau- consi oucn
sen, comam a Europa, despertavam o entusiasmo, infiuiam nas idéas e na política do tempo enquanto '''^^ "-^
que os Portugueses, submetidos à conveniência nacional de um mutismo, que parecia uma ah ' o das " '
suas mais legitimas glórias, guardando sobre o conhecimento das terras austrais o mesmo mk .i .o que
haviam sabido guardar sòbre as terras setentrionais - e ainda mais precavidos pelo exemplo de Colombo.
sequestravam do conhecimento universal, como tesouro avaramente escondido, a sua sciência da aeo-
grafia do planeta. ^
Ésse pertinaz silêncio é uma das mais extraordinárias provas de disciplina patriótica a que
se submeteu um povo e bastaria para documentar o carácter sui generis do Português. Iam avêsso à
ênfase dos seus ilustres visinhos peninsulares. Ésse silêncio, imposto pelas conveniências da Pátria,
erigido em sistema, não só subtraiu ao conhecimento da Europa e dos próprios cronistas os documentos
originais, acerca das explorações do mar do Ocidente, como permitiu que, ainda três séculos depois,
Slanisláo Canovai. no £/ogio d" Amerigo Vespucci. premiado pela Academia etrusca de Cortona. reivindi-
casse para o venturoso florentino a glória do descobrimento do Brasil, e que, ainda hoje, alguns raros
escritores iniquamente reclamem, como preito à verdade e à justiça, a transferência para os Espanhóis
dessa glória, destituindo dela os antepassados dos Brasileiros. Estes esquecem que o Brasil é, geográ-
ficamenle, uma realização portuguesa, que foram os Portugueses e os seus filhos Brasileiros que lhe
marcaram os limites pelo descobrimento e a conquista. As suas objecções são tam frágeis que. para
eliminá-las, haveria bastado que Portugal não tivesse reivindicado, conquistado e defendido à mão
armada contra os Franceses de Ravardière, os Holandeses de Ariansson e os Britânicos de Roger Norlh,
os lerrilórios a N. do cabo de S. Roque, deixando fóra das fronteiras do imenso império essas terras,
pagas com tanio sacrifício, lanto heroísmo e tanto sangue. Excluídas do território brasileiro essas regiões,
ter-se ia destruído o único pretexto, invocado pela pequena falange de historiadores que proclamam haver
sido o Brasil descoberto pelos Espanhóis — sem que um trabalho de investigação histórica anterior a
éste tenha rigorosa e minuciosamente examinado as pretensões falaciosas, atribuídas a Hojeda. Pinzon
e Lepe. que andam na história engalanados de indevidos louros, pelo que respeita às suas navegações
hipotéticas nas costas setentrionais do Brasil, anteriormente à escala de Cabral.
•f ^ I*
POLÍTICA portuguesa de segredo, justificada pela falta de recursos humanos, para defen-
der da rivalidade, cobiça e concorrência das outras nações um tam gigantesco domínio,
até hoje deixou o rastro na história confusa do descobrimento da América. O Elogio
de Canovai, professor de física-malemálica da Escola Pia, dedicado ao ministro de
Luís XVI na corte de Toscana, o mestre de campo de cavalaria )ean Louis de Duríort.
é, no género, um dos mais elucidativos documentos dessa errónea literatura histórica. Canovai escreveu
a sua dissertação em 1788. nas vésperas da Revolução Francesa, no século dos enciclopedistas, e —
quási unicamente fundado nas cartas de Vespúcio (184), na Storia delia Letteratura Italiana, de Tiraboschi.
numa tradução da Histoire philosophique et politique, de Reynal, na Histoire Générale des \/ot;ages e
nas narrativas de Cook. — concluí que Vespúcio e não Cabral descobriu o Brasil; que Vespúcio e não
Colombo descobriu a América (185). Aliás. Tiraboschi transmite a versão exacta: *Gli Scrittor Portoghesi
sostengono che il primo scoprítor dei Brasile fu il loro Pietro Alvarez de Cabral nel 1500... Che il
(184) Na edição italiana de I74S. Com um escrúpulo que a sua dissertação está longe de merecer. Canovai di,
num avucriimemo. a magra resenha bibliográfica das fontes em que fundou os seus absurdos erros.
(185) "In tal guisa Amerigo è veramente la Cornacchia delia lavalj. le penne delle quali si tece bello. gli ven-
Íron lolte ad una aigli uccelli o proprietar/ o piu forli. e Colombo che chiama sua la Tetra Ferma, e Cabral che suo pretená»
I Brasile. lo lasciano atfalto ígnudo". Elogio d" Amerigo Vespucci, do P. Stanlsláo Canovai. Florença. 1788- PJg. 68, Questiona
VII: Se la scoperla dei Urasile sia devula ad Amerigo.
CXIX
Ame*
tico
o nA 1^1 suo DO
rOHTl
Introdução
Vespucci nauigasse air America Meridionale per eommissione dei Re di Portogallo, é certo . . . ma ch'ei
COSMOGRAPHIAB ~
Capadodam/PaunpJuLam/ Lidjã/ CúidV Ann«#
nias maíorem & miuortm. Colchídcn/Hircaniam
Hiberíam/Albaníamr&praecerea multas quas Gra
gíllaum cnumerare longa mora eíTeC. Ica didla ab d
US nomínis rcgina.
Nunc vcTO & hcç partes funt ladus luflratar/ bC
alia quarta pars per AmcricQ Vefputiumc vt in fc#
quaitibus audictur)inucnta eft:quã non vídeo cur
quis iurevctctab Américo inuentore fagacis ingc
ni) viro Amcrigcn quafí Amerící terram/fiue Ame
rícam diccndam:cum ÔC Europa &C Afia a mulieri*
bus Tua fortica fint nomina.Eius fitú & gentis mo*
reb ex bis binis Amerící nauigationibus quj fequii
cur liquide inrcllígi datur,
Hunc in modum terra iam quadripartíta cogno
fcicun Sc funt tres prímx partes cõanentes: quartt
cft infula: cum omni quâ(^ marí circúdata cõfpicia
tur. Et lícet maré vnú fitqucadmodum & ipfateU
lus:multís tamen finibus diftin(fhim/ & innumerís
rcpletum infulis varia fibi noia aíTunfiitrqua» in Cof
f ríícía» mographiç tabulis confpiciuntur: & Pnfcianus in
tralatione Dionifij talibus cnumerat verfibus»
Circuit Oceani gurgcs tamen vndicp vaftus
Qui ^uis vnus fit/plurima nomína fumit,
Ftnibus Hcfperris Athiantícus íllevocatur
AtBoreçqua gcns furit Armiafpa fubarmis
Dicií illc piga necnon Saiur. ide mortuus cíl alij$;
veramente fosse il primo
a scoprire il Brasiíe. non
parmi che possa con cer-
tezza affermarsi* ... Invo-
cando Empoli, Pedro Már-
tir e Orlétio (186), Canovai
consegue provar, apenas,
que Vespúcio viajou nas
esquadrasportuguesas que
exploraram cm 1501 e 1503
grande parte da costa
oriental da América meri-
dional (187). As mesmas
razões que teria Vespúcio
para apresentar se como
descobridor das terras
avistadas e exploradas pe-
las frotas portuguesas (que
éle não comandava) teria
mestre João, o fisico e astró-
nomo da expedição de Ca-
bral, para usurpar ao almi-
rante a honra histórica do
desembarque em Vera Cruz.
Vivendo na hora
maravilhosa dos descobri-
mentos dos mundos no-
vos, contemporâneo de
Bartolomeu Dias, de Co-
lombo, de Vasco da Gama
e de Cabral, a ambição
não consentia a Vespúcio
que se satisfizesse com um
lugar subalterno na plêia-
da imortal dos navegado-
res. Quis demais. Obteve
ainda mais do que pudéra
ter querido no paroxismo
da ambição.
Martinho Waltze-
multer (ou U/aldseemiilter),
Página da Coimographltc Mnilucllo da IIbcori ylo. Impr«<»a am imt. em que pala primeira vai que helenísára 0 nOme,
é propoato o noma de AmCrUa para o novo mundo. Foiogralada do «Kcmplar da Blblloi«c« enmn pra Hp háhifn PnlrP
N.ctonal do Rio da Janalro. aquialclo do Sr. Dr. ]oȎ Carloa Rodriguaa. ^"'"^ naOIIO enire
OS scíentislas da Renas-
cença, em llacomytus, e a quem Humboldt chama «homem obscuro» com altivo desdém, publicára em
(106) "Ohl dov- ò ora Giovanni da Empoli. 11 contemporâneo dei Vespucd. che awisa I Portogtiesl suol prlncipall
dl ctseni trovato tanto avanli per mexio la terra dcHã vera Croce Ofver dei Bresil cosi nominala, altre volte discoperta per
Amerigo Vespucd: dov" è Pleito Marlire, to Scrittore a eui. secondo II Sig. Tiraboschi, non si puó dare eccezione. e da cui
iappiamo che Amerigho fu il primo ctie per ordine dei Re di Portogallo navigò tanto verso mezzoefi che passato I Equino-
tiaie gradi 55 discoperse terre infinite: qucsia Inlinità âl terre mcridionall è dívenula un punto malemalico. un nulla; e lo
Btesso Dratllc, si piccola cosa In contronio dciríntinito. aparifene a Cabrall . . . "Op. cit. pág. 69. ..."Abramo Oiielio, si rí-
nomalo por Ic sua Carla e per um dotio Tesoro Geográfico ove cosi si csprimc "hu/us (Continentis Occidenlalis). partem quae
versus Mendiem est detexit (Vespuccius). Ego âmbort/m (Columbi <fi Vespuccii) verae gloriac consultum rnalim, A hujus
parlem borealem Colvmbanum, australem aulcm Americam vocari". Se Orlelio nega ingluslamcntc a! Vespucd la scoperta
di Parla, aimcno fill concede quella dei Drasile: da un avero nemico si prende tutlo. "Op. Cit. pág. 71.
(187) Na ctliçâo romana do Ptolomeu de 1508, o monge Celesimo Marcos de Benevente assinala terem os portuguc-
•CS reconhecido o litoral da Am<írica do Sul até aos 37.o de lalitude Sul. Teriam, pois. ultrapassado o Rio da Prata por 2.o; e des-
cendo atí SO.o haveriam chegado á distãnda de 2 l/4.o do estreito dc Magalhães. — Humboldt, Enamen Critique, Tomo 2, pá^. 7.
CXX
Introdução
1507 uma Cosmogralia. editada pelo gimnásio de S. Deodato, apensa a um mapa mundo de parede, onde.
peta primeira vez. o novo continente é designado com o nome de América. A tradução latina das qua-
tro cartas de Vespúcio, pelo abade Basino de Sinecura, com a dedicatória a Renato. Rei de lerusalem
e Sicília e Duque da Lorena, serviu de pretexto a Ilacomylo para propôr. no seu medíocre tratado cos-
mográfico, o nome de Ameaça para o novo continente.
A grande iniustiça histórica consumou-se e nada podem contra ela os protestos dos historia-
dores. É um geógrafo alemão que nunca vira os mares e as regiões americanas, que não conhecia
Colombo, nem o Lavrador, nem Duarte Pacheco, nem Gaspar Côrte-Real, nem Cabral, nem Gaspar de
Lemos, nem Gonçalo Coelho, nem André Gonçalves, nem Hojeda. nem os Pinzon. nem Vespúcio. nem
João de Lisboa, — nenhum dos descobridores da América -que baptizava para todos os séculos o Mundo
Novo. ao qual os reveladores do continente sempre se haviam esquecido de dar um nome. As cartas
de Vespúcio tinham profundamente interessado os geógrafos, os polflicos, os historiadores, os comer-
ciantes europeus. Colombo persistia em colocar as Antilhas entre os arquipélagos asiáticos e desvalor!-
sava a proeza com os seus arroubos místicos. Os homens da Renascença já mal compreendiam aquela
sobrevivência do iluminismo medievaL Os Portugueses, por seu turno, calavam-se e pareciam só ter
interêsse em ocultar o que sabiam acerca dos mistérios da natureza, que haviam violado com sôbre-
humana audácia. Vespúcio. emancipado dos interesses que impunham um heróico silêncio aos Portugue-
ses, revelou à humanidade ocidental as maravilhas insuspeitas do Novo Mundo. •Gli alberi sono —
escreve è\e — di tanta belfeza e di tanta soat/ita che pensammo essere nel Paradiso Terrestre... Se nel
Mondo é alcun Paradiso Terrestre, senza dubbio dee esser nom molto lontano da questi luoghi . . .»{]8S).
Certamente, ête foi apenas o usofruluário das glórias alheias, mas ninguém poderá contestar
que tenha sido Vespúcio o revelador, embora não o descobridor, do Novo Mundo.
Ilacomylo, na Cosmographice introductio insuper quatuor Americi Vespudi navigationes, e logo
depois Apiano, Vadiano e Camers, propagaram por Strasburgo, Friburgo e Viena, com a glória imere-
cida do florentino, o nome da renascida Atlântida, que se mostrara aos homens, emergindo dos abismos
do oceano. O mapa de Apiano (1520). embora inscrevendo na parte meridional do continente o nome
de América, ainda atribui o descobrimento da terra ocidental a Colombo, mas )á em 1529, no Cosmogra-
phicus liber Petri Appiani studiose correctas per Oemman Phr^sium, editado em Antuérpia, se lé:
•Quarta pars mundi ab America [/espucio e/usdem inuentore nomen sortitur . . . »
*0s erros admitidos e consagrados no decurso dos séculos triumpham frequentemente da
sc/encra» — reconhece bantarem com melancolia. As consciências rectas nunca, porém, descrêem da justiça.
Ao historiador resta ainda uma esperança: <(7 a point de prescription contre la uerité, ou bien si Fon
s'est écarté du i/rai. il est toujours temps reuenir, puisque on peut découvrir avec te temps des fau-
tes, des érreurs et des faussetés qu'on n'aurait pas d'abord aperçues».
A sentença dos beneditinos serve de estímulo a quantos se dedicam à tarefa laboriosa e
ingrata de substituir mentiras consagradas por verdades ainda sem adopção. A presente obra é escrita
com a fé nessa doutrina e com a esperança de se deslocar uma das pedras do túmulo em que dorme,
amortalhada, a verdade.
A reconstituição que propomos da página truncada e ilógica do descobrimento do Brasil não
se apoia, apenas, em documentos, em fortes indícios e presunções, na integração de factos isolados no
quadro geral das navegações portuguesas do Atlântico, mas pôde ainda encontrar autoridade em inter-
pretações anteriores. Se o grande Humboldt não houvesse renunciado a encontrar uma explicação
racional para as revelações contidas na carta do embaixador veneziano Pascu^ligo, anterior às reivindi-
cações de Vespúcio. e não tivesse resolvido as dificuldades aparentes que esse documento apresentava
à interpretação de um historiador-geógrafo da sua excepcional grandeza, atribuindo a um prodígio feno-
menal de adivinhação o que não podia ser senão o resultado da sciência experimental portuguesa (190),
de há muito que a história do descobrimento das Américas setentrional e austral se nos apresentaria
sem as soluções de continuidade que a mutilam e sem os ilogismos que a obscurecem. Por mais de
uma vez. o génio de Humboldt entreviu o que supomos ser a verdade, e dela se afastou, porventura
receoso de avançar por um caminho que o conduziria à necessidade de reconstruir desde os alicerces
(ISd) 'fidea di ãver trovsfo tn Americn il Paradiso Terrestre fu comune a Colombo e ad Amerigo: ma laddove
il Colombo ne parló con un fanatismo tanto grossotano da muovere a compassione ed a riso. Amerigo toccó queslo pensiero
con una iobnela e con una delicatezza che fa onorc al suo buon senso*. Canovai. Op. dt. pág. 19.
(189) Entre os maiores propagadores da glória de Vespúcio nAo se pódc omirlr Monlalbodo. cuia colecçlo, impretu
em Veneu, no ano de 1507. lem o titulo Paesi nuovamente retroi/att, e Nuevo Mondo de Américo Vesputio Florentino intitolato.
(190) Enamen Critique, lom. IV. pifl. 263.
„ CXXI
Introdução
a obra monumental, fruto laborioso de tantas meditações, de longas pesquisas e de transcendentes
estudos (191).
No tomo 11, a pág. 5 c 6 do Examen critique de rfiistoire de la géograpbie du Nouueau
Continent, encontra-se a passagem, que perfeitamente se integra nestas considerações criticas: «7'*' troutfé
dans la belle édition de ta géograpbie de Ptolémâe. faite á Rome en I50S. findice des navigations por-
tugaises te tong des côtes orientates de ÍAmérique du sud. qui avaient été poussées jusquà SO^ de
latitude australe. II c est dit en mème temps que fon n'a pas encore atteint fextrémité du continent.
Cetie édition. imprimée par Evangelista Tossinus, et rédigée par Mare de Bénévent et Jean Cotta de
Wrone, renferme une mappe-monde de Ruysch (Nova et universalior orbis cognitltabula, à Johanne
Ruysch, Germano, etaborala). dans laquelle ÍAmérique méridionale est représentée comme une Ue d'une
étendue immense. sous te nom de Terra Sanctoe Crucis, sive Mundus Novus. On ^ voit le cap Sancloe-
Cnicis; c'est la position du cap Saint-Augustin. et la côte qui s'ensuit au sud. On (/ remarque la note
suiuante: Nautce lusitani partem hanc terrce huius observarunt et usque ad elevalionem poli antarciici
50 graduum pervenerunt. nondum tamen ad ejus finem austrinum.
*Cette même édition romaine de 1508 offre une dissertation qui porte le titre: Nova orbis
descriptio, ac nova Oceani navígatio qua Lisbona ad Indicum pervenilur pelagus; à Marco Beneventano
monacho Coelestino edita. Le chapitre XIV porte: Terra SanctcE Crucis decresci! usque ad lalitudinem
37° aust. quamque ad Archiploi usque ad 50« auslr. navigarint, ut ferunt; quam reliquam portionem des-
criptam non reperí. etc»
Humboldl conclui que os descobrimentos de Cabral e Gaspar de Lemos (de a I7o de
latitude austral) haviam por tal maneira impressionado a côrte de Lisboa, que se pensou logo em repetir
na América a façanha do périplo africano. «// me parait par conséquent assez probable — obsQtvi Hum-
boldl — fluV/ f ait eu. de 1500 à 1508, une suite de teníatiues portugaises au sud de Porto Seguro,
dans la Terra Sane Ice -Cru eis. et que de vagues notions de ces tentatives aient servi de base à une
multitude de cartes marines que fon fabriquait dans les ports les plus fréquentés:
Santarém, comentando êste parecer, que enfeixa os dados principais do problema dos desco-
brimentos portugueses da América austral, organizou uma relação dessas expedições iniciais e notou a
circunstância dos editores do Ptolomeu de 1508. (que estavam informados provavelmente da verdade e
conheciam com exactidão os acontecimentos) guardarem *um profundo silencio sobre as pretendidas
viagens e descobrimentos de Vespucio».
A relação organizada por Santarém é a seguinte:
750/ — Expedição comandada por Gonçalo Coelho (192), (Galvão, autor contemporâneo, regista que esta
armada avistou terra na Lat. de 5© S. e a costeou até aos 32» de Lat. austral).
/5fl3_ Depois do regresso da anterior expedição, uma outra foi enviada de Portugal, composta de seis
navios, comandada por Cristóvão Jacques. que explorou e reconheceu a costa até ao cabo das
Virgens, à entrada do estreito de Magalhães.
1503 (10 de ]unho) — Segunda expedição de Gonçalo Coelho. (Damião de Góis dá notícia de que D. Ma-
nuel enviou êste capitão a reconhecer a Terra de Santa-Cruz. partindo de Lisboa a 10 de ]u-
nho com seis navios. Osório igualmente a menciona: *Classem Gundisalvo Coello, commisit qui
regionem à Caprale exploratam, quam Brasiliam vocant. perlustraret:)
(191) Humboldt ignorava o mapa de Cantino. 9ó posleriormcnlc descoberto, c o manuscrito do Esmeraldo.
A atribuição do comando de Gonçalo Coelho a armada do 1501 cncontra-sc (anieriormentc a Laliteau) no
Tratado Dfs.-'f"fr'i} do Braíil. debicado a Cristovio de Mour.i p publicado em 1825. cem o lilulo de Noticia do Brjsil. no
lomo 111 da de norinas pJira ã historia e gcogr-iphid nnas. ediçào da Academia Real das Scien-
das c cm > V. rnli ini Ti ilnhiiMi ^ Gabriel Soares de Si - '^ nho Bahia e vereador da Camar.i, Desta
obra »e serv nj, nos Diálogos de Vanj limonj ediçào). Frei Vicente do Salvador. Frei An-
tónio labo.T ^ do Cjsal. e depois Souiey e Ferdinand Denis. Existem em Porlugal diversas có-
pias manusi lioicca dc tvora. outras \tís na Diblioteci Municip.il do Pòrlo. mais irés na Dlblio-
leca da Aca> - i i urre do Tombo, e ainda outras na Dibtioieca Nacional de Lisboa (que para lá loram
removidas i' do Paço das Necessidades). Na ordem cronológica, o TrJisdo Descnptwo do Brjsd é a segunda obra
Que SC CScrvvcu ^-m lin.Mi,. p u-sa sòbrea terra brasileira (1587). A Mistona da Provinciã de S,inlj Cruz, de Pero dc Ma-
«ItUic* de Oandavo. cii).> a a D, Leonii Pereira é escrita por Luis de Camões, foi impressa em 1576.
Ml diversas cai^uii do Trjt.ido a de 1830. de Paris, no Pjtnota Brãsileiro; a de 1851. do Instituto Histórico
do Rio de ]aneiro; a de 1879 aipografM de loào Ignácío da Silva. Rio de Janeiro). _ r, < -
Aires do Casal Martin e Ft Denis, atribulam a aulona do Tratado, (composto de duas parles: Hoteiro ue-
ral. com 74 apitulos. c MemoriAl f .ir l. das grand<.-s.ts da Bahi.i de Todos os Santos, de sua íerrilidade e das nota-
ivis partes que tem. com 196 capítulos) a i lancisco da Cunha, Foi Vamhagen. na sua Memória - Reflexões Criticas acerca do
í?ol«ro- apresentada i Academia das Sdências de Lisboa (1839) e publicada no Tomo V. N o ii da Collecção de Notiaas.^ne.
lundado no Abbade de Sever. Bibholheca Lusitana. VoL 2.<» pãB- 321. reivindicou para Oabnel Soares dc Sousa a palcrmdade
do Roteiro.
CXXII
Introdução
o Mapa mundi ku', . u, u > i m*, cu|% •ptoducto sproen i.i nu < c > r .1 m j ,11. j . u^.- _.^i< - j 1 . ^.1 , >.< m 1 l m 1, ^ >ji 1 u ]> no Atlas, aa
mais r«ccnlce deicobertaa »it Iqucla éjiocí. Ab mulllpllce* Inacrlçfiaa laHnat, que preenchem virias ponroa deaia carta am pre-
lado ctfnica, iornam>a uma das mala Inlereiaante» da ápoca. A AnUII», corlada pelo meridiano lii>, eiil aubllnhada por uma la-
Senda que púde Icr-se com o aualllo da uma lupa. Na coala do Draall nlo ■« vt a deaignacle de PORTO SEQURO, maa, am com-
panaaclo, llsura-se o MONTE PASCOAL bem nllldamania.
Introdução
/50J — No mesmo ano. o grande capitão Afonso de Albuquerque, a caminho da índia, surge âncoras
num ponto do litoral de Santa Cruz. como pòrto de escala.
1505 — fK armada comandada por D. Francisco d'Almelda, saída do Tejo a 25 de Março, explora, a cami-
nho da índia, o litoral da Terra de Santa Cruz.
1506 ~ Tristão da Cunha, comandando uma armada de onze navios, que partiu de Lisboa a 6 de Março.
procede ao reconhecimento da costa dc Santa Cruz.
Sáo salientes as confusões introduzidas neste sumário cronológico das primeiras armadas
portuguesas que exploraram o litoral das novas terras austrais.
Quanto à 1.* (1501), o que sabemos consta de Gaspar Corrêa e das cartas de Vespúcio.
Vamhagen atribui o seu comando a D. Nuno Manuel, fundado na carta escrita de Medina dei Campo
a D. ]oâo III pelo embaixador de Portugal Alvaro Mendes de Vasconcelos, datada de 14 de Dezembro
de 1531. em que reivindica para os Portugueses a prioridade do descobrimento do Rio da Prata, reali-
zado por uma armada de O. Nuno. que. a mandado de O. Manuel, 'foi descobrir ao dito rio* (193). Há
uma corrente de opinião erudita, originada numa memória de Cândido Mendes de Almeida (194), no
sentido de atribuir a André Gonçalves o comando desta expedição.
A 2.» é problemática, embora haia motivos para acreditar que Cristóvão lacques andou pelo
Brasil durante o reinado de O. Manuel, chegando ao Rio da Prata, onde o mapa de Diogo Ribeiro, de
1529, assinala uma ilha com o seu nome (195). Varnhagen. fundando-se na caria de Pero Rondinelli,
escrita de Sevilha aos 3 de Outubro de 1502, e publicada na parte 3.». volume 2.°. pág. 121 da Raccolta
Colombiana, relativa ao arrendamento da exploração do pau brasil a uma sociedade de cristãos novos
(196), acredita que Fernão de Noronha fazia parte da expedição de 1503, tendo então descoberto a ilha
a que deu o nome de S. João, mais tarde substituído pelo do donatário.
Porém, a ilha de Fernão de Noronha, baptizada com o nome de Quaresma. \à aparece no mapa
de Cantino, em 1502.
A 3.* viagem citada por Santarém, do comando de Gonçalo Coelho, está definitivamente auten-
ticada. As 4.». 5.» e 6." não devem compreender -se na série propriamente dita de explorações da costa
brasileira. O Drasil servíu-lhes. apenas, de pòrto de escala.
O érro capital em que Santarém incorria avulta na ilação que pretende tirar desta enumeração
defeituosa de viagens portuguesas à América Austral, quando assevera que elas bastam para «demonstrar
a falsidade das narrações de Vespúcio». O historiador desorienta se na obscuridade que cérca éste ciclo
de expedições clandestinas e chega a discutir a presença de Vespúcio na esquadra de Cabral (absoluta-
mente fóra da questão), citando o testemunho de Napione no Ssame critico dei primo Viaggio dei Ves-
puci, invocando o silêncio de Castanheda, o de Galvão e o de ]osé Teixeira no De Portugalice ortu
regni. initiis . . .
A conclusão a que conduzem as pesquisas de Santarém, de não se encontrar menção de Ves-
púcio nos escritores portugueses do século XVI. nem nos arquivos de Portugal, é Iam verídica como é
indubitável que Vespúcio não descobriu a América central antes de Colombo e o Brasil antes dos Por-
tugueses. Isso não invalida, entretanto, o depoimento de Vespúcio. pois, realmente, êle participou em duas
das expedições a que se deve a constatação portuguesa da grande massa continental, intercalada entre
a Europa, a Africa e a Asia. Se o descobrimento dos grandes rios. que desaguam ao N. da equinocial,
leria iá permitido a Colombo, Hojeda e Pinzon a percepção do continente ocidental, a verdade é
que ela só aparece firmemente documentada, pelo que respeita ã América do Sul, no mapa português de
(iantino, elaborado em 1502. onde se registam os resultados das navegações do Lavrador, de Gaspar
Cõrle-Real, de Pedro Alvares Cabral, e de outras misteriosas explorações nos hemisférios setentrional
e austral.
(193) Cândido Mendes de Almeida, na Revitlé do lastilulo Histórico, Vol. XL, pÁg. 201 ; e Zeferino Cindido, na
tiu obra Brêzil. iratanm dcsenvolvidamenic da liipólcsc de Vemttagen. concernente a D. Nuno Manuel.
(194) A ' ybrt ú Historià Pslria, Itdas na se»sio do Instituto Histórico de 10 de Dezembro de 1875: Quem
Uvou M nottaa dj . ' / j do Drusil ?
(195) A k\t SC reterc um documento publicado por Medina, a págs. 37 a 42 de Los viâfes de Diego Gãrci* de Mo-
guer ãt rio de Ia PiAtã (Santiago do Chile. 1908). iá impresso antes no Vol. I do seu tuãn Dijs de Solis. Cf. Capistrano de
Abreu, nos Prolegomenos ao Uvro II da Hurcru do Brjsil. de l^rei Vicente do Salvador, a plg. 72,
(196) De que te ocupa o relatório do veneziano Leonardo de Cha de Masser. publicado no Volume das Memo-
n*s dá Comissão Portuguesa do Centenario do descottrimento da Amenca.
CXXIV
introdução
A incredulidade de Santarém tinha precedentes. As suas opiniões concordam com as de Aires
do Casal na Corographia Brasílica. Ésse movimento de suspeição contra Vespúcio é, porventura, origi-
nado na sua pedaniêsca preocupação de diminuir a competência náutica dos mais experientes navega-
dores do seu tempo, representando para a posteridade um papel de super homem.
Munòz, na Historia dei Nueuo Mundo, já reduzira às devidas proporções a sciência do floren-
tino, que o proíessor Luciano Pereira da Silva examinou com a competência de um scientista. 'Quando
Vespúcio perdia o sono da noite, procurando descobrir uma estrela polar do sul. havia já meio século
que de bordo das naus portuguesas se começara o estudo das constelações austrais» (197).
A vaidade ambiciosa de V^espúcio não diminui, contudo, a importância que assumiram as suas
cartas na história do descobrimento da América. A essas epístolas, dirigidas a Lourenço de Médicis e a
Soderini, a Europa do século XVI deveu o conhecimento das expedições de 1501 e 1503, que concedem
a Portugal a prioridade no descobrimento de grande parte do litoral leste da América do Sul e que
comprovam a dupla e genial tentativa, quási simultânea, de descobrir as passagens do Noroeste (Côrte
Real) e do Sudoeste (Gonçalo Coelho).
Las Casas já discutira as pretensões atribuídas a Vespúcio e lançára à margem do processo
histórico a sentença definitiva, restabelecendo a verdade nesta sintese perfeita: <0 almirante (Colombo)
foi o primeiro que descobriu a terra firme de Pária. Nojeda foi o primeiro que a viu depois do almi-
rante. Estava com èle Américo. O almirante partira de S. Lucar a 30 de Maio de 1498. e Hojeda e
Amrico no ano seguinte, 1499».
Na mesma sobriedade podem condensar-se as reivindicações do descobrimento da América
do Sul. oculto nas densas sombras de uma política de prudência.
Os litorais atlânticos da América austral foram reconhecidos por uma série de expedições por-
tuguesas, que se sucedem de 1498 (?) a I5I4. Em duas dessas armadas viajou Vespúcio. Essa circuns-
tância vaieu ao improvisado cosmógrafo florentino a glória indevida de vêr baptizada com o seu nome
a quarta parle do mundo. De qualquer modo. foi o nome de um dos tripulantes das armadas portuguesas
de 1501 e 1503, que sugeriu a Ilacomvio a designação de América para o novo continente.
Ml MO HA
A M 1 H U A
PMMIIbI^ obscuridades que dificultam a narrativa do descobrimento da América austral confirmam ^
r^^SH «umj única e constante preoccupação, melhodicamente adoptada, de occultar os proje- ',V,^, ^
■vÍHaW f^i^S^t^s e os progressos das construcções navaes, denunciada no decreto de 13 '
iií^&a3 de Novembro de 1504, que ordena o segredo da cartographia. A rivalidade das duas
nações (Portugal e tiespanha) explica demasiadamente as precauções e o silencio que
envolvem os esforços produzidos nas vésperas dos grandiosos acontecimentos que iam produzir-se. Com
justo motivo. Portugal mostrava-se zeloso dos seus successos maritimos. havendo-se tornado a Cosmo-
polis para onde convergiam todas as noticias dos descobrimentos e onde se encontravam os últimos
progressos na arte da navegação. Volvendo-se a fiespanha em temerosa concorrente, impunha-se com
maior força a necessidade dessas medidas de prudência. A raridade do Regimento (de cujas primeiras
edições só se conhecem os exemplares de Mogúncia e de Évora) constitue uma nova prova dos cuida-
dos empregados para conservar secretos os estudos de uma questão capital, que acabava de ser resol-
vida. O Regimento e o Tratado da Esphera. reunidos, constituíam uma obra de grande alcance, simul-
taneamente guia dos navegantes e vulgarisadora da astronomia náutica. Este livro, essencialmente
portuguez, era a cfiave do vasto programma colonial de D. João. Lido, relido, verificado e meditado,
conduziu á mais audaz das emprezas marítimas de todos os tempos: a viagem em torno do mundo,
por Fernão de Magalhães* (198).
Foi a esla política de mistério que D. ]oão II deveu o êxito nas negociações conclusas no
tratado de Tordesilhas. "Depois que a fiespanha, seduzida por Colombo, se apresenta em 1492 como
(197) AstTonomtJ dos Lusiatias. por Luciano Pcrelrj da Silva, a pág. 169.
(198) BenMúde. Op. dt. pás. 202.
CXXV
Introdução
concorrente no domínio das descobertas», essa sábia polffica aparecc-nos cada vez mais sislemálica.
O segrèdo sôbre os objectivos das expedições era tam cautelosamente mantido, que o próprio Dehaim,
portador da carta do dr Monetário para D. ]oào II. parece ignorar a convicção portuguesa, la inaba-
lável, da viabilidade de se atingir a índia asiática pelo oriente, patenteada na entrega a Vasco da Gama
das cartas reais para os príncipes hindús.
Em 1504, D. Manuel proibia que as cartas náuticas registassem indicações para a navegação
além das ilhas de S. Tomé e Príncipe. Um outro decreto do mesmo ano dilatava até ao rio Manicongo.
a 70 de Lat. S. a zona excluída da prolbiçáo anterior:
• ...que nenhuuns mestres de faxer as ditãs cartas as nam fezesem mais que ate as ditas ilhas; e
aquellas cartas que eram fectas de mais nattegaçam fossem todas levadas a Jor/e de Vasconcellos pera
tho tyrar. e ysto tudo sob as penas no dito nosso aluara comth\fudas; porem agora por este presente
nos praz. que homde as ditas cartas nam aviam de ser feitas salvo ate as ditas jlhas, se estenda mais
ãtee o rio de Manicomguo; e nas que são fectas fique a navegaçam ate o dito r{/o e de allff por diante
não pasem em mar nem per costa, sob as pennas em noso alvará comth{fudas . . . • (199).
É esta lei, como judiciosamente observa Densaúde. que explica a supressão de todas as lati-
tudes ao sul do equador no exemplar do Regimento, da biblioteca de Mogôncia. ]á Garção Stockler, há
um século, no Ensaio fiistorico, reconhecia que «o excessivo cuidado com que D. João II recatava dos
estrangeiros a noticia das derrotas e methodos de navegar, e com que procurava difficultar-lhes o
conhecimento dos paizes descobertos pelos seus navegadores, o determinou a proceder sobre tudo que
dizia respeito aos mesmos descobrimentos com tão misterioso segredo, que não será fácil, /á agora,
achar meios de os elucidar completamente...»
Não era só da Espanha que Portugal tinha a acautelar se. A emoção causada em Veneza pelo
ftxilo da viagem de Vasco da Gama inspirava uma contra-política de descrédito, em que se afirmava o
génio italiano. Até 1498, os produtos da índia chegavam à Europa por intermédio dos mercadores árabes
do Egipto, que os vendiam aos venezianos. Os pesados direitos aduaneiros a que eram submetidas as
mercadorias asiáticas nos portos da Arábia e do Egipto, as exacçôes dos sultões e dos seus agentes
encareciam considerávelmente os produtos da índia nos mercados do Cairo e de Alexandria. Os Portu-
gueses iam buscar directamente aos países produtores as especiarias, dispensando os intermediários, e,
por isso, em condições que tomavam impossível qualquer tentativa de concorrência. O quintal de pimenta,
que se vendia cm Calecut por 3 ducados, só se obtinha em Alexandria por 80. Lisboa lançou nos mer-
cados a pimenta por 40 ducados, c, tam grande era ainda a margem de lucro, que o preço desceu a 20
ducados na luta emocionante, que nenhum economista ainda descreveu, em que se empenharam na
aurora do século XV) as duas cidades rivais. Em 1503, a esquadra de Vasco da Gama trazia para Lisboa
36.000 quintais de pimenta, canela, gengibre e noz-moscada, sem contar as pedras preciosas, as pérolas
e as párias. Veneza, compreendendo imediatamente que eram 3 prosperidade e a própria existência do
seu comércio que estavam sob a ameaça de total destruição, lutou energicamente para disputar a Por-
tugal a supremacia do mercado asiático. Foram enviados a Lisboa emissários, encarregados de colhèr
informações, de vigiar a partida e a chegada das armadas, de desacreditar Portugal junto aos embaixa-
dores dos reis indianos. Ao mesmo tempo, a diplomacia veneziana não se mantinha inactiva no Egipto.
Em 1502, Benedetto Sanudo era enviado ao Cairo em missão secreta, para informar o sultão das desas-
trosas consequências financeiras com que Portugal ameaçava o Egipto, desviando o tráfico das especia-
rias. Essas habilissimas intrigas não tardaram a produzir os resultados desejados. O sultão ameaçou
destruir o templo de Jerusalém, o sepulcro de Cristo e o mosteiro do monte Sinay. se os Portugueses
não desistissem das suas emprêsas na índia. Era desconhecer a fibra dos homens que haviam dominado
os oceanos, supô-los capazes de se atemorisarem com as ameaças do Sultão do Egipto. Em resposta
ao desafio. D. Manuel mandou por vice-rei ao Oriente a D. Francisco de Almeida, com uma armada de
vinte e duas velas, e inaugurou a epopeia guerreira— e também da perdição! — em que foram heróis
máximos, de vera estatura romana, Duarte Pacheco. Afonso de Albuquerque e D. loâo de Castro.
As razões que ditavam essa mesma táctica de mistério, adoptada também por D. Manuel para
as explorações do Novo Mundo, iam provar-se justificadas, pois não tardaria que as cobiças francesa,
espanhola, inglesa e holandesa abatessem sõbre os imensos domínios portugueses da América austral,
obrigando a nação pigmeia a defendê-los com energia leonina, batalhando desde o Oyapoc ao Rio da
Prata, vertendo caudais de sangue para conservar intacto o património territorial dos futuros Brasileiros,
(199) Alsuns documentos do Arquivo Nacional da Tòrre do Tombo. pig. 139.
CXXVI
Introdução
pelejando com as quatro maiores potências marítimas do mundo, suas contendoras, desbaratando nessa
luta épica as sobrevivenles energias da idade da epopeia, exaurindo-se como o pelicano na pugna formi-
dável, afrontando, durante três séculos quási ininterruptos, as ciladas da guerra e da diplomacia, para
legar intacto o Brasil a seus filfios. fierdeiros e continuadores da sua glória.
E. desde U74, Portugal conhecia o plano Colombino, que fôra submetido por Toscanelli a
D. Afonso V; se o recusára Irés vezes sucessivas: em 1474, em 1484-85 e em 1493; se ,
Colombo se orientou por informações e conhecimentos obtidos em Portugal para ir às
Antilhas - c pôde deduzir-se dèste encadeamento de factos que em Portugal se conhecia
experimentalmenle ou admitia, hipotélicamenle, a existência de terras entre a Europa e a
Asia, no Ocidente, por analogia com o que acontecia a Oriente?
A atitude de D. loào II em relação a Colombo, as reivindicações que conduziram ao tratado
de Tordesilhas, a expedição clandestina de Duarte Pacheco, o desvio de Cabral e a sua escala em Vera
Cruz suportam esta conjectura.
Forçosamente, estes factos devem ter concorrido para a produção de um ou mais certificados
concludentes, que expliquem as concessões pre-colombinas de terras e ilhas situadas a poente, a repro-
vação do plano Toscanelli-Colombo-Monetário para alcançar a índia pelo Ocidente, as reclamações de
D. ]oâo 11 junio da còrte de Espanha, para alterar a demarcação da bula pontifícia de 4 de Maio de
1493, as expedições do Lavrador e dos Cortes- Reais para noroeste, e, finalmente, os reconhecimentos
das terras austrais e setentrionais, desde 1498 a 1514.
A concepção portuguesa do continente americano, mantida em sigilo por uma política de mis-
tério, que ameaçava com a pèna de morte (200) a saída para o estrangeiro de documentos cartográficos,
está documentalmente provada pela arguta espionagem italiana. Aos 17 de Outubro de 1501. o embai-
xador do duque de Ferrara escrevia a Hercules de Éste, dando-lhe conta de uma das duas caravelas de
CÔrte-Real. que voltara «rfun grandíssimo paese. at qual con grandíssima allegrexa se acostarno, et
correndo molfi et grande fiumi doici per quetia regione al mare, per uno de epsi, forsi una legha fra
terra intrarno: et in quella dismontati trouarno copia de suavissimi et diversi fructi, et albori et pini
de si smisurata alteza et grosseza, che serebbono troppo per arboro de la piu gran nave che vade in
mare».
Neste momento. Colombo continuava e continuaria imaginando que as Antilhas faziam parte
do continente asiático. Todavia, em Portugal, os navegadores, que vinham das terras do ocidente, não
incorriam no erro colombino: persistiam em não confundir as índias com as novas terras setentrionais
e austrais do poente. Referindo-se ao navio que ficára na Terra Nova, Cantino noticia que •lattro com-
pagno he deliberalo andar tanto per quella costa, che vole intender se quella è insula, o pur terra
ferma*.
Pietro Pascuálígo. escrevendo no dia seguinte, 18 de Outubro, ao Senado de Veneza, sôbre o
mesmo acontecimento - o regresso de «un<5 di doe carauelle, quale 1'anno passato la majestá dei ditto
re mandó a discopir terra verso le parte de tramontana, ~é muito mais explícito do que o embaixador
de Ferrara: *Credono quasti di la carauella. escreve o sagaz veneziano, la soprascritta terra esser terra
ferma, et conjungersi con altra terra, la qual Panno passato soto la tramontana fu discoperta da taltre
carauelle de questa majestá, licet non potesseno arit/ar a quella, per esser et mar agiazato con grandís-
sima quantifá di neve, in modo ch'è monti qual terra. Etiam credono conjungersi con te Andilie, che
furono discoperte per H reali di Spagna, et con la terra dei papagà, nouiter trovata per te naue di questo
re che andarono in Calícut. . . >
No dia seguinte, 19 do mesmo mês de Outubro, Pietro Pascuáligo repete, na carta aos irmãos,
(200) Ulterius êspetiêmo di zorno in zorno da tysbona tí nostro doutore, che lassó II el «ostro magnifico em-
bassjtor el Qual a mia instancia ha fado un'opereta dei viar.o dei Calicut (a chamada narrarão do pllôto anónimo), de la qual
ue fjró copia i la magniftcencia vostra, de carta de qual viazo non f posstbile haverne che el R« ha messo pena de vila á
chi la di fora...* Carla de Travisan a Malipicro, de 21 de Agosto de ISOt.
CXXVII
Introdução
que os Porluguwes ^credeno che sia terra ferma la qual continue in una altra terra che lanno passato,
fo discoperta sotto la tramontana ... * ,■ , . a a ■
É neste ano de I50I que o rei de Portugal manda explorar o litoral da Aménca austral,
quando em Espanha ainda se acredita na miragem das índias Ocidentais (201). , ^ .
iOue outra conclusão poderá CKtrair-se desta série de provas, a que o mapa de Cantmo apõe
a decisiva conlinnaçào cartográfica, senão a da prioridade portuguesa no conhecimento e revela<:ao do
Novo Mundo? A prova documental de que os Portugueses suspeitaram, primeiro do que mnguém. que
ao Ocidente se interpunha uma outra massa continental, é incontestável e inconlesrada. Essa prova surge
no ano de 1501 (202), cA concepção portuguesa do continente resultou das expedições do ano anterior
ou poderá ser recuada? cA viagem narrada por Duarte Pacheco no Esmeraldo consente deslocar para
1498 essa suspeita, senào essa constatação prodigiosa? Os dizeres de Cristóvão Colombo aos rers Cató-
licos mencionados em Las Casas, informando os soberanos da resolução de ir verificar a veracidade da
palavra de D. loào II. de que *no Austro hauia terras^, inâo permitirá transferir ainda para data ante-
rior o primeiro indicio dessa concepção surpreendente? Possuiríamos, então, a visão integral da politica
de D )oào II. e saberíamos porque D. Manuel escolheu o caminho mais longo do Oriente para enviar
por Vasco da Gama as suas cartas aos rajás da índia, que as receberam. - de preferencia a enviar-lhas
pelo breue caminho do Ocidente, por onde seguira Colombo, portador da carta de Fernando e Isabel
para o Grào Khan... e que nunca chegou ao seu destino.
f MASIADAMENTE se verificou a impossibilidade de narrar com verosimilhança o desco-
brimento da América, sem admitir que os Portugueses, recusando a proposta de Colombo,
acreditassem que a circum navegação da Africa era o único caminho viável para as
índias, e porventura tivessem levado Iam longe as explorações do Atlântico Ocidental,
que houvessem adquirido a convicção experimental dos erros geográficos de Marco Polo
e Toscanelli (203).
Que a existência das lenas de oeste era conhecida ou suspeitada, é um facto documental-
mente provado.
Ora. o plano de Toscanelli repousava sóbre a doutrina da esferoícidade da terra, já incontro-
versa, e como todas as informações geográficas sôbre a Ásia se associavam para representá-la como um
continente prolongado muito para além do trópico de Câncer, é intuitivo que tôda a navegação que se
fizesse nos paralelos de Lisboa. Açôres. Madeira. Canárias ou Cabo Verde, atingiria a Ásia pelo poente.
Só, pois. 3 sciencia da interposição de terras explicaria cabalmente a perseverança do périplo africano,
já depois da viagem de Colombo. Essa sciència dar-nos ia a exacta interpretação das negociações de
Tordesilhas. É essa sciència conjectura! que imprime à viagem de Duarte Pacheco, em 1498, uma signi-
ficação em harmonia com as sábias palavras em que a narra o guerreiro cosmógrafo. Ê. por sua vez,
aquela viagem secreta que esclarece o enigma da diversão de Cabral até à costa americana austral,
conciliando a opinião dos técnicos navais com a verdade histórica restaurada. São lodos estes factos
cronologicamente encadeados, desde as explorações do ciclo dos Corte- Reais até às explorações austral
e setentrional dos anos de 1500 e ISOI, que tornam perfeitamente compreensível a adivinhação— que se
COM Tm nota. a páq. 216 da ftua obra, ToíCinelti inó Columbus. c reterfndo-se aos apontamentos carlo^rálicos
il I nbo, anal nor Wieser em Dte Kjrte des Bjirtolomec Colombo (Innsbruck. 1893), Vignaud conclui que
. mãp . n iilt to undersiAnd how il is possible to mainlãin Ikc opinion Ihjt Columbus teMiscd he
AaJ dimíitird .1 Sitt- Worttí, wlin/i ifjs nol lhe Indics".
(202) T' -r. na caria Mundus Novus. e«cni.i a Lourenco de Médicis, entre 1502 e 1503. que Vespúcio afirma niti-
damente que A*. ocidental» kAo partes de um continente independente <la Asi.i, Esta concepção í reeditada na carta a
Soderlnl, de 1 ' ' ro de 1504. O simple» conironio cronológico bastj para abalar a lese sustentada por Vígnaud na sua
tiltima obra. - (1917. Cmest Lcroux, editor. Paris), de que ao navegador florcntmo deve ser conferida a glória
desta concepi..n' 1 i ' ''^ menos, ela lôra engendrada em Portugal Vespúcio só a certifica na cana a
Lourenco de Mt- Francesco de M^dlds. o opulento mercador de Florença, escrita em
Uaboa. no refirev-.i iviJi .ni,,ii.> ik> Ju^ui --.i .1 Aim- tj...! Ausiral.
(300) Luaano Cordeiro, L» part dfS Portugatí dans la dtcouverlr de 1'Amérique, IS76.
CXXVIIl
Introdução
afigurou sobrenatural a Humboldl-dos inlormadores de Pascuáligo e que orienlam o cariógralo anónimo
que coníecionou com os resultados das viagens empreendidas para o noroeste, o oeste e o sudoeste
desde 1498 a 1501. o mapa de Cantino.
No tempo em que o génio de Humboldl reinou sôbre os domínios da geografia e da história,
a cultura náutica portuguesa não parecia à altura de tamanhas concepções, e o esfôrço dos seus conti-
nuadores aplicou-se em fortalecer a tese errónea do mestre, reivindicando para a douta Alemanha a
honra de haver ensinado os cosmógrafos portugueses e não admitindo, consequentemente, que lá se
ignorasse o que faziam e pensavam os discípulos. Hoje. porém, depois dos trabalhos críticos de Ravens-
tein. de Donsaúde e de Luciano Pereira da Silva, já nào é possível aceitar, neste assunto, as doutrinas da
escola humboldtiana. Isso criou e impôs a necessidade de rever e reformar a história dos descobri-
mentos do Atlântico ocidental, entregando aos Portugueses a glória de terem, primeiro do que ninguém,
suspeitado da existência de um novo continente. É nessa concepção que se integra Vespúcio, como o
seu arauto e colaborador, mas nào seu inventor. São os Portugueses que oferecem ao antigo mercador
florentino a oportunidade de constatar a veracidade da doutrina cosmográfica portuguesa. Sào os Portu-
gueses os primeiros a íixar num mapa o esboço do novo continente; sào éles que. até à primeira dícada
do século XVI, com as expedições sucessivas de ]oâo Fernandes Lavrador, de Duarte Pacheco Pereira,
de Gaspar e Miguel Còrte-Real. de Pedro Alvares Cabral, de André Gonçalves (?) de Gonçalo Coelho
e de ]oão de Lisboa (204). reconhecem, em confronto com os Espanhóis, uma linha de costa, nos dois
hemisférios do continente novo, incomparàvelmente maior do que a explorada pelos navegadores do
ciclo Colombino, por meio de uma série assombrosa de expedições concatenadas, que atingem, no ano
de 1501, as paragens remotas da América meridional.
É dentro dêste quadro que as cartas de Toscanelli e Monetário assumem uma importância
considerável. A de Monetário comprova a de Toscanelli, pela similar regeição de um plano idêntico. A
viagem de Duarte I-^acheco explica a plausibilidade do mapa de Disagudo e esclarece a intencionalidade
do desvio de Cabral (205). O mistério de que sc rodeou a expedição de 1498 é o mesmo de que se
cercaram as expedições de 1501 e 1503 e o mesmo sigilo das instruções a que obedeceu Cabral, em
1500.
A recapitulação sintética, por ordem cronológica, dos acontecimentos que estabelecem as duas
prioridades portuguesas do conhecimento das terras do ocidente e da concepção continental, melhor
permitirá ajuizar da lógica com que éles se sucedem e relacionam, O exame analítico, realizado em pro-
gressão cronológica, dos motivos que conduziram os Portugueses a dar ao mundo o exemplo de perti-
nácia do périplo da África como róta da índia, iniciado em 1433 (206) e coroado em 1498 por um com-
(204) O que tica fára âc duvida é que Joio de Lisboa foi mais do que uma vci is ferras da Amírica. que des-
cobriu o cabo de SàiUa Mâru c proujvelmfn/r o Rio d.t Praia, t.tnfo que a sua gr/tnde auclarid.id>' cr,! invocada c seguida
na celebre viagem rfc Fernão de Mjgjlhães. pois. como di/ Herrerj. (Dcc. II. Llv. 9, cap. 10,*) o piloto João Carvalho, portu-
guês que .icomp.inh.iva o grande navegador, quando avistaram Ires serras que pareciam ilhas, diasr "que eran el Cabo de
Sjiita Mana que lo íabia por relacion dc Juan de Lisboa, piloto português que .ivia estado en el \ Brito Rcbclo. op. cH.
pág. XLVII.
(205) «ffi ce qui concerne Cabal, disons toutefois. qu'il ne sauralt y avoir aucun </ r te fait qu'il n'est
pas le premier découvreur portugai^ rf« Brasil. Nous possédoiis á cel figard deux témoignages tri. . t, Le premier est
celui de Duarte Pacheco, cosmograptie. navigateur diplom.ite et haut fonctionnaire, dont le ciractvre iiopire loute confíance,
qui dit lut-mèmc que. le roi D. ManorI layant erwoi-<\ en 1498. ,'i la découv. rte du côté de VOccident. il constjl.i fextslence
d'un vasle continent qui s étendail au-delà du 2So degré de latitude austnile ct qui ótait três peuplé. Le second lómoignage
est celui de Maitre João, médecin de Cabral, qui dans une lellre d.jfíe de la Vera Cru/, du t." mai tSOO, qii'il adress.i au
roi pour 1'aviser de la decouverte de la terre de la Vr.iie Croix. lui dtt que. s il v.-ut corinaStre la situation de cette terre, il
n'a qu'à se faire presenler la mappemonde de Pero Vaz Bisagudo ou elle est indiquóe. ce qui suppose mUess-iirement que
crtte terre ai/ait élé vue antérieurement et qu'on en avail relevé la situation. Ces deux découvertes, à moins que celle de
Pacheco ne soit celle porteé sur la carte menlionnée par João, ce qui est íort possible. assurent en fait aux Portugaís. la
phorifé pour cel ércnement . . , • Henry Vígnaud, Americ Vespuce, pigs. 144 c 14S. 1917.
O eminenie hlsloriador. depois de haver conslalado a aurenllcidade dos textos em que essa prioridade te rcveti
lriconte»t.ível, acrescenta: -Mais cette priorité n'a aucune imporlance.Une decouverte n esi cffeclive que lorsqu'elle j une suite. . .»
£ uma conclusão desconcertante. A sequência do descobrimento é. pelo conirário. evidente. Duarte Pacheco afsinálj-o num*
obra cosmográfica; BÍ5.i9udo regista-o num mapa-mundo; Cabral conságra-o na escala cm Vera Cruz; as expedições cm ISOl
e 1S03 ampliam-no alé aos litorais meridionais do novo crniinenic; díle resulta a criacio dc um gigantesco lmp4Írío. ^Como,
pois, nio teve seQuOncia aquele descobrimento?
(206) "A quantos esta nossa carta virem, fazemos saber que. seendo pello Vfante Dom Amrrique meu tf o começ,\do
o descobrimento da terra Ciu\'nee na era de mil quatroçenlos e Ir^/nla e Ires, com enlençom e desejo de peita costa d,t dieta terra
de Guynee se aver de descobrir e achar a Vmdya"... Carta de El- Rei D. Manuel, de áoaçio a Vasco da Oama. de duzentos c
trinta mil reais dc renda, importe dos trezentos mil reais que llic foram dados, pelos serviços que (èz no descobrimento da
índia. V dc outras mercês, entre as quais a do titulo de Dom e a do cargo dc Almirante da Ináia. ~ Alguns documentos d»
Torre do Tombo. Pág. 127.
11
CXXIX
Introdução
plelo rriunlo. quando legado a eleito, corrigirá o Exsme Crítico, de Humboldt f ^^«'«'"V^n.^n^^nrPiu'
«nLbras remanescentes que obscurecem a história do descobrimento da Aménca. Essa luz nao preiu-
Skarra fllórrco^encional de Colombo, atenuada pela iniustiça que baptizou com o nome de Aménco
V«rúcio.Cô o ao^e^^^^^ de Portugal, o con.monte a que o almirante das Ind.as ^c.denta.s se esque^
cfcTa de dar um nome. obstmado cm considera-lo. no seu .lumm.smo mfst.co. como P^°'«"9amenIo
dessa Asia das maravilhas, obcessào cúpida da civilização sensual.sta da Renascença. Se "ão resolve
com propriedade o descobrimento da Quarta Parie do Mundo, a expedição de Paios nao de.xa de con-
.tituir o acontecimento inicial de um novo período da história da humanidade, prólogo das explorações
sistemáticas das novas terras ocidentais - pois que é. enfim, o pnme.ro acto de posse oficial da America
pelos povos cristãos da Europa. ^ , . j
O descobrimento implica, porém, a consciência do que se descobriu e Colombo voltou da sua
3.- viagem, ignorando que avistára em Pária a terra firme do continente, entrevisto pela imaginação poé-
tica de Séneca e que se erguia como uma muralha, só transposta por Fernão de Magalhães, entre a
prôa das suas frágeis caravelas e os tesouros estonteadores da milenária civilização asiática. Aconteceu-
Ihe o mesmo que aos audazes navegadores da Escandinávia e da Islândia, que. desde o século X. haviam
pisado na Groenlândia as terras americanas e se imaginavam nas extremas ilhas setentrionais do Oci-
dente europeu. j a £ ■
Com mais fundamento sc poderia atribuir a Gunnbjorn o descobrimento da América, se
nào militasse contra éle e os seus rudes e intrépidos sucessores, no domínio das terras agrestes, a
mesma objecção de ignorância em que persistiu Colombo. Todavia - e é nisto que reside a justificação
da perene glória colombina enquanto que a colonização escandinava se extinguiu, sem haver revelado
a América, as viagens de Colombo provocaram incessantes expedições para o poente, em Irés ou quatro
das quais navegou, sob as bandeiras de Castela e Portugal, o aventuroso e venturoso Vespúcio. Se fosse
possível provar irrelulàvelmente que alguma das expedições heróicas dos Corte- Reais atingira antes de
Colombo as terras americanas, ésse arrojado empreendimento nào conseguiria, ainda assim, eclipsar a
glória de Colombo, pois das navegações dos Côrte- Reais só em 1500 a de Gaspar teve influencia na
geografia americana, nào tendo resultado das anteriores (devido, porventura, ao mistério com que se
acautelavam as expedições marítimas portuguesas) o advento da Integração da América na órbita da
civilização europeia — e é èsle facto memorável que a viagem de Colombo comemora. As maiores causas
dependem, frequentemente, de circunstâncias mínimas. Haveria bastado que as muitas referências a ilhas
e terras do poente, que se encontram em documentos do século XV nos arquivos portugueses, mencio-
nassem por um mesmo nome genérico essas terras entrevistas, ou apenas suspeitadas, para que a viagem
de Colombo nos aparecêssc com o carácter inconfundível de uma expedição de reconhecimento, e não
de descobrimento. Mas essa terra omónima nunca foi designada pelos nautas nos portulanos. Como ves-
tígio do conhecimento português anterior da América ficou, apenas, a denominação e localização carto-
gráfica da Antília. que sobreviveu à nomenclatura colombina. Nào obstante, c impossível desintegrar a
viagem de Colombo das viagens, já quási centenárias, dos navegadores poriugueses no Atlântico, e cousa
nenhuma pôde parecer mais infundada do que a pretensão de conferir aos Espanhóis a precedência no
descobrimento do Drasii. disputando-a aos Portugueses, que já em 1493 reclamavam da Espanha os
direitos às terras tropicais e que em 1498. dois anos antes das viagens de Hojeda e de Pinzon, haviam
reconhecido a existência da imensurável terra firme, que se projectava, a perder de vista, para tá do
trópico de Capricórnio... A viagem clandestina de Duarte Pacheco Pereira, assinalada no Esmeraldo de
Situ Orbis. e que tem na similitude da viagem, igualmente clandestina, de 1501. uma indirecta confir-
mação, desmorona os falsos ensinamentos geográficos, fundados no êrro. e elimina do caminho do
historiador os dois maiores temas de controvérsia que surgem no preâmbulo da História do Brasil; — a
famigerada precedência espanhola no descobrimento e a casualidade da aterragem de Cabral, em Vera
Cruz.
A reivindicação portuguesa não deve paralisar se nestes limites; antes progredir até à recla-
mação dos direitos à prioridade da concepção da unidade continental da América. Neste vasto panorama
histórico, o comparecimento da esquadra de 1500 no porto seguro de Vera Cruz conserva a significação
de uma primeira e maravilhosa página da História do Brasil, composta na linguagem ingénua e embe-
vecida de Caminha e contrastando, pelo lirismo que a Impregna, com a ansiedade cúpida da scena
histórica das Lucaias. onde. das alcáçovas e chapliéus das naus logo se grita pelo ouro, e que inaugura
a escravatura do indío — ouro humano que vai substituir, nas alvíçaras da expedição interesseira, as
riquezas astálicas.
O primeiro volume desta obra terá por objecto a narração do descobrimento e exploração dos
litorais brasileiros, compreendendo a primeira série de expedições náuticas, abrangendo a viagem narrada
CXXX
Introdução
na Neue Zeitung aus Presilg Umlt (207). e o início do trânsito marítimo comercial nos mares ame-
ricanos austrais, pelas frotas mercantes dos cristãos novos.
Veremos os antepassados europeus dos Brasileiros — na posse «de um nome e de uma língua
que, num momento. íoram os órgãos da civilização da Europa» - apontar nas regiões ignotas das águas
lutar contra os elementos, afrontando as solidões atlânticas, ferindo sôbre os abismos oceânicos a tre-
menda batalha contra o desconhecido, arrancando aos segredos do universo os litorais de Santa Cruz.
decorados pelas sombrias florestas da Serra do Mar. Na segunda parte do prólogo do drama histórico,
já os veremos lutando contra os homens rivais, disputando lhes a posse da terra descoberta. Os cava-
leiros do oceano pousarão o astrolábio e retomarão a espada. As naves do descobrimento sucederão as
naus de batalha. Os mares americanos ouvirão o estampido dos canhoneios. Nos castelos da prõa. o
cosmógrafo ansioso, que pesquisa nos horisontes resplandecentes ou enublados as terras novas, cede
o logar ao guerreiro que persegue as naus inimigas e comanda, no fragor da peleja, a manobra iracunda
da abordagem.
O drama bélico, prolongado por mais de um século, continua sem pausa o drama náutico. Os*
Portugueses não terão para combater já apenas as fúrias das procelas, mas as armadas francesas, a
pirataria infrene, os índios indómitos e antropófagos, a natureza formidável, as florestas que parecem aos
primeiros colonizadores, no paroxismo da seiva, intransponíveis muralhas, por tal modo os arvoredos
centenários se abraçam, entrelaçados pelas rijas cadeias dos cipós, num luxurioso amplexo nupcial. Depois
dos abismos aquáticos, os conquistadores defrontam êsses outros abismos vegetais, as húmidas selvas,
por cuja trama impenetrável espreitam os índios detrás dos Ipés e das perobas, com o arco distendido
e a flecha hervada. O quadro paradisíaco de Vera Cruz desvanece-se. Ao prólogo edénico. pintado por
Caminha com as suaves tintas e as ingénuas atitudes de um Van Evck, numa unção quási mística, suce-
derá uma tragédia grandiosa e sinistra, pois o destino traçára que, em prémio de haverem descoberto
um dos recônditos paraísos da terra, os descobridores o disputassem a ferro e fogo, o regassem de
lágrimas e sangue, nele padecessem os suplícios e repetissem as proezas dos homens das primeiras
idades, condenados ainda à punição gloriosa de terem de defender à mão armada, no espaço dc dois
séculos de lutas portentosas, o território intacto e imenso em que fundariam, sob o signo estelar do
Cruzeiro, uma das cinco maiores nações do mundo.
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(207) Konrad Haebler <Dle Neue Zeltung aus Presilg Landt, im Fúrstiich Fuggerschen Archiv-Son-
derab aus der ZcílschrifI der Ceselhchaft fur Erdkunde zu Berlin. Tomo XXX. 1895) revelou a existência de uma cópia ma-
nuscríra da Oazeta no arquivo dos Fuggers, Êsir achado esclareceu as dúvidas anlcrlores. fixando a época de ISia-ISM para
a expedição ao Rio da Praia Tendo sido a narrativa aproveitada por Schõncr, cm 1515, para o tratado da RrásiLie Rt'^Ío,
éssc ano marcava, contra a opinião precipitada dc Humboldt (Fxamen Critique, a págs. 239 346 do Tom. \i) o llmlle máximo
cronológico da expedição O manuscrito dos arquivos dos Fuggers assinala a dala de 12 de Outubro dc tSI4 para a chegada do
navio à Madeira, o que fortifica a presunc.)o de ser capitAo da niu o pilòto '\oko de Lisboa. (Ct. Rodolpho R. Schuller, A
Nova OãZfla da Terra do Brasil, Rio. 1914: Capíslrwiw de Abreu. O Brasil tia século XV/. Rio, 1880: O descobrimento do
Brasil pelos Portugueses, Rio. 1900). Os Fuggers entretivoram GStreiIa& relações comcrci.iis e financeiras com os Portugucscf.
No s<ículo XVI. detinham quási o monopólio do cobre na Europa, de que Portugal ora avultado consumidor para a construção
das armadas. D. Manuel checou a propor-lhes, com a compensiçào do direito de participação no comércio colonial, o torne-
cimenio de todos os navios de que carecêsse a coroa para a navegação das Indi3!<. Damiáo de Góis (oi agente dot Fuggers,
05 quais cm 1S&7. estavam ainda de posse dc tlluloa da divida portuguesa, no valor de 40.000 ducados, (/ijeblea, Die Qts-
chíchle der Fugger'schen in SpsnlenJ.
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CAPÍTULO I
A ERA MANUELINA
POR
JÚLIO DflMTflS
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I
R ERR MRNUELINR
IZER ao Brasil quem foi, no século XVI, o povo que o revelou ao mundo
e fez dele, em trezentos anos. um formidável e florescente império, o
mesmo é que desenrolar os mais antigos pergaminhos da nobreza brasi-
leira; o mesmo é que ler-lfie a sua própria carta de brasão, onde esplen-
dem, opulentas de esmaltes e de metais heráldicos, as mais puras glórias
dum património comum. Se a maravilha da civilização portuguesa de qui-
nhentos, que encheu de assombro a Europa, que uniu num abraço lumi-
noso o Ocidente e o Oriente, constitui um título de legítimo orgulho para
um povo. èle não nos pertence hoie exclusivamente a nós, homens de Por-
tugal; é a herança comum das duas Lusitânias daquém e dalém Atlântico;
pertence a ambas, num igual quinhão de glória; ambas justamente se des-
vanecem, venerando, como figuras tutelares da epopeia nacional, os mesmos heróis e os mesmos após-
tolos, os mesmos precursores e os mesmos mártires. A grandeza de Portugal no século XVI é a primeira
e a mais nobre pedra d^armas da história do Brasil. Evocá-la. é prestar cullo. não apenas ao passado
duma nação, mas ao gemo duma raça. Assim eu pudesse, obscuro pintor de apagadas tintas, levantar
animar, ressurgir, em grandes frescos murais, em largas tapeçarias historiadas, o tumulto heróico a ri-
queza magnífica, o esplendor ofuscante do Portugal de O. Manuel I.-que atroou o mar com a artilha-
na das suas naus, que deslumbrou Paris com a sciência dos seus doutores, que confundiu Veneza
com a opulência do seu comércio, que saudou Roma. n Roma vermelha de Leão X. a Roma augusta
de Miguel Angelo, mandando-lhe o focinho hirsuto das sua;, onças e a tromba orgulhosa dos seus ele-
fantes .'
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
pniTTMf,,M nA w^^v^^ jjg^ iij^ Infante português, neto duma mulher do povo e filho daquela princesa de Len-
castre que simbolizou num pílriteíro de ouro a pureza do cant britânico, precursor genial
cuja fisionomia dura nos aparece, com o seu mongil roxo e o seu chapéu de Borgonha,
nas tábuas de Nuno Gonçalves e na iluminura do códice de Azurara, refuglou-se, como
uma águia, no rochedo de Sagres, construiu a sua Terça Naval, rodeou-se de cosmógrafos,
de cartógrafos maiorquínos. de iluminadores, de navegadores, e consagrou a vida inteira,
tôda a energia de que era capaz a sua natureza áspera, taciturna e intratável, à realização metódica do
grande pensamento que o dominava. iQue pensamento era ésse? Conhecemo-lo hoje. em tôda a sua im-
prevista extensão, pelas palavras dum dos homens de mar do Infante. Diogo Gomes, no seu relatório De
prima inventione Gutnejp. publicado, há setenta anos. pelo Dr. Schmeller. D. Henrique tinha em vista dois
fins: o primeiro, descobrir o caminho da índia. (') contornando o extremo sul da Africa, que êle previa
rodeado de mar, como na caria de Marino Sanuto e no portuiano laurenciano; o segundo, navegar para o
ocidente h procura de ilhas ou de terra firme, ^insulas an /erram firmam ulfra descriptionem Tohmei;
(') o que demonstra que o Infante leve a previsão genial do continente americano. Ambos éstes pensa-
mentos se converteram em fúlgidas realidades, menos de quarenta anos depois da sua morte : um deu-
nos o império do Oriente; o outro deu-nos o Brasil. As sementes lançadas por D. Henrique à ferra
desentranharam-se nos pomos de ouro da epopeia manuelina. É essa epopeia que nos atribui um lugar
de honra na história da civilização. O ciclo de descobrimentos do século XV. sem os quais Portugal te-
ria vivido a existência efémera dum dos muitos estados em que se dividiu a península até ao reinado
de Fernando e Isabel, não influiu apenas na nossa política interna, consolidando a independência e com-
pletando a unidade da nação; constituiu um acontecimento europeu; reperculiu-se no mundo inteiro; à
revolução geográfica, feita pelas quilhas das naus e das caravelas portuguesas, correspondeu, no velho
continente, uma verdadeira revolução política, económica e comercial. O centro de gravidade da Eu-
ropa deslocou se. A hegemonia das nações mediterrâneas - Veneza. Génova. Maiorca, Barcelona - , sub-
stituíu se a hegemonia das nações atlânticas - Portugal, depois a Inglaterra, a Holanda, atiradas por
nós para a opulência e para a glória. O comércio do Oriente, que até então se fizera pela via Aden-
-Alexandrla-Veneza. a dorso dc camêio e no bôjo das galés venezianas, genovesas e turcas, passou a ser
leito, em melhores condições de preço para as mercadorias, pelo novo e radioso caminho do Atlântico.
O pequeno Portugal, senhor da navegação, mobilizando armadas sôbre armadas, apertando na dextra
potente o sceplro dominador dos mares, converteu-se. de súbito, numa das maiores potências europêas.
Lisboa, ainda ontem a capital dum insignificante reino da península, que parecia erguer a médo para o
céu os coruchéos da sua alcáçova, viu se. repentinamente, transformada na metrópole comercial do mundo
MARAVILHOSA Lisboa do século XVI!
Evoco a com orgulho e com deslumbramento. Tenho a nos olhos e no coração.
Ouço o seu tumulto, céga me o seu esplendor. Era a grande cidade náutica e comercial em
que abrira, como uma romã ao sol. o velho burgo judengo e sombrio de D. loão II. Era
a segunda Veneza, o grande entreposto europeu aberto ao comércio do Oriente, luminosa
Cosmópolis onde pululavam os novos-ricos da Renascença; os comerciantes da pimenta, do ouro de
Solala. do marfim da Guiné, do âmbar, do benjoim, das lacas; os oportunistas da exportação da prata
em reais castelhanos; os mercadores genoveses, biscaínhos. sevilhanos. Ingleses, flamengos, árabes que
A RUA NOVA DOS MERCADORES
R««entiltul(lo, ««^lundo o -Llwro d« Hora*-, de D. Manual
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A RUA NOVA DOS MERCADORES
Iluminura de -Livro âa Mora»- dt D. MjinuvI
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A ERA MANUELtNA
amar oero íunZ i ?' europeus o mercado lisboeta e uinham procurar nêle as especiarias para a, der-
deTa rRu^Nova n^M 'h'' ™J^'>-^'-va para dar a .mpressâo do seu movimento e da sua g^^.
enfiava peb RurNnl n np ^"'"^ ^'"^^ ""erto de hei^a. e
C^òrstas cor,.nHn ^0 í""do. pouco mais ou menos onde hoje é a Rua dos
PacóTa RfbL^^ '^'^^^ ' ^° 3 í»^"^^ do poente até ao
meiar de opas dJ brn^H '^^"^ ^^^^^^ ""9"as. num confuso cha-
da asas da n^t ' ^7'"" ^'^ ^ '^'''^ P«^°* í^"andres.
ArLzens da MopH. p . w do almo.anfado da Ribeira e da Alcaidaria do mar. dos Juízos e dos
T7dTVt^Un A ^"■^«■P"^- f""^ crematística. na nevrose de negócio que dominou tôda
Lntrn.irnoc . í ' "''^nifica de D. iManuel. Por um momento, palpitou ali. nos ses-
P^IL^ ^ Mercadores, o coração comercial da Europa. Era uma caile
empedrada, direila. ladeada de casas de três
e quatro sobrados, com telhados flamengos,
rótulas, chaminés mudéjares que denunciavam a
colaboração de alvanéos árabes, ausência de
sacadas e varandas, em harmonia com o alvará
manuelino que as proibira, e um tam grande ar
de nobreza, de opulência e de conforto, que
se diria uma rua moderna de Bruges. Arra-
sou-a o terremoto; mas nós ainda a podemos
ver. coruscanle. doirada de sol. iluminada pelo
pincel delicado de António de Holanda nessa
jóia da pintura membranácea portuguesa, que
é o livro de Horas de D. Manuel. Lá está, a um
canto da página do ofício-dos-mortos, «belíssima
e povoada de nobres edifícios», como a des-
creve em 1571 o ilustre Venturino; com as suas
lojas sumptuosas, herdeiras do comércio da Sí-
ria e de Alexandria, cheias de pratas, de panos
de Flandres, de sêdas da China, de mariolas
de Constantinopla, de brocados de Florença, de
corais, de espelhos, de lacas, de âmbar, de pé-
rolas, de benjoim, de almíscar, como a pintam,
na sua relação de viagem, os embaixadores
de Veneza. Tron e Lippomani. Basta olhá-la
para ter a impressão da grandeza da Lisboa
quinhentista, civilizada à fòrça, um pouco par-
i/enue. mas cesária e magnífica. Era a rua
dos banqueiros (já então havia seis na ar-
quí-avó da rua dos Capelistas!), dos «mercado-
res de tôda a mercadoria», dos vendedores de
porcelanas da índia, dos livreiros (contavam se
54. pojados de obras latinas, francesas, portuguesas e castelhanas), dos lapidários, dos tapcceiros
dos guadamecileiros. dos luveiros. dos douradores. dos perfumistas. de fti/ft-^u^n//.- formidável ba-
zar cosmopolita diante do qual passeavam as elegantes lisboetas do século XVL «as mais lindas
mulheres de Ioda a península-, no dizer de Lippomani, bojudas de verdugadins. pintadas de loiro
como as venezianas, com os peitos à mostra como as descreve uon Poppau; os mercadores novos-ri-
cos. com os seus mongfs de escarlata inglesa e os seus colares-de- ombros de ouro de Rodes- os
solenes desembargadores da Suplicação e do Cível, apoiados às suas varas de prata; os fidalgos' ve-
lhos, bamboleando nas liteiras, porque ainda, ao tempo, não havia côches em Lisboa; os burgueses so-
berbos, embrulhados em pelotes e íerragoulos de dozeno, tratando-se uns aos outros por «senhoria» •
os mouros, de aljubas brancas, com a sua braga de ferro na perna; os negrinhos, que tanto impres-
sionaram o erudito Nicolau Clenardo; todo o povo da cidade, curtido, tisnado de sol, arrastando os
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
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sócos de madeira, mutlo semelhanre no tipo ao povo grego (Trone Lippomani). em cuja honrada
multidão se insinuavam os cortadores de bòlsas, os picões de navalha que a lei mandava marcar
a togo na lesta ftSl5). os vadios, os mendigos, os ciganos, os frades vadios também - mendicantes
franciscanos de alforge às costas, trinos, carmelitas, bentos orgulhosos, cónegos azuis de Sanio Eloi,
caminhando graves, dois a dois. Tanto Iuko se exibia em Lisboa, nos passeios da Rua Nova e no
terreiro do Pa^o da Ribeira, que o rei, obedecendo aos princípios de economia política dominantes
no tempo, teve de o proibir pelas pragmáticas sucessivas de 1520. 1524, I&35 e 1537. E ésse luxo não
se limitava aos trajos; ia até ao interior das habitações, tam pesadas de tapeies e de argenta-
rias, que os estrangeiros, deslumbrados pelo brilho dos gomis, dos bamegais, das almaraias, chama-
vam à riquíssima Lisboa— a «cidade da prata*. Olhando a Rua Nova dos Mercadores, na iluminura preciosa
de António de Holanda, tem-se a impressão do que seriam por dentro esses edifícios, mais sumptuosos
ainda do que os da vetha Paris do século XVI. Os embaixadores venezianos, que nos visitaram
em 1 580. descrevem nos
os aposentos dos ricos
mercadores portugueses,
«forrados de damascos e
de finíssimos panos de
Arrás no inverno, de cou-
ros doirados e pintados
a que chamam guadame-
cins no verão>; e )orge
Braunio fala nos. com en-
tusiasmo, das porias e
paredes de madeira do
Oriente doirada, dos azu*
lejos preciosos, dos co-
fres de Flandres, dos ta-
petes da Pérsia, das louças
do ]apão, das enormes
albarradas da China, da
altura dum homem, dos
guadamecins mudéjares,
das pesadas pratas bali-
das e lampejantes, entre
as quais sorria, húmido, o
barro vermelho dos púca-
ros de Extremoz e de Mon-
temór. cQue admira que
. a Rua Nova fòsse um es-
pelho de riqueza.- se nela por momentos resplandeceu a vida do povo que teve na sua mão o co-
mércio do mundo, que deu o Brasil à civilização, que fundou na índia um império, que deslum-
brou Roma com as suas embaixadas, que encheu com os seus sábios as universidades de Tolosa,
de Montpellier e de Paris, e cujo rei. D. Manuel, senhor duma esquadra de duzentas naus, cruzava to-
das as costas e dominava lodos os mares ?
Mulhere* da povo
A ERA MANUELINA
ARA estar mais perto do oceano, no coração da cidade nova dos mercadores, o Rei Ven- „ P*r«
turoso. o Seleuco dos braços compridos, desceu da alcáçova e instalou-se no Paço da r a
K.be.ra. acabado de construir, sôbre o Tejo, peJas mãos plebeias de André Pires, «mestre mv«uW"'
da obra de pedra.» ^'A^ut^
Ainda hoie o podemos ver-ou, melhor, sonhar-nas estampas de Braunio
na tábua de ]orge Afonso, na iluminura do apógrafo de Fernão Lopes, ésse velho Paco
manuelino meio capela, meio arsenal, com o seu coruchéo doirado, a sua varanda-das-damas. o seu
hJ T«i JI^^Tk^ ' "Z'*"' ''''90S e das Pazes, abertas para o Terreiro inundado
de sol. A l habitou, rodeado dum luxo asiático, o senhor da conquista e do comércio da Etiópia, Arábia
Pérsia e India. Ali se reuniram os homens da Junta dos Matemáticos, que durante um momento foram
o cérebro das navegações portuguesas. -o bispo Orliz. o alemão Beheim. os judeus mestre Ro-
drigo e mestre Jose, o fí-
sico mestre Filipe, mais
tarde lente de astronomia
na Universidade de Lis-
boa. Dali se governou o
mar até aos confins do
Oriente. Ali viveu um dos
maiores sonhos de glória
que algum dia teem ilumi-
nado o mundo. Era na
sala maior daquele Paço
ribeirinho - a Sala dos
Embaixadores -armada
de tapeçarias de Flan-
dres com a «tomada da
índia», que D. Manuel
recebia os enviados da
Senhoria de Veneza, os
legados do Papa. os em-
baixadores de Castela; ah
dava os seus saraus; ali
se faziam os seus ban-
quetes, aromáticos de es-
peciarias e conservas, ful-
gentes da maravilhosa
argentaria, lavrada por
Diogo Roís. por João Lopes, por Heitor Gonçalves, os grandes ourives manuelinos da prata.
Estou a ver o monarca, revestido duma opa de brocado roxo de três altos, mandada vir
pela feitoria de Bruges, uma coifa de réde de ouro na cabeça, os braços enormes pendurados,
</a complession sua flaca. debite e de poco spirito*. como o descreve o enviado veneziano Leo-
nardo Masser, os seus olhos <entre verdes e brancos» (na expressão de Damião de Gois), a sua
fisionomia tam característica, perpetuada no tripíico de João Provost. no Fons Vitae, de V/an Oorlcv,
nas iluminuras da Leitura Noua e da crónica de Ruí de Pina. na magnífica estátua ajoelhada "
do pórtico axial dos Jerónimos. Espécie de Constantino Porfirogenela devorado de preocupações dc
cerimonial, deslumbrado de civilização, no fundo essencialmente melómano, fazia-se acompanhar de
músicos e de cantores a todas as horas do dia e da noite, charamelas, orios, sacabuxas. harpas,
tamboris, rabecas, tangedores mouriscos de alaúde e pandeiro, dançarinas de sócos doirados, que'
tocavam, que cantavam, que bailavam quando êle comia, quando êle dava despacho, quando êle se
vestia na guarda-roupa, quando éle se metia na cama. A música, na capela e na câmara de D.
Manuel chegára — diz Garcia de Rezende — à «mais alia perfeição.» Gonçalo de Baena; Mateus
de Fontes mestre da capela real. cónego da Sé de Lisboa; Francisco Velez, autor do tra-
tado sôbre canto-chão de cinco cordas Francisco Rodrigues e o Sarzedo, cantores; o Bada-
joz; o Vila Castim, em que Gil Vicente fala; o Arriaga; o Francisquinho; o cego. «grão sabedor
nos órgãos» (Rezende), começavam a tornar afamada em França e na Itália a músici poriu-
Momcna do povo
7
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
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guwa. (') Excitado, fatigado, neuraslenizado pelo duro oíício de soberano dum grande império. D.
Manuel precisava de sentir o bulício e o movimento em volta de si. Quando a música não era suliciénte*
mandava, como um césar romano, lanhar uns contra os outros o rinoceronlc e os elefantes que o pre-
cediam, em cortejo, nas
ruas da cidade. A sua fa-
ma, o seu esplendor atrafam
os estrangeiros pasmados.
Gentis-homens polacos vi-
nham de propósito a Lis-
boa para D. Manuel os
armar cavaleiros. Em hon-
ra do rei de Portugal re-
presentavam se comédias
no Vaticano, perante Leão
X. A sua magnificência, o
seu poder espantavam os
próprios enviados da re-
pública de Veneza.— a Ve-
neza luminosa de Geor-
geone e de Ticiano, dos
mercadores e das corte-
sãs. Bastava que D, Ma-
nuel assomasse à janela
da sua guarda-roupa para
ter a impressão exacta da
própria grandeza. Diante
dêle scintilava o Tejo. coa-
lhado de naus, de carra-
ças, de urcas, de galés, de
caravelas, toda a armada
grossa e subtil, que levava
o terror ao Oriente e as-
segurava a Portugal a su-
premacia dos mares. À
mão direita, forte na sua
pesada silharia. ficava a
Casa dos Contos, o tesouro
real. onde se empilhavam
as cento e setenta barras
de ouro que vinham cada
ano de Sofala. A mão es-
querda, açapado, armoria-
do, enorme, orgulhoso do
seu poder, dormia o arse-
nal manuelino, o célebre
Armazém do Reino, formi-
dável ventre de pedra po-
da Europa: ,s bombardas grossas de D. ,oâo M. de .iro rasteiro à „or da ás.J.^^^uetorõatm ,a"''' e"Í'
das as caravelas portuguesas; os berços de grande .iro. inventados por D. Manuel os cameTos Talcões.
D*ialh« do pânico a.ial <le« Tvranlmos r Eitaiua erania d* D. AUnucI
ro» de adules, de pandeiros, de manicordlos. 12 ^'<"e'">». «ne. eram te. os carplnlelros orsanistas, 3; os carplnlel^
8
A ERA MANUELINA
leões, pedreiros, selvagens de bronze, fundidos por mestre Cervaz. por meslre Guterre por mestre Estê-
vão nas taracenas da Porla-da-Cruz; quarenta mil corpos darmas para gente de pé- três mil cotas
faldradas de Milão; lanças, piques, espadas, alabardas. rodelas, arnezes para cem mil iiomens dos ar-
meiros e alfagemes de Évora, de Coimbra, de Lamego, da Covilhã; espingardas das taracenas de Pi-
nhel: cossoleles flamengos de Antuérpia e de Bruges; morriões de ferro de Í3ilbá0' coxoles braçais
goriais celadas e arcabuzes da Doémia.-três gigantescas salas de armaria, que assombraram ô cardial
Alexandrmo. que fizeram morder os beiços até ao sangue a Leonardo Masser. e que, com a Casa da Pól-
vora de Lisboa, com a armaria de Santarém, com as ferrarias de Porta de Oura. constituíam um dos mais
perfeitos, um dos mais maravilhosos instrumentos de conquista e de dominação que podia ambicionar nas
suas maos poderosas um monarca da Renascença. -La force existe; nous ne sommes pas surs de rexistence
díi droit.' (') D. Manuel, para manter o seu direito.- vira-se obrigado a organizar a sua íôrça. Portugal nâo
leria sido a metrópole comercial do mundo, se nSo se (ornasse a primeira potência naval e militar da Europa
O pnncipio do scculo XVI. o que nos fez admirados foi a nossa opulência; mas o que nos
Icz respeitados foi o nosso poder. Os nossos embaixadores eram recebidos em lôdas as ^
cortes estrangeiras mais do que com assombro -com veneração. A sua palavra como ou-
trora a dos enviados da Senhoria de Veneza, tinha a fòrça de um decreto, O povo corria
a ve-Ios passar na rua; os soberanos assentavam-nos à sua mesa. Portugal já não era a
pequena nação sombria e tenaz que procurava penosamenle a sua expansão na Africa e enviava a medo
as suas caravelas para o sul: convertêra-se num grande império; dominava os mares; fazia ouvir em
três oceanos a voz da sua artilharia.
As embaixadas de D. Manuel constituíram sempre um acontecimento. Mas nenhuma teve o es-
plendor, a ressonância europeia, e, portanto, o signiíicado político da embaixada de Tristão da Cunha
ao Papa. A entrada Inunfal dos embaixadores porlugueses em Roma. no dia 12 de março de 15I4 é
um facto memorável na história da diplomacia mundial. Nem as embaixadas de D ]oâo V a cie
mente XI se lhe comparam; porque, se Portugal, no século XVIII. era ainda admirado pela sua riqueza
ia não era temido pela sua força. Nunca nos envolveu, como nessa jornada de glória uma atmosfera
de tam supersticioso respeito e de tam viva curiosidade. O povo apinhava-se nas ruas da cidade ponti-
fícia, colgadas de tapeçarias e doiradas de soL «Ruas, ianelas. telhados e frades dependurados das
paredes foi coisa maravilhosa». - diz. em caria a D. Manuel, um dos doutores da embaixada O Ma-
gnífico, irmão do Papa. as sumptuosas irmãs de Leão X. em andas riquíssimas de brocado o governa-
dor dc Roma. os embaixadores de Castela, de França, da Polónia, de Inglaterra, de Milão de Veneza
de Bolonha, os grandes Fabião Colona e Marco António Colona, os arcebispos e bispos, de mitras de
Santo Estevão e de pluviais bizantinos recamados de ouro, os cardiais vermelhos sob umbelas verme-
lhas, a nobreza palatina que Corrégio e Rafael pintaram, tudo foi esperar às porias da cidade de S
Pedro, entre o dangor de sessenta trombetas de prata, à freme duma onda de pálios, de cruzes de lan-
ças, de bandeiras, os enviados ilusirissimos de Sua Alteza o rei de Portugal, imperador do Oriente E
entretanto, apesar de se tratar da corte dum Médicis e do séquito dum Papa. todo o brilho daquela
comitiva se apagou quando apareceu, como um clarão, refulgente de ouro e de pedrarias precedida
da onça c do elefante da índia, a embaixada de D. Manuel. Tristão da Cunha, toucado, quási vestido
de pérolas, deslumbrava. Faiscavam, como labaredas, as dalmáticas dos arautos e dos reis-d'armas por-
ma
{') Fouiilé, Psycholosic du Peupíe trançais, píg. 76.
i
9
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
tugucses. Os doutores Pacheco e )oâo de Faria, a cavalo, as murças vermelhas sangrando sôbre opas
roçagantes de brocado, respondiam no mais escultural latim às saíidacões dos cardiais. Aos sinais do
comaca, o elefante, erguendo a tromba cinzenta, espirrando, urrando, dançando, saiidava o vigário de
Deus que. do alto do castelo de Santo An-
gelo, «risonho como um menino» (diz um dos
embaixadores) assistia ao desfilar daquele ru-
tilante préstito. De repente, o povo da cidade
eterna, da cidade que então era. não o cére-
bro, mas o coração do mundo, maravilhado,
electrizado, rompeu em gritos, em vivas, em
aclamações:— «iPortugal! Portugal!» Numa sala
doirada do Vaticano, tocada pelas mãos divi-
nas de Miguel Angelo, os cómicos palatinos de
Bartolomeu de Tôrres Navarro, poeta e mestre
da Capela Sixtina, representaram a Trophéa.
em que Ptolomeu exalta os descobrimentos
portugueses. Os banquetes, os festins, o entu-
siasmo por Portugal não tiveram limites. «Nom
era obediência, mas triunfo de Vossa Alteza,
que entrava em Roma!* — diz, na carta ao rei,
o doutor ]oão de Faria. E Tristão da Cunha,
orgulhoso, scintilante sob o seu chapéu de pé-
rolas, acrescenta; «El Rey nosso senhor he oje
o mais nomeado princepe que ha no mundo
e o melhor quysto asy do Papa como dos car-
deaes. como de toda a outra jente.» O que
Roma em delírio saudava não era um homem
— iah, não!—; era a obra formidável duma na-
ção inteira. Essa obra. cujas realizações suces-
sivas marcam pontos màxlmamente luminosos
— Iníante de Sagres, o precursor; Gil Eanes,
o desencantador do mar; Gama e Bartolomeu
Dias. a revolução geográfica; Cabral, o Brasil;
Albuquerque, o império do Oriente — fê-la a
nobreza, de cujo veio germânico e dólico-louro
nos provém a tradição da combatividade ca-
valheiresca; fé-Ia a nova burguesia, rica, ju-
denga e mercadora, de D. ]oão II; fê-la o
fôrça, de energia, de sacrifício e de abnegação.
EitBddart* d* D. Manual no corl«|e Irluntal do Imparador Maalnlllano
povo, húmus vivo da raça. expressão sublime de
v
NOBREZA, que ajudou a fazer a epopeia manuelina, tem o seu tríplice monumento no Livro
do Armeiro Mór. no Liuro da Nobreza, de António Godinho, e no teto oitavado e doirado
da «Sala dos Veados» de Sintra. São estes os três grandes tombos heráldicos da aristo-
cracia portuguesa do princípio do século XVI.
O primeiro, na ordem das iniciativas de D. Manuel, foi o Livro do Armeiro Mór,
ordenado pelos reis de armas António e ]oão Rodrigues e iluminado pelo mestre tudesco Arriet, que da
Alemanha trouxe a moda dos grandes paquifes e o abuso da côr verde na iluminura. O segundo, o Li-
•TO dã Nobreza, do arauto e ilumínador Godinho, veio corrigir o primeiro, onde havia, como no escudo
10
INTERIOR DOS ICRÕNrMOS A NAVE CENTRAL
A ERA MANUELINA
u:, ^ w "^""^ ""^ "^""^ "sa das colunas onde nasceu e morreu Afonso \1 à ,
hmL^r . """'"^ ^^"^^ » P^"»' """-^ «"'"^a «pulência de côres e de ouíÕ
i ™o imo ,a?s'"é nos ca"':^'' e duas famíhas nobres de Portugal. É nas fômas membía á eas dís ^
Barcelos o ntli n r '- k ' ""^ S""""" "^^""«^li"''^, o Duque de Bragança e Conde de
li^- o cónl Ho M "^''"'^^ «e Torres Novas; o Marquês de Vila Real e Conde de Alçou
m"' o letrado Cond/n v' ' ''"f « Coutinhos. timbrados do leopardo vermelho armado de ouro; o cí
óal o CnndP H. D , ""^S"""^ ""^O""" de crescentes de praia; o Conde de Tentu-
^rL r das três faixas veiradas dos Vasconcelos; o Conde de Linhares
pnmo do re,; o Conde da Fetra, sôbre campo vermelho a cruz de prata llorida dos Pereiras- o CoTde
sanles de prata dos Castros, a
onça azul dos Alaídes. o des-
Irochero de ouro dos Manuers.
a donzela dos Menezes, a asa
vermelha e os cinco escudetes
de azul dos Aibuquerques. o
naire nascente dos Gamas, o
búfalo dos Sás, a águia azul
dos Eças. com a cruz negra sô-
bre o peito, os seis besantes
de ouro dos Almeidas, as flores
de lis verde dos Mirandas, em
campo de ouro o dragão vo-
lante de vermelho dos Alber-
garias, os caldeiros negros e
as serpes de ouro dos Pache-
cos, o grifo dos Cunhas, os seis
besantes e a cruz-dobre dos
Meios, o cavalo branco dos Ta-
vares,—tôda a armaria do ci-
clo heróico das descobertas,
tôda a heráldica dos homens
que lufaram com o mar. que
se bateram no Oriente, que
criaram na índia um Império,
formidáveis maiúsculas G Gama.
Castro. Almeida. Pacheco, Albuquerque!) de que mais tarde um fidalgo barbirruivo. insubmisso e des-
graçado, blasonando ele próprio duma serpente de prata entre penhas verdes, se havia de servir oari»
escrever a mais bela epopeia do mundo. *^
Mas, se são grandiosas as letras capitulares, não merecem menos o nosso culto e a nossa
gratidão as mmusculas. *cette armée humble et noire*. os descendentes da <arraya meuda. e dos <ven
tres-ao-sol» de Fernão Lopes, o povo, que, se não foi o pensamento e a vontade, foi a realização e o
braço das navegações portuguesas. E ele que nos sorri dos grotescos e dos modilhões das catedrais-
é êle que canta e que baila, ao som de telhas e de adufes, nas folias e nas chacotas de Gil Vicente- é
êle, robusto e hirsuto, que forja as armas nas ferrarias de Santarém e nas taracenas de Cata-que f^arás-
é êle. calafate, carpinteiro, estrinqueiro. breador, que, à luz de archotes, nos varadouros e estaleiros da'
Ribeira, levanta carcassas de caravelas e de náus; é êle que combate com o mar; é êle que enche a
históna dolorosa dos nauh-ágios; é éle que mata. que sofre, que mone para unir dois oceanos e para
criar fres impérios. Foi o povo que nos deu 011 Eanes, o das rosas de Santa-Maria. símbolos do mar
desvendado. E o povo que nos dá Pero d Alemquer-o pilôto. É ainda o povo que nos lega a ri-
sonha bravura de Lopo Barriga, a melhor lança de tôda a Africa. Da costa algarvia, de Cascais do
TIpM da nobreia portusucia de Ivmpo d* D. Manual
O POVO NO
■ ■ I I 1
11
A ERA MANUELINA
Pôrlo. da gente de Ílhavo, de puro sangue fenício, provém os marinheiros das armadas de D Manuel
nelos daqueles que Nuno Gonçalves pintou nas tábuas de S. Vicente. Do povo tisnado e humilde hú-
mus virginal onde se acumulam tôdas as energias criadoras duma raça. surgem os artistas, os imaginá-
rios, os alvanéos obscuros que íixam para a imortalidade, na pedra sagrada dos Jerónimos, a alma in-
quieta da epopeia da índia...
RES padrões da arquitectura religiosa portuguesa marcam os trís momentos decisivos da
história da nacionalidade: Alcobaça, a fundação; a Batalha, a emancipação; os Jerónimos,
a expansão. O primeiro, com as suas três naves, as suas abóbadas de ogivas e arcos mes-
tres moldados, os seus macissos pilares onde esbeltas colunas se embebem, tam semelhante
no tipo à catedral de Poitiers. - representa a epopeia bárbara de Afonso Henriques. O se-
gundo, maravilha do gótico inglês, brincada, alada, eriçada de torres, de agulhas, de flechas, de coruchéos
llor ogival que Murphy exaltou e em cujo pórtico se encontra todo o programa iconográfico da Legenda
Doirada de ]acques de Voragine. - representa a epopeia cavalheiresca de D. ]oào I. O terceiro - Santa
Mana de Belém -esbelta náu de pedra, sonhada por Giovane Potassi, feita com a vintena dos rendi-
mentos das casas da índia e da Mina, trabalhada pelos alvanéos ribeirinhos no lioz doirado das pedreiras
de Alcantara, enriquecida de cordagens. de vergas, de algas, de madréporas. de monstros, de dia-
mames, de esferas armilares. de cruzes de Cristo, sob a dupla sugestão do Oriente e do mar. - repre-
senta, na sua expressiva desarmonia, a ofuscante, a resplandecente epopeia de D. Manuel.
Os lerónimos! Lusíadas de pedra, escritos pelas mãos plebeias de mestre Boytaca e de mes-
tre João de Castilho! Como tudo, nesse mosteiro, evoca o ciclo glorioso das navegações! O pórtico late-
ral, com o seu tímpano da Virgem, com a sua fuga de arquruoltas povoadas de profetas e de doutores,
com o seu colunelo coroado da figura do Infante de Sagres, com os seus capitéis, as suas impostas,'
os seus intradorsos arrendados e modelados pelo opulento naturalismo dos imaginários da Renascença]
— dir-se ia. na sua grandeza, o arco de triunfo por onde Portugal, senhor dos mares, entrou na histó-
ria da civilização. Nas vastas naves, divididas pelos seis mais belos pilares que algum dia sustentaram
o artezonado duma abóbada gótica, parecem ressoar ainda os passos augustos dos heróis, dos capitães,
dos almirantes, dos governadores, dos více-reis. dos super-homens da índia. Dos recantos do cruzeiro e
da ábside. acordadas pela alma colorida e luminosa das vidraças, surgem as grandes figuras patriarcais.
-Vasco da Gama. orgulhoso, debaixo de pálio: D. ]oâo de Castro, coroado de louros como um varão
de Plutarco; Francisco de Almeida, abraçado ao cadáver sangrento do filho; Duarte Pacheco, arrastando
as cadeias do cativeiro; Afonso de Albuquerque, o criador de impérios, com os seus olhos de águia,
o seu tabardo negro, a sua coifa de ouro na cabeça, a sua barba branca atada, na ponta como a do
Cid Campeador. A nossa imaginação enche a igreia duma multidão de espectros — Tenaz serei! Tenaz se-
rei!- . faz retinir armas, levantar cruzes de prata, clangorar trombetas, arrastar pluviais, scintilar bácu-
los e dalmáticas na penumbra. O génio dos arquitectos, dos imaginários, dos ornamentistas manuelinos—
Doytaca. João de Castilho, Diogo de Torralva. Jerónimo de Ruão — desperta por tôda a parte, diante dos
nossos olhos, os fantasmas adormecidos do passado. Dos brulescos, dos monstros, dos fálus. dos masca-
rões. dos anjos báquicos que ornam as colunas das naves - as maravilhosas colunas que assombraram
Taylor! — é o povo, são os marinheiros, é a ralé sublime das armadas que nos espreita, risonha, tisnada,
gadelhuda, ululante, possessa de naufrágios, de incêndios, de conquistas, de esplendores, de devasta-
ções,—de glória. No claustro, no enorme claustro mordido de sol. as sugestões do mar esplendem,
entrelaçam-se na pedra doirada, torcendo cordagens nas arquivollas e no intradorso das aduelas,
enroscando monstros, plantas, sereias, frutos, grifos, centauros, epicrâneos, hipocampos, hipocentauros nos
capiteis, nas pilastras. nos pinázios, que a mào de mestre Benavente trabalhou, animando os olhos, as
frontes, as bôcas de pedra de Paulo da Gama. de Nicolau Coelho, de Álvares Cabral, que há cinco sécu-
los, da sombra daquela crasta manuelina, sorriem para a imortalidade. Aos nossos ouvidos latejam no-
mes humildes: Simão da Rosa Aleixo Pires, que afeiçoaram os chumbos e os latões das vidraças e das
13
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
fenestragens; Diogo Fernandes, que féz os balaústres da ousía; Manuel de Carvalho. Baltazar Rodri-
gues, aluanéos, que trabalharam a pedra, voluptuosamente, em êxtase, em oração. Repercu(e-se em nós o
espanto das gerações. A voz do silêncio, que Pelladan ouvia nas catedrais de França, infiltra-nos, pene-
tra-nos de fé, de m no e de assombro. Compreendemos então as palavras de Filipe 11, quando, vestido
pela primeira vez di. branca, levantou os olhos às profundas, às maravilhosas abóbadas dos Jerónimos:
— iNo hemos hecho nadie en el Escurial!
Mas em Santa Maria de Belém não havia apenas ~ iah. nãol — a obra dos arquitectos, o labor
dos imaginários omamentistas que arrancaram à pedra de Alcântara a tipologia da Legenda Áurea e os
motivos naturalistas da fauna e da flora do Oriente. Havia também a obra dos pintores, a obra dos ouri-
ves do ouro, a obra dos iluminadores em pergaminho, verdadeiro tesouro dos monges hierosolimitas. Lá
estavam os retábulos, os painéis de Gregório Lopes, de Gaspar Vaz. de Fernão Gomes, mandado à Itá-
* ouRivf < 'ia a expensas de D. Manuel, cujas figuras se diriam tocadas pelo doloroso misticismo de um Van der
Wevden. Ali resplandeceram o cális, a cruz e a custódia manuelina fabricada por Gil Vicente com o pri-
meiro ouro de Quilòa. peças singulares da ourivesaria portuguesa, que então se desentranhava (i havia
itKO^.Hoii ^"^ ^^^^^^ quatrocentos e trinta ourives!) em maravilhas de arte religiosa e nas baixelas opulentas -
cântaros, ptchéis. copas, escudelas, bátegas, gomis, albarradas. barnegais. almaraias. cerofalas - que acen-
diam montanhas de ouro sôbre os mantéis franceses das mesas dos fidalgos e dos mercadores. Para os
Jerónimos mandou D Manuel, no seu testamento, os sete livros da Bíblia e o Mesfre das Sentenças,
joias da ilummura italiana do fim do século XV. que Vante di Gabriello Aclavanti pintou e recamou de
ouro brunido, e que um dos Papas. Júlio II ou Leão X. ofereceu ao rei de Portugal. Ali se amontoa-
vam, em arcazes flamengos, os paramentos bordados em Veneza, em Florença, em Chipre, em Bizâncio
em Palermo, no Oriente, com as armas do reino e de S. Jerónimo falseando ouro dos sebastos, dos au-'
rifrigros. da pesada escarcha dos aurisamiios e dos maromaques preciosos. A grande nau de pedra de
D. Manuel trasbordava de riquezas. E. como timoneiro, êle lá estava à pôpa. em estátua orante. ajoe-
lhado diante do tímpano da porta axial da igreja, junio dessa mesma imagem de S. Jerónimo que levou
o rei de Espanha a bradar, deslumbrado:
— /Mira, mira, que me quiere hablar!
11 mob
AS a arquitectura manuelina, tam representativa e tam original, não se reduz aos Jerónimos.
Ela esplende nas Capeias Imperfeitas da Batalha, que mestre Mateus Fernandes brincou
como uma renda de pedra ; no convento de Cristo, de Tomar, onde o génio de João de
Castilho floriu a mais bela janela do mundo; na Madre de Deus. para onde Lucca delia
Robia mandou os seus baixos- relevos policromos; na antiga Misericórdia de Lisboa cons-
truída sôbre a sinagoga de Vila Nova de Gibraltar pelas mãos piedosas de Fernandes de Évora; no
sumptuoso Hospital de Todos os Santos, que dominava o Rossio com os seus trinta e cinco arcos e
onde três ecónomos. cónegos azuis de S. João Evangelista, administravam a assistência a mais de cem
doentes; nos paços de Évora e de Sintra; na abóbada dos nós. da Sé de Viseu - em dezenas de mos-
teiros (Jesus de Setúbal. Conceição de Évora, e iquantos mais!) onde as janelas geminadas, as galerias,
as naves, os rosetôes coloridos, a fuga de arquivoltas dos pórticos nos dizem ainda o que foi. por êsse
Portugal fóra. o movimento do gótico flamejante manuelino. E não apenas na arquitectura religiosa e ci-
vil; também na arquitectura militar. Aí está. recortada na crosta de ouro do poente em chamas a linda
tórre de Belém, debuxada talvez por Garcia de Rezende; ai estão, por tòda a parte, os velhos castelos
que são a heráldica da nossa paisagem, a corôa dos nossos campos, padrões venerandos cujas relíquias
dionisianas e pré-dionisianas D. Manuel restaurou, florindo lhes as alcáçovas pelas mãos de mesh-e To-
más Fernandes. methorando-Ihes as condições defensivas, fazendo déles o que no seu carinhoso códice
nos mostra Duarte de Armas.
iComo êles nos falam da nossa grandeza, os velhíssimos castelos de Portugal! iCom que elo-
quência êsses restos desdentados da arquitectura militar e senhorial nos ensinam a nossa história! iCom
14
TOHur - CONVERTO DB CRISTO
NOSSA SENHORA DAS NEVCS
PAINEL OE lOnaC AFONSO
A ERA MANUELINA
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Mlbaramipxrguar. £ cito íof íignalque
aiua payíom auma oc fm arai bcM fan
gaDooucanfflOobíofnibo: fcguntwacar
n.' &a foíf allr^ oo qual noe auonoe bo cf'
'íbccanfdDoaquílIcpaqufoecan»
íaooe re^cbmi foíça 7rífrdto. f aoiguaco
L, OíaqucUcoqualfcnosoefempararlogofo
V> nioe fdOigaooíncdnmioof.'ífcfojpí&»
fmtf fereinoe foace njM.pojquf aTua
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cnou filbouftlrnomfolianifiiícanaturc
va bumanal rnai» aiiiPa op fftcfquc fcm
^ícrca oa narurf aqucUfequf adk <on
umba ftlbar. © uoc «n qnro ae pf naefom
CTcroíariuao&arimiPí piTfíaa.ifomtí'
mmunbaisquf Dcdjramaoarurcjfl buma
naf(vri>íroaot-ira-7nom fingioa Cnitan
toioinourpoPfr5aonraniflcatipcnalií>a
bfeaíTifpíÍMfBtomo cnponn toudlaft
quf rsuaroamanofía bumana narurami
eocnuú. affi como aufr fanic t írot quanoo
n«TT tcuomannjmmto . i mftrja i tmioj
quan!>opcfqii<trmapardbaooalguúpc'
ngooou oarnpno.ialTtcomoqufAura':
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Uri. plflln. do Incuntbulo -VITA CMHISTI-. Impr...» .» Lfbo. per Nleer.u tf. a.«4nl.
• Valtntin d« Morávla. na aao da km
17
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
que ternura eu os evoco neste momento, aos avós proféticos da nacionalidade, a todos èles, desde a
fronteira none até à costa sul do país, — desde Valdevez, onde a torre albarrã do castelo da Giela le-
vanta nas névoas da manhã o seu perfil de granito doirada. Mé Silves, cujas fortes quadrelas, cujos
cubelo5 nearos. cujas cisternas mouriscas nos recordam o poder dos almóadas e a grandeza duma civi-
lização que nós ajudamos a extinguir! iQuc diversidade de aspectos, de traçados, de arquitectura, de ma-
teriais, - a principiar nos pesados silhares do castelo de Guimarães, a acabar nos coruchéos de tíjôlo
dos torreóes normandos de Viana do Alemlejo! iOue variedade de tipos de tõrre de menagem, - a forte
albarrã de Bragança, com a sua janela geminada ogival e a sua pedra de armas; a tõrre de Montalegre,
com as suas balhesteiras, por onde se lançava sôbre os assaltantes o fogo grecisco; a beta tõrre de
Beja, opulenta de brutescos e de lumieiras góticas; a de Exircmoz. mais bela ainda, armoriada, aberta
de ajimezes. coroada de varandas sõbre possantes malacâes; a torre das cinco quinas, de Évora; a
lôrre heptágona de Freixo de Espada à Cinta; a lòrre das cabaças de Santarém, — expressões vivas de
lôdas as épocas, de tôdas as civilizações, de todos os estilos, desde o primitivo românico da tõrre de
Mumadona, até à clara influência mudéjar nas lumieiras geminadas, de duplo arco em ferradura, que fe-
nesiram a alcáçova onde morreu Santa Isabel! c Quem não se sentiu peneirado de emoção perante os
castelos de Guatdim Pais, — Almurol com as suas onze tòrres. Pombal. Tomar, em cuios adarves flutuou
o pendão negro e branco dos Templários? tQuem não se possuiu do orgulho do passado, olhando o
castelo de Leiria, com a grandiosa alcáçova de D. Dinis, o dc Óbidos, com as suas extensas barbacans,
o de TÔrres Vedras. ainda contrafortado de cubelos mouriscos, o de Santarém, o de Palmela, o de Sintra,
que confunde com a rocha os lanços das suas quadrelas e recorta as suas tòrres de segurança no céu
doirado do roi*nte? t E. mais para o norte. - Lousã: Montemór. com a sua ianela de delicadas arqui-
voltas. donde as imantas olhavam os campos do Mondego; o castelo da Feira, com os seus coruchéos;
a Giela. com o seu Paço; Leça do Bailio, aconchegada à tórre quadrada dos cavaleiros de Malta? Mas
foi sobretudo nos castelos do Alemtejo que os alvanéos de D. Manuel tocaram. Foi nas íôrres de de-
fesa das fronteiras de Odiana que mais trabalharam os marrões e as lurías de Tomás Fernandes. E são
precisamente èsscs castelos Portalegre. Alegrete, Arronches, Assumar. Monforte, Borba, Extremoz, Vila-
Viçosa. Alandroal. Redondo. Viana. Monsaraz os mais ricos de arquitectura e de pormenores etnográ-
ficos, aqueles que maior originalidade oferecem na sua construção, pela associação do tijolo com a pedra,
pela acção evidente da mão-dc-obra árabe (ios lindos ajimezes de Alvito!), pela profusão de brutescos.
de pedras de armas, de cachorros trabalhados, de goteiras, de gárgulas, de pingadouros manuelinos com
que os alvanéos do princípio do século XVI enriqueceram as tòrres albarràs de D. Dinis. Mas — iai de-
les!—a importância militar dos velhos castros medievos durou pouco. Os progressos da arte da guerra,
sobretudo da casirametação. na segunda metade do século XVI. atenuaram consideravelmente o seu va-
lor defensivo. A situação política da península, assegurada por sucessivas alianças dinásticas, reduziu ao
mínimo as preocupações de defesa tcrrilorial, É na Africa, é na índia, é no mar que combatem os por-
tugueses de D. Manuel. O nosso clarão épico acende-se no Oriente — para iluminar o mundo. É lá, nas
praças tantas vezes cercadas, que resplandecem as «façanhas façanhosas» de Garcia de Rezende, t lá
que as mulheres de Diu. esplêndidas de sacrifício, vendem as suas jóias para reconstruir pedra a pedra,
com lágrimas de júbilo e de orgulho, os baluartes arrazados da fortaleza...
O
seus heróis
Nun'Alvares.
18
ARQUITECTURA manuelina foi grande; mas não o foi menos a sua pintura. Aos nomes
de )oao de Castilho, dc Tomás Fernandes, de lerónimo Bovtaca, de Diogo de Torralua,
de Benavente, de Mateus Fernandes, de Jerónimo de Ruão, contrapõe-se a estirpe de Jú-
piter dos nossos «primitivos», cujas agiografias nos revelam tõda a côr. tôda a opulência,
lodo o faus<o do século de D. Manuel.
ciclo de D. João I leve um pintor — mestre António Florentim — que deixou a imagem dos
nos frescos da igreja de S. Francisco, do Põrlo. e que pintou para o Carmo o retrato de
de que a tábua do palácio Pombal é uma réplica, devida talvez ao pincel do mestre de S.
ADORAÇAO DOS MAOOS
d* Crlat6vSo dv Figueiredo
(Mwicu Njtional de Arit AniiHA. Lliboa)
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J
A ERA MANUELINA
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ciTTi cnmoipcc£> ruppticunL Q,irf
rcaUum.ialu.itii munDúdR^u
©ú.cwiãe me rcmcfiú. XJr^P^»
fcmutiDi ccfpfTc.vriiponlueoc
tbolamc^cóiidiíebciuíiiiíimj.
rtrgini» mMnQ (tauriilJ. { jjiud
fo:ti pctcntic.gmu (untúruroij
cricuia tcrrcfirtj . nufu kumvr
fiú^m. 5c?c^uniLiragii.rm
Bento. O ciclo de D. Afonso V possuiu o seu pintor também - o grande Nuno Gonçalves -que. no as-
sombroso políptico de S. Vicente, padrão máximo da pintura portuguesa, legou à imortalidade a figura do
Infante D. Henrique, o precursor e o patriarca das navegações, e que. segundo tôdas as probabilidades
debuxou os cartões para as maraviltiosas tapeçarias da conquista de Arzila, guardadas pela Espanha na
Casa do Infantado. Ao ciclo de D. Ma-
nuel corresponde, não apenas um pintcr,
mas uma pintura; não apenas um mestre.
— mas uma escola (').
As novas condições do país.
convertido em entreposto do comércio do
Oriente; o consequente engrandecimento
do poder real; a intensificação das nos-
sas relações internacionais, sôbre tudo
com a Flandres, por intermédio das fei-
torias de Bruges e de Antuérpia, e com
a Roma de Rafael, de AAiguel Angelo e
de ]úlio Romano, criaram um meio favo-
rável ao desenvolvimento da arte. e, em
especial, da pintura. Lisboa, com os seus
selenla e seis pintores, os seus quarenta
e sete desenhadores, os seus dez ilumi-
nadores-carlógrafos. tornou se, no prin-
cípio do século XVI. um notável centro
de cultura artística. Foi a expressão bri-
lhante do nosso cezarismo. D. Manuel
manda pintores à Itália; artistas italianos,
como Luca delia Robia. trabalham para
Portugal; mas é a Flandres que exerce
uma influência mais directa sôbre a obra
dos «primitivos» manuelinos. Não só se
sucedem as encomendas de quadros aos
mestres flamengos (o fríptico de Nossa
Senhora da Misericórdia, de ]oào Provost;
o políptico da Sé de Évora, de Gérard
David, com o admirável painel da Senhora
da Graça; o Fons Vitdi. atribuído a Ber-
nardo von Oorley); mas muitos portugue-
ses vão aprender á Flandres (Eduardo
Portugalois era, em ISO, discípulo de
Quentin Metsys), e muitos mestres da
Flandres veem pintar para Portugal, como
Frei Carlos, como Francisco Henriques
(filho de português e de brabantina). como outros que trabalhavam na oficina de Jorge Afonso, a S
Dommgos, nacionalizando-se ale certo ponto na emoção e nos processos, adoptando as nossas «tinias
opalinas., sentindo, como nos. a nossa luz e a nossa paisagem. A esta poussée de estrangeirismo, nalu-
pafcha.ablxicp:íiíT>nKii jucn
njeonivroíú^vifiiUãnaialieoo poic.tKflieafdopcrftoi. x auo
mini offifi bK niancrirvííe nó dl f^'"" Píuegloiu-wo pif i filio.
ÍPirbuBT»fiiaeifcn*)libiiti. fuá fíefimul paroílito.iícnipiicnw
lú fit ? cí brávirdc i d oiliiô feio ainc.í t t>ic br* i r-uc itqiíÊ
nípQcc.p:ouii(€nuo(õríciur. iceoiíúnirao vefE!a0- ft>Aici0'»-
£.1 í^e frilfi tjr. l(crionu5 nicnr^ t fcnjlib* f n-b" p tciú úTJuriii j.
qj túcnóaguuroffincfwufinn. IRwatíffhírtUpn-.cinulwpIuíiir
fl)mnâ btécfffe flpiur. i fil 5dc ""f*^""* p.?»pcnamrcfrn) ri (jírmirt
ODuftii idflliip.vtPtmf.iufiDii foluatcwn. a^j nnJt^.tiriCacrwmi
plf r furi ir ipni fc flii.i quo nuii^ P"' ^ icTiginqoe.ft danud v9
offm bif çgi6 Ã^xtw. sabba »»pl*t (crrorum. fljidito.
10 vffpfr«6.afíf f>r fi-nalceoi. inifl ?nc potcnna? rua
fútur.nifi ffflú iioiir Uónú mtf r. \J rcni-vrab imincnbcTKCíJ
Hfiicnt.
L' jpifulum.
jCfctJífflrmíuntTíí
ai oftp.ifufniúbo
WÍMcrméluftú.irc
gnabirrcnf-iptcnfl
cntifaactiuoiauj
tíuftíciãintcna.
rmMnutfTpwccwirur.i mrliuf
td!u nrórú puulie. tc maeaniur
DMfcgoitc cripuicUbcronufaU
inh.qma fómf.Wcáruríiflia
vie t líiij.i fctfie ri0 fcquftteoí»
n.piout í fcT.ii. frquhi piotia
víô 1 buif.noranrur. aT> <cç>\t^
flfíf ífl^bf*%oioiího.qBCTc/
pfalmifhi.£tííncnDú i^o^9Gi
BrcvIJrlo Dracir«n*e. Obra Imprcita mm Braga por Joio Ohariina, al«-
mlo. no ano de t«M, -CaampUr da Biblioteca Nacional da Litboa.
A PINTURA
ni., , p* nossos -primilivos- comc(.irjm agorj a ser estudados. EsinngeiroB como Racívniki Robinion lusll
'^í^'^''"'': como Ramalho Onigio. Joaquim da Vasconcelos. Souw Wlcrbo. Jo.é fSÍÍSo mÍ-
ximi ano dc AragJo. Antonio Augusio Gonça vl-s. leem procurado esclarecer os múltiplos problemas qurdS r"sDcilo à
«KiMcnca de uma ou várias escolas de pmiura em Portugal nos séculos XV e XVI. e à ideniiflcaçílo daí lábui. subSnIcí
com os seus presumidos autores mercê duma vasta polinímia encontrada nos documentos dos nossos íroulvo» públicos Ao
mesmo tempo, un, ilustre c erudno arlisla. o pintor Luciano Trclre. sujeitando a Iratamenlo algumas lábuls do» .pr Svos°
portugueses (,quc .urprcendenie restauro o dos painéis dc Nuno Gonçalves!) permitiu-nos admira-Ios em iodo o esSSí di
sua beleza onsinal. Apesar disso, o estudo dos nossos .gôlicjs. pode conslderar-sc na intincw, lendo, r/iw m» lor SirlV
um caracter provisono as idenilficaçõcs Jle hojc leJIas. au^ maior pane.
19
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ral numa sociedade e numa côrte civilizadas à pressa, correspondeu uma intensa, uma deslumbrante
floração de pintores nacionais. Dois focos disputaram a primazia na glória: Vizeu -Coimbra e Lisboa.
No primeiro, mestre Velascus. forte, audacioso, violento de côr, pinta o 5. Pedro do mosteiro de Ta-
rouca, tipo rude de plebeu sob uma tiara de campainhas de oiro, o Pentecostes de Coimbra, a Ceia
do Paço episcopal de Fontelo; Caspar Vaz levanta, com a unção e a ternura dum primitivo italiano, o
encantador políptico da Virgem, de Ta-
|fo0Dfofe0. ScnbozDc roenie maraui]t>o
BlcomopoDcce Oi3írqorcn[x)26toooomp
Ç)oaocamno0iDolio0nemno0 vofíoe Dcotoiq
be maf 02 fcnl^oí que eliee.
C£oniooemperaoo2 enuiou bufcarad rdiqucae
Deiefu rpopoilo fcu mcftrc fallaXapuollo.y
rouca; Vasco Fernandes, que BertauM
injustamente reduziu às proporções de
'un peintre médiocre que n'a fait que
copier», (') executa essa página de in-
quietante naturalismo, que é o Calvário
da Sé de Vizeu, e a maravilha do S.
Pedro, grandioso, solene, barbado como
Júlio II, envolvido num estoláo bizan-
tino povoado de icones. assentado no
seu amplo faldistório da Renascença.
No segundo foco — Lisboa — esplende
a escola de )orge Afonso, pintor e
arauto de D. Manuel. É éste mestre
que pinta o admirável políptico de S.
Francisco d'Évora. cuias figuras vivem
sôbre fundos de ouro, como numa ico-
noslase; é éle que sonha a doce figura
de Santa Maria das Neves; é ao seu
lado que trabalham, na oficina de S.
Domingos, Gregório Lopes, o mestre do
retábulo do Convento de Cristo, de
Tomar, o flamengo Francisco Henri-
ques, que o rei nomeia passavante.
Pero Vaz, e, com êles, sete pintores
vindos da Flandres. Tôda a sumptuo-
sidade da Lisboa manuelina, da Ve-
neza atlântica, da cidade dos Argonau-
tas, que trouxera duma nova Cólchida
um novo velo de ouro, resplandece
nos painéis de ]orge Afonso e nas tá-
buas doutro grande artista, Cristóvam
de Figueiredo, pintor do cardial D.
Afonso, mestre do Catuárío de Santa
Cruz, do retábulo do Paraíso, das for-
midáveis cabeças dos Doadores, das
magestosas figuras dos Reis Magos,
que. pela riqueza dos estofos, das
jóias, das espadas, parecem ter saído
da faustuosa guarda-roupa de D. Ma*
nuel. Lá estão, nas personagens episó-
dicas das agiografias dos dois pintores, os tipos vistos e observados por éles na Lisboa do século XVI.
— os alabardeiros que se debruçavam da galeria das Damas; os soldados de Mazagão, vestidos de enor-
mes couras. jogando ao sol à porta do Armazém das Armas ; as mulheres pintadas de loiro, embrulha-
Êfponocoocmpcraoojao meftre falia cu
ro0 Digo 1 voe nianoo que fe^nb aflTf
ilcomo roôDiyeôquc logo ago:a voo apa*
rdbec0papafíjremib:lhialYcnocaqllef3fop:ofe
ía|foYquccu pjomero quefeo fantopfera niegua^
reçe oeíla enfiTiniDaDe.i oeíla Docça q eu vingareY
flruarno2rc.eDi3eeflpillaro meuaDiáraoo qconio
menõenuioiiorreburoqmeDeucDreteánoe^oap
lt?e cda caru niuitpa. Êviílo ga^^ o nidlrc falia apa
Página úm MIatdrIa do Imperador Veapaalano
Imprcaalo lalla atn Llatooa por Valvniln dc Morivla am im
ea*mplsr único conhatido. parlancanta 1 Dibllotaca Nacional da Uaboa.
(') EmUe Dertâuii, Lã RenêíssMce en Espagne et en Portugal.
20
A DEPOSICAO NO TÚMULO
úe CrUlóvlo a» Flgu«lr«do
(Muieu Nacional <)• Arlc Anilsa, LItboa)
■
I
A ERA MANUELINA
voo*>(uo.tO^IUfobioa qiuneo ufmcrn.oint*-'jít iílIc.0un<M(«if
lo?4Uftiiuoo4tecíMDícftríDeOo(« becnomuoa.c^muf pjfjbcr.viuoc»
aoorj aaramoite fariw t nem .ao qiujco bj ítcftú poot wpnar. £
huutn onrcmplo wjaiO fins Xpra atjiico (tbòoc ccmjojr (o fcruw .
jauc mifo cniro fdirjiu tu pjmw ouir'' fo bico murntuiiobooo.íon»
lUDopamc.-iCMvliiioJjomunoopd abtauítuíJíJidlcituI £iqtIíot«»
lotomarPorjmcqiKinicauijrciw. fthàocpcofitògrjwiTiinoftfUWOo
CaflOM fabciioo que fatto c^walUo (ortçò.eOMpieàiiuiítpo: qõêiw
-^i**^^*"^''''^*^'"^'"'^'"^'-'"" iwwlofiooqpfwmrt}.' KcfpÒDtiIc.
ripn4(* 1 millaurci) rnjra c/ítaitíciuc pmeiumât po:ócf6l»hoiiK incn*
íonbCiUm fiu «roj« (, i nom Ix nc incrcçimóo juciu itó tcínáoo aj «»'
jdTiiroqalffuu rcp:íguniO £a inup jó. ixfffiwnainãc poi ^ ft juilwnj
M9«}csí«núOl)aôlofa.qucrfiit>o« oumÉnoafccflimjrijoócSpoiKotrí * ilumin.ira
Ihíflpwgumarouuumhjrcpollaàrc bJlfwfcRratíaiTc.ífríorainhfpwã
que Ifx picfiuiiiúfrem. £ aiTp p:imf?/ acrcícnico orfe/o. Comoft moftra
Tí>Uxorefponc<cotV'>íp-cí;""WiTnri. namolftcrfbjnancaffliurtajnctepoi
CcrtorTcan^qocotífjcitOZfcma líobomcicbumlfoctomo fcmoitrj
£flinoqucw>;f)orniiãxr otooalla* natnccftnafhtiiunej.ãrõfcnauarar
coube cfcoDioao n" c i cc: q ft) jú* t jxIU Q uirainr tf poíq mo «xfl C«
wtJíroinaruralfilbocftfonoqualcftj qiDarfocifioqfomilfwwctfloíôuí
Cfíóoio' («wH" tcfouí^ Pa fabccviia i nhauFi quawfoíaobCTnf p:ouotofe
t1éçía(ítfí)«»ítrqi"0of)faccujbt-lf)o ^ , '
l)ôccfrDi)1Do>l)ire(cberecô.1xx «í-UagCÍDOnoOia niCCfino
notar ftoúooauoflfn/xt.qucnreina^ CaarjcnTIorn.
iidraelMeet>cnogara)m»e.r.£jf' ■ — —
f 00. €0<coo 1 £]Our[o rnilt)o:eo. C> 0
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Danu âux.benotempouaco 1 vioa
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oobeene tcpoiaaco. (omo (om ao kii*
0ae t homrraú 1 amigoo . nqucjao 1
foafif (cmcibantco aaa vtite (on f au
Cl oe ptuãf iJOUfTOd oc tncrcfcr .
àHfiiXo apíoucUcm khi aquaes
tas. que tanto irritaram o sábio Nico-
lau Clenardo; os calafates hirsutos que
no varadouro, a poente do Paço da
Ribeira, breavam e estopavam o ta-
boado das náus da índia. O Paço, os
mosteiros, as igrejas, os hospitais, as
novas misericórdias encheram-se de re-
tábulos, de painéis, de polípticos em que
às vezes apareciam, aos pés da Vir-
gem, as figuras orantes de D. Manuel, das
Rainhas, do papa Leão X, dos infantes
portugueses. E, ao passo que os pinto-
res em tábua enriqueciam altares e san-
tuários, espaldares de arcazes e cadeira-
dos de capítulo, os pintores em pergaminho,
monges de Alcobaça ou mestres secula-
res, iluminavam livros de Horas, crónicas
de reis, cartulários das Ordens militares,
códices da grandiosa Leitura Nova. en-
riquecendo de minio. de sinoble. de ouro
brunido, de capitais, de iniciais, de tarjas,
as fôlhas membranáceas que o seu esti-
lete mordia sôbre o atril dos scriptoría
ou sôbre as estantes de arquibanco. Os
nomes de alguns dos mestres da ilumi-
nura manuelina — Alvaro Dias de Froilas.
António Fernandes - pouco falam à nossa
imaginação. Um nome. porém, passa as
fronteiras: o de António de Holanda,
que pintou em Toledo o retrato de Car-
los V; que trabalhou em Tomar no car-
tório da Ordem de Cristo; que inventou
a iluminura a branco, preto e ouro; que
enriqueceu as fôlhas do Livro de horas
de D. Manuel, e cuja glória bastava para
que o gordo Garcia de Rezende, mú-
sico, poeta, diplomata, pintor êle pró-
prio—o «peixe tamboril», como lhe chama
Gil Vicente -pudesse dizer com orgulho nos versos da Miscelânea:
«Pinctores. luminadores
agora no cume estão,
ouriveses, sculptores ...»
Obra lmpr«... na cidadã do PÒrto por Rodrigo Alvar... no ano de i«n
Bsamplar da Blbllottca Nacional dc Uaboa
21
HISTÓRIA DA COLONMZACAO PORTUGUESA DO BRASIL
IL VICENTE!
<: E o que é a obra do parriarca do leatro português, senâo uma pintura maravi-
lhosa? iO que sâo os autos pastoris, com os seus vaqueiros de samarra e as suas cha*
colas h Virgem, senâo presépios vivos, tocados pela ingénua unção de ]orge Afonso ou
de Cristóvam de Figueiredo? cO que são as tragicomédias do Mestre, senáo tapetarias
sumptuosas onde grandes figuras dorradas passam, gesticulando ? c O que é a Trilogia dãs Barcas, tam
bela. que Lope de Vega a imitou, tam profunda nos seus conceitos filosóficos, que Erasmo aprendeu
português para a lèr, — senão um fone c dramático Holbein. um fresco formidável da Dança da iVione
em que os cadáveres dos reis, dos papas, dos cardiais. dos bispos, bailam arrastando as opas, as púr-
puras, os pluviais, as dalmáticas ?
LUboa no tempo do O. Manuol.-Gravura tstratds óa obra Intitulada •CIviíaiaa Orbla
Foi além. no Paço da Ribeira, junto ao leito duma rainha puérpera, numa pequena recamara
armada de razcs. com a história de David e de Saúl. que Qi! Vicente, vestido dc vaqueiro, com o seu
caiado, os seus ceifões, a sua manta do Alemtejo. representou pela primeira vez o Auto da Visitação.
D. Manuel soma; a Duqueza de Bragança e as duas rainhas velhas — D. Beatriz e D. Leonor — assen-
tadas sôbre bancais de tela de ouro, seguiam encantadas a representação; bailando ao som de adufes
e de gaitas de foles, zagais, pastores, porqueiros, risonhos, felpudos de samarras e de pelicos, traziam
22
A ERA MANUELINA
à panda ovos. mel, cântaros de leite fresco, cordeiros brancos com as patas atadas de flores Aca-
bava de nascer, na câmara doirada do Rei do Mar. nâo apenas o teatro português, mas o teatro de
toda a Espanha, - porque as éclogas de Enciiia. os diálogos do Velho de Toledo, o poema de Rabi
dom Santo nâo t.nham passado de tentativas irregulares. É no ciclo manuelino que surge com Gil
Vicente, a pr.me.ra íarça popular espanhola - Quem tem Farelos : é. mais larde. no ciclo joanino que
' ''^9^'^'" '■*^2ular da península - a Castro, episódio amoroso
medieval dramatizado, segundo o cânon grego, nos versos brancos de Giangiorgio Trlssino Dir-se-ia
ao lado duma pintura flamenga, gorda e rica de còr. o mármore dum baixo-relévo da Renascença Da
guarda-roupa de D. Manuel- verdadeira pepinière de glórias - nâo saem apenas poetas: sai uma litera-
tura inteira. E aí que o doce Bernardim, o rouxinol das saudades, sonha a novela pastoril da Ali'-
Hf
4
i
I
)
^ Wl-OU i.íàV>OSA. kLOKl.H nS ^
TvrrsruRi', d* Oaorgiu* Oraun 01 Fr«nci«cua Hahanbvrglua. Colonlaa Agrippinac. isri
nina e Moça. E aí que Garcia de Rezende, com o seu ventre enorme e a sua carapuça de veludo, toca
viola e medita as trovas da Miscelàneã. Aí se forma o grande espírito de Damiáo de Góis. o mestre
em cujas mãos a prosa portuguesa tem a opulência e os lampejos da prata lavrada, o amigo íntimo
de Lutero, do Cardial Dembo, de Melanchton. de Paulo 111. de Jacob Fugger. o cronista a quem
Erasmo, em 1544. dedica o seu Compendium Rhetorices. Aí. como simples moço da guarda-roupa se
cria João de Barros, historiador da Asta. iam notável, que Veneza o incluí na lista dos «grandes
23
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
homens., que Pio IV manda colocar o seu retrato no Vaticano ao lado do de Ptolomeu que Luís Vi-
ves^ Erasmo. Guilherme Boudée a alma da Renascença humanista -se curvam peranlé a sua obra
veMadeiro arco triunfal da epopeia portuguesa do Oriente. Se tivesse pressentido a glória dêsles dois
homens. D. João II não se dirigiria a Angelo Policiano, «wro peritissimo et amico suo> pedindo lhe
para escrever a história de Portugal. Nâo sâo já apenas as navegações portuguesas que espantam
o mundo; é a nossa cultura, são os nossos sábios, os nossos humanistas, os nossos doutores os nos-
sos poetas Abraão Zacuto, o auctor das Tábuas Astronómicas, aperfeiçoa o astrolábio de que' se serve
Vasco da Gama. Pedro Nunes. Garcia d*Orta. precursores geniais, criam sciència nova: o primeiro tem
a intuição das leis da decomposição da luz. inida o estudo da loxodrómia. inventa o nónio; o segundo
descreve pela primeira vez o cólera asiático, revela à terapêutica o fruto da stri^chna nox uomica Por-
tugal acende-se num darão -para iluminar a Europa. É certo que os estudos cosmográficos e o "inter-
câmbio universitário — sôbre tudo por ocasião
da reforma de 1504, que iniciou o huma-
nismo francês, e da de 1537, que transferiu a
Universidade para Coimbra e incorporou nela
os estudos de Santa Cruz -trazem para o
nosso país uma onda de sábios estrangeiros.
Aqui estiveram os alemães Deheim e Fabrí-
cio; Qs escoceses Scott e Jorge Buchanam, o
poeta mestre de Maria Stuart; Nicolau Grouchy,
que traduziu Castanheda; Guilherme Guerenle*
cujas tragédias laíinas Montaigne celebrou;
os italianos Rosetto e Fábio Arnánio; Elias
Vinetus; Cataldo Sfculo; o ilustre Clenardo.
— e tantos outros grandes espíritos da Re-
nascença. Mas, em compensação, ique ra-
diosa plêiada de sábios nós espalhamos
pelo mundo inteiro! Aires Barbosa, latinista,
helenista notável, condiscípulo em Florença
de João de Médicis (depois Leão X), inau-
gura o estudo da língua grega em Espa-
nha, onde se torna o mestre dos mestres;
Amato Lusitano deslumbra a Itália; Aquiles
Estaço, doutorado em Lovaina e em Paris, he-
lenista, amigo e bibliotecário do cardial Sforza,
ensina na Universidade de Sapiência e funda,'
êle próprio, uma biblioteca em Roma; Fran-'
cisco Sanchez, autor da síntese negativista
Quod nihil scitur. professa nas Universidades
de Tolosa e de Montpellier; Diogo de Gou-
vêa, o Velho - tronco da dinastia ilustre dos
pedagogos Gouvêas — funda o Colégio de Sl.*
Bárbara, em Paris, e a sua fama é fanla que
Ferne! lhe consagra o Monatosphoenum ; An-
r
DAMiAhíV5 A Goes.
Jrur)xíiSr ^mtu- enarrat afJía ScQmíf
J^manu (Carrt .Jutius in 'Occacfy
^caUa vt laífom firà data fcnpta (fíutxã,
jC7>úoÍ^aeccpa nomm aê JÚy/oHiA.
(Rttrcie d» A. DOrcr)
d ffe/t AriíôS' sZ,t:IT''V ° '"^'^"^ - disputa "em
Lò^n lrnr.ih„ ? Fernandina, émulo do grande criador do Corpus iurís e laime Aca
capêio vermelho, ensmam na Universidade de Bourges; Pedro Fernandes de Évora e oiogo ie Teivt
( ' ) f SM/5, n.
24
A ERA MANUELINA
professam tatim e grego na Universidade de Paris; loao Ribeiro, na de Deauvais; Frei Agostinho da
Trindade, na de Tolosa; o elegante Francisco de Holanda, autor do Tratado de Pintura Antiga, vive
na intimidade de Miguel Ângelo, de Giulio Clovio, de Sebastiano dei Piombo, do erudito Lactanzio
Tolomei; Manuel de Teive é o discípulo amado de Fernel; António Pinheiro, sôbre cuja cabeça res-
plandece a mitra, é o discípulo querido de Strebée; André de Rezende, latinista, arqueólogo, alma to-
cada da graça da Renascença, dísiingue-se em Lovaína; ]oáo Fernandes da Costa e o padre Vilhegas
são reitores no colégio de Guvena;~tiès portugueses insignes. Guilherme de Gouvéa, Alvaro da ''f'
Fonseca. Diogo de Gouvêa. o Moço descrevo com comoção e com orgulho os seus nomes!) merecein
a honra de ser eleitos em claustro pleno, nos anos de 1530. de 1538, de 1547, reitores da Universi-
dade de Paris, então — na frase de Ramus-a Universidade do mundo.
A êste alto grau de cultura da sociedade portuguesa da Renascença corresponde o desenvolvi- * '«i-Rr»!**
mento da indústria da tipografia e do comércio do livro. Aos primeiros ensaios que, no fim do século
XV, realizaram os impressores alemães, italianos e judeus em Faro. Lisboa, Leiria, Draga -Samuel
Gascon. Rabi Elieser. Abraão d'Ortas. Rabi Tozorba, Nicolau de Saxónia. Valentim de Morávia. Ermâr
de Campis. Pedro Bonshomens — sucedeu uma produção tam considerável, que Garcia dc Rezende re
gista o facto de, mercê da «letra de fórma achada», crescerem a cada passo as livrarias; Cristóvam de
Oliveira conta, na abastada Lisboa do século XVI. cinco oficinas tipográficas e cincoenla e quatro lojas
de livros; e não só os embaixadores de Veneza, Tron e Lippomanr, mas o próprio cardíal Alexandrino,
espanlam se de ver a riqueza, a abundância, a variedade do mercado dc livros da Rua Nova. Lisboa
não era apenas a metrópole comercial da Renascença; foi lambem, no século de D. Manuel e de
D. }oão III, um dos mais intensos focos de pensamento da Europa. Se hoje é a França que ensina a
pensar o mundo, houve tempo- que o diga a Universidade de Paris, que o digam as sombras glorio-
sas de Rabelais e de Montaigne! —em que foi Portugal que ensinou a pensar a França!
|1S o que era o povo cujas naus. na manhã de 22 de abril de 1500. avislando pela primeira
vez aquela montanha verdejante, frondosa, magnífica, prolongada de vagas cordilheiras
coroada duma atmosfera de ouro fluido, — descobriram o Brasil e ofereceram à civilização
um império formidável.
Mal daquelas nações que se contentam com as glórias do passado, e, caídas em
êxtase perante a imagem do que loram, esquecem a realidade do que são. iMas, mal dos países, também
que não sentem o legitimo orgulho das suas tradições, dos seus antepassados, das suas glórias remotas!
da carta de brasão da sua nobreza secular, que não palpitam, que não vibram, que não comungam naquele
culto dos heroísmos, dos esplendores, dos sacrifícios e das virtudes do passado, indispensável ao
próprio sentimento da sua continuidade histórica e à própria permanência da sua unidade nacional!
4
25
CAPÍTULO II
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
■
DESDE O INFANTE A D. JOÃO DE CASTRO
PELO
PROF. LCJCIfíMO PEREIRA Dfí SILVfí
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
DESDE O INFANTE A D. JOÀO DE CASTRO
• Conceito digno foi do ramo claro
Do venturoso Rei que arou primeiro
O mjr, por ir deitãr do ninho caro
O morador de Abilã derradeiro.
(Os Lusíadas. Vllt. 71)
1-0 CONCEITO DO INFANTE NAVEGADOR
UANDO a rainha D. Filipa, no seu leito de morte, se despedia dos filhos
maiores, entregando-lhes as espadas com que iriam à tomada de Ceuta, de-
pois de encomendar a defesa dos povos ao futuro rei D. Duarte, e a das
donas e donzelas ao Infante D. Pedro, assim falou ao Infante D. Henrique,
o «ramo claro» que ela especialmente amava:
■ Bem vistes a repartição, que fiz das outras espadas que dei a vossos
irmãos, e esta terceira guardei para vós, a qual eu lenho que assi como
vós sois forte, assi é ela. E porque a um de vossos irmãos encomendei
os povos, e a outro as donas e donzelas, a vós quero encomendar lodolos
senhores, cavaleiros fidalgos e escudeiros destes reinos, os quais vos en-
comendo que hajais em vosso especial encargo... Eu vos dou esta espada com a minha benção, com a
qual vos encomendo e rogo que queirais ser cavaleiro* (').
Em 21 do mês seguinte, agosto de 1415, foi o assalto à cidade de Ceuta. A bandeira qua-
drada de D. fienrique foi a primeira a entrar pelas porias da cidade. *de cuja sombra èle não era mui
afastado». E tam superiormente se mostrou, na áspera peleja, a sua rigeza de braço e fortaleza de ânimo
que D. )oào I o quis armar cavaleiro na tarde désse mesmo dia. Mas o Infante só quis receber tal
( ) Azurara, Cfironicj da tomada de Ceuta. Cap. XLI, edlcSo da Academia das SdCndas de Lisboa, 1915, pig. 124.
29
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
honra jiin -M^nte com os irmãos mais velhos. A heroicidade de D. Henrique na jornada de Ceuta nào
loi esqii. pelo canlor dos Lusíadas:
Olha cã dous Infantes, Pedro e Henrique.
Progénie generosa de loane,
Aquele faz que fama ilustre fique
Déle em Germânia, com que a morte engane:
Éste que ela nos mares o publique
Por seu descobridor, e desengane
De Ceuta a maura túmida vaidade,
^ Primeiro entrando as portas da cidade.
{Lusíadas. VIII. 37).
Mas ao descobridor dos mares eram precisos aqueles cavaleiros que sua Mãe lhe encomen-
dara. Por isso a sua casa foi escola de homens valorosos, destemidos e fortes, capazes de se arrisca-
rem aos maiores perigos. «Éste foi o príncipe sem coroa, segundo meu cuidar>. observa Azurara ('). «que
mais e melhor gente leve de sua criarão». E ]oâo de Barros diz( ): «Foi mui amador da criação dos
Fidalgos por os doutrinar em bons costumes; e tanto zelou esta criação, que se pôde dizer sua casa
ser uma escola de virtuosa nobreza, onde a maior parte da Fidalguia dèste Reino se criou, aos quais
êle liberalmente mantinha, e satisfazia de seus serviços». *Enlre os primeiros descobridores mais de 50
eram criados do Infante», nota o Visconde de Santarém ( ). Eram criados do Infante, como os dois man*
cebos Hector Homem e Diogo Lopes de Almeid:], os heróis da cavalgada da primeira incursão na Africa
desconhecida, ambos, segundo Barros ('), «homens Fidalgos e especiais cavaleiros, criados na escola da
nobreza e virtude daquele tempo, que foi a casa dèsle excelente Principe Infante D. Henrique».
Fundador de uma Escola nova. de observação directa da Natureza, que ia suplantar a Escola
de Alexandria, os seus discípulos iriam arrostar com os lerrores dos mares desconhecidos. As bancadas
de estudo iam ser as pranchas das caravelas, impelidas pelos ventos sóbre as ondas. Os seus navega-
dores, que iam fundar a moderna geografia, não aspiravam aos graus de licenciado c doutor das Uni-
versidades medievais. Outro grau cobiçavam: aquele com que foi recompensado o jóven Anião Gonçal-
ves, quando, arriscando a vida na tomada dos primeiros cativos, conseguiu satisfazer o requerimento
insistente do Infante, de lhe levarem «língua da terra»:
«O feito assi acabado, como temos escrito, juntaram-se lodos assi como foram na peleja, e co-
meçaram de requerer Anião Gonçalves que fosse cavaleiro, o qual menosprezando seu trabalho, dizia que
não era razão que. por tam pequeno serviço, houvesse de receber tamanha honra, maíormentd que sua
idade não o requeria, nem éle por sua vontade nunca o seria, salvo depois que passasse por maiores
feitos. E finalmente assi por os sobejos requerimentos dos outros, como por Nuno Tristão sentir que era
razão, houve de fazer Antão Gonçalves cavaleiro, ainda que fõsse contra seu querer; por cuja razão
dali avante chamaram aquele lugar: o pòrto do Cavaleiro. E assi foi èsle o primeiro cavaleiro que foi
feito em aquelas partes* C).
A coragem ousada era a qualidade primordial; ela distinguia também os estrangeiros de boa-
mente admitidos a lomar parle na árdua empresa, como aquele Baltasar, gentil-homem da casa do Impe-
(') Azur^rd, Chrontcà de Ouiné, C»p. IV.
(1 Birro». Déc^dj I, Liv. I. Cjp XVI
O Aturara. Chronicã de Ouiné, Paris. IMl. pi^. Xl.
(•) DuTOt. Décãds I, Uv. I, Cap. V.
C) Aiuran, Chrcnica de Ouiné, Op. XIII.
30
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
rador da Alemanha, que. lendo vindo à romada de Ceuta, onde foi feito cavaleiro, dizia desejar muito,
antes de partir de Portugal, ver alguma grande tormenta. E nâo lhe íoi a fortuna escassa no cumpri-
mento de seu desejo, porque, indo depois com Antão Goncalves, <foi a tormenta tam grande que por
maravilha escaparam de perdição» (').
No palácio do Infante tinham honroso acolhimento os que cultivavam as artes e scièncias
auxiliares da navegação: astrónomos, roteirislas e cartógrafos, construtores de instrumentos e constru-
tores navais. Os seus cavaleiros podiam af examinar os formosos portulanos medievais, maravilhas de
cartografia, e seus respectivos roteiros, manejar os quadrantes e astrolábios com suas complicadas
peças, finamcnie gravadas, seguir no firmamento o curso dos astros. Mas o Navegador resumia o Esta-
tuto fundamental da sua escola em quatro palavras: Talent de bien faire. desejo de altos feitos. Da escola
porluguc&a de navegação, fundada por èle, foram genuínos representantes as nobres figuras de Duarte
Pacheco Pereira e D. ]oâo de Castro, homens de sciència e homens de acção, ao mesmo tempo navega-
dores, cartógrafos e soldados, sem ambições de riqueza, prezando acima de tudo a glória de sua pátria.
Damião de Goes, tratando «das causas que moveram o Infante D. Henrique a querer desco-
brir terras e mares pela costa d'Africa. até chegar à fndia, e da certeza que leve para o mandar
fazer» O. depois de o declarar, além de mui arriscado cavaleiro, muilo dado ao estudo das letras, prin-
cipalmente da astronomia e geografia, conta como. para melhor exercitar tam virtuosas artes, depois que
tornou do cêrco de Ceuta, escolheu sua morada e residência no Cabo de S. Vicente, onde fundou a
Vila do lnfanl^ ('). e daí determinou mandar navios ao longo da costa d'Africa, «com tenção de chegar
ao fim de seus pensamentos, que era descobrir, destas partes ocidentais, a navegação para a índia
oriental» A certeza de*poder realizar o seu propósito foi adquirida primeiramente, segundo Goes, na
leitura dos geógrafos antigos, <os verdadeiros autores em que continuamente estudava, crendo o que
escreviam como cousas escritas por homens, e assl as cria, e duvidava, como se deve fazer a todalas
que dos homens e de seus juízos procedem, nas quais, com a certeza, está sempre junta a dúvida».
Entre outros autores, cita êle Estrabão, Plínio. Cornélio Nepos e Pompónio Mela, os quais contam via-
gens de circunnavegação da África, que consideram como uma península. Para Estrabão (') o continente
africano tem a fórma geral de um triângulo rectângulo cujo catéto maior é a costa do Mediterrâneo
desde as Colunas de Hercules ao Egipto, seguindo o catéto menor a linha do Nilo até à Etiópia, donde
a hipotenusa, foimada pela costa do Oceano, se estende até ao extremo ocidental da Mauritânia. A África
é assim reduzida a menos de um terço da sua verdadeira grandeza, com uma dimensão norte-sul metade
da extensão lesle-oeste. O Atlântico banha tôda a margem sul da Líbia.
Goes, naturalmente, não fala de Ptolomeu, para quem o Oceano Índico era uma grande lagòa.
fechando assim tòda a comunicação entre èste mar e o Atlântico, loão de Darros é que imagina o
Infante animando ]oão Gonçalves Zarco e Tristão Vaz a passarem o Cabo Bojador, dizendo-lhes que «se-
gundo mostravam as távoas de Ptolomeu» ('). a costa continuava sempre para o sul até se meter debaixo
da linha equinocial. O conlôrno da costa ocidental africana, segundo o geógrafo alexandrino, a que Barros
se refere, levou cartógrafos da Renascença a porfiarem em colocar a linha equinocial através do Sudão, ape-
sar de verem nas cartas marítimas portuguesas o equador já traçado sõbre o mar até à Ilha de S. Tomé O
Ptolomeu oferece um exemplo notável de quanto um sábio eminente pódc concorrer para
retardar o conhecimento da verdade. Para que os êrros geográficos de Ptolomeu (*) fossem considerados
verdades respeitáveis bastou a sua autoridade de grande astrónomo. Para que èsses érros fõssem jul-
(■) Azurara. Chronicã de Ouiné, Cap. XVI.
O DAtniSo de Ooes. C/ironícs do Príncipe D. )oam, Cap. VII, ediçlo dc Coimbra. I90S. pigt. H-16.
C) A respeito da situação da Vila do Infante, veja-se o arllgo de Driio Rebelo em O Occidente, 17.» ano. vol.
XVII. n.o SM. 11 de março dc 18«.
(■) Alrolaguirrc y Duvalc. na sua obra Crislóbjl Coión y Pjblo dei Poeto ToscãnelU, Madrid, 1901. mosira bem,
conlra Vignaud, que ès:e era o obiectivo do Infante, no Cap. VI da !.• Parte, inlilulado «fiaalidad que perseguian lo» portu*
gue&cs con sus empresas de descubrimicnto».
0) Bunburv. Hislory of ancienf Geography, Vol. II. London, 1879, pág. Z7f.
(•) Darrcs. Déiãdã I. Liv. I, Cap. II.
(O L. Qallois, Les giographet allemands de la Renãisssnce, Paris, IWO, pág. SO.
O Sõbre os êrros geográficos de Piolomeu, veja-se: Nordcnskt6ld. Fac-simile Aftas, pág. 32.
3t
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
gados como tais, foi precisa lòda a audácia dos navegadores portugueses, que, em 1471, passaram o
equador no fundo do Oôlfo de Guiné, desconhecido do geógrafo alexandrino; em 1487. irromperam, com
Bartolomeu Dias, no Oceano Indico; e em 1511, depois da tomada de Malaca, acabaram dc desfazer a
lagõa piotomaica, entrando, com António de Abreu, pelo Oceano Pacifico, em demanda das Molucas.
Assim, desde a sua praia ocidental, os portugueses
Passaram ainda além da Taprobana,
como se celebra na primeira estância dos Lusiadas. onde a Taprobana é a Ilha de Sumatra (').
Depois de citar os geógrafos atrás mencionados, conclui Goes que foi com o oráculo dèstes
testemunhos, «e doutros mais que o Infante teria sabidos, per muitas informações que cada dia tomava
dc mouros Alarves c Azenegues, práticos nas cousas d'Alrica», que êle se resolveu a mandar descobrir.
Enlre ésscs testemunhos não podemos nós deixar de incluir o dos admiráveis mapas medievais, derivados
do portulano-normal. a que Nordenskíuld chama a Iltada da cartografia, onde as costas do Mediterrâneo são
delineadas já com tanta exactidão. Nos atlas da idade média encontra-se, por vezes, além das folhas das re-
giòes compreendidas no portutano-normal, um mapa mundi com uma Africa circunnavegável. Assim sucede
com o alias de Marino Sanudo que acompanha o Liber secretorum fidelium Crucis, escrito entre 1306 e
1321. e com o de Petrus Vesconte, do ano 1320. em cujo mapa mundi ( ) o contórno da Africa é do tipo
estrabónico. No conhecido mapa do Porlulano Laurenziano, de 1351, a Africa é também cercada por mar.
Em Ceuta pódc êle colher informações sóbre a cosia oesle e sul da Guiné e saber das estra-
das comerciais por onde as caravanas dos mouros iam, através do Sahara, ao Sudão, buscar o sal-gema
a Tagaza, o oiro em pó a Tombuclú e ao reino mandinga de Meli, ao sul do Niger. Cartas do século
XIV continham também já dados positivos sobre o Sahara e o Sudão, que o renascimento ptolomaico
veto obscurecer ('). No mapa de Angelino Dulcert, 1339. o Sahara é povoado de oásis; no mapa catalão
de 1375 figuram Tombuctú e as grandes cidades da bacia do Niger.
Assim o Infante pôde conceber o seu plano da passagem sueste para a índia, ao longo da
costa africana, com confiança de êxito. Êste conceito é celebrado nos Lusíadas, bem como as fases
principais da sua realização, pela boca do Gama, falando ao Saitorím:
Sabe que há muitos anos que os antigos
Reis nossos firmemente propuseram
De vencer os trabalhos, e os perigos.
Que sempre às grandes cousas se opuseram:
E descobrindo os mares inimigos
Do quieto descanso, pretenderam
De saber que fim tinham, e onde estavam
As derradeiras praias que lavavam.
Conceito digno foi do ramo claro
Do venturoso Rei que arou primeiro
O mar. por ir deitar do ninho caro
O morador de Abila derradeiro.
Êste por sua indústria, e engenho raro.
Num madeiro ajuntando outro madeiro.
Descobrir pôde a parte que faz clara
De Argos, da Hidra a luz. da Lebre, e da Ara.
(VIU. 70-71.)
(') o nome dc - ' <nj aplicou-se, no scculo XVI, à Ilha de Ceilão e à de Sumalra. Folheando, por exemplo,
o FãC-simite AUãs. dc Noí J. cnronlram-sc os. mjpjs n.'>* XXXIl. XSXV, XL, XM, XLIII, XLIV. XLV, XLVIII, c XLIX,
COO) o nome Tãprobtnã apliv iJu j Ilha de Sumatra. A Taprobana do Canlo ! dos £r. como na Ode que C -sere-
veu para os Colóquios de Garcia de Orla: <TaprobJinlco Achem, que o mar molesta'. tira; a dO Canto X i
(') Nordenskjõlií. Periplus, pigs. 17 c S7.
( ') Veta-se: Dt^couivrrf d'une rfiãtion de voyige ditée da Touat et dectivãnt, en 1447, te bassin da Niger, par Ch.
de la Ronacre, Conservatcur i la DIMiorhèque Natlonal« (Extraí! du Dulletin de lê Seclion de Gíographie, 191B), Paris, 1919.
32
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
R "landadas pelo Infanle. seguem sistemáticamente. umas após outras, já para além
do Cabo Boiador. Olhos portugueses enlevam-se na contemplação e esludo das constelações austrais.
Na estância imediata canta-se o feito de Bartolomeu Dias. Os portugueses dobram, em 1487
o Cabo da Boa Esperança, onde a Ursa Maior era constelação circumpolar oculta:
Crescendo c*os sucessos bons primeiros
No peito as ousadias, descobriram
Pouco e pouco caminhos estrangeiros
Que uns sucedendo aos outros prosseguiram:
De Africa os moradores derradeiros
Austrais, que nunca as sele flamas viram.
Foram vistos de nós, airás deixando
Quantos estão os Trópicos queimando.
Finalmente, alinge-se a índia, com Vasco da Gama, que acaba por falar de si e dos da sua
Irota. como último eio da cadeia de navegadores que se sucederam desde a passagem do Boiador até
à chegada a Calicut:
Assi com firme peito e com tamanho
Propósito vencemos a Fortuna.
Até que nós no teu terreno estranho
• Viemos pôr a última coluna.
Na Escola portuguesa de navegação, fundada pelo Infante, cujo preceito fundamental era a
observação directa da Natureza ('). se formaram Colombo e Fernão de Magalhães. O primeiro aqui ama-
dureceu os seus projectos. «Estando en Portugal, empezó á conjelurar que dei mismo modo que los
portugueses navegaron tan lejos aí Mediodía, podria navegarse la vuella de Occidente. y hallar tiena
en aquel viaje», diz o próprio filho de Colombo ('). Fernão de Magalhães, que foi quem primeiro circun-
navegou o globo, fez a primeira metade dessa circun navegação ao serviço de Portugal, pois esteve com
Albuquerque na tomada de Malaca, e de lá partiu a explorar o Oceano Pacífico O.
O Infante D. Henrique, levando, com indomável persistência, a nação portuguesa a empenhar-
se na descoberta do caminho marítimo para as regiões por onde andára Marco Polo. no desejo veemente
de dilatar «a Fé e o Império», dissipou o terror dos mares e da zona tórrida, dando o impulso que
levou os povos europeus à sua expansão pelo globo. Romperam-se os acanhados limites medievais.
(') «We tiavc come lo lhe time whcn explorers wcre nol Plolemat» or Slrabonlans or Scriplurisis. but Nat-
urallsts — men wlio eKamincd Ihings alresl», lor Ihcmselvcs». (Deaziev. Prínce Henry the NaW3.itor. London, 1901. plg. 14S.)
O Fernando Colón. Historia dei Almirante D. Cristobal Coión, Madrid. 1892. Cap- V, pág. 25.
*En Portugal cs dondo Colón comicnza á esludiar seriamente la cienda cosmognilicj ; sus libros se coniervan
en Ia Biblioteca colombina, v conticncn en las mirgenes gran número de nota» que palpa blemenlc demuestran que el Almi-
rante saludaba por primcra veí esta ciência; ninguna dc ellas arraia cl menor indicio de que Colón luvlera ya loimado con-
ceplos próprios- (Aitolagulrre y Duvale, Cnsfóbjl Colón y Pablo dei P. Toscunelli. Madrid, 1903. pig. 370).
(') «Magellan was the firsi to cireumnavigale the eanh ; for, when in the Ponuguese service. he had rcachffl fb -
Moluccas from the east, while ten years latcr. u/hen under lhe Spanish llag, he arrived thcre (rom lhe wesi* (Nord.
Periplus. píg. 197, nota). Argensola, na sua Conquistj dí- Ijs MoIucjí. Madrid, 1609. págs. 6 e 15. diz: «Este [Afonso ú. ..lui
querquel. no contento con las priineras conquisias. envió desde Malaca a Antonio Dabrcu. Francisco Serrano y Hernando de
Magallanes en tres baxeics a descubrir lai Molucas. Todo» estes Ires capitanes lomaron dilerentes viaies. De Magallanes vol-
veremos luego a tratar... En este mismo llempo, habíendo Magallanes paíado seiscientas kguas adelanle hacia Malaca, se
hallaba cn unas Islas, desde donde se correspondia com Serrano-, Esta viagem de Mi'>' > tf admitida por Navarrete fCo-
leccion <te los viajes, tomo IV. 1937. pig. XXVII) c por Paslells (El destubrtmiento d, 'lo dr Mjg.ill.ints. Madrid. IWO.
píg. S8). Castanheda fHistoríi do detcobnmento f conquista da tndíA, 11*». Ill, cap L.\AV) nomeia como capitáos da armada
mandada por Albuquerque, em dezembro de 1511. à descoberta á^% ilhas do cravo. António de Abreu, Francisco Serrlo o
Simào Alonso Disagudo. do que poderá concluir-se que Magalhães nâo iria como capitão. Oonçalo Fernandez de Oviedo, con-
temporâneo de Magalhães, diz na sua Historia general de las índias, liv. XX. Cap. 1 : .y el Fernando de Magallanes diestro
en las cosas de la mar y que por vista de o/os lenia mucha noticia de la índia Oriental y de Ias islas dei M.\luro y Espe-
eiaría...' Antonio Blasques. bibliotecário da R, Sodcdade Oeográlica de Madrid, pretende reivindicar para Magjlhles a auto-
ria do Livro de Duarte Barbosa Na publitiçao desta Sodedade, Tres relaciones de turras y descubnm tentos dei SIglo
XVI, Madrid. 1921, é incluído aquele livro com o título: <Descripcion de los remos, costas, purrtos e islãs que hay desde-
et Oibo de liuena Esperania hasta los Leyquios, por Fernando de Magallanes, piloto português que ló vió y anduvo lodo>. O
nunuscrito da Biblioteca Nacional de Madrid, em que se atribui a obra a Magalhães, que lo vió y anduvo todo, é, segundo
António Blasques, dos princípios do século XVI. Em Espanha sabia-se que FemSo de Magalhles. quando para U tof. linha |á
navegado no Oceano Pacifico. O Livro, por<m. í de Barbosa, e alo de Magalhles. como adiante mostraremos.
33
HISTORIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Com os descobrimentos portugueses a marcha da civilizarão tomou um rumo novo: começou a Idade
moderna.
Vamos tentar descrever os meios de que dispunham, para se dirigirem sôbre os mares, os
audazes navegadores que levaram o homem à posse da Terra e alargaram o âmbito das sciências,
dando lhes nova base de observação e experiência.
2-0 ASTROLÁBIO ESFÉRICO
Q
S Litros dei Sãber de astronomia dei re\^ D. Alfonso X de Castilla, esplêndida obra publi-
cada pelo académico Rico v Sínobas, por decreto do governo de Espanha, contém no Tomo
II (Madrid, 1863) os livros dos astrolábios. Cada astrolábio é h'atado em dois livros, redigidos
no século XIII pelo sábio Rabiçag, el de Toledo, por ordem de Afonso X. Numa singela
linguagem, modelar de precisão e clareza, ensína-se. no primeiro, o fabrico de cada uma
das peças do instrumento e descreve se, no segundo, a maneira de o usar na resolução de dezenas de
problemas astronómicos e topográficos. Os Libros deli astrolábio redondo precedem os Libros deli astro-
lábio llano. Começa-se pelo astrolábio esférico, ou redondo, mais fácil de compreender, por ser uma
simples reprodução, em pequeno modelo, dos movimentos celestes. Entender-se há melhor depois o astro-
lábio planisférico, ou plano, que dèle deriva. «Los astrolábios redondos cuemo la esfera, deben consi-
derar-se semblança v arquétipo dei Universo, ó cuemo la madre, orígen v fundan^ento de todos los otros
instrumentos astronómicos* ('). Éste instrumento, matriz de todos os outros, dispensa o estudo da repre-
sentação da esfera em plano.
O astrolábio redondo é formado por uma esfera, às vezes, de ouro ou prata, mais geralmente
de latão, sòbre a qual se move uma meia-esfera, chamada rêde. feita de fôlha metálica, que. pela sua
face côncava interna, assenta perfeitamente na superfície convexa da esfera, deslizando sôbre ela, em
tômo dos poios do equador.
Metade da esfera é destinada a representar o hemisfério celeste que assenta sôbre o hori-
zoite da localidade onde se observa. O ponto superior Z é o zénite; o círculo S E N é o horizonte.
Círculos menores horizontais, gravados na superfície, são
as almocântaras (*), que se elevam, equidistantes, até
ao zénite, para marcarem as alturas dos astros. Semi-
círculos verticais cruzam-se no zénite, descendo até
ao círculo graduado do horizonte, para aí indicarem
os azimutes, ou as amplitudes. Entre êles esco-
Ihe-se um para meridiano do lugar; o que lhe é per-
pendicular será o primeiro vertical; estes dois inter-
ceptam o horizonte nos quatro pontos cardíais N, E,
S, W. As alturas das almocântaras contam-se num
circulo vertical graduado; os azimutes dos verticais
contam-se no horizonte a partir do meridiano, e as
amplitudes a partir do primeiro vertical.
Como o instrumento deve servir a mais que uma
localidade, e a latitude geográfica é igual à altura do
polo em cada lugar, escolhem-se no meridiano pontos
Pi. P», P> a diferentes alturas acima do horizonte.
os quais servirão de poto aparente do equador. Na
direcção dos diâmetros Pt Pi, PiP;, PjPi, .... que
passam por estes pontos, fura-se a esfera. Num des-
tes diâmetros furados passará a vara de ferro que serve de eixo à rêde hemisférica, a qual ficará
assim com o ponto, que nela representa o polo do equador, colocado em sua verdadeira altura.
34
(') Libns dtí sãbcr, Tomo It, pig. 84.
O Sõbre ■ palavra atmocànUra, vcja-sc a nossa Astronomu dos LusiãdãS, pig. 139. nota.
ilstvolábio Csfcvico
(século x\u)
I I
1
r
5^
L ih
riaURA REPRODUZIDA DOS 'LIBROS DCL ASTROLÁBIO RCDONDO •. COKTIDOS NOS
• LIDROS DEL SADCR DE ASTRONOMIA DEL REV O. AFONSO XI DC CASTILLA*
ESTAMPA I
I
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
riB. I
A rêde é uma calote esférica, geralmente feita de latão, destinada a representar o hemisfério
do firmamento, situado ao norte da eclíplica. com algumas das principais estrêlas, de latitude iboreal
portanto. O círculo da sua base. SS ífig. 2), que é a eclíplica. divide se nos 12 signos, e cada signo nos
seus 30 graus. Sobre o seu polo R. que é o polo do zodíaco, move-se uma alidade de perfil semi-
circular (fig. 3). que desce até à graduarão dos si-
gnos, sustentando em seus extremos duas compridas
pínulas, de altura maior que o semí-diámetro da rêde,
para se poderem observar os astros, através dos res-
pectivos orifícios, sem impedimento da esfera.
Com centro num ponto da rêde, distante de
R tanto como a excentricidade da órbita solar, na di-
recção do ponto do zodíaco que marca o auge do
sol. traça-se, na superfície convexa, um circulo MM . o
qual se divide em 365 partes, correspondentes aos
365 dias do ano; os traços de divisão indicam os
meses e dias. É o círculo da equãção do sol. também
chamado círculo dos meses. A alidade, girando por
cima déle, mostra a correspondência entre os pontos
dos dois círculos MM e SS . e assim se sabe a mar-
cha do sol na eclíptica e o seu lugar nos signos em cada dia do ano, dispensando se uma lábua de
longitudes solares.
fazendo depois centro no ponto P, distante de R. no coluro dos solstíclos. um número de
graus igual à inclinação da ediptica. descreve se um outro círculo menor EE , paralelo portanto ao
equador, ao qual se chama o equador do dia. É no ponto P que se abre o orifício, por onde passa a
vara de ferro que se enfiará num dos diâmetros furados da esfera: em volta dêste ponto, polo do equa-
dor, girará a rêde sôbre a esfera, figurando o movimento diurno das estrêlas.
Cada estrela fixa será representada na rède
pelos pontos correspondentes às suas longitudes e la-
' " titudes celestes. Cada um dêstes pontos é o vértice de
um ponteiro ou denticulo que se desenha na rêde com
a sua base sóbre algum dos círculos, o dos signos, o
dos meses ou o do equador. Depois lima-se a rêde,
abrindo-a, tirando lhe fóra todos os bocados que se pos-
sam dispensar, deixando apenas os aros dos círculos
necessários, com os ponteiros das estrêlas apoiados nê-
les. Colocada a rêde sobre a esfera, pode ver se, atra-
vés das suas aberturas, a teia das almocântaras e círcu-
los verticais, traçados na esfera, como mostra a Estampa
1. iunta. reproduzida dos Libros dei saber; e assim se
tem uma imagem exacta do movimento diurno dos as-
tros acima do horizonte de algum dos lugares para os
quais o astrolábio se construiu. O movimento do sol e dos planetas é representado pelo dos pontos
do zodíaco por eles ocupados em cada dia.
Entre o círculo dos meses e o dos signos há dois quartos de círculo: um. dividido em 90
graus, para se medir a altura dos astros observados através dos orifícios das pínulas da alidade; e o
outro, justaposto a éste. dividido em 24 dígitos, ou dedos, para servir de escala allímetra, correspon-
dendo 12 à sombra recta e 12 à sombra versa, de que adiante falaremos. No bordo da rêde. na cabeça
ou princípio de Capricórnio, fixa se o anel de suspensão do astrolábio.
Explicada no Livro I a construção do instrumento, segue se o Livro II do astrolábio redondo,
com 135 capítulos, cm que se ensinam a resolver quási outros tantos problemas astronómicos, geográ-
ficos e geodésicos. Como exemplo que nos interessa, transcrevemos a regra para determinar a latitude
geográfica de um lugar por meio da altura meridiana do sol:
35
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA 00 BRASIL
«CAPITOLO LXVn
Oe saber las ladezas de Ias cíbdades, dei grado dei sol et
de la su altura en qual dia quier
Si esto quísíeres saber, toma Ia altura dei sol en médio daquel dia, et guárdala, et sabe la
dcciinacion daquel grado, et guárdala otrossi. et si fuer miridional annádela sobre la altura, et si fuer
seplenirional mínguata dende, et lo que fuer ell altura despues deli annadimiento ó dei minsuamíento,
aquella será Ia altura de la cabeça de Aries en to cibdat, et mínguala de .XC. et fincará Ia Iade2a>(*).
Manda-se assim juntar ou tirar da altura meridiana observada do sol a sua declinação, segundo èle
andar ao sul ou ao norte do equador. O resultado, subtraído de 90. dá a latitude da localidade. Não se fala
ainda em sombras, que se subentende correrem sempre ao norte, pois euidenlemente se consideram, nesta
regra, apenas lugares situados ao norte do trópico de Câncer. Quando os portugueses navegaram na zona
tórrida, foi preciso generalizar esta regra, para se formular o Regimento da altura do polo ao meio dia.
3 — 0 ASTROLÁBIO PLANISFÉRICO
> opinião dos astrónomos afonsinos, o astrolábio planisférico, ou plano, como mais sim-
plp-menle o designam, foi invenção de Ptolomeu. O astrónomo ale,<andrino, que tratou o
pro >lema da representação da esfera em plano, vendo quam trabalhoso era o fabrico do
astrolábio redondo, pela extrema dificuldade da moldagem de superfícies esféricas matemá-
licamente perfeitas, e quam incómodo era o seu transporte, teria inventado o astrolábio pla-
nisférico, fàcilmente portátil e de mais simples construção. Assim se lê no Prólogo do astrolábio plano:
< Et porque ouo Ptolomeo que era estnimente muv grieue de traer de un logar á otro por Ia
grandez déll. et otrossf de fazer, dc redondo que era tornóie llano en el logar o eran los signos et las
otras estreitas que eran cerca dellos>.
O astrolábio planisférico é, porém, anterior a Ptolomeu, tendo sido inventado por Eudoxo
de Cnido (circa 3S0. a. C). ou por Apolônio de Perga (circa 240. a. C), mais provávelmente pelo
primeiro (). É um instrumento de origem grega, transmitido pelos árabes à Europa ocidental. No fim
do século VIII. Messahala, astrónomo árabe, judeu de religião, escreveu um tratado sôbre o astrolábio
planisférico. cuja versão latina se intitulava *Compositio et Operatio astrolabii*. O tratado (*) que. sôbre
o mesmo instrumento, comp&s. em 1391. o poeta inglês Chaucer, autor dos Canterbury Tales, para
uso de seu filho Luis, estudante em Ovford. é principalmente baseado na obra de Messahala. Pelos Libras
dei saber de astronomia ficamos sabendo como, em Toledo, os artífices construíam o instrumento no século
XIII e como os astrónomos dêle usavam.
A passagem do astrolábio redondo para o planisférico operou-se. substituindo o hemisfério côn-
cavo da rêde pela sua projecção sôbre o plano do equador, ficando assim a rêde reduzida a uma placa
circular móvel. A projecção escolhida foi a estereográfica, que tem a vantagem de ser isogónica, o que
quere dizer que os ângulos das linhas imaginadas na superfície esférica se conservam os mesmos em
projecção. Além disso, qualquer circulo da esfera se projecta segundo um circulo, ou uma recta, linhas
fáceis de traçar.
o L bros dei saber, Tomo 11, pig. 196.
(■» Nau. Le trailí sur faslrolsbe plan de Sévíre Stbokt, éfíit ju Vil» siicle d'après des sources greeques.
Pari». IS99.
O A trestfst on lhe ãstrolabe by Oeoffrey Chaucer, A. D. 1391, London, Ctiaucer Sotíeiy, 1872.
36
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
O ponio de vista é o polo sul P' (fig. 4) da esfera celeste. O plano do equador EE' é o plano
de projecção, a qual é assim eslereográfica polar. Uma esirêla S do hemisfério boreal projecta se em s;
uma estrèla S do hemisfério austral, em 5 . Só se pro-
jectam os pontos da porção da esfera celeste situada ao
norte do trópico de Capricórnio TT'. Assim o ponto cen-
tral da projecção será o ponto p, que representará o polo
norte, e o limite externo será o circulo tf, projecção do
trópico de Capricórnio.
A fórma que a rede desta maneira toma é a da
placa circular metálica, recortada de aberturas, que mostra
a figura junta (fig. 5). transcrita dos Libros dei Sâber (Tomo
n. pág. 235). Aí se vé o zodiaco com seus signos; Aries,
Tãurus. Gemini. etc, bem como os ponteiros ou denlícu-
los das estrêias com seus nomes, como Ala dei cauallo.
Pie dosso. Addãbaran. O círculo limite externo é o trópico
de Capricórnio. Os diâmetros, vertical e horizontal, sao
respectivamente os coluros dos solslícios e dos equinó-
cios. O centro representa o polo boreal, e em volta déle,
sôbre uma cavilha que atravessa o instrumento, gira a
rède. também chamada aranha, dando a imagem do mo-
vimento diurno dos astros. Para representar os plane-
tas servem os pontos do zodiaco por èles ocupados em
cada dia. ^
A teia das almocâniaras e círculos verticais, tra-
çada na metade superior da esfera do astrolábio redondo,
é também projectada no plano do equador e representada'
num disco metálico de diâmetro igual ao da réde ou
aranha. É essa teia que se vê na parle superior da figura
(fig. 6), extraída, como a anterior, dos Libros dei saber (Tomo
11. pág. 240). As almocântaras sobem desde a curva do
horizonte, numeradas de 6 em 6 graus de altura (6,
12, 18, 24, 30...), diminuindo sucessivamente de raio,
até ao ponto em que se projecta o zénite. Dêste ponto
irradia o feixe dos círculos verticais que vão, em tô-
das as direcções, marcar os azimutes, ou as ampli*
tudes. como na figura, numeradas de 10 em 10 graus.
O centro do disco é o polo. e o diâmetro vertical que
por êle passa e pelo zénite, é o meridiano. O círculo
da periferia do disco é o trópico de Capricórnio, e
os dois circulos interiores, concêntricos com êle, são
o equador e o trópico de Câncer.
As linhas da parle inferior, numeradas desde
T 1 XII, são as linhas horárias que marcam as horas
chamadas desiguais, ou temporais, por variarem com
a duraçio do dia c da noite. Horas tais do dia re-
sultam da divisão por 12 do tempo decorrido desde
o nascer ao pór do sol, e as da noite de igual divi-
são do tempo que vai do ocaso ao nascimento do
sol, A hora sexta é contada no meridiano. As linhas
horárias permitiam usar o astrolábio como relógio.
Para se saber a hora da noite, observava-se. pela
medeclina, a altura de uma das eslrèlas representa-
das nos denticulos da aranha, levava-se depois a ponta dèsse denticulo à almocãntara correspondente
à altura observada, e via-se em que linha horária se ia colocar o ponto do zodíaco ocupado pelo sol
nesse dia. Assim se tinha a hora da noite. O arco circular descrito por êste ponto abaixo da curva
37
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
do horizonte era o arco da noite de que fala Azurara, a quem o uso do astrolábio era familiar (•) ao
descrever as vigílias do Infante D. Henrique:
•Oh! quantas vezes o achou o sol assentado naquele lugar onde o leixara o dia danle. velando todoo
arco da noite sem receber nenhum descanso, cercado de gentes de diversas nações» {Chronica de Ouiné, Cap. VI).
Como a distância do zénite ao polo varia com o logar de observação, era necessário fazer
discos diferentes para as diferentes latitudes geo-
gráficas. Cada astrolábio tinha, por isso. um jogo
destes discos, chamados lâminas ou discos de la-
titude. Na lâmina representada na Fig. 6 lê-se-
ladeza XL, latitude de Toledo.
O iôgo dos discos entrava numa caixa
circular, chamada <mãe do astrolábio», deixando se
por cima o disco conveniente para o lugar de obser-
vação. SÔbre éste disco, que se fixava na caixa por
um chanfro, girava a aranha, figurando o movi-
mento diurno dos astros no hemisfério celeste do
lugar, vendo-se através das suas aberturas as li-
nhas do disco, como mostra a parte branca do de-
senho do rosto do astrolábio (Estampa ÍI).
Tendo considerado o astrolábio pelo lado
do rosto, resta-nos descrevê-lo pelo lado do dorso,
que, para o nosso fim, é * parte mais importante.
O dorso é a face externa da chapa que serve de
fundo à mãe do astrolábio, cuia superfície circular
se aproveita o melhor possível, como se vê na fi-
gura, reproduzida dos Libros dei saber (Tomo II,
pág. 246) e completada (fig. 8 e estampa 11).
O circulo externo, no bordo do dorso do astrolábio, é dividido em quatro quadrantes, gradua-
dos de O a 90 graus, a partir do diâmetro horizontal, para cima e para baixo. Esles quadrantes são cha-
mados quartos de altura, por medirem a altura dos astros, que se observam com uma alidade de pínulas
luradas que gira em tômo do centro do instrumento, deslisando as suas pontas sobre esta graduação.
Segue-se. dentro déste. o circulo dos signos, que representa o zodíaco dividido nos seus 12 si-
gnos e cada um destes em 30 graus. Os pontos solstíciais estão no diâmetro vertical, ficando o princípio
de Câncer debaixo do anel de suspensão. As cabeças de Aries e de Libra estão no diâmetro horizontal
FI9.
Tounu
ddo rli> A„,«« 'í**!*^ ""do peloi que se dedicavam à astrologia judiciária. Era instrumento bem conhe.
Duarte de Menezes. Cap. 34. dlj que éte próprio se ocupára do
horóscopo do rei D, Alonso V. pois declara -ter vista mui bem
sua consiclacio, pela qual bem tinha conhecidas a maior parte de
suat virtudes e mclinações». Na Fig, 6 a linha inferior da teia de
aJmocàntaras e drcuío» verticais e o horizonte, mas muitos astro-
wwos tinham, abaixo do horl/onte. ainda a hnha do crepúsculo
onde começava o crepúsculo oncnial ou matutino, e onde termi-
nava o vespertino, quando o sol nela passava. Azurara tem na
mente um dèstes astrolábios quando descreve o romper d'alva
no dia da lomada de Ceuta i -Pequena lardança pòs o sol em
começar seu diumal trabalho, ca era isto uma quarta -feir.!, 21 dias
dO mes de Agosto, em a qual aquela Imperial planeia entrava em
seis graus do signo que se chama de Virgo. e em aquela hor.i
que Uanimedes começou de romper a primeira teia do orienl.il
crepúsculo. (Cftronica ás lomada de Ceu/j. Cap. 68). -A primeira
teia do oriental <maiinal) crepúsculo' é uma maneira abreviada de
aizer! a primeira malha da teta das almocSntaras. a malha inferior
onae começa o crepúsculo matutino. Ganimedes e o signo do
Aquário, entre o qual e o de Virgo. onde eslava o sol {fig, 7). me-
««i?!^ f O »o' subia na linha crepuscular
38
Fig. 1
Cl 5 1 V ol á b i o P l a i\ i 0 for i c o
Hei Cl 1 011 50, 0 ^cih i o
5eculoXm
ixLua:>í\*liUtinla
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riOURAS DO ROSTO C OORH OO ASTROLÁBIO SCOUN
DO OS «LIBROS DEL ASTROLÁBIO IL.M40>, CONTIDO»
NOS «LIOROS DCL SAUl:R Dt ASTRONOMIA DEL Kl:V
D. ArONSO XI DC CASTILLA*.
ESTAMPA
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
.on..« • f ^'3"*'® ^^'^ ^^'''^"^^ ""^ P0"« excêntrico, pois que o seu
centro e desviado na direcção do ponto do zodíaco que indica o . h h r u wu
auge do sol na época. É dividido em 365 partes, correspondentes
aos 365 dias do ano. distribuídos pelos 12 meses. A alidade, cor-
rendo sobre os dois círculos, o dos meses e o dos signos, estabe-
lece a correspondência entre êles. Assim se lem a marcha anual do
sol na echpt.ca. Os dois círculos resumem no pequeno espaço do
dorso do astrolábio a <tabla de saber en quál grado dei zodíaco
es el sol. que o astrónomo afonsino põe no fim do Libro II deli
astrolábio flano.
Finalmente, dentro do círculo dos meses está o qua-
drado das sombras, ou escala allímetra. O lado inferior horizontal
dividido em 12 dígitos ou dedos, mede a
sombra de um estilo vertical, quando o sol
está a mais de 45 graus de altura sôbre o
horizonte (fig. 9). É a sombra tendida, mais
geralmente designada depois por sombra
recta. O lado vertical, dividido também em
12 dígitos, mede a sombra de um estilo ho-
rizontal, quando o sol está em altura infe-
rior a 45 graus (fig. lO). A esta sombra cha-
PIg. ■
0 1*60 10 II
PIg. « "a-
mou-se sombra conversa, ou mais simples-
mente, sombra versa. A escala da sombra
versa dá a tangente trigonométrica, e a da
sombra recta a cotangenle do ângulo da
altura de qualquer
objecto visado com a
alidade. Com a escala
das sombras resol-
viam-se problemas de altimetria e planimetria. como saber a altura de um edifício,
a profundidade de um poço (fig. 11). a largura de um rio.
A alidade de pínulas furadas, que gira em tôrno do centro, teve entre
nós o nome de mediclínio, do latim mediclinium, tomando depois a fórma femi-
nina medicíina ou medecfina.
O célebre compêndio De Sphaera de Sacrobosco. frade inglês que foi
professor na Universidade de Paris, onde morreu em 1256, traz a aplicação do
astrolábio à medição do grau do meridiano terrestre. O trecho que disso trata é
assim traduzido por Pedro Nunes:
«O cérco de lôda a terra, segundo dizem os filósofos Ambrósio Ma-
"t-'"* ' ^^^"^slenes. é de 252000 estádios, dando a cada uma das 360 partes do
sioeiíi.r. oppenhrim. iiM. zodiaco 700 estadios. E O modo que se tem para se isto alcançar é este. Toma-
remos o astrolábio, e em noite clara e estrelada, olharemos o polo por ambos
os buracos do mediclínio, que é a regra que joga no centro, e notaremos a quantos graus está o me-
diclínio; depois disso iremos direitos ao norte até que outra noite nos amostre o mediclínio estar
o polo mais alto um grau. Se medirmos éste espaço de caminho, acharemos que são 700 estádios, e
39
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
dando outro lanro a cada um dos 360 graus, acharemos quanto seja o cerco de lôda a Terra» (Tratado
da Sphera. 1537. pág. 13 da edição fac-similada).
Esla avaliação do grau do meridiano em 700 estádios é devida a Eratóstenes. Como é sabido
Ptolomeu adoptou 500 estádios, seguindo Possidónto. '
4 — 0 astrolAoio Náutico
jAS muitas aplicações a que se prestava o astrolábio planisférico. só uma era essencial ao
navegante: a determinação da altura dos astros. E assim o astrolábio náutico resultou do
planisférico por simplificação. A aranha e os discos de latitude foram postos de parte
por Inúleis^ acabando por aproveitar-se apenas o círculo externo graduado e a medeclina.
As dimensões do instrumento, assim simplificado, foram aumentadas, o que facultou uma
melhor divisão do limbo circular, podendo apreciar-se fracções menores do grau.
Na Carta Universal de Diogo Ribeiro, do ano de 1529 (reproduzida no Períplus de Nordens-
kfõld. mapa XLIX). enconlra-se. junto do canto inferior do extremo oriental do mapa. o astrolábio marítimo,
que se copia na Fíg. 13. E um disco circular cheio, com seu anel de suspensão, tendo os dois quadrantes'
superiores divididos, de O a 90 graus, a contar do diâmetro horizontal. Sobre os dois quadrantes inferio-
res conserva-se ainda a escala altimetra das sombras. Em volta do centro move-se a medeclina com as
duas pfnulas furadas. Temos aqui. bem patente, o dorso do astrolábio planisférico (fíg. 8). já sem os
dois círculos, do zodíaco e dos meses. Estes dois círculos ainda se vêem -desenhados no outro ex-
trêmo da carta de Diogo Ribeiro, sobre o Oceano Pacífico.
O astrolábio geralmente usado pelos navegantes era ainda mais simples. A escala altimetra
desapareceu e parte de cada um dos quatro quadrantes íoi vasada. de modo que o astrolábio tomou
a fórma de uma roda de quatro raios, em cujo centro girava a alidade. Assim o astrolábio constava se-
gundo a nomenclatura usada
por D. ]oão de Castro, de
duas parles : a roda, com seu
anel de suspensão, e a me-
decima (').
No Compendio dei arte de nave-
gar, de Rodrigo Çamorano, Sevilha, 1591,
encontra se o processo de fabricar um astro-
lábio de madeira ou metal ('). Transcrevemos
apenas a figura (fig. 14). onde se vêem sepa-
radas: a roda, com sua laçada de suspensão,
a medeclina e a cavilha sóbre que ela se deve
mover no centro da roda. O fio de prumo
serve para verificar a verticalidade do diâ-
metro que passa na divisão 90 da graduação.
Se o instrumento era de pequenas
dimensões, suspendia-se duma das mãos para
observar. Querendo tomar a altura duma es-
trela, erguia-se o braço com o Instrumento
até ficar o ôlho junto da extremidade inferior da medeclina. que se movia
até se ver a estrêla através dos orifícios de ambas as pínulas. A medeclina
marcava então, no limbo graduado, a altura do astro acima do horizonte.
Para tomar a altura do sol segula-se, porém, um método comple-
tamente diferente. Não se olhava para o sol através dos buracos da mede-
clina. Suspenso o instrumento duma das mãos (fig. 12), estendia-se o braço
para a frente, colocando-se o observador de modo a orientar a roda no plano
vertical do sol. Tendo assim em frente o astrolábio, dirigia-se a medeclina
com a outra mão, de modo que a sombra da pínula mais alta viésse cobrir
a pínula de baixo. Entào um ralo de luz solar passava através dos orifícios
das pínulas. A leitura do limbo dava a altura do sol nesse momento
Se o mstrumento era de grandes dimensões, como o astrolábio de latão, de meio metro de
Ps. Il~ P«sag«m do aol no at-
tr«llblD. Cópia do Itt^lmltntD rfe
nar*^tton d» Ptdro da Modina,
••vilha, tMa.
(■) Roteiro de Lisboa * Goa, Lisboa, 1882, pig. 36S.
(Õ Ve^-M a nossa Astronomia doi Lusíadas, Coimbra. I9lS. pjg. 124.
40
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
di.imelro (fig. 15), cxislenie no Observatório Asironômico da Universidade de Coimbra (') então suspen
dia-se. por uma corda, de tr^s paus. juntos pela parle superior à maneira de cábrea. Assim conta ]oio
de Barros (O que Vasco da Gama. em novembro de 1497. na Bahia de Santa Helena, armou o astrolá-
bio de pau de 3 palmos de diãmelro. que levavam,
além de outros mais pequenos de latão. A figura
(íig. 16) é uma reconstituição do modo de instalar
um dèsses instrumentos.
O astrolábio permite observar a altura do
sol ao meio dia verdadeiro, isto é, na sua passagem
pelo meridiano, sem necessidade de relógio. O
observador, tendo o astrolábio suspenso diante de
si, um pouco antes da passagem do sol no meri-
diano, e a medeclina dirigida de modo que a som-
bra da pinula alta cubra sempre a pínula baixa, passando
pelos dois orifícios a luz solar, vai vendo a extremidade
superior da medeclina subir constantemente, marcando um
ângulo sempre maior na graduação; conserva-se depois es-
tacionária, para baixar em seguida, quando o sol já desce
do outro lado do meridiano. A altura correspondente à
posição em que a medeclina estaciona durante algum
tempo é a máxima altura atingida pelo sol e portanto
a altura dèste astro na sua culminação superior, isto é,
ao meio-dia verdadeirq. O astrolábio dá. pois. por si só. a
altura meridiana do sol, com a qual se fazia a conta da
latitude.
A êste processo de determinar a altura do sol
ri9. ij
1 de Maio de ISOO.
ao meio-dia pelo emprègo puro e simples do
astrolábio, seguindo, como a fiel de balança, o
movimento da medeclina, quando o sol se apro-
ximava do meridiano, ale que ela se tornava al-
gum tempo estacionária antes de baixar, indican-
do assim a altura máxima, chamaram os nossos
marinheiros pesar o sot.
Para facilitar a conta da altura do polo,
acabaram os astrolábios portugueses por ter a
graduação em sentido inverso do que atrás ficou
indicado. O zero mudou para a parte superior, na
direcção do zénite, e daí vinha correndo a gra-
duação até 90 graus, no exirêmo do diâmetro ho
rizontal. A leitura do instrumento dava imediala-
mente a distância zenital do sol. complemento da
altura. Por isso no Compendio dei arte de naue-
gar do Çamorano. já citado, há um capitulo in-
titulado: Otra manera de hazer la cuenta a! sol,
como lo usan cn Portugal.
O astrolábio era considerado o melhor
dos instrumentos. A altura do sol toma-se «me-
jor con estrolabio que non con quadrante nin
con oiro ningud estrumento\ diz Mestre ]oâo
na carta escrita de Vera Cruz a D. Manuel, em
O astrolábio é «o melhor instrumento de todos-, diz D. João de Castro
FlQ. 14
(') Ibiaem, pig. 127.
O Barros. Dérsdã I, LIv. IV, Cap. II.
41
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
numa nora do Roteiro de Lisboa a Goa. que adiante transcreveremos. Tinha, porém, um defeito.
Guando o sol passava no meridiano perto do zenile. era extremamente difícil tomar-lhe a altura
com o astrolábio. Por isso, D. }oão de Castro diz que
«será necessário dar alguma Regra aos homens do
mar, para saberem usar, e se aproveitarem da altura
nestes tempos duvidosos em que o sol anda muito vi-
zinho de seu zénite; pelo que terão aviso que. quando
quer que o sol andar perto de suas cabeças, não to-
marão altura ao meio dia sem uma agulha diante, e
os que puderem ter um estilo perpendicular sôbre uma
linha de norte sul, será muito melhor» ('). Em todo o
caso recomenda, noutro passo (0. o uso da balesti-
Iha quando o sol estiver a menos de seis graus do
zénite.
É a êste defeito do astrolábio que o P.« An-
tónio Vieira alude no sermão prègado na quinta do-
minga da quaresma, o chamado domingo das verda-
des, em 1654. na cidade de S. Luís do Maranhão, em
cujas paragens êsse defeito se manifestava quando o
sol andava perto dos
equinócios:
«É experiência
rifl. I» inaudita a que agora
direi, e não sei que fé
lhe darão os matemáticos que estão mais longe da linha.
Quere pesar o sol um piloto nesta cidade onde estamos,
e não no pôrto, onde está surto o seu navio, senão com
os pés em terra: toma o astrolábio na mão com tôda
a quietação e segurança. iE que lhe acontece? l Coisa
prodigiosa! Um dia acha que está o Maranhão em um
grau; outro dia em meio; outro dia em dois; outro dia
em nenhum. E esta é a causa porque os pilotos que
não são práticos nesta costa, areiam, e se têm perdido
tantos nela>.
O astrolábio náutico filia-se no astrolábio
planisférico, e êste fabrícava-se com perfeição, no sé-
culo XMI. na Península, como mostram os livros afon-
sinos de astronomia. Afirmou-se durante muito tempo
que êste astrolábio fôra importado de Nuremberg por
Martim Behaim, no século XV. Não havia necessi-
dade de trazer de fóra da Península um instrumento
que já nela se construía dois séculos antes. Quando
Behaim veio para Portugal, linha morrido, dez anos antes, o cronista Azurara, a quem o instrumento
era familiar.
Plg- i>-A>troldt)lo luspento da c«brllha.-
Modllo escolar contlrultfo no Inttlluto auparlor
i«cnico dc Llaboa.
(') Roteiro de Lisboi a Goa, Lisboa. 1882, pás. 364.
O Ibidem, pig. 354. nota.
42
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
5—0 QUADRANTE
lo Tomo l[[ dos Libres dei saber de astronomia encontra-se o Libro dei quadrante que
o rei D. Afonso mandou redigir ao sábio Rabiçag. el de Toledo, no ano de 1277. en-
carregando-o especialmente da parle relativa à construção do insirumenlo. que ao tempo
não andava devidamente tratada. Aí se ensina minuciosamente a construir um quadrante
de madeira. É um quarto de círculo, limitado portanto por dois raios perpendiculares,
cujo bordo circunferencial, ou limbo, é dividido em 90 graus. Esla graduação serve para medir a al-
tura dos astros sóbre o horizonte. Para isso, sobre um dos raios limites, aquele em que termina a gra-
duação, levanlam-se duas pínulas furadas, uma sôbre o vértice do quadrante, e a outra junto do grau
90. Do vértice, centro do arco do quadrante, pende um fio de
prumo, chamado alidade, que desliza sôbre o plano do instrumento» ^
quando êsle está uerlical. Ao tomar uma altura, a pinula do vértice
fica para cima. visando-se a estrela com o òlho junto da ptnula /
que está sôbre o grau 90. O fio de prumo marca na graduação um
ângulo a (fig. 17), igual à altura a' da estrela sôbre o horizonte.
Se se trata, porém, do sol. não se olha através dos orifí-
cios das pínulas; toma-se o quadrante na mão e coloca-se no plano
vertical do sol, de forma que um raio de luz solar se enfie pela
pinula do vértice e venha passar na pínula baixa.
Feita a graduação da altura, que ocupa no limbo a estrei-
ta faixa cir-
ris. iT
cular. su-
ficiente pa-
ra nela se
marcarem
os nume-
rais dos . ,
graus, ^^5_'
traça - se *
um quarto de círculo mais a dentro, a uns três dedos
de distância. Assim se limita uma faixa circular mais
larga, que se escava lòda com a profundidade bas-
tante para dentro dela poder deslizar uma régua
circular de pequena espessura, chamada cursor
(la Corredera), que toma uma extensão de côrca de
50 graus paralelamente ao limbo (fig, 18). Neste
cursor móvel há uma série de divisões em arcos
concêntricos, traçados segundo a declinação que
o sol vai tendo em cada dia do ano. no seu per-
curso ao longo dos signos (fig. 19) ('). No qua-
drante afonsino a inclinação da edíptica sôbre o
equador tem o valor de 23° 32^ 29 . O comêço
de Aries coloca-se no raio mediano do cursor,
ocupando o signo todo uma extensão de 11°
31' II ', que era a declinação do comêço de Tau-
rus. Este segundo signo ocupa mais 8° 43' 2^ . e o signo seguinte. Gemini, mais 3° 18 16 perfazendo os
três o total de 23o 32 29 , declinação máxima, correspondente ao comêço de Câncer. A divisão
de cada signo em 30 graus também se faz, apertando cada vez mais os traços, segundo varia a de-
Flg. II
í.»J,
(') Nas figuras 18 e 19. reproduildas do Libro dei guadr.inte porá rMificãr, comido no» Ubro$ dei ssber tomo
III, as duas pinulas furadas devem Imaginar-sc ambas perpendiculares ao plano da figura.
43
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
clinação correspondente a cada grau. Assim os três signos da primavera seguem-se, no bordo externo do
cursor, no mesmo sentido em que cresce a numeração dos 90 graus do limbo. Os signos do verão, Câncer.
Leo e l/irgo. sucedem se. em ordem inversa, no bordo interno do cursor, em correspondência com os primei-
ros. Os seis signos austrais, desde Libra a Pisces, ocupam posições simétricas na outra metade do cursor.
Plg. II - O 4U«ilnni« dos L»rM M Mft«r tfe ãsirwtomia, lomo III. pjg, jm
Por cima dos signos mais próximos do limbo, desde Capricórnio a Oemini. gravam-se as divi-
sões, em dias. dos meses cm que o sol os percorre, de janeiro (venero) a maio (mayo). Em volta dos ou-
tros signos correm os meses, desde julho a novembro. Nos tôpos ficam os meses de dezembro e junho, em
que o sol passa nos soislíclos. O fío-alidade estabelece a correspondência entre as divisões dos meses, as
dos signos e a graduação do limbo, tendo-se assim a marcha anual do sol, em longitude e declinação.
Para ter a latitude reográfica de um lugar situado ao norte dos trópicos, toma-se a altura
44
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
mendiana do sol com o mstrumenro. Conservando o fio no grau de allura assim marcado, move se o
cursor até que o traço do signo, ocupado pelo sol nesse dia. venha colocar-se debaÍKO do fio. O grau
do limbo, em frente do qual vier ficar o comêco de Aries, é a altura da cabeça ou ponto de Aries na
sua passagem mendiana. igual à inclinação do equador sôbre o horizonte, complemento da latitude do
ugar. Assim o cursor serve de régua de cálculo para apiicaçáo do processo <de saber las ladezas de
Ias cibdades». que atrás transcrevemos no final do nosso resumo do astrolábio esférico. A subtracção ou
soma da declinação à altura solar observada faz-se mecánicamente. em virtude da situação dos signos
austrais e dos setentrionais, a um e outro lado da linha mediana do cursor,
Na parle do plano interior à faxa escavada vèem se as seis linhas horárias (fig. 19). que dflo
as horas desiguais ou temporais. A sexta, ou linha do meio dia. é um seml-círculo com o seu centro no
raio limite do quadrante onde estão as pínulas; néle estão também os centros das outras linhas horárias,
arcos de circulo que vém. desde o vértice do quadrante, dividir em sextos o bordo interno da faxa
escavada. Para a marcação das horas corre no fio-alidade. com atrito rijo. uma conta que os árabes
chamavam almun. e que depois se chamou m.irgjht.i. por ser feita geralmente de uma pérola furada.
Coloca-se o cursor em posição, fazendo-o deslisar na cavidade alé que o traço do comôço de Aries fique
em frente do grau do limbo, correspondente ao complemento da latitude do lugar, em que se quer saber
a hora em certo dia. Retesa-se em seguida o fio-alidade na direcção do grau do zodíaco, ocupado pelo
sol nesse dia, nota-se o ponto em que éle intercepta a linha semi-circular do meio-dla. e corre-se com
a marganta ao longo do fio até ficar nesse ponto, Fica assim o instrumento com o cursor e a margarifa
dispostos para a observação da hora. Toma-se a altura do sol. A linha horária, em que vier colocar-se
a marganta, é a hora procurada. Se fòr depois do meio dia, tem de subiraír se de 12 o número da linha
horária, indicada pela marganta. Foi de êste uso. multo espalhado, do quadrante, para determinar a hora
do dia, que resultou a aplicação da palavra qu.tcirãnte. como sinónimo de n'l6gio.
Finalmenle. sobre o vértice do instrumento está o quadrado das sombras, ou escala altlmetra,
dividido nos 12 dígitos da sombra recta (espandida) e da sombra versa (conversa).
O quadrante de que damos tam resumida notícia, é da espécie chamada de cursor. Rico v
Sinobas distingue quatro espécies de quadrantes usadas pelos árabes ('). Não podemos, nem precisamos,
entrar em mais pormenores. A lodos éles. que oram feitos de madeira ou metat. é comum a parte repre-
sentada na Fig, 17. o quarto de altura com suas pínulas e fio de prumo, e esta é a parte essencial e
única necessária para o uso náutico.
Reproduz-se na Fig. 20 o desenho do quadrante que se vè na Cartinha, impressa cm 1539,
que acompanha a OramAtica da lingua porfugncsa de )oão de Barros V). Esta cartinha contém um
abecedário cm que cada letra é acompanhada pela figura de um objecto de que ela é a
Quadratt inicial: assim à letra /) junta-se uma nau. ao q um quadrante, ao z o cinto do zo-
diãco. Dêstes três objectos que se prendem com a navegação, interessa-nos aqui o qua-
drante, instrumento comum nesse tempo. O quadro da metade inferior da figura serve
de caixilho à letra q. Por cima déie vè-se o quadrante com o fio de prumo, o limbo gra-
duado, e a escala altimetra. Assim ]oâo de Barros chamava a atenção dos meninos que
Bill ^.JlK aprendiam a ler para ésie instrumento, que. pelo seu limbo graduado, se prestava à de-
' * terminação da altura dos astros, e pela escala aitfmetra resolvia problemas de topografia
Fia.» náutico do quadrante a primeira menção conhecida é a de Diogo Go-
mes na narrativa da sua viagem ã costa da Guiné, cm 1462, e chegada às Ilhas de Cabo
Verde, quando diz: -E eu tinha um quadrante, quando fui a estes países» (')- Desta informação de
Diogo Gomes voltaremos a tratar adiante.
Se temos insistido nas nossas referências aos Libros de/ saber de astronomia é porque esta
importante obra. existindo na côrte portuguesa desde o tempo do rei D. Dinis, devia ser bem conhecida
do Infante D. Henrique. O rei português D. Dinis, por sua mãe D. Beatriz de Gusmão, filha de Afonso X,
era neto do rei de Castela. Sobre as relações enire éste e o neto lusitano diz Rico y Sinobas: «No fue
en este terreno donde los enemigos de la personalidad de Ian sábio Rey (Alfonso X) le buscaron por
O Libros dei sãbcr de astronomiã, tomo III, págs. XLI. XLII.
<') CompUãçio de variai otrras do insigne portuguex Jojm de Barrjs, rcimprcsiJo dc Lisboa. I7ÍS. pig. Z
(>) Do descobrimvnto új Guiné, tradução do Ijtim por Odt>ri«l Pcnrirj, in tioietim da Sociedade de Qeonraohia.
17.I série, I89S-I699. pág. 286. * ^
45
risura d« Piolom.u com um Quadrante na mio. r^roduilda do grande mapa-mundl d» WaldieemOller de iwf
.« que aparece pela primalr. ve. o nome An#rtca (Prol. Fi.cher und Prol. Wie.er. o;, H^rt, mit O^m
/Umta_Amtrika ãm dtm Uhr» ÍSffl... 4— li. Watdt—mO/ler. Innibrucfc, im, mapa n." 3)
46
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
entonces. para legitimar ante el porvenir su levantamiento revolucionário; fue en la parte predilecta de
sus estúdios, en aquellos que le permetió su padre San Fernando, en los que dirigió su madre de
nacion alemana, y los mismos que à su vez Don Alfonso recomendó à su nie/o D. Dionis de Portugal
por los cuales. como à su abuelo. le llamaron el sábio Rey de Lusitânia. ('). O rei português, por quem'
Afonso X leve um carinhoso afecto, frequentou e visitou repetidas vezes, quando Infante, a côrte de
Castela, em Sevilha e Toledo, «distravéndo-se mucho su venerando abuelo. en médio de su fortuna e
sus desgracias, con Ias sei^alcs que daba de aficion al estúdio de tas ciências cl que habia de ser
el sábio Rey de Portugal. O. D. Dinis possuiu as obras de seu avô e. entre elas. as astronómicas. Rico
y Sinobas crê que do códice membranáceo dos Libros dei saber de astronomia, hoje conservado na
Universidade de Madrid, o qual se julga ser o livro original do sábio rei castelhano, se fôz a cópia para
uso do rei português, seu nelo {'). As descrições dos instrumentos e seus usos, contidas nestes Libros
de astronomia, devem considerar se bem conhecidas do Infante D. Henrique e dos seus colaboradores
6 — A DALESTILHA
($VAROA5
Norte
S instrumentos de altura, usados pelos nossos mareantes no século
I XV. foram o astrolábio e o quadrante. A balestilha parece não ter
i sido empregada, quer na marinha portuguesa, quer na espanhola,
j senão no segundo quartel do século XVI.
Duírle Pacheco no seu Esmeraldo, cujos primeiros catorze
capítulos foram escritos em t505. só se refere aos dois primeiros (Liv. I. Cap. X):
«A altura do sol se deve tomar justamente ao meio-dia com o astrolábio ou
quadrante». Também são estes dois instrumentos
os únicos mencionados no Regimento do estro-
lábio e do quadrante (1509?) da Biblioteca de
Munich. O inventário dos instrumentos levados
na armada de Fernão de Magalhães, em I5I9,
é êste: 23 cartas de marear em pergaminho. 6
pares de compassos. 21 quadrantes de madeira,
6 astrolábios de metal, l astrolábio de madeira,
35 agulhas de marear. 4 caixas grandes para 4
agulhas, 18 relógios de areia (ampulhetas) (*).
Não se menciona a balestilha. Na Carta Univer-
sal de Diogo Ribeiro, de 1529, já citada, estão
desenhados o quadrante e o astrolábio marítimo,
mas não aparece nela a balestilha. Pedro Nunes
é que se refere a ela no Tratado em defensam
da carta de marear, publicado em 1537, quando
entre as coisas, sobre as quais diz que os pilotos
, , . •■ w«»wi-w«ç«o aa raiar com a Daitailins.
ta am <com sua ma linguagem e tam bárbaros , . „
nomes» (-). enuméra <aslrolábios, quadrantes, ba-
Ihestilhas (') e relógios». E D. Joào de Castro recomenda o seu emprêgo para evitar as dúvidas
Obacnfatlo da Polar com a balaalllha.
(■) Lit>ros dei saber. Tomo I. Madrid, 1863, pio- VI.
C) Ibidem, pág, LXX.
(») Libros dei s.iber, Tomo V. Madrid. 1867. pág. 7
(') Navarrete. Collecion de los vicies, lomo IV, p-lg. 8.
C) Tratado da Spitcra. de Pedro Nunes, ediç^lo fac-similada, pág. 126.
('■) Pedro Nunes escreve balhestilha. como se lâ lambém no Lifro de Marinharia, o que mostra que o nome te
originou como dimlnuliyo àe bdlhesta. nome porlugués com que se designou .intigamentc a bésia, arma de guerra, O insiru-
menio loi assim designado pela sua semelhança com a bòsta; lambém a aritudc do observador 6 como a do oésteiro (lio 21)
Parece-nos esta a verdadeira elimologi.i, e nJo a que propõe o Prof, W Tom.ischeh fDIe lopographhcben C.tpitrI des irtdischeit
St-espíegels Mofiit. Viena. 1897. pág, 14), suj^erindo que o nome do instrumento provém do árabe al-balisti, altura e nlo do latlin
bãlisla. O nome balestilha, com a lórma pnmiliva balhestitha, proveio do nome ponuguía balheslã, derivado do latim ballêta
47
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
B
resultantes do uso do astrolábio ao tomar o sol perlo do zenile. numa nota do Roteiro de Lisboa
a Goa (Lisboa. 1882, pág. 354); <e sempre acontecerão estas dúvidas, quando quer que nos achamos
debaixo do sol ou quási, porque, por razão de o lermos perpendicular, ncs faz muitas mostras e apa-
rências, que causam engano nos que em tal tempo querem saber a elevação do polo por seu m£io,
pelo que em tais tempos se não deve usar do as-
trolábio, mas aproveilar-nos da balestilha, e estréia ^ ♦
do norte: e se caso lôr que venhamos estar de-
baixo do sol da banda do sul da linha, então po-
demos obrar com a balestilha pelo Crií/eiro: e até
nos afastarmos do sol 6 graus conhecidamente, não
deixaremos o instrumento da balestilha, e destes b
graus por diante tomaremos a usar do astrolábio
por ser o meltior instrumento de todos; mas não
tendo balestilha o pilóto, ou não sabendo usar dela, em tal caso é melhor encomendar-sc à sua estima-
tiva, que porfiar com o astrolábio no tempo que o sol anda sobre nós». Pedro de Medina fala da bales-
tilha na sua Arte de navegar. 1545.
A primeira descrição conhecida da balestilha é a de Levi ben Gerson, judeu da Catalunha,
traduzida para latim em 1342. O instrumento é designado pelo nome «baculus ]acobi». Purbáchio (1423-
1462) chama-lhe depois «virga vísoria», e Regiomontano (1436 1475) «radius astronomicus».
A balestilha é formada por uma vara AB (hg. 22) de secção quadrada, de 3 a 4 palmos de com-
primento, chamada virote, na qual se enfia, por
um agulheiro quadrado, uma vara menor CD,
chamada soalha que, corre perpendicularmente
sòbre o virote.
Querendo tomar a altura de um astro,
coloca-se junto do ôlho direito uma das extre-
midades, A, do virote e move-se sóbre éste a
soalha até que peto seu extrêmo inferior C. se
vise o horizonte^ pelo extremo superior D. o as-
tro. O ângulo LAO é a altura do astro.
Estando o virote e a soalha reparti-
dos em divisões iguais, a razão do número de
divisões da semi-soalha para o das divisões
abrangidas até E sòbre o virote, «f. é a tan-
gente de metade do ângulo observado. Tem de
usar-se uma tabela para se obter o número de
graus do ângulo. É um problema análogo ao de
passar, no quadrado das sombras, de dedos, ou
dígitos, para graus.
Pedro Nunes, no seu tratado De regulis
et instrumentis ('), classificando a balestilha (radius
astronomicus) do muito própria (aptissimum instru-
mentum) para medir a distância entre dois astros,
explica o cálculo a fazer para utilizar a tabela de
Purbáchio. destmada ao Quadrado geométrico, na determinação do número de graus do ângulo observado.
Cálculo e tabela se dispensam, dividindo logo o virote directamente em graus, como ]oão Werner
aconselha já em 1514 O. Neste caso os traços de divisão, correspondentes aos graus, não são equidistan-
tes. Na Arte de Navegar do Çamorano. já cilada, encontra-se um processo gráfico elementar de fazer esta
graduação. Transcrevemos a figura (fig^3) que se entende fàcilmente. Do semi circulo CFEA. traçado numa
tábua, divide-se um semi-quadranie, fE, em 90 partes, cada uma igual portanto a meio grau, e tiram-se,
FIS. u
(•) PeH Nonii Opera. Basilp^e, 1S66, pág, 74.
grana dc P.iLÍÍ ctT oSSMi^c^^rwí^rad^i^.rciuL''* ' '"'"'"^ '° «^«>
48
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
pelos pontos de divisão, raios que se prolongam. O virote é colocado em GJ paralelamente a df. a
uma distância OB igual ao comprimento da semi-soalha. Sôbre èle se marcam entào, nos pontos em que
o interceptam os diferentes raios, números iguais ao número de meios graus do ângulo que cada raio
faz com D E. Observando com o instrumento assim graduado, a posição em que ficar a soalha dá
logo, em graus, o ângulo tomado.
D. joáo de Castro recomenda a balestilha para tomar a altura do Norte ou do Cruzeiro do
Sul. Pedro Nunes acha-a sobretudo boa para medir distâncias entre os astros, menores que 90 graus.
Para tomar a altura do sol, encontra-se no Livro de Marinharia V) um «Regimento para to-
mar o sol pela balheslilha», em que se recomenda: «Quando tomares o sol pela balestllha,... lerás lai
aviso que o tomes por cima, porque é melhor para te nâo cegar. E quando o tomares por cima, tirarás
15 minutos, e tomando-o no meio não lhe acrescentarás nem tirarás nenhuma cousa».
A correcção de 15 é em quanto se avaliava o semi-diâmetro aparente do sol. Aconselha-se o
observador a que dirija sôbre o sol a soalha, ajustando o seu exirêmo superior no bordo superior do
disco solar, para que a luz o não cegue. Para evitar êsle inconveniente da observação com a cara ao
sol, modiílcou-se mais tarde o instrumento, para se poder observar de revés, isto é. de cosias para êle.
Também se acabou por usar quatro soalhas de dimensões diferentes, a menor das quais era
o martineíe. fazendo-se as graduações correspondentes sôbre cada uma das quatro faces do virote (').
7 — REGIMENTO DA ESTRÊLA DO NORTE
URSA Menor, a que os nossos marinheiros chamavam a Buzina V). era por íles apro-
veitada como relógio para saberem as horas da noile. No Regimento da declinãçãm
do sol da Biblioteca de Évora, encontra-se o •Regimento para se saber as horas da
noile pela estrela do norte e suas guardas>, o qual resumimos na figura junta (fig. 24).
O centro é o polo em volla do qual a Estrela do Norte, descrevia, na segunda
metade do século XV, um pequeno círculo de cérca de 3 graus e meio de raio. Das duas Guarda?, a
mais brilhante, X era chamada Guarda dianteira, por ir adiante no movimento diurno, chegando primeiro
ao meridiano. Observavam-se as posições do alinhamento como as de um ponteiro para Indi-
car as horas. Para definir essas posições, imaginava- se um homem em pé no polo celeste, vol-
tado para a Terra, com os braços estendidos horizontalmente, o esquerdo para leste, portanto. Os ralos
horizontais do círculo descrito em vcita do polo eram chamados braço esquerdo ou de leste, e braço
direito ou braço de oeste. Os raios inclinados a 45° eram as linhas, sendo os superiores designados
por ombro esquerdo e ombro direito. Os verticais eram o da Cabeça e o do Pé. Os marinheiros
tinham tendência a avaliar os movimentos circulares, nâo por graus, mas petos rumos da agulha, ima-
ginando sôbre o círculo uma Rosa dos ventos. Assim, para o movimento das Guardas em volta do polo,
imaginavam nêle uma Rosa com o norte para cima. Quando as Guardas iam na tinha do Ombro
esquerdo, diziam também que estavam em nordeste; e quando no Ombro direito, que estavam em
noroeste. Estas oito posições do alinhamento 't'? eram assemelhadas aos 8 rumos principais da agulha.
Na Rosa dos ventos os ângulos dos 8 rumos fundamentais são divididos em 4 partes para se marcarem
os 32 rumos da agulha. Nesta roda do movimento da Buzina cada um dos S semi-quadrantes é dividido
apenas em 3 partes iguais, resultando assim as 24 posições equidistantes, ocupadas sucessivamente pela
constelação nas 24 horas do dia. Estes 24 raios eram os «rumos horários».
(') livro de Mãrinh»ria. coordenado por J. ]. de Brito Rebelo, Lisboa. 1903. plg. 41.
(') Manuel Pimeniel, Arte rfc njvegar. Lisboa. 1762, págs, 18 e 142.
(>} Os navegadores Italianos viam na Ursa Menor uma corneta com a ponta voltada para o polo e a parte mali
larga, a bõca, sòbre as duas Guardas. A ela se relere Dante no Paraíso. c;intc XIII, 10-12:
Imni.igini la bocca di qut;! corno,
Que comincia in punta dello slelo.
A cui la prima mota va dinlorno.
A prima ruotã é o primeiro movei, a esfera mais alia, que sc supunha mover-se em lòrno dos poios, comuni-
cando a rotafâo diurna às esferas Inicriorcs.
' 49
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Hombro
dírcir*
Sc numa noite sucede estar a Guarda dianteira na Cabeça à hora da meia-noite, o mesmo
nSo sucederá nas noites seguintes por causa do movimento anual do sol para oriente. O alinhamento P
vai estando cada vez mais inclinado para oeste à meia-noite, nos dias sucessivos. Como o dia solar
médio é maior que o dia sideral
cèrca de 4 minutos, no fim de 15
dias haverá um desvio corres-
pondente a uma hora. e por-
tanto a Guarda dianteira marcará
meia-noite no primeiro <rumo>
a seguir à Cabeça, para oesle.
E assim de 15 em 15 dias, de
modo que. no decorrer do ano.
irá marcando a meía-noíte nos 24
rumos seguidamente. E esta in-
dicação do rumo da meia-noite
é suficiente, pois déle se dedu-
zem fàcilmente as horas corres-
pondentes aos outros rumos na
mesma época: «sabendo em cada
mês as guardas em que rumo fa-
zem meia-noite, logo contareis as
horas antes da meia-noite, ou de-
pois, sem errardes quási nada».
A avaliação do rumo horário em
que Iam as Guardas era feita à
simples vista, sem emprego de
instrumento.
Transcrevemos, em parle.
Guardas:
ris. M
r c
O Regimento das horas da noite pela Estrêla do norte e suas
«Janeiro meado, meia-noite no braço esquerdo.
E em fim de ianeiro uma hora acima do braço
Fevereiro meado, meia-noite duas horas acima do braço,
E em fim de fevereiro, na linha do ombro esquerdo
Março meado, meia-noite uma hora em cima da linha,
E em íim de março, duas horas acima da linha.'
Abnl meado, meia-noite na cabeça.
E em fim de abril, uma hora abaixo da cabeça.
Dezembro meado, meia-noite uma hora acima dá linha '
E em fim de dezembro, duas horas acima da linha».
contagem d^astoras ^uTnrTZ'"' 7, ^""i ^onsejheiro. escrito entre os anos de 1428 a 1437. desta
amanhecer pda rodfn^n T ! "^'^ ""^^ ""^n'" Tioras hão-de decorrer a.é ao
duas ÍS. rlr^aforr- a: aSer ""^ ^ ""^'^ """'^ ^ "^'^ O-
fica. Como'*es"ré ?m "cJri """i'" i-nPo"anle: a determinação da latitude geográ-
50
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
Esfrêla do Norte, se esta estivesse precisamente no polo. Estando ela, porém, na segunda metade do
século XV. a uma distância aproximada de 3 graus e meio (no ano dc 1400 era de 3o.98 e no de ISCO,
de 30.42 (')) era preciso fazer-se uma correcção correspondente às diferenças de altura nas suas diversas
posições sôbre o pequeno círculo por ela descrito em tôrno do polo. Consideraram-5e as posições mar-
cadas pela passagem da Guarda dianteira nos oito rumos principais: os dois horizontais, os dois verti-
cais e 05 quatro inclinados a 45o como indica a figura. Para simplificar o desenho (fig. 25), nSo se
representaram as 8 posições da Polar, que se colocou no centro. Mas deve ter se presente que esta
estrèla (« Ursae Minoris) e a Guarda
♦ 3 dianteira (3 Ursae Minoris) tinham, no
século XV, uma diferença de ascençSo
recta de 220 graus (2I9o,82 no ano
de 1400, e 219ojl no ano de 15O0(*))
de modo que, quando esta última ia
num dos oito rumos, a primeira apro-
ximava-se do rumo imediato ao rumo
opõsto do outro lado do polo. Assim,
quando as Guardas iam no rumo (Li-
nha) abaixo do Draço de oeste, a
Estrêla do Norte ia próximo da sua
culminação superior, 30'/* acima do
polo. Devia então fazer-se, na altura
observada desta estrela, uma correcção
subtrativa de 3o'/f- A figura resume
o «Regimento do norte» que se en-
contra no Regimento do estrolabh da
Biblioteca de Munich (1509?) e no Re-
gimento da declinaçam do sol da Bi-
blioteca de Évora (1517). Os números
em volta indicam, com seu sinal, as cor-
reçôes a fazer na altura observada da
Polar, segundo o rumo em que se en-
contrava o alinhamento «f» das duas estrelas de 2.» grandeza da Buzina. Transcrevemos a primeira parte
do «Regimento da estréla do norte», com a redacção que." se lê no manual náutico da Biblioteca de Évora:
«Item quando as guardas estão no braço de oeste, está a guarda dianteira, com a es-
trêla do norte, leste e oeste. E a estrêla do norte está acima do eixo um grau e meio.
E quando as guardas estão na linha abaixo do braço de oeste, está uma guarda por
outra leste e oeste. E a estrêla do norte está acima do eixo três graus e meio.
Guando as guardas estão no pé. está a guarda dianteira, com a estrêla do norte, norte
e sul. E a estrèla do norte está acima do eixo três graus.
E quando as guardas estão na linha acima do pé, está uma guarda por outra, norte
e sul. E a estrêla do norte está acima do eixo meio grau.
E quando as guardas forem em cada um dos sobreditos quatro rumos, da altura que to-
mares tirarás os graus que a estrêla está acima do eixo. E os outros que ficarem estarás
arredado da linha equinocial para a parte do norte».
Nos outros quatro rumos anda a Estréla do Norte abaixo do eixo, e as correcções a fazer sSo
aditivas, com números iguais aos dos rumes opostos, como se vê na figura (fíg. 25).
Estas regras, de origem portuguesa, foram formuladas em Lisboa. Conserva-nos a prova disto
(') Neugebauer, SfernlJÍeln von 4000 vor Chr. zur Gegenwart, Leipzig, 1912.
O lt>idtm.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
CABEÇA
41
a figura que, no Regimento de Munich. precede o «Regimento do Norte». É uma circunferência com 8
raios (lig. 26), a que correspondem outros tantos números, que são evidentemente as alturas da Estrela
do Norte em Lisboa, nas diferentes posições da Ursa Menor,
segundo os oito rumos. Mas deve notar-se que os números
colocados na extremidade de cada raio indicam a altura
da Polar quando as Guardas estão na situação diametral-
mente oposta. ]á vimos que, quando a Guarda dianteira vai
num rumo, a Polar se aproxima do rumo imediato ao rumo
oposto. Aqui recorda-se esta situação, oposta relativamente
ao polo, colocando simplesmente o número que Indica a
altura da Estrèla do Norte, para cada posição das Guar-
das, no outro exlrémo do diâmetro. Assim, se elas vão na
linha abaixo do Braço de oeste, a altura da Polar, obser-
vada em Lisboa, é 42, que se lê na linha oposta, no Ombro
esquerdo.
Os números 37 e 40, colocados nos Braços, dão a
média de 38o J para a latitude de Lisboa ('). A semi diferença
I daqueles números indica a correcção a fazer nas alturas
da Polar, observadas quando as Guardas estão nos Braços
de leste e de oeste, aditiva no primeiro caso, subtractiva no
37
40
35
FÍ9. M
segundo, para se ter a altura do polo. A semi -diferença 3 dos números 41 e 35, da Cabeça e Pé. é a
correcção a fazer nestas duas posições. Final-
mente as semi-d!ferença,s .) e 3 J, dos núme-
ros das Linhas, são as correcções correspon-
dentes a cada um dos diâmetros inclinados. Os
números 3, 3 3, 1 {, \ colocados na periferia
da penúltima figura (fig. 25), que resume o
Regimento da Estrela do Norte, resultaram
assim dos desta última (fig. 26). Éste Regi-
mento foi dêste modo formulado sóbre a base
de observações feitas em Lisboa sõbre a Po-
lar, com o astrolábio ou quadrante, nas di-
ferentes situações da Ursa Menor.
As alturas da Estrèla do Norte em
Lisboa, registadas nesta roda do manual náu-
tico de Munich, são expressas em graus intei-
ros. No manual da Biblioteca de Évora apa-
rece uma roda semelhante, com as alturas
avaliadas em graus e suas h-acções(0- Nesta
última porém (fig. 27), não se lendo já em
vista a situação da Polar, mas apenas a re-
gra a aplicar, para evitar confusões, os núme-
ros foram colocados no próprio rumo em que
estão as Guardas quando se toma a Estrela
41
Plfl. n - riBura rvproduilda do fftf/iiMnto d* Cvora
do Norte pelo astrolábio. Nos números do diâmetro horizontal esqueceu fazer esta troca e assim fica-
n ^ . *L* * "«"'««ÍP a«>gráfica do Observatório Astronómico de Lisboa (Tapada) é de 38o 42' 30 \5 (Frederico Oom.
Dêdos astronómicos pãra os Almanjitiuf:. de 1922. Li&boa. 192!). v « « jy ,3 trreaenco uom.
M)«.«« A ^'^ f^^miíiando com o Ex.-» Snr. Pedro de Azevedo, cuio auxilio solicitamos, o exemplar originai pertencente à Bi-
SS. , « """""OS CO"» « fracções que sc encontram na lísi., de alturas das iò-
i ■ . . S "S*""^'- Pa««"-nos ser a mais provável a leitura «jue apresentamos na Figura 28 Ainda assim esta
tcitura e muito duvidosa. No R.portor,o dos tempos de Valentim Fernandes, edição de 1552.enconlra.sl uma (.guffseSanle*
nas Unlias inchnadas lí-se. em tôdas, a mesma tracção ^. ma» os números dos diâmetros, horizontat e vertical, slo inteiros.
52
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
ram êles como vestígio da disposição primitiva. Eslas rodas constituem por si s6 um Regimento ex-
posio gralicamente. para a determinação da laiiludc. Observada em qualquer lugar a Estrela do Norte
comparava-se a altura tomada com o número da roda em igual posição da Ursa Menor. Assim se ti-
nha a diferença da latitude do lugar para a de Lisboa. E como esta era sabida, ficava determinada a do
mgar. lem uma feição bem nacional estas figuras circulares, onde se vè a variação da altura da Polar
no seu giro diurno sôbre o horizonle de Lisboa.
O Regimento da Estrela do Norte dá 3 graus e meio como desvio máximo desta estrôla acima
ou abaixo do polo. sendo portanto êste o número de graus do raio do circulo diurno por ela descrito
Comentando êste Regimento, diz Pedro Nunes no Tratado em defensam da carta de marear impresso
em 1537, luntamenle com o Tratado da Sphera:
«No regimento que têm os pilotos para lomar a altura do polo pela eslrÔIa há êrro porque
diz que da estrela ao polo há três graus e meio e são quatro graus e nove ou dez minutos. O mais
que dizem que quando uma guarda estiver com a outra cm tal rumo que a estrèla do norte estará
abaixo ou acima do eixo tantos graus, etc, não tenho isto por certo e o melhor é tomar a estréla quando
esiá mais alta ou baixa, porque então está no meridiano, e acrescentar ou tirar os quatro graus e dez
minutos que há dela ao polo».
Na tradução latina, muito ampliada, da*
quele Tratado, publicada em Dâle em 1566 com o
título De regulis et instrumentis etc. Pedro Nunes
apoia a sua opinião na autoridade de ]oão Wer-
ner, que adoptava um valor de precessão de que
resultava aquela distância polar da Estréla do Norte
para o ano de 1500 ('). Ora a distância polar da «
Ursae Minoris era: 3». 98 em 1400; 30.42 em 1500;
^ e 20.86 em 1600 Neste exemplo se vê a superio-
ridade da observação directa sôbre a teoria. Os nos-
sos pilotos é que estavam bem próximo da ver-
dade, e o cosmógrafo-mór. seguindo a opinião do
sábio de Nuremberg. laborava em êrro.
c Quando começou a usar se o Regimento
do Norte? Não se pôde responder precisamente.
Diogo Gomes, na sua narrativa De prima invendone
Guineae, a propósito da sua viagem à Guiné em
1462, conta que tinha um quadrante, dizendo: «Et
ego habebam quadranfem, quando ivi ad partes istas;
et scripsi in tabula quadrantis altitudinem poli artici,
et ipsum meliorem inveni quam cartam». Diogo
Gomes, quando foi para aquelas partes, levava um quadrante; escreveu nêle a altura do Norte, e achou-o
melhor que a carta de marear. Do modo como se exprime depreende-se que aquilo que escreveu no
instrumento o valorizou para o uso que délo queria fazer. I^arece-nos para isto bastante elucidativo o
trecho seguinte, que se encontra no Reportório dos tempos de Valentim Fernandes, subordinado ao titulo
«De como se há de navegar pelo quadrante»:
«Partindo algum de Lisboa pare mentes onde lhe cai a chumbada, s. em qual grau e põe
ali um sinal sôbre o quadrante, em tal tempo quando as estrelas das guardas estão leste oeste com a
estréla do norte. E depois, um dia, ou dois, ou mais, quando quer que quizerdes no mar saber quanto
o vosso navio eslá diferenciado de Lisboa, vereis a quantos graus vos cai então o chumbo, ou de um
(1) «E;iin sfellam quac In exlreniKate caudae MInorIs Ursae posila psi, Iddrco polarcm esse dicuni, quia cst
nostro tcmporc árctico polo vicmUaima: IrlbuH cnim tantum gradibus cum minulls HO ab fodfm polo díslare nostrac aetalis
nautae aflirmanl. Sed sl vcruj csl stt-llamm lix.irum molus loannls WrriiTi calculo roportus per tabulas Alphonil quaiuor
gradus conllnel ea dislanlia cum mlnutis (ero 9 nostro lempore Id csl anno I500> (Pcifl Nonii Opera, Basllcac. 1566, plg. 8S).
(í) Neugebauer, Slerntsfeln von tOOO vor CItr. bis zum Gegcnu/arf, Leipzig, 1912.
53
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
cabo ou do outro de vosso primeiro ponto ... E assim de todolos lugares fareis onde quer que vos
partirdes, como se diz agora de Lisboa*.
Diogo Gomes deve ter assim notado no quadrante os graus de altura da Polar em Lisboa,
coTTCspondentes a uma ou mais posições das Guardas. Era um modo de escrever um Regimento do
Norte, equivalente ao que resume a roda do Regimento de Munich. embora numa fase anterior mais
simples. Actiou o quadrante melhor que a carta, porque nesta, é certo, se vai traçando a derrota pelos
rumos percorridos e distâncias estimadas, mas os êrros vâo-se acumulando, e por isso acrescenta:
«certum est quod in carta (') videtur via marinandi, sed semel errata nunquam redeunt ad primum pro-
positum». Vendo que a latitude determinada com o instrumento de altura era diferente da latitude resul-
tante da derrota marcada na carta, prefere a primeira, reconhecendo os defeitos do processo de navega*
ção por distâncias estimadas e rumos, de que adiante nos ocuparemos.
Na relação de Diogo Gomes de Sintra encontra se a primeira referência ao uso do quadrante
para a medição da altura dos lugares pela Estrela do Norte. Isto não significa, porém, que êle fòsse o
primeiro navegador português que tal fizesse, nem êle isso afirma.
]á nos Ubros deí saber de astronomia (Tomo II, pág. 276) se encontra, entre os capEtulos dos
Libros dei astrolábio Uano, um que trata «De saber la ladeza de la vila por las estrellas fixas». Manda-se
tomar alguma das estrêlas que estão cêrca do polo setentrional, quando ela fôr na sua maior altura, e
quando na altura mínima. A média das duas alturas observadas é a latitude do lugar. Entre as estrelas
circumpolares especializa-se <la estrella à que dizen Algedi, que es en cabo de la cola de la orsa menor»,
a qual é a mesma Estrèla do Norte dos nossos navegadores. Os nossos, porém, tendo observado em
Lisboa que a diferença de altura, nas duas culminações, era de 7 graus, entenderam que bastava obser-
var a Potar numa delas, fazendo a correcção de 3° em qualquer latitude em que se achassem, o que
era certo. As culminações merídianas correspondiam aproximadamente à passagem das Guardas nos
rumos horários de nordeste e sudoeste. Nos outros rumos a Polar ficava fóra do meridiano, e as cor-
recções propostas no Regimento do Norte não podiam rigorosamente aplicar se a tôda e qualquer lati-
tude. É o que demonstra Pedro Nunes no tratado latino De regulis et instrumentis, onde mostra que,
estando a Polar fóra do meridiano, e num mesmo e determinado rumo horário, a diferença de alturas do
polo e da Polar varia com a latitude dos diferentes lugares, considerados debaixo do mesmo meridiano, e
é por isso de opinião que os cânones daquele Regimento foram formulados por algum Matemático impe-
rito (*)■ Os autores do Regimento não eram naturalmente grandes matemáticos, mas eram excelentes
observadores. Tendo estabelecido as 8 regras, não lhes ocorreu examinar se os números propostos eram
rigorosamente aplicáveis a qualquer latitude, como sucedia nas culminações meridíanas. Mas que obser-
vavam admiràvelmente, com o astrolábio e quadrante, mostra-o bem a determinação que fizeram da dis-
tância polar da preciosa Estrèla do Norte, que avaliaram em 30 l, número muito maís exacto do que
os 4 graus e 10 minutos, propostos por Pedro Nunes, segundo o cálculo de }oão Werner, perito
matemático.
(*) t pre(erEve) a leitura cartam e carta, de Schmeller, no (redio citado. Com a leitura costam e costa fica o
tr«c>io sem sentido, como na tradução de Oabríel Pereira (Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, I898-1899
pis- 286).
O «Caeterum naulae quonlam paucas admodum slellas cognilas habent, per eam lanlum quae est in exlremltale
caudac Mlnoris Ursae. et duas postrcmi iateiis quadriiaterí eiusdem Imaginis, quae in lota fermê pljgd hac Boreali lota nocte
cunspicuae sunt. airiludincm poli arctid inquirunt. Et quia non qualibei nocle eaedem steilae ad meridianum perveniunt. quos-
dam propterea cânones liabent, quos ab aliquo forlasse imperito Mathemalico acceperunt. ex quibus eticiunt quantum polarís
stellae altlludo, In quollbet tpsius Situ, maior sit, aul minor poli Dorcalls etev.«ione. Slc Igitur quavis nocte, non scmel tantum,
sed Kaepius. cx explorata polarís siellae allitudine, et cognila dislantia ejusdem i silu meridiani, poli eievationem manileslaní
Heri puiant: íalluntur tamen saepissimè. Nam cum stelia extra meridlanum posila est, non una atque eadcm differenlia in omni
horizonte dcprcssior est, aul elcvalloi» (Petri Nonii Opera, Daslleae, Ii66, págs. 92, 93).
54
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
• — REGIMENTO DA ALTURA DO POLO AO MEIO-DIA
REGIMENTO para achar a latitude por meio da altura do sol. observada ao meio-dia. e
da sua declinação, dada pelas tábuas, encontra se já, embora numa fase mais simples, nos
Libros dei saber de astronomia de Afonso X, como aplicação dos astrolábios: no Cap.
67 (De saber las Iade2as de las cibdades) do segundo Livro do astrolábio redondo, e no
ladeza de qual vllla quisieres) do segundo Livro do astrolábio
plano. Manda se tomar a altura do sol ao meio-dia, que é o mais alto que pôde subir. Se o sol anda
nos signos austrais, soma-se. com a altura observada, a sua declinação nesse dia; se anda nos signos
setentrionais, subtrai-se a declinação da altura. A diferença do número, assim obtido, para 90 é a /a-
deza, ou latitude procurada.
Nesla regra não se fala ainda em sombras. Subentende-se que elas correm ao norte no
momento da observação, por se supor sempre o sol ao sul do zénite, na sua passagem meridiana. NSo
se pensa ainda num lugar situado na zona tórrida, onde o sol pôde passar ao norte do observador.
Temos ali um «Regimento da altura do polo ao meio-dia». formulado apenas para situações ao norte do
trópico de Câncer.
Quando, porém, os navegadores portugueses entraram pela zona lórrida, sulcando o Atlântico
|á entre o trópico de Câncer e o equador, e viram
as Ursas, a pesar-de Juno,
Danharem se nas águas de Neptuno,
e as Guardas da Duzina a passarem por baixo do horizonte, prejudicando a aplicação do Regimento da
Estrêla do norte, foi preciso redigir regras mais gerais para achar a latitude pelo sol. Começou por
fazer-se a generalização a todo o hemisfério boreal. Consideraram-se três casos, mais um do que nos
Libros dei saber, o de passar o sol ao norte do zénite, indicado pelas sombras projectadas ao sul, fenó-
meno pela primeira vez observado pelos nossos marinheiros naquelas paragens. Formularam-se enlSo
as três regras para achar as latitudes ao norte do equador, que se encontram ainda no Regimento do
estrolabio da Biblioteca de Munich (páginas 4 e 5 da edição fac-similada);
1) Quando o sol está em algum dos seis signos da banda do norte da equinocial, «se a
sombra te fizer ao norte, tirarás a altura que tomaste de 90, e o que ficar aiuntarás à declinação»;
2) «... mas se a sombra vai para o sul. . . . ajuntarás a altura que tomaste com a declinação
e o que sobejar de 90 é o que estás afastado da linha»;
3) Quando o sol, porém, anda nos signos da banda do sul. «toma a altura do sol, como já
disse, e olha nesta tavoada a declinação que o sol tem em aquele dia, e ajunta tudo: e o que fôr tira-o
de 90 e o que sobejar, é o que estás afastado da linha».
Estas três regras são apenas aplicáveis no hemisfério boreal, como se observa por fim: «e ôsle
regimento é o que has de ter do norte até a linha equinocial».
Quando os navegadores portugueses passaram o equador em I47I foi preciso completar o
Regimento com a determinação das latitudes austrais. Era fácil; bastava permutar entre si as palavras
norte e sul. As regras para as latitudes ao sul do equador enconiram-se, a seguir, no manual de Munich
(págs. 6 e 7 da edição fac-similada):
«Mas da linha equinocial por diante, para o sul, é o regimento pelo contrário, convém saber»:
1) «Quando o sol estiver nos signos da banda do sul,... e se a sombra fôr para o sul, olha
quanto é a altura e tira de 90, e o que ficar ajuntarás com a declinação do sol daquele dia, e outro
tanto estás afastado da linha para o sul>;
2) «... E se a sombra fôr para o norte,... então ajuntarás a altura com a declinação, e o
que fôr mais de 90, é o que estás afastado da linha»;
3) «... E se o sol estiver nos signos que são da banda do norte, tomarás a altura do sol
65
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
e a declinarão daquele dia. e ajuntarás tudo: o que fôr tira-o de 90(*), e o que ficar é o que estás afas-
tado da tintia».
A primeira destas três úllimas regras era aplicável quando Vasco da Gama, em 9 de novembro
de 1497. foi 3 terra tomar o sol ao meio-dia com o astrolábio de pau de 3 palmos de diâmetro. As
tábuas davam o sol em 26» 38 do signo de Scórpio. com uma declinação austral de 19«30 , como adiante
veremos. As sombras corriam ao sul. Tinham, pois. o sol ao norte do zénite, e como êle estava num signo
austral, nâo podiam os nossos navegadores duvidar da situação da armada no hemisfério sul. Suspenso
o astrolábio da cabrilha armada em terra, observaram uma altura máxima de 77». Tirando 77 de 90.
acharam uma diferença de 13o que. somada com I9<'30. lhes deu 32o30 . É esta a latitude da Angra de
Sanla Helena que se lê na Tábua das latitudes geográficas do Esmeraldo de situ orbis de Duarte
Pacheco.
O Regimento, exposto no manual náutico de Munich, resultante da simples justaposição dos
preceitos sucessivamente formulados, para o hemisfério boreal e depois para o austral, ficava imper-
feito. A sua aplicação exigia o conhecimento prévio do hemisfério em que se navegava, e isso podia ser
muitas vezes objecto de dúvida, quando o navio se achava nas regiões equatoriais. Duarte Pacheco
Pereira, que andou fazendo observações junto do Cabo de Lopo Gonçalves, notou naturalmente ésse
inconveniente e deu ao Regimento uma nova fórma mais perfeita, isenta desse defeito. Destas observa-
ções lala èle no Cap. 1 1 do Livro 2.o do Esmeraldo:
«e êste Cabo de Lopo Gonçalves pontualmente jaz debaixo do círculo da equinocial (0. e nesta
terra há muita habitação de gente, os quais são negros, que em nenhuma parte do mundo pôde mais
haver; e a experiência nos tem ensinado, porque por muitos anos e tempos que esla região das Etiópias
da Guiné temos navegadas e praticadas, em muitos lugares tomamos as alturas do sol e sua declinação,
para se saber os graus que cada lugar se afasta em ladeza da mesma equinocial para cada um dos
poios, e achamos que êste círculo vai por cima dêsle promontório, e temos sabido que neste lugar em
todolos dias do ano é igual o dia da noite, e se alguma diferença tem, é tam pouca que quási se não
sente».
Duarte Pacheco andou fazendo explorações na Guiné por ordem de D. ]oâo II, como êle
refere logo no Prólogo: «e por não alargar mais a matéria, deixo de dizer as particularidades de muitas
cousas que êste glorioso príncipe mandou descobrir por mim e por outros seus capitães em muitos
lugares e rios da costa da Guiné». Quando Bartolomeu Dias. em 1487, regressava do descobrimento do
Cabo da Boa Esperança, encontrou-o na Ilha do Príncipe muito doente, e por isso sem disposição «para
por si ir descobrir os rios da costa, a que o EIRei mandava», e trouxe-o consigo para Lisboa, como
conta Barros (O-
Os primeiros capítulos do Esmeraldo, e entre êles o Cap. IO.» do primeiro Livro «De como se
hâo de ajuntar os graus que o sol subir aos graus de sua declinação, etc», foram escritos em 1505, pois
no Cap. 14 do Livro I diz: «porque vai ora em 90 anos que Ceuta foi tomada», o que teve lugar no ano
de 1415. Em julho de 1505 regressára éle da índia, em tòda a glória dos seus admiráveis feitos na
guerra com o rei de Calicut.
Duarte Pacheco, naquele IO.» capítulo do primeiro livro, distingue três casos apenas, que têm
lugar indistintamente num e noutro hemisfério: o primeiro, para «quem estiver em lugar que o sol seja
entre éle e a tinha equinocial, ora esteja da dita linha para o polo árctico ora para o polo antárctico»;
o segundo, para «quem fòr em lugar que esteja entre o sol e a Unha equinocial, ora seja para um polo.
ora para outro»; e o terceiro, «se estiveres em lugar que a linha equinocial esteja entre ti e o sol, ora
seja para um polo ora para outro». É claro que, nos dois primeiros casos, o observador estará no mesmo
hemisfério em que anda o sol; no terceiro, estará no hemisfério oposto. Por fim, observa:
«Necessário é. a quem quizer entender esta nossa obra. que saiba os meses em que se o sol
move da equinocial para o trópico de Câncer e assi o de Capricórnio, segundo atrás é dito no capítulo
(■) As palavras que acrescentamos em itálico faltam evidenlemenlc no texto, como mostram os próprios exemplos
numéricos <\ue lá se »e^uem a regra.
(') A tisla de latitudes do Esmeratdo sitúa o Cabo de Lopo Gonçalves em 0«10 . ao sul
O Barros. Décxda I, Liv. 111. Cap. IV.
56
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
nove. porque, sabendo o tempo em que o sol corre para uma parte ou para outra, e assi as decli-
nações dêle e as diferenças das sombras que faz segundo o mês em que é áquem ou além da equino-
cial, assim entenderá esta obra*.
É pois de Duarte Pacheco Pereira esta melhor redacção do Regimento da altura do polo ao
meio-dia, que êle chama nossa obra. em que se dispensa o conhecimento prévio da situação do navio
ao norte ou ao sul da linha, e se atende às três posições relativas do sol, zénite e equador. O modo
de distinguir os três casos, como é necessário para entender a sua obra. não chega a ser completamente
explicado por èle, supondo que os navegantes o saberão bem fazer pelas declinações do sol e diferen-
ças das sombras.
Para melhor entendimento dos pilotos, julgou-se depois preferível desdobrar as Irés regras de
Duarte Pacheco, formulando-as separadamente para o tempo em que o sol andásse ao norte do equa-
dor, que era de ll de março a 14 de setembro, e para o tempo em que estivesse ao sul, de 14 de
setembro a 10 de março, tornando explícito o modo prático de distinguir os três casos. Assim se encon-
tram no Regimento da dedinaçam do sol, da Biblioteca de Évora:
<E quando o sol fôr da banda do norte da linha eqíiinocíal e fizer a sombra ao norte, da
altura que tomares, verás quantos graus faliam para 90. E com estes que faltarem para 90 ajuntarás a
declinação daquele dia. Tudo iunto, tanto estarás arredado da linha para a parle do norte.
E se neste lempo que o sol andar da banda do norte da linha equinocial, e tomares a altura
do sol e as sombras forem para o sul, aqui ajuntarás a declinação com a altura que tomares. E se
passarem de 90, aqueles que passarem, estarás da banda do norle da equinocial. E se não chegarem a
90, aqueles que menos 'forem de 90, aqueles estarás arredado para a banda do sul>.
Nâo transcrevemos as três regras relativas às estações do outono e inverno, em que o sol
anda da banda do sul. que fàcllmente se deduzem destas, permutando entre sí as palavras norfe e sui
Preceitos semelhantes se encontram no Liuro de Marinharia, divididos em duas partes, a pri-
meira intitulada — «Regimento da altura do sol quando anda da banda do norte», e a segunda — 'Regi-
mento do sol da parte do sul>('). Assim os seis casos que na fórma antiquada, conservada no manual
náutico de Munich, se distribuíam em dois grupos conforme a posição do observador ao norte ou sul
do equador, passaram a agrupar-se em duas parles caracterizadas pela situação, sempre sabida, do sol
ao norle ou ao sul da linha, resultando do próprio cálculo a latitude com a indicação de ser boreal ou
ausiral. No manual náutico de Évora ainda nisto se insiste: <E avisar-te-has que sempre faças a conta
ao som das sombras, e segundo que responder a conta, assim has de dizer a que parle da linha estás>,
Éste aperfeiçoamento é origináriamente devido a Duarte Pacheco, que por muilos anos andou tomando
alturas nas regiões equatoriais.
A respeito da maneira de observar o sentido das sombras, lê-se no Lii/ro de Marinharia:
«tomando a altura, verás para qual parte pendem as sombras, primeiramente verás pela sombra da tua
cabeça ou pela sombra dos mastros da nau ou de qualquer pau que estiver empinado direito, então
verás se te pendem para a parte do norte, se para a parte do suU.
O Regimento foi aplicado na expedição de Cabral, em que ía Duarte Pacheco, quando chega-
ram ao Brasil. Na carta escrita de Vera Cruz a D. Manuel, em I de maio de 1500, conla-lhe o bacharel
Mestre ]oão que, em 27 de abril, foi a terra com o pilõlo de Alvares Cabral e o de Sancho de Tovar
para tomarem a altura do sol ao meio-dia, e que acharam uma altura máxima de 56<^. O sol estava então
em I603O do signo de Tauro, com uma declinação boreal de la^si , segundo as tábuas que levavam,
calculadas peto Atmanach de Zacuto. O sol andava ao norte da linha, e como as sombras corriam ao
sul. somaram a altura com a declinação do dia, o que deu 72o51 . O equador estava pois inclinado
72051 ao norte, ficando *enlre éles e o sol». Subtraíram este número de 90, e concluíram que estavam
numa latitude austral de n°9 . Mesire loão. arredondando esta conta, participa ao rei que se achavam
afastados da equinocial por 17 graus: «tomamos el altura dei sol al médio dia e falíamos 56 grados e
Ia sombra era septentrional por lo qual segund las regias dei estrolabio iusgamos ser afastados de la
(') Livro de Marinharia, coordenado por Brito Rebelo, LllbOJ. 1903. pigs. 32, 33.
57
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
equinocial por 17 grados, e por consvsuiente tener el altura dei polo antartico en 17 grados>. Nota-se
que êle diga que a «sombra era septentrional>. Há aqui um equívoco e\fidenle. O sol, então num signo
boreal, passava no meridiano ao norle do zénite. Quando escreveu aquelas palavras estava pensando na
situaçáo setentrional do sol. causa do sentido das sombras, t um lapsus calami. Ao fechar a sua carta,
faz esta crítica do processo de determinação da lalilude pela altura do sol. e dos instrumentos: «pera la
mar mejor es regyr-se por el altura dei sol que non por ninguna eslrella, e mejor con estrolabio que
non con quadrante nin otro ningud estrumento>.
Para facilitar a conta do sol fèz se em Portugal uma modificação no astrolábio. Dispôs-se a
graduação a partir do zero, colocado na extremidade superior do diâmetro verlical, e correndo de aí
para baixo até terminar em 90 no diâmetro horizontal. Então o instrumento passou a medir a distância
zenital, em vez da altura. Foi para astrolábios assim graduados que Pedro Nunes redigiu o «Regimento
da altura do polo ao meÍo-día> que se lê no Tratado em defensam da carta de marear, de 1537, de que
transcrevemos a primeira parte:
«Se o sot tem declinação para o norte e as sombras vão para o norte, saberemos pelo astro-
lábio ao meio dia, que é na maior altura, quantos graus há de nós ao sol. e acrescentaremos a decli-
nação daquele dia; e o que somar será o que estamos apartados da linha eqiiinocial para o norte.
Mas se o sol tem declinação para o norle e as sombras vão para o sul, saberemos pelo astro-
lábio quanto há de nós ao sol. e pelo regimento a declinação; e se forem iguais, estaremos na eqiiino-
ciai; e se forem desiguais, tiraremos o menor número do maior, porque o que ficar, isso estaremos
apartados da eqiiinocial, e será para o norle se a declinação era maior, e será para o sul, se a decli-
nação era menor».
(.
A segunda parte é repetição desta primeira, mudando norte em sul. e reciprocamente.
Êle próprio nos dá noutra obra sua um exemplo da aplicação do seu Regimento. Tendo, no
dia do sotstício estival, observado em Coimbra a distância zenital meridiana do sol com um astrolábio
de dois palmos de diâmetro, construído com muita precisão, achou um ângulo de 17 graus exactos (*)•
A declinação do sol era então máxima, de 23o 30 , portanto, segundo o valor por ele adoptado para a
inclinação da eclíplica. O sol declinava ao norte, e para o norte iam as sombras. Somando 17° com
23030, resultou-lhe para latitude de Coimbra: 40° 30 (esta latitude é de 40» 12 ).
No Liuro de Marinharia (pág. 40) vem um «Regimento dallura do sol, pela banda de cima do
astrolábio, de menos trabalho e melhor». O que se chama «altura contada pela banda de cima» é a dis*
lãncia zenital. A conta assim feita é classificada como de menos trabalho e melhor. Rodrigo Çamorano
dedica a êste processo um capitulo do seu Compendio dei arte de nauegar, 1591, intitulado «Otra ma-
nera de hazer la cuenta al sol, como lo usan en Portugal», que é baseado no cânon de Pedro Nunes,
como èle o publicou em 1566. mais simplificado, com o titulo: <De invenienda loci lalíludine per radium
meridianum anlíquus cânon noster» O- Então o cosmógrafo-mór não julga já necessária a consideração
de regras em separado, para o sol nos signos boreais e nos austrais, como èle fazia ainda em 1537 (*).
As regras do astrolábio mais fáceis de todas são as que se encontram no Lioro de Marinha-
ria (pág. 65) com o título «Regimento desta declinação», que é de uma simplicidade notável. A «declina-
ção* a que se refere èste titulo é a que se encontra nas páginas imediatas (págs. 67 a 82), que conteem
as tábuas solares para um quadriénio. Mas o que nessas tábuas se chama declinação é a distância do
O «Cum enim Aslrolabium quoddatn recl^ labrefaclum nacti essemus, cujus dtameter duorum palmonim eral, tiaud
pwici^ annis acstivo tompore. Solom obsorv.ivitnus, minlmamque dísiantiam i vertic^li puncio Conimbricae, sraduum praecisè
repehmus 17. El quoniam maHima Solis d«cttn^tio nostro lempore Or. cominei 23. min. 30. feré. conciu&iinu» idcirco laUludi-
nem Conimbrlcae. Or. 40. min. 30 ierè> (Pelri Nonh Opera, Daslleae, 1^66, plg. 64).
O Ibidem, pág. 9S.
0) Vollou-se assim aos mesmos tris casos considerados por Duarte Pacheco, embora formulados doulra maneira.
No Livro de Marinharia, pág. 43, encontram-se as expressões iconcordia da sombra com o lempo> c «discórdia da sombra
com o tempo», das quais a primeira se emprega para significar que as sombras conem ao norle. ao tempo em que o sol anda
ao norle da linha, ou que as sombras correm ao sul, andando o sol nos signos austrais, e a segunda significa que as som-
bras correm ao rortp and.indo o sol para o sul da linha, e inversamcnie. Empregando esla linguagem, podem traduzir-sc assim
os Irés casos g ipais do cinon acima retendo: 1) com Côniordu da sombra com o tempo, soma-se a disiãnda
xenital com a ii< i se a latitude com o mesmo sinal da declinação; 2) com discórdia da sombra com o lempo,
e sendo a decimarão maior que a disl&ncia zenital, a dileren^a das duas será a latitude com o mesmo sin,il da declinaçio;
3) com diicordia da sombra com o tempo, sendo a dislAnda zenital maior que a decimando, a diferença das duas será a lati-
tude com sinal contrário ao da declinação.
58
A ARTE DC NAVEGAR DOS PORTUGUESES
sol ao polo norte em cada dia, variando entre um mínimo de 66o 30^ no dia do solstício estival, e um
máximo de lis» 30' no solstício hiemal, o que corresponde a uma inclinação de 23» 30 da ecHplica sôbre
o equador. Ravenstein (<) achou singulares estas declinações, que são afinal as distâncias polares do
sol contadas do norte, passando-lhe naturalmente desper-
cebida a sua aplicação. Estas distâncias polares dcsti-
navam-se a ser usadas com astrolábios graduados desde O
a 180. de um extrèmo ao outro do diâmetro horizontal
(fig. 29). O zero deve voltar-se sempre ao norte no mo-
mento da observação. Se o sol está ao norte do zé-
nite, a sua^altura, é menor que 90; se está ao sul. a sua
altura, HCS, será contada maior que 90. Esta maneira
de observar é assim explicada: «tomando a altura ao
meio-dla, verás a parte que o teu astrolábio declina ao
norte, começando debaixo, do primeiro grau para cima. até
onde estiver a ponta da medeclina que é a altura donde
ficou o sol*. É claro que, se a altura assim tomada fôr
maior que a distância do sol ao polo norte, ficará êste
polo acima do horizonte; no caso contrário, ficará abaixo.
Assim resultam, dèsle modo dc medir a altura do sol, as
regras simplicissimas do Livro de Marinharia:
H- —
(Mb)
<Se a altura do astrolábio fôr maior que a declinação laliás distância polar norte],
tirando a menor ^a maior, o que ficar estarás da parte do norte.
Se a declinação Idistância polar norte) fôr maior que a altura, tirando um do outro,
o que ficar estarás da parte do sul.
Se fôr a altura igual com a declinação [distância polar], estarás na linha».
Nestes concisos preceitos ficam compreendidos todos os casos possíveis. Não há distinções de
sombras a fazer. O Regimento atinge a sua simplicidade máxima com um astrolábio assim graduado.
9 — tAduas do sol
S regras para achar a altura do polo ao meio-dÍa tinham de ser acompanhadas de tabe-
las em que se enconlrásse fàcilmente a declinação do sol em cada dia. Assim sucede
nos dois manuais náuticos portugueses, conservados, em exemplar único, na Biblioteca
de Munich e na de Évora, os quais representam duas fases bem distintas na confecção
das tábuas solares. O Regimento de Munich, que, segundo o Snr. Joaquim DcnsaúdeO),
deve ter sido impresso posteriormente a 1509, contém um calendário onde, juntamente com os nomes
dos Santos, se dão para todos os dias do ano, o -lugar do soI> na eclíptica, expresso nos signos e graus
inteiros de cada signo, e a declinação em graus e minutos. O calendário começa em março e termina
em fevereiro, repetindo-se em 29 deste mês os mesmos números do primeiro dia de março. Dispõe-se
assim de uma tábua única para aplicar em qualquer ano. No Regimento de Évora, porém, ao calendário
expressamente designado por «ano do bissexto», onde os lugares do sol são íá contados em graus e
minutos, como as declinações, seguem-se três tábuas de declinações solares para os anos: primeiro,
segundo e terceiro depois do bissexto. Os anos começam no mês de ianeiro. e nio no de março.
Teem se assim tábuas para o ciclo quadrienal do bissexto, e como estio calculadas para o quadriénio
í'> «Amonq thcse are Iwo Mis of dcclínalion rabies. lhe one ol Itic usual lype, the orher peculiar, Inasmuch ai
Itie DOini ol rcfercnce lor what its author called .declinaiion- Is thc North Polc. Thus decf. 23» S. i» expreswd by t 23<»
1 13° . whllsl decL 23» N. Is given as 90o-23o 67»» (Ravenstein. tAarttn Behãim, his U(e and Ais globe, London. 1908,
pis. 19). ^ j Bensaúde, Lastronomie nautiqtie êu Portuffat à lipoque det grandes découvtrlts, Oem. 1917, pÍB- "O-
59
HISTÓRÍA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de 1517 e 1520, pôde concluír-se a data de impressão do Regimento de Évora em 1517. A tábua única ■
anual, muito Imperfeila. do Regimento de Munich, onde os lugares do sol sào ainda expressos cm sim-
ples graus inieiros. corresponde, na evolução da sciéncia asironómica, cultivada em Portugal para uso da
navegação, a um período bem anterior à data da sua publicação em 1509, ou depois. A análise do
manual náutico de Munich mostra que êle é composto de partes provenientes de épocas mais antigas
do que o ano em que foi impresso, o que aumenta o seu valor histórico.
^ ^ Em 25 de fevereiro de 1496 (sole existente In I5o53 35 Piscium sub ceio Leyree) acabou de
*" ■* imprimlr-se cm Leiria o Almanach perpetuam de Abraão Zacuto. traduzido do hebreu para latim pelo
' seu discípulo ]osé Vizinho. Zacuto, que ensinára astronomia na Universidade de Salamanca, eslava então
em Portugal, para onde viera cm 1192, quando os judeus foram expulsos de Espanha. D. João II tinha-o
feito seu astrónomo, continuando a sè-lo de D. Manuel, até que, ordenada por êsie a expulsão dos judeus,
em dezembro de 1496, Zacuto fugiu para Tunis em 1497, morrendo em Damasco por 1535.
A parte dêsle Almanach perpetuam que agora nos interessa são as
quatro tábuas com os lugares do sol na eclíplica, Isto é. com as longitudes
solares, expressas cm signos, e graus, minutos c segundos de cada signo, para
cada dia dos anos de 1473 (tabula prima soIis). 1474 (tabula secunda), 1475
(tabula tertia) e 1476 (tabula quarta). Para aplicação destas tábuas, relativas
a um ciclo de quatro anos, que é o do bissexto, a outro qualquer quadriénio
serve a Tabula equationis solis, a qual dá a correcção a fazer para anos futu-
ros ou anteriores, à razão de I 46 ' por cada revolução de quatro anos. A
tabela, de que transcrevemos apenas as 12 primeiras linhas, contém as cor-
recções até 34 revoluções. Assim, para o quadriénio de 1517 a 1520. 44 anos
posterior ao das tábuas, o número de revoluções decorridas é 11; tem dc
acrescentar se 19 25 a todos os lugares do sol do Almanach, para se terem
os dos anos 1517, 1518, 1519 e 1520.
Sabidos 05 lugares do sol, enlrava-se com êles na Tabula declina-
tionis pUmetarum et solis ab equinotiafi, para se obter a sua declinação. Esta
tabula declinationis eslá calculada apenas para os lugares expressos em graus
inteiros dos signos; para fracções de graus faz se a costumada Interpolação
proporcional. A declinação correspondente aos pontos solstíciais é de 23^33,
sendo esta portanto a inclinação da eclíplica sòbre o equador que serviu de
base ao cálculo da tábua; èste foi o valor achado pelos astrónomos do califa
Almamon, pelo ano 830. no observatório de Bagdad. Uma tabela semelhante
a esta de Zacuto enconlra-se nos Libros dei saber de astronomia, tomo IV. pág. 6, com o título «Tabla
dc ta dedinacton dei sol*, a qual se diz «rectificada en este nuestro tiempo», mas nessa a declinação
máxima é de 23o32 30 .
Fazendo em todos os lugares do sol das quatro tábuas do Almanach a correcção por acrés-
cimo de 19 25 , a que nos referimos já, e entrando depois com êles na Tabula declinationis. lem-se as
*sTAi»i.<?no tabelas de declinação para o quadriénio de 1517 a 1320. Sào os números assim calculados que se encon-
^ ^ tram nas tabelas de declinação do Regimento de ÉvoraC), tendo sido cncorporados no calendário (ano
do bissexto) os do ano de 1520. As mesmas tabelas constituem o primeiro grupo de tábuas do Livro de
Marinharia (págs. 49 a 64), correspondendo portanto ao mesmo quadriénio ('). A tabela do ano bissexto
aparece também no calendário do Reportório dos tempos de Valentim Fernandes, atribuíndo-se aí o cál-
culo a Gaspar Nicolas, o autor do Tratado da pratica darismética.
TABULA EQUATIONIS
SOLtS
rcvol.
Sr-
mio.
sec
1
0°
1
46
2
0
3
32
3
0
5
18
4
0
7
4
5
0
8
50
6
0
10
36
7
0
12
22
8
0
14
8
9
0
15
54
10
0
17
40
11
0
19
25
12
0
21
11
íMí««,rf.J'L^r'*'*í *'^]^** '° ffffi^^cnfo ào estrolãbio da Biblioteca de Évora», no Boletim da Bibhotecã da
vnivetiiaãae ae CoimbM. Vol, VI. págs. 65 a 79.
rf* M„inh>F} 1^*^ Iu8*rcs do sol que serviram para calcuUr estas declinações eslào no segundo grupo de tábuas do Livro
« Al jr-nft (pígs 67 a 82 numeraçio a prelo), Nota-se que faltam os verdadeiros valores para os meses dc julho a outu-
ore . iro ano depois do bissexto, eslanío. em vez déles. copiados os números de iguais meses do ano terceiro depois
Sa rp:.in..n.. «í^í" ** i° "''Simçnto de Evora estão, a par das declinações, os lugares do sol; os do primeiro semestre
ííff^^tS™ , r *"oi"«*«íí'o,.0«0); o» do segundo semestre sâo os do primeiro ano depois do bissexto (1517). Estas
Ijí.^rirdn^'n. S^í"? precisas para o cálculo das laiitudes geográficas, bastando, a respeilo da
SbSs doJ "da^^ao noftP ou ao sul da linha equmocial. havia menos cuidado na cop.a das
raocus oos lugares do «ol. que eram dispensáveis para o naveganle.
60
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
Mestre losé Vizinho, tradutor da obra de Zacuto, não era apenas um sábio de gabinete. Em
1485('), por ordem de D. ]oào II, percorreu a costa da Guiné, tomando alturas pelas regras do sol. Dis-
cípulo do autor do Atmanach perpetuam, escrito em hebreu de 1473 a 1478. e interessado na prática de
observações e cálculos para a determinação das latitudes geográficas, é natural que fizesse aplicação da
obra de Zacuto. logo que dela leve conhecimento, à confecção de tabelas de declinação do lipo quadrie-
nal. Traduzido, porém, o Almanjch e impresso em 1496. não é admissível que dele se nào fizesse uso
para o cálculo de tabelas, semelhantes às do Regimento de Évora, destinadas a servirem na viagem de
Vasco da Gama. Para o quadriénio de 1497 a 1500. posterior 24 anos ao de 1473 a 1476, a correcção a a^tAmm-ím
fazer nos lugares do sol das tábuas de Zacuto era de 10 36 correspondente às 6 revoluções de 4 anos,
decorridas entre os dois quadriénios. Entrando com os lugares assim corrigidos na Tabula decimationum, oa uama
oblinham-se as tabelas de declinações solares para os quatro anos. desde o da partida do Gama até ao
de 1500, em que saiu Cabral. Duarte Pacheco Pereira, narrando no Esmeraldo (Cap. 2.o do quarto Livro)
os preparativos da expedição de Vasco da Gama. diz que nela se fizeram tantas e tam grossas despesas
com Iam poucas naus. que por não parecerem graves de ouvir e crer. as deixa de contar pelo miúdo; que
os navios se fizeram por singulares mestres e oficiais; que mantimentos, armaria e bombardaria. tudo foi
dado em abastança muilo maior do que convinha à necessidade do caso; e que «assim foram mandados nesta
viagem os principais pilotos e mareantes e mais sabedores na arte da marinharia que se nesta pátria
acharam». Então as lábuas necessárias para o tam importante Regimento da altura do polo pelas regras
do sol haviam de merecer também especial cuidado, devendo ser confecionadas pelos cosmógrafos mais
sabedores, aplicando os preceitos contidos nas obras dc astronomia reputadas as melhores. Não é natu-
ral que na armada do Gama. preparada com tanta despeza e solicitude, fosse usada a tabela única anual
do tipo mais grosseiro, que ainda se vè no Regimento de Munich. deixando desaproveitada como inútil a
LUOAR DO SOL
DECLINAÇÃO DO SOL
LUOAR DO SOL
DECLINAÇÃO DO SOL
do
mis
de
março
No ano dc 1497
segundo 0
Almdtijch de
Zaculo
Noanodc 1497
segundo o
Aíniânjch de
Zacuto
No ano primeiro
depois do bis-
ãCKto da Sumã
de Enciso
No ano de ISOO
segundo o
Almanach de
Zacuto
No ano de I5O0
segundo o
Atmanach de
Zacuto
No ano bissexto
da Suma
dc Enclio
Pisces
Pisces
1
20»
37' 6"
3o 44 ,2
3*
44
20»
53 18
3o
37 ,3
30
37
2
21
36 35
3 20,4
3
21
21
52 47
3
13.9
3
13
3
22
36 4
2 57.2
2
57
22
52 16
2
51,0
2
5
4
23
35 32
2 33,8
2
34
23
51 43
2
27.3
2
27
5
24
34 57
2 10,0
2
10
24
51 7
2
3.6
2
3
6
25
34 22
1 46.2
1
46
25
50 32
1
39,8
1
40
obra, acabada de publicar, de Zacuto. astrónomo de D ]oão II e de D. Manuel. O cálculo, aliás fácil,
acima indicado, foi decerto feito pelo próprio tradutor Mestre ]osé Vizinho. E as novas tabelas para o
quadriénio 1497-1500 puderam ainda servir aos pilotos de Alvares Cabral.
Como pequena amostra do resultado do cálculo que devia ter sido feito, damos no quadro
junto os valores das declinações calculadas pelo Almanach perpetuam para os primeiros dias de março
dos anos, primeiro e último, do quadriénio de 1497 a 1500. Quando em 1497 Vasco da Gama, na Angra
de Santa Helena, foi a terra tomar o sol para saber a latitude em que estava, deve ter encontrado, no
(') Consta de uma das notas à margem das páginas do exemplar da Hísioriá rerum ubitjue gestarum de Silvio
Piccolomlnl (depois Papa Pio II). impressa em Veneza em 1477, pertencente a Colombo, (|ue so conserva na Biblioteca Colom-
bina, em Seviltia: <... rex Porlugaltae miãít In Uulnuj anno Domlnl I49ã maglstcr Joscplus, Iíkícus ejut et islrolosui. ad
complcndum slttludlnem solis In lota Ouinea...'.
61
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
dia 9 de novembro do primeiro ano depois do bissexto. 19o 30' para valor da declinação, correspondente
à situação do sol em 26o 38 do signo de Scórpio. No dia 27 de abril de 1500, Mestre João, quando
observou o sol em V/era Cruz para aplicar as regras do astrolábio, achou na tabela do ano bissexto uma
declinação solar de 16^51, correspondente ao lugar do sol em 16o30 do signo de Tauro nesse dia.
A comparação dos números calculados pelo Almanach de Zacuto
com os números correspondentes das tabelas de declinação do
sol da Suma de geographia de Enciso, edição de Sevilha de 1519.
leva a crer que estas últimas tabelas reproduzem ainda as que
foram nas naus do Gama. O quadro anterior permite comparar al-
guns números provenientes do Almanach perpciuum com os da
Sumê de Enciso (').
O Regimento de Muních oferece apenas a tábua única
anual contida no calendário, com as longitudes solares expressas
em simples graus Inteiros, seguidas das declinações corresponden-
tes, em graus e minutos, sendo a máxima, nos dias solstíciais, de
23033. Estas declinações são as de uma tábua igual à Tabula
decHnationis incluída no Almanach perpetuum, a qual é natural
achar-se já em obras anteriores, pois a inclinação de 23o33 da
ecliptica fôra adoptada no século IX pelos astrónomos de Alma-
mon. Uma tabela de longitudes
em graus inteiros, semelhante à
do Regimento, encontra-se nos
Libros dei saber de astronomia.
lomo II, onde vém, como apên-
dice aos dois livros do astrolá-
bio plano, uma «tabla de saber en qual grado dei zodíaco es et
sol», também em graus redondos. No pequeno quadro junto pôde
fazer-se a comparação das duas tábuas para uma paríe do mês de
março: na do Regimento a entrada no signo de Aries é já mais
cedo, em resultado do movimento de precessão. Nos Libros dei saber,
tomo II, ensína-se o processo gráfico para determinar a correspon-
dência entre os dias do ano e as posições do sol na roda do
zodíaco, quando se trata de traçar no dorso do astrolábio os dois
círculos, dos meses e dos signos, que. como vimos na Fig. 8, resu-
mem num pequeno espaço uma tabela de longitudes. Traçado o cír-
culo do zodíaco com o centro em O (fig. 30) e dividido nos 12 signos e seus graus, tira se o raio OC
para o ponio C da cclíptica em que tiver lugar o auge. ou apogeu do sol. Toma-se uma fracção Oo
dêste raio. Igual à excentricidade da órbita solar, e êste ponto o é centro do círculo dos meses, que se
traça dentro do primeiro e se divide nas 365 partes que representam os dias do ano. Sabido o dia em
que o sol passa debaixo do ponto C, que marca o seu auge. a êsse dia corresponderá a divisão que contém
o ponto c e a seguir se numeram todas as divisões, dlstribuíndo-as pelos dias dos 12 meses. O semestre
Dias
do tnfts
de
março
LUGAR
DO SOL
íaOTOS OfI
saber
Keffimfttlo
de Munkli
1
Pisces 190
Pisces 20»
2
20
21
3
21
22
4
22
23
5
23
24
6
24
25
7
25
26
8
26
27
9
27
28
10
28
29
II
29
Aries 1
12
30
2
13
Aries ' 1
3
Fig. m
nas 1
11
O
•1
I-;
^cdiMcAeValT/ íri^m ^^^T^ "".ífJ' *>"'^ «nuilo lácil verificar esta Identificação; traz ape-
RÍÍÍraLraue as Sb^s 1 ^nH^^^ <l"«<lriín.o para quadriénio. Nâo livemos tempo de fazei uma anâfse
^/ i wi »^ I ■ ^ Enciso \ím mmtos érros, que devem provir das sucessivas cópias ou imorcssões
• Por U regia 6 labla dicha podras saber en 4
ugno Mia el sol en qual quier d>a dei afto. y en que orados
S W dedlnadon iiene en qual^iuier gra do. aul mismo po-
{Sarna, de Endso).
62
«Por aque;/« tauoãài poderás saber e que signo esta/
no so// em ^Içuer dya do ano: £1 em que graao & que de-
clinafam tem em ^Iquer graao. asy mesmo poderás saber ha
altura do pollo ou o 4 estas afastado da linha equinoçlall .....
(Regimento de Mui^cti).
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
fnbabitdueU
do verão fica com mais uma semana que o do inverno. A mededina, girando em volta do centro O sôbre
os dois círculos, indica a correspondência entre os 365 dias do ano e os 360 graus do zodíaco. É a teoria
do excêntrico, em que a Terra ocupa um ponto O e o sol descreve um círculo com movimento uniíórme
em volta de outro ponto o. teoria conhecida de Azurara, cuio astrolábio mostrava a linha Oc do auge do
sol dirigida para o comêço de Câncer, e portanto o pcrigeu no ponto oposto, comêço de Capricórnio:
•Vejo aqueles Garamantes e aqueles Etiopios. que vivem sob a sombra do monte Cáucaso,
negros em color porque jazem de sob o opósito do auge do sol, o qual sendo na cabeça de Capricórnio,
e a eles em estranha quentura, segundo se mostra pelo movimento do centro de seu excêntrico, ou por
outra maneira, porque vesinham com a cinta queimada ... •(').
Os lugares do sol em simples graus, que serviram de base para as declinações do manual de
Munich, se nâo foram copiados de alguma lábua análoga à dos Libros dei saber, podiam ter sido tirados
da roda de um astrolábio, como foi naturalmente num dêstes Instrumentos que Azurara leu a posição
do sol por êle indicada para o dia 18 de julho de 1415, em que morreu a rainha D. Filipa (*). A tábua
daquele manual náutico nào pôde considerar-se como representando o estado dos conhecimentos astro-
nómicos em Portugal no ano da sua impressão, depois de 1509. O Almanach perpetuiim, publicado em
1496. permitia cálculo mais perfeito, e nào pôde pensar-se que só fôsse aproveitado 20 anos depois, para
a confecção das tábuas do Regimento de Évora, calculadas para o
quadriénio 1517-1520. As tabelas da Suma de Enciso provêm de
época anterior aos dois Regimentos, e foram calculadas pelo
Almanach. A obra de Zacuto deve até ter sido aplicada pelo seu
discípulo losé Vizinho, mesmo antes de ser impressa em Leiria.
O Regimento de Munich, que os peritos bibliógrafos clas-
sificam como reimpressão mal cuidada, é. na sua linha geral, um
livro antiquado para o tempo em que foi impresso, o que lhe dá
grande interêsse histórico. As regras do sol para a determinação
da altura do polo conservam nêle, como vimos, uma fórma menos
perfeita do que a de Duarte Pacheco, e éste escrevia o capítulo
respectivo do Esmeraldo em 1505. Se. quando lemos neste Regi-
mento, a respeito de Lisboa, — «Emxemplo diguo que esta çidade
«staa afastada da lynha 38 graaos e dous terços>(') — , nos sur-
preende éste valor da latitude de Lisboa, muito mais exacto que o
de 39 graus da lista de laliludes do Regimento de Évora, maior
surpresa ainda nos causa, por motivo contrário (pois havia já tan-
tos anos que os Portugueses tinham ultrapassado o equador), o que
se lê no Cap. II do Tractado da Spera anexo. Aí se traduz sem o menor reparo a afirmação, feita por
Sacrobosco, da inabitabilidade da zona tórrida, pela grande quentura do sol. c das zonas frígidas pelo
grande frio, afirmação ilustrada por uma figura com o letreiro intiabitaueU, pôsto sôbre aquelas zonas
(fig. 31). O mesmo se repete no Tractado da Spera do Regimento de Évora. Pedro Nunes, na sua tra-
dução da obra de Sacrobosco em 1537, não deixa de anotar à margem: <As navegações dos Portugueses
nos amostraram que não há terra tam destemperada, por quente nem por fria, em que nào haja homens» (*).
Ilnbabitaoell
ria. II. raproduilda «lo Regimenta da Munich
(') Azurara. Chronicã de Qtiinó, Cap. 11,
O «Os Inlantes liveram seu conselho ac£rca da enterraçao da Rainfia, c acordaram, porque o tempo era quente,
ca era quando o sot csiava cm dous grau» do signo do LeSo, que a soterrassem de noite {Cttronicã da tomada de Ceuta,
edição dirigida por Esteves Pereira, pag. 139).
(') Piq. 7 da edi^áo fac-simllada, Municli, 1914.
(*j O mesmo assunto era, porém, já versado por Duarte Paclicco no Cap. I.o do Livro 4.o do Esmeraldo: *Pow.'
fpónio Mella ro princípio do seu segundo livro c assi no meto do terceiro DE SVTU ORDIS. e Mcslrc )oJo dc Sacrobowo,
nglés, CKceienIe aulor. na arte da .isironomía no tim do terceiro capítulo de seu Tratado da Espera, cada um dâstes cm seu
lugar, ambos disseram que as panes da equinocial enm inabiláveis pola muito grande qui-nlura do sol; donde parece que
segundo sua tenção aquela tórrida zona por esta causa se n^o podia navegar, pois que a lortakva do sol impedia nlo haver
af hablIaçJlo de gente; o que tudo isto é falso; certamente temos multa c multa razJo de nos espantar de Iam excelentes
homcnH. como estes foram, e assi Plínio e outios autores, que isto mesmo alirmaram, caíram em tamanho (rro como nesta
caso disseram, porque éles todos confessam a índia ser verdadeiramente oriental e povoada de gente sem número; e como
assi seja que o verdadeiro oriente é o circulo da equinocial, que por Guiné e pola Indía passa e com a maior parte dela tem
vizinhança, claramente se mostra ser falso o que escreveram; pois debaixo da mcima equinocial há tanta habitação dc genlc
quanta temos sabida c praticada; e como quer que a experiência é nudre das cousas, por ela soubemos radicalmenic a ver-
dade...» (p43. IS2 da edição da Sociedade de Geografia. I90SX
63
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
CoboU Dcclingttooie plamtap x (cha ab
A declinaçSo máxima de 230 33 andou nas lábuas náuticas portuguesas até que Pedro Nunes,
em 1537. preferiu, seguindo Regiomontano. adoptar 23o30 para valor da inclinação da ecifptica sôbre
o equador. Assim o declara no Tratado em defensam da carta de marear: «Nas tavoas de declinaçam
do sol nâo ha de passar a maior de vinte e tres grãos e meio, e conforme a isto as outras; e portanto
os Ires minutos que mais ha nos regimentos são sobejos, porque, posto que a diferença seja pouca, o
sobeio não serve de nada. E é melhor fazer
yr-r-i— T^-^ as quatro tavoas para saber o logar do sol,
írtii j com sua equação; e depois uma tavoa pequena
de declinações» ('). No fim apresenta quatro
tábuas dos lugares do sol para o quadriénio
de 1537 a 1540. e manda acrescenlar, como
Zacuto, 1 46 por cada revolução de quatro
anos a mais, para quadriénios futuros. ]unta
uma «Tavoa das declinações» semelhante à de
Zacuto e à «Tabla dc la dcclinacion dei sol»
dos Libras dei saber (tomo IV), mas com uma
inclinação da eclíptica de 23» 30. Êste valor,
que é o de Regiomontano, aparece assim pela
primeira vez. nas lábuas portuguesas do sol,
com Pedro Nunes.
O Regimento de Munich, o Regi-
mento de Évora e o Tratado de Pedro Nunes
mostram as fases sucessivas por que foram
passando as tábuas solares usadas pelos na-
vegadores portugueses : da primitiva lábua
anual única, para as 4 tábuas do quadriénio,
e depois, da declinação máxima de 23o 33
para a de 23 graus e meio. Estes valores apa-
recem ambos no Livro de Marinharia. O pri-
meiro grupo de tábuas provém ainda da obra
de Zacuto, com as declinações solsitciais de
23033. No segundo grupo (págs. 67 a 82) os
lugares do sol são ainda deduzidos do Aima-
nach perpetuam, mas nas colunas de «decli-
nação» estão as distâncias polares contadas do
polo norte, correspondentes já a uma incli-
nação de 23030 da eclíptica.
João de Barros, a propósito do
desembarque de Vasco da Gama na Angra de
Santa Helena para tomar o sol com o grande
astrolábio de pau (Dec. I. Livro IV, Cap. 11).
depois de dizer que os nossos mareantes
quando começaram a engolfar se no pego do mar. perdendo a vista da costa, reconheceram que me-
lhor seria navegarem por alturas do que por simples estimativa das singraduras (adiante transcreveremos
o passo respectivo quando tratarmos do «Regimento das légoas»), acrescenta;
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Plalni do A/iMiufA p* lí Zaculo, tom ■ Ttbulí arcil/ntienlt pit-
n*lãnim »l uuli sO < . , rcptoduilda ÚO •■•mplar ciil*icnle na
Dlklloiaca Nacional o« Litb««.
Prdr" N,m« L^SíSLf, «"^o''" De pavigatione librt trts, Parisils. 1M9. foi. 97. Insurge-sc contra esta opinião, de
, ""5!'í Í^ÍT. *** navegantes « 4 lábuas de lugires do sol. que tics terSo de corrigi? j razão de l ^6 por àda
! > '.r i??f^.'^ ?.,'^r ''T'""^ n',P«l"e"í "bua de declinarão, o que seria laborioso. Reclama que é melhor
■^'^ , «í^clinaíJo. li «IcuUda». que eles terão apenas de percorrer para encontrar a que neccs-
^;,Jf'!rT M'"' fV^<"í'''* "O, decorrer dos tempos. E assim se continuou fazendo na práitca. como ainda
^rténcia a a^rt* n^^f./ Pimentel. D.ogo de Sá navegou e combateu na índia, onde se distinguiu. Conhecia por
SBof e o da^ííria yJLl ^ J^Tl "í^l^-^-^obra. a Pedro Nunes devemos ver o contlicto enlrc o homem da
pniia e o aa leona. tendo o pnmetro por vezes razlo. sob o seu ponio de vista.
64
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
«Peró como a necessidade é mestra de iodalas artes, em tempo dei Rei D. loSo II foi por
êlc encomendado este negócio a Mestre Rodrigo, e a Mestre Josepe Judeu, ambos seus médicos e a um
Martim de Boémia natural daquelas parles, o qual se gloriava ser discípulo de Jcanne de Monte Régio,
afamado astrónomo entre os professores desta sciéncia, os quais acharam esta maneira de navegar por
altura do sol, de que fizeram suas taboadas para declinação dêle. como se ora usa entre os navegantes,
já mais apuradamenie do que começou, em que serviam esles grandes astrolábios de pau».
Não foram estes três que inventaram o método de determinar a latitude pela altura do sol,
que já se encontra nos Libros dei saber de astronomia. Mas nesla obra só se consideram lugares ao
norte do trópico de Câncer. Êles tiveram de generalizar as regras para servirem ao sul, num e noutro
hemisfério, pois a esse tempo já se passara o equador, e ocuparam-se também das tábuas de declinação
solar. Manuel Teles da Silva, escritor do fim do século XVll. classificando os três de perilíssimos mate-
máticos, atribui-lhes a aplicação do astrolábio à arte de navegar (') e liga os seus estudos com os pre-
parativos da grande armada de 10 caravelas e 2 urcas. do comando de Diogo de Azambuja com que
êste foi, em 1481. construir o castelo de S. ]orge da Mina. Mas Marlim Behaim só veio para Portugal em
1484. E como Mestre Josepe ]udeu, que é o mesmo José Vizinho, discípulo de Zaculo. foi para a costa da
Guiné, em 1485. a determinar latitudes pelas regras do sol. entende-se geralmente que aqueles estudos
foram encomendados por D. João II em 1484, ou 1485.
tQual foi o papel de Behaim? Éle podia ter trazido as Ephemerides e a Tabula Dirccthnum
de Regiomontano. impressas respectivamente em 1474 e 1475, se não eram já conhecidas em Portugal
antes da sua vinda. As obras de Regiomontano. porém, só foram usadas em 1537 por Pedro Nunes,
como já dissémos. O saber cosmográfico de Behaim, que Stockler considera um homem de génio, fica
reduzido a bem modestas proporções na obra de Ravenstein, AUriin Behaim. his iife and his globe.
London, 1908. Ravenste'in indica já (pág. 19) como fonte das tábuas náuticas portuguesas, de que êle
conhecia apenas o tipo quadrienal, o Almanach perpefuum de Zaculo, traduzido pelo seu discípulo José
Vizinho e publicado em 1496, mas conhecido antes em cópias manuscritas da parte que interessava à
marinharia. O estudo que o Snr. Joaquim Bensaúde féz do manual da Biblioteca de Munich O mostra
bem que as tábuas portuguesas anteriores a 1537 não provém das obras de Regiomontano, e assim o
reconheceu o ilustre professor da Universidade de Goellingen, Dr. Hermann Wagner ('). A Behaim não é
devida também a introdução dos instrumentos de altura. O astrolábio e o quadrante eram bem conheci-
dos antes da sua vinda, como já vimos, e a balestilha só começou a usar-se entre nós na terceira
década do século XVI. Dos três indicados por Barros foi naluralmenie Mestre José Vizinho quem leve
parte mais activa na confecção das tábuas. O papel de Behaim. que se gloriava de ser discípulo do
célebre astrónomo dc Monte Régio C) mas cuja falta de conhecimentos cosmográficos mostra Ravenstein.
deve ler sido muito secundário, senão nulo.
Quando Cristóvão Colombo apresentou, por 1483. o seu plano a D. João II. o rei mandou-lhe „ «uposta
que estivesse com o bispo D. Diogo Ortiz, e com Meslre Rodrigo e Mestre José. «a quem êle cometia oos
estas cousas de Cosmografia e seus descobrimentos», segundo Barros O. Pero da Covilhã contou aofõl^uf^v
P.« Francisco Álvares (') que, ao ser despachado por D. João II em Santarém, para a sua viagem com "
Afonso de Paiva, em 1487, lhe deram uma carta de marear tirada de um Mapamundi, e que foram ao
(') «Igitur ciassem lantae rei Idoneam aedifícare iubct, eique Jjcobum Aiambujlum virum mlllllA ♦( prudenfll
darum praflidt; .iiguc ur minore cum rrrandi pcriculo Ignolum maré navtgjri postei. Koderíco. ac JoiCpho mudicn suis
necnon Marlino Bohcmo. c.i acTale pcrilissimis M.ithrmflilci«. injunxil. ul adhibilo Inlcr se Consilio. excoglLircnt alkiuld quo
naulae cursum navliiin. litct In v.n-.lo novoqut peijío, ruilirs dirigerent. ur vet abstracfi i noll» íldcribus. coanillsquc Itlionbus
quam Caeli, ac pelaqi parrem tenercnl. allqui mo.lo cop t: ÍÍ posi Indclessum studium. lonaamquc iiicdirarloncm asiro-
labfum. Insirumentum quod ante AstronomI.ic Lmliim bjt, uiiliori Invento ad navlgandl arlcm máximo navlganllum
fominodo rranstulerc; quod bcneficlum loti r urop.i |o.inni doberc non Inlidarl potesi» íDe rcbus gaLs Jotnnts II juciorc
E. Tclicsio Sylvio, UIv>»iponc. 1689. pdgs. Ij2, ii3). MJ ncsie passo iniluéncía evidente do iretho de Mirtlncz de U Puente
adJanie transcrito (na página si'3ulnlc) *
(') ]. Dens.iúde, L'jsfronomie nautique êu Portugal, I^eme, 1912.
O H. Wagner, Die Entwiekianç der wíssenschaftlicfien NautiU ím Deginn án Zdlalteri der Entdeekungen
nacft neueren Anschauungen, In Annaten der hydrograph.c, licíJusacQcbtfn von der Deutschen S»-cwark' in llamburo 19I8
Band 46
(*) Konigsberg, vila da Francónia. ao N W de Dambcrg (Oavferaj.
P) Barros, Década I. Livro III, Cap, XI.
(•) Verdadeira Informação das terras do Preste João, pelo P.» Franciíco Alvares, Lisboa. It83, pig. \3».
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
lazer desta carta, em casa de Pero de Alcáçova, D. Diogo Ortiz. M.» Rodrigo e M.» Movsés. Das duas
referências de Barros c desta de Francisco Aluares concluiu Stockler a fundação por D. ]oâo 11. logo
que subiu ao trono, de uma ]unta de Matemílicos, cujas sessões se celebravam em casa de Pedro de
Alcáçova, desdobrando alé em dois vogais o castelhano D. Diogo Ortiz, natural de Calçadilha. sucessiva-
mente bispo de Ceuta e Viseu. NSo encontramos em Barros, nem em Castanheda, nem em Rui de Pina
menção de instituto denominado — *lunta de Matemáticos» — . Ribeiro dos Santos, na sua memória Sobre
êlguns Mathematicos portugueses V). trata «De alguns mathemalicos no Reinado do Senhor D. João 11».
mas náo fala de uma )unlã deles, criada como instituição permanente. Esta espécie de Academia de
scièncias astronómicas e geográficas, intitulada «]unta de Matemáticos de D. ]oão lis parece-nos uma
hipótese imaginada por Slockler, mas nâo fundamentada, pois ele mesmo declara: «Qual fôsse porém o
plano dèsle instituto, as leis particulares que o regularam, o tempo prefixo da sua criação, e as causas
que o dissolveram são factos que não podemos especificar por falta de notícias, e a respeito dos quais
se não tem até agora encontrado monumento algum nos arquivos públicos, que o zèlo da Academia
Real das Scièncias. e a curiosidade de alguns particulares tem revolvido e examinado» O.
Martinez de la Puente, no seu Compendio de las historijs de Ai índia Oriental, Madrid, 1681,
inspirando se evidentemente em ]oão de Barros, que é o primeiro escritor português que cita logo no
Prólogo, começa aãsim o Cap. III do Libro segundo:
«El Rey Don luan el Segundo de Portugal prosiguiò Ias conquistas, v descubrimientos de
nuevas tierras, y Mares; mas porque el orden de navegar hasta su tiempo, era costeando la tierra, sin
engollarse en alta mar, y esto impedia los descubrimientos. que intentava, de ta índia Oriental, mandò
hazer una junta de flUtematicos, para que buscassen algun médio de entrar la mar adentro: y despues
de largos discursos, y explicaciones, hatlarcn los Médicos dei mismo Rey el orden de navegar por la
altura dei Sol (à cuya observância Itaman pesarle) de que formaron regias, y Arte, como aora se usan,
bien que ya con mas perfeccion que entonces; y assi fucron los Portugueses los primeros que hallaron,
y facilitaron la manera de navegar por este modio tan inmensos mares, en cuya obligacion les deven
estar todas las Naciones de Europa». Êste trecho é acompanhado da seguinte cota na margem da
página: *Arte de navegar por la altura de el Sol. quien la hallò primero».
Persuadimo nos afinal que foi aqui, e só aqui, que StockIerC) vôio buscar a designação do
instituto matemático, que éle supôs criado por D. João II. denominação que é assim de origem espa-
nhola. Ravcnstein (*) enumerando as várias reuniões, acima referidas, de cosmógrafos da confiança do
rei, por èle sucessivamente encarregados do exame do projecto de Colombo, da preparação das tábuas
do sol, e do desenho da carta de marear para Pero da Covilhã e Afonso de Paiva, considera-as como
outras tantas Juntas distintas, mas acha êste lemio ( ) impróprio para designar aqueles «ephemerai
commitlees». A Junta dos Matemáticos, apresentada por Stockler como corporação regulada por leis
especiais, trouxe uma confusão nova, pois tal instituto nâo existiu. D. João II iralou apenas de ter à sua
disposição homens entendidos nos assuntos de geografia, astronomia e cartografia necessários à nave-
gação, aos quais distribuía, como melhor lhe convinha, os trabalhos necessários ao serviço dos desco-
brimentos. Desses homens oferece um exemplo notável Duarte Pacheco Pereira, que éle mandou a reco-
nhecer lugares e rios da costa da Guiné e depois à conferência de Tordesillas, em 1494, e que mais
tarde escreveu o Esmeraldo, fruto do seu muito saber e experiência.
Adoptado pelos cosmógrafos portugueses o Almanach perpetuum para a preparação das tábuas
quadrienais de declinação do sol. era fundamental corrigir as quatro tabulas sotis de Zacuto, junlando-
(') Mrmoriês át Liiierãtura Português*. Tomo VIU. Lisboa, 1BI2, pig. IM.
O SlocWcr. Ensaio histórico sobre a origem das Maltiematicas em Portugal. Paris, 1819. pág. M.
(*) A obra de Marlinci de la Puenie ♦ citada no Cnsaio histórico de Stockler (nota da pág. 21).
(•) Raventlein. Marim Behaim. ftis life and fus globe, London, 1908. pág. 12.
tM .iBnífir.ílf «"Pf^S^da por U Pucnie no sentido de uma reunião passageira, também em portuguís pôde
ÍU vS^Lr»^?J^ " ^''i- "T* L""" ''•^ médicos, reúmda para observar um enlOnno. Mas a Junla.
UA com Inicial maiutcula) do académico StocWer t uma Academia, e como tal é considerada seralmenlc.
66
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
lhes 1^46" por cada revolução de quatro anos decorridos desde o ano Radix. que era o de 1473. Éste
valor de 1 46 ' por quadriénio correspondia a um valor médio anua! de 26 .5 para a constante da pre-
cessão, e exigia um período de 49:000 anos para o ponto de Aries lazer a volta completa dos 360 graus
do zodíaco. Assim o movimento de precessão dos equinócios adoptado por Zaculo e depois por Pedro
Nunes, era demasiado lento, pois o período de tal movimento é de cêrca de 25800 anos. com um valor
médio anual aproximadamente de 50 .2. O número 26 .5 de Zacuto eslava afectado de um êrro de quási
metade do valor verdadeiro.
Tendo o astrónomo árabe Thebit ibn Chora, pelo ano 1140. complicado a teoria da precessão
com o movimento de trepidação da oitava esfera, o judeu Isaac ben Said. cognominado Hasun. astró-
nomo do rei Afonso X, atribuiu a este movimento um período de 7000 anos, e ao de precessão dos
equinócios médios um período de 49000 anos. Estes números, derivados do número 7 dos dias da
semana, são o resultado de considerações cabalísticas. A volta completa do movimento de precessão exe-
cutava-se assim num grande período de Jubileu, sete vezes sete milhares de anosC).
Segundo Ptolomeu (século II d. C). a precessão executava se à razão de I grau por século.
36' por ano. Segundo o astrónomo árabe Albatênio (cérca do ano 879), aquele movimento era de 1 grau
em 66 anos, a que corresponde o valor anual de 54 ,5, bem mais aproximado da verdade. Mais exacto
amda foi o do árabe Ibn Júnis, que. depois dele. adoptou l grau em 70 anos. com o valor anual por-
tanto de 51 .2 errado apenas cêrca de 1 a mais. A adopção pelo rabino Isaac ben Said e pelos outros
astrónomos judeus de Toledo do valor 26 ,5 representa um retrocesso considerável: o período do movi-
mento de precessão, que os astrónomos árabes determinavam já com tanta aproximação, passou assim
a julgar-se de 49000 anos, número muito mais errado que os 36000 de Ptolomeu.
Aqui temos, um exemplo de como por vezes os homens que professam as sciéncias fornecem,
para os usos da prática. Indicações erradas, provenientes de falsas teorias, destituídas de base experi-
mental. As tábuas calculadas para os nossos navegadores não eram tam perfeitas como podiam ler sido,
se se tivessem adoptado os números de Albatênio ou Ibn Junis.
, A vin* ■ "'"'í"^ ,1"^ 'jxatlon de ces durões ali íeí U conséquence d'auc«ne observation pnki»*. Un
auteur du XVIc siecle^ Agostino Rkcl. a donné |A. RIccil. De mofu oclavae sphàerae], dc cc mode de fixalion, une ralaon qul
a ravi ladhcsion de Dílambn; [Histoirv de fjstronomie du Moyen-jge. pág. 379 i el qui parail. en eflet. lori plauslblc
Agostino Ricci, né a Casale, dans le Plímonl. avail i\é êiève. à Salamanquc. du lull K.ibbaliile Abraham Zaccul:
ceít de cc maitrc qu il icnail le rensclgnemenl dont il va nous faire part.
i. Selon Abraham Zaccut, les Tãbln Alphonsines sont l opuvre d*un groupe de ]ulls, lort eupcrts cn aslronomlt
quftiphonae X avail reunis à Tolí-de. et qui turcnt sculemeni aldés dans Icur tâche par quelques savants chrtllens Ce collioe
Tolède"°"'** * ^^^^^ criantrc principal de la sinagoguc de
Rabbi Isaac et les aslronomes iuifs dont il dirlgealt les travaux se lalssirent gufder, dans le cholx des pdrfodet
des deux mouvcmcnls lenis qu'ils asslgnaient aux étolics lixes, par les prescriptlon* de la loi Mosalquc Selon ccs prcscription»
lannée Sãbl?.uique revenail lous les sepi ans; une durée de sepi fols sepi ou 49 anníes ramenait /annCr lubilaire lnsplré«
sana doute, par 1 opinlon que Ics mouvemenls lenis des étoiles lixes devaient rí^gir la Grandr Annt'e les rabbins de Toledo
voulurent que 7.000 ans représenlassent la pèriodc du mouvement de ircpidalion et que 49.000 ans mesurasscnt ia pírlode du
mouvemenl de prccesslon*.
(Plerre Duhem, Le syslème du monde, Tome tt, Part». 1914. pag. 263).
A fíg. 32 mostra como »c concebia o movimento dc trepidação.
O ponto de Aries. j. da ccliptica aC da oitava esfera descreve um pequeno "
circulo, de 4018 43 de ralo. em tôrno do ponto de Aries. A. da ecliplica
AC da nona eatera. O princípio de Cincer. C, da ccliptica movei, distante
90° de .1. desllsa sempre sôbre a ccliptica fixa, avançando ou retrogradan-
do entre C| e Ci, Percorrendo o ponto dc Aric* da oitava esfera o circulo
a a, oj tti na concavidade da nona esfera, constantemente no mes-
mo sentido, a ecliplica movei oscHa. para uma e outra banda da
ecUptíca fixa. entre as posições aC e aiC, e o seu ponto de inter-
secção com o equador £t desloca-sc entre e e f . de 10"4^ para
cada lado do equinócio médio, A. Era éste o imaginado movimento de
trepidação, de acesso e recesso da esfera das csirclas lixas, a que se
ainbutu o período de 7:000 anos. Ao mesmo tempo que Éle se execu-
tava, o equinócio médio vernal A, ceniro do pequeno circulo, avan-
çava para oriente, fazendo a volta dos 360 graus da ccliptica cm
49:000 anos. Igual movimento executava o eqiiinocio médio do outono.
isió^pág IsM^^' ° """"'^ *** <^'^'^''» tambím, a uma dlstlnda de 4<>'ie «" (P. Nonii Opera, Basileae.
67
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
10— REOIMENTO DO CRUZEIRO DO SUL
lUANDO os navegadores portuguezes. avançando cm plena zona tórrida, viram ambas as
Ursas «banharem-se nas águas de Neptuno», seniiram a necessidade de procurar no fir-
mamento austral uma nova constelarão que de noite lhes servisse dc guia. como no norte
a Buzina,
Em 1455, Cadamosto, na foz do rio Gâmbia, em I3o de latitude boreal, via a
a cstrèla do norte muito baixa sôbre o mar, «parecendo levantada dêle somente cousa de uma lança de
altura» Éle e os companheiros perscrutavam a abobada celeste na parte sul do horizonte, onde julga-
vam ver uma Ursa Maior austral:
«Também vimos sôbre o mar seis esirêias claras, luzentes, e grandes, e lirando lhe o lugar
pela bússola, vimo-las direitas ao Sul, figuradas por êsle modo • • • • , e assim julgamos ser o
Carro do Sul: masaestréla principal não se via,nem era possível vê-la senão perdendo de todo a do Norte» (').
A disposição em cruz deste esboço de estrelas, como se vê na obra de Ramuzio, Navigationi
et viaggi, é naturalmente um arranjo que melhor conveio ao tipógrafo. As seis estrelas teriam uma dis-
posição análoga à Ursa Maior, a que davam o nome de Carro. Faltava a sétima esirèla. que supunham
existir mais junto do polo e poder ver se, continuando a navegar ao sul.
Esta observação minuciosa do ceu austral foi prosseguindo sempre com o avanço para as re-
gíóes austrais, até que se achou um grupo de estrelas, não da fórma do Carro, mas desenhando uma cruz
com as duas estrelas da haste apontando direitas ao polo, como no norte as duas"Guardas da Ursa Maior,
Na carta escrita de Vera Cruz ao rei D. Manuel, em I de maio de 1500, manda-lhe Mestre
]oão um esquema de constelações austrais. É um esbóço à simples vista; êle mesnip declara que não
pôde saber em que grau estava cada uma por lhe parecer impossível tomar a altura de nenhuma estrêla
no mar, pois, por pouco que fôsse o balanço do
, navio, se erravam 4 ou 5 graus, lunto do polo
antárctico via êle uma Buzina do sul, como mos-
* Fifl. n tra a palavra bosya que aí se lè. Acima, junto da
rubrica las guardas, está o Cruzeiro do Sul, com
com duas estrêias na direcção do polo, que são
$ as Guardas. A constelação, que tam célebre se
, havia de tornar, recebe no texto da carta já o no-
me de Cruz: «e estas esirellas principalmente las
0 * de /a crus son grandes casy como las dei carro
a e la estrella que está en riba de toda la crus es
, , mucho pequena» (^).
'/)/)' o J). . O Cruzeiro do Sul, já com êste nome,
Ka, típCjA jow AVtfni^A) é assim descrito no Tratado da Agulha de ma-
rear, achado por João de Lisboa no ano de 1514,
que se encontra no Livro de Marinharia . «sabereis que neste cruzeiro do sul andam cinco r
estrelas, as quatro delas são grandes de 2.^ grandeza, e uma de 5.» grandeza; esta é
mortificada em respeito das outras» O. As quatro estrelas principais, que formam a cruz.
eram classificadas como de 2* grandeza; a quinta estrêla. «mortificada em respeito das ^
outras», é a que hoje se designa pela leira c A que actualmente se nomeia a Crucis.
e se classilica de l.« grandeza, era chamada o Pé do Cruzeiro; e a i era a Cabeça.
Descoberto um brilhante asterismo com duas estrelas de quási igual ascenção T **
recta ('). apontando por isso direitas ao polo, era preciso estudá-lo, para por meio déle se saberem resol-
ver os mesmos problemas que no norte se resolviam pela Ursa menor: achar a latitude geográfica, as
C) Colecçio dc .wticus vUrãmarinas. tomo II. Lisboa. 1812. pio. 57.
O Algum documentos do Archivc Sacional, Lisboa, I8«, pág 123.
(') Livro de MannhãTu, coordenado por Rrilo Rebelo, Lisboa 1903 pág 22.
68
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
horas da noite e a variação Ja agulha. Ésle estudo foi feito por ]o3o de Lisboa, um dos mais notáveis
pilolos portugueses dos hns do século XV e princípios do XVI. que formulou o .Regimento do Cruzeiro
do Sul.. Tendo ido para a índia, pela segunda ou terceira vez. na poderosa frola de Tristão da Cunha
em 1506, eniregou-se em Cochim com Pero Anes. patráo da navegação da índia e mar Oceano, a obser-
vações repelidas do Cruzeiro
«Determinei fazer declaração do Cruzeiro por ver mais largo sinal que do que todos têm
conhecimento: o qual por mullas vezes Pero Anes. que Deus tem. e eu experimentamos muitas vezes
com o Norte e achamos estando em parte que bem vimos ambos dos dilos sinais eslâo em uma linha
com os poios do mundo: isto por uma agulha, estando em Cochim: e por êste Cruzeiro ser o mais
manifesto sinal dos navegantes e em êle nào haver nenhum embaraço, determinei de sôbre éle fazer
operação por a agulha que se faz ao norte> (').
Em Cochim, numa latitude boreal de IQo. podiam observar simultaneamente a Estrèla do Norte
e o Cruzeiro do Sul, cu)o Pé aí se elevava então a uma altura de 20» sóbre o horizonte, na sua culmi-
nação superior. Da medida da variação da agulha, que se fazia, borneando ao Pé do Cruzeiro na sua
passagem pelo meridiano, trataremos adiante. A passagem meridiana era marcada pela posição vertical
da haste da cruz: «quando houveres de tomar êste Cruzeiro has daguardar que esteia direito e esteja a
eslrêla da cabeça com a do Pé em uma linha perpendicular» (»). Determinaram a distância polar das
estrelas da constelação e acharam, para o Pé. 30 graus. Esta distância era com efeito, cm 1500, de
290,7 n. Depois veio diminuindo, em virtude da precessão dos eqíiinócios. Assim puderam formular, numa
regra simples, o «Regimento do Cruzeiro do 5ul> para a determinação da latilude:
«Item. Mas de saber que quando tomares êste cru-
zeiro do sul ha-lo de tomar quando estiver empinado que
fizer esta feição e tomarás a eslrêla do Pé e olharás bem que
esteia norte sul uma com a outra e leste oeste os braços e
olharás bem quantos graus tomas, e se tomares 30 graus
estás na linha, e se tomares menos de 30 graus, aquilo que
menos fôr de 30 estarás afastado para a parte do norte. E s
tomares mais de 30, tudo o que mais tomares estarás para
parte do sul, quer sejam poucos quer muitos, tudo o qu
mais fôr de 30 estás para o sul. E o que menos ÍÔr de 3
estás para a parte do norte» ('}.
Também acharam o modo de saber as horas da noite:
«Item. Fim de fevereiro meia-noite na Cabeça. E
dali. de 15 em 15 dias, uma hora assim como na conta do
norte, começando no sul para a banda de sudoeste, e é
experimentada» {'). ■
Podemos por esta regra desenhar uma figura (fig. 36). semelhante à que fizemos para a Ursa
Menor (fig. 24). que indique as posições ocupadas pelo Cruzeiro à meia-noite. de quinze em quinze dias,
no decorrer do ano. A haste da cruz servia de ponteiro para marcar as horas da noite, como no norte
a linha da Polar para a Guarda dianteira. Ao designar pelos rumos as posições da hasle. imaginavam
( 1 ) Lwro de M.tnn/ijriã. págs. XLIX e 22. Parecc-nos que. em vez de «por ver rmIs tirao tlnal aue do oue todoa
tem conhedmenio», se deveria lír: .por ser mais largo sinal, de que todos tem confiedmcnlo*. - -»
(») Ibidem, pig. 37.
(') Neugebauer. Slerntafeln, Leipzig, 1912.
(*) Livro de Marinhariã, piq. 39.
«9
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
no polo sul uma Rosa dos ventos com a linha norte sul vertical c o norte para cima; o leste e o oeste
eram os da Rosa, assim colocada. Sabiam a hora da noite pelo rumo observado, comparando-o com o
rumo da meia-noite, correspondente à dala em que estavam.
]oào de Lisboa linha em 1514 o seu Tratado da agulha de marear já terminado. Quando pois
o florentino Andrea Corsah, que fôra para a índia ao serviço do rei português D. Manuel, escrevia de
Cochim ao duque Julião de Medicís,
em 6 de janeiro de 1515, e lhe fala-
va da croce marauighosaV) que vira
a uma distância de cerca de 30 graus
do polo antárctico, estava já formu-
lado, pelos pilotos portugueses, o Re-
gimento da formosa constelação que
êles tinham sabido destacar no firma-
mento, para uso da navegação. Cor-
sali ia num navio português e foram
os nossos marinheiros que lhe indi-
caram a cruz maravilhosa, por èle
julgada de tanta beleza, que a não
/fite podia comparar a nenhum outro sinal
celeste.
O reconhecimento da ori-
gem portuguesa do Cruzeiro e do
seu uso náutico foi retardado pela
tendência a ver-se sempre referência
a êle, onde quer que se mencionásse
um grupo de quatro estrêlas. Em
1745 publicou Dandini, em Florença,
a obra intitulada Vita e Lettere di
Amerigo Uespucci. onde aparece pela
primeira vez uma carta, com data de
18 de julho de 1500, dirigida por
Vespúcio a Lorenzo dei Medici, nar-
rando-lhe a sua segunda viagem. Esta carta, de que voltaremos a ocupar-nos, não é considerada autên-
tica, mas suponhamos que o seja. AI diria êle que, desejoso de ser quem primeiro assinalásse a esirêla
polar austral, perdera muitas vezes o sono da noite a procurar as estrelas de menor movimento, não
podendo notar nenhuma a menos de dez graus do polo. Então lembrou-se dos versos de Dante no
Purgatório:
FI9. M
E aorescenla:
Io mi voist a man destra e posi mente
Air altro polo, e vidi quatro stelle
Non viste mai fuor che alia prima gente.
*Che secondo me mi pare, che il Poeta in questi versi voglia descrivere per le quattro stelle
11 polo deiraltro Firmamento, e non mi diffidi fino a qui. che quello, che dice non salga verità perchè
to notai quattro stelle figurate coma una mandaria, che tenevano poco movimento .*.
Esta mandaria de quatro estrètas com movimento lento (poco movimento) em lôrno do*poIo
não podia ser o Cruzeiro do Sul, que. em 1500, se estendia entre 30 e 36 graus de distância polar. Mas
O Ramuzio, Nangstioni et Piaggi. voL I, Venctía. IS&S, fl. 177 ».
70
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
eslâ o autor da caria de acôrdo com Dante, cuias observações se faziam na região do firmamenlo onde
as esirèlas sao mais vagarosas, como pontos duma roda mais chegados ao eixo:
Pur là dove le stelle son piú tarde.
Si come mota piú presso alio steto.
As quatro sfe/fe do poeta nào podem também ser as do Cruzeiro, que. em 1300. estavam situadas entre
31 e 37 graus de distância polar.
Quando Dante sal do Inferno com Vergilio. encontra-se na Ilha do Purgatório, numa situação
antípoda de Jerusalém, em 32o de latitude austral. Aproxima-se o romper d"alua e o poeta contempla
com prazer o azul de safira em que brilham as estrelas. No oriente sobe Vénus, acompanhada dos Pei-
xes. As quatro ctii^re stelle vão a chegar à sua culminação superior.
Basta tomar um globo celeste actual, colocá-lo numa posição correspondente ao Purgatório,
com o polo ausiral elevado de 32 graus, e trazer o ponto de Aries ao horizonte do lado do oriente,
para se verificar logo que o Cruzeiro desce no ocidente iá muito longe do meridiano. O afastamento da
culmmaçao superior seria maior num globo do ano 1300. Nào é pois a esta constelação que o poeta
faz referência.
O Snr. Angelilti, professor da Universidade de Palermo, num estudo magistral de astronomia
dantesca, publicado nos anos de 1912 e 1913('). concluiu, depois de uma análise completa e rigorosa,
que as quatro esirêias. a que Dante por duas vezes se refere no Purgatório, são as das Chamas da
constelação da Ara, se nào sâo antes quatro astros fictícios, imaginados pelo poeta na região circum-
polar austral, inobservada pelos astrónomos do Egipto, a qual o catálogo de Ptolomeu deixava vazia.
Qualquer que seia a, hipótese explicativa, a sciência astronómica excluiu já da Diuina Comédia a cons-
telação do Cruzeiro do Sul. humboldt entendia que as quatro estrêias simbolizavam as quatro Virtudes
cardiais. que no Purgatório (XXXI. 106) dizem: <Nós aqui somos ninfas e no céu somos estrôlas».
No ano 100 depois de Cristo, o Pé do Cruzeiro distava do polo 370,42 e esta distância dimi-
nuiu apenas meio grau durante todo o século II. Em Alexandria, situada numa latitude boreal de 3lo,
aquela estrêla elevava-se nésse século cerca de 6 graus acima do horizonte na sua culminação supe'
rior. e acima dela eram também visíveis as outras estrêias do Cruzeiro. Ptolomeu pôde pois observá-
las. e três delas foram por éle catalogadas. Mas no catálogo piolomaico fazem parte da constelação do
Centauro, e foram os pilotos de Portugal que fizeram delas um grupo distinto.
Os navegadores portugueses destacaram éste grupo estelar, fruto da sua observação directa,
reconhecendo o de precioso valor para a navegação, e fizeram dfile uma constelação nova. Mestre ]oâo
fala dela a D. Manuel, em 1500. como de asterismo já conhecido pelo nome de Cruz; e os pilotos ]oão
de Lisboa e Pero Anes. em 1306. estudam cuidadosamente o Cruzeiro, em Cochim. Foram os antepas-
sados dos Brasileiros que ensinaram aos navegantes das outras nações o Regimento para se dirigirem
por êsse brilhante fanal no novo hemisfério. A origem portuguesa do Cruzeiro do Sul é cantada nos
Lusíadas, V, 14:
lá descoberto tínhamos diante
Lá no novo hemisfério, nova esirêla
Não vista de oulra gente, que Ignorante
Alguns tempos esteve incerta dela.
Na elegia que começa-«0 poeta Simónides falando...»—, refere-se também Camões ã estrèla
nova. indicadora do segundo extremo do eixo do mundo, quando descreve a tempestade que sofreu a
nau S. Bento, ao dobrar do Cabo da Boa Esperança,
Debaixo estando já da estrela nova.
Que no novo Hemisfério resplandece,
Dando do segundo axe certa prova.
(') F. Angelilli, Sugli acctnni dãnteschi ãi segni, ãlle cosMIãzionI eú j/ moto <ttl cíelo sttllato dê occidenlt tn
oriente, dí un grado in cento anni, In Revista di Aslronomia, Torino, lom. VI. VII.
71
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
No nosso estudo A Astronomia dos LushdasV) ocupamo nos com maior desenvolvimenio
dcsia cruz resplandecente de estrelas, que olhos portugueses descortinaram no azul do céu, para servir
de guia nas navegações austrais. Terminaremos, como ali, citando mais uma vez o que diz o cosmógrafo
Pedro Nunes, logo na primeira página do Tratado em defensam da carta de marear: «Os portugueses
ousaram cometer o grande mar Oceano. Entraram por êle sem nenhum receio. Descobriram novas ilhas,
novas (erras, novos mares, novos povos e, o que mais é: novo ceu, nouas estrélas>.
II-TOLETA DE MARTELOIO. REGIMENTO DAS LÉGUAS
TOLETA de marteloio O é uma dupla tabela de números, que se encontra numa das fô-
Ihas do atlas de Andrea Bianco (1436). a qual tinha seu emprego na navegação à bolina.
A descoberta da arte de bolinar, isto é, de navegar com ventos contrários, marcou um
passo capital no progresso e desenvolvimento de navegação ã vela. Por isso, esta tabela
tem sido estudada com atenção. Reproduzimo-la na figura junta, assim como o quadro
recalculado (') por NordenskjÕld fPeríplus. pág. 53), em que poucos mlmeros diferem dos da «toleta> ori-
ginal, onde há alguns erros óbvios de escrita.
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Plf. n - Toicta d« mariclole, de in«p« dc Andrea Blanco
(') Lutíano Pereira da Silva. A Astronomia dos Lusfadjs, Coimbra, 1915, Cap. IX. págs. IS4-17I, e Cap. X.
D A palavra Meta corresponde em português tãboieta; deve traduzir-se por tabeta. Marteloio. palai/ra composta
dc mar tttloto. quere dizer: leia do mar. teia marítima. E" a leia formada pelas linhas dos rumoi Iraçados nas carta» dc
marear: «De ce croisemcnl de lignes résultait une sorte de canevas. le marteloio (toilc marine), le maneloire, qul eil reslé
'* ' ■ 1 r ,1 , caries marines |usqu* à la tin du XVIle siéde" (A. Anili iaumt cl }. Soltas, f^stroUbe- çuadrant du
1910. pig. WX Sôbrc outras etimologias atribuídas a esla palavra, veja-se: D" Alberlis. Le Costruzioni
" ^ i'^ ' ' 1 Parte IV. Vol. I). Nesij obra (pág. 120) é também exposta a elimologia que acabamos
dc . I , e que c or; r.éi a Desimoni: «li Desimoni fAiít detla Societi Ligure di stoiía pátria. XIX 239) è
djvviio I r.i ^, ^^,t,t,3 scomporsi in quellc dl "marc*' e "leia*' (per "relê"). Talctié essa significherebbe "relê
**' lorm» ctie çj vede afonio alia I*bclla dei marlelolo nella lavola l.» dellatlante di Andrea Bian-
*?■ 'lesso. Ir: Lira per il vicendevole incrociamento prodoilo delia compenetra*
oont dci rose i rose perilcriche».
{*) O cUculo foi feito pelas lôrmuUs: a lOO sen t- , b lOO cosk, c — d -
sen if ' lans »
72
A ARTF DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
u
a
b
c
á
I quarta
110 15'
20
98
no 15'
51
50
2 quartas
220 30'
38
92
22 30
26
24
3 quartas
33o 45'
56
83
33 45
18
15
4 quartas
450
71
71
45
14
10
5 quartas
56° 15'
83
56
56 15
12
6.7
6 quartas
670 30'
92
38
67 30
11
4
7 quartas
78o 45'
98
20
78 45
10,2
2
8 quartas
900
100
0
90
10
0
âvançar
B âvançQ de retorno
Sendo AP (fig. 38) a róta directa que o navio tem a seguir para o põrto de destino, e nSo
tendo vento que lhe permita ir nesse rumo, toma o rumo AD, cujo ângulo com a róta directa, QAD v
é medido em quartas da Rosa dos ventos, desde uma até oito
quartas. Chegando ao ponto D. o navio afastou-se da sua róta
para uma distancia 13 D a: é o que se chamava alargar; e avan-
çou numa extensão A D £) na direcção do pôrto. A primeira parte
da tabela de marteloio dá, para 100 milhas percorridas segundo
A D, o número b de milhas de avanço A 3 e o número a de milhas
de afastamento DD, correspondentes às quartas do desvio v.
O caminho estimado, 'percorrido na hipotenusa de um triângulo
rectângulo, é assim decomposto segundo os dois catetos.
Passado algum tempo, volta a aproximar-se o navio da róta principal D P (íig. 39). seguindo
um rumo DC que a vai cortar segundo um ângulo v. A segunda parte da «toleta de marteloio» dá o
número de milhas de retorno, percorridas pela nau na extensão DC c e o número de milhas de avanço
de retorno, DC d, na direcção do põrto, para uma aproximação. DB. de 10 milhas. Assim esta parte
da tabela indica quantas milhas é necessário percorrer,
aproveitando vento favorável, para se fazer uma apro*
ximação de 10 milhas à róia directa. Conserva se cons-
tante um cateto, BD. e a tábua dá o oulro e a hipo-
tenusa, para as diferentes quartas em que fôr avaliado
o ângulo v.
A soma das projecções AB : BC t ... dá o
avanço total em direcção ao pôrto de destino. A derrota
é determinada por distâncias e rumos. As distâncias sâo
avaliadas pela estima; os rumos são medidos pelas quartas da Rosa da agulha. A Rosa é dividida nos
8 rumos principais, nas I6 meias partidas e em 32 quartas, como é sabido.
A segunda parte da toleta de marteloio aparece nos manuais náuticos portugueses transfor*
mada no <Regimento das léguas», que dá o percurso, efectuado
pelo navio segundo um determinado rumo, e o apartamento do
meridiano, correspondentes ao avanço de um grau em latitude, g
O navio segue (fig. 40) o rumo DC que faz com o meridiano DB :g
o ângulo v , medido em quartas da agulha. O cateto DB é cons-
tante e igual a um grau de meridiano, avaliado em 17 \ léguas.
Dão-se para cada um dos 8 valores de v , contados desde a linha
norle-sul. o número c de léguas percorridas e o número d de
léguas do afastamento BC.
O cânon das léguas encontra-sc tanto no Regimento da
Biblioteca de Munich como no da Biblioteca de Évora. Dêste
último transcrevemos o «Regimento das léguas>, onde ao meridiano se chama «a linha direita»:
«Primeiramente saberás que o grau do norte e sul é de 17 léguas e meia légua de Portugal,
s, quatro milhas por légua. E 60 minutos fazem um grau.
73
Fl8. M
HISTÓRf'^ HA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Item por uma quarta releva, por grau, 17 léguas e cinco sextos de légua. E afastarás da linha
direita, por grau. três léguas e meia.
E por duas quartas releva, por grau, 19 léguas e um sexto de légua. E afastarás da linha di-
reita por grau. 7 léguas e meia.
Item por três quartas releva, por grau, 21 légua e um terço de légua. E afastarás da linha
direita, por grau, II léguas e cinco sextos de légua.
E por quatro quartas releva, por grau, 24 léguas e três quartos de légua. E afastarás da linha
direita, por grau. 17 léguas e meia.
Item por cinco quartas releva, por grau, 31 léguas e um quarto de légua. E afastarás da linha
direita, por grau, 26 léguas e um sexto de légua.
E por seis quartas releva, por grau, 46 léguas e meia. E afastarás da linha direita, por grau,
42 léguas e meia.
E por sete quartas releva, por grau. 87 léguas e um sexto de légua. E afastarás da linha di-
reita S5 léguas.
E se o caminho fôr a leste ou a oeste, não se podem dar léguas a nenhum grau. salvo que
em todo o caminho terás a mesma altura que era donde partiste. E se te afastares do caminho, pela
diferença d'altura. saberás quanto estás afastado do caminho. Porém as aguagens neste podem fazer
muito engano*.
Mais tarde Pedro Nunes refez o cálculo daquele triângulo rectângulo, publicando numa das
últimas páginas do Trãtãdo em defensãtn da carta de marear, anexo ^ratado da Sphera, 1537, o «Re-
gimento das léguas que respondem ao grau de norte sul por qualquer das quartas, verificado pelo au-
tor». Transcrevemos parte: ,
«Navegando norte e sul, dizem os navegantes que respondem ao grau 17 léguas e meia; e
conforme a isto, indo por uma quarta, se andará por direito 17 léguas e 5 oitavos de légua, e afastar-
nos hemos do meridiano em que estamos 3 léguas e meia.
Item por 2 quartas, havendo na zltura do pólo mudança de um grau, teremos andado por di-
reito 19 léguas e 3 oitavos de légua, e a distância dos meridianos será 7 léguas e um quarto de légua.
Mas por sele, quart.i-, çendo mudada a altura por um grau. leremos andado 89 léguas e três
quartos: e a distância dos meridianos será 88 léguas*.
A toleta de marteloio correspondenle aos números de Pedro Nunes é a do quadro junto (')-
O «Regimento das léguas»
dos manuais náuticos portugueses cor-
responde a uma nova fase na arte da
navegação: a passagem do ponto de
fantasia para o ponto de esquadria.
«O ponto de fantasia supõe duas cou-
sas sabidas que são o rumo por
onde se navegou, e este se sabe pela
Agulha, e as léguas que se andaram,
e estas não têm outra certeza mais
que a conjectura, ou fantasia do Pi-
loto» <-). O ponto de esquadria supõe
sabido o rumo por onde se andou, e
a altura do Pólo. observada pelo Sol
ou Estrelas V). A toleta de Andrea
Rumo, !•
Léguas do uminho
percorrido, c
Léguas do apahamento. d
1 quarta
17
s
■
3
1
2
19
*
•
7
4
3
21
11
a
j
4
24
a
•
17
t
5
31
%
26
1
»
6
45
)
4
42
1
7
89
1
«
88
Biancho corresponde ao período de navegação por distâncias e rumos, distâncias avaliadas pela estima
f e <í e Invílndô' de"í2^ níííl*'»'!,"/''"",.'*^^ »Ty\^r\oT. m u! li plica ndo por 1.75 os números das duas colunas denominadas
•» ,U3«.. .... d; caí^ur. n.a1^a''pro«'n,fío7JrdTc,Sr"^'
V) • ^ ia- 72.
74
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
do p>I6to. e rumos marcados pela agulha. A íoleta dos Regimentos portugueses corresponde ao empríco
de instrumenlos de altura; conheccm-se. pela agulha, os rumos, e pelo astrolábio ou quadrante as dife-
renças de altura em graus. A entrada nesta nova fase é assim referida por Barros: «No tempo que o
nfantc Dom Hennque começou o descobrimento de Guiné, lôda a navegação dos mareantes era ao
longo da cosia. levando-a sempre por rumo. da qual tinham suas notícias por sinais de que faziam
roteiros, como ainda ao presente usam em alguma maneira, e para aquele modo de descobrir isto
bastava. Peró depois que éles quizeram navegar o descoberto, perdendo a vista da costa e enaol-
lando-se no pégo do mar, conheceram quantos enganos recebiam na estimativa, c juízo das singra-
duras, que. segundo seu modo. em vinte e quatro horas davam de caminho ao navio, assim por razão
das correntes como doutros segredos que o mar tem, da qual verdade de caminho a altura é mui certo
No Regimento das léguas correspondentes a um grau de norte sul por qualquer das quartas
entra se nâo só em consideração com um novo elemento.- a altura, ou latitude . mas aparece também
a avahaçáo de um grau de meridiano em léguas. Entra-se. pois, já em consideração com as dimensões
ao globo terrestre. .Navegando norte e sul. dizem os navegantes que respondem ao grau 17 ' léguas»
assim se exprime Pedro Nunes no trecho acima transcrito. O cosmógrafo-mór não cita aqui nenhum*
saoio consagrado, como decerto mais lhe agradaria e inspiraria mais confiança. Mas é um bom serviço
que se_ deve aos navegantes, esta determinação, relativamente exacta, como hoje podemos verificar das
dimensões terrestres.
Tendo o grau 17 .1 l^s. e a légua 4 milhas, compreendia um grau 70 milhas. Atribuindo à
milha romana, de mil passos, 1480 metros ( ). resulta para o grau o valor de 103.6 quilómoiros, cm vez
de 111 quilómetros. Ha»ia pois um êrro apenas de 7 o o.
Mais exacto era o valor adoptado por Duarte Pacheco, «contando a dezoito léguas por qrau.
como diz no Ca p. 2.0 do primeiro livro do EsmeraldoV). O grau. segundo êle. era pois de (18X4X 1480^)
106". 56. com um erro apenas de 40,0.
Nos manuais náuticos, tanto portugueses como espanhóis, encontra-se ainda outra avaliação
menos exacta, do grau em I6 ; léguas. Assim se vé no Lwro de Marinharia, pág. 29: «item quando te
pregunlarem quantas léguas é um grau dirás que é 16 J léguas.. Mas logo na página seguinte, fazen-
do-se o computo da redondeza do mundo, se toma o grau de 17 V, léguas: <llem. se te pregun-
arem quantas léguas tem o mundo à redondeza, dirás que por todolas partes lem 6300 1360X 17.51
léguas».
Também Pedro Nunes cila as duas opiniões no tratado De regutis et instrumentis pela pri-
meira vez publicado em 1566: «Et quonlam inter Hispanos sunt qui Leucas 17 cum demidio. uni gradui
maximi circuli Iribuant in terreno circuito: alii verò 16 cum duabus terliis . . . . («). Assim Pedro Nunes
regista que. entre os Peninsulares (Hispani). uns atribuem ao grau 17' léguas e outros 16 J. mas deixa
ao leitor a escolha da opinião que mais lhe agrade, parecendo assim que o não decidiu o" que dizem
os navegantes. Contudo a apreciação dêstes, de 17' . léguas, por êle citada em 1537. era a melhor das
duas. E mais exacta a do navegador Duarte Pacheco, que. escrevendo em 1505. adopta iá. para o grau
18 léguas, fruto da sua longa experiência anterior. Duarte Pacheco eslava, no fim do século XV. melhor
e mais seguramente informado do que o cosmógrafo-mór em 1566.
Sabido o número de léguas contidas num grau de círculo máximo terrestre, podia determinar-se
quantas léguas correspondiam ao grau dos diferentes paralelos, os quais vâo diminuindo com o coseno
da latitude desde o equador para os pólos. A figura (fig. 41) mostra o processo gráfico para se resolver êste
problema, que se encontra no fim do Tratado em defensam da carta de marear de Pedro Nunes. Traça-se
(') loío dc Barros, Décjidã I. Llv. IV, Cap. II, Lisboa, 1779. pág. 261.
1913. pás 398 Wagner. Zur Geschichle der Seemeile. In AnntUn der Hydrographie und MariUmtn Meteorologíe.
O Esmer.Udo de si/u orbis. edlçSo da Sociedade dc aeosrafLa de Lisboa. 1905, pJg. 33.
(*> Pciri Nonli Opera, Dasileae. 1566. pág. 185.
75
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
um quadranle cujo arco se divide nos 90 graus, um dos raios extremos, ac. em 100 parles, e o outro.
ab em 35 partes, cada uma das quais representa meia légua e a totalidade delas as 17 , léguas do grau
eqQatorlal. Sóbre éste raio desaeve-se um semi círculo. No centro a do quadrante prende-se um fio em
que se enfiou a margarita m, que corre sòbre êle. , . ^ ^ ^ , . . ^ ^. . ^ ,■
Para se saber quantas léguas lem o grau de um paralelo de dada latitude, distende se o Iio
«ôbre o traço da graduação do arco. correspondente ao ângulo da latitude; na figura marca-se um ângulo
de 30O Corre se com a margarita sôbre o fio até vir ficar em m sobre o semi círculo, leva-se depois o
fio sôbre ab e o número, que í margarita aí indicar, diz quantas léguas tem o grau do paralelo de que
se irata. Assentando o fio em ac, a margarita indicará quantos por cento do grau equatorial tem o grau
do paralelo.
)á na Idade Média se fazia a aplicação do quadrante com dois semi -círculos, asserifes cada
um sôbre um dos raios extremos como diâmetro, à resolução de problemas astronómicos ('). por exemplo.
saber a hora do dia ou da noite pela altura do sol
ou de uma estrela, conhecendo o arco semi diurno
descrito pelo astro (■). Pedro Nunes dispôs o qua-
drante para o uso náutico de determinar as léguas
do grau dos paralelos, tomando por base as 17 l
léguas, atribuídas pelos navegantes ao grau do me-
ridiano e portanto ao do equador, considerando-se
a Terra esférica. É fácil ver que o segmento am
dá afinal o coseno do ângi^Io bain. O seno dèsle
ângulo seria marcado pelo fio na sua intersecção
com o segundo semi-círculo que se traçaria sôbre
o raio ac como diâmetro. Pedro Nunes não o traça,
dizendo que. para achar o seno, serve o semí cír-
culo a mb. mas contando o ângulo desde c, o que
equivale a procurar o coseno do arco complemen-
tar. Mais tarde preferiu-se. em vez dos semi-círculos,
encher o quadrante com o reticulado das perpendi-
culares sôbre os raios extremos. Na Arte de Nave-
gar de Pimentel se pôde ler o uso do «Quarto ou
Quadrante de redução* para «reduzir as léguas de
um paralelo em graus de IongÍIude>, e «os graus
de longitude de um paralelo em léguas de leste oeste» ( ). Pimentel atribui ao grau equatorial 18 léguas,
nâo como resultado de medições feitas, mas por mera comodidade para as contas: «Pelo que eu sou de
parecer que os Pilotos atribuam a cada grau 18 léguas, assim porque este número se desvia pouco do
uso introduzido Irefere-se às 17 1/, léguas], como pela grande comodidade que tem para as contas, por
ter meio. terço e sexto inteiros, porque o seu meio são 9. o terço 6, o sexto 3. e ficam respondendo a
cada 3 léguas 10 minutos justos de grau. Nem é novo atribuir-se ao grau 18 léguas, porque já antiga-
mente em Hcspanha se atribuíram, como referem Pedro Apiano no Cap. XI da Cosmografia, e Cespedes
no Cap. KXI da Hydrogr.» (*).
Em melhor autoridade se apoiaria o cosmógrafo mór Pimentel, citando a opinião do lusíada
Duarte Pacheco. Mas não a conhecia.
pi«. •■
(') A. Anlhljume el J. SotUs. L tstnlabe • quãdrant du Muséf des Antiquités de /íouen. Paris. 1910. Livro II. Chap.
II. § V — tLe Iraci tríflonométrtque», pig. 119.
Ibidem, pá9. 126.
O Manuel Pimentel. Arte de navegar, Lisboa. I7M, pág. 93. 9*.
(*) Ibidem, pig. 4.
76
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
12 — VARIAÇAO DA AGULHA
tfnbfrjno Tratado da Agulha de marear, achado por João de Lisboa, no ano de 1514, começa o
^V^ypS autor por dizer que lôdas as agulhas nordesteiatn e noroesleiam. isto é, declinam para
^^^%2Ar leste ou oeste do meridiano local, diversamente, segundo os lugares onde estiverem. Re-
^^f^SwK P^ova por isso o uso de colocar os ferros fóra da flor de liz, isto é, num rumo da Rosa
diferente do norte -sul, pois tal uso só daria vantagem, se a declinação nâo variasse de
lugar para lugar, como julgavam os antigos: <e porque os antigos não sentiram esta variação, andavam
mudando os ferros da agulha fóra da flor de liz para que, naqueles meridianos onde as cevavam,
íôssem fixas no pólo do mundo» ('). Em seguida ensina a construir uma agulha de demarcar (*), para
«verdadeiramente saberes a diversidade (variação] das agulhas*: Faz-sc uma rosa, a maior que sc puder,
bem compassada; e na direcção da flor de liz. que se pinta no rumo Norte, se poem os ferros. A pa-
rêde interior da caixa, ou morteiro, em que tem de andar a agulha, é dividida por traços, em tôda a
redondeza, em 32 partes, correspondentes às 32 quartas da Rosa. Nos pontos Norte e Sul abrir-se h3o
fendas na parede da caixa para por elas se bornear a eslrèla, A agulha com a Rosa apoia-se pelo chapilel sô-
bre o fulcro, em cima do quai ela pôde girar livremente. Por baixo do espelho, vidro que cobre a Rosa, co*
loca-se um fio de arame na direcção das fendas. Querendo medir a variação pela esirèla do Norte, visa-
se esta pelos furos e pelo fio. e vê-se a qual dos rumos da caixa aponta a flor de liz. Assim se sabe
se a agulha nordesteia ou noroesteia, e quanto. ]oão de Lisboa explica como se deve fazer esta ope-
ração: <Quando houveres de tomar a estrela do norle, para verdadeiramente estar em linha direita com o
pólo do mundo, haveis de aguardar que as guardas do norte estejam na Unha do nordeste ou na do sudoeste
|vejam-se atrás as figuras 25 e 28) porque nestes dous lugares está a estrela do norte em linha direita
do norle -sul com o pólo do mundo e neste tempo has de ver a diferença da tua agulha* (')■
Operação semelhante ensina a fazer com o Cruzeiro do Sul. Manda tomar o instrumento nas
mãos. olhando a que a Rosa esteja bem de nível, sem acostar, e então: «bornearás petos furos do semi-
círculo ao Pé do Cruzeiro até que seja metido pela abertura; então verás onde aponta a flor de liz da
agulha pelas quartas que vão ao longo da caixa, e onde apontar, aquela é a diferença da lua agulha,
e assim verás o afastamento se é para o oriente ou para ocidente» ('). Escusado é lembrar que o Cru-
zeiro se toma quando estiver «empinado», com a Cabeça c o Pé em Unha vertical.
0 piloto João de Lisboa procurou, nas suas navegações, o meridiano i/ero, isto é, o meridiano
onde as agulhas tinham declinação nula, com o resultado seguinte: «Has de saber que êste meridiano
vero, onde as agulhas verdadeiramente fazem o pólo do mundo, árctico, divide a Ilha de Santa Maria e
a ponta da Ilha de São Miguel que são nas Ilhas dos Açores E aqui neste meridiano achei sempre
as agulhas fixas no pólo do mundo, e como dêle me saia, logo as agulhas faziam conhecimento» ('). As
agulhas, no dizer de ]oão de Lisboa, «fazem conhecimento para o nordeste» nos lugares a oriente do
meridiano vero, e «fazem conhecimento para noroeste», seguindo dêsle meridiano para ocidente (').
Cristóvão Colombo na sua primeira viagem, 1492, lendo ultrapassado o «meridiano vero»,
notou, no dia 13 de outubro, o fenómeno da mudança de signal na variação, vendo as agulhas noroes-
tearem. Foi êle quem primeiro observou, não a declinação da agulha, mas a sua passagem de oriental
a ocidental.
A medida da variação das agulhas tomou uma importância capital, por se julgar, e assim pen-
sava João de Lisboa, que, por meio dela. se podia determinar a longitude geográfica, do que adiante
(*) Livro áe fAarrnhitTia. coordenado por Brito Rebelo, Lisboa. 1903. pág. 20
(') No insirumento de ]oão de Lisboa lemos o avoengo da «Agulha de demarcir portuguesa*, que Pimentel dei*
creve (Manuel Plmcnlcl, Arte de navegar, Lisboa, 1762. pig. 5S).
(') Livro da Marinharia, págs. 2t c 34.
(•) Ibidem, pág. 23. No começo dèste passo pusemos «turos do eeml-cfrculo», em vez de «ferroa do lemi-clrculo»,
que é um (rro evidente de cópia.
0) Ibidem pig. 23.
77
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
trauremos. Tal medida era também necessária, porque o -Regimento das léguas, correspondentes a um
pela agllha"'**'"^ ' 'J"^'""" quartas- se referia aos rumos verdadeiros e não aos indicados
Inventaram-sc vários processos para fazer esta medição por meio do sol. Na figura iunta reore-
senla-se o instrumento recomendado pelo português Frandsco Faleiro. que acompanhou Magalhães para
Castela, na 2.« parte do seu Trâtado dei Hs-
phera y dei arte dei marear, Sevilha. 1535
E uma placa circular graduada com uma cavi-
dade no centro, onde joga a agulha. Sobre a
placa coloca-se verticalmente uma lâmina semi-
circular, que se fixa por duas pontas nos extre-
mos do diâmetro donde se contam os graus.
Ao melo-dia verdadeiro orienla-se o prato até
endireitar a sombra da lâmina. Esta fica entSo
no meridiano e a agulha marca, para um ou
outro lado dêle, o ângulo da sua variação,
que se mede. distendendo um fio desde o cen-
tro, por cima da ponta da agulha, até à gra-
duação do limbo.
A dificuldade era marcar o instante
do meio-dla. O astrolábio dá bem a altura
máxima do sol, mas a medíclina, tendo vindo
a subir, fica durante algum tempo estacionária
çar a descer. Não servia pois nara indi^r r^m „ ■ ."^^^^.Posição da maior altura, antes de come-
recomenda <,ue se con.e., T o' 6 'a e " a™ da '."l"''. M ^T'""
de 24, lem-se o número de horas do dia Co„t,r'=A- ''^"<"'^- Subiraindo o número assim achado
c ao fim da conlagem estar-se hT no ins' an^e """"'^"^ "'^"^ ° <">
do meio -dia.
Francisco Faleiro descreve outra ma-
neira de usar o instrumento, medindo a varia-
ção da agulha pela média dos azimutes das
sombras, observados com alturas corresponden-
tes do sol. ames e depois do meio ■ dia. Também
manda colocar um estileie vertical no centro do
instrumento, e observar os azimutes da sombra
do eshlete, ao nascer e ao pôr do sol
.T,on.« A '^^','"^'5 aperfeiçoado é o instru-
men o de sombras de Pedro Nunes, que fàcil-
a.g. 43). segundo a descrição do próprio autor
que se le no Tratad. em defensam da car á
de marear, publicado em 1537:
lá^in ■ •'^"^^^ cousas teremos uma
lám na circular de alguma matéria sólida e de
conforme grossura que com o tempo não faça
Oradua?émòs* o"'"" 3'*''""'
no «ntírporemofu^^nl^rtn^ ^^"^ ^'âmetros que o repartam em quartas e
mo^JK"'- ^ ^"^'^"^^ sem dLetíos em Tcual 7.^ '"'l '"^^'"^ '''' P^^'e vão
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
pequeno circulo e acabado com seu espelho em cima; mas a agulha será mais comprida e mais subtil
HAi °- ' ^ ''"^^ responde ao diâmetro do círculo grande que se graduou, por modo
que aeie nao discrepe cousa alguma. E porque nos há de ser necessário endereçar esta agulha sôbre a
arra iinna lustamenle. para mais justificação poremos dous pontos prelos nas paredes desta caixa da
aguma em direito do seu diâmetro para que, tendo endereçada a agulha a estes pontos, saibamos de
ctno que esta direita com os diâmetros do círculo pequeno e do grande que ambos vâo por direilo-
iNas costas desta lamina, defronte do centro, encastoaremos um pião grande e pesado, lavrado a lômo
para que. metendo a dita lâmina nas balanças e caixa da agulha acostumada, fique subjugada por causa
tío peso e nao saia do nivel; e as balanças serão torneadas e dc eixos dobrados e mui livres. E se
sem embargo de o assim fazermos, acharmos que a lâmina não fica ao nivel. acrescentar lhe-hcmos pela
parte de deniro algum peso onde cumprir, para que finalmente nos fique perfeitamente nivelada, porque
nao sendo assim, nao nos serve. E portanto, se parecer melhor que esta lâmina se pendure por alguma
arte que Iique direita, é a mesma tenção, pôsto que a que se íéz para Sua Alteza, de marfim, com as
oaianças torneadas e de eixos dobrados, era tam prima que nenhuma cousa discrepava, tendo mais de
um palmo de diâmeiro»(').
1^ "^"^ instrumento é evidente. A qualquer hora antes do meio-dla, tomava se com o astro-
lábio a altura do sol e notava-se. nesse instante, o ângulo da sombra do estilo na graduação do limbo
De tarde lomava-se de novo o sol. esperando que éle entrasse pelos buracos da medeclina do astrolá-
bio, colocada na mesma altura da manhã. Nesse instante via-se o ângulo marcado pela sombra do estilo
do outro lado do limbo. Se os dois ângulos fossem iguais, a agulha não linha variação. Sendo desiguais,
metade da sua diferença era a variação da agulha. Podiam assim fazer-se vários pares de observações
das sombras do eslilo, para alturas correspondentes do sol. no mesmo dia.
Este «instrumento de sombras» levava D. ]oão de Castro quando, em 1538. foi para a índia
na armada de D. Garcia de Noronha, declarando êle expressamente ter sido «inventado pelo doutor Pero
Nunes, famoso matemático entre os que vivem em nossos tempos, e feilo por mãos de loào Gonçalves.
cujO engenho triunfa no dia de hoje em tôda a Europa, e sobretudo aprovado pelo multo excelente
Príncipe, o Infante D. Luís» ('). Fôra êsle Infante que lhe fizera presente do instrumento, incumbindo-o
de resolver algumas questões. D. ]oâo de Castro fêz as primeiras observações com éle no dia 13 de
abril, ao passar na Ilha da Palma, achando que a agulha nordesteava 5'/i graus. No dia 15, já ao sul
das Canárias, voltou a fazer observações que deixou assim registadas:
*Prímeira operação âante o meh-dia. Estando o sol em altura de 56o. o estilo lançou a som-
bra a 80o, contando do norte para a banda daloeste.
Segunda operação dante o meio dia. Estando o sol em altura de 67©, o estilo lançou a som-
bra a 65o, contando do norte para a banda daloesle.
Primeira operação depois do meio-dia. Estando o sol em altura de 67o, o estilo lançou a som-
bra a 53o. contando do norte para a banda de leste. Foi logo nesta operação o arco dante o meio-dla
maior que o de depois do meio-dia 12o. e a sua metade 6o, que é a quantidade que neste lugar a agu-
lha nordcsteia.
Segunda operação depois do meio dia. Estando o sol em altura de 56o, o estilo lançou a som-
bra a 68». contando do norte para a banda de leste. Foi logo nesta operação o arco dante o meio-dla
maior que o de depois do meio-dia l2o, os quais partidos pelo meio. virão 6o. que é a quantidade que
a agulha nordesleia* (').
Faz depois a seguinte crítica do instrumento: «Como quer que a sombra do estilo tenha pouco re-
pouso por a circunferência do círculo graduado, ao que dá ocasião o muito bulir da nau. e também como
venta um pouco rijo, a lamina perde a perfeição e justo nivel, por se destemperarem as balanças, o que
(■) Esta descrição enconlra-ee no uptlulo sòbre a Theoricã dt altura a toda s Itora, do Tratado tm dffmêsm da
carta de marear ( TrJi.ido da Sphera, edição f jc-»linflada, pigs. 162, 163).
O Roteiro de Lisboa a Ooa, por D. ]oAo de Caalro. Lisboa, 1882. págs. 228 c 239.
(>) Ibidem, pigs. 61 e 62.
79
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
N'
FIS. M
tudo juntamente faz muito embaraço ao sentido, para determinadamente haver de averiguar o verdadeiro
lugar onde defire a sombra, de sorte que, balanceando muito a nau, podemos fàcilmente errar até dous
graus, mas indo quéda e assocegada, quem tiver honesta estimativa não poderá errar passante de
meio grau> ('].
Das operações feitas nos dias 13 e 15 de abril, conclui: «E porque estas duas operações, de
que acima fato. foram feitas no meridiano das Canárias, a saber, uma delas estando da banda do norte
das ilhas, e a segunda achando me iá da banda do sul, e em ambas se verificou nordestearem as agu-
lhas 5' , graus até 6, fica falsa a opinião dos que dizem que no meridiano destas ilhas fere a agulha
nos verdadeiros pÓIos do mundo* (').
Assim ficava resolvida uma das questões de que o Infante o incumbira, como êle conta no
relato do dia 13: «Sábado, 13 de abril, amanhecendo, vimos a Palma, que é uma das Ilhas das Canárias,
e logo fiz prestes a lamina e instrumento de sombras, de que o muilo excelente príncipe, o Infante D.
Luís. me féz mercê, com grande desejo de verificar duas cousas: a primeira, se nesta ilha variavam as
agulhas ou não, por ser prática de muitos pilotos que neste lugar c meridiano feria o norte de suas agulhas
no verdadeiro pólo do mundo; e a segunda, se era verdadeira e pontual a regra que nos deu o Doutor
Pero Nunes, para, em tõda a hora do dia em que fizer sombra, sabermos a elevação do pólo» (')•
Desta última regra trataremos adiante. Antes, porém, merece consíderar-se a Notação famosa
e proveitosa que D. ]oão de Castro faz (') sobre os erros resultantes de se usar o «Regimento
d.i _,,ias», aplicando-o aos rumos marcados pela agulha, sem se reparar que éste Regimento foi cal-
culado para os rumos verdadeiros, sendo portanto necessário determi-
nar em cada lugar quanto nordesteiam ou noroesteiam as agulhas, para
se fazer a devida correcção. Esta nolaçâo vém a p;-opósilo da chegada
ao Cabo das Agulhas, em 27 de junho, quando diz: «êste Cabo das
Agulhas é o lugar onde os pilotos têm por máxima que as suas agulhas
lhe nâo varião cousa alguma, mas ferem directamente nos verdadeiros
pólos do mundo, e daqui veio chamarem a êste promontório Cabo das
Agulhas, significando não fazerem já aqui nenhuma diferença: ao tempo
que vimos a terra, eu me fazia à Ré dela 120 léguas, e o piloto I10>(').
Assim neste dia viram terra, que era o Cabo das Agulhas,
quando se julgavam ainda a uma distância dêle de 120 ou 110 léguas!
dComo puderam enganar-se em mais de cem léguas? Resumimos parte
da minuciosa explanação de D. ]oào de Castro. As naus. que de Lisboa
iam com destino ã índia, passavam na Madeira e Canárias, e depois
do Cabo Verde, seguiam navegando na volta do Brasil até às alturas
do Cabo de Santo Agostinho. «Porém, dobrado o Cabo de Sanio Agos-
tinho, e começando-nos o vento de ir alargando até ventar da banda
do Ponenie, cousa é muito manifesta que, até sermos com terra do
Cabo da Doa Esperança, jamais a pròa de nossas naus uai fóra daque-
les Rumos que jazem do leste das agulhas até ao Rumo do suU. Em
tòda esta travessia as agulhas nordesteavam. A flor de liz afastaua-se
para leste do meridiano, N'S'. (fig. 44), e os rumos do quadrante da
Rosa, compreendido entre Leste |E| e Sul [S|. aproximavam-se do meridiano, passando o rumo Sul |S1
para o lado ocidental. Suponhamos que a variação era de uma quarta, portanto de 1 1 ■ ; graus, e que
a nau avançava no rumo de sueste, da Rosa. Os mareantes, não atendendo à variação da agulha.' procu-
ravam no Regimento das léguas os números correspondentes a quatro quartas e registavam 24'; léguas
de cammho percorrido a sueste e um apartamento de 17 'A léguas a lesle. para um grau a mais de
altura. Mas o rumo por onde navegavam fazia na realidade um ângulo de três quartas apenas com o
(') Ibidem, pig. «.
O Ibidem, pigs. 27 a 30.
D Ibidem, pigv 22S i 243,
(•) Ibidem, pági. 227 e 228.
80
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
n InariaLnt; ""l^^^""" 'í"^^^ sul. o caminho andado era de 21 léguas
r^hoToi ! ^' Sucedendo semelha niemenie em tôdas as singraduras em direcção ao
uma n uJnHH,T'?"?f ""'^ •5**'^^'^ « conhecida variação das agulhas..
fi ^ ''"^ ^ realidade. E quando se foi assentar na caria plana, pelas re-
do Rr«n ? ' ^ ^ navegantes, a costa do Cabo da Doa Esperança, veio a ficar entre ela e a costa
do Brasil ttam com
prida e disforme dis-
tância, como ao pre-
sente se mostra em
lodos os planos».
Situada a costa do
Cabo mais longe do
que devia ser, suce-
dia que os pilotos
estavam marcando o
ponto na carta, jul-
gando se a ré do
Cabo. quando esta*
vam já junto déle
ou avante. Assim D.
)oâo de Castro e o
pilôto se faziam mais
de cem léguas a ré*
de terra, quando se
acharam com ela, e
isto por «as costas
do Brasil e Cabo da
Doa Esperança es-
tarem mais aparta-
dos nas cartas do
que as Deus assen-
tou na poma e mun-
do» (').
Deve -se a D.
]oao de Castro a
primeira observação
do desuio da agu-
lha. Como é sabido,
distínguem-se a bor-
DRASAO DE D.IOAO DC CASTRO
do dos navios duas
ínflui^nclas sôbre a
agulha magnética: a
do magnetismo ter*
restre, e a que pro-
vém das massas de
ferro contidas no na-
vio. Da primeira re-
sulta a declinação.
que é o ângulo for-
mado pelo meridiano
magnético com o me-
ridiano local, para
oriente ou ocidente
dèsle; a segunda
produz o desvio, que
é o ângulo da agu-
lha com o meridiano
magnético. A soma
algébrica dos úq\í
ângulos é a varia-
ção, que o instru-
mento de sombras
media. Foi D. ]oâo
de Castro quem pri-
meiro descobriu o
desvio da agulha, c
portanto quem pri-
meiro distinguiu va-
riação e declinação.
Sucedeu isto em 5
de agosto de 1538,
estando surto cm
Moçambique:
«Êsle dia quis obrar com o instrumenio das sombras para verificar a variação das agulhas, e
sendo monos de 11 horas, a sombra do estilo ia muito além da linha do meio-dia. pelo que. mandando
vir algumas agulhas para as cotejar com o instrumento, achei-as tam desconcertadas, que foi cousa
espantosa, porque onde uma fazia o leste, a outra mostrava o norte. Isto me leve muito suspenso, até
que entendi a causa e foi um berço [peça de artilharia, curtal que estava no mesmo lugar, onde eu
queria fazer as operações, o ferro do qual berço chamava a si as agulhas, e as fazia desvariar desta
maneira; do que tirei que uma operação que fiz a 30 dias de junho, no meridiano que está para leste
do Cabo das Agulhas 5", graus, a qual achei que me vinha muito desconcertada, e assim algumas outras
que fiz na paragem do Brasil, onde achei notáveis diferenças, que foi por as fazer perto donde eslava
(>) tbtdem, pig. 343.
11
81
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
algumd peça de artilharia, âncoras, ou qualquer outro ferro, como me passava a tôdas as partes da nau
buscando lugar conveniente a esta obra»(').
Foi também D. ]oâo de Castro quem. pela primeira vez. observou o desvio local devido à
accio de certas rochas sôbre a agulha magnética, como nolou 0. Hellmann Esta descoberta foi feita
no ilhéu de Chaul. em dezembro de 1538, como consta do registo feito no Primeiro Roteiro da costa
dã índia desde Goa até Dio (Pôrto. 1843. págs. 59 a 62). de que transcrevemos parte:
«Andando por éste ilhéu e subindo ao monte que está da banda do Norte, para marcar e ver
como iaziam os outros ilhéus e baixos com èle. me aconteceu um caso muito para maravilhar e foi desta
maneira. Pondo eu a agulha em cima de um grande penedo, para ver como se corria o ilhéu, súpito deu
a rosa uma volta e pôs o Norte onde dantes tinha o Sul, Quando isto vi, cuidando que lhe vinha éste
desconcerto de estar a rosa fóra do piào, ergui a para a concertar, e como a tirei da pedra súpito tor-
nou a dar a volta e pôs o Norte em seu lugar. Ora vindo a conhecimento que èste caso tamanho nascia
da qualidade e natureza da pedra, a pus e tirei muitas vezes e de tòdas fazia a mesma operação.
Espantado eu muito dêste aconletimenio. corri a maior parle do monte, pondo a agulha em cima de
todolos penedos e pedras, mas nunca fèz nenhuma variação, sòmente achei um penedo apar do outro
da mesma natureza, pôsto que néste não dava a rosa tamanha volta; mas, demorando-me qualquer marca
que tomava, ao Noroeste quarta da Loeste, como punha a agulha no penedo logo a mesma marca me
demorava ao Sudueste: de modo que supitamente variava 7 quartas; porém o primeiro penedo fazia
quási doSrada a operação, porque a marca que fóra dele me demorava ao Noroeste quarta da Loeste,
pondo a agulha em cima me ficava demorando ao Sul quarta do Sueste, que são 12 quartas de variação.
Esta mudança tam descomunal não sòmente se causava quando a agulha estava assentada na pedra, mas
tanto que se apropinquava ao penedo, estando suspendida nas mãos em cima déle>.
Poucos dias depois, em 13 de dezembro, medindo D. ]oão de Castro a variação da agulha no
rio do Pagode de Baçaim achou que ela noroesteava IO» J ; e no dia 23, estando êle na barra de
Daçalm, a agulha noroesteava 12o ^ , Notando esta rápida mudança trata de a explicar:
«Certamente que é cousa muito forte em tam pequena distância de caminho, e num mesmo
meridiano fazer a agulha tamanha mudança; ... A isto não sei assmar outra causa salvo que, como
quer que fiz estas considerações muiio pegado com a terra onde tinha por vizinho um rochedo e pene*
dia. iá pôde ser estes penedos serem da espécie e natureza do magnete, ou a matéria e composição
dèles ser ferrenha, e por esta causa atraírem para si o ferro da agulha, desviando-o do seu natural
lugar» (Roteiro de Goa a Dio, pág. 99).
Tendo lido os três roteiros, escritos de 1538 a 1541. Roteiro de Lisboa a Goa, Roteiro de Goa
â Dio, e Roteiro do Mar Roxo, assim se exprime Hellmann a respeito do seu autor: «Éste notável nave-
gador redigiu, de tôdas as suas observações náuticas, magnéticas, meteorológicas e hidrográficas, diários
muito minuciosos que cont&em incontestavelmente o maior e mais valioso tesouro de tal espécie de
observações, realizadas na primeira metade do século e são dignos do estudo fervoroso de lodos
aqueles que se proponham escrever a história da geografia física ou da náutica nesse século. Depois que
eu próprio li estes roteiros, nào duvido julijjr ]oão de Castro como o mais considerável represen-
tante da investigação scientifica do mar nos últimos tempos dos descobrimentos» (•)-
D. ]o3o de Castro, observador de admirável precisão e sagacidade, era um verdadeiro natu-
ralista. «Como navegador, hidrógralo e observador, ninguém o excedeu até ao tempo de Barents, Lin-
srJioten. Hudson e Davis», declara Nordenskjõld {*).
. , t') /fr/rfím, plg. MB. Já cm 19 rftf fevereiro de 1894, chamou a ai«fii;âo para éste trecho e Bua Importância o
tluitrc Lenle da Ewola Naval. Snr. Vicente Almtida d-Eça. na lua conterénda no CXub MUlUr Niwl. O Infãnte D. Henrique,
e a Arte ae nsvegir dos portugueses, Lisboa. 1894. pág 29,
I» K Pi Enldtrtkunq des Oesteinsmagneiismuí machie )tAo 4e Castro aui der Insel Cliaul (lllieo de Chaul) nnweil
rn M n *" r*"". "Ocnflsl^^eiifii FeKen. auf denen e' in der Miísweiíung 7 dté \2 çuãríúí de vsriaçáo beobaciilclc»
vvvVi Í^V"* ^"'»f9e der mãgneuschen Beobãc/itangen. in Zettschcift der Otsellêchãtt túr Erdkundt zu Bertin, Dand
AAAII, 1897, pag 135).
rt Ibidem, pia. m.
ÍM NordentWôid, Pertpíuj, Stockikolin, IM7, páfi. Ma.
82
A ARTE DE NAVEOAR DOS PORTUGUESES
13 — REGIMENTO DA ALTURA DO PÓLO A QUALQUER HORA DO DIA
DETERMINAÇÃO da latitude pela altura meridiana do sol nlo podia fazer-se, se èle
estivesse ao meio-dia encoberto por nuvens. Pedro Nunes deu. para se poder detenni-
nar a latitude a qualquer hora em que houvesse sol, a regra que o Infante D. Luis
encarregou D. João de Castro de verificar. Para isso era preciso, além do instrumento
de sombras, o emprêgo da poma ou globo, que Pedro Nunes assim descreve, a seguir
àquele instrumento: «Teremos mais um globo perfeitamente redondo e de tal grandeza que os graus
seiam manifestos e quanto maior tanto melhor. Não é necessário haver nôle mais que um círculo grande
[circulo máximo] graduado, que representarão horizonte, e outro que represente o meridiano. Terá seus
eixos nos pólos do horizonte, e haverá um meridiano de latão, dentro do qual lerá o globo movimento
sôbre os pólos do horizonte» ('). A poma representa a esfera celeste e serve para nela se situar o sol
em cada posição observada, em altura pelo astrolábio, e em azimute pelo instrumento de sombras. Na
figura marcou-se a graduação do horizonte sôbre o próprio globo (fig. 45). contada a partir do circulo
do meridiano traçado na poma. Esta gira em tôrno da linha zenite nadir, dentro da armila metálica que
Pedro Nunes chama o «meridiano de latão» e que aqui serve para medir os arcos verticais. A metade
superior da poma representa o hemisfério celeste visível em cada lugar.
Tomam-se duas alturas do sol, com intervalo de tempo suficiente para que a sombra faça
mudança sensível. No Instante de cada observação, feita com o
astrolábio, nota-se no limbo do instrumento das sombras (fig. 43)
o ângulo indicado t^ela sombra do estilo. A diferença dos dois
ângulos é a diferença dos azimutes do sol nos dois instantes,
independente do valor da variação da agulha que afecta estes
ângulos, mas desaparece na subtracção. Passa-se depois à poma
(figs. 45 e 46). Leva-se um ponio qualquer H , do horizonte
debaixo do meridiano de latão graduado e marca-se, no vertical
dêsse ponto, um arco HiOi, igual à primeira altura observada
do sol. Toma-se no horizonte o arco Hi Hí, igual à diferença
de azimute do sol, correspondente ao intervalo das observações,
leva-se o ponto Hi debaixo do aro de latão, e marca-se um
arco lii O;, igual à segunda altura observada. Teremos assim,
em Oi e Oj. situado o sol nas duas posições, Procura-se nas
tábuas a declinação solar dêsse dia. da qual se deduz, subtrafn-
do-a de 90°, ou juntando-lhe 90o, a distância do sol ao pólo
que estiver acima do horizonte. Assim pôde delerminar-se a
situação do pólo aparente na poma. pois se sabe a sua distân-
cia aos dois pontos 0| e O 7. Abre-se um compasso de pontas
curvas até abranger um arco de círculo máximo, igual à distância
polar do sol, e descrevem-se. com essa abertura, dois círculos
PCi e PC-. com seus centros em O, e O,. O ponto de intersecção P é o pólo. É certo que há dois pontos
de intersecção, mas é fácil ver qual se deve tomar. Leva-se cm seguida o ponio P debaixo do meridiano
dc latão, mede se a sua distância ao horizonte, e assim se tem ;i altura do pólo ou latitude do lugar.
D. ]oão de Castro féz a primeir,i aplicação do processo no dia 13 dc abril dc 1538, «sendo
todo êste dia o vento caima. que a nau não governava». Na primeira operação, antes do meio-dia, tomou
a altura do sol. 57», c o estilo lançava a sombra a 71», comando do norte para oeste. Na segunda ope-
ração, também anies do meio-dia. tomou o sol em altura de 60o '/i q q csiílo lançava a sombra a 64°.
contando do norte para oeste. A diferença de azimute foi pois de 7 graus. O modo como operou de-
pois com a poma é assim descrito por êle:
«Tomadas estas duas operações, mandei o Pilôto que, ao meio-dia, tomasse o sol, e eu,
passando-me à poma. para verificar a elevação do pólo déstc dia, obrei desta maneira:
r>s> w
(') Êste passo é conlinuaçilo do que atris %e iranstrrrveu fp-lg'*. 78, 79).
B3
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO POÍUUGUESA DO BRASIL
«Primeiramente no horizonte graduado da poma assentei a variação que féz a sombra do estilo
desde a primeira altura até ã segunda, a qual variação foi 7 graus, e logo do principio dôbtes 7
graus, iá postos no horizonte, assentei a primeira altura; e íoi 57 graus per um meridiano graduado
acima, e no lugar onde se acabou o número destes 57 graus, pus um ponto; e tornando a passar o mesmo
meridiano na outra extremidade da variação da sombra
que assentei no horizonte, contei, pelo meridiano acima,
a segunda altura que foi 61 graus, e no lugar onde
se acabaram pus outro ponto. Feito isto, olhei a decli
nação e tirei V) de 90, e tomando o que ficava, que
era 77 '/i graus, com um compasso curvo, pondo uma
ponta do compasso no ponto onde se acabou a pri-
meira altura, fiz com a outra ponta uma porção de cir-
. culo; e tornando a mesma ponta do compasso ao se-
gundo ponto onde se acabou a segunda altura, fiz outra
porção de círculo, que em termos de geometria se chama
de cruzação; e onde se estas duas porções encontraram
pus um ponto, o qual ponto trazendo ao meridiano
graduado, achei que sc apartava do horizonte 29 l graus,
que era a elevação do pólo do lugar onde me achava.
E logo mandei esta altura ao Piloto em um escrito
cerrado para que, depois que êle tomásse o sol ao
meio-dia. a víssemos juntamente ambos para. sem sus-
peita, podermos determinar quanto discrepava a minha
tomada pela manhã, da sua, tomada ao meio-dia. Ora acabado o Piloto de tomar sua altura, veio-me di*
zer que estávamos em altura de 29 l graus, e em continente abriu o escrito e viu a minha, de que fi-
cou muito espantado» (').
Assim D. ]oão de Castro verificou, pela primeira vez, o processo da altura do pólo a tôda a
hora. O pilòto ficou admirado com a novidade, e êle satisfeito com o resultado obtido pela regra dc Pe-
dro Nunes.
Mas os defeitos práticos do processo começaram depois a aparecer. No día í 1 de iunho de!cr-
niinou a latitude pela altura do sol ao meio-dia e achou-a de 31 \ graus; mas pela primeira e segunda
alturas, já tomadas pela manhã, achava 33 graus. Atribuiu esta diferença a defeitos do instrumento das
sombras, pois lhe pareceu «que êste êrro podia vir da sombra do estilo se não poder tomar pontual-
mente, e assim da lâmina não guardar, quanto convinha, o nível». Seis dias depois, em 17, queixa se da
poma não ser *tam redonda como convém», isto é, não ter a supcrficie rigorosamente esférica, e serem
mal graduados os meridianos de latão. No dia seguinte nota que pÓde haver êrro grande na determina-
ção da altura do pólo pela poma. quando a variação da sombra, no intervalo das duas observações, fâr
de poucos graus: «e isto é de tal maneira que, quando a variação da sombra é pequena, a saber, 3 ou
4 graus, qualquer cousa de mais ou de menos, causa grande mudança na altura; e pelo contrário, saindo
a variação grande, a saber, 14 ou 15 graus e mais, ainda que no observar da sombra erremos até uin
grau, nem por isso a altura sai fóra dos termos da Razão» (")■
O processo de tomar a altura do pólo, em lodo o tempo em que houver sol, 6 exposlo por
Pedro Nunes no Tratado em defensam da carta de marear, que acompanha o seu Tratado da Sphera,
Lisboa, 1537. Muito ampliado, e desenvolvido em 27 capítulos, foi aquele tratado veriido para latim, com
o titulo; De reguiis et instrumentis. ad varias rerum tam maritimarum quàm et caelestium apparentias
deprehendendas, ex Mathematicis disciplinis. O Tratado sobre certas duvidas da navegação, igualmente
publicado em 1537, foi também vertido para latim por Pedro Nunes, com o título: De duobus problematis
. . , í'] Acrescentamos as palavras r lirei. que evidenlemcnie faliam no Icxlo. Uma frase scmelhanle se encontra na
•em pagina do Kegtmento do estrolãbio dc Munich: .oulha quamto he a allura e tyra dc 90».
0) RotíiTo de Usbo* a Goa. Lisboa, 1882, págc. 33 a 38.
O Ibidem, pigs- 301, 210 e 215.
84
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
arca nâvigand, arlcm. Os dois Iralados lalinos apareceram, pela primeira vez. incluídos na edição de ai-
gumas das suas obras, feita em Dâle em 1566 (Petri Nonii Opera. Basileae). Os mesmos dois tratados
soo o "luio i^'' ' " atque ratione nauigandi libii duo. foram editados por António de Mariz, cm Coím-'
ora. 1573. In. .mente se lem falado de uma outra edição feita, (ambém em Coimbra, pelo mesmo
Mar«. no ano de 1546. Mas tal edição nâo ckísIíu ('), e o que. sòbrc ela, se tem dilo resulta apenas de
uma indicação bibliográfica errada de Barbosa Machado na Biblioteca Lusitana.
No tratado latino De regulis et instrumentis apresenta Pedro Nunes uários processos de de-
terminação da latitude geográfica. Nâo fazemos, porém, maior referência a esta obra. por ela ser de um
ano. o de 1566, já bastante afastado da época que nos interessa.
14-AI.TURA DE LESTE OESTE
PROBLEMA da determinação da longitude geográfica, que enire nós se chamou «allura de
leste oeste>, nâo preocupou os navegadores portugueses emquanto as descobertas foram
seguindo uma direcção geral norte-sul, ao longo da costa ocidental da Africa.
Na sua carta de 1474 ao cónego Martins. Toscanelli diz ser de 26 espaços, que va-
liam 130o de longitude, a distância de Lisboa a Ouinsay. na província de Catay. Cristóvão
Colombo, tratando d« atingir as costas orientais da Asia pelo Ocidente, segundo o plano de Toscanelli.
encontrou a América, que iulgou ser a índia. E é aí que êle se apresenta fazendo as primeiras tentati-
vas de medição astronómica da longitude pelo método, conhecido desde a antiguidade, dos eclipses luna-
res. Numa fôlha do Libro de las Profecias deixou Colombo, escritas por seu próprio punho, duas notas
sôbre observações, que diz ter feito, de eclipses lunares: uma em 1494. a outra em 1504. A época dos
eclipses podia êle ter sabido pelas Ephemerides de Regiomontano, calculadas para o meridiano de Nu-
remberg e publicadas em 1475. ou pelo Almanach perpetuam de Zacuto, calculado para o meridiano de
Salamanca, publicado em 1496. A êste último se refere expressamente na segunda nota.
Em 14 de setembro de 1494 observou em Saona. pequena ilha a sueste da HaTti, um eclipse
da lua, concluindo que se achava 5' , horas, e portanto 82 '/j graus, a oeste do Cabo de Sâo Vicente.
Como esta distância nâo excede 60o, há, nesta avaliação, um êrro de mais de 22©.
Em 29 de fevereiro de 1504, observou, em meio da costa setentrional da Jamaica, outro eclipso,
concluindo que estava 7 'A horas, e portanto 108 V» graus a oeste de Cadiz. Como csla distância é de
7!o. há aqui um êrro de mais de 37o. Destas medições resultaria uma distância de 26o. conta redonda,
entre Saona e o meio da Jamaica, quando, de fado, tal distância, por éle navegada, não excede 9
graus. A análise das notas do Libro de /as Profecias faz duvidar da efectividade de lais observações e
leva a crêr que aqueles números foram arbitrária e exageradamente tomados por Colombo, que esteve
sempre persuadido de ter chegado às praias orientais da Asia. Seja como fôr, temos nêle um navegador
já preocupado com a determinação astronómica da longilude, embora sem apresentar método novo, nem
determinações precisas.
- .rte ,e navcg.r. éc Pc.ro Nun.s. publicado n« AnMis rf« Ài&««'7:^r,.^^^^^^^
85
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
É muito diferente o que sucedeu com Américo Vespúcio. a quem se atribuiu uma medição de
longitude, em 1499. pelo método das distâncias lunares, dando se lhe até as honras de inventor do mé-
todo Trata-se, porém, de uma pura lenda, como demonstrou o Professor Hermann Wagner, de Gaettin-
gen (') É na caria dê Vespúcio a Lorenzo dei Medici, com data de 18 de julho de 1500. publicada pela
primeira vez por Dandini em 1745. que se encontra o relato da pretendida observação. Aí diz Vespúcio
(admitindo a autenticidade de tal carta) que. achando se na costa de Venezuela em 23 de agosto de 1499
e havendo nesse dia conjunção do planeta Marte com a Lua, como indicavam as Ephemerides de Re-
giomontano. medira as distâncias de Marte ao disco lunar ao nascer da Lua e à meia-noite, concluindo
que a conjunção fôra 5 horas e meia antes da meia-noite. ou, o que é o mesmo, às 6'/, horas da tarde,
tempo local de Venezuela. Como a conjunção tinha lugar à meia-noite, em Nuremberg, segundo Regio-
montano. chega Vespúcio a êste resultado: acharse 5',', horas, e portanto 82 Vi graus, a oeste de..
Cadiz! Ésie dcsprêzo da diferença de longitude de Cadiz a Nuremberg (*). e outros erros e contradições
que se notam no modo como a observação se diz conduzida, levam a concluir que ela se não pôde atri-
buir a um navegador como Vespúcio, cujos conhecimentos de astronomia náutica eram superiores aos
de Colombo; e multo menos se lhe pôde atribuir, querendo considerá-lo como autor do método. Mas a
própria carta é considerada apócrifa, e aos argumentos que demonstram a sua não-autentiddade pôde
juntar se mais o que resulta da análise de tal observação. Vespúcio nem inventou nem fêz uso do pro-
cesso das distâncias lunares para a determinação da longitude geográfica. Este método encontra-se pela
primeira vez descrito na obra de )oào Werner *ln primum librum Geographiee Cl. Ptolomaei paraphra-
5IS», Norimbergae. 1514.
No Tratado da agulha de marear, achado por João de Lisboa no ano de 1514, há dois capí-
tulos (") destinados à determinação da longitude por meio da variação da agulha. Chama-se ai «meri-
diano vero» ao meridiano onde as agulhas se acham «sempre fixas no pólo do mundo», o qual passava
segundo o pildto João de Lisboa, pela ilha de Santa Maria nos Açôres. Salndo-se dêle para leste, as agu-
lhas começavam a nordestear; indo-se para oeste, começavam a noroestear; e a variação ía crescendo
com o afastamento em longitude, alé atingir um máximo a 90o de distância, diminuindo em seguida até
se anular na volta ao meridiano vero. Segundo tal teoria, a longitude era proporcional à variação da
agulha, determinando se facilmente por esta. D. ]oâo de Castro mostrou, como veremos, a falsidade desta
concepção.
Quando os Portugueses chegaram ao cxtrêmo oriente e foram às Molucas. aumentou de im-
portância o problema da longitude, pois era preciso decidir se as famosas ilhas do cravo estavam no
hemisfério castelhano ou no hemisfério português, segundo a repartição do tratado de Tordesilhas, 1494.
Por isso Fernão de Magalhães, antes de se passar a Castela, «sempre andava com Pilotos, cartas de
marear, e altura de Leste-Oesle», como diz ]oão de Barros, em cujo tempo não estava ainda resol-
vido o problema da altura de leste-oeste, que êle considera como «matéria que tem lançado a perder
mais portugueses ignorantes, do que são ganhados os doulos por ela, pois ainda não vimos algum que
o pusesse em efeito (')«. Com Magalhães foi para Espanha o astrónomo Rui Faleiro. que escreveu um
tratado sóbre a determinação das longitudes geográficas. Quando Carios V ordenou que Faleiro não se-
guisse na viagem, Magalhães reclamou que lhe fosse entregue o tratado sobre a «altura da longitude de
(') Hcmunn Waqner, Die £.- ■ /■ .i ■■ '.ãngenàcstimmung Amerigo Vespucci's nach MondjtbsfSnden, aus den
Nactiríchten von d^r K. Oeselischsft der ■.•n /u G<vilinn>'n, Maf/iemãnscn — phi'Sikahsche Klâsse. 1917. — Neste
tnettno estudo sc pódc ver a critica dâS on ■, i v.n,k , ^ de Colombo, a que antes nos referimos.
O Nfl caria diz sc que a» Ephemeridet de Reqiomoniano foram calculadas para o meridiano de Ferrara, o que
nSo é vcrdadt, ni4s a dilercnça de longiiuJe entre reir.ir.! e Nuremberg é apenas de melo grau.
(•) Luto df M.irinhanã. Lisboa, 1903, pags. 2'J, 24.
)oio de Barros. Decãda III. Uv. U. Cap. VUl. A propósito de Fcmâo de Magalhães, referimo-nos atrás (nota
( •> n.lg. 33) i questão da autoria do Livro de Duarte Barbosa, que António DIasques atribui a Magalh-les. Contra esta ooÍ-
in da autoridade de Ramuzio, que considvrd Barbosa como autor, há o testemunho de Qaspar Correia, que é decisivo.
^^' 111..., do Prólogo das íi-nd-is dj Indiã (Tomo i, pâg. 3), diz; «e n3o escreverei nada das terras, gente, e traio, porque
houve l"*^ nisso se ocuparam, de que vi alguns volumes e mormente um livro que disso /tV Dit.\rie BArbosn, escriv5o
da leiloria de Cananor>, E adiante precisa melhor a obra: «porque minha ten^ào í não escrever nada destas terras c seus
coslumcs, como houve alguns que o liicram. em que foi um détes Duarte Barbosa, sobrinho do feitor de Cananor Oil her-
mande» Barbosa, que féi um Tratado, que eu vi. de todalas teiras. gentes, leis. costumes, e tratos, começando dos Lcqucos.
correndo todo o mar. que acabou no Cabo da Doa Esperança» (Tomo I. pig. 3S7) Na tradução inglésa do Livro de Daroosa,
ultimamente publicada pela Kakluvt Society. 'The Dook Duarte liãtbosa, Iranslaled M. Longu/orth Danies, London,
2 voL». continua aatnbutr-sc a obra a Barbosa, com iusiilicidos motivos (Vol. I. pígs. XXXVll, LI).
86
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
este oeste, com todos os regimentos que lhe diziam respeito» (')■ Castanheda informa que Rui Faleiro
«deu a Fernão de Magalhães um grande regimento de trinta capítulos, para que. por três maneiras, pu-
desse conhecer a distância e diferença que andasse de leste a oeste» (•). Assim eram três os processos
preconizados por Faleiro, que Magalhães levava cm 1519 para a famosa viagem de circunnavegaçào. An-
tónio Pigafela junta ao relato que íéz desta viagem um Tratado sôbre a arte de navegar (*). O capítulo
primeiro, que <parla de Taltura de levante a ponente», é naturalmente tirado dos apontamentos de Fa-
leiro. Pigafela apresenta também três processos para determinar a longitude.
O primeiro baseia-se na determinação da latitude da lua. que êle insiste em explicar que é a
distância da Lua à ecifptica, nula na sua passagem na linha dos nodos, e crescente desde aí, com o mo-
vimento mensal da lua, até ao apartamento máximo da edíptica. para decrescer em seguida. Éste aparta-
mento máximo é igual à inclinação da órbita lunar sôbre a edíptica. 5 graus aproximadamente. O método
consistiria em comparar latitudes observadas com as latitudes deduzidas das Tábuas para o meridiano
de Sevilha. Basta reparar na pequena variação diária desta coordenada da lua, para se ver como êste
processo é puramente teórico. Éle próprio diz que é bom para astrónomos e homens peritos na sua arte.
Nem mesmo indica o modo de observar, para se chegar ao valor da latitude da lua, dando a entender
que isso ultrapassaria a compreensão e saber da gente do mar, a quem afinal apresenta assim um
método inexequível.
O segundo processo exposto por Pigafela é o das distâncias lunares, já descrito por Werner
em 1514; o terceiro, o da variação da agulha.
Um dos pilotos da esquadra de Magalhães. Andrés de San Martin, pilôto e astrónomo, aplicou
o segundo método quando estiveram no Rio de Janeiro, em 17 de dezembro de 1519, dia para o qual
as Ephemerides de Regiomontano e o Almanach perpctuum de Zaculo marcavam conjunção do planeta
Júpiter com a Lua. ,Das suas observações conduíu achar-se a 17 horas e 55 minutos, e portanto 269
graus, a oeste de Sevilha, em vez de 38o. San Martin atribuía éste exagero inadmissível a erros das
Táboas (').
No Rio de São Julião, Magalhães submeteu o regimento de Faleiro à apreciação dos pilotos:
«Concertando se as naus, Fernão de Magalhães mostrou aos pilotos e ao astrólogo Andres de Sam Martim
o regimento que levava de Rui Faleiro acêrca de se poder saber a altura de leste a oesle. . . E visto
o regimento por todos, mandou lhcs Fernão de Magalhães que dissesse cada um o que alcançava a
saber, e se se podiam aproveitar dêle em sua navegação. E os pilotos responderam por escrito que não
se podia usar daquele regimcnio. nem aproveitava para se navegar por êle. E assim o assinaram: e o
astrólogo respondeu o mesmo a todos os capítulos do regimento que eram trinta, salvo ao quarto que
dizia que pola conjunção que a lua tem com as estrélas fixas, e com o sol se pôde saber o que uma
terra dista da outra na altura de leste a oeste ...» (^). Andrés de San Martin, mais instruído que os
outros pilotos, conhecia o método das distâncias lunares, que. naquele ano, já nâo era novidade.
A falsidade do processo pela variação da agulha foi verificada experimenlalmenie por D. ]oão
de Castro, como já airás indicamos. No dia 10 de junho de 1533, quando, na travessia do Brasil para o
Cabo da Boa Esperança, passava pelo meridiano do Cabo de S. Vicente, lêz com o instrumento de
sombras quatro operações antes e quatro depois do meio-dia. para medir a variação da agulha. «Estas
operações», nota êlc. «foram feitas por meu ponto e o do PilÓto, um grau do meridiano que passa pelo
Cabo de São Vicente, para a banda de oeste». Éste era «o meridiano das operações», isto é, o meridiano
fundamental de referência nas navegações portuguesas. Chega à conclusão seguinte:
•Destas operações fica claro que a variação que fazem as agulhas não é por diferença de
meridianos, pois na cidade de Lisboa nordesteam 7 Vi graus, e estando agora em seu meridiano nordes-
team 19 ou 20 graus; mas parece que tem outro respeito, o qual até ao dia de hoje náo é chegado à
minha notícia» (*').
(<) Navarrete. Coleerion de hs vls/fs, Tomo IV. Madrid. 1837, piq. IM.
(•) Cjstanhc^l ''■..■ ■nj tio descabnínenlo da índia, Utfro VI. Cap. VI.
(') R.HColU : i'f.í. Pane V. Vol III
(•) Kerrcrj. ;,, ,..;.< Ocneral dt" los Inchou >ie los Castrllanos tn Us Islas y Tierra firme dtl mar Oceano.
Década M, Libro 1*^. Cap. S. Joio de Darros. Decida III. Liw. V. Cap. X.
í»i Casranhed*. Hmona do descobrimento da India. Livro VI, CJp. VII.
(*) Kotcno de Lisboa a Goa, LIsboj, 18SZ, pag, 197.
87
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
A mesma conclusão chega D. }oâo de Casiro na viagem de Goa a Dio:
•Destas operações que fiz hoje, 10 de janeiro de 1539, por onde vim no conhecimento que a
agulha do meu instrumento noroesteia II« se segue que em um mesmo meridiano pôde a agulha nor-
destear e noroestear mais e menos, o que se prova por esta maneira: na Ilha do Pagode de Daçaím
achei que noroesteava esta agulha 10 graus \ e em Baçaím 12 graus {, e agora tanto avante como
esles Ilheos de Debul, noroesteia II», jazendo estes três lugares debaixo de um meridiano; pelo que
parece cousa justa imaginarmos que estas tais variações sejam causadas dalguns particulares e próprios
segredos, os quais a Natureza poderosa lenha guardados em suas grandes e secretas oficinas* (')■
O processo estava pois julgado e reprovado. A variação da agulha n3o dependia pura e sim-
plesmente da longitude do meridiano em que se estivesse, e nâo servia, por isso, para determinar a
longitude geográfica. Dependia de outras causas, ainda ocultas nas oficinas da Natureza.
Quanto èste problema da determinação da longitude interessava o nosso país vê-se até pela
leitura de Gil Vicente. Na Farsa dos Físicos, o físico Torres explica assim a sua demora:
Topei ali com Mestre Gil
E com Luís Mendes, assi
Que praticamos ali
O Leste e o Oeste, e o Brasil
£ lá lhe dei razão de mi.
O Brasil e a arle de Leste-Oeste eram assuntos predominantes nas conversações. No ano em
que Fernão de Magalhães empreendia a sua viagem de circunnavegação do globo, veio para Portugal
aquele Felipe Quillén ('), que foi objecto das trovas que se encontram nas Obras de Gil Vicente com uma
nota explicativa:
«O ano de 1519 veio a esta côrte de Portugal um Felipe Guillén. Castelhano, que se disse
que lôra boticário nel Porlo de Santa Maria; o qual era grande lógico e muito eloquente de muito boa
prática que entre muitos sabedores o folgavam de ouvir: tinha alguma cousa de matemático; disse a
P) RoMro desde Ooa até Dio. Pdrto. 1B13, pág. 148.
(0 Na obra de P. Plutoste y Rodrijuei, Apuntês para una biblioteca cientifica espafiola dei siglo XVI. Mídrid.
IS9I. pi3 13», vem um arttso laudatórío de Felipe Oulllén, a que devemos lazer alguns reparos, Como al se 1*. o aparelho
Inventado por Ouillén leria sido, segundo Alonso de Sania Cruz. o seguinte: «PrlncTpió el dicho Felipe Guillén de poner en
obra lo que habla prometido, haclendo una Invencion de derlo instrumento que hoy en dia anda muv comun en Portugál
entre hombre* doctos. para que los pilotos lo llcvassen en Us mos. el cual es um labla redonda, Mana de un xeme de diâ-
metro, echidas por cila cuatro line.« en cruí. y pueíto en medio un perpendlculo de metal, y graduada la tabla á la r«donda
con 3M grados, y comeniaba \i cuenta de los ISO de la linea meridiana que estaba en la dicha tabla hacia un lado, y los
otros 1» de la dicha línea á la oira parle de la circunferência de la labla. y esta dlcha línea puesta una águia pequei^a como
de relOK de sol meridiano de los que iraen de Alemifta. y i esta tabla eslaban asidos Ires hilos en iguales distancias A ma-
nera de uni balanza de pezo para que esiuvlese igual á la superfície de la tíerra». Êsle aparelho é o mesmo instrumento de
sombra» de que Pedro Nunes lai, no Tratido em dpf.-nsjm da carta de marear, a descrição minuciosa atrás transcrita
(pjg. 78, tig. descrição que, no mesmo Tratado, assim resume antes: «Poderio 05 plloios levar um circulo de pao ou me-
lai, com um estilo perpendicular no centro, e a roda do circulo graduado como astrolábio; e sôbrc um ponto do diâmetro, fora
do centro em que está o estilo, se lará um circulo pouco maior que a rosa da agulha, o qual ae cavará para néle se meter e
andar livre como convém; e pendurar-se hí êHe Instnimsnto, por cordéis ou por ouira arte que se pôde dar, para ficar ao
nível, tfltlo o Instrumento de sombras de Pedro Nunes teria sido Inveniado por Oaillén. Mas D, JoJo de Casiro expressa-
mente dlr (Rateiro de Lisboa a Ooa. pá^. 22a) que lol «inventado pelo douior Pero Nunez. famoso matemático entre os que
viwm em nossos tempos., e éle esiav.i a èsse respeito bem inlormiJo. Naturalmente o que sucedeu foi isto: quando o Ins-
uillén fué el primero que con-
is dissemos
S r *" Portuga! entre hombres doctos» foi conhecido em Espanha, lá julgaram ser éste o aparelho Inven.
iSa.^V íi"'"*^" ^ Picotoste V Rodriguci termina o seu artigo por di^er: «De todos modos. Qi
ceow la idea de aprovechar ta variaaon de la aguia para calcular la tongilud y el primero c
aprec>.u esta vanadon. Esta alirmaçáo nâo p6de aceitar-se. pois no Tratado da agulha de m.ire«.
fíT "P""'"*' tlMiinados ã detcrmlnaíâo da longitude por meio da variação da agulha, como atrás
iíHÍin - 7'""^' "'"^ ""^^ acompanh.iva o instrumento que féz com ferramentas da
P.m . moreis: a primeira que o liberte, a segunda que o favoreça, certificando que fará em seu serviço
Fm K^l^JT^^ f^^T "H"" J"""" ^"^ "orneado vedor e avaliador das drogas das Casas da índia e Mina.
■ ^""^^ provedor da fazenda da capitania de Porto Seguro (Sousa Viterbo, Tra-
MIAoa luatleos dos portugueses nos séculos XVI e XVII, Vol. I, pig. 152).
88
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
El-Rei que lhe queria dar a arte de Leste a Oeste, que linha achada. Para demostra desta arte féz
muitos instrumentos, entre os quais foi um astrolábio de tomar o sol a tôda a hora: praticou a arte pe-
rante Francisco de Mello, que então era o melhor matemático que havia no reino, e outros muitos para
ISSO se ajuntaram por mandado de Sua Alteza. Todos aprovaram a arte por boa: fêz-lhe El-Rei por is-
so mercê de cem mil reis de tença, com o hábito e corretagem da casa da índia, que valia muito. Neste
tempo mandou Sua Alteza chamar ao Algarve a um Simâb Fernandes, grande astrólogo malemálico; tan-
to que o Castelhano falou com Ôle. que viu que o entendia, e que lhe fazia tudo falso, quis fugir para
Castela: descobriu-se a um ]oâo Rodrigues. Português, que o mandou dizer a El-Rei, que o mandou
prender em Aldeia Galega, estando em um cavalo de posta. Sendo prêso. porque era grande trovador,
lhe mandou Gil Vicente estas trovas:
Con sobra de pensamlentos
Que conlinos penso yo,
No supe de los tormentos
Que Ia desdícha os dió,
Sino ahora á dos momentos,
Que supe vuesiras pasiones,
Todas buscadas por vos:
Porque los santos barones
Concluen que las prisiones
Son por justicia de Dios.
A muchos hizo espantar
Vuesa próspera fortuna,
Pues nunca vistes la mar
Ni arroyo ni laguna.
Supistes muy bien pescar.
Diciendo el pueblo travieso
Contra vós, sábio profundo,
Por emendarse el avieso
Justo fue que fuese preso
El mas suelto hombre dei mundo.
Vo les dije con buen zelo,
Por el bien que en vos se encierra;
Este hombre subió al cielo,
Del cielo miró la tierra.
En la tierra vido el suelo,
Del suelo vió el abiso,
Del abiso vió et profundo,
Det profundo el paraíso
Del paraiso vió el mundo.
Det mundo vió quanto quiso.
Ansf que por esta via
Es de tos sábios el cabo,
Que sin ver astrolomia
El toma el sol por el rabo
En cualquíera hora dei dia.
Respondieron at contrario,
Diciendo: No es verdad;
Porque dende chica edad
No fue sino boticário,
Hasta ver esta ciudad.
Respondites con gran ira:
No digais mal de mi amigo.
Que cuanio trata en mentira.
La mentira es ser tesligo,
Tan dulcemente ta espira.
Alegué por parte vuesira
Lo que sé de vuestro engaiío,
Porque mostrais de una muestra.
Despues vendeis falso pailo,
Como luego se demuesira.
Esto me plugo escribír
Porque hábeis de responder,
V otra vez me hábeis de otr,
Para acabar de decír
Lo que os queda por hacer.
De todo esto es de creer,
Que la bondad de esta tierra
Siempre fue y ha de ser
Que á si misma hace guerra.
De buena, por bien hacer.
Si el trovado no está
Conforme á vuestra elocuencia,
Pues que díce la verdad,
Repórtome á la sentencia.
Lo al vaya como va*.
Assim o problema andava posto a prémio, produzindo incidentes que provocavam a veia có-
mica de Gil Vicente. Na Farsa dos Almocreves, o Fidalgo, depois de experimentar a voz do Capelão,
esfarrapado e sem nada de seu, que lhe pedia a soldada que nunca recebéra. indica-lhe o modo como
melhor poderia prosperar:
Se vós podesseis achar
A altura de Leste a Oeste,
Pois não tendes voz que preste,
Perequi era o medrar.
89
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO DRASIL
A detenninação da altura de leste-oeste só ficou práticamente resolvida no século XVIII, quan-
do se souberam fabricar os cronómelros. O mélodo do relógio porláril, regulado pelo tempo do meridia-
no, a partir do qual se deviam contar as longitudes geográficas, e levado a bordo do navio, método já
em 1530 preconizado por Gemma Frísio ('), leve de esperar pelos progressos da relojoaria.
15 — A CARTA DE MAREAR
rig. «T
'a ultima p.irte do primeiro livro da sua Geografia trata Ptolomeu da construção dos mapas.
No Cap. XK critica a projecção adoptada por Marino de Tiro, na qual os meridianos e pa-
ralelos são representados por linhas rectas equidistantes, cortando-se em ângulos rectos. E'
a projecção cilíndrica equidistante, cm que meridianos e paralelos formam uma rede re-
ctangular (fig. 47). Os arcos dos paralelos, interceptados pelos meridianos segundo segmen-
tos que na esfera vão lendo comprimentos cada vez menores desde o equador até aos pólos, são repre-
sentados em projecção por segmentos reclilínios iguais. No paralelo de Rhodes (36° de latitude) conserva-
va Mnrino a proporção simples, de 4 para 5. bastante exacta, do comprimento do grau
do paralrlo pira o do meridiano; para o norle as distâncias entre os meridianos
eram portanlo cada vez mais exageradas que a realidade; para o sul de Rhodes fi-
cavam encurtadas relativamente ao grau do meridiano, que conservava a mesma gran-
deza d': norte a sul.
Ptolomeu prefere a projecção cónica, em que os paralelos são círculos con-
cêntricos equidistantes e os meridianos rectas convergentes (fig. 48). Mas a verdade
é que êle próprio, apenas no primeiro dos seus 27 mapas, que é o mapa universal,
adopta a projecção cónica equidistante; o hemisfério boreal é ai projectado sôbre
um cone tangenie à esfera terrestre ao longo do paralelo de Rhodes. Os 26 mapas
especiais reslanies são, nos mais antigos manuscritos da obra de Ptolomeu, dese-
nhados na mesma projecção rectangular de Marino de Tiro. conservando-se a devida
proporção do comprimento do grau de latitude para o de longitude no paralelo inferior da região repre-
sentada (')•
O geógrafo alexandrino sabe bem as dificuldades inerentes à repre*
4 sentação da esfera em plano, tratando de estabelecer primeiro os princípios
matemáticos desta representação. Outro foi, porém, o caso com os autores dos
portulanos medievais. Resultado da longa experiência prática de centenas de ma-
reantes que cruzaram por todo o Mediterrâneo, experiência que tomou expressão
e fórma em roteiros e esboços de mapas dos vários caminhos comerciais co-
mummente seguidos ao longo das costas, o chamado «portulano-normal» (").
compilação destas carias especiais, acabou por fixar-se no seu traçado modelar
pelas úllimas décadas do século XIll ('). Esta obra prima da cartografia medieval
compreendia as costas do Mediterrâneo e do mar Negro, muito mais exacta-
mente delineadas do que nas Tábuas ptolomaicas, e ainda a costa ocidenlal da
Europa e o noroeste africano. Os desenhadores dos portulanos, sem noção da
fórma esferoidal da Terra, não tomaram como ponto de partida um sistema defi-
nido de projecção. Os portulanos não tinham linhas graduadas de latitude e lon-
gitude geográficas; eram atravessados por loxodromias (-), ou rumos, linhas rectas na direcção dos dife-
rentes ventos, partindo de um cerlo número de pontos de cruzamento, regularmente distribuídos sôbre
rig. w
«omi> du mZn^'iae^pl^s%9^f^^^^ 'tlcm^nds de la Rcn^i^sance. Paris. 1890. pág. 124. Delambre. Nisloire de rastro-
Vi NordcnskjÓId. rjc-simile ãllas, pág. 6.
(') Nordcnskiòld, Penptus. pág. 16.
(') Ibidem, pág. 46.
«mnrMartn , ÍJl^ '""odromia é de origem erudita. Fonnado das palavras gregas loxos. obliquo, e drowos, carreira, foi
«rj/o J« S**' ^"''^ do século XVil. €• a linha do caminho percorridi pelo ni>/io
quanao segue Mmpre o mesmo turno, lazendo poilanlo o mesmo ingulo com os meridianos por onde vai sucessivamente pas-
90
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
o mapa. Estas rectas, irradiando de vários centros na direcçSo das 32 quartas da rosa dos ventos, for-
mam a teia das linhas de rumos, caraclerislica destas carias. Os autores do porlulano aplicaram o
melhor da sua habilidade a desenhar as costas dos países nas suas distâncias e situações azimutais
relativas, colhidas nas sucessivas navegações. A análise destas cartas, onde os rumos de norte-sul cor-
respondem à direcção dos meridianos e os de leste oeste à dos paralelos, levou a c! i las como
projecções cilíndricas rectangulares. Comparando a linha do contorno das costas do McuncLi.meo e do
Mar Negro, segundo um mapa na projecção de Mercator, com a que se vô em alguns porlulanos dos
séculos XIV e XV, conclui Nordenskjõld (Peripius, pág. 17) que a proiecçâo dèstes últimos se apro-
xima muito da de Mercator.
Azurara, na Crónica do descobrimento de Guiné, cap. 78, diz que até ao ano de 1446 tinl-.am
sido mandadas ao longo da costa africana 51 caravelas, e acrescenta: «E foram estas caravelas além do
Cabo (Bojador) 450 léguas. E acha-se que tôda aquela costa vai ao sul, com muitas pontas, segundo
que èste nosso príncipe mandou acrescentar na carta de marear^. Esta carta de marear, onde o Infante
D. Henrique mandou acrescentarias 450 léguas descobertas ao sul do Cabo Doiador, era cópia do por-
tulano normal, que se ia assim enriquecendo com novos dados experimentais.
Azurara informa ainda, a respeito dêste acrescentamento: «e o que se mostrava no mapa-
mundi, quanto ao desta costa, nào era verdade, cá o não pintavam senào a aventura; mas esto que ago-
ra é posto nas cartas, foi cousa vista por ôlho, segundo já tendes ouvido». O cronista distingue entre
carta de marear e mapa-mundi. Os atlas medievais continham geralmente, além das fôlhas corresponden-
tes às diferentes regiões compreendidas no portulano normal, um mapa universal, baseado no portula-
no e completado segundo os conhecimentos e ideias do tempo. E' o que sucede, por exemplo, no atlas
de Marino Sanudo que^ acompanha o Líber secretorum fidelium crucis, do coméço do século XIV. Quer
se refira a um destes mapas, quer ao mapa-mundi de Ptolomeu, Azurara regista que é no tempo do In-
fante D. Henrique que. pela primeira vez, se desenha com verdade a costa africana além do Cabo Bo-
jador.
Ao modo como se foi colocando na carta a costa da Guiné se refere Pedro Nunes no Trata-
do em defensam da carta de marear, que acompanha o Tratado da Sphera, Lisboa, 1537, contrapondo
ao processo de navegar, por distâncias e rumos, no Mediterrâneo, de que resultaram os porlulanos. o
processo seguido pelos portugueses já com instrumentos de altura; cNâo duvido que, se algumas terras
se podem por navegação verificar no que pertence a Cosmografia, são as costas do levante, assim por
as navegações, que por èle se fazem, serem mais frequentes que por outras nenhumas partes, como por
não caberem nisso grandes êrros. por os mais dias haverem vista de terra e saberem onde estão. E por
isto ser assim, nào curam os que por éle navegam de trazerem astrolábios nem instrumentos de altura
porque per rótas e estimação do caminho que tem andado fazem seus pontos; e se alguma hora se en-
ganam, não podem nisso durar muito. Mas porque, por discurso de tempo, as outras costas de ponente.
e Guiné se assenlaram por alturas...» (').
Quando os navegadores portugueses começaram a empregar os astrolábios e quadrantes para
determinar as latitudes geográficas, estas passaram a marcar se na carta de marear. A costa ocidental
africana foi-se prolongando, e à réde dos rumos acabou por acrescenlar-se um meridiano graduado, na-
turalmente o do Cabo de S. Vicente, que era considerado o mesmo de Lisboa, o a que D. João de Cas-
tro, chamava «meridiano das operações» (■). A èste meridiano referia Colombo, como já vimos, a longi-
tude de Saona, em setembro de 1494. Nordenskjõld, apreciando o atlas de Willem Barentszoon. Caert
boeck uande Midlandtsche Zee, Amslerdam. 1595. apresenta-o como uma prova da influência dos mapas
e roteiros, compreendidos nos porlulanos medievais, sôbre as cartas marítimas impressas no fim do sé-
culo XVI. E referindo-se à folha dèsse atlas que representa as cosias próximas do Estreito de Gibraltar,
onde se vé um meridiano graduado, passando junto do Cabo de S. Vicente, diz: *Penso que esta carta
marítima é baseada em mapas Portugueses e que lemos aqui uma reminiscência da introdução,
pelos homens do Príncipe Henrique, o Navegador, do método de determinar a posição do navio por
meio de observações de latitude» ('). Éste meridiano, graduado em partes iguais, é uma escala de latitu-
(') Pigina 15.» do Tratado em defentam, e pig. 131 da edlçJo fic-slmilada do Tratado da Spherã.
Cí Roteiro de Lisboa a Goa, Lisboa. I8S2, pág. 197. nota 1.
(') Nonlenskiõld, Fãc-simile Atlas, pig. SI.
91
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
des, com os graus de igual dimensão em tôda a extensão da carta. Nos portulanos medievais havia
sempre (embora falte em muitas reproduções) uma escala das milhas para avaliação de distâncias. Esta
escala e as linhas dos rumos era quanto bastava para a navegação pelo processo dos rumos e distân-
cias estimadas. A graduação do meridiano trouxe para a carta marítima a consideração da grandeza do
grau e portanto das dimensões do globo terrestre, resultado do emprego do processo de navegação por
alturas e rumos. O acrescentamento, porém, da graduação merídiana veio trazer complicações, porque se
começou a notar divergência entre as latitudes determinadas por observações directas e as que se de-
duziam pela carta. Por isso Diogo Gomes achava o seu quadrante (pág. 54) melhor que a carta.
Depois da graduação do meridiano introduzíu-se também a graduação dos paralelos na carta
de marear, que assim tomou a fórma da projecção de Marino de Tiro. O professor Hermann Wagner con-
sidera o mapa de Toscanetli. a quem chama «Marinus redivivus» ('). como a primeira carta marítima do sé-
culo XV, de que há notícia, nesta projecção. O mapa que acompanhava a carta escrita por Toscanelli ao
cónego Martins (') em 1474 era desenhado sôbre uma rêde de malhas rectangulares formada por meri-
dianos e paralelos eqiiidislantes (fig. 49 e atrás, pág. LXXXVII). Os lados de cada rectângulo estavam,
segundo H. Wagner, na proporção simples de 4 para 3, que é a proporção do comprimento do grau do
equador para o do grau do paralelo de 4lo, em que Toscanelli, seguindo Regiomontano, situava Lisboa.
Os graus de latitude, marcados na direcção dos meridianos, eram de 66 milhas e dois terços de milha,
que Toscanelli atribuía ao grau do circulo máximo teneslre C), do que resultava para o grau do parale-
lo de Lisboa a extensão de 50 milhas (J - 50 66 ]). e os graus de longitude têm no mapa este nú-
mero de milhas em todos os paralelos. O paralelo de Lisboa tinha assim
a mesma importância fundamental do paralelo de Rhodes na carta de Ma-
rino. O mapa toscaneliano resultava da projecção sôbre um cilindro per-
pendicular ao equador, o qual interceptava o globo terrestre segundo um
círculo menor, o paralelo geográfico de Lisboa. Era uma caria plana
rectangular.
Depois que as naus portuguesas navegaram ao sul da linha
equinocial as longitudes contaram-se no equador, e portanto em graus de
circulo máximo como as latitudes. Assim se chegou à «carta plana qua-
drada», que é uma proiecçào cilíndrica equidistante, em que o cilindro de
projecção é tangente à esfera terrestre ao longo do equador.
O uso da carta plana mostrou que a rêde das linhas rectas
dos rumos se não harmonizava com a graduação das coordenadas geo-
gráficas. A causa dos èrros da carta começou a ser estudada por Pedro
Nunes, em cujo tempo havia queixas gerais contra ela, como éle próprio
declara. Estudando a natureza da curva descrita pelo navio, quando prosse-
gue sempre num rumo constante e corta portanto sob um mesmo ângulo os
meridianos sucessivos, curva a que depois se chamou loxodromiã. viu que
ela nâo era um arco do círculo máximo, mas sim uma espiral, linha torsa
ou de dupla curvatura, e que só em dois casos especiais era plana:
quando o rumo seguido era de norte-sul, caso em que é um círculo má-
ximo, um meridiano: e quando o rumo era de leste-oeste. caso em que é um círculo menor, um paralelo.
Assim diz Nunes no Tratado em defensam: «... o caminho que se faz per uma róia não é por círculo
maior, que é o direito e contínuo, pois sempre fazemos com os novos meridianos angulo igual ao com
que partimos, o que era impossível fazer círculo maior, se por êle fôssemos: antes é uma linha curva e
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' ^^'^ ^«"'«/«■^-r/í. plg,. 250, 257-261. O grau equatorial de 66 \ milhas,
lie «r/oSl"^rrT'?^^ ° ^ "^9"»- «•"^ -^^^^ dissemos (pig.
75), *«« valor poderia ler «do lembrado a Toscanelli pela conversação de F. Madlns. como adop.ado já em Portugal
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
irregular» ('). E acrescenta um esquêma com as linhas dos rumos nordeste sudoeste e lesnordesle-oes-
sudoeste, e suas simétricas relaliuamente ao meridiano, as dos rumos noroesle sueste e oesnoroeste-
lessueste. A fig. 50 é reprodução reduzida do esquêma de Pedro Nunes; a fig. 51 (') representa as mes-
mas linhas em projecção estereográfica polar. Assim as loxodromias sáo estudadas, pela primeira vez.
em 1537 por Pedro Nunes, que trata de explicar os êrros da carta plana e tenta corrigi los.
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rtg. M, raprotfuilda do Tratado d« P. Nun««, com rtdutlo d«
FlR. II
iComo pensa Pedro Nunes que se podem remediar estes inconvenientes da carta de marear?
Recorrendo ao processo seguido por Ptolomeu nas 26 cartas das regiões especiais: «Mas o melhor seria
para excusarmos todos estes trabalhos, que íizéssemos a carta de muitos quarteirões, de bom compasso
grande, nos quais guardaremos a proporção do meridiano ao paralelo do meio. como (az Ptolomeu nas
táboas das províncias» Trar-se há a carta em livro. Nos quarteirões, onde não houver terra que pas-
se de 18 graus de altura, podem fazer se todos os graus iguais ao do meridiano: nestes a projecção
seria plana quadrada. Nos quarteirões de mais altas latitudes far se hão os graus de longitude iguais
aos do paralelo médio, «porque o que por uma parte se acrescenta, pela outra se diminuí»; nestes a
projecção seria plana rectangular.
A solução não estava, porém, no atlas de Ptolomeu. A carta de marear precisava de modifi-
cação diferente, que foi a que apareceu na célebre carta de Mercator. de 1569. Os graus dos paralelos
vão sendo, na esfera, cada vez menores, desde o equador para os pólos; mas como na carta plana qua-
drada eles são sempre iguais ao grau do eqiiador, segue se que. na carta, os graus de longitude vão
sendo aumentados cada vez mais na direcção dos pólos. Os graus de latitude, porém, marcados nos
meridianos, são todos de igual grandeza. Mercator, na carta de 1569, vai aumentando os graus de la-
titude a partir do equador na mesma proporção em que crescem os de longitude. Assim a carta plana
quadrada foi reformada, saindo dela a nova carta de latitudes crescidas, que é a projecção cilíndrica
isogónica. chamada de Mercator. Sendo a projecção isogóníca, isio é. conservando-se nela os mesmos
ângulos que as linhas fazem sobre a esfera, as loxodromias, visto cortarem os meridianos sob um mes-
mo ângulo, também na carta cortarão as rectas paralelas, que os representam, com ângulo igual, e por-
(■) Pijina 0.a do Tratado em defensam, e pág. 124 da reproduçlo fac-similada do Tratado da Sphera.
O Devemos esta iígura à amabitidade do nosso colega na Faculdade de Sciínclai. Snr Dr. Joio Pereira da Sil-
va Dias, que lambém nos lêz lavor de desenhar um grande número das figuras d&ite Capitulo. Aqui lhe contlgnamoi os not-
60S agradecimenlos.
(*] Página 22.> do Tratado em áetensim, t pig. 139 da reprodução lac*ilmllida do Tratado dê Sphera.
93
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO DRASir.
tanto transformar-se hão em linhas rectas ('). Nâo sucedia âssim na projecção plana quadrada, por esta
não ser isogónica. A figura (Fig. 52) permite comparar as loKodromias de nomordeste (NNE). nordeste
(NE) e lésnordeste (E N E) como elas deviam ser exactamente desenhadas (as curvas pontuadas) numa
caria plana quadrada, com as loxodromias rectas da carta de lalitudes crescidas. Os paralelos da prí*
meira carta esiào pontuados (representam-se os de 30°, 60° e 90» de latitude), e os correspondentes da
carta de Mercator são os de traço continuo. A correspondência entre os pontos da mesma loxodromia
nas duas projecções é estabelecida pelos meridianos,
MC representados pelas paralelas que na carta correm
debaixo para cima.
O professor Hermann Wagner (*), de Goet-
tingen, é de opinião que Mercator foi levado à sua
projecção por uma figura como esta. Tendo traçado
NC numa carta quadrada as curvas lo><odrómicas a partir
de um ponto do equador, traçou também as suas tan-
gentes neste mesmo ponto. Projectou, na direcção dos
meridianos, sôbre as tangentes, os pontos de inter-
cepção das curvas com um mesmo paralelo, e viu que
estes pontos ficavam todos sobre um novo paralelo
mais afastado para o pólo. E assim teria sido levado
a afastar os paralelos cada vez mais na direcção dos
rsjc pólos, para transformar as curvas loxodrómicas em
ENE rectas, tornando compatíveis na, carta de marear, assim
modificada, as linhas rectas dos rumos com as gra*
duações de longitude e latitude (").
Pedro Nunes, no Tratado em defensam da
carta de marear, diz: «Mas porque meu intento, nesta
pequena obra, é desculpar a carta das culpas e êrros
de que todos geralmente a acusam, e não as igno-
•* 90' 180' rãncias, enganos, porfias e contumácias dos marean-
rig. u les....» (*). Pedro Nunes censura demasiadamente as
ignorâncias dos mareantes. Dêles se não podia exigir
que fossem Iodos homens de sciência como D. )oão de Castro. O papel dos sábios, para ser verdadei-
ramente util. é fornecer aos homens d 3 prática processos simples, ao seu alcance, com que possam
resolver bem os seus problemas. Desde a idade média que os navegantes estabeleciam, na rêde dos rumos
rectilinios dos mapas-porlulanos, o princípio fundamental da carta dc marear que lhes convinha. Quando
se lhe juntou a rede quadrada dos meridianos e paralelos equidistantes, esta ficou incompatível com a
primeira, pois na carta plana quadrada as loxodromias deviam ser linhas curvas. Mercator, modifi-
cando a graduação das latitudes com a adopção das latitudes crescentes, tornou rigorosamente rectas as
linhas dos rumos, e deu aos mareantes uma carta em que os seus problemas podem ser resolvidos com
exactidão pelo emprégo simples do compasso e régua. A sua carta de 1569 marcou uma época nova na
arte de navegar.
(') Èttc simpifí rariocfnio geométrico 6 feito por Pedro Nunes na 2.» página do Tratado em defensam da carta
de marear: •£ a«i como o caminho, que iazemos, faz com 03 novos meridianos igual .ín<iulo ao com que partimos, assi mes-
írio M CJfla. qii -enla o Univerjo, faz sempre a mesma nSla com os meridianos ângulos iguais, potos ditos meridiano»
WTtm Unha» d cquidisiantes, que. com a lerceira linha, que é a per que se laz o cammho. causam de denlro c de
qulos i? é a ra2.1o porque foi necessário serem os rumos de norte sul. e quaisquer outros de um mesmo
!. Ilhas dii .i.inic3>. Para aplicar-se, porem, tal raciocínio ã caria plana quadrada, seria preciso que ela gozasse
úà piopriedade de ser iãogonica.
(*> Hermann Wagner, G. Mercator und díe ersten Loxodromen auf Karten, in Annalen der Hvdrodraphie.
Hamburg. 1915. pjg, 350. r » p .
(■) Desla maneira Mercator teria determinado grítlcamentc as latitudes crescidas. Segundo NordenskjÕld (Fac-si-
mlle Attês, pág. 96) £te leria calculado eslas latitudes, de 10 em IQ graus, pela fórmula aproximada 1' - V »o
onde l'y é a latllude crescida correspondente 4 latitude verdadeira f, sendo unidade o comprimento do grau eqiiatoriaL Como
é sabido, a lórmula exacta das latitudes crescidas, ou partes meridionais, é f ^Af, _ |™ _' (90 + ç),
O PigltK 8-* do Tratado em defensam, e pig. 124 da reproduçSo Iac-simliada do Tratadolda Sphera.
94
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
Pedro Nunes nao deu a solução cartográfica da quesláo que a caMa de marear suscitava no
seu tempo, mas contribuiu para ela. Era para isso íundamcnial a consideração da natureza da curva
r^/^í/n w"c\''"*''" ^LT^'"° P^**^*» tratados que acompanham o
/ra/a!Ío da Sphera. publicado em Lisboa, em 1537. que sâo: o Tratado sôàre certas dúvidas da nave-
gação e o Trjtjdo cm defensam da carta de marear. E mais desenvolvidamente versa êste mesmo
"rm o'^!"' i^""^ '^'^^ s^ enconira na edição de parte das suas obras,
leila em Bàle: Petn Nonii Opera. Dasileae. 1566. O globo terrestre de Mercator. impresso em 1541. em
LOvama. sàbre 12 fusos destinados a cobrir uma esféra de 1-^.29 de circunferência de círculo máximo,
orerece a circunstancia notável de nèle correrem, sôbre os mares, feixes de loxodromias. irradiando de
varias rosas espalhadas pela carta. Estas loxodromias sâo curvas torsas. desenhadas com grande
exactidão. Mercator. que viveu em Lovaina até 1552. devia conhecer a obra portuguesa de P Nunes de
1537 em que se trata iá da curva loxodrómica. Se P. Nunes nâo indica aí processo prático para o 'seu
traçado sobre um globo, clama bem a necessidade de tal traçado se fazer com rigor, chamando a atenção
para este ponto, quando se queixa dos construtores de globos: .... e porque estes que fazem globos
nao sabem lançar neles rumos, nâo sentem isto. e assim fica tudo bem borrado, posto que nos tais
globos haia muito ouro. e muitas bandeiras, Alifantes e Camelos, e outras cousas iluminadas • C)
Pedro Nunes concorreu para a transformação que a carta de marear tinha de sofrer, com o estudo fun-
damental: a teoria dos rumos ou loxodromias. que êle foi o primeiro a apresentar.
iComo foi éle levado a êste estudo? Em 1533. Marlim Afonso de Sousa, regressando da sua
viagem pelas costas do Brasil ('). apresentou-lhe certas dúvidas que lhe suscitára a navegação que vinha
de fazer. Uma delas resultava de ter êle observado, em qualquer parte onde se achasse, nascer lhe o
sol em leste nos dias tios equinócios, quando o sol andava no equador; disto concluía Martim de Sousa
que, se êle fosse com a prôa do navio sempre em leste, devia ir ter ao eqOador. o que nâo succedia.
pois. num rumo constante de leste, o navio seguia um paralelo. Eis a questão que levou ao estudo dos
rumos, ou loxodromias. o matemático Pedro Nunes, que assim foi solicitado pelo navegador. Por seu
turno, dêsle estudo teórico aproveitou o cartógrafo flamengo, que. em I54I, traça com rigor num globo
as curvas dos rumos, e em 1569 altera a escala das latitudes, de modo que estas curvas sejam rigorosa-
mente transformadas em linhas rectas sôbre a caria. O navegador pôs as suas dúvidas a propósito da
róta em rumo de leste; o matemático faz. meditando sôbre isso. a teoria das curvas loxodrómicas; e o
cartógrafo modifica depois o sistema de projecção, para as representar por linhas rectas, como convinha
à prática da navegação.
16 — MARÉS
™^ UARTE Pacheco Pereira, no Prólogo do seu Esmeraldo de siíu orbis. enumerando os as-
í^m. suntos de que se ocupará, cita entre éles o estudo das marés: «e o mesmo as marés,
se são de nordeste e sudoeste assim como as da nossa Espanha, ou se são de norte
e sul, ou de leste e oeste, ou de noroeste e sueste, as quais, para entrarem c saírem
nas barras e bócas dos rios, sâo forçadamente necessárias» ('). Trata das marés nos
capítulos II e 12 do primeiro livro, escritos no ano de 1505. Começa por citar a opinião dos astróno-
mos sôbre o período da lunação ou revolução sinódica da lua: «Item. Primeiramente devemos notar co-
mo os astrólogos afirmaram que da hora que a lua é nova e em conjunção com o sol. a que o indoclo
vulgo chama antrelunho, até à hora que torna outra vez à dita conjunção e novilúnio, passam 29 dias.
Página 15.» do Tratado cm defensam, e pig. 131 da reprodução lac-stmilada do Tratado da Spitera No Trê-
IS duvidas de navegação (pág. 110 desta reprodução lac-6Ímilada). relerlndo-se aos dois modo» de naveoar, ou
tado sõbrc certas nuiít^^iuií tK^a- uiam ii;|jiuuul<iu idL-BimujiuAj, rvivnnao-se aos aois tnooos Qt navegar
seguindo um mesmo rumo (navegação loxodrómica) ou um círculo máximo (navegaçio orlodrómlca). e obiervando- <E posto
que para cada um désies modos sirva mais a poma rumada como convém, que nenhum outro planljlérlo • sugeria natu-
ralmente a Mercator a execução do seu globo, que é uma poma rumada. Isto <. uma cslera coberta de llnhat de rumos.
(') Dcsfa viagem de Martim Alonso de Sousa, primeiro donatário da capitania de S. Vicente, e primeiro colonlii*
dor do Brasil, exisle o Diário da navegação da armada que toi à Terra do Brasil em IS}0 sob a capitania már de Mar-
tim Afonso de Sousa, escnpto por seu irmão Pero Lopes de Sousa, publicado por F. A, de Varnhagcn. Lisboa, 1839.
(') Esmeraldo de situ orbis, edição da Sodedade de Oeoaralla, UstKM, 1905, pág. l
95
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
12 horas e 33 minutos, e em cada 24 horas depois da dita conjunção, que é um dia natural, ela se
aparta do sol quatro quintos de hora...» ('). Mas êle prefere, por motivos de ordem prática, adoptar,
como os marinheiros, três quartos de hora, em vez de quatro quintos, para medida do afastamento diário
do sol e da lua: «Item. Entre os astrólogos e os marinheiros há uma diferença sòbre o curso da lua,
porque os astrólogos dizem que da hora da sua conjunção e novilúnio, em cada dia natural, que é de
24 horas, até à hora em que é cheia e em oposição do sol, quatro quintos de hora se arreda do mesmo
sol, e passada a hora da sua oposição e plenilúnio outros quatro quintos se vai ao sol achegando até
ser com éle outra vez em conjunção...; e os marinheiros dizem que neste curso da lua se não anéda
ou achega ao sol em cada dia natural mais de trés quartos de hora que releva uma quarta pela agulha
de marear; assim que entre èles há um vintavo de hora de diferença, e postòque os astrólogos nisto
tenham a verdade e os marinheiros não, por êste conto ser tam pouco que não releva senão três minutos
e nâo faz dificuldade nem èrro sensível às marés de que esperamos tratar, portanto seguiremos a opinião
dos marinheiros, porque as marés mais ligeiramente se tiram pelo conto da agulha de marear que por
outra guisa, segundo os ditos marinheiros d'anliguidade seguem e praticam* C).
A razão porque Duarte Pacheco prefere os 45
minutos dos marinheiros aos 48 dos astrónomos de
então (os de hoje contam 51 >«) («) é prestarem-se melhor
os três quartos de hora à avaliação que os marinheiros
faziam dos movimentos circulares, contando os pelos rumos
da agulha de marear. Assim, em vez de avaliarem o mo-
vimento diurno do sol nos ângulos horários contados desde
o meridiano, expressos em graus ou^horas, imaginavam uma
Rosa dos ventos colocada paralelamente ao equador com
o Sul para cima e o Oeste para ocidente, e indicavam pelos
rumos, meios rumos e quartas, a situação do sol no para-
lelo por êle descrito nas 24 horas. A figura junta (Fig. 53)
mostra a correspondência estabelecida pelos marinheiros
entre os rumos da Rosa e as 24 horas do dia. Ao melo-
dia o sol estava no Sul, às três horas da tarde em sudoeste
(SO), às seis horas em oeste, às nove em noroeste ÍNG);
à meia-noite dizia-se no Norte, às trés horas da manhã
em nordeste (NE), às seis em leste e às nove em sueste
rig. D (SE). Os intervalos de rumo a rumo (entre os oito rumos
principais) correspondiam, pois, a três horas, os das meias
partidas ou meios rumos a hora e meia, e cada quarta valia precisamente três quartos de hora; assim
decorrida hora e meia depois do meio-dia, dizia-se que o sol estava em sussudoeste (SSO), e três
quartos de hora depois do meio dia estava ao sul. quarta de sudoeste.
O movimento diurno da lua contava se assim pelos mesmos rumos da agulha. E' preciso não
esquecer que a Rosa não eslá horizontal, mas se imagina paralela ao equador, ou, como se dizia no
tempo, paralela ao movimento do Primeiro Móbil. Seguindo a figura, é muito claro o que diz Duarte
Pacheco sòbre o cômputo das marés na costa atlântica da Península hispânica, desde o Estreito, por
Portugal e Galiza, até Biscaia:
*Quem o conto das marés quiser aprender, para que bem entenda, é necessário que primeiro
saiba todolos rumos da agulha de marear com suas quartas e meios rumos, porque nisto jaz todo o
fundamento desta cousa e d"outra maneira não no poderá saber; e os marinheiros e pilotos que danli-
fiuidade isto praticaram, primeiramente souberam os ditos rumos, quartas e meios rumos, e por ali puseram
em ordem o encher e o vasar do mar nesta província de Espanha e em outras partes segundo a diferença
das marés, começando do Rio de Barbate dAndaluzia até toda a Galiza e maior parte de Biscaia; o
(■) Ibidem, pág. 43.
(*) ibidem, págs- 43, 44.
dl* SI mlnuílí. S/t™»»'^?,'*' fíí^ * <le l2oll.'4 do ()u« rcsulu chegar éla ao meridiano cm cada
hjiajâo é » dias uCíí^rí 2- 9^^ ° correspondiam a um airaso de 12 graus inlelros. O valor médio da
96
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
n^sL mentir/ ^^ . ^^'^^ ^ ""^ «is de va.ante. procedendo
Les e Toer^!! ' ^ '"^'^ Mordeste e sudoeste praiamar;
INOoSfT T'""' ' ^ no rumo de noroeste e sueste
èntán ,Pr^ / ""'^^ '''"^ Espanha. e quando fôr no rumo de norte e sul [NeS].
mar de nH^^L^"" '^"'v' "° "^^^^^'^ <^ I^E e S0|. entáo será o
estL ma éfV. l',^'"' chegando a Lua em leste e aloeste lE e 0|. então será meia água vazia; e
estas mares faz em tôda a costa de Espanha e parle da Berbéria, do Estreito de Ccula para fóra e ora
a Lua seia nova. ora meia. ou cheia, sempre nestes rumos faz a dita maré» (').
í m.ri ^ em conjunção com o sol. os dois astros andam no mesmo rumo. e nesse dia
va^an ^ nm^h ^"^ t"''*'"" ^ ^ '^^^ '"^^ ^ da n^anh.l. e
^fíJllc '"^"^^ '""^ ° ^ "o^o^ie. Duarte Pacheco enumera
as lases por que vai passando a maré. - um oitavo de água cheio, um quarto de maré cheia, irès oitavos
ulin. • '^"'^ Península, com a passagem dos dois
lummares nas quartas sucessivas da Rosa eqUatorial.
f,cn A ^^"'''^ conjunção a lua afasta-se do sol uma quarta em cada 24 horas; para se saber a
tase da mare em qualquer dia e hora. tem por isso de conlar-se. a partir do rumo do sol. correspondente
â hora. tantas quartas quantos os dias da idade da lua nessa data. Assim se sabe o rumo em que está
a tua e portanto a maré: «e quem esta maré houver de tirar para se aproveitar dela. veja em que rumo
d agulha, quarta ou meio rumo é o sol. e então conte quantos dias são passados da hora da dita conjunção,
contando por cada dia uma quarta até os 15 dias. ou menos, se menos forem, e onde lhe ficar a lua
aquela maré tera, s., se fòr ao sueste será baixamar, e se fôr à quarta do sul, um oitavo de água cheio
e assini vai procedendo como atrás é dito. ('). Finalmente termina por observar: <e sabida esta ordem e
modo de se tirarem as marés de Espanha, por ela se saberá em outras partes, onde maré houver, se
sao desta qualidade ou não* (').
VA A a "^osla africana e a navegação ao longo dela. vai Duarte Pacheco indicando a
qualidade das mares; assim nos diz que na foz dos rios Senegal, Rio dos Barbacins. Gambea. Rio Grande
e Kio Formoso (") a mare era de noroeste e sueste, o que significa que em tais lugares tinha lugar a
praiamar quando a Lua estava nestes rumos, os mesmos em que era baixamar nas costas da Península.
For ISSO as classifica de contrárias às nossas: .e êste Rio Formoso se aparta em ladeza da linha equinocial
contra o pólo árctico sete graus, e tem a maré de noroeste e sueste, contrária às da nossa Espanha- (•)
No Rio dos Forcados a maré faz já diferença de uma quarta: -e a maré dêste Rio ó de noroeste e sueste
e toma a quarta de leste e oeste» (^).
O conhecimento das marés não era só necessário para a entrada e saída nas barras e bôcas
dos nos. Nos combates que susteve em Cochim. em que obteve Iam espantosas vitórias sôbre o rei de
Cahcut. esteve êle sempre alento à marcha das marés, que soube aproveitar com vantagem.
«Nos braços do salgado e curvo rio» (•),
Quando teve de guardar ao mesmo tempo o passo do vau, por onde os índios só podiam atacar na
baixa-mar, e o passo de Palurte, dispôs assim as suas poucas fôrças navais (dois bateis e duas carave-
las): -e por ésie passo do vau ser tam perto do de Palurte fazia Duarte Pacheco conta que o guardaria
na vazante da maré com os bateis, e o de Palurte ficaria guardado com as caravelas E vendo que o
não cometiam, tornou se a Palurte com a enchente dágua, e com a vazante se tornou ao vau, e assim
se revezava de dia e de noite nas vazantes e enchentes com muitas calmas e chuvas, e com outros mui-
tos trabalhos que passou com os seus em um mês e vinte e três dias depois que se mudou do passo
de Cambalão.» (') E na ante manhã do dia em que o rei de Calicut lhe deu o quarto combate, dizia Pa-
checo aos companheiros: «e tende por sinal disso |da ajuda de Deus) ser hoje baixa mar ao meio dia
até cujo lermo não podem os inimigos cometer o vau, e por a fôrça da sua peleja ser até estas horas,
(') Eimrrãído de sltu orbis. LIsboi, 1905, pig. 44,
Cn Ibidem, pig. 47.
C) Ibidem, pigs. 78. 86, 67, 91 t 119.
(*) Ibidem, pig. 119.
(*) Ibidem, plgs. 120. 121.
(■) Os Lusíadas. Canto X. 13. Camdes cttam* saigado to rio de Cochim. psra tembrar que toÍ na parle do rio Inva-
dida pelas marés que livrram lugar 05 combales, o que Pacheco teve eempre em vitta nac dlipotiçOes tomadu.
O Caslanheda. Historia do descobrimento da índia, Uvro I. Cap. 73.
97
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
se até elas lhe defendemos éste passo |o de Palurte) como espero: eu vos dou por seguro o vau.* (') E
ao meio-dia, lendo acabado de desbaratar o grande número de paraus que pretenderam aferrar as cara-
velas, acudiu com os bateis ao passo do vau, onde a vazante permitia a entrada da multidão de inimi-
gos que iam sôbre Cochim. e aí os deteve, ale que a subida das águas, já tintas de sangue, os obrigou
a retirar. el-rei de Calicut ficou tam agastado e triste por o senhor de Rcpelim não aferrar as cara-
velas, nem seu irmão entrar o vau, que lhes disse a ambos palavras muito injuriosas.» (')
No Regimento da Biblioteca de Évora (1517) vem a «Regra para saber as marés a qualquer
hora do día>. fundada na diferença diária de 48 minutos da Lua a respeito do Sol: «E assi deves saber
que a cada dia da lua vai acrescentando quatro quintos de hora.»
Pedro de Medina, no seu Regimiento de Navigacion, impresso em 1552, chegando ao «Nota-
ble quinto, de ta cucnta de la luna v como vienen las marcas», diz primeiro *que la luna da buelta en
el cielo en 24 oras v quatro quintos de una ora. que son los doze grados que anda mas que el sol.»
Mas a seguir prefere, como Duarte Pacheco, referir as marés aos ângulos horários da lua, expressos nos
rumos da agulha. Depois de explicar que é praia-mar quando a lua chega a Nordeste ou a Sudoeste,
meia maré minguada com a lua em Leste ou a Oeste, a vazante com ela em Sueste ou Noroeste, e meia
maré crescida com a lua no Sul ou ao Norte, adverte expressamente: «Notad que estos vientos no se
han de ymaginar en el orizonte donde el aguja los seiiala: mas han se de imaginar sobre el Norte:
puesto en angulo debaxo dei orizonte: y el Sol y la Luna al movimiento dei primer móbil». Pedro de
Medina julga necessário lembrar aos pilotos que, para aquele cômputo, se não trata da agulha por que
se dirige o homem do leme, mas se tem de imaginar uma Rosa dos ventos, colocada paralelamente ao
movimento diurno, isto é. ao equador, ficando o Sul para cima e o Norte abaixo do horizonte. Parece
que os pilotos portugueses do tempo de Pedro Nunes tinham tendência a esquecer esta circunstância,
vista a censura que êste lhe faz no Tratado em defensam da carta de marear:
«Acostumam também os pilotos vêr a hora que é pelo rumo em que vai o sol, porque, se está
ao sudoeste, dizem que são três horas depois de melo-dia, porque o sudoeste toma da agulha quarenta
e cinco graus, que são (rês horas dando a quinze graus uma hora, e conforme a isto fazem sua conta
para saber a hora. Mas se isto assim fôsse, escusados seriam relógios, os quais ainda em diversas alturas
se mudam, e se o êrro não fora grande não falara nisto. Parece-me que quiseram medir todalas cousas
com agulha, e não lhes estranho ignorarem a diferença que há entre o que o sol anda em respeito do
horizonte e o que anda em respeito da equinocial, por círculos paralelos a ela. Mas quero-lhes amostrar
quam mal sabem sua arte» V).
Antes disto escrevêra êle: «Bem sei quam mal sofrem os pilotos que fale na índia quem nunca
roi nela e pratique no mar quem nêle não entrou» ( ). Em compensação Pedro Nunes, que nunca navegou,
é por vezes demasiado áspero para com os pilotos. No tempo em que êle isto escrevia, 1537. os grandes
descobrimentos estavam feitos. Acudia já muita gente ao comércio marítimo e era naturalmente difícil
obter bons mareantes em número bastante para as necessidades da navegação. Para os navegadores que
fizeram as descobertas tem porém palavras de iustiça e admiração no começo do mesmo Tratado: «Não
há duvida que as navegações dêste reino, de cem anos a esta parte, sâo as maiores, mais maravilhosas,
de mais altas e mais discretas conjecturas que as de nenhuma outra gente do mundo» (').
A censura por êle feita aos pilotos seus contemporâneos, que aplicavam mal as regras, não
podia dirigir-se aos que primeiro as formularam. Duarte Pacheco não confundia ângulos horários com
ângulos azimutais. Sabendo como os marinheiros melhor avaliavam os ângulos em quartas do que em
graus, achava mais pratico adaptar as regras aos seus usos. Os homens do mar entendiam bem os movimentos
angulares da rotação do sol. da lua e das estrelas, contando-os por uma Rosa imaginária perpendicular
ao eixo do mundo. Assim quando, por exemplo, diziam que as Guardas da Ursa Menor iam em sudoeste.
*les tinham na mente a roda atrás transcrita (figs. 27 e 28) do Regimento de Évora, e bem sabiam que
se não tratava do rumo de sudoeste da agulha de governo do navio, mas sim de um «rumo horário».
(') a»lanti«Ja. Historia do descobrimento dã índia. Livro I Cap 73
O Páfl. 141 da ediçAo fac-slmiUda do rrj/jdo da Sphera de Pedro Nunes.
O Ibidem, pig. 126.
(*) ibidem, píj. 117.
98
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
Resta-nos dizer como se informavam os marinheiros a respeito
da Idade da lua. isto é. do número de dias decorridos desde a sua con-
junção com o sol. No primeiro grupo de tábuas quadrienais de declinação
solar, do Liuro de Marinharia, a coluna dos dias do mês é precedida
por uma coluna intitulada Lua, que serve para se procurarem os dias de
lua nova. sabido o áureo número do ano. Transcrevemos as duas colunas
que precedem a das declinações nos meses de janeiro e abril do ano
bissexto ('). Na coluna Lua entra sc com o áureo número. Se éste é. por
exemplo, 19. como no ano bissexto de 1500, corre-se a coluna até o
encontrar, e vê-se que êle está em frente dos dias I e 30 de janeiro, e
do dia 28 de abril. Nestes dias foi lua nova. e a partir dêles e dos ana-
logamente achados nos outros meses, se conta a idade da lua. Assim
verificamos também que, quando Mestre João escreveu de Vera Cruz,
em I de maio de ISOO. a sua caria ao rei D. Manuel, em que lhe manda
um esboço das estrelas austrais, éle pudera, nas noiles anteriores, obser-
var bem as esirélas. que brilhavam em todo o seu fulgor num céu sem lua.
O cálculo do áureo número fundava-se na regra simples de
juntar 1 ao ano de que se trata, e achar o resto da divisão por 19. Assim,
para o ano de 1500, procurava se o resto da divisão de 1501 por 19, e
como o resto é nulo. era. nêste caso, áureo número o próprio divisor 19.
O preceito que se lè no Liuro da Marinharia:
«It. para saberes os áureos números, depois de saberes a era,
darás de - 1000— 12. e de - 100 - 5, e de - 20 — i« ('),
quere dizer que se substitui, no ano da dala. o milhar por 12, cada cen-
tena por 5 e cada vintena por I, porque 12. e 5, e 1. sâo respectivamente
os restos da divisão de 1000, de 100. e de 20. por 19.
A seguir lêem-se as regras para. sôbre a mão. contando pelas
juntas dos dedos, se fazer o cálculo do áureo número, da letra dominical
e dos dias da lua nova em cada més
O emprego da mão nos cálculos do calendário era já usado pelos
navegadores medievais, como mostram as mãos desenhadas numa das folhas
do portulano de 1384 (') (porlol. Pinelli - Walckenaer) que se conserva no
Drilish Museum.
O nosso Gonçalo Trancoso, aulor dos Contos e Historias de
Proveito e Exemplo, compôs, em 1565. a Regra geral para aprender pela
mão as festas mudáveis, que foi impressa em Lisboa, em 1570 ("). Aí
explica, no cap. 2.o, «como se saberá quantos são de áureo número cada
ano>; no cap. 6.o, «como se achará, pela mão. a leira dominical, com alguns
exemplos ao propósito>: e no cap. l2.o como se saberá, pela mão, quando é
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27
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28
11
29 1
8
29
19
30 1
30
8 ;
31 1
a lua nova».
(') Livro áe Marinhariê. Utboa. 1903, coordenado por Drilo Rcbclio, pigs. 61 e 62.
(») Ibidem, pág. 42.
O ibidem, págs. 42, 43.
(') NordensWjold, Períplus. mapa XV. reproduzido do Atlas do Visconde de SanUr^m.
(•) Regra geral para aprender a tirar poia mio as festas mudáveis, que vem no anno, a aual ainda aue he
arte antiga está per lermos mui claros. Novamente escrita por Gonçalo Femandc» Tranquoso. Impressa em caw de Francisco
99
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
17 — O SABER NAUTICO PORTUGUÊS NA EPOPEIA NACIONAL
S dois manuais náuticos portugueses, conhecidos pelos nomes de Regimento de Munich e
Regimento de Évora, constam de duas parles bem dislinlas: uma. própriamente prática,
contém o regimento do sol ao meio dia. o regimento da estrela do norte, uma lista de
latitudes geográficas, o calendário, e as tábuas de longitudes e declinações solares; a outra,
destinada à instrução teórica, é o Tratado da Esfera do mundo, traduzido do latim em
linguagem. Esta parte é a versão portuguesa do livro De Sphaera. compêndio de asircnomia escrito no
século XIII pelo frade inglês ]oâo Sacrobosco. Neste compendio, que teve tam largo sucesso, expôe-se a
feoria geocênirica de PloIomeu.com os planetas distribuídos pelas sele esferas, as eslrêlas situadas na
oitava, e por fóra o primeiro móbil, a nona esfera, propulsora do movimento diurno. Mas as esferas não
sâo puramente geométricas; são esferas sólidas, cristalinas, como os árabes as concebiam, à maneira de
Aristóteles, considerando-as feitas da quinta essência, que era distinta dos quatro elementos que cons-
tíluTam o mundo sublunar.
O sistema dos nove céus era já conhecido de Azurara, como mostra o começo do Cap. XXV
da L/ironica de Guiné, acabada de escrever em 1448:
•Oh tu celestial padre, que com lua poderosa mâo, sem movimento de lua divinal essência, go-
vernas tôda a infinda companhia da lua santa cidade, e que (razes apertados todolos eixos dos orbes (')
superiores, distinguidos em nove esferas, movendo os tempos das idades breves e longas, como te praz!»
Também pelo rei D. ]oâo I era sabida a distribuição dos astros pelos 'diferentes céus como
se vè no Livro da Montaria, composto entre os anos de 1415 e 1433:
-Ainda é de saber que estas sete planetas cada uma está em seu céu: ca em os sele céus em
que estão, sob a oitava esfera, que em cada um está sua planeta, e êsles céus hào os seus movimen-
los iam desvairados, que cada um anda de sua guisa, ca o céu em que está a Lua faz o seu movimento
tam breve, que faz o seu tòrno em 29 dias e 12 horas; e o Sol que está em amelade de (odalas plane-
tas, faz o seu tôrno |á a tam passo, que não acaba senão em um ano; e Saturno, que é a mais alta
planeta, de todo faz o seu tôrno a tam passo que. segundo os astrólogos dizem, não se acaba meãos
de 30 anos,* ( )
O Tratado da Sphera de Pedro Nunes, publicado em 1537. compreende nova tradução da obra
de Sacrobosco a qual. luntamente com a .Teórica do Sol e da Lua-, de Purbáchio. e o primeiro Livro
da Oeograha de Ptolomeu, precede os dois Tratados sòbre a arte de navegar. Sacrobosco atribú, à
Oitava esfera um movimento próprio de ocidente para oriente em volla dos pólos da eclípíica. à razão de
um grau por século; ass-m se efectuava a precessão dos equinócios, segundo Ptolomeu. Pedro Nunes acres-
centa mais uma esfera, que se leve de introduzir para explicar o suposio movimento de trepidação; por
Tn^r . . ^^''P'^"^° °5 P^"°^°s estabelecidos pelas considerações cabalísiicas dos rabinos de
movim Jn ' Ptolomeu, porque os astrólogos, que depois foram, acharam que êste
Tno um ornu T ' ^""''"^ ^'^^ ^'^""^ ^'^'^^^^ ^ "«"^ ^^f^^^a. e que não é em 100
cumorírá s rpuni p ^ ^^'"''^ "^^O^ ^"^^ ^^'^^^^ naturalmente, se
cumprirá sua revolução. E o movimento próprio à oitava é o da trepidação que se faz em 7000 anos».
celeste ;.\ãT^^LlT'' "'"^ '^^""^ P^^'^^ ^ admirávelmente bela, a mecânica
Te ' esferas c^^^^^^^^ T^": IT"" ' Portugueses um globo transparente constituído por
ele Ven^^^^^^ ^on en.ncas feitas da qumia essência, em cujo centro se pôde ver a Terra formada pelos quatro
o hrmar^^^^^^ T '^'^^l '^^^"'^ ^ ^étis patenteia aos seus
oinos maravilhados o transunto reduzido do mundo em pequeno volume:
•Oul o ^rro^^£L^^?!;J; L^ttr í^^^^^^ "'""VV' "^S- 132. lí se ord.s. .m vez de crbes; hi
Usbo.. por F*M"Se«s íe^íí^C^mt-rrií^ía.'?!^. 'ii'' ""^"3"- P""'*=»^'>- «'^«^^ '^cademi. das Sdéncas de
100
Modéle ÚM Miquina do Mundo que conacrva na Biblloicca do Convanio da Cacorlal. Eapanh*
ESTAMPA Hl
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
Vês aqui a grande máquina do mundo,
Etéria e etemenlal, que fabricada
Assim foi do Saber alto e profundo,
Que é sem principio e méla limitada.
Por baixo do Empíreo, que está com luz tam clara radiando que a vista cega, corre a décima
esfera, propulsora do movimento diurno, tam leve e Iam ligeira que não se enxerga: é o primeiro Móbil.
Dentro desta anda outra, a nona esfera, tam lenta e subjugada a duro freio que em 200 anos dá apenas
«um passo»; é ela que produz o movimento de precessão peio seu giro lento, no sentido directo, em volta
dos pólos da eclíplica. Por baixo dela, o oitavo céu, o firmamento, que se veste com o largo cinto de ouro
das constelações zodiacais e se orna da pintura que, por outras partes, as eslrêlas fulgentes vào fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrômeda e seu pai. e o Drago horrendo,
Vé de Cassiopeia a formosura
E do Orionte o gesto turbulento,
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães. a Nau e a doce Lira.
Dentro deste grande f^irmamenlo seguem-se os sete céus dos planetas, desde Saturno até ò
Lua, enumerados por sua ordem numa formosíssima estância. E como os planetas se movem em seus
epiciclos e o centro d^ cada um destes vai percorrendo o respectivo círculo excêntrico, chamado «defe-
rente,» com diversas velocidades, o poeta resume:
Em todos estes orbes, diferente
Curso verás, nuns grave e noutros leve;
Ora fogem do centro longamente.
Ora da Terra estão caminho breve.
Tétis dá pois aos navegadores lusitanos o prazer de poderem ver, com os olhos corporais, o
transunto da máquina do mundo, descrita e figurada nos manuais náuticos, que éles levavam a bordo
das naus. Queremos crer. tam rigorosa e completa é a descrição do poeta, que éte teve ocasião de observar
algum modêlo do sistema do mundo, análogo ao que se vè, construído em armilas de madeira, na Biblioteca
do Convento do Escoriai, representado na estampa iunta (') (Estampa III).
Camões glorifica assim, no Canto X, o saber náutico dos Portugueses, que se dedicaram à
cultura da sciência astronómica, base scienlifica dos descobrimentos, e no Firmamento souberam destacar
a nova constelação, a cruz de estrelas que devia servir de guia nas navegações austrais. No Canto V
mostra nos o Gama aplicando o regimento do astrolábio na Angra de Santa Helena:
Porém eu c"os pilotos na arenosa
Praia, por vermos em que parle estou.
Me detenho em tomar do Sol a altura
E compassar a universal pintura (O-
Do amor com que se estudava a sciência dos astros dá êle mesmo uma elevada prova na
constante e completa exactidão que observa nas numerosas referências astronómicas do poema.
Os próprios reis portugueses e as pessoas da família real eram os primeiros a dar o exemplo
do seu interêsse por uma sciência que era fundamental num país de navegadores. O rei D. Duarte dedica
(■) A Estampa III é reprodução da fotografia que nos foi obtida por obsequioso IntermMIo do Ex.»« Snr. Marqu£s
de Leis (Orense. Espanha).
(») A universal pintura é a carta de marear, sôbre a qual se faz correr o par de compasso^ para marcar o ponto,
sabida a altura do lugar. *0 ponto de esquadria supõe sabido o rumo por onde se andou e a al ur^ do põlo obtervada pi-lo
Sol ou Esirtias. Isto sabido. pÔe-sc uma ponta de um compasso no pòMo. ou lugar da partida, e a outra no rumo, por onde
se andou, e com a poma de oulro compasso se tomjm no Mcndl.tno graduado os grau» da altura obs> rvada. e a outra ponta
désie segundo compasso se põe no rumis de Lesie Oesie mm vizmho; e correndo os dout compas!>os. até que Se venna a
)uniar a ponta que saiu do lugar, donde se paniu. com a poma. qje saiu da aliura. onde se juniarcm esias duae pontas, ali
será o lug^r do navio* (M. Pimentel. Arle de naue^ãr, Lisboa. 1762, pág. 72).
101
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
dois capítulos do Leal Conselheiro à explicação das rodas, por êle debuxadas, para se saberem as horas
pela Ursa Menor. Ao bispo de Évora, D. Afonso de Portugal, filho do Conde de Ourem e bisneto de D.
)oâo I, porque se deleitava com obras de astronomia, oferece o doutor sevilhano, Afonso de Córdova, a
sua nova regra para o cálculo fácil do lugar de Vénus pelas tábuas de Zacuto. publicada na edição de
Veneza. 1502. do Aímanach perpetuam, com carta dedicatória ('). Na casa do Infante D. Luís, filho do
rei D. Manuel, foi «onde a sciència da Cosmografia mais floresceu que noutra parte alguma desta redondeza
que habitamos», segundo o testemunho de D. João de Castro no prólogo do Roteiro desde Goa até Dio.
E referindo se depois à expedição a Túnis, onde foi com êste Infante em serviço de Carlos V, dá-nos
ideia do assunto favorito das suas conversações: -mas lembrou me que. nos campos Africanos dá grande
e miserável Cartago, jamais os ardentes raios do sol. nem as ásperas e contínuas corridas podiam ser
ocasião que. aparecendo eu em sua Real tenda, ainda com muita parle de suas vitoriosas armas vestidas,
me não praticasse qualquer proposição de Cosmografia...,». D. ]oâo de Castro rejeitou os 2000 cruzados
que o Emperador mandou dar a cada um dos capitães da Armada. O que ao Infante agradou, e trouxe
dos despojos de Túnis. foram alguns astrolábios árabes antigos (■).
Os Cavaleiros, «em perigos c guerras esforçados», que foram edificar o «novo reino» ultrama-
nno, arriscando-se aos perigos dos mares desconhecidos, tiveram de ocupar-se também da navegação
Em plena época dos descobrimentos é Duarte Pacheco Pereira um exemplo eminente de um guerreiro-
-navegador: o seu valor militar foi glorificado no brasão de armas que lhe oulorgcuo rei de Cochim o seu
saber náutico e asironómico está patente no Esmeraldo. De Vasco da Gama nos diz Castanheda que era
«experimentado nas cousas do mar em que tinha feito muito serviço a El-Rei Dom ]oão 11» (') O heróico
D. João de Castro, pelos seus Roteiros, fica na história da sciència como notável hidrógrafo e naturalista
A escola marítima portuguesa deu uma plêiada numerosa de pilotos dtt alto valor. De Álvaro
Esteves morador na vila de Lagos, que íoi ao descobrimento da Cosia da Mina, atesta Duarte Pacheco-
n V^^! Alvaro Esteves foi o mais avantajado homem do seu ofício que na Espanha então houve. (•)"
O pilôto João de Lisboa deixa nos o seu Tratado da agulha de marear. Êle e Pedro Anes fazem em
Cmzéííi do Sul ^' '^^'^ ° ^ ^ ^s»'-^'^ do Norte, para formularem o Regimento do
Das classes populares saíram os rudos marinheiros que Camões não deixou no esquecimento:
Os casos vi que os rudos marinheiros
Que tem por mestra a longa experiência
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as coisas só pela aparência:
E que os que lem juízos mais inteiros
Que só por puro engenho e por sciència,
Vêem do mundo os segredos escondidos
Julgam por falsos, ou mal entendidos.
fqnorànda'íos'\á"bir?.''t P°^'"9uesa o «marinheiro desconhecido., de cujas observações se ria a douta
ignoranc a dos sábios do tempo, que acabaram por se voltar também para o grande livro da Natureza
em que liam os olhos maravilhados daqueles rudes heróis anónimos (Natureza.
mnuimpn, ^ ^""''T ^^escobrimenlos. iniciada pelo Infante D. Henrique, acabou por tornar-se um
do pUnela. ' " "'"^"^ '"^"^"^ '"'"'^^ °^ ' ^ descoberta integrai
êt« nA. . ^°u° ^/r""^' narrando a viagem do Gama já de volta de Calicut. depois de contar como
cÍTnsitaçóêríV ''"^ ''''' '''''' -«'^-^^ o "'me faz e^ra^
Eborcnwn, ei1,«prm.'A.íon»«%"^^^^^^ ^"ris.o pairem ac mustrissimum dominum Alfonsum
«cútis consClc.ít^edTriSis^teUrur^^^^^^^^ -^"'T.?
S4lêaencis Opers, Basileae. IM6, pig. 157) "-""ovicus Korlugaliae Inlans ex manubU» allulil Twnelis urbis. (Petri Nonii
C) Década \. Uv. IV. Cap. XI.
102
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
«Assim que com êste Padrão, que foi o derradeiro em tempo, deixou Vasco da Gama nesta via-
gem postos cinco Padrões. S. Rafael no Rio dos Bons Sinais, S. ]orge em Moçambique. Santo Espírito em
Melinde, Santa Maria nestes ilhéus, e o último por sítio, em Calícut, chamado S. Gabriel. Os quais pcró
que n3o sejam postos por nação tam gloriosa dc escrever, como foi a gente Grega, nem o nosso estilo
possa alevantar a glória dêsle feito no grau que êle merece, ao menos será recompensado com a pureza
da verdade que em si contém. Não contando os fabulosos trabalhos de Hércules em pdr suas colunas,
nem pintando alguma Argonáuiica de Capitães Gregos em tam curta e segura navegação, como é de
Grécia ao rio
Faso, sempre
à vista da terra,
jantando em
um pôrto. e
ceando em ou-
tro, nem cscre-
vendo os er-
rores de Ulis-
ses sem sair
de um clima,
nem os vários
casos de Enéas
em tam breve
caminho, nem
outras fábulas
da gentilidade
Grega e Ro-
manaique com
grande enge-
nho na svã es-
critura assi m
decantaram e
celebrarama
empresa, que
cada um to-
mou, que não
se contentaram
com dar nome
de ilustres ca-
pitães na terra
aos autores
destas obras.
BftASUO DE CAMOBS
nome de Deu-
ses os quise-
ram colocar no
Céu
Cerio, grave e
píciosa cousa
de ouvir, ver
uma Nação |a
portuguesal, a
que Deus deu
tanto ânimo,
que se tivera
criado outros
Mundos iá lá
tivera metido
outros Pa-
drões de vitó-
rias: assim é
descuidada na
posteridade de
seu nome, co-
mo se não
fòsse Iam gran-
de louvor dila-
tá-lo por pòna,
comoganhálo
pela lança».
Barros )ulga
modesto o seu
estilo para tam
altos feitos co-
mo os que
narra com ver-
mas ainda com
dade. A «tuba canora e belicosa» de Camões, poeta e soldado ('). ao entoar o canto da emprésa lusi-
tana dos descobrimentos, que constitui o capítulo português da História da Civilização, sente que a
O Camões serviu em Ceula como soldado de IM9 a 1551. e ai perdeu em combate um dos oltio». tegundo Paria
e Sousa cm rcsuiiado do ferimento ciusado por um fragmtnio de bala A Isso se refere o poeta na Canção que começa:
«Vinde meu Iam cerio Secretário» - , quando narra a sua vida fóra do -pátrio ninho amado- :
Agora experimentando a fúria rara
De Marte, que nos olhos quis que logo
Visse, e tocasse o acerbo trulo seu:
E neste escudo meu
A piniura verào do inieslo logo,
Camões faz aaul atusao ao seu escudo de armas, ao vermelho que toucava as rochas do seu brasSo, côr que, em herlldlca.
correspondia ao fogo e significava guerras, na qual v* simbolliado o destino que o lèj andar experimentando «Ot perigos
Mavórcios inumanos».
Devemos esla expllcaçlo ao laleddo professor da Faculdade de Leiras de Coimbra, Dr. Carioi de Mesquita.
103
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
nova epopeia vai superar as antigas pela realidade e importância dos factos celebrados. Ao terminar a
longa exposição histórica ao rei de Melinde. o Gama diz, referindo-se a Homero e a Vergílio:
Cantem, louvem, e escrevam sempre extremos
Dêsses seus Semi-deuses, e encareçam
Fingindo Magas Circes, Polifemos,
Sirenas que c'o canto os adormeçam....
e, enumerando vflHRcç&es da OJissefa e da Eneida, exclama por fim:
Que por muito e por muito que se afinem
Nestas Fábulas vãs tam bem sonhadas,
A uerdade que eu conto núa e pura
Vence tõda grandíloqua escritura.
O voto de Camões — «Que se espalhe e se cante no UnÍuerso> — está satisfeito: o seu poema
foi consagrado como uma das obras-primas da literatura mundial. Da escola portuguesa de navegação,
iniciada pelo Infante D. Henrique, saíram as viagens de Colombo e Magalhães; dela saiu o impulso
persistente que se comunicou às outras nações, para se lançarem também, através dos mares, à procura
das terras desconhecidas. Os Lusíadas são assim o poema da expansão dos povos europeus, a epopeia
da posse do orbe terráqueo pelo homem.
104
CAPÍTULO III
OS FALSOS PRECURSORES DE ÁLVARES CABRAL
PELO
PROF. DUfíRTE LEITE
os FALSOS PRECURSORES DE ÁLVARES CABRAL
[^,^Í^JÍU^^^J^^j^; ANTO os historiadores verdadeiramente dignos do nome quanto os que o
usurpam, repisando velhos textos de envolta com a herva ruim da própria
fantasia, todos concordam em que foram castelhanos, e náo portugueses, os
europeus a cujos olhos atónitos se desvendaram pela primeira vez os es-
plendores do moderno Brasil; todos, com raras excepções, se mostram con-
vencidos de que nas amuradas de caravelas castelhanas ressoaram, com a
agonia do XV século, os primeiros clamores maravilhados diante da ma-
gestade do Amazonas.
Os soberbos leões de Castela antecederam as bemdilas quinas por-
tuguesas, só mais tarde desfraldadas ao sopro das brisas brasileiras; e anies
que os indígenas ouvissem surprèsos as harmonias da língua de Camões já
os ecos das suas selvas virgens tinham repercutido a toada viril de vozes espanholas. Quando Alvares
Cabral aportou a Vera Cruz em 22 de Abril de 1500, e aí lançou as bases de um novo império conquis*
tado à fé cristã, já o fidalgo Alonso de Hojeda dez meses airás passára pelo Rio Grande do Norte, já
Vicente Vanez Pinzon em janeiro locara nas imediações do cabo de S. Agostinho, já finalmente Diego de
Lepe e Alonso Vellez de Mendoza tinham visitado audaciosamente paragens ainda mais meridionais. Tal
é a versão corrente e há longos anos consolidada pelo prestígio magistral de autores ilustres.
Sem embargo, porém, das cans veneráveis e das ponderosas autoridades, ousamos submeté-la
à joeira da mesma crítica desconfiada e severa que tem dissipado tantas lendas e destruído reputa-
ções ataviadas, reduzindo os fados à nudez primitiva e enquadrando os homens cm suas adequadas
molduras.
Os modernos americanístas ~ para tomar um exemplo flagrante — não têm já por Colombo o
culto quási feiticista de seus antecessores que o consagraram como um dos vultos mais geniais de lôdas
as épocas, dotado além disso dum nobre carácter: insigne navegador, astrónomo e cosmógrafo eminente,
que concebeu e vingou o plano grandioso de doar ao mundo as terras incógnitas do Ocidente, previstas
antes de descobertas. Hoje sabe se, ao envés, que o grande almirante possuía de facto uma Incansável
tenacidade e profunda confiança em si próprio, qualidades imprescindíveis a quem tem em mira altos
cometimentos, mas ao mesmo tempo era duro, violento, ávido e mentiroso; e no tocante a seus maravi-
lhosos conhecimentos, averiguou se que era ignorante em astronomia, professava extravagantes ideias
107
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO DRASIL
cosmogrâficas e partiu com modestos conhecimentos náuticos para a sua primeira uiagem. tendo topado
por feliz acaso com regiões bem diversas das sonhadas, que aliás sempre se obstinou cegamente em con-
tundir com a Asia. Ruiu. definitivamente desfeita, a encomiástica tenda colombiana, para a qual o geno-
vês glorioso foi o primeiro a contribuir com falsas indicações e com fraudulentos dados biográficos;
contudo o fado nâo obsta a que escritores, cujas obras se nâo destinam a leitores entendidos, conti-
nuem a repelir ovinamente as fantasias doulrora e divulguem conceitos errados sôbre o grande homem
e o descobrimento da América.
Semelhantemente a crítica histórica, que reduz as proporções de Colombo, afusta as de Ves-
piído c exalça as de Fernão de Magalhães, tem de proceder com a suposta primazia espanhola na des-
coberta do Brasil ; haverá que emendar os livros onde encontrou guarida esta injusta reivindicação dos
cronistas, propensos a avocar para os seus conterrâneos glórias ideadas em sua transviada imaginação.
Com razão tém sido postos em relêvo os males causados pelo patriotismo exagerado que. no afan sis-
temático de disputar façanhas, deturpa ou interpreta capciosamente os acontecimentos, e vai ao ponto de
forjar documentos ou de lhes alterar a verdadeira leitura. A descoberta do nordeste brasileiro e do rio
da Prata por espanhóis são duas pretensões que se filiam nesse espírito de nacionalismo estreito e
faccioso; mas é forçoso confessar que para a propagação do êrro contribuíram em grande escala os
mesmos portugueses aos quais se devem aqueles feitos.
A política de segrédo. invariávelmente adoptada até muito tarde petos reis de Poriugal. e a
consequente falta dc diplomas oficiais, a sobriedade ou silêncio e a ocasional confusão dos nossos cro-
nistas quando depòem acerca dos mais importantes descobrimentos, a desaparição de numerosos docu-
mentos no terremoto de Lisboa e porfim a escassez de investigações paleográficas, mantêm sôbre meio
século da epopeia marítima portuguesa uma densa névoa que dificilmente se dissioará.
A história das terras austrais do poente está nos seus primórdios cheia de incertezas e eni-
gmas. Desde Pero Vaz da Cunha, o Bisagudo. até Alvares Cabral há doze anos de mistério profundo;
acérca de Vera Cruz apenas possuímos as cartas de Pero Vaz de Caminha e de Mestre loão, e desde
1500 até Martim Afonso de Sousa correm trinta anos de referências vagas, datas contraditórias e notí-
cias truncadas. Aparecem rastos de explorações navais e terrestres, vislumbram-se os navegadores e
pioneiros, mas ficaram Iam somente vestígios dêsse gigantesco esfôrço.
Doutro modo se passavam as coisas na Espanha, onde os reis católicos e seus sucessores
não tinham de guardar as reservas ciosas dos parentes vizinhos e deixaram nos arquivos grande cópia
de documentos preciosos. A colheita de informações, que se pôde dizer abundante quando enfrentada
com a penúria portuguesa, é todavia deficiente no tocante à exploração castelhana no nordeste da Amé-
rica meridional, pouco seguida porque de pequeno proveito material. Se não fora a cobiça do filho do
almirante. Diego Colombo, que moveu à coròa de Castela um processo para reaver os enormes privi-
légios e regalias concedidas a seu pai. ainda hoje muito pouco constaria da expedição de Alonso de
Hojeda em 1499, e ficariam totalmente ignoradas as de Diego de Lepc e Alonso Vellez de Mendoza,
das quais aliás quási nada sabemos. Da de Vicente Yaiiez Pinzon em 1499 temos a narração contemporâ-
nea de Pedro Mártir d'Anghiera. que é muito pobre de dados úleis, sendo também escassos e obscuros os
esclarecimentos complementares tirados do referido processo. Os autos desta interminável e ruidosa de-
manda e o relato de Mártir — essas são de facto as fontes originais a que estamos reduzidos; e é dos
depoimentos das numerosas testemunhas, ora jactanciosos ou falsos, ora confusos ou errados, que temos
de extrair a ferros, quando nâo informes certos, pelo menos conjecturas plausíveis.
Conhece-se desde 1894 o texto integral dos autos, ignorado do consciencioso erudito espanhol
Fernando Navarrete, o qual vém invalidar as suas descrições das expedições de Hojeda, Pinzon e Diego
de Lepe. tomadas para modelo por quantos depois se tém ocupado do assunto. Estamos de posse desde
1892 da primitiva relação de Mártir, feita em 1501 e acrescentada em 1511 e 1516 quando impressa; e
nos últimos cinquenta anos a cartografia americana se tem enriquecido com numerosas contribuições es-
clarecedoras. Estes materiais permitem reconstituir em novos moldes as viagens dos três assinalados ca-
pitães. No entanto -facto estranho que mostra a fôrça imensa das lendas criadas — ainda não ocorreu
dissecar as descrições de Navarrete, expurgando-as de suas inexactidões e concluindo que d Brasil, ao
contrário de sua afirmação, não foi descoberto por castelhanos.
Pondo de parte outras viagens além da de Duarte Pacheco, por conjecturais ou pelo menos
sujeitas a dúvida, póde-se com efeito demonstrar — se é lícito o termo fóra das sciências exactas ou ex-
perimentais.-que Álvares Cabral não teve precursores espanhóis na descoberta do vasto território do
moderno BrasiL Em 1499, Hojeda não cruzou o equador, nem sequer viu a íoz do Orinoco; Pinzon em
108
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
1500 não esteve no Amazonas e ficou para o norle, náo ultrapassando o cabo d Orange; Diego de Lepe
e Vellez de Mendoza só visitaram o grandíssimo rio quando já se rasgavam para a história os esplen-
dores do século XVI.
Tal demonstração será o objecto do presente ensaio, inteiramente íôra da senda trilhada, no
qual sentimos que a pobreza do estilo venha ainda agravar o fastio inevitável das minuciosas e áridas
investigações do passado. Sirva nos ao menos de consôlo ter contribuído com alguns fados inéditos para
melhor conhecimento do brilhante período dos descobrimentos que imortalizou os dous povos ibéricos.
I— ALONSO DE HOIEDA
EVE um patrono ilustre a versão que atribui ao castelhano Alonso de hojeda e ao
seu companheiro Américo Vespúcio a ventura de ter primeiro avistado em 1499
o nordeste do Brasil. Foi Francisco Adolfo de Varnhagen quem nos meados do
século passado exumou do esquecimento e avigorou a pretensão de Vespúcio, o
^ual no relato da segunda navegação (') duas vezes assevera ter aproado, por 5°
de latitude austral, ao continente anos depois baptizado com o seu nome. Para o
insigne brasileiro, as terras alagadiças a que èle acostou, tentando inutilmente
desembarcar, são as do delta do Assú, no Rio Grande do Norte.
Acolhida com frieza, a reivindicação do fervoroso paladino de Vespúcio não conseguiu o as-
sentimento dos historiadores ('), a êsse tempo e ainda depois muito desconfiados dos méritos e proezas
do enigmático florentino. É que o suposto descobrimento se estribava tam sòmente num texto de duvi-
dosa veracidade, omisso de nomes e escrito em termos de tal modo vagos que se uns, acompanhando
Varnhagen, querem ver na viagem narrada a de Hoieda, outros se encostam a Humboldt e lém-na como
dirigida por Vicente Pinzon. ao passo que alguns, seguindo d Avczac, preferem como comandante a
Diego de Lepe.
Os primitivos cronistas espanhóis, impressos até o meio do século XVI, não se ocupam dâle,
ressalvadas concisas alusões; tampouco mencionam as quatro navegações de Vespúcio, personagem aliás
bem notória, pois exerceu as funções de pilòto-mór desde 1508 alé 1512, ano da sua morte. As primei-
ras referências explícitas à debatida expedição enconiram-se no processo movido à corôa de Castela por
Diego Colombo, filho do grande almirante, no decurso do qual o procurador fiscal da corôa interrogou
numerosas testemunhas acèrca dos feitos dos descobridores espanhóis contemporâneos de Colombo Af,
no depoimento do próprio Hojeda. se lê que éle leve por sócio na aventura a Vespúcio, cuja segunda
viagem irrompe assim da misteriosa nebulosidade que a envolve, assumindo fóros de verosimilhança,
senão de inteira verdade.
O silêncio dos cronistas só se interrompeu com as acrimoniosas censuras que Las Casas, na
sua Historia general de las índias, lança em rosto a Vespúcio, taxando-o de fatsário e usurpador das
(') dl A'n''riifo Vesnucci delle isole 'te in quitro su iWi ou 1506,
Opúsculo de e- iridade. Desla caria. endiTc^ada a P /o humaniila h m l.itim, n.lo
muito conlormc a wtsio llaliana. que aparoceu na Coí/»o^(.j/Jíj.í initoduclio, Sjlnl-Dií. IL^uj. qJmj \i " I-
dSL-emúlIor (llacomilus). j cuja sugesrao deve- o Novo Mundo o nome dc Amtíriu. Damos a svounof viag. n-
guesa quásl literal, no Apíndice A ; ae outras sio de ficil acesio no cxcelcnlc volume de nenrv Vign^ud, Amenc Vt*pucf,
Paris, 1917.
O Denire os contradilores de Varnhagen destacamos d'Avezjc. cuja análiic ainda hoje, 60 anoi volvidos, con-
serva grande parle do seu valor (Consídénlions geofjrâphiques sur 1'hisloire du Drésil, 1IS7 e Les voyãges d'Ami^ric Ve$-
puce, 1852), Capistrano de Abreu í de opinlio contrária À dc Varnhagen (Descobrimento do BrasU e seu desenvoMmtnlo no
$eculo XVI. Rio de Janeiro, 1883, págs. 26 a 31).
109
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
glórias de Colombo. O piedoso mas difuso e incolor bispo de Chiapa, cotejando a descrição das duas
primeiras navegações, contida na imperfeita tradução latina coeva, com os autos daquele ruidoso pleito,
e ajudado de duas carias de Colombo e Francisco Roldan, chega à conclusão de que as viagens de
1497 e 1499 são na realidade o desdobramento e transformação da segunda, urdidos com o feio propó-
sito de se arrogar a descoberla da terra lirme de Pária, em que o almirante só locou em 1498. No ma-
nuscrito de Las Casas concluído em I56I, mas impresso só 314 anos mais tarde, sc inspirou Henera. a
cuja crónica bastante divulgada cabe^ o maior quinhão na lamentosa reputação de que durante muito
tempo gosou o florentino.
Debalde Bandini e Canovai, em 1745 e 1788, tentaram palavras de elogio e aberta defesa;
meio século depois, o infatigável e erudito Navarrete, na esteira do seu predecessor Munoz, trata Ves-
púcio muilo duramente, e o Visconde de Santarém se encarniçou longamente contra êle, fundado no
completo silêncio dos cronistas portugueses e dos arquivos da Torre do Tombo. A reacção reparadora
iniciou-a o grande Mumboldl, que lhe reconheceu os méritos e o inocentou da culpa assacada de que-
rer impôr ao Novo Mundo o próprio nome, conquanto julgásse as duas primeiras navegações artificio-
samente compostas. Pouco depois interveio Varnhagen. que tenazmente conduziu, por espaço de vinte e
cinco anos. uma ardente campanha em prol de Vespúcio, cujas viagens proclamou verídicas, e a quem
atribula o mérito de haver afirmado, antes de qualquer outro, a contincntalidade da chamada terra
firme; o que nâo obstou a uma nova investida, na qual se salientaram o italiano Hughes e o inglês
Markham.
Com a celebração em 1892 do quarto centenário do descobrimento da América ganhou fòrça
o movimento em favor do famigerado navegador; os americanos Harrisse. Fiske e por último Henry
Vignaud {*) deram-sc mão forte para reabilitar o grande homem, tam discutido quanto caluniado. Estas
abluçôes purificadoras transfiguraram completamente o antigo aspecto de Vespúcio, que em vez de tra-
paceiro, ignorante e jaclancioso, nos surge ao cabo honesto, bom e competente, com sérios conhecimen-
tos de náutica, astrónomo nolável, cartógrafo distinto, um dos primeiros senão o primeiro cosmógrafo do
MU tempo, e sobretudo narrador muito consciencioso das suas quatro muito verídicas explorações marf-
limas. Se a Iam excelsas qualidades pudéssemos juntar o fervor religioso e místico que caracterizou os
últimos anos de Colombo, não acharíamos estranho que assomásse a ideia da beatificação de Vespúcio,
a exemplo da que planearam os cegos admiradores do grande almirante, capitaneados por Rosselly
de Lorgues (').
Não cuidamos de entrar na difícil controvérsia ainda por exlingiiir na qual, como de costume,
de ambos os lados tem sido excedida a justa medida; o nosso objectivo, bem mais modesto, é exami-
nar a segunda navegação de Vespúcio, que deveria coincidir com a de Hojeda, tal como a conhecemos
de fontes seguras. O intrépido e cruel fidalgo espanhol ignorava completamente a Lettera e a sua tra-
dução latina, e mal imaginava, quando vegetava em penúria na Hispaniola, que lhe preparavam a glória
póstuma de descobridor do Brasil, mercê de uma indicação de latitude viciada, senão falsa. É que o ar-
tificio aprovehava sobretudo ao seu ardiloso comparte, uma vez omitido o nome do chefe da expedição.
Sc nos debates acerca da legitimidade da nanação de Vespúcio fôsse lícito invocar argumen-
tos de autoridade, feriamos de nos inclinar diante da de Vignaud, a cujo espírito crítico e esclarecido
parece não ficar dúvida sòbre a exactidão da narrativa; mas o eminente americanista quere ser julgado
à fé de argumentos, e os que éle exibe nâo têm a solidez habitual ao arguto demolidor das falsas gló-
rias de Colombo. Em que nos pese, lemos de acentuar a nossa discrepância e incredulidade.
Na Kiu obra \i citada enconlra-se de pá^. 75 a 102 uma bibliografia bastante completa dos escritos relativos
a VMpudo.
{') Vignaud, L'ãncienne et ta nouvtUe campãgne en faueur de la canoaisalion de Christoph Colomb, no Journal
de$ Américanistes de Psns, 1909.
Nesie mesmo Journal de 1911 vem publicada a memória de que safu o volume Améric Vespuce do mesmo autor.
110
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
w
UANDO perio do Natal de 1498 se espalharam cm Espanha os rumores da nova descoberta a v,*<ir« ot
da terra firme de Pária realizada por Colombo e. o que mais era. a notícia do ouro e pé- " "iruA cm
rolas havidas nos rescates com os indígenas. logo se alvoroçaram os ânimos e se reacen- ""
deram as cobiças, esmorecidas com os magros resultados das primeiras explorações.
Muitos se propuseram então demandar aquelas paragens na esteira do almirante, arcando
com as aventuras do desconhecido e os mistérios do largo oceano, mais na esperança de súbita riqueza
que de honrarias e glória.
No número deles se contou Alonso de Hojeda. fidalgo genioso e destemido que fôra da casa
do duque de Medina C(e1í. onde talvez conhecesse Colombo quando, ao safr de Portugal, êle se acolheu
à sombra do poderoso titular. Acompanhou o almirante na segunda viagem, durante a qual demonstrou
destreza e bravura, nomeadamente na prisão do cacique Caonaboa. Familiarizado com os perigos da na-
vegação. Hojeda conseguira além disso captar as boas graças do bispo dc Córdova. D. luan da Fonseca,
superintendente nos negócios das índias, o qual. malquistado com Colombo, o animou no projecto dc ir
a descobrir pelas novas regiões, com o duplo fim de tentar fortuna e de enfraquecer o prestígio do in-
truso genovês. Forte com esta protecção e tendo assegurado o concurso do reputado pilôlo e cartógrafo
luan de la Cosa ( ). aprestou-se para a expedição (") e desaferrou do pôrlo de S. Maria V) com quatro
navios V), presumivelmente na primavera de 1499.
Hojeda declarou em 1513 (•) ter visto antes de partir, certamente por intermédio do bispo de
Córdova, a carta de marear que Colombo mandára em 1498 aos reis católicos. Assim, na primeira parte
da viagem, a derrota encostou-se à do almirante ("■); as diferenças só se produzem na anibada ao con-
tinente americano, realizada em ponto muito controvertido.
No seu depoimento nas Probanzãs dei fisc/tl (") pretende Hojeda ler percorrido casi dozien-
ías léguas da costa awtes de chegar a Pária, cômputo sem dúvida exagerado, como era costume invariá
vel dos descobridores espanhóis. Humboldt, acentuando êsle fado cita o exemplo de Rodrigo Das-
.. ?K '"'erfoaatóno do fiscal e os depoimento» resultantes no pleKo de Diego Colombo tio lormal» a «ste
respeito (Apfndice B}.)uan de la Cosj só outra vez foi companheiro de Motcd.i na expedição de 1510. em que foi morto cm
combale. Harnsse, <iue nlo conhecia ao tempo os autos compicios daquele pleito, publicados em 1892 e I8« cqulvoo se
di/cndo que loram também na expedição André de Morales. Bartolomé Roldan. Anton Garcia. Diego Martin e Dleao Fernan-
de/ Colmenero (The discoivn' of North Amrrici, pág 677). Os IrÔs primeiros mostram cUramentc em seus depoimento*
(Apvndicf B. respostas à b.' pregunla do trscai) que nào estiveram prc8cnti*s; quanto ao úliimo, embora *te declare ler sido
um dos descobridores, qucre com Isfo simplesmente afirmar que loi a descubnr por aquelas regiões. Demais, «le seguiu com
y™'"fK, na viagem de dezembro dc 1499 a outubro de 1500. como se conclui do diploma o(lci.il dc 5 de deztmbro de
ISOO <Nav.irrele. Collraon dc los viages v descubrimicnias que hicieron por m.ir los rsp.i/)ol,'S desde fines drí siçlo XV
Madrid. ia25-29. loin, 111. doe, VII e XUi». Do quarto dos mariUmos citados apenas consta, vasculhando os autos do processo
que ele íoi com Colombo em 1498, e com Pinzon provávelmenie em 1499.
(•) Nâo « conhece o lermo das cap]tutac6es dc Hojeda. Us Casas, citando uma caria do famoso rebelde Fran-
cisco Roldan, prt-iende que èle n.lo obleve dos reis. mas apenas do bispo D, Juan dc Fonseca, a licencia ptrã dv^cubnr
(tlisloria general de Lis índias. Madrid. 1875, tôm. M. cap. CLXIV): mas Hojeda depôs que foi por mandado de S S Altezas
(Apêndice õ. respostas a 5.« pregunla do liscal, entre as quais a do escrívJlo Rodrigo dc Daslldas).
C) Depoimentos dc luan dc Xerez e Nicolas Perez, no Apêndice B, respostas is preguntas 3 • e 5,* do fiscal
(») Historie dei S. D. Fernando Colombo, cap. M. A primeira edlçio désfe Uvro, multo reproduzido, é d« 1571.
O Apêndice B. respostas à pregunla 2.a do fiscal.
('") Segundo Navarrcle (op. cil.. lòm. Ill.píq. 5). Hojeda tocou nas Canárias, gastando 24 diat no traíecfo dettal
ilhas 30 conlmenic. o que é empreslado da carta dc t8 de julho de 1500, dirigida por Vespúcio a Lorenzo de Picr FranoriCO
de Medíeis, documento hoje reputado apócrifo. Na segunda naveg-içAo da Leff-rj |.1 citada, que deveria ser a mesma de Ho-
jeda, a escala foi feiía pela ilha do Fogo, no arquipélago de Cabo Verde. André de Morales, no seu depoimento (Apêndice B
resposta ã 5.» pregunla do fiscal), diz que partiram da ilha do Ferro, nas Canárias, para a travessia do Oceano.
(") Assim se inlitulou o Interrogatório e depoimentos das testemunhas, apresenladas pelo (itcal no processo dt
Diego Colombo, e Probãnzas dei Alminnle os das apresentadas por ésie (Apêndice D).
(") Exawen crUique de rhistoire de la géographie du Nouveau Continent et des progrés de l'êstronomte nau
tique dans Ir^ XV e XVI siécirs. Paris. 1831.39. (omo V, pág 161, nota. *^ '^aironomte nau
E necessário observar que a légua niutlca espanhola ^e contava por 4 milhas (perto de 6 quilómetro») c a ler-
reslre por 3 (Pedro Marlir. Oécjd^ 11. livro 10») ; mas adtnthndo mesmo que a conlaqem de Bastidas era teita em medidas
itinerárias déste segundo pidráo, o exagéro permanece considerável Nessa hipótese, as 200 léguas de Holeda reduzir- se -lajn
a 150 náuticas ou sejam muito perlo de 900 quilómetros.
111
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
tidas que se gabava de ler percorrido, em I500-I502, 3000 léguas de costa, quando em verdade nSo
passou de 800.
No parecer do Ilustre sábio ("), Hojeda, tal qual Colombo, não chegou a ver a verdadeira foz
do Orinoco, a Boca de Navios ou Boca grande. Não lhe escapou, de certo, a circunstância de que na
segunda expedição (1502) o explorador pouco ultrapassou os anegados ou terrenos alagadiços de Pária ('•).
perto do delta do Orinoco ou nele situados; ora se o castelhano na primeira viagem tivesse atingido o
notável estuário deste grande rio e mais ao sul o Essequibo, como fazem supor as 200 léguas acusadas,
c natural que na segunda, empreendida pouco depois para as mesmas paragens, quisesse de novo visi-
tar as suas importantes descobertas.
humboldt. que não conhecia o texto completo das Probamas, mas apenas os extractos dados
por Navarrete ('■■), encontraria nêle um argumento em abono da sua sagaz opinião. A torrente do Ori-
noco, irrompendo por uma foz de mais de 30 quilómetros de largo, entra impetuosamente no Oceano,
cuias águas torna doces em distância superior a 5 léguas, na ocasião da baixamar e das cheias do rio
que têm lugar entre março e agosto ('"). Éste fenómeno surpreendente fere a atenção de quantos pas-
sam por lá. e deveria causar assombro a Hoieda e seus companheiros, se o tivessem observado quando
aí chegaram em iunho ou )ulho, tanto mais que seriam os primeiros a poder contar a maravilha, mal
entrevista por Colombo no gõlfo de Pária. No entanto, o capitão castelhano não o menciona quando de-
pôs acèrca da sua viagem, e interrogado sobre a descoberta por Pínzon do río grande donde hallaron
el agua dulce que entraba en el mar, coníirma-a tranquilamente, sem reivindicar uma parcela sequer do
feito, ao mesmo tempo que declara ler visitado antes parle das novas leiras descobertas por Pinzon.
Outro argumento, ignorado de Humboldt e ainda mais valioso, se tira do termo das capitula-
ções dêste último navegador, lavrado em 5 de setembro de 1501 (''). Neste documento os reis católi-
cos dão como descoberio por êle um trecho de costa entre 5. filaria de la Consolación e o río grande
5. Maria dei mar dulce, onde se dá o fenómeno da dulcificação das águas do Atlântico e daí em diante
até o câbo de S. Vicente. Provaremos, no nosso estudo sòbre Pinzon, que o rio em questão não era o
Amazonas, como geralmente se crê, senão o Orinoco; e como os reis atribuem a sua descoberta a êste
castelhano, é certo que não podia tè-lo avistado antes Hojeda, que no caso contrário não se esqueceria
de fazer valer o seu direito. Mas independentemente disto, sabemos hoje que o cabo de S. Vicente está
muilo a norte da foz do Orinoco, porque assim o atesta o Atlas de portulanos de Egerton 2803 (").
É evidente que os reis não dariam em 1501 a região que precede o cabo como descoberta por Pinzon
se ela o tivesse sido por Hojeda.
Tudo indica, pois, que êste capitão não chegou ao Orinoco em 1499; mas admitindo, ainda
assim, como exacto o percurso de 200 léguas antes de Pária, éle não o teria trazido além de Surinam,
na Guyana holandesa, como quere Navarrete, ou mais generosamente do Maroni, limite desta província,
como pretende d"Avezac C").
Saindo de Pária, correu a costa de pôrto em pôrto ("), atracando sucessivamente à ilha Mar-
garita, a Aidea Vencida (enseada dos Corsários) e Puerto frechado (Chichirivichi) ("), à ilha de tos gi-
(■*) Op. dt. tdmo III, pág. 116.
(■*) Navtrréle, op. dl., t6mo llt. pág. 30.
(") Op. dl., Idmo 111. pig. S3S.
(") Humboldt. Vot>êge aux régions équ»tOTÍêles. lômo VIII. cap. 240, pág. 391 ; veja-se também a carta de Healli.
em IBH), revista por Norie c Intitulada Neiv Chart of the coast of Gujfrf/ij. A imaginação esquentada e a mendacídade dos
piloto* e»panhoÍ8 avolumavam a dfras fantásticas a dUt&nda em que penetrava no mar a água doce (Humboldt, Ibld. tómo I.
cap. 3,*). Pinzon em 1513 declarou que no Rio grande ela era de 40 léguas; ora no Amazonas, onde o fenómeno se v* em
maior ctcala, nào passa de 12 a corrente doce.
j r, ''"""^ * apenas diado por Navarrete; conheddo de Vamhagen em 1846. íol publicado em 1859 no lômo
XXII da Revista mmensal do Instituto Histórico e Oeograpttico do Brasil e por Caetano da Silva, LOvapoc et VAmazone,
pág. 423 do 2.0 lômo da 3.« edição. • r f
1911 • XV lofs a^XVll^ol''"a.^''^"*"'°'*' portolên charts. fac-simiie of manuscnpt in Brilish Museum, New-Vork.
{'•) Navarrete, op. dl. tômo 111. pág. 5;d Avezac. Considfratíons géographiques sur Thistoire du Brésit. pág. 63.
(") Depoimento de André de Morales, no Apêndice B, resposta á 5.« pregunta do liscaL
.CM ^a'** últimas indicações lirou-as Navarrete de um documenio relativo i «cgunda viagem de Ho(eda
de 1502 (op. dt., lômo III. doe XVIII).
112
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
gantes (Curazao). ao gôlfo dc i/enecia (Venezuela ou Maracarbo) (") onde nasceu o nome do moderno
eslado e Imalmente à pequena península de Cuquibacoa ÍGuajíra) em cujo exirèmo fica o cabo de Vela
a que deu o nome. O termo das capitulações de Hojeda em 8 de junho de 1501 (") dá-nos a entender
que as terras descobertas por élc vêm desde Cuquibacoa até à Margarita e região de Cuhana (atriana?)
cabendo a Pero Alonso Nifto e Cristobal Guerra a fama e o proveito de terem explorado pouco antes a
Costa de Perlas, desde Curiana até Pária {").
Do cabo de Vela rompeu para a Hispaniola (Santo Domingo ou Haiti), chegando a Vaquimo
ou Puerto dei brasil (Jacmel) em 5 de setembro. Temos a certeza desta data em vista do trecho, trans-
crito por Las Casas V^) duma carta de Colombo aos reis católicos, dizendo o bispo de Chiapa por di-
versas vezes ter sido de cinco meses a duração do trajecto entre Espanha e Vaquimo. Ignoramos se
esta informação foi bebida nos papeis de Colombo, mas o cronista cai em manifesta contradição, pots
que dá a partida da Península em maio e até sugere o dia 20. na crença de que a viagem é descrita ao
mesmo tempo nas duas primeiras navegações de Vespúcio. propositalmente confundidas, Estes cinco me-
ses em que insiste Las Casas fazem remontar o início da expedição de Hojeda aos princípios de aoril
de 1499 ('").
De Hispaniola. após várias peripécias cuja descrição nSo importa, zarpou o audacioso aventu-
reiro em fins de fevereiro de 1500 ou em março, consoante o atesta Las Casas CO, fundeando em Es-
panha aí por abril de 1500. Islo se depreende do testemunho de Nicolao Perez ('"). segundo o qual
Hojeda estava de volta dende a poços dias depois de NiAo e Guerra; ora como estes chegaram a 6 de
abril. Harrisse deduz que o regresso do castelhano foi na primeira quinzena do mòs V). t possível
que assim acontecesse, mas aquela expressão parece-nos mais elástica, embora se não preste à hipótese
de Navarrete, que adopta mediados de junio ("0. A 28 de julho de 1500 preparava-se o capitão para
capilular de novo com*o bispo de Córdova, sendo pouco provável que no curto intervalo de pouco mais
de um mès tivesse tempo de prestar contas da viagem terminada, projectar outra e preparar as capitu-
lações respectivas. Optando por uma solução intermédia, concluiremos que Hojeda. tendo partido de Es-
panha na primavera de 1499, gastou perto de um ano na sua exploração da qual tornou em abril ou
princípios de maio de 1500.
C*^ No lago de S. Rarlolomé. Identihcado por N com a laguni de MinciTbo (op. dl., tftmo III. pio. 8)
«e enamorou Mojcda duma índi.i, a que chamou Isabel. O cru . o, Iam de»uin,ino para COm M Indlgenj». dJ indícios dc
grande Icmura pela lormosa mulher (Navarrete, op. cit., lômo 111, doe. XX).
(") Navarrete, op. dt.. lômo II). doe. X.
(«) Hoieda. que nSo descura a sua reputação, pretende ter sido o primeiro a visitar Idda a rcglío; c o depoN
mento de Nicolao Perez parece dar-lhe mio {ApPndice B, respocta à 3a pregunla do fiscal).
(») hisloriã gfncrjl de lat índias, lômo 11. livro 2.o cap. CLXIV.
(") Harrisse fixa a data earíy in lhe summer of 1499 (The discovery of Norlh Americjt. Pari». 1892, pig. t76).
Op. dt., lòmo II. livro 2.» cap. CLXIX.
(") No Apí-ndice B. reflpo<sla à 3.» pregunla do fiscal.
Op. dl-, pág. 676.
Na carta de 18 de junho dc IMO a Lorcnío di Picr Franc- ia Vcipúdo (Vtonaud
Amàric Vispuce.pÁq. 393). a qual narra a viagem de 1499 dc mini-ir.i <i<ven» . . regreMO A Espanha sé
realiíou cérca de um mé^ antes, isto c, nos moi-idos dc junho, o Uca j v^.^^.lo Uc Navairt-ie, bastante adstrita a esta
carta V3rrli.iqen. ftuvnUndo da auiiínliciiiade do documento, fot i i-io c declarou-o apócrifo; c Vignaud concorda com
' 'e porque, no seu enli-ndL-r, Vcipúcio nuncj pjrrllhou da ideia talsa, consisnada na carta, de que as
da Asia (op- cit.. p.ig 59) Nío é convlnccnlc o argumento, visio como o llorentmo só escreveu
detJúia uj vijgoiii dc 1501 ao serviço dos porlugucscb. na qual percorreu dilatado trecho da costa da América do Sul- além
dc que 08 portugueses jamais conlundirjni .i^ novas regiov* com a Asia. Notaremos também o-.ir, ndcío foi sumpre
dObte parecer nos seu^ escritos, o taU.tno a quem i>e devf o texio apocnlo demonstrou rara In ido-thc a con-
trária; e setia entào a unlca, porque nâo se lhe descobriti outra. Humboldl nJo discute a .uii. :. . . i i caria cm que
Uzielll se acredita; mas Harrisse e hiske s3o da opinião de Varnhagen e ditaram o parecer de Vignaud. O reparo dOste critico
quanto à dala nio coltie, porque a do lim da segunda navegação da Lelterã tem lodos os visos de nao ser exacta.
" ' 113
I
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
IESPONDENDO em 1513 ao interrogatório do procurador fiscal da corôa de Castela, quando
)á era morlo o famoso florentino, declarou Hojeda ter levado consigo na viagem de 1499
Juan de Ia Cosa. piloto. Emerígo Vespuch e otros pilotos. Dêste modo de dizer se infere,
em interpretação rigorosa, que Vcspúcio não foi por piloto, nem julgamos natural que. ao
trocar a profissão de mercador pela ocasional de navegante ("). íôsse arvorado em ti-
moneiro duma expedição arriscada. ^
É pois indubitável ter o florentino andado ao lado de Hoieda na exploração que êste levou a
termo entre 1499 e 1500. de primavera a primavera, e seria de esperar que a segunda das navegações
da Lettera ("), de mato de 1499 a setembro de 1500, coincidisse com ela, a pesar do autor não di-
zer uma palavra de Hoieda nem de La Cosa. figuras primaciais da expedição. Há efectivamente concor-
dância entre o que ao certo se sabe da viagem do capitão castelhano e o relato italiano, na parte cen-
tral dêle. mas no princípio e no fim as divergências sâo bastante profundas e habililam-nos a concluir
que o texto da Lettera nâo traduz fielmente os factos.
De começo faremos um reparo quanto ao número de caravelas que o italiano nos informa se-
rem três ("). Fernando Colombo todavia afirma ter llojeda chegado ã Hispaniola com quatro navios
p'). e com êle se ajusta Las Casas ("); aliás os dois beberam na mesma fonte: os papeis do almirante
referentes à sua terceira expedição de 1498, Não temos razões para duvidar da exactidão destas teste-
munhas, e temo la para suspeitar de Vespúcio.
Conta nos éle que acostou ao continente por 5o de latitude austral, o que corresponde às vi-
zinhanças do Assú, no Rio Grande do Norte ('*). Como êste rio tem um pequeno delta (se é que tal
designação é cabida) e a Lettera fala em terras encharcadas, Vamhagen conclui precipitadamente que ali
foi o ponto de arribada (''). A relação italiana, no entanto, diz-nos que tòda a região estava inundada
por vários rios grandíssimos, aos quais se refere quatro vezes no espaço de bem poucas linhas, e de
tal maneira era o alagamento que a pesar de obstinados esforços não puderam os exploradores desem-
barcar, tomando nos botes auxiliares aos navios. Esta descrição não se afigura aplicável ao Assú. nem
mesmo ao Parnahyba, uns 2o mais ao norte.
A distância de 5» ao equador e a declaração na Lettera de ter atravessado duas vezes esta
linha, constituem os baluartes dos que afirmam Icr sido o Brasil descoberto por Hojeda e Vespúcio (**).
De facto, quando mesmo houvesse erro na primeira indicação, da segunda claramente se depreende que
os expedicionários estiveram no Amazonas, cuja foz é cortada pela equinocial. Mas para que tal afirma-
ção possa passar em julgado, é necessário demonstrar que as latitudes de Vcspúcio são dignas de al-
guma confiança, e admitir que a travessia do eqiiador não é uma ficção.
Ora as alturas do pólo fornecidas por éste pretenso grande nauta e astrónomo andam quási
sempre erradas de alguns graus, cousa que já não era permitida a um bom piloto português do fim do
<■>) No Archivo Qeneral de Prolocollot de Sevilha exisle uma procuração de 14 de maio de 1499. dias ante$ da
partida da expedição de Vespúdo, na qual (sic se intitula mercador florentino (Rodollo Schulter, O mappj porwguez mais
ãniigo do Brjsil, no iornal O ImpjTci^t, do Rio de ]aneiro. de 27 de maio de 1914). Aos que deduzem das palavras de Ho-
ieda que Vespúcio era pilòto. lembramos que éste linha sJdo nomeado pil6to-mór em 1508, cinco anos antes de prestado o
depoimento.
No Apèndiet A.
(") Hi também dlscrepjindia no ponto de partida que Vespúcio diz ter sido Cadiz, quando nós sabemos que
Hoieda »iu do P6no de S. Maria; mas pôde ser que o capilAo tocasse em Cadiz e ai tomasse a bordo o florentino.
(**) Historie dei S. D. Fernando Colombo, cap. B4,
r*) Op. dl. lõmo It. cap. TJO.
(**) Notaremos aqui uma contradição da Lettera que tira confiança nas suas datas. Diz-nos o autor que saiu de
Cádis em 16 de maio e aportou ao continente em 27 de tunho, gastando porUnto 43 dias no traiecto total; contudo afirma
paralelamente que só na travessia de Cabo Verde à Amíiia levou 44 dias. Deveria talvez ler-se no texto 34, explicando os
9 dias de diferença pelo percurso de Cadiz a Cabo Verde. Uio é muiio calcular êste praso. pois Oviedo escrevia, de 1523 a
1526, que de Cadiz às Cinárías se gastam ocfio dias poco mas o menos (Rclacion summaria de la hislona natural de las Indtas,
apud Andrés Q. Darcia. Hntoriadores primitivos de las Indtas Ocadenrafes). Alvares Cabral, comandando 13 navios, cm 1500
Íastou menos de tels dias de Lisboa kt Canárias e treze dias ás de Cabo Verde. (Carla de Pero Vaz de Caminha a eUret
t. hUnuel.)
CO Historia Geral do Brasil, pág. 122, da 3.* edlçSo de 1907.
(*) Vlgnaud admite que Vespúcio esteve no cabo de S. Roque (5* 29 S) e lhe podia ler dado o nome (op. cil..
pia IH nou llii O florentino chegou ao continente a 27 de junho e por 5» de latitude, segundo a Lettera; e S. Roque
lestefa-se a 16 de agotla TerU pots havido no Intervalo 51 dias de navegação, o que é suficiente para invalidar a hipótese
de Vlgnaud.
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
século XV C*) Sirva de exemplo a latitude de 15° boreais dada na mesma segunda navegaçSo, a qual toÍ
escrita depois de 1503. à costa próxima _ ___ _
da Ilha dos Gigantes (Curazao). que fnf^^*^^^^ }1 P 9 W
na realidade apenas conta de lio 3
120. Não admira que tal sucedesse,
pois Vespúcio. da mesma lórma que
os demais pilotos espanhóis do tempo,
determinava as latitudes, se é que \á o
fazia ao tempo, por imperfeitíssimas
observações da polar ao passo
que os portugueses, bem mais adian-
tados na astronomia náutica, as acha-
vam pela altura meridiana do sol e
pelas tábuas da sua declinação (*').
método ainda hoie correntemente usado
pelos marítimos.
Os navegadores espanhóis
que se aventuravam aos mares do sul,
privados do recurso àquela estrela-
guia, ficavam adstritos a conjecturas e
estimativas grosseiras (**)■ A tramon-
tana começava a sumir-se-lhes no ho-
rizonte em pouco mesos de 3* boreais
e tornava-se inteiramente invisível nas
proximidades de 1° austrais (**)■ No
Intervalo de cèrca de 7°, que represen-
tam um trajecto mínimo de 129 léguas,
podiam os pilotos imaginar errada-
mente que estavam áquem ou além da
eqiiinocíal. quando de facto iá a ti-
nham atravessado ou ainda vogavam
no Atlântico setentrional; e é possível
que Vespúcio partilhasse de semelhante
ilusão. Quem erra 3« ou 4° na determina-
ção da latitude de um lugar com a po-
lar à vista, conforme vimos acima, bem
pôde ter errado mais de 50 em outro
onde a estrela lhe faltava (embora ainda
no hemisfério boreal) e com a agravante
de operar a bordo, visto que segundo a s^,„^, „,,^„,, ^ ^„^,,,
Lettera não desembarcaram no ponto de ="''"*^'<» '■c-«imii«rd. 1.. «difio <i4í,ff.^j. (e-«mpi«riinice. riorança. tmouiiM>
acostagem. De resto, era tendência dos navegadores invocar latitudes excessivamente meridionais.
QVanto alTrcondo^liSK^o qudlo dit lo ff>(b attUl
ptu drgn '> dt memoria < c queUo cticqol fcffDc.PARlaio
dei porro di Calla rrcnaul dl oôfcrua adi 16. dl Maggio
0(comtnct.1monoflrocimlnoadlrlrrl allclfoledacaooarc^
de / pjtfando a alfla delia Ifoladi j^r^n Canar1i:ct tanto na^
ulgimo jdtcfiimo a tmm aduna Ifolafdic QdlocUfob dd
fuoco:rf qiil noftra proulfionedacqua flf dl Iqj^e/ pU
glilmo noíin naul^tlonr prr llllbecclotOc In 44.gtoml fii
ma atçncTr aduna nuoua terrarSílagludlcímoeRrre cem
fcrma" acconrlnuaconladlfopn fiH mrntlonctfiqaafr e/fl
aaradrmrodHbrorrlda zona / fle fuoradflla llncacqutno,^
ctlatc alia pane drIlo aaOrorfopra taquatc alu d polo dd om
rldtone'^. ^r3dl fuora dogntdynia:&dl(Tj dalícdcâc Ifolf
pcrduéroltbecclo í, oo.feghc: Ac rrouimo rflV re rquall cglor
filcon 'enot^i^c fumo ad epfj adi 2y.á\ Gta^o 1 quan
do dfole Ita clrca dcI trópico dl Canocf ituqual terra rrouiino
cnfç^ruaa anafara Ar plena dlgrandlíTiml fiumt.InqueOo
prlndpto nãuodrmoçenrratcuqairur^^aiooon noflre Datil
Ccbanimo fuora enoOn baucJltifumocon rpH amra iten
pic dloo i U aooâmo picna di graadifliml âuml / & a nncg«t«
b.íU.
A. DAM« <iS?r^ ^I!" "a*"^' ""'"^ 'í*'=° firmada de abral. determinou juntamente com os pilotos a latitude
<") Mesire Josí Vizinho. \i em H9i determinava Utlludes na Guiné por allura. solares O inlloo reflimcnio d«
alturas actta-se '"nscnlo no Regurento ao esUoUb.o e ao ouj>ir.inte e«mplar dc Munlch reprodSo porioaQuim
Densaude ^ ediçio lacsim.lar de I9N. feita a expensas do flovimo português. Í^Ta Introdução, o llu.lí ídHor nota JSe õ
Drilo Rebelo. Ésic erudito reporia a ISO6 a preparaçJo do Regimento do Cruielro do Sul (páo XLIX)
, , A* Ç?'*' (''^Jfs^e minoris) eram em 1500: ascençio recta 3*.76; dedliuao «6<»S8 (Neu-
gebaucr. Síernfã/eln von 4000 vot Chr. bis zur Gegenwart. 1912). A rclrac;io horizonlaTmédi. no eoúidor orçi por 30
115
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Nao sabemos do processo empregado pelo florenlino ou pelos pilotos de Hojcda para deter-
minar a distância ao equador déste lugar, se ela era Iam alta quanto alega. Era lhe válido socorrer se
da observação de outras estrélas que se não ocultavam naquelas alturas, tais como as muilo conhecidas
guardas da polar, mas seria mister para tanto conhecer as suas declinações, fóra do saber dos maríti-
mos espanhóis (*'). e observá-las nas culminações, superior ou iníerior. Poderia igualmente aprovei-
tar-lhe o conhecimento do rumo da derrota e da distância percorrida desde o ponto em que perdeu a
polar, supondo ter então atravessado o equador; mas êste cálculo indirecto era. por todos os lados, ex-
tremamente íalível. A remota probabilidade da utilização destes recursos induz nos a crer que Vespúcio
nâo atravessou o equador em 1499, conquanto se gabe de lanto. e a sequência da sua narrativa confir-
ma-no5 na persuasão.
Na época cm que teve lugar a expedição ainda nenhum navegador espanhol, em expedição
oficial, podia legitimamente jaclar-se dêsle feito que já em 1471. vinte e oilo anos antes, os portugueses
inscreviam no seu activo e Vespúcio só pôde realizar em 1501, na companhia deles. Vicente Pinzon, con-
tando a Pedro Mártir d Anghiera a sua viagem de 1499 a 1500. vangloriou-se de ter passado a linha,
mas havemos de mostrar à evidência que ele nâo passou de inventar ("). Vespúcio, na primeira das
navegações da Lettera, assevera ter partido de \b° boreais (?), em Honduras, e percorrido a costa norte,
do gòlfo do México: na terceira, em 1501. diz ter seguido o continente meridional do Novo Mundo desde
5« austrais até mais de 32". Para que fòsse completa a sua exploração do litoral da América, entre os
limites ao lempo conhecidos, era mister picencher a lacuna existente entre 16o boreais e 5» austrais, e
disso cogitou o florentino na segunda navegação, exagerando as latitudes extremas até 15° boreais e 5o
austrais, e declarando ter então atravessado o equador.
Diz nos a Lettera que a 27 de junho e por 50 austrais eram os dias iguais às noites, porque
o sol estava então nas proximidades do trópico de Câncer, o que depõe em des^bôno do saber astro-
nómico do autor. O Tratado da Esphera de João Sacrobosco, uademecum de astronomia elementar vul-
garizado na Idade Média, traz que o dia artificial (como então chamavam ao que hoje dizemos teórico)
s6 é igual ã noite em qualquer paralelo, quando o sol está nos equinócios, e que no eqiiador o é em
qualquer época do ano. Nas condições indicadas um cálculo fácil ('*) mostra que aquele dia regulava
por ili> aO"*, devendo ser pouco maior o verdadeiro porque o crepúsculo é curto nas regiões vizinhas
do eqiiador; Vespúcio teria pois observado mal, se a latitude acusada fôsse exacta. As pequenas dife-
renças entre o dia e a noite, nos fins de junho, nolam-se em paralelos multo mais próximos da equi-
nocial; e verificam-se por defeito quando abaixo, e por excesso quando acima desta linha. A igualdade
de dia e noite, se fosse possível a 50 austrais, também o seria a 50 boreais e no intervalo entre os dois
paralelos, de sorte que o pormenor indicado por Vespúcio, servindo para atestar a sua ignorância, nâo
nos habilita a conclusão alguma no que respeita à situação do ponto de chegada à América.
O mais forte argumento para contestar a visita de Hojeda ao moderno Brasil está no seu
próprio depoimento no pleito de Diego Colombo. O capitão castelhano, a quem se poderá negar o desejo
de ampliar indt^vidamcnte o âmbito das suas descobertas, mas não é lícito atribuir o propósito de as min*
guar ou encobrir, contradiz expressamente Vespúcio. visto que mais modestamente alega ter percorrido
quási 200 léguas do costa antes de Pária, o que na melhor hipólese nos traz sòmente a 6» ou ?<> se
tenlrionais. A extraordinária diferença de Ilo ou 120 existente entre as duas versões dos compartes da
expedição, ainda que atenuada por defeito na estimativa do primeiro ou por vício na latitude avaliada
no segundo, é motivo mais que suficiente para rejeitar a afirmativa de Vespúcio. já que nenhuma razão
se nos of ^ oara contestar a de Hojeda. Pôde objectar-se com a fone corrente marítima na costa nor-
deste do ; -ii (' ) no sentido do trajecto realizado até Pária, por efeito da qual é permitido supor que
i»_ *'*L.9 pn-prtaum de Zaculo. impresso em Leiria em 1496 e reproduzido íac-similarmenle por Joaquim
SSSÍçôM* dc eStíèSs ' ^ longilude cdíptica de alsumas estrélas. As Ephemerides de Regiomonle nâo davam as
i>(««™ Veia « adianie, no nosso estudo dedicado às navegações de Vicente Pinzon. a parle inlltulada Vicente
rtmon em liOO não atravessou a cijuinoctat.
- .**^ Servimo-nos das tábuas de dedin.HJo solar do Regimento do esnotabio e do quadrante, sutidenteracnlc prc-
Qsas no caso. que dSo aquela coordenada asironòmica igual a ZZ» 49 boreais no dia 27 de iunho.
BA» (i« nrf«í« "^t. ^\ ' •** Trindade onde se inlema pelo gôllo de Píria. sai déle peU
ií^t^TlSL^?^? '^*''''^*íx* ° Oull.esiream. A sua velocidade niáxi™ até o gÔilo de Pária pouco
excede 32 qulWmelros por dia. menos de 6 léguas das usadas amigamenie pelos espanhóis.
116
Modtlo da MJ4ulna do Mondo «u* con*«rv« na Dibllol*» do Conv«nio do Cttorlal. Capanha
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
na 8.« pregunla o fiscal reivindica para Diego de Lepe o descobrimento de terras ao sul do cabo de S.
Agostinho, que já não estavam no domínio espanhol; Hojeda podia, por conseguinte, avocar a si a gló-
ria de ter pnmeiro pisado solo reconhecidamente português, sem receio de incorrer em qualquer censura.
É evidente que o ousado capitão nunca pensou em coroar-se com as honras da primazia na visita às
regiões que precedem ou seguem o Amazonas.
Hojeda e La Cosa, quando chegaram à Hispaniola. declararam a Francisco Roldan (") ter per-
corrido 600 léguas de terras novas; seriam pois perto de 200 antes de Pária, e cerca de 400 desde êste
ponto até o cabo de Vela. Ora èsle total, dando de barato que seia exacto, é ainda menor que a dis-
tância percorrida até Pária por Vespúcio, se êle passou pelo Assú (650 léguas).
Interrogado pelo fiscal a respeito das regiões primeiro avistadas por Vicente Pinzon, o capi-
tão castelhano declarou que já havia descubierto un pedazo de la misma costa, isto é, bastante menos
de melade. Esta declaração moderada prova à evidência que Hojeda não pretendia ter visto o enorme
trecho do litoral que se estende entre Pária e o Amazonas; se éle tivesse chegado ao Assú, como pre-
tende Vamhagen O. poderia gabar-se de ler descoberto tudo o que viu Pinzon e ainda mais, porquanto
o limite extrémo a que chegou êste nauta, na opinião do insigne brasileiro C''), é a ponta de Mocuripe
(30 40 S). que está ao norte do Assú (5° 8 S). O limite, na opinião do fiscal e de Pinzon, era o cabo
de S. Agostinho (8» 21 S): nem por isso deixa de colher a nossa observação.
O termo das capitulações de Pinzon de 5 de setembro de 1501 (") menciona especificada-
mente os descobrimentos feitos pelo navegador no ano anterior, e entre êles o rio grande donde corre
um mar doce, ao qual põs o nome de S. Maria dei Mar duíce. Na identificação dêste rio, não há a esco-
lher senão entre o Amazonas e o Orinoco (^"). os únicos no nordeste da América austral que manifes-
tam o fenómeno. Ambos éles deveriam ter sido vistos por Vespúcio e Hojeda, se é que atravessaram a
equinocial, porquanto na narrativa da Letfera se afirma que navegaram com a terra à vista.
íComo é, então, que os reis católicos atribuem a descoberta a Pinzon, quando Hojeda já há
dezasseis meses estava de volta e os devia ter informado dos resultados da sua expedição? tComo é
que os reis consideram Pinzon descobridor da costa ao sul do cabo de S. Vicente, o qual está ao norte
da foz do Orinoco, segundo vimos atrás?
Narra a Lettera que depois da tentativa infrutífera de desembarque, os expedicionários nave-
garam 40 léguas entre leste e sueste e que. não podendo resistir à violência da corrente contrária, deci-
diram relrocodcr. entregando-se ao sabor dela. Navegaram tanto que encontraram uma ilha, a qual, pe-
las indicações dadas, os autores modernos concordam ser a da Trindade. De sorte que, desde 5<* de
latitude austral até 10° de latitude boreal da ilha, isto é, no enorme percurso de mais de 600 léguas de
costa em que deveriam ter gasto muitos dias, passando à vista de variadas e maravilhosas terras, sulca-
das de grandíssimos rios e povoadas de tam estranhas gentes, não só Hojeda se abstém de desembar-
car mas não nos dá Vespúcio a menor notícia delas. iA simples frase e tanto navicamo allungo delia
terra e nada mais! É perfeitamente inverosímil.
,Nem sequer menciona o Amazonas! Se o cosmógrafo florentino tivesse aportado à região in-
dicada por Varnhagen, tè-Io ia visto quando correu a costa e Hojeda com éle. No entanto, nem o pri-
meiro na Lettera, nem o segundo no seu depoimento falam no portentoso rio; e o castelhano, interro-
gado acerca de Pinzon e do achado do rio grande donde hallaron el agua dulce que entrada en la mar,
Umita-se a confirmá-la, sem pretensões algumas à prioridade, i Pois não era caso para modestamente
prescindir dela !
A conclusão impõe-se à vista dos argumentos apontados: ou a expedição descrita pelo astuto
italiano, na parte anterior a Pária, não é a que éle fêz às ordens de Hojeda, ou no caso contrário êle
nâo atravessou a equinocial e falseou, propositadamente ou por ignorância, a latitude do ponto de arri-
_ ,. t*> Navarrele. op. dl., pág. 7, nola. Vlgnaud. que se tínge estrcilamenie a Varahagen, cila a mesma carta de
Koidan em abôno da oplniJo contrária -o que nos causa estupelaccio <0p. cil.. piq. 142).
... ^ predso nolar que o ilustre escrilor desconhecia o texto completo das Probaniãs. publicado muitos anos
depois do seu laledmenlo.
(") Historia Geral do BtasíI. pág. 123.
^■A„.., z/-**^ Wis-se a nota 17. O cxcelenle argumento do lexio. que Vlfinaud passa em sltêndo, lol apresentado por
d Aveuc fCo-T i/js géogrãphtques sur I htstoire du Brésil, pig. 89).
. ' "t)nsiraremo5 no nosso estudo sôbre Pinzon que o rio em questio era o Orinoco, cujo descobrimento,
atribuído a «ste navegador, mostra que Hojeda nâo chegou 4 ver-lhe a foz.
118
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
bada ao continente. Na segunda hipótese, o Icxio da Lettera dá a entender que èsle ponto está no delta
do Orinoco, concordantemenie com o que ao certo sabemos da viagem de Hoieda.
Se a primeira parte da descrição contida na Lettera corresponde a uma navegação diversa da
de 1499. também na última, depois de Pária, se oferecem discrepâncias insanáveis com o que segura-
mente consta dela.
Assim Vespúcio diz-nos que. voltando de descobrir, desembarcaram na >lnrtí7//a. prováveimcntc
a Mispaniola. onde permaneceram 2 meses e 17 dias. saindo em 22 de julho de 1500 e regressando a
Cadiz em 8 de setembro seguinte. Teria pois sido a chegada à Hispaniola em 5 de maio de 1500. quando
de fonte certa sabemos que Hojeda estava à vista da ilha cm 5 de setembro de 1499 ("); e o regresso
dèsic à Espanha foi por abril ou maio de 1500. ao passo que Vespúcio diz lé-la alcançado 4 meses
mais tarde.
Para conciliar tam aparentes divergências socorrc se Varnhagen de duas hipóteses ("). Há cm
primeiro lugar um érro tipográfico na Lettera, que traz 2 meses e 17 dias onde se deveria ler 10 meses
e 17 dias (duo por dicci); em segundo lugar. Hoieda. fario de malquerenças com Colombo, pariiu mais
cedo em fins de fevereiro ou princípios de março de 1500. deixando Vespúcio para traz. Mas d Avezac
observou que nâo se podia conciliar a primeira hipótese com a afirmativa do florentino de que es-
tava no mar há perlo de um ano. quando locaram no último pôrto antes da Antilha. Isto toma claro que
Vespúcio ainda demorava pelas costas da Venezuela nas proximidades de maio de 1500, e nâo podia
portanto estar em Vaquimo a 5 de setembro de 1499.
Vignaud. mais respeitador dos algarismos da Lettera. sustenta outra doutrina, e admite que,
depois de sair de Pária. Hojeda abandonou a companhia de Vespúcio. entrando os dois na Hispaniola
em datas diferentes ("'). Depois da bifurcação da viagem, que de então em diante se tomou indepen-
dente da do castelhano, o florentino avistou sucessivamente certa ilha [i Margarita?) e a dos Gi-
gantes (Curazao), depois entrou num gôlfo que Vignaud supõe (ainda que sem indicação alguma da
Lettera) ser o de Venezuela (Maracalbo). onde se demorou 47 dias. e da( partiu finalmente para a última
escala na Hispaniola. aonde chegou a 5 de maio. Ora Hojeda pelo seu lado lèz o mesmo trajecto: sa-
bemo-lo do seu depoimento. Éte declarou que percorreu a pé a Margarita, como Vespúcio; reconheceu
los gigantes, como Vespúcio. que se atribui êste nome; fundeou em Venécia (ou Venezuela), nome italiano
que trai a presença de Vespúcio ("), visto que Hojeda nunca esteve na Itália. Assim os dois navegado-
res, embora apariados, narram as mesmas derrotas, o que é para surpreender. A coincidência de ambos
darem a mesma denominação à ilha dos Gigantes é muito singular, uma vez que nâo sabiam um do outro
quando o fizeram; demais, sabe-se que Hojeda visitou novamente a ilha em 1502 e nâo encontrou gi-
gante algum (""). conservando-lhe ainda assim o nome de fantasia.
A problemática separação não se pôde ter feito em Venezuela onde se procedeu â reparação
dos navios, porque file arribou ai nas proximidades de 18 de março de 1500 ("), época em que Hojeda
estava a caminho de Espanha. Fèz-se antes, e se recuarmos o mais possível, no pôrto em que acosta-
ram, depois de Pária e antes de Margarita, para concertar uma caravela que fazia água. Mas como isto
(■>) Vignaud. a pág. 147 da obra diada. vé no depoimento de Cristobal Oarda uma prova de que Hoieda e La
Cosa estavam na tlispantola cm setembro de 1499. Mas ésse depoimento (Apêndice B. resposta à s.> premunia do liscal) con-
tormando-se com a presença dos dois, nâo menciona datas, nem é possível inferi-las dèle; aliis a testemunha nao viu, apenas
ouviu dizer a marinlieíros que os dois tinham chegado num barquete. por terem perdido o rcsio da gente e os navios (e nio
navio, como di; Vignaud). E possível que narrasse. n.lo a chegada a Vaquimo, que sabemos (de Fernando Colombo e Fran-
cisco Roldan) ler tido lugar em mais que uma caravela, mas um dos muilos episódios que se desenvolveram durante a per-
manênda de Hojeda.
(«*) Examen de quelquet poínts de Vhistoire géogrjphique du Brisil. § 3, pig. 18.
("> Op. dl., pig. 89.
(«) Op dl„ pág. 147.
(**) Na narrativa da prím icm da Lettera. que para muitos autores é a de Ho|eda «Iterada, enconira-se a
mençlo dc um povoado assente cm i i, lembrando ao navegador Italiano a cidade de Veneza. Vignaud. notando que
naquelas paragens existiram varias povoações desta natureza, julga possível que Vespúdo encontrasse alguma delas cm 1497
ou 1498 (op. cit., páa. I2ã). Cm todo o caso é de estranhar que desaparecesse a memória da que <le detcreveu. e que
adquirisse e conservásse o nome aquela em que nao fala, por obra e graça de Ho)eda que nunca pd« os p<» em Veneu.
(•O Navarrete, op. dt., (òmo llt. pág. 7, nola.
{") Dando S dias para a viagem de Venezuela, último ponto em que Vignaud supOc ter locado Vespúdo, al<
Hispaniola. e acrescentando 47 dias de demora, temo» um total de S2 dUs ; como <Je chcffou à lltu em a de maio, condul-
moc a data do texto.
119
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
não podia ter acontecido antes dos primeiros dias de agosto de 1499 {") segue-se que Hojeda comple-
tou a sua longa exploração desde Pária até o cabo de Vela cm menos de um mès, o que representa
um íour de force inacreditável, visto como èle tocou na costa de enseada em enseada i") e se demo-
rou nelas a rescatar.
Em Venezuela, último pôrto em que estacionou Vespúcio, tinha êle pelo menos duas carave-
las, pois fala em nostri nauili V ), e como eram três os da expedição, segue-se que Hojeda se teria se-
parado apenas com uma. Ora não só FemanSo Colombo diz que êsle navegador chegou a Hispaniola
com quatro, mas temos o testemunho de Francisco Roldan que o foi ver a Vaquimo, e menciona las ca-
rabeias (''). Esla inexplicável contradição invalida a tese de Vignaud, que além disto (bem como a de
Vamhagen) enferma doutro vicio grave: o silêncio da Lettera sôbre a separação dos navios depois da
passagem por Pária. O seu autor não faz a mais leve referência a tal aconlecimento, cuja importância é
primacial se realizado no decurso da exploração do continente americano e prolongado até o regresso
a Espanha. Esta razão é suficiente para concluirmos que os expedicionários nunca andaram apartados
por largo tempo.
A viagem de Vespúcio com Hojeda não está fielmente descrita na Lettera. que ou a altera, ou a
mistura com outra. De maneira alguma se pôde admitir que o testemunho do italiano, isolado e invorídico,
prevaleça contra o do espanhol, quando pretende ler avistado, por 5o de latitude sul, o actual Brasil'
o MAPA HUH
Dl DClUAN DC
LA COtA
UAN DE LA COSA (Viscayno), pilòto de Hojeda em 1499. que já seis anos antes embar-
cára com Colombo na qualidade de mestre de cartas de marear ("). teve o cuidado
de esboçar numa delas a imagem de ludo quanto havia descoberto, ao que nos refere
o piloto contemporâneo ]uan de Xerez. Esta carta sumiu-se. como sucedeu a todas as
congéneres da época, mas possuímos outro documento que a substitui com decidida
vantagem, o planisfério manuscrito do mesmo autor executado em Puerto de S. Maria entre a pri-
mavera de 1500, em que regressou à Espanha, e outubro do mesmo ano. data da sua partida com Ro-
drigo Bastidas {'*).
Depois que o grande Humboldt o desencantou em 1830 na biblioteca do barão de Waicke-
naer, lançando-o à publicidade, éste monumento da cartografia espanhola, o mais antigo de quantos re-
gistam as surpreendentes descobertas do Novo Mundo, tem servido de tema a numerosos estudos e
controvérsias, continuando não obstante em aberto diversos problemas por êle suscitados O mais im-
portante de todos, senão o mais debatido, é o da sua autenticidade, sóbre a qual os entendidos hesitam
fl«« com coí^n,?,SS^ , "Jí l^^^JVT^?. infrutíferas de desembarque, o percureo de 40 té-
íha. a id/pZ^ o^ide p . DemSu^n J^^ "'^ " '-'í'^ ^úr^á^6^. o desembarque peno desta
«m peroiri no ÍS! Vespuao diz ler «™o muUos dís^^d^^^^^ ull.mos dias de julho, pelo menos, Se^uiu-se
concertou a caravela. ' ' "^^"''o P*»'* chegar nos primeiros dias de agoslo ao pòrio onde
dos aulos do proUsso de Mojed™ e VeroSrl em iSi G^níf^" «"'^««"'os a ongem da informação, talvei tirada
ím. (op. dl.: ÍSs. 7«r' " ' vcspuao um unlco Mvio (op. dl., pág. 147). MarrisM lamMm cal no mesmo
C') Na caria dtada. na nota SO.
("I N.v. nr -o, op. dl.. lômo It. doe. LXXVl.
''*TS,re''2VG^^^^^^^ V "^'«'^^W»'^ contiecemos as reproduções de Humbold. (tômo
' drBarâo do Rio íí^nr^ - ^T^^" <^^"f'">'"0. de Jomard (Collecfíon des monuments de la
we^nmenf de la Conlédératwn Smsse}. e de anovas Valleio y Tralnor. litografia colorida
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de que damos a parle
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3.1
CÃ
o Arquipélago de Santiago, o litoral
o Arqtilpciago de Santiago, o lltorfl
lFragn»enlo do
^ oúQ
f
li
« a Ilha descoberta por Portugal.
Juan de u Com).
n
os FALSOS PRECURSORr*^ Pi: Al.VARES CABRAL
em pronunciar-se definitivamente, incllnando se uns a que é autógrafo, outros a que é cópia do original
de 1500, quási todos concordes porém em que foi acrescentado, como a mór parte das cartas manuscri-
tas existentes. Nâo é pois ilimitada a confiança que se pôde depositar nesta peça, cujos informes ficam
sujeitos a resiricçôes e a verificação subsequente.
Uma das questões que mais tem chamado a atenção dos criiicos é a da Insularidade de Cuba,
patente no mapa de 1500. mas só reconhecida oficialmente por Sebastian de Ocampo oito anos mais
tarde. Em 12 de junho de 1494, ]uan de la Cosa assinou, por Intimação de Colombo e sob graves amea-
ças, um termo no qual jurava ser Cuba terra firme; seis anos volvidos desenhou a como ilha.
i Donde lhe proveio a informação, ainda então Iam sujeita a dúvida que se fêz mister uma tardia ave-
riguação oficial?
A esta interrogação não é possível por ora dar resposta segura; porém Harrísse demonstrou
cabalmente que antes do pequeno périplo de Ocampo já os cartógrafos sabiam que Cuba era insular e
como tal a figuram (■').
As explorações que conduziram a tal resultado não estão todavia divulgadas; tizeram-nas na-
vegadores clandestinos ou outros igualmente obscuros, que obtiveram dos reis licencia para descubrír
ou se prevaleceram da permissão geral concedida em 1495 e revogada em 1497. Confirma-o uma passa-
gem, escrita em 1501, de Pedro Mariir de Anghíera. o qual se refere aos que pretendem ter circundado
Cuba C'). Daqui tiramos uma ilação importante: na interpretação do mapa de La Cosa nâo nos devemos
ater tam somente às viagens oficiais conhecidas, mas há que contar com contribuições de exploradores
cujos nomes e feitos foram votados a irremediável esquecimento.
Vignaud crê que a insularidade de Cuba fôra revelada ao pilóto biscainho por Vespúcio. seu com-
panheiro na viagem de 1499. que ao termo da primeira expedição de 1497 náo podia ter dúvidas a êsse
respeito (■ ). Na narrai^ão da incerta aventura, dada como a mandado do rei de Castela, nâo diz o flo-
rentino uma palavra de Cuba; e quer-nos parecer que o eminente americanista engrena numa hipótese
outra hipótese, ainda mais falível. Debalde procurámos no planisfério vestígios de suposta colaboração
de Vespúcio. Se èle tivesse informado o cartógrafo biscainho dum facto de que não faz a mais ligeira
menção, por maioria de razões esperávamos vê-lo a par do descobrimento do extenso litoral que vém
desde hlonduras, rodeando o gòlfo do México, até a península de Flórida, o qual os defensores de Ves-
púcio pretendem ter sido percorrido em 1497 e é descrito na Lettera. Ora quem examina o trabalho de
La Cosa fàcítmente se persuade de que tal não acontece, pois êle nâo figura Honduras, nem o sul dos
Eslados-Unidos, nem talvez a Flórida, mas apenas em seu lugar uma costa imaginária e convencional,
nunca uma costa verdadeiramente explorada ('").
O contôrno vago e despido de nomes, que desce do mar descubierto por ingleses até o qua-
drinho de S. Cristóvão, segue depois da interrupção até o Monte de S. Eufemia, termo da viagem de
La Cosa, e parece ser uma linha contínua, separada em duas pela imagem iluminada, mas ligando em um
só todo as duas Américas. Se assim é. cabe a La Cosa a primazia na afirmação escrita da conlinenlali-
dade do Novo Mundo, da qual èle deveria ter indícios suficientes para se abalançar a Iraçá-ta.
Notemos que a questão nâo está somente em inquirir se o biscainho supunha as novas terras
continentais, mas também se as considerava distintas da Asia. Para Humboldt esta segunda intenogação
resolve-se pela negativa V"); Harrisse, ao contrário, responde a ambas afirmativamente. Se, diz o emi-
C) The discopcrp of North America, 1892. pi{j. 97—109
Neque enim desuni qui se cireuisse Cubam ãudeãni dícere. An hãte ita sim, mt/tdiãe fsnH inventi occs'
Siones quaerant in hunc tnrum (Colonum) non dijudico; tempus loquitur, in que veros judex vi^iIjI. (Década I. livro 6.». A
Introdução ao livro 3 o da Década I dala dc 23 de Abril de ISOI, e &abe-se que o* 9 primeiros llvrot eslavam prontos ao
termo do primeiro semestre dé&se ano.
(") Op. dl., pág. 132. Êste autor, de acdrdo com a hipótese de Harrisse (op. dt-, pia. 332 — 334), airlbul reto-
lutamente a Vespúcio a nomenclatura da Florida que traz o mapa-mundi de Cantino (1502). E' Angular a Inslst^nda com que
se lan(a á conta de Vespúcio lãdas as inforiiiacões de provenlénda desconhecdta. Se éle tiveste dado nomes i Flórida na
viagem de 1497. única que té' para ésse Lido. lél-os-la revelado a La Cosa em 1499 (con|unlamenle com a Insularidade de
Cuba): ora o cartógrafo omÉllu-os completamente e a mesma nomenclatura, na parle da costa que Se poderia dilcr da Flórida,
difere compK-lamenie da de Cantino e talvez lenha origem in^lísa.
C) Harrisse. Les Corte Real. 1883. píg. 97 e 105.
f*) Veja-se a inscrição na reprodução gravada do mapa dc La Cosa. lómo V do Examen CriUque.
»
121
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
nenie americano, êle intentasse figurar a costa oriental asiática na vasta terra conlinenlal adjacente às
(ndias ocidentais, dar lhe-ia nomes que lembrassem fAangi e Cathay, emquanto que o mar contíguo nâo
seria simplesmente Mare oceanus, como esiá no planisfério. mas Oceanus orientalis Indis ). Lembre-
mo-nos porém de que. precisamente por Colombo pretender a descoberta de Mangi e Catha^, e ler-lhes
dado nomes diversos, estava La Cosa dispensado de inscrever os de Marco Polo. O planisfério. além
disto, está incompleto ; a linha eqiiinocial representada não chega a dez vezes a distância do equador
ao trópico de Câncer e portanto, em vez de ter 360o. não atinge 240, Nos 120° ausentes, um lerço do
globo terrestre, não sabemos o que poria o cartógrafo, e o mais ajuizado é admitir a sua total ignorân-
cia, uma vez que as descobertas dos dois povos peninsulares tinham transtornado a geografia do globo
universalmente aceite. Mas ainda quando se queira que na mente do piloto biscainho existisse descon-
fiança nos sonhos asiáticos de Colombo, temos fortes suspeitas de que nela não eslava arreigada a
aenca da contincntalidade das regiões novamente achadas.
Efectivamente é de espantar que por essa época tivesse sido revelada a existência de terras
na América Central, sem que ficassem vestígios das viagens de descoberta. Compreende-se que alguns
navegadores tivessem circumdado Cuba, em viagens sem cunho oficial cuja memória, embora vaga, não
ficou comptetamenie perdida (Pedro Mártir), porque há 7 anos os espanhóis exploravam a ilha. O pla-
nisfério anallzado pôde assim beneficiar com as informações que daí vieram; tmas dar-se-ia o mesmo
com regiões inteiramente novas e de extraordinária vastidão, que necessitaram do concurso de várias ex-
pedições e cuja descoberta foi sucessivamente reivindicada por Rodrigo de Bastidas com o mesmo La
Cosa (15001502), Colombo (1502 1504), Pinzon, com Dias de Solis (1508-1509), e ainda outros depois?
Em 1500, a tierra firme entrevista por Colombo em 1498 prolongava se. na parte conhecida
pelo ocidente de Pária até o Monte de S. Eufêmia e pelo oriente até um ponto mal determinado; a ex-
tensão do litoral legitimava que o reputassem continental. Ao norie das Antilhas,' o veneziano ]oâo Ca-
boto explorára para os ingleses uma grande porção de costa, e admitindo a veracidade da primeira na-
vegação de Vespúcio, pódc também dar-se como conhecida a zona que rodeia o gôlfo do México a con-
tar da parle setentrional de Honduras (se ligarmos credito ã latitude indicada pelo florentino). Também
era de prever que tôda essa região fõsse julgada continental, embora não estejamos seguros de que a
considerassem distinta da Asia (*'). Faltava porém descobrir uma parte do norte da América meridional
e a parie central até Honduras (*')■ Ora era aí, ao poente ou sudoeste de Cuba, que alguns navegado-
res espanhóis, desaentes do Cathav e da Cipango de Colombo, sonhavam encontrar a passagem que os
devia conduzir à terra da especiaria. Tal foi o objectivo do próprio Colombo quando em 1502 empreen-
deu a sua quarta expedição, el alto viaje, que lhe tornou conhecido o litoral desde Honduras alé o Pa-
namá, mas não o estreito tam cobiçado C*). E a prova de que em Castela não se desiludiram da sua
existência, está em que Pinzon e Dias de Solis foram encarregados, em 1503, de procurar aquel canal 6
mar abicrlo que imaginavam existir ao norte da eqiiinocial ("). Seria estranho que o piloto biscainho,
convicto de que o Novo Mundo não era Ásia, fòsse alheio a esta ideia ou não comungasse nela, admi-
tindo ao envés a continuidade da tierra firme. O traçado do Novo Continente é portanto suspeito, e su-
gere outra mão C").
Harrisse tenta provar que a continentalidade das descobertas já estava nitidamente esboçada
fT) Op. cii,. pig. 111.
(•') HafTlstc. The discovery of Norlh America, pág. 107; Vignaud. op. cit . pág. 151. 267. 279 e seguinles.
Vignaud. op. dl., pág. 149 a IS2.
.Hí.,?,^*-*Í'«*'n*^*^°lf'"*l° ^Z^r? Proiecío (op. cit.. tômo III. pig. 22). Veja-se sòbre o
mctmo asninto a tltslone dei S. D. remando Colombo, cap. XC,
(") Toribio de Medina. Juan Dias de Solis, tômo I. pág. CXXIV. Nas conferènci.is que precederam a viagem
lomaram pane Vespucto e La Cosa. ileria o Florentino suMentado. contra a opiniào prevdlescenie, que tal cMreilo nSo
cwslia? TuJo reva a crer que nio. e que tam pouco Invocou a suposla expedição de 1197 como prova do contrário. ;A pas-
sagem estaria entre ISo e 16" de lati(ude boreal, espaço que a CeUerj nào alega ler percorrido? La cosa deveria então
dr"li1íhí*^í'onii.íS"°* " * "'o^Ç^o 1"»'»"' de S. Cristóvio nâo rípresemava uma interrupção ínlendonal
ridi. .. 1. !5«,*'5?'*^!!).l'lífi!'*.4"*í'..^*\'* ter Intervindo depois de setembro de 1502. porque nesta data regressaram Bas-
Kíam%i^qu^o'liXíf^s'ío'íSÍal"""'** ° ^^'«^ ^^'^ ° ''"'^"^ ''^'«'^
122
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
lunio dos wpanhois ao alvorecer do século XVI (-). mas sao pouco sólidos os seus argumentos dos
quais o melhor é precisamente o mapa-mundi de La Cosa que provávelmenle. se é autógrafo. loi alterado
Mais antigas, senão melhor fundamentadas, eram as noções dos portugueses na matéria. Duma carta de
Fieiro Pasquahgo à senhoria de Veneza V ) se infere que já em 1501 se acreditava em Portugal num
continente ligando as terras americanas do extrémo norte, visitadas por Corte Real. com as do sul
descobertas por Cabral ("). O mapa de Cantino, de origem portuguesa, mostra-nos igualmente, em data
anterior a novembro de 1502. um continente na parle conhecida da América austral.
Tornou-se moda presentemente, reagindo contra o descrédito em que incorreu Vcspúcio con-
cedcr-lhe a prioridade na afirmação da continentalldade do Novo Mundo austral, como se o facto de éle
ter sido o primeiro a imprimi la. naquele tempo escasso cm publicações, lhe conferisse de pleno tal
direito. A verdade e que o Mundus Novus só viu a luz da publicidade cm 1503 ou 1504, depois da
viagem por êlc empreendida em 1501 em companhia de portugueses, durante a qual diz ter percorrido
perto de 27o de latitude na América do Sul e se convenceu de que ela era continente. Nào é certo,
todavia, que o florentino pensasse com igual segurança em 1500 (' ) a pesar da sua viagem com Hoicda
e f-a >osa e menos ainda que confiasse na junção das duas Américas. Pela nossa parte, julgamos que
a Ideia de um novo continente devia surgir de preferência entre portugueses, que jamais confundiram
com a Asia as terras ao ocidente do hemisfério austral (em cuja existência já criam antes de 1500)
e que tinham sobre as dimensões do globo terrestre noções muito mais exactas que os espanhóis
desse tempo (^").
Nâo faltam motivos para duvidar de que o planisíério de La Cosa seja autógrafo. )á Harrisse,
atentando na estranha nomenclatura anotada em regiões percorridas pelo próprio autor, sugeriu que éle
nào é o documento originário, mas uma cópia contemporânea alterada (*'). e nós fazemo-nos eco de tal
suposição. Nào são sòfViente as designações escusadamente repetidas, as mutiladas e as vasias de sentido,
por mais que o rebusquemos: verifica-se a ausência de indicações que deveríamos encontrar, ao mesmo
tempo que surgem outras inesperadas.
Assim, Hoieda depôs que descobriu desde los Frayles. ilhotas próximas da Margarita, até
Cuqtíibacoa, a Guajira de hoie, pontos a que se relerem seus companheiros de viagem nos autos das
Probamas dei fiscal; e éste último tinha aos olhos do castelhano tanta importância que em 1501 pedia
e obteve dos reis católicos como compensação o governo desta província ("'). Pois bem, os dois nomes
que marcam os extremos da costa descoberta nâo aparecem no mapa. I^altam igualmente as indicações
da ilha da Trindade e de Pária, da região maravilhosa que provocou a viagem de Hojeda e do seu pilôto.
Sabe-se que Colombo na sua segunda expedição abordara à Hispaniola pelo extremo oriental,
verificando que os naturais chamavam Haiti àquela parte da ilha ( 0. e La Cosa. então companheiro de
Colombo, não o podia ignorar. Contudo Haiti designa no planisfério uma ilha das Lucaias e nâo a Hispa-
niola. como era de prever ("). i Porque estas anomalias, se foi realmente La Cosa que o desenhou?
Quer porém a famosa peça seja aulógrafa. quer apenas a reprodução dum protótipo preexistente,
. ^ ^ °P ^i-^ * "O Harrisse, em 1983, considerava s lintia continua de costa uma hipótese cartoaráflcs
de La Cosa (£w Corre RejI. pág. iw). « - <»-
O*) Carta de I8 de Oulubro de I50I, publicada por Harrisse. Les Corte Re^t, pig. 2ll.
(*) Isto < considerado por Humboldl uma surprecndcnle adlvInliacSo (Op. dl., lõmo IV. pio. 262)- e todavia ■
èsle sábio devemos o conhecimtnio do planisfério dc La Cosa. >- ' »- . f » i. ^ i«u<via ■
{") A principal raíào pela qual Vignaud nega a aii' iic da carta de 18 de Julho de ISOO escrita por
Vespúdo a Lorcnío de Medíeis, consisic em que o ílorenilno nu . diiou que as terras novas tòssem asiáticas Noutro
capitulo desta obra inosiraremos qu« o inapa de Camino, no qual seralincnie se ouere ver colaboração de VesDúdo
SC léz à revelia dtle. ^ ' '
(Tt Quando Colombo reputava o grau em 56 2 3 milhas (M quilómetros), extraindo *ste dado de Alfraoano os
pilotos portugueses avallavam-no cm 70 milhas, valor multo mais próximo da verdade (lOl em wt dc 111 quilómclros).
(•') Op. dl., pag. 415.
C*) Navarrete, op. dt^ l6mo III. doe X.
(•») Narrativa da segunda viagem de Colombo pelo doutor Chlanca. em Navarrete, op. di.. lômo I pig 209 Uma
prova de que Haiti se tomou então nome de Hispaniola esiá no opúsculo contcmporinco de Frev Kamon Inserto na Hísioriã
de Fernando Colombo (cap. U<l|. Vcia se também sôbrc o nome Haiti a Décída III livro 7.0. dc Pedro Mártir.
(»') A tentativa de Humboldl fExjmcn Critique. lômo III. pJg. 215 a 223> para explicar o que *Ie chama uma
biiarrehe do mapa de La Cosa parcce-nos Inlruiiíera. Notemos todavia que o de Cantino, dilercnte dfste quanto is Ilhas ao
norte de Cuba e da Hispatilou. traí também Halil como Ilha ao poente da dc La Cosa. o que prova a exlsiínda no protótipo
português donde èle lol copiado, da errada indica(io.
123
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
é indubitável que foi acrescentada na parte americana e contém inscrições de diferente origem ("). O
que para nós inculca fortemente uma colaboração estranha é a maneira como está representado o nordeste
da América meridional, onde até vemos esboçados o desvio para sudoeste e a reíntrância da costa
brasileira da qual em Espanha náo podia haver notícia em 1500. Mostraremos mais tarde (*") ser
necessário admitir que a carta sofreu retoques ulteriores para não cair na hipótese de viagens clandes-
tinas quási simultâneas, a qual. conquanto não seja impossível, é extremamente difícil de aceitar (•')■ Por
agora vamo-nos ocupar da de Hojeda. cujo limite ocidental está bem definido no mapa mundi do seu
pilôto. mas que não tem indicações sôbre o ponto terminal a oriente. É certo, porém, que a exploração
daquele castelhano não é a única figurada, porque éle não abrangeu tam grande extensão de costa até
o cabo cuja descoberta é atribuída a Vicentians (Pinzon).
Nao queremos amesquinhar o valor da construção de La Cosa. mas força é reconhecer sua
escassa utilidade no que respeita à situação geográfica, às distâncias e à configuração das ilhas e porção
de continente nela figuradas, sem todavia concordarmos com Ducher {"■). que lhe nega a qualidade de
mapa. Efectivamenie, os contornos das terras americanas então conhecidas estão imperfeitamente traçados,
não há módulo certo e regular por onde aferir distâncias e as latitudes estão erradíssimas; e se é certo
que a sciéncia náutica e astronómica do tempo apenas comportava aproximações, por vezes bem grosseiras,
temos de considerar o conjunto pouco satisfatório.
Cuba é apresentada muito acima do trópico de Câncer com latitudes extremas de 30° e 38»,
quando de facto elas oscilam entre 19« 48' e 23» 11 . A divergência excede 14" pelo efeito simultâneo
da imperfeita representação gráfica e do inexacto conhecimento das coordenadas geográficas. Do mesmo
modo a Hispaniola nos aparece entre 2lo e 26o quando deveria estar entre 17° 40' e 20» 0 ; e a
latitude média da ilha da Trindade, que orça por IO», é dada em 30 . Isto basta, no tocante às
distâncias do equador.
Quanto ao módulo das distâncias, temos alguns elementos com que o determinar. Em dois dos
bordos do mapa veem-se escalas divididas em espaços a cada um dos quais, conforme o costume
espanhol de que nos fala Pedro Marlir ('*), corresponde um número inteiro de léguas. Estes espaços não
são sempre das mesmas dimensões, o que para nós constitui uma prova contra a autografia, porque o
cartógrafo devia ter o cuidado de apresentar no original a sua escala com mais rigor C""). Caetano da Silva,
ao tratar dèste assunto (''"). presume que o espaço divisional mede 12 léguas, estribando se na dedução
seguinte: o intervalo angular enire o eqiiador e os trópicos é de 23o.5 e correspondem-Ihe no planisfério
32 espaços e 23 representados por 392 léguas, à razão de 16 léguas e 23 o grau. o que dá para o
espaço 12 léguas. Este reciocfnio é falível, pois são duvidosas a latitude dos trópicos e a dimensão do
(**) Boyd Thacher vé uma adiçAo, devida a Vcspúdo, na Ysla descubierta por Portuga!, que se encontra a leste
i' oriental da Améríu do Sul fThe continent of Ainêricà, pág. 195. 204 e seguintes). Seria então a i!ha de FernSo de
liidd em 3"S0 S e avistada na quarta viagem do Florentino. Há um argumento que desmerece na hipótese de Thacher;
ina& lemoi outro araumcnio Se Vespiício tivesse revelado ao corrector do mapa a existência da ilha. Igualmente lhe teria
(eito a do cat>o de 5. Agosiinho, o único ponto nomeado na terceira viagem da Letiera. e o artista não omitiria í-stc notável
UmDe dos domínios espanhóis e portugueses. A explicação tem de ser procurada de outro modo. O piloto biscainho, regres-
aando da sua expedi{áo na primavera de ibOO, compôs ou acabou seu trabalho até Outubro dèste ano. Ora a nau de Oaspar
de Lemos, que veio comunicar a D. Manuel a descoberta de Cabra), devia ter regressado a Lisboa no verão de 1500. Sem
podiam O' nm^r^r,-. fi tii achado ler chegado aos ouvidos de La Cosa como sendo de uma ilha. Nesta crença podiam ter
ficado o I de Cabral, se bem que pensasse diversamente Oaspar de Lemos depois de ter percorrido (como
o dá a < : > . LL^irt^a nas Lendas da índia, a pig. 1S2 do lômo I) perto do S» de costa até o cabo de S. Agostinho
ou de S. Cruz.
Esta é a primeira expIicaçJlo possível, se a vsla Io) desenliada por La Cosa. Mas na I^Ipólese contrária, ela pôde
reprrtenlar a ilha de S. Joio ou de S. Lourenço, hoje chamada de Femao de Noronha, cuja existência era conhecida em
Portugal no mès de julho de ISOO. No ponulano de Egerton (nota 18), eta aparece baptizada de ilha de S. ]oâo Baptista,
com dtmens&es e configuração que lazem )embrar a fsla de La Cosa.
Veja-se a parle détle capitulo denominada A nomenclatura de Pinzon e o planisfério de Juan de La Coss.
(") Oomára diz que de I49S a isoo diversos exploradores cuia memória se perdeu vieram ler á costa de Pária
' " ' ' 'J' de las índias, I5S3. lol, XX). A iniormaçào e muiio vaga; nem merecem confiança as datas diste cronista
discernimento. A pnmelra é falsa, se a descoberta de Pária é devida a Colombo em 1498, como tòdas as pro<
(■) The Landfall of Cotumbus. Introdução, pág. XII (dtaçâo de Sophus Ruge).
(**) Década II, tivro lO.o. A carta de Cantino de 1502, de origem portuguesa, revela Igual usança; sendo natural
que dos seus vizinhos se inspirassem os espanhóis.
("^ Nas reproduções de )omard e Rio Branco estes espaços eslSo subdivididos por pontos em seis parles, às
veies em dnco. mas na cromolitografta de Canovas Vallejo, duns 50 ancs posterior, estes ponlos estio ausentes. N3o se co-
lo a dimensão exacla dos espaços, s3o incertas as conclusões a respeito da légua adoptada por La Cosa. Admite-se
Dte que a escala eslá graduada em milhas e que o espaço divisional corresponde a SO fnlllus OU 12,S léguas. (Oenucé,
origines de la carto^raphie porlugaise et les cartes des Reinai, Oand, 1908. a pág. 5Í.)
('•') L Oyapoc et VAmaione, § 2567 e 2568.
124
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
grau usadas por La Cosa. além de que os espaços não sio de tamanho constante: mas entre os números
redondos, que se podem arbitrar ao espaço divisional, é a dúzia o que melhor se adapta ãs medidas
possíveis. Adoptaremos portanto aqui o módulo escolhido pelo douto brasileiro, se bem que com des-
confiança, porquanto éle nâo é uniforme ou loi posto de parle no traçado. Como exemplo frisante. temos
a extensão de costa desde Pária alé o Monfe de S. Eufemia. Ao chegar a Vaquimo, La Cosa declarou
a Francisco Roldan que percorrera 600 léguas de costa, das quais quási 200 antes de Pária (conforme
depôs mais tarde Hojeda), cabendo pois cèrca de 400 desde Pária até o extrômo limite ocidental; ora no
mapa esta distância, avaliada pelo módulo de 12 léguas, mede mais de 450 ('").
A extensão de casi dozientas léguas acusada por Hojeda, embora falseada pelas incertas
estimativas, é o único elemento de que dispomos para determinar o termo oriental do percurso. Caetano
da Silva, cuja análise seguimos neste lance, medindo esta distância ao longo da costa a partir da base
da península de Pária, chega a uma baía em cujo limite oriental está escrito motes, que èle interpreta
mõfes. sendo o seu limite oriental uma ponta anónima situada por 4® 30' de latitude boreal. É a bala
de Oyapoc. exclama o erudito, como o demonstra a sua latitude; os montes são caracrtiisiicos da bala
e a ponta é o cabo d"Orange. Tudo isto. salvo o devido respeito, nâo passa de mera fantasia.
lá custa a admitir que a primeira arribada do explorador castelhano íôsse nessa baía e cabo
figurados no mapa sem denominação alguma. La Cosa não se serviu do módulo com precisão e unifor-
midade; éle teria, aliás, na qualidade de pilòlo. informes sôbre as distâncias percorridas diversas das de
Hojeda em I5I3, e este capitão referiu-se a quási 200 léguas. Dado. porém, que se nâo queira atender
a estas objecções, outras há cujo peso se faz sentir. Efectivamente, a foz do Oyapoc dista da península
de Pária obra de 270 e não menos de 200 léguas; o biscainho, que por hábito e conveniência aumentava
os trajectos na estima, não cometeria tamanho êrro por defeito, ainda mesmo tendo em conta a igno-
rância da corrente fa\ft)rável que fazia parecer menor o trajecto. Além disso, as latitudes do mapa estão
lôdas erradas, a começar pela de Pária; se a ponta anónima está representada por 4o 30' boreais, outra
é realmente a sua distância ao equador e nâo podemos ver nela o cabo de Orange ('*").
Contra esta atribuição ainda militam outras razões. Ao norte do cabo desemboca, logo a seguir
o Oyapoc. grande curso de água que anos depois era conhecido dos espanhóis como rio de Vicente
Pinzon; ora não só éle não aparece no mapa, mas nem sequer é acusado na baía um rio qualquer.
Por úllimo. a designação montes não pôde ser tomada como característica do Oyapoc. A quem
desce de Pária seguindo para o sul. as primeiras eminências visíveis sâo as montanhas de Parima
(serras de Piacoa e Imataca), entre a margem direita de Orinoco e esquerda do Essequibo. Mas Caetano
da Silva leu motes na reprodução de )omard e interpretou a palavra como significando montes, ao passo
que nós lemos motas, na fotolílografia de Canovas Vallejo, isto é, monlículos de terra ou areia Não
se trata pois de montanhas algumas.
Assim o termo das descobertas de Hojeda não é o cabo de Orange, imas será porventura
Surinam, conforme pensa Navarrete, ou o Maroni, segundo quere d*Avezac? Contra essas duas hipóteses
podemos invocar todos os argumentos de que já nos servimos para impugnar a visita do capitão fidalgo
à foz do Orinoco; mas aqui lhe acrescentaremos outro ainda menos para desprezar.
Os três primeiros cursos dágua. de desigual importância, designados ao sul da ilha da Trindade
são: o rio de ia posision (da possessão), com a inscrição suplementar mar de agua dulce, o pequeno rio
obpo (ido bispo de Córdova, protector de Hojeda?), e o rio de holgança (da folgança), muito ao largo
do qual se leem as palavras mar dulce- A aparição de água doce longe da embocadura de um río já
fòra observada pelos antigos no Danúbio e no Zaire por Diogo Cão em 1494, mas na América foi pela
primeira vez verificada em 1498 por Colombo, que declarou ter bebido excelente água no Golfo de las
Perlas ("■■). entre a ilha da Trindade e o continente, onde desaguam alguns braços do delta do Orinoco,
O fenómeno só é verdadeiramente sensível no estuário principal dèste rio, a ISoca de Navios, onde por
ocasião das cheias periódicas èle se nota algumas léguas adiante da costa.
(■*■) cia orça. no niixlmo. por 2S0 léguas. Oleso de Moralet, lettemunha que loi com Hojeda, avaliâva-a cm
dotientas léguas poco mas ou menos, e Juan de Valencia, no mesmo caso, em 300 (Apêndice D, respostas i S.* prcg. do fis-
cal e do almirante}.
(■«) Caetano da Silva, desenvolvendo uma observação de Humboldl, Insiste em que nas antigas cartas america-
nas os lugares iniertropícals sSo colocados muito ao sul (op. cíl.. leitura 24).
(>o<) Comparc-se motas arenosas no exlrémo do litoral, em lâdaa as reproducfies.
Cilia de Colombo aos reis católicos acírca da terceira viagem, apud Navarrete, op. dl-, tbmo I. pig. 2S3 « 2U.
125
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
O nome do rio de la postsion Indica clãramenle que aí se tomou posse solene pela corõa de
Castela, operação hoje reputada ridícula mas naquele tempo nunca dispensada pelos descobridores
espanhóis. Ora o primeiro que esteve nestas paragens, onde não desembarcou Colombo, foi Hojeda, pelo
menos êle avoca a primazia do seu depoimento citado; a êle se deve atribuir a posse, que sempre se
realizava no ponto do primeiro desembarque, e se acha indicada no mapa do seu piloto ]uan de la
Cosa. t pois neste lugar que se iniciaram as descobertas de Hojeda. Não pretendemos contudo afirmar
que o castelhano não tivesse visto litoral mais atrás; Vespúcio, que não menciona a posse em 1499. diz
que não puderam desde togo saltar em terra c que seguiram no rumo de leste, retrocedendo pouco
depois em virtude de forle corrente contrária.
Embora concordando com a localização do primeiro desembarque do ousado fidalgo, podem
objectar-nos que o r/o de la posision é de facto o Orinoco, contra o que avançamos, e assim o indicaria
a grande embocadura desenhada no mapa. Mas responderemos ser improvável que o cartógrafo deixasse
de assinalar os numerosos e importantes braços do delia, característico daquela região e nunca antes visto
por castelhanos; além de que não estão figuradas as numerosas ilhas da foz do Orinoco e a sua latitude
ficaria elevada de mais. Se êste grande rio designasse o de la posision, o de holgança seria o Essequibo, o
maior dos que se lhe seguem até o Amazonas. Mas èste tem uma grande embocadura de mais de 20
quilómetros, com várias ilhas, que não estão figuradas; além do que não se lhe aplica o qualificativo
mar dulce. por ser insensível êste fenómeno a pequena distância da costa. Supomo nos pois autorizados
a ver no rio de la posision um dos caíios do Orinoco e outro deles no rio de holgança í"'*).
Esta identificação aberra da opinião corrente, que imagina no rio de la posision o Orinoco;
ela relega èste rio para uma latitude muito mais meridional, como aliás era costume na primitiva carto-
grafia. Teremos ocasião de examinar e^ta questão com maior cuidado no estudo subsequente, dedicado
à viagem de Pinzon.
VICENTE YANEZ PINZON
RREDADA com relativa facilidade a versão que erige Alonso de Hojeda em des-
cobridor do Brasil, defrontamo-nos com outro castelhano, Vicente Vanez Pinzon, a
quem concedem o feito, com foros aparentemente legitimes, cujo exame exige
maior demora e subtileza.
Desde Pedro Mártir, cujos escritos são contemporâneos das primeiras
navegações espanholas, até Herrera, que com os escassos alvores do século XVIII
fecha o ciclo das crónicas das índias ocidentais, todos sem discrepância atribuem
a Pinzon a primazia da visita ao fiUranon ou Amazonas, que se teria realizado
em 1500; e nos tempos modernos desde Navarrete, marcando com sua palavra autorizada, até os pro-
fundos mestres Harrisse e Vignaud, rarissimos americanistas negam ao feliz mareante o felicíssimo achado.
O jadancioso capitão, aliás, não deixa os próprios méritos por mãos alheias; êle chamou a si,
em 1513. a glória de ter primeiro percorrido o dilatado litoral que se estende do cabo de S. Agostinho
às imediações da ilha da Trindade. D'est*arte, com o concurso dos cronistas e da categórica declaração, o
assunto considerou se liquidado, e apenas uma ou outra voz se ergueu em embargos desconfiados.
Como se não bastasse porém esta dupla prova, surgiu inesperadamente uma terceira nos prin-
típios do século findo: o planisfério traçado em 1500 pelo biscainho Juan de la Cosa e divulgado por
tntítín^ n.í?t*'' Dlblioléca OUveriina de Pesaro. alguns anos posterior ao de La Cosa. IrAs ríw» de la
.^t'' o Orinoco, mas um dos primeiros círios do seu delta, talvez o de Vagre (v. Bellio,
iV tômo í esumi^i.í " ' geograph.che chesi trov^no in luiia nguardante VAménc^. na RjccoUa Colombiana, parte
126
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
Alexandre de Humboldt. Aí é expressamente mencionada a descoberta por Pinzon dum cabo em que os
peritos reconhecem S. Roque ou S. Agostinho; a( se vê tôda a costa visitada nessa época, e tam patente
que até um ilustre crítico brasileiro conseguiu enxergar certo cabo cuio nome nâo está inscrito. A demons*
traçáo licou completa; iviva Pinzon, que descobriu o Brasil!
Infelizmente para a reputarão supcrfctada do vanglorioso navegador, èste edifício de tam sólido
aspecto desmorona-se como um frágil castelo de cartas ao sôpro da crítica, feita com olhos de ver e sem
ideias preconcebidas. Efectivamente a narrativa de Mártir, que transitou para lodos os cronistas sub*
sequentes, não lhe confere de modo algum o descobrimento do Amazonas em 1500, se lida com cuidado
ou na sua primeira fórma abreviada de I50I; tampouco se refere àquele ano o manhoso depoimento
testemunhal de 1513, no qual, aliás. Pinzon nâo se arroga a notável façanha; e por fim. sucede que o
velho mapa-mundi de La Cosa, onde não se lè denominação alguma do navegante de Paios, tem sido
erradamente interpretado e, como quási tôdas as cartas manuscritas, sofreu adições posteriores. A verdade
é que o castelhano não passou, na sua primeira viagem, das Guyanas, sendo extremamente duvidoso
que tivesse ultrapassado a bafa do Oyapoc.
De boa vontade admitimos a veracidade de Mártir e quási integralmente a do depoimento do
ousado navegador, que é omisso de datas, e ainda poderá aceitar-se que £le tivesse andado pelo Ama*
zonas; mas contestamos vigorosamente que tal tivesse acontecido em 1500. Sc lhe assiste o direito da
prioridade à descoberta do prodigioso rio. facto mais do que incerto, não o adqiJiriu Pinzon tam cedo,
nem duma assentada deparou com as vastas terras que vêm de Pária ao cabo de S. Agostinho. Foi aos
poucos que as pôde explorar, em sucessivas expedições conduzidas a essas paragens.
Isto conseguiremos provar, valendo- nos do relato de Mártir, dos diplomas oficiais e mapas
conhecidos, bem como dos depoimentos das testemunhas no celebre pleito que durante dois sérutos se
agitou enire a coroa âe Castela e os herdeiros de Colombo. Não lançamos mão de espécies ignoradas;
apenas nos propomos interpretar sob uma nova luz os documentos preexistentes, a cuja sombra se
arquitectou a lenda de Pinzon, revelador do Brasil
|ONHECEM SE apenas Irês diplomas oficiais em que é mencionada a famosa viagem feita por
Pinzon de 1499 a 1500, tendo-se sumido o mais importante, o termo das capitulações
respectivas.
O primeiro na ordem cronológica é a provisão régia de 5 de Dezembro de 1500 ("*'),
que se refere ao pleito movido a Pinzon e seus sobrinhos, Arias Perez e Diego Fernandez,
pelos donos das mercancias que èles levaram de fiado, esperançados nos lucros da expedição. Os expe-
dicionários vieram porém gastados v pobres, as mãos vasias de ouro e gemas; e, murchadas as ilusões,
apelaram para a clemência régia da qual esperavam lhes fossem restituídos seus bens penhorados. Para
cumprir compromissos contraídos contavam apenas com a venda de 350 quintais de pau brasil, que
tinham trazido das índias e era reputado de qualidade inferior ao da Hispaniola (""); pois a isso e a
alguns escravos C"") se reduzia o magro espólio acusado.
As únicas informações que se extraem dêsle documento são relativas à data da partida, ao
nlímero de navios utilizados e à extensão de cosia descoberta. A viagem, empreendida à custa dos
Navarrcle, op, dl (&mo III. doc VII.
('*) Df reftuJ oífjnicií et novo orbe DeCJdjt três Petri Mãttyris .tb Angteviã Mediolãnensis. Cotonlac, IS74;
Dfcada, I. tivro 9.« As edições compleUs daUm de IMO; as mais conheddas %to a de Hakluyt. feita vm Paris cm ISâ7, e
esta de Colónia , . . , , . , .
(■^ Pinion aprisionou 36 indígenas no decurso da sua exploração do conllnenle americano, e prov<velmente
repeliu o feito quando seguiu peUs Antilhas (Marlir. loc. cll.). A cédula tt^\A de 20 de junho de iSOl ordena a Diego Prieto
a restitutcSo de um escravo de que desapossára o navegador (Navarrete, op. dt.. lòmo Ml. doc. XLIII do suplemento). Este
diploma lamWm se rclcre vasamcnie á viagem de IW.
127
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
navegadores com 4 caravelas, foi começada puede fiaber un ano poco más ó menos, o que confirma a
narrativa de Pedro Marlir d'Anghiera, que marca a partida nos últimos dias de Novembro de 1499('").
Quanto à extensão do litoral, dizem Plnzon e seus sobrinhos que descubrieron seiscentas léguas de tíerra
firme aílende de muchas islãs, cômputo sem dúvida muito exagerado, conforme o costume sabido dos
descobridores espanhóis, a principiar em Colombo que erra por excesso todas as distâncias percorridas,
mesmo as de mais fácil determinação ('"X V/eremos que as novas terras foram definidas com tanta
imprecisão que ainda hoje é impossível saber qual a dimensão da costa percorrida.
O segundo diploma é a carta executória passada em 21 de Junho de 1501 ("*) a favor de
Pinzon. a fim de lhe serem pagas as quantias que êle adiantara aos seus companheiros de aventura.
Só (em de aproveitável a indicarão da data da partida, fixada em perto de ano e meio antes da executória
o que eslá de acórdo com Marlir.
O terceiro diploma, finalmente, o único que enumera os descobrimentos de Pinzon, é o termo
das capitulações celebradas em 5 de Setembro de 1501 com a coroa de Castela ("^), pouco menos de
um ano após o regresso da sua célebre mas pouco venturosa viagem.
Dêle consta que o capitão castelhano, tendo saído com quatro caravelas armadas a expensas
suas, descobriu nas partes das índias certas ilhas e terra íirme a que deu nomes: •descobristes ciertas
islãs ^ tierra firme que posistes los nombres siguientes Santa Maria de la Consolación e Rostro Her-
moso, é dende alli seguistes la costa que se corra al norueste fasta el rio grande que llamastes Santa
Maria de la mar dulce, é por el mismo norueste, toda la tierra de luengo hasta el cabo de S. Vicente».
Os reis católicos, como recompensa pelos riscos experimentados e gastos feitos, bem como
pelo acrescentamento de seus domínios, nomeiam Pinzon capitão e governador *de hs dichas tierras de
suso nombradas desde la dicha punta de Santa Maria de la Consolación siguiendo la costa hasta Rostro
Hermoso, é de alli toda la costa que se corre al norueste hasta el dicho rio q\ie vos posistes nombre
Santa Maria de la mar dulce con las islãs questan a la bocca dei dicho rio que se nombra Marina tubaro».
Ficou fóra da doarão, segundo se vê, o trecho compreendido entre o rio e o cabo de S. Vi-
cente. A descoberta e denominação deste não são expressamente atribuídas a Pinzon. ao contrário do
que asseveram alguns ("'); nem seria para admirar que às terras novas fôsse dado limite )á conhecido.
Quanto a Marina tubaro, tanto poderemos aplicar a designação ao rio como a toda la costa,
e ainda há uma terceira interpretação que a reserva para as ilhas ("'). Contra esta protesta o singular
do verbo em que se nombra; e a primeira tem em seu desfavor o facto de se mencionar duas vezes o
nome espanhol, que só na hipótese teria sido acompanhado do indígena, uma única vez e sem mais
explicações. A expressão cabe pois a toda la costa, de acòrdo com o que sabemos de Mártir e Oviedo,
os únicos autores que se Informaram directamente com Pinzon e nos dizem que assim chamavam os
naturais à região banhada pelo rio.
Éste diploma, publicado pela primeira vez em 1859 por Varnhagen. ficou ignorado dos cro-
nistas. Pobre de elementos geográficos, não nos permite identificar as descobertas, sequer aproximada-
mente. Sabe se com efeito, pela narrativa de Mártir e por outros depoimentos, que Pinzon as fêz entre
o Cabo de S. Agostinho e Pária; ora entre estes limites há numerosíssimas pontas e a costa toma
frequentemente o rumo de noroeste. Quanto ao grande rio, cujas águas doces vencem por largo espaço
as salgadas do mar. tanto podemos admitir que êle é o Amazonas como o Orinoco, ambos dotados
dessa propriedade. Para mais não temos o menor esclarecimento sobre a extensão do litoral visto pelo
navegador. Diz-nos êsle, no primeiro dos diplomas oficiais citados, que percorrera 600 léguas, mas êste
dado é aqui omitido, ou porque não o reputaram digno de confiança (e com razão), ou porque o per-
curso abrangesse terras descobertas por outrem. Efectivamente antes de Pinzon já Alonso de Hojeda
linha andado por aquelas paragens.
Décmd* I uS^ 9?* ^' DffjdAs trts Petri Maríyres ab Angleviã Mediotanensis. Coloníae. 1574
Aa " no*»» L ? ? P*9 258 do l.o Iftmo da obra títada de Navarrete. O êrro é de 100 • „ numa
AiA A í^í** esialio espanhol da <poca. que Colombo diz ler medido com o ouadrame. Esla inverdade di a
medida oa sabedona do almirante.
("') Navarrete, op, dl., lômo II, doe. XM do Apêndice, a pág, 406.
í 1 * Caetano di '^iK i VOyapoc et VAmãzone, pág. 423 da 3.» edlçSo de 1899.
, .í*'?"*'^'^ op cil.. Dario de Rio Branco, Premier mémoire présenti par tes États-Unis du Brisit
au uovvtrntment de la Com, ji , .non Suisse. tômo I, páfi. 47
(■») Barto do Rio Branco, loc dl.
128
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
Commumente se acredita que nesla viagem foi descoberta tôda a costa que vai desde o cabo
de S. Agostinho alé o delta do Orinoco e compreende portanto o Amazonas. A leitura do têrmo das
capitulações mostra, desde logo e independenlemenle de qualquer outro argumento, quanto é improvável
tal versão. E incrível, com efeito, que neste enorme trajecto de 750 léguas reais, Pinzon apenas se
dignasse escolher e mencionar três pontos: o cabo inicial, o grande rio e entre ambos um vago lugar.
Rosfro Hermoso, de que nào resta outro vestígio além do nome. quando é certo que para além do
Amazonas êle se avistou com muitos cabos dignos de nota. com muitas estâncias aprazíveis e de singular
aspecto, com muilos rios importantes e caudalosos, em um dos quais, o Orinoco, se exibe também o
fenómeno do mar doce que tanto surpreendeu os castelhanos. O tom vago e a grande escassez de
indicações no diploma correm parelhas com a parca descrição de Mártir, que é inspirada no próprio
Pinzon; êles supõem para a expedição resultados geográficos tam mesquinhos quanto foram os materiais.
ÚNICA relação contemporânea e digna de crédito que possuímos da viagem de Pinzon em as mes nau
1499 é a inserta nas Décadas de Pedro Mártir, natural de Anghiera, no Milaneso, desde 1488
ao serviço dos reis católicos e mais tarde protonotário apostólico e membro do Conselho uk"^
das índias. Ela possui o grande valor de ter sido escrita sõbre informações colhidas
directamente do capitão castelhano e do seu sobrinho, pouco depois do regresso de ambos.
Todos os demais cronistas espanhóis, exceptuando Oviedo, que se referem aos descobrimentos
então feitos, se inspiraram nesta descrição, sob a fórma que o seu autor lhe deu na segunda edição
impressa em 1516 ("*). Gomara nada mais lhe acrescentou além de alguns erros manifestos ("'); Las
Casas, no seu manuscrito, aduz de novo apenas o que foi buscar aos autos do pleito de Diego Colombo,
às chamadas Probanzas dei fiscal (""), mas fá lo sem critério, misturando a viagem de 1499 com outras
subsequentes ("'). De posse dos textos de Mártir e das Probanzas. impressas desde 1894 podemos
dispensar perfeitamente o do bispo de Chiapa. Quanto a Herrera, não há dúvida que copiou Las Casas,
conforme é seu costume. O único autor que, mantendo relações amistosas com Pinzon ('") estava em
condição de falar com segurança era Oviedo, mas o pouco que nos transmite é de duvidosa precisão
e não condiz com o relato de Mártir, quer por equívoco do cronista, quer por confusão proposital do
navegador. Finalmente, em tempos mais modernos, Navarrete compendiou os cronistas, acrescentando-lhes,
aliás sem a sua habitual segurança, poucos pormenores extraídos das Probanzas ("'). Foi éle quem
consagrou de facto Pinzon como descobridor do Amazonas e do Brasil.
O guerreiro e sacerdote milanês, que foi no seu tempo uma figura de relevo e cujas produções
literárias são para nós inestimáveis, a-pesar-de erros e negligências, mantinha relações pessoais com os
principais descobridores, a começar em Colombo, e déles recebeu boa parte do material condensado em
sua obra, que vasou em molde epistolar. Os nove primeiros livros da I.' Década, na qual são relatadas
as três primeiras viagens de Colombo, as de Nino com Guerra e a de Pinzon, já estavam prontos na
primavera de 1501 ('"), e déles circularam diversas cópias manuscritas; em 1510 o protonotário apos-
!■■*) OMAi na nol3 108. Dos aonislas principais nSo podemos haver h mio a Historia de los reyts cslolieos.
dc Andres Demaldez (cura de Palacios), a qual lodavia calculamos nÍo se ocupai de Ptnzon, por nunca a vermos mencio-
nada a èsse rerpciio.
("O historts General de Us índias con todo el deseubrimiento y coiêt notabtes que han aeaecido dtnde que
se ganaron ala el frio de isii. Çaragoça, 1S53; foi, XLVII, verso,
('<•) Nos Dofiimentos inéditos de índias, 42 volumes da !.• série e 13 da 2.*. Dos Pleitos de Colon, que consti-
tuem os volumes 7.o e h.» da 2.« série, cxiractamos o Apèndict.' B.
("•) Historia General de tas índias, lômo 11. cap. 173 da edição impressa em 1875. em Madrid.
('") . . . Vicente Va/iez Pinzon que tue uno de los pnmeros pilotos de aquelles tres hermanos Pineones. de
Íuien queda hecha mencion; porque con esto yo tuvo amistad hasta el afio de mil quinientos é eatoree que el murio (Oviedo.
Ustoria general y natural de las índias, edlclo de lesi, livro II, cap. 14, In fine).
(■"} Op. cit.. tòmo III, pág, 18 e seguínies.
(■**) A inrroduçlo do 3.o livro da Década / lol escriu em 23 de Abril de ISOl e sabe-sc que em Agosto estava
trasladada em dialecto veneziano.
n
129
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
tólico reviu-os novamente e iunlou lhcs o décimo, completando a Década que saíu impressa pela primeira
vez em 1511. Depois, em segunda edição de 1516. vieram a lume outras duas. tendo sido alterado o
texto da primeira, e linalmenie em 1530. morto já o autor, foi completado o volume das oito Décadas.
Mártir não era remisso em mostrar a outrem os seus escritos e facultava-os a quem quer que
eie julgasse em condições de os apreciar. Pouco tempo depois de concluídos, uma cópia dos nove livros
da primeira Década estava em poder de Domênico Pisani, oratore ou embaixador da república de Veneza
em Espanha ('"); e o secretário ou chanceler desta, Angelo Trevisan, os traduziu em dialecto veneziano
e remeteu a Domênico Malipiero. analista do estado dos Doges. Existe ainda uma cÓpia contemporânea
das cartas de remessa e do texto que as acompanhou ("*). Na primeira, datada de 20 de Agosto de 1501.
Trevisan diz a Malipiero que o tratado traduzido foi composto da un valenfuomo que foi mandado ao
soldão do Egipto como embaixador dos reis de Espanha, sendo sua tenção apresentar se ao Doge.
É evidentemente Mártir, que nesse mesmo ano partiu de Granada a 14 de Setembro com destino a esta
missão, de que dá conta na sua Legatio Babylonica ("*), podendo nós pela leitura das suas cartas
impressas ("*) acompanhá-lo tanto na ida como na volta e nas suas visitas à cidade das lagunas. Na
quarta carta de Trevisan. sem data, mas provávelmente de Dezembro de 1501. ia o nono e último livro,
para nós duplamente precioso porque encerra a nanaçâo da viagem de Pinzon em 1499, tal qual êle a
contou, em primeira mão e a breve espaço da chegada, ao protonotário apostólico.
O manuscrito italiano remetido a Malipiero veio ter às mãos de Albertino Vercellese que em
1504 o estampou com ligeiras incorrecções em Veneza, sob o título Libretto di tutta la navigatione de
Re de Spagna de isole et terreni novamente trouati, opúsculo de que se conhece um único exemplar-
Três anos depois. Fracanzio de Montalboddo fê-lo reimprimir em Vicenza com a adição de algumas
viagens portuguesas, sob o titulo Paesi nouamente retrouati et nouo mondo di Alberico Vesputio floren-
tino intitulato. obra hoje muito rara, que leve várias edições e traduções, uma das q'jais latina, em 1508 ("1.
É provávelmente a êste volume que se refere Marilr quando no 1° livro da Década II, publicada em
1516, se queixa amargamente de que lhe imprimiram os escritos sem o consultar ('-").
A edição princeps das Décadas, saída do prélo em 1511. além de conter mais o 10.» livro, que
não existia na cópia de Trevisan por ter sido composto mais tarde, difere bastante do texto italiano e é
mais longa.
No que respeita a Pinzon, devemos esclarecer que êle tinha feito entre 1501 e 1510 duas
outras viagens às regiões anteriormente exploradas, nas quais ampliara suas descobertas, sendo lícito
presumir que o escritor milanês, ao preparar a primeira edição, revisse os seus apontamentos e talvez
recorresse novamente ao navegador ou a seus companheiros. Alguns exemplares dêste livro raro vêm
acompanhados de um curioso mapa gravado em madeira, acrescentado alguns meses depois da impres-
são ("*). no qual é representado o Novo Mundo tal como era conhecido pelos espanhóis do tempo.
Na 2.' edição de 1516. que não é vulgar, o autor ainda acrescentou alguma coisa de conside-
rável importância, desta vez sem dúvida alguma de origem posterior a 1501. É a notícia relativa ao
(*■) Da Década 11. Uvro 7.« assim se depreende.
O**) Bcrcliet, Ponti italiane per lã storia delia scoperta dei nuovo mondo. Parte 3.* da Raecoítã colombiana,
t6mo I. pig. «0-82.
("*) Acha-se èste opúsculo na edição das Décadas de Coiónia.
i"*) Opus epislolaium Pttrí Martyrís Angterii Mediolanensis, Complutl, 1S30.
(■") O exfcnplar dos Paesi de que nos senrimos < o da preciosa colecção de obras relativas ao Brasil reunidas
pelo Dr. losé Carlos Rodrí^ucs, c hoje Incorporada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ser-nos-ia impossível a feitura
dtste trabalho se a nâo tivéssemos ao nosso alcance.
O livro latino, editado em I50S por A, Madrignano, intituta-se Itineraríum portugalensium e toÍ bastante divulgado.
("*) Come ao principio da obra vém a descrição das viagens de Cadamoslo, o protonotário apostólico atribui o
pligio » *5'e naveçador. que morreu aliás cm 1480 Navarrete acusa Mattir de se ter aproveitado da relação italiana, a-po&ar-de
■e qutíxar dela, poit até reproduz seus érros de imprensa (op. cit.. tòmo III. nota de pág. 13).
('■) Harrfsse. The discovery ot Noiih America, pág. 140.
130
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
Maragnonum. denominação inicialmente dada ao rio Amazonas, cuia descoberta é pela primeira vez
atribuída a Pinzon.
há pois três versões da viagem do assinalado capitão: a de 1501, que designaremos como de
Trevisan seu tradutor, a da edição princeps de 1511, e a de 1516, que é a vulgarizada. A primeira,
contemporânea, reduz-se à narração concisa e singela dos principais factos ocorridos na memorável
aventura marítima, e é a única que se pôde reputar autêntica, por liberta de adições ulteriores. È possf*
vel, embora improvável, que Mártir se equivocasse passando ao manuscrito quanto ouviu ao herói dela,
mas não temos fonte mais pura e, sem embargo de èrros visíveis de tradução, devemos depositar na
relação italiana tanta confiança como no próprio Pinzon, e até mais que nas informações por éle
prestadas em 1513.
A análise das alterações nas duas edições latinas vaÍ-nos explicar cabatmenie, quando exami-
nadas em confronto com outros dados, a origem da lenda que apresenta Pinzon como descobridor do
Amazonas em 1500.
^0
ÍXwBSSBS NATURAL que o audaz capitão castelhano, ao contar a sua primeira visita à terra firme * viAorM ot
PIWÍa (descoberta por Colombo em 1498, entrasse em minúcias omitidas por Mártir, pois £ste ,to»
B|^%lim tinha o hábito de extrair de quanto ouvia sòmente aquilo que, a seu iuizo, podia dar
HjBgffl^ satisfação aos amadores de história. Se os curiosos da época ficaram contentados, só nos
resla lastimar que lhes bastassem os raros episódios narrados, e não lhes fizessem falia
pormenores geográficos e etnográficos que hoie seriam preciosos.
Dos indígenas vistos então pelos espanhóis apenas consta que eram mansos, aqui e além
belicosos, que andavam nus e se defendiam com arcos e flechas. É bem pouco, numa excursão pelo
continente que o seu comandante avalia em 600 léguas. Quanto às terras achadas, sua descrição é tam
vaga que se torna arriscado idenlificá las. Temos a certeza de que o litoral percorrido foi o que desce de
Pária e da ilha da Trindade até o nordeste brasileiro, mas como a extensão de 600 léguas é com igual
certeza muito exagerada, ficamos duvidosos do ponto em que aportaram ao termo da travessia do
Atlântico. A única indicação valiosa é a de um rio caudaloso cuja corrente vencia as salsas águas do
mar tornando-o doce por espaço de 15 léguas, mas essa mesmo nos deixa hesitantes, porque aquele
fenómeno se manifesta tanto no Amazonas como no Orinoco, separados por 300 léguas. Em tôda a
dilatada costa apenas duas vezes se menciona o rumo dela; e Trevisan só traz uma denominação,
completada por outras duas na edição princeps, sendo as três adstritas à mesma região.
Em compensação. Pinzon ornou a sua história de diversas coisas maravilhosas e imaginárias:
a passagem do equador que provaremos inteiramente incompatível com seus próprios dados, o negrume
do horizonte equatorial, a protuberância que impedia a visão do pólo antárctico, a extensão de 400 léguas
corridas em excursão petas ilhas ao poente da Hispaniola, que são tam reais quanto as 600 de costa
continental.
A-pesar de longo, entendemos conveniente traduzir em vernáculo e na íntegra o relato de
Mártir, quer no traslado de Trevisan, quer no texto latino de 1516, tendo o cuidado de destacar em
grifo os acrescentamentos desta segunda edição impressa quando comparada à primeira de 1511 ("°). Nela
intercalámos alguns comentários, reservando para subsequentes secções déste estudo o exame mais
atento dos Irès factos capitais da viagem: a travessia da equinocial, o primeiro ponto do continente
avistado e a descoberta do mar doce.
<"*) As outras diferenças entre a edição princeps e a segunda nÍo tém Imporllncta. Dum exemplar da primeln
que se acha em Madrid, obtivemos uma reprodução fotográfica que cotejámos com o da leaunda. existente na coleccio )i
diada do Or ]. C. Rodrigues.
131
HISTÓRÍA OA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
(TEXTO DE TREVISAN)
Vlccnllanet, chuiudo Plnzon, t Mt* seu sobrinho, que
(oram lu primHcá vU^em com Colombo, armaram em 1499 i
expenuft suas 4 anveUs, e no dia 16 de Novembro partiram
de Paios donde aJo. lu Intenção ét vltllar novos países. Foram
à« Uhaa Canárias e depois ás Ubás de Cabo Verde.
(TEXTO DA EDIÇAO DE ISI6)
Vicente Agnes cosnominado Plnzon, e Aríet, seu sobri-
nho por parle do pai, companheiros na primeira navegação
do Almirante Colombo que os conduziu como capitães de
duas naus menores daquelas adma chamadas caravelas,
atraídos pela ampUdSo dos novos trajeclos e novas tems,
construem ã sua cusla quatro caravelas no seu pôrto nalal
que os espanhóis chamam Paios, situado no oceano oddental
e, obtida licença dos reis, saem do pArto nas proximidades
das calendas de De2embro do ano de 1498. Éste põrto de
Paios disla 72 mil passos de Cadiz e 64 mil de Sevilha
capital da Bélica. Todos os habitantes sem excepçáo sio
multo dados a cousas maritimas e aplicados a coniinuis
Mvegaçfiet.
Dihgem-se primeiro às Fortunatas pelas Hespérides,
Iito é. pelas ilhas diias de Cabo Vcrie que outros chamam
Oorgoncs Meduseas. Caminham direitos ao Sul.
Não há duvida de que o ousado castelhano desaferrou de Paios com quatro navios. Quando
não bastem os diplomas atrás citados, temos a declaração de Colombo, que os viu chegar a Híspaniola
no ano seguinte ('"). O pilôlo Juan de Umbria. depondo no processo de Diego Colombo, declara ter
saldo de Saltes, na barra do pôrto de Paios ('"), mas demonstraremos que isto se passou noutra viagem
de Pinzon depois de 1501, até agora ignorada.
Quanto à data da partida, divergente nos dois textos, optamos pela do latino que a fixa nos
liltimos dias de Novembro. A expressão vaga circHer calendas decembrí, empregada por Mártir, deu
margem a diversas interpretações; assim, enquanto Trevisan a traduz por 18 de Novembro, um dos dias
daquelas calendas que se contavam sabidamente para trás. Las Casas escolhe o próprio dia delas. Em
Ooinára lemos 13 de Novembro, que precede o líllimo dia das calendas.
O sacerdote milanês equivoca-se ao asseverar que Arias Pinzon foi por capitão de um dos
navios da expedição de 1492, pois a Santa Maria era comandada pelo almirante, ao passo que a Pintã
e a Nina couberam aos irmãos Martin Alonso Pinzon e Vicente Vanez Pinzon. Sabemos mesmo ao certo
que Arias não acompanhou Colombo ('").
A passagem pelas ilhas Canárias e de Cabo Verde sugere-nos breve reparo, pondo de parte a
troca inadvertenle na posição de dois arquipélagos. Pedro Ramirez e Diego Fernandez Ccimenero.
chamados a testemunhar no pleito de Diego Colombo, indicaram a escala, um pelas islãs de Anton e
outro pela do Fogo mas aquele era um nome genérico do arquipélago de Cabo Verde, consoante
o atesta o planisfério de ]uan de la Cosa (1500) e a segunda testemunha referiu se provávelmente à
viagem posterior. Nada se opõe aliás a que Pinzon lenha tocado em mais de uma das ilhas portuguesas,
visitando com demora a possessão que èle desconhecia. Entre as partidas de Paios e de Santiago de
Cabo Verde mediaram 43 dias; ora no traiecto marítimo não se gastavam mais de 13 ou 14 dias, ficando
pois um mês para as escalas nos portos insulares.
donde a 6 de Janeiro fizeram vela pelo sudoeste, e nave-
gando por èste rumo 300 léguas dizem que perderam a
tramontana, e que imente depois da sua perda foram
assaltados de temo j temporal de mar, chuva c vento;
seguindo depois o seu caminho com grande perigo, sempre
pelo sudoeste, andaram outras 240 léguas.
Retlrando-se nos Idos de laneíro (13) daquela das
Hespérides que os portugueses seus possuidores denominam
Santiago, apanham pela proa o vento átríco, ctiamado sudoeste
que está entre Austro e Zéfiro. Quando iulgaram ler navegcdo
300 léguas seguindo éste rumo dizem que perderam a viala
do pólo árctico, c logo que éle se escondeu no horizonte
ímedlatAn;cnte nasceu uma terrível tcmpeslade de ondas e
turbilhões de vento. Avançaram todavia, embora com sumo
risco, mais 240 léguas sempre pelo mesmo vento, |á que o
pólo estava perdido.
Daf, discutem tanto estes e os antigos filósofos como
os poetas e os cosmógrafos se é habitável ou inacessível a
linha equinocial. Com efeito uns afirmam que ela é habitada
^^.^'^J^f' ãlmirãnte ãl ama (que habia sido) dei príncipe D. Juan, escrita hàcia fines dei aHo ISOO (Navar-
rete, op. ai., tomo 1, pág. 267).
Rimir*. ni}ZK*i°,^'^S'^'" '"P"*'» Pere» ^ Pregunta do fiscal; respostas de Juan de Umbria, Pedro
Kamirei, Diego e Anion Fernandez Colmenero e Manuel de Valdovinos á 7." pregunta do fiscal.
132
os FALSOS PRECURSORES DE ÁLVARES CABRAL
por povof numeroto*. outrot escrevem que i inabitlvcl, por
ler o «ol a prumo, tiio faltou contudo entre os anllsos quem
tcntauc provar que cU é habilivel. Prvgunlando eu a esiet
nautas se tinham vislo o pólo antárctico, responderam que
nlo Unham conliecldo estrala alguma semelhante h do norte
que te possa distinguir na proximidade daquele ponto. Olic m
todavia que avistaram outro aspecto de cstrUis c certa
caligem vaporosa emanada do hortionle. que quisi lhes
escurecia a vista. Afirmam que se Irvjnt^ no melo da terra
uma eminência que Impede de veropdlo aniirctico emquanio
t\»o passavam além; mas julgam ter observado tmagcns de
estralas muiio diversa* das do nosso hemlalèrto. Isto me
disseram, Islo aceito. Slo cousas de Davo, nio de Édipo.
Zarparam de Santiago a 13 de }aneiro, segundo o texto latino que aceitamos, preferentemente
ao de Trevisan. que indica o dia 6. Houve nova confusão do tradutor, pouco familiarizado talvez com o
calendário romano, usado ainda hoje pela Igreja, pois interpretou as palavras idibus iãnuaríi como
significando o último dia dos idos déste mês.
Mártir enganou-se. dizendo que aos navegantes tinha soprado o sudoeste pela proa, por con-
fundir rumos com isentos, foi sempre sudoeste o rumo a que èles se submeteram, tanto antes como depois
da tempestade, pois tal é o tibeccio dos italianos, idêntico ao leueche dos espanhóis. O vento dominante
nesta região, nos dois primeiros meses do ano é acima do eqíiador o alfzeo do nordeste que impele
para o sudoeste ('"); e foi ôste o rumo seguido por Colombo na terceira viagem, empreendida um ano
anies da de Pínzon e que lhe serviu de guia. do mesmo modo que a Hojeda. António Fernandez
Colmenero. Pedro RaiTtirez c Manuel Valdevinos declararam nos autos do processo de Diego Colombo
o rumo de sudoeste, mas os seus depoimentos foram prestados depois de 1512 e a memória dos
marinheiros naturalmente não lhes trazia os factos presentes, além de que não é certo ter a última das
testemunhas acompanhado Pinzon na primeira viagem. Sc Mártir transcreveu fielmente o que lhe contou
este capitão, é provável que éle o Iludisse, porque o rumo de sudoeste depois de perdida a polar conduz
a resultados que nós veremos inaceitáveis, visto ser no hemisfério austral
Há que considerar na travessia do Atlântico dois trechos distintos entre os quais se desen-
cadeou forte tormenta: o primeiro de 300 léguas, ao têrmo do qual Pínzon afirma ter-se-lhe sumido da
vista a estrela do norte, o segundo de 240 léguas, que findou com a arribada à América. Dedicamos
à análise dessa asser!;ão do jactancioso navegador a segunda secção, cuja conclusão antecipamos: é que
êle nunca poderia ter perdido a polar nas condições apontadas, e de facto não atravessou a equinocial.
Na que segue vamo nos ocupar sòmente das curiosas revelações astronómicas e cosmográficas atribuídas
aos marítimos no texto latino.
Mártir quis saber dêles se haveria um astro no pólo antárctico semelhante à tramontana, e
obteve como resposta que nenhum se distíngiila nas vizinhanças daquele ponto. Isto não é bem verdade;
mais exactamente diriam que não disligiiiram perto dête estrèla alguma tam brilhante, pois as há de
menor grandeza, conquanto visíveis a Ôlho nu. cuja distância ao pólo austral é comparável com os 3«25'
que em 15O0 tinha a tramontana no hemisfério boreal (' *X
Humboldt. a propósito dos períodos relativos ao aspecto do fíimamento, reivindica para estes
marítimos a primeira observação das chamadas saras de carvão, que são certos espaços obscuros do
céu austral V^). Parece nos destituída de fundamento a presunção do ilustre sábio; a caligem vaporosa
que emanava do horizonte e lhes escurecia a vista é inconfundível com aquelas regiões sombrias rodeadas
de estrêias luminosas, e não participa do seu movimento circular diurno. Não é possível igualmente ver
em tal caligem a cerração tam frequente nos horizontes eqiiatoriais que, além de não ser negra, é
observável de dia como de noite. É preciso uma dóse considerável de boa vontade para tentar a
('") Veja-se a carta 2925 do Almirantado I5riI3nico. Atlantic Ocean, PUot Charl for monihs Jjnuãry, Ffbrutry
and March. E' necessário oio contundir o rumo com a direcção do vento que dt\t sopra. Ao aul do equador os ventos
dominantes slo os ãllieos do sueste que impek-m pjra o noroeste,
(>■') Mestre )r>ào. Ilsico da expedirão de Alvares Cabral, observou em ISCO estralas na vizinhança do ç6\o
aniirctico. mas náo eslava bem certo se alguma coincidia com o pólo O desenho com que tle acompanhou a descrição póda
vír-se no cap. II. tig. 2i, pig 47 déste volume. Náo é possível, i vista do esbò<o, bastante Impertello, ld«nllUcar com seguranC*
a estrala considerada por Mestre ]oao a polar antárctica, ptquena como la dei norte e muy ciar».
('") txamen criltque, lõmo IV. piig. 327.
133
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
explicação sdenlííica déste fenómeno misterioso que. em última análise, se reduz a uma invenção de
Pinzon, disposto a cercar de imaginárias maravilhas a sua pretendida passagem pelo equador ('").
Outra fantasia com que êle adorna a sua história é a eminência que o impediu de ver o pólo
antárctico, emquanto não passou amié. Gaffarel nola a propósito, disparatadamente, que já em 1498
Colombo pressentiu a protuberância equatorial da terra, mas se perdera ao tentar explicá-la ('"'). A fantasia
absurda de Pinzon nâo coincide com a inépcia do grande almirante, que imaginava para o orbe terrestre
a fórma de tèta nas proximidades de Pária, onde êle colocava o paraíso terreal Comentando êste
despaulério hlumboldt conclui com razào que Colombo ignorava noções rudimentares, ensinadas nas
escolas contemporâneas da Itália ('"). mas a pesar disso admite que êle estudou em Pavia sob a direcção
de mestres ilustres (""). A concepção do castelhano é da mesma força que a do genovês, com a atenuante
de que aquele não acreditava no embuste, destinado a uso doutrém. Consigne-se no entanto, para honra
do protonotário. que encontrou ouvidos incrédulos, como se infere das expressivas frases latinas; Haec
dederunt. haec ãccipito. Daui sunt, non Oedipi.
Fliulmenie no dia 20 de Janeiro avistaram Icrra de
longe e aproxÍmando-»e dela Iam achando sempre o mar
sem fundo; deil-iram afinal a sonda e deram com 16 braças
de ifia». Atracando à icrra. desembarcaram e estiveram dol*
dias sem lhes aparecer ninguém. Partindo dali e correndo
mais adiante, viram de noKe muilas luzes que pareciam
provir de um acampamento de genie armada. Andando alé
U, viram muita g^nte. mas nlo a quiseram perturbar até o
amanhecer, em que nascido o sol mandaram a lerra 40 homens
armados, ao encontro dos quais vieram 32 daquela gente, nús
e armados de aKOS e flechas, homens grandes como tudescos,
de lace lôrva. que sempre ame-iç-ivam. Por mais caricias que
thes fizessem os espanhóis. nXo quiseram paz. nem concórdia,
nem amizade com éles, de modo que por enlSo tornaram aos
navios, dispostos a combater na mantij seguinte. Mas logo
sobrevindo a noite, partiram todos, de sorte que se julga que
era gente vagabunda como tártaros, que nio tém casa própria,
mas v3o hcjc aqui, amanha ali com suas mulheres e filhos.
Alguns que depois viram as pègádas deles na arda, afírmam
que as suas plantas sSo o dòbro das nossas.
Finalmente a 7 das calendas de Fevereiro (26 de Janeiro)
avistam terra de longe; e como notassem que a água do mar
eslava turva, lançam a sonda e acham 16 braças de profun-
didade. Aproxlmam-se, descem, e demoram-se ai dois dias,
pois nlo viram homem nenhum naquela ocasiáo. embors
descobrissem pègádas humanas no litoral; e gravados nas
árvores e nas fragas vizinhas da costa os nomes do rei e os
próprios, para assinalar a sua chegada, rctlraram-se. Náo
longe desta estação, guiados por fogos nocturnos, descobrem
uma gente pernoitando ao ar livre, segundo o costume
castrense. Resolvem não a perturbar até o amanhecer, mas
logo que o sol nasceu dirigem-sc armados para ela 40 homens
dos nossos. Saem-lhes ao encontro 32. apercebidos de arcos
e flechas e preparados para o combate; os restantes segui-
ram-nos armados do mesmo modo. Contam que ísscs Ind!-
genas eram mais altos que germanos ou húngaros. Fitavam
os nossos com olhar tôrvo e de ameaça. Os nossos enlende-
ram que não deviam servir-se das armas, não sei se por médo
se para evitar que £lcs fugissem, e procuram atrai-los com
blandícias e ofertas de presentes; mas files, que haviam
deddldo não entrar em relaç&cs com os nossos, regcitavam
qualquer conversa, preparados sempre para a luta: limita-
vam-se a observar as palavras e acenos. Neslas condiçóes se
retiraram ambas as partes; de noite porém òles fogem inespe-
radamente deixando vazios os lugares que ocupavam. Supõem
que são um povo nómada, como os Scvihas, que sem morada
certa vai com mulheres e filhos atrás dos frutos da Icrra.
Garantem com juramento os que mediram as pègádas déles
na areia que igualam quásl o duplo da do nosso homem
médio.
O dia da chegada ao continente vêm diversamente em Trevisan e no texto latino, mas nós
optamos por êste. já que duas vezes verificámos no italiano infiel tradução das datas romanas. Pedro
Ramirez depôs no pleito do filho de Colombo que, pensando não encontrar terra antes de três ou quatro
meses, deram com ela ao cabo de 14 dias apenas (**')• Isto está de acôrdo com as edições impressas
do reialo, segundo as quais o traiecto transatlântico se efectuou entre 18 e 26 de ]aneiro. As 16 ulnas
( ) A mesma tempestade cldónlca descrita é suspeita, pois raramente se produzem na passagem pelo eqúador,
quando se vém de Cabo Verde a Bahia, Os marítimos que acompanharam Pinzon e mais tarde depuseram no processo de Diego
Colombo, não se rek-rem a ela; e isto demonstra que a tormenta nio tol extraordinária.
V^) Em nota ã viagem de Pinzon. na tradução francesa da Década /.
('") Navarrete, op. dt.. lòmo I, pág. 255.
("^ Op. dt., pág, e t6mo idem,
("•> Op. dl., lômo III, pág. 16.
('") No Apinóice B.
136
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
ou brazãtas achadas na sondagem equivalem a 28'" pouco mais ou menos ('"). Com èsic dado único é
impossível identificar o local do ancoradouro, porque, embora t\e estivesse à vista de terra, não lhe
conhecemos o afastamento. A água turva sugere a proximidade dum rio.
Desembarcando e executada a cerimónia da posse que Harrisse algures imprópriamente qualifica
de ridícula, dcmoraram-se dois dias sem lopar com indígena algum, e retomaram o mar a 28 ou 29 do
mès. Mártir diz-nos que não foi longe do ponto da primeira aterragem que êles depararam com índios
armados e minazes, por conseguinte a dois dias de velejo, quando muito. A derrota linha de fazer se
com cuidado ao longo da costa, da qual permaneciam ã vista, por causa de possíveis baixios e doutros
perigos; e não podiam andar de noite, visto que a 30 de laneiro foi lua nova (""), Como os crepús-
culos são curtos em baixa latitude, só aproveitariam 10 horas do dia. e arbitrando a marcha regular de
6 milhas por hora ('"). calculámos com largueza 120 milhas ^ 30 léguas entre o lugar da posse e aquele
em que viram os primeiros naturais da terra. Êsle nosso cálculo do máximo de 15 léguas diurnas é
confirmado depois por Mártir, quando diz terem percorrido em poucos dias SO léguas, que se reduzem
de facto a menos, dado o exagéro nas distâncias.
Deviam ser caribes ou canibais estes homens gigantescos; Humboldt conta-nos com efeito
que são de altura colossal estes índios dos quais existem ainda diminutos restos nas Guyanas, mas de
que não consta a aparição ao sul do eqiiador. Por mais avantajados que fôssem de estatura, é evidente
o exagêro de Pinzon, dando lhes pés de dimensões quásí duplas dos déte; era uma fábula a juntar às
que já tinha impingido a Mártir. O encontro, que não chegou a conflito pela prudência dos castelhanos,
realizou se antes de 2 de Fevereiro, e no mesmo dia teriam èles seguido sua róta.
NavegAndo mii» idiante acharam um rio mas nSo de
Unto fundo que as caravelas al pudessem surgir, pelo que
mandaram a terra (juatro barcas do navio armadas de homens;
chegados os quais a lerra lhes veio ao encontro incontável
número de gente l6da nua. mostrando desejo do seu comércio.
Os espanhóis, tilo confiando n.i aproximaclo. lanharam. lhes
um guizo, e des em troei aliraram-lhcs um p<so de ouro. Um
espanhol mais ousado que os outro» quis agarrar aquele p(so
de ouro, mas n ' <i(^'nOo de se curvar para o chAo foi
cercado de uma Mc daquela gcnlc que o queria prender,
e defendendo-s« «le com a espada na mao. os seus compa*
nheiros saltaram dos barcos a ajuda-lo, e começou tal guerra,
que foram mortos oilo espanhóis e os outros itvcr^m fadigas
em rclirar-se para as barcas. Nem lhes valeu estar armados
de lanças, porque esta gente, por muitos monos que tivesse.
nSo parava de combater, mas sempre mais ardente os perse-
guiu dentro da igua, de modo que por fim lhes arrebatou
das m^os uma barca, matando o pairJo, Os restantes houve-
ram por bem tugir para os navios nos 3 barcos, fazer-se de
vela e partir dali.
Navegando mais além, encontram outro rio. mas nio
Iam profundo que pudesse ser percorrido pelas caravelas.
Mandam por isso a terra para recon'' io quatro escaleres
carregados de homens armados. Avi i i. sõbre unta colina
que se elevava prõxinu do litoral grande cópia de Indígenas.
Os nossos convidam-nos a negociações por Intermédio dum
pelo enviado adiante- Éles esforçaram-sc por agarrar algum
dos nossos e tevi-lo, pois na verdade lançam dc longe ao
nosso uma vara dourada de um covado ' ísle para ot
atrair lhes arremesslra primeiro um ^tno O nosso
indinando-se quisesse apanhar a vara dourada arremessada,
os !r> ' ' 'icpressa que o diremos cercam.no para o
preií le-se déles com o escudo e a espada com
que vinha armado, até que os companheiros lhe trouxeram
auxilio dos barcos. Para concluir em In ' ' . ras (pois
Iam anslosamenie mc fazes ver que le : irjtii oito
dos nossos com selas e dardos e feriram diversos. Dentro do
rio. cercam os boles, vim temcririamenie às mios e agarram
da margem o corpo dos escaleres: slo trucidados 1 lança e 1
espada como ovelhas, porque estavam nus. Nem assim te
retiram. Arrebatam do poder dos nossos um dos barcos,
porém vazio de homens, depois de trespassada e morto com
uma scl3 o seu mestre; os outros puderam safar-se. A-.,slm
deixaram aqueles homens belicosos.
As expressões Navigando piu avanti e UUerius adnavigantes, que traduzimos Navegando mais
além. são vagas de mais para permitir hipóteses muito plausíveis, mas julgamos não eslar aquém da
verdade computando em 180 léguas, percorridas em 12 dias. o espado compreendido entre o segundo
desembarque e o rio no qual se travou o áspero conflito. Seria, nesta suposição, de 210 léguas
(■**) Nlo lemos Indlcaçlo do valor exacto da braça de Pinzon, mas supondo-a fdénilca 1 medida niuftca que
os portugueses usavam Kob é%\<c nome nos fins do século XVI, ela equivale a S palmos ou I.in76 (Pimentel. Artt pntica de
nauegjr, pag 4). As 16 braças igualam enllo 3S,<ni6.
{'") Almanãch Perpvtuum de Zucuto, pig. 311 da edi^Ao de J. Bcnsaúde.
('") ...y sepa que lo í /tij* puede correr es en una hora quatro Irgujs y en una hora fres léguas es grande
torrer, y en una hora dos leçuas es razonatile y en una hora légua e media e légua por hora. (Pedro de Medina. Arte de
Navegar. IMS, foi XXXll A légu- pV ' ca de 1500 era de 4 milhas: no entanto o aulor diz a foL XXV: tres mlllas hacen una
légua. Marllr diz que e&ta era a -> da It^qua terrestre (Década II. livro 10^).
Voyage aux rt->,'.vv..> ..íitiinoMiales da Ni.uveau ConUnent, tòmo X, pig. tl a 13.
137
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
a distância dèste e o ponto em que pela primeira vez pisaram o solo americano. O texto latino fala em
outro rio, fhtmen atiud. dando a entender que era pelo menos o segundo encontrado, e é bem possível
que Pinzon mencionasse outros ao proionotário apostólico, que só se referiu ao assinalado pelo combate.
No entanto, o silêncio de Mártir, tirando íôrça ao nosso cálculo de distâncias, implica que estes vários
rios descobertos por Pinzon nada ofereceriam de notável, quer pela grandeza da sua embocadura, quer
pelo número de ilhas semeadas nela, quer finalmente pela violência do seu curso.
O combate narrado é uma das maiores singularidades da viagem. Sempre que os indígenas
atónitos presenciavam o desembarque dos europeus, pisando o solo virgem da invasão daqueles estranhos
de tez. cabelo e rosto diversos, vestidos, calçados e armados, o primeiro impulso dêles era a fuga; só
depois voltavam e vinham a mêdo travar relações com os recém -chega dos. Nas Antilhas teve Colombo
ocasião de o verificar, mesmo por parte de caritas, ferozes antropófagos belicosos. Ainda se admite a
atitude defensiva dos selvagens, desconfiados dos estrangeiros, e a história que antes conta Pinzon dos
guerreiros torvos e minazes, dispostos a nenhum comércio com os castelhanos, passa sem reparo. Mas
tal não aconteceu com a emboscada preparada pelos (ndios contra homens com os quais estavam em
contacto pela primeira vez, e demais com o chamariz do ouro C"^}. Era necessário que êles conhecessem
de antemão a atracção cobiçosa dos invasores pelo precioso metal, e Imaginassem que por meio dêle
poderiam enganar e prender algum. Ora o ouro não tinha para os naturais grande valor — são conformes
em dizê-lo os que com êles primeiro trataram ; davam todo quanto tinham, que não era multo, por
bugigangas somenos, ou até de graça. Se a narração é verdadeira, outros europeus tinham já visitado
aquela região antes de Pinzon, à cata de riquezas, em expedições clandestinas.
Mais natural é que o capitão alterasse os factos, dando aos indígenas a culpa do encontro
sangrento em vez de a assumir; os selvagens resistiram e desenvolveram energia combativa porque os
espanhóis queriam reduzí-los a cativeiro. Era assim que estes aventureiros procediam onde quer que
aportavam: foi assim que mais tarde Pinzon, à falta de melhor prèsa, levou consigo 36 índios mansos
de Mariatambal.
Dlrigiram-M mal contentes pelo norte, pois assim se
engolfa jitiueU cosia. Andadas 40 léguas, acharam o mar de
igua doce, e invesllsando donde vlntia esta água, acham uma
b&ca que sala no mar 15 léguas com grandíssimo ímpeto,
dianie da qual no mar esLivam muitas ilhas habitadas de gente
humana e paclltca, mas nio tinham coisa alguma para con-
tratar. Levou 36 escravos, pois outra coisa nao acharam, para
nSo tomar sem ganho. O nome desta provinda chamam
Marinalambal. Dizia esta gente que dentro na terra firme havia
flrande cópia de ouro. Partidos dHtt rio. em poucos dias
descobriram a tramontana, dal a SO léguas- Dizem ter sempre
percorrido a cosia da terra de Pirla, porque depois chegaram
à Mca dita do Dragão, que está na Wka de Pária, aonde lol
o almirante.
Dirigem-se para noroesle pelo mesmo litoral, tristes por
causa dos mortos. Tinham percorrido cCrca de 40 léguas
quando entram num mar de águas tam doces que foi possível
encher ai as vasilhas de água fresca. Investigando a causa
désic fado, descobrem que de vastos montes desciam com
grande iinpelo rápidas correntes fluviais. Dizem que dentro
dèste mar há muitas ilhas nSo só felizes peta feracidade do
solo mas também muito povoadas. Contam que os habitantes
desta região s3o mansos e sociáveis, mas pouco ulcis para
os nossos porque n3o possuem produtos desejáveis, a saber
ouro e pedrarias. Levaram por isso dai 36 cativos. Os indíge-
nas chamam à regiào Mariatambal; porém a região ao oriente
ctuma-se Camomoro, ao ocidente Paricora. No interior destas
icrras davam a entender os naturais que havia quantidade de
ouro não desprezível.
Alcançando em linha recta o norte do rio, por assim
o exigir a curvatura da costa, recuperaram o pólo árctico.
Todo íste litoral é de Pária, a qual dissemos que Colombo,
autor de tamanha descoberta, encontrou ornada de pérolas.
Dizem que esta costa é contigua e dela faiem parie a bôca
do Dragáo, de que noutro lugar falei, e outras regiões como
Cumana, Maracapana, Curiana. Cauchieto, Cuchibachoa; por
causa disto julgam-nas continente da índia Gangética. Nem
esta vasta extensio de terra parece admitir que seja uma ilha.
conquanto a terra em conjunto, tomada no sentido lato, se
possa dizer uma ilha. Caminhando êles em território continuo
pura o ocidente em direcção a PAría cèrcd de 300 léguas,
desde a ponta de terra que perde o pâlo árctico, dizem que
quási a meia distância foram dar a um rio chamado Mara-
nhão, tam tjrgo que o suspeito de fabuloso, fnterrcgados
('•) Esta ludiciosa observado encontra-se em Zeferino Cândido, Brasil, 1900, pág. 105.
138
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
dfpois por mim se rra um bra^ áe mar, responderam qut
erjm doces as águas dfiste p^o. tanto mais doces quanto
mais se sobe a corrente, e é semeado de iltiat e peines.
Ousam dizer que tem mais de 30 léyuas de largura, e desa-
gua com impetuoso curso no mar que cede ao stu furor.
Porém $e considerarmos quam grandes se conta ser os braçoã
setentrional c meridional do Danúbio e a quanta distância
violam as Aguas do mar e fornecem bebida doce aos nave-
gantes, deixaremos de nos admirar, embora conste que Hta
rio / maior íQuem negará .) natureza que possa <; ''é
rio maior que aquele, e outro ainda maior que èsi- . jo
ser éste o rio de que o almirante Colombo tfii mençio quando
percorreu estas paragens. Noutra ocasiSo vrrrmos lito mala
claramente, agora voltemos aos produtos da terra.
Sobreleva aos demais episódios e vale pela viagem inteira o achado do rio grande, graças ao
qual Pinzon passou injustamente à posteridade como descobridor do Brasil em 1500. A éle dá o têrmo
das capitulações de I50l o nome de 5. Maria dei mar duke. ausente na descrição.
Trevisan dtz-nos apenas que o rio desembocava com grande ímpeto 15 léguas pelo mar dentro
através de muitas ilhas habitadas por gente pacífica, chamando-se Mahãtambal esta província em cujo
interior constava existir ouro em abundância.
Mártir, em 1511. um pouco mais explícito, expõe que o rio constituído por vários braços,
decorria de vastos montes e ao nome indígena Mariatambal junta outros dois paralelos, Camomoro
c Paricora.
Finalmente 4 segunda edição de 1516 traz uma digressão sõbre o enorme Maragttomim (em
espanhol Maranon), com mais de 30 léguas na embocadura e cuja posição geográfica nos é fornecida.
Estas sucessivas adições são outras tantas revelações que nos auxiliam a discriminar a verdade
do êrro na formação da lenda amazónica. e se completam com as capitulações de 1501 e a declaração
testemunhal de Pinzon em 1513. Noutra secção especial demonstraremos que este capitão castelhano em
1500 apenas esteve no Orinoco.
Do rio grande até Pária não nos informam coisa alguma as relações, e apenas dizem que
caminhadas em poucos dias umas 50 léguas na direcção do norte, recuperaram a polar. Isto nos há de
servir para provar que Pinzon mentiu, asseverando ter perdido a polar e cruzado a linha equinocial.
Notaremos aqui que se às 40 léguas, compreendidas entre o rio grande e o anterior, juntarmos
as 210 anteriormente calculadas, chegaremos ao total de 250 léguas, máximo afastamento arbitrável entre
o início do percurso costeiro e o estuário de Mahtia tubaro. que Mártir crismou de Mariatambal.
■Em algumas Ilhas, cm grande número, que eslAo adiante
desi rim as naus de brasil. Achanim algumas
de».. ludas com mMo dos canibais, c muitas
casas arruinadas. Viram lambam alguns homens tugidos pelos
montei; encr- "res dc cassijfisfula e levaram
muita para i , ■ que a viram dizem que sona
perfeita se colhida no seu tempo. As árvores dali sao grandes
que seis homens nâo as podiam abarcar. Enire estas árvores
deram com um animal monsiruoso que tem o corpo e locinho
de raposa, o rabo e as patas trazeiras do macaco, as diantei-
ra» de tiomem, as orelhas dc morcego, e lem debaixo do ventre
Outro ventre da parle de fóra, como uma bolsa, onde esconde
seus filhos depois dc nascidos: nem mais os deixa sair alé
que s3o grandes, excepto para passeio ou para os amamentar.
Êste animal, levado de Sevilha a Granada ao sereníssimo rei,
morreu e cu o vi morto. Tintia também nesla bolsa os filhos,
que morreram no navio.
Êste VIcentianes alirma ter navegado pela costa de
Pária 600 léguas e que nko duvidam ser terra lírme, antes o
lem por certo.
Dal vieram i litu Hispaníola em 23 de junho, donde
díjcm ler depois andado 400 léguas pelo poente em cena
província, na qual os assaltou uma tormenta. De 4 caravelas
que tinham submergiram -se duas. outra sc sumiu, partidas as
Encontraram na maior parte das ilhas dc Pária matas de
pau vermelho, e trouxeram díle lr*s mil libras. O !ore*
italianos chamam-lhc ucritno. os espanhóis 6rjsi. ' que
as madeiras vermelhas da Hispaniola slo multo melhores para
dar a cdr is lAs. Seguindo depois o AquilSo. que os mari-
nheiros espanhóis chamam nordeste e os italianos grego,
passaram por entre muitas ilhas assol.idas pela ferocidade dos
canibais, mas férteis. Com efeito, desembarcaram í "" 1: 'r«s
lugares e encontraram vestígios dc muitas aldeias d
Viram contudo em alguns pontos homens, mas tímidos que
lugiam da vista dos navios estranhos para as penhas dos
montes e para os bosques cerrados, e que nAo tinham doml-
tílio certo, mas andavam errantes por causa das ciladas dos
canibais.
Encontraram árvores grandíssimas que a cada p«SM •
por sua própri.i natureia produzem cassi ' ' o vulgar-
mente lhe chamam. Diz-se que esta nái 1. .1 que os
febricitantes procuram dos farmacêuticos, mas nlo eslava
ainda madura quando \k estavam em marcha. Prefiro dar
crédito a estes c outros que tais coisas referem o perscrutál-ot
mais laboriosamente. Contam que há al árvores Iam gigantes-
cas que muitas delas nlo podem ser abraçadas por um cordáo
de 16 homens unidos pelas máos.
Entre estas árvores foi encontrado aquele animal mons-
139
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
IncoriB e J quarta pormanorcn ' mas com lanlo trabalho
que ti tinham perdido tòda a i . i de salvação.
Tendo desembarcado em terra, haviam [i começado a
pensar em viver ali. ■ ■ <.■ que a geme do lugar,
pedindo o auxílio doí v - sse eatcrminar. toma-
ram a deliberaçlo de os maf.u primeiro, e |i tinham prind-
plado a lazC-lo, quando, ao cabo de oiro dias, se féz a bonança,
o navio perdido tomou com 18 homens, e com èsle e com
o que estava salvo no surgidouro, fizeram vela e tornaram a
itiis casas, no úlNmo dia de setembro.
Vieram depois muitos outros que navegaram pelo meio
dia. máS todos peia costa da terra de Pária, que trouxeram
canafistula melhor que a de Vicentlanes.
tnioso dc locinho de raposa, cauda de ccrcopiléco, orelhas de
morcego, mSos de homem, imitando nos pés o macaco, que
transporia 03 filhos \á nascidos, para onde quer que vi, num
úlero exterior á maneira de uma grande bõlsa. Éste animal,
embora morto, tu mesmo o viste comigo e o manuseaste e
admiraste aquela bolsa, novo útero, novo remédio da natureza,
com que livra dos caçadores ou dos outros animais violemos
e vorazes os filhos, transportando-os consigo. Dizem ter sido
descoberto peta experiência que o animal leva sempre consigo
os filhos nesta bòlsa e nunca os deixa sair sonão para brincar
ou para os amamentar até éles aprenderem a buscar por si o
sustento. Como tivessem agarrado com os filhos o próprio
animal, os cachorros morreram pouco depois nos navios, mas
a mSe sobrem veu- lhes alguns meses; por fim ela também não
pôde suportar tam grande mudança de clima e alimcntjçSo.
Désie animal já díssémos bastante; voltemos aos autores do
descobrimento.
Estes dois Pinzons, tio c sobrinho, padeceram durante
esla navegaçlo coisas horríveis. Tinham percorrido já 600
léguas pt-lo litoral de Pária e segundo pensam passado além
da cidade dc Calhay e da costa da índia além do Ganges,
quando nestas paragens se lhes desencadeou cm ]ulho uma
tempestade tam violenta que submergiu a seus olhos duas
das quatro caravelas que levavam, Imcdialamcnte desancorou
e féz desaparecer a terceira, e sacudiu por tal tórma a quarta
ancorada que já se eslava despedaçando a carcassa. Em con-
sequência desembarcaram do navio, perdida a esperança de
o salvar. Reunidos por isso em' conselho, cogitavam nSo só
em preparar domicilio nestas regiões, mas também em malar
todos os habitantes, com receio de que estes, convidados os
vizinhos, conviessem em trucidá-los. Mas sucedeu melhor.
Cessou a tempestade, tornou a caravela que ela arrebatára,
na qual vinham dezoito liomens, c foi concertada a que linha
ficado ã vista. Nestas duas naus tomam o caminho de Espa-
nha, e no dia antes d.is calendas de outubro voltaram a Patos
a suas mulheres e fi!h05, sacudidos pelas vagas e tendo per-
dido aio poucos amigos.
Éles trouxeram muitos pedaços de árvores que cuidaram
ser de canela e gengibre, mas inúteis porque náo estavam
preparados, desculpando-se dc nâo trazerem mais nada de
precioso. Contudo o teu Luis Dapllsta, tilósolo exímio c médico
não interior, diz ter visto nas máos détes pedras que trouxe-
ram apanhadas naqueles htorais marítimos, as quais afirma
serem verdadeiros topázios; a mim e a tí, se me náo engano,
o narrou.
Depois disto, também outros, levados pela cmutaçáo de
vizinhos, percorreram longuíssimas extensões para o sul. mas
utilizando-sc de descobrimentos alheios e dos vestígios do
almirante Colombo pda costa da Pária. Também estes acha-
ram canaffstula e aquele remédio precioso para tirar com seu
fumo a dor de cabeça, a que os espanhóis chamam animae
álbum.
O animal que Mailir capitula de monstruoso é o opossum americano fChironectes uariegatus).
a cuja família pertence o gambá brasileiro. O remédio animae álbum ou ãnime blanco. é uma espécie
de incenso.
Do texto latino se depreende que Pinzon iulgava ter ultrapassado o fabuloso Cathay e o
Ganges quando lhe sobreveio a tormenta a que nâo resistiram duas das caravelas; o naufrágio ter-se-ia
realizado, pois, nas costas da terra firme. Isto está em desacôrdo com o próprio texto onde Mártir nos
diz que o navegador parliu de Pária com o rumo de nordeste e se encontrou com ilhas despovoadas,
mas é possível que êle localizasse Cathav em Cuba. que ao tempo geralmente nSo constava fôsse ilha.
Em Trevisan, pouco claro, o naufrágio sucedeu ao poenie da Hispaniola, mas do depoimento de Anton
140
os FALSOS PRECURSORES DE ÁLVARES CABRAL
Fernandez Colmencro companheiro de Pinzon em ISOO, sabemos que £Ie foi nos ojos de lã õaburcã.
baixios que o mapa de Diogo Ribeiro (1529) fixa a noroeste da Hispaniola.
A excursão pelas Antilhas é contada por duas testemunhas chamadas à barra no processo de
Colombo, António Fernandez Colmcncro e Pedro Ramirez ("'). das poucas que iuntamcnte com os dois
sobrinhos de Pinzon. Diego Fernandez Colmenero e Arias Pinzon, parecem ter ido na viagem de 1500.
Conta-nos a primeira que de Pária foram os expedicionários à Hispaniola, que se dice lã
Isãbetã. e que Vicente Vaf^ez se partiu de la ísãbeUi (ia uma ilha?) que se dice Jumeto y ã los oios
de lã Daburcã. onde perderam dois navios em baixios. A segunda diz nos que saíram da Bocã dei Drago
(Pária) fueron a una isla que hallaron. corríendo a nordeste, a la qual pusieron nombre isla de Mayo ('")
e de ali partiram para Guadalupe, que es en las once mil virgines. seguindo para S. Juan (Porlo Rico)
c a Isabela (haílí. Santo Domingo, Hispaniola). A viagem prosseguiu depois por outras ilhas Samana,
Someto (a ]umeto de Anton Colmenero). e Maguãna: mas a testemunha omitiu estranhamente o naufrágio.
Trevisan anuncia-nos que nesta parte da excursão, entre Hispaniola e o naufrágio, andaram
400 léguas, o que mostra as fabulosas avaliações de distâncias feitas por Pinzon. Nem metade comportava
uma estimativa regular, por sinuosa que fòsse a marcha dos navios!
\0 é geralmente objecto de reparo desconfiado que Pinzon pretendesse ler cruzado o equador pinzon cm
em 1500 e vogado em mares austrais, e menos ainda a quem tem presente que os portu- ^TMvraíou
gueses desde I47I o praticavam cem frequência. É necessário porém nâo esquecer que, aeoUihocial
modesto embora p^ra os seus rivais, o feito avultava grandemente aos olhos dos espanhóis,
confinados ao hemisfério setentrional nas suas mais audázes excursões marítimas do século
XV, e ainda duvidosos das condições de vida na parle central da zona tórrida. Compreende-se pois que
Las Casas c o seu plagiário Herrera tenham reivindicado para Pinzon a glória de ter sido o primeiro
espanhol a atravessar a linha, ínscrevendo o no seu activo ao lado de outras de maior tõmo.
Infelizmente a critica moderna, mais exigente que os antigos cronistas crédulos, nâo deposita
a mesma fé nas palavras do ambicioso capitão e despoja o dos louros usurpados. Com efeito, não é
difícil mostrar, à face das suas próprias afirmações, que a apregoada passagem da equinocial é uma
fábula, a competir com as maravilhas que a acompanharam, tais como o negrume no horizonte e a
protuberância encobrindo o pólo antárctico. Nâo é a primeira vez que a demonstração se tenta. Em 1900
o Dr. Zeferino Candide, com o concurso do oficial de marinha brasileiro Albuquerque Lima, fôz ver a
inconsistência da lendária versão ("0: mas a prova resultou insuficiente, principalmente porque o
publicista se va eu do relato de Herrera, e ésie transcreve de Las Casas uma distância visívelmenie
errada. Por nossa parte socorrer-nos hemos do de Mártir cuja autoridade resulta de ler sido escrito
sôbrc informes do próprio Pinzon. baseando nossos argumentos nas condições em que éle alega ler
perdido primeiro, e depois recuperado a polar.
Conta-nos o sacerdote milanês que, partindo de Santiago de Cabo Verde, navegaram os
expedicionários 300 léguas no rumo de sudoeste, perdendo então a tramontana. Acto contínuo, assallou-os
('**> Apt ndiCt- P. resposta à 7-« prcgunta do tiSfal.
("*) Esta illu aparece no luijâr indicatlo no pUnisfério dc La Cosa c no porlulano de Cgcrlon, mas nao fifiura
nos demais.
(lU) op. dl-, de pig. 100 cm diante.
Ml
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO 5RASIL
furiosa tempestade a que resistiram, andando em seguida mais 240 léguas, no mesmo rumo e com grandes
cautelas, ?o térmo das quais atracaram ao continente americano, lendo gasto na travessia 13 dias ou
14 incomplelos. Examinemos estes dados.
Em 1500, a distância do pólo à estrela do norte era 3o25', e a refracção horizontal, então
como hoje, excedia 25 ('*"). Temos pois a certeza absoluta de que o astro só começava a sumir se em
latitude boreal inferior a 3°, desaparecendo totalmente por latitudes austrais superiores a 3» 50. Entre
as duas posições, separadas pelo dobro da distância polar da estrêla, esta só era visível em certas con-
dições de hora. Por outro lado. a légua náutica usada pelos espanhóis tinha quatro milhas romanas de
1480 metros cada uma ('"); nós tomaremos a conta redonda de 1500 metros a milha, e de 6 quilóme-
tros a légua, cabendo pois ao grau eqíiatorial 18,5 léguas.
Isto posto, um cálculo simples mostra que. caminhando 300 léguas no rumo do sudoeste, a
partir da pequena ilha de Santiago, cuja latitude média é de 15° boreais, se chega apenas a 3o]9 no
mesmo hemisfério Nesta situação a polar abeirava-se do horizonte na culminação inferior e na su-
perior pouco excedia 6o44 ; estava sempre visível e os pilotos se fartaram de a contemplar. Para que
ela não assomasse sòbre as águas do oceano tornava-se mister a Pinzon vencer 18*>50 de diferença na
laiiludi>; ora iá mesmo admitindo uma róta francamente apontada ao sul, o percurso correspondente
tinha de ser superior a 340 léguas. Como porém Mártir claramente indica o rumo de sudoeste, é forçoso
que o trajecto fôsse de 480; mas então já êle devia ter avistado a América, pois sua distância a Santiago,
na direcção apontada, orça por esse número de léguas.
Désie primeiro exame se apura assim que a distância de 300 léguas é errónea, e nasce a
suspeita de que o capitão espanhol não perdeu realmente a polar; contudo, antes de tornar definitiva a
conclusão, cumpre atender as objecções seguintes que se lhe podem levantar:
1. < Na estimativa da derrota os pilotos pecaram por defeito, encurtando o espaço andado.
2. « As correntes marítimas, de que êles não tinham consciência, arrastaram as caravelas,
obrigando-os a trajectos maiores que os estimados.
3. " A estrêla do norte, conquanto de dia superasse o horizonte, não era visível de noite.
4. ' O rumo teria sido o susudoeste, e não sudoeste.
A primeira dúvida não colhe; os navegadores castelhanos, em vez de os diminuir, invariável-
menle alongavam seus trajectos. ]á tivemos ocasião de mencionar Rodrigo Bastidas que, com prodigioso
CKagèro, se gabava de ter custeado 3000 léguas na sua viagem, mas a cada passo deparamos com
,ões similares, embora em menor escala, nos primeiros anos do brilhante período espanhol. O
qlu^^^íio Enciso explica-nos em 1519 a razão desta prática constantemente seguida na navegação cor-
rente ('-'), Podemos pois estar suficientemente seguros de que Pinzon, acusando 300 léguas, na reali-
dade não andou maior distância.
A segunda objecção reside na existência de correntes que sulcam o Atlântico nas paragens
atravessadas por Pinzon. Sabe-se efectivamente que entre o arquipélago de Cabo Verde e o nordeste
ar . (n i n Em 1500 as coordenadas asironómicas da polar (a Ursae mtnoris) eram : ascencão recta = 3<>, 76, declinação =
Sft- II.1UI Ncugcbauer. Sfrrnt.ifeln i-on 400 i>or Ctir. bis zur Oesenw^trl, I9I2J. A retracção colige-se das tábuas empíricas
indcr (Chauveiiet, Sphcnc3i and practic.U astronomy. tòmo I. pjg. 132). Em 1S19, linciso, na Sumã de geographia,
u... ,í. par polar da estrêla do none. copiando do Regimento do estrolabio e do quadrante.
I i, Toscanelli and ColumOus, pág. 200.
K ) . ii "idice D sào concisamente apontados os elementos com que loram leitos èste cálculo e 09 subse-
quentes desta lecçào- As rotas de rumo constante sao loxodromicas. curvas Transcendentes peta primeira vez consideradas
peto m«gne matemático portuguís Pedro Nunes (Tr.uado em defensam da carta de marear, 1537); todavia eoúiparamol-as a
arcos de circulo máximo pelas razões expostas no apéndice.
V ** buena cuenta a los que tienen conocimiento de la nao en que van lo que suele andar por tiora
porque arbitran lo que puede andar. Pero como es arbi-rarie la cuenta es incierla. E para scguridad dei erro hechan antes
mas lesuas que menos, porque se hagan con la lierra ames que lleguem a ella. E hatíendose com ella vayan sobreaviso e
«IL^ noches, porque no den cn ella sin la ver primcro e conoàcer a do van a dar. E com esle resguardo se rigen los
íni -íl? assi van por esta cuenta cierlos de no cstropezar. V este es ie dereche navegacton (òuma de geographia.
i5«..« portugueses geralmente procediam como os castelhanos e aumentavam na carreira da índia o número de
iSUMm%.«,« ' " ^° '""s"'-"" '"'^o grandes serviços, como e^pôc a D. ]oào III o duque de Bragança, mas
«I?,™ JL ,^ ./"v* """"^ '^^ ^^^"'■"^e proveito acharem-se muito mais adiante do que se lazem, por
nJ,í Z. ''""'■'"'^f " "'•«i- porque se acertam de fiçar a jutavento dos cal)os. perde-se a uiãgem dague/le anno pola
?no Mexo ity. Bensaude. Les Legendes allemandes sur I hisloire des découuerles maritimes portugaises. Oénève.
142
143
'i
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
do Brasil corre continuamente um circuito pelágico que parle daquelas ilhas no sentido aproximado do
sudoeste até 10<> de latitude norte, começando depois a rodar para oeste e tomando sensivelmente esta
orientação a partir de 5"; no equador êle prossegue no mesmo rumo ocidental até perlo de 100 quiló-
metros do conlinenlc e depois encurva se para o noroeste, acompanhando a costa. Sua velocidade média
atinge 20,5 milhas náuticas inglesas em 24 horas, mas até o equador nunca excede 10,5 ('
corram»* mirttlmaa na rcgflo cqOBlorlal do AiIJinilco. durante íanrlro. (E«lracto da caria n.' NSI do Almiranlado BrtUfitce).
O» ndmaro* indicam «tn inllhaa InsKaa» a valocldad* fntdia dllria da» correntes.
Aqui nos falece um elemento essencial para avaliar com segurança a velocidade média das
caravelas espanholas, e vém a ser a extensão total do percurso transatlântico de Pmzon. pois nenhuma
confiança deposiramos nas 540 léguas indicadas e apenas sabemos do tempo gasto. Contudo estaremos
aquém da verdade supondo Iam somente para os efeitos do presente raciocínio, que o trajecto foi o
menor dos imagináveis entre Santiago e o Brasil, porquanto desfarte arbitramos no mínimo a velocidade
média das caravelas durante os 14 dias. e avulta em percentagem mais elevaJa o efeito da corrente.
Este trajecto mínnno, que liga a ilha portuguesa sensivelmente ao cabo de S. Roque, anda por 1740
milhas, o que nos conduz à cifra de 124 milhas por dia; por outro lado. a corrente avançava no mesmo
O") Veía-ic a caria 29S1 do Altniranlado Britânico Monthiy carrent charts-MUntic Ocean-January and February.
144
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
intervalo perto de 13 milhas náuticas espanholas que, deduzidas das 124 de velocidade global, delxain
111 para a proveniente da impulsão do vento. A percentagem aceleradora da corrente nÍo excede
portanto 11.7; e enlâo, admitindo a exactidão da estimativa dos pilotos, concluímos que as 300 léguas
acusadas devem ser acrescentadas de 3S. sendo de 333 a distância vencida desde Santiago até a preiep'
dida perda da polar.
Ora, navegando no rumo de sudoeste éste número de léguas, chega se à latitude boreal de
10 56 , na qual a polar a 20 de ]aneiro de 1500 era perfeitamente visivel durante umas 5 horas, sendo
aproximadamente de 4° a sua altura ao anoitecer ('")• ^te resultado é tanto mais seguro quanto para
èle conlnbuiram quatro hipóteses que o desfavorecem: o efeito máximo da corrente, o trajecto mínimo,
a exactidão da estimativa, e por fim o desprézo da inflexão da derrota que traria consigo a elevação
da latitude do ponto terminal.
Afastadas por êste teor as duas objecções referentes às distâncias, passemos à terceira, deri-
vada da ocultação parcial da tramontana. Na travessia do oceano há que considerar dois períodos
distintos, o que precede a perda da polar, no qual andaram 300 léguas, e o segundo depois dèste
acontecimento, no qual percorreram 240 com menor rapidez, porque com mais resguardo, Dividindo o
intervalo de 14 dias incompletos em partes proporcionais àqueles números vé-se que a invisibilidade da
estréla ocorreu no dia 20 de Janeiro ou no subsequente. Na proximidade do eqíJador os dias diferem
pouco das noites, e, como o crepúsculo é breve, às 7 horas da tarde brilham nitidamente os astros no
firmamento. Mostra-se que a esta hora de 20 de ]aneiro de 1500, para tôdas as longitudes entre a de
Santiago e a ilha da Trindade, a estrela polar só desaparecia em latitudes austrais superiores a 2^27';
ora o iraieclo andado pelo sudoeste até esta latitude orça por 435 léguas, Como se vé, estamos bem
longe das 335 em que com segurança calculámos o percurso, atendendo à intervenção do circuito pelágico.
A última oblecçáo que nos resta apreciar por igual se revela destituída de valor. Que os
rumos de Pinzon não eram exactos, temo-lo por certo, quando mais nâo fòsse por causa da declinação
magnética que desvia a bússola da direcção do meridiano geográfico. Talvez os pilotos soubessem que
a agulha noroesteava ou nordesteava, mas ignoravam de quanto, cingiam-se aos rumos aparentes sem
cuidar de os corrigir. A róta que Pinzon asseverava ter sido sempre pelo sudoeste não seguiu portanto
èste rumo talvez em parte alguma.
Sabe se pouco das linhas isogónicas ou de igual declinação em 1500. a-pesar-de haver cartas
magnéticas da época construídas séculos depois; mas das observações de Colombo parece deduzir se
que a linha agónica ou de declinação nula passava um pouco a oeste dos Açôres e dirigia se de N. E.
para S. O. tocando na ilha Margarita, ao norte de Venezuela. Se assim era, a agulha nordesteava
ao longo da costa que desce da ilha até o cabo de S. Agostinho; e o sudoeste aparente de Pinzon deve
subsiituír se por um rumo que se aproxima mais de oeste, talvez sudoesie-quarta de oeste. O desvio da
trajectória devido à falsa orientação trá-lo-ia, acima do Ceará, onde deveria aportar se tivesse sempre
seguido pelo sudoeste.
Uma das testemunhas no processo de Diego Colombo, Anton Hernandez Colmenero, que com
certeza esteve às ordens de Pinzon em 1500, narra que fueron ía via dei surueste entremedias dei sur,
o que indica o susudoeste ou rumo muito próximo; outra testemunha, Pedro Ramirez, que provávelmenie
(■u) D>-v<~n^'-'^ ao sr Frederico Oom, Ilustre direaor do Observatório AKrondmico da Tapada, em Lisboa, o cálculo
das coordenadas n do Sol em 20 de Janeiro de ISOO, que a meia noiíe do mcridUno de Greenwich eram as sesufn-
les: ascensão recra . declinação 17o. 86; vahac:io hoidria d;i ascencJko recta 10o,6.
O Alni.'"-i: l i rprtuum de Zaculo ínlorm.! que o So), i tiora indicada, eslava em 9oS9'29 do tigno do Aquirlo,
o que di para a j-.i.<'iii,.io recla 3t2o,46, tomando para Inclinação da ecifpllca e para a conttanic de precessAo oi númeroi
adoptados pelo astrónomo ludcu.
Humboldt. Examen critique, tbmo III. pág. 29. }olo de Lisboa, celebre plldto português, é de parecer diverso
no Trãtado de agulha de m-trear, concluído em IS 14, onde lemos o seguinte, estropiado pelo copista: *As de saber que este
mnvdiaito fero homde as agulhas verdadeiramente faiem o pollo do mundo artiquo demde s Ilha de samf.i mana a pomtã
da llhê de Si miguei que si na (Sj llfij (Sj dos açores e devtde a etpera f 3 parles ygoae» e pata amtre as ylhas do cabo
verde por ama aa Ilha de SS Vicéte e asy pjsa amtre o cabo de boa esperança e o cabo friol > mertdiano achei
sempre as agulhas fixas no pollo do mudo: e como delle me saya lln<jo as agulhas fatiam í< e por que nuqua
fuy. em p.irle que ichjsse conhecmcnto doutro meredlano nã laço > ' i senJ deste. . . (Livro A\jniihafla. Lisboa. 1903,
edição de [irlio Rebelo, pág. 2J). A decllndçlo nula das agulhas : res era há mullo conhecida dos porluqueses. dos
quais a nalurjlmentc Colombo; parece porém que ]o3o de Litboj imaginava que o meridiano magnético colnddla com
o geográhco, talsa ideU vulgarizada e da qual lambiam partilhava o almirante genovês. O pllôto porttií^ii^i em 1M4 \\ llnhã
corrido as carreiras da fndia c do Brasil. Como í'!c diz que as agulhas ftorf do meridiano r tait
conhecimento pêra ho norde%te tanto quanto uos delia affastaes, sugumdo do merediano para o 0< ■ nento
para o norae'iie, segue se que £le devia ter visto J bússola noroestar nas cosias do Brasil, o que se nio conuiu com a
conduslo de Humbotdl.
19
145
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
acompanhou o navegâdor na mesma viagem, dá a mesma indicação ("O- ^te rumo do início da travessia
discorda do registado por Mártir mas os marinheiros não conservariam em 1513 muito viva a memória
dèste pormenor de Ireze anos antes. Os depoimentos das Probanzas exibem a cada passo enganos dêste
jaez. Pôde suceder, no entanto, que éles falassem verdade e o escritor, como fôsse leigo em náutica, nâo
nos transmitisse fielmente as palavras ouvidas, desprezando uma ou duas quartas na rosa dos ventos.
Veiamos quais as consequências de se admitir a direcção SSO até à ocultação da polar.
Um percurso de 300 l^uas com êsle rumo (razia os expedicionários à baixa latitude austral
duns O03 , na qual a tramontana era bem visível às 7 hor£s da tarde de 20 de laneiro de 1500, pois já
vimos que nestas condições ela só se sumia por 2027'' austrais; mas há que contar com o eleito adju-
vante da corrente oceânica. Como o seu curso desde o princípio da derrota faz ângulo com esta. e depois
se acentua mais a obliqiiidade, deve-se diminuir a percentagem aceleradora que anteriormente compu-
tamos com acentuado favor em 11,7 e agora, por considerações enfadonhas de enunciar, reduzimos a 8.
As 324 léguas resultantes do aumento conduziam a loi5' S. onde a polar ainda estava acima do
horizonte na data e hora indicadas, com a altura aparente de \'>Í2'.
Não se realizou, pois, a ocultação da estrela, embora ela se abeirasse do horizonte, e acresce
ainda uma circunstância inexplicável: é que Mártir se engana segunda vez. quando diz que depois de
desaparecida a tramontana persistiram no mesmo rumo de sudoeste. Com efeito, sendo a longitude de
Santiago 23o30' O de Greenwich, será 30o7 a do ponto de latitude l^is', cujo afastamento do litoral
brasileiro foi vencido na segunda parle da travessia transatlântica. As 240 léguas em que o calculou
Pinzon (eem de sofrer correcção por efeito da correnteza oceânica, que cresce em rapidez à medida que
se avizinha do continente. Desprezando todavia o aumento (que excede 20 légurs). e medindo aquela
distância à costa brasileira, caímos pouco ao sul da íoz do Maranhão, com a direcção final da derrota
sensivelmente por oeste-quarta de sudoeste. Assim pois os nautas abandonaram o rumo inicial de SSO,
cambando nada menos de 56o a continuação da róta no mesmo rumo afaslava-os do continente, mas
podemos supor um ligeiro desvio que levásse ao cabo de S. Agosfinho—e tal é a trajectória comum-
mente aceite- ; este cabo fica porém a umas 150 léguas do ponto terminal do primeiro trôço da derrota,
o que está longe das 240 indicadas por Pinzon. A persisiência do rumo nâo se concilia com o que
conhecemos da viagem.
Até aqui temo-nos ocupado em demonstrar que a distância acusada de 300 léguas para a
perda da polar é impossível de admitir-se; vamos ver agora que eia é um dado fictício.
Narra Trevisan que, depois de terem avistado o grande rio em cujo estuário se espraiava um
mar doce. andaram os exploradores 50 léguas em poucos dias e descobriram novamente a tramontana;
Mártir nas edições latinas diz que, seguindo para o norte, recuperaram o pólo. Não há contradicção nas
duas versões, antes elas se completam, deduzindo-^e claramente que recobraram a estrela algum tempo
e algumas dúzias de léguas depois de ter abandonado o mar doce.
Há no nordeste da América Meridional dois poderosos rios, o Orinoco e o Amazonas, nos
quais o volume e ímpeto das águas determinam a dulcificação do mar onde irrompem. O primeiro tem
sua foz por 8030' boreais, e a tam alta latitude vê-se perfeitamente a polar, a qualquer hora da noite;
nâo deve pois ser êsle o rio a que se refere Pinzon. Quanto ao Amazonas, notaremos que a Ponta
Grossa, extremo norie da sua embocadura, eslá por \°\0 boreais; e a esla latitude, quando ainda os
castelhanos estavam à vista do rio. a estrêla era francamente observável mais de 2 horas, ao anoitecer
ou dí madrugada. Mas se êles ainda caminharam umas 50 léguas na direcção do norte, com certeza
ultrapassaram a latitude de 2o 10 , visto um grau de diferença equivaler apenas a 18.5 léguas; ora então
a tramontana estava visível durante 5 horas. Assim, tampouco pôde ser o Amazonas o rio em questão,
e visto que o problema só oferece duas soluções, ambas incompatíveis com a descrição da viagem,
concluímos que ela neste ponto é mentirosa.
O empenho de Pinzon em se gabar da façanha de atravessar a equinocial arrastou-o a uma
iraude, mas ocorre inquirir l como se aventurou êle a produzir a cifra de 30O léguas? A esla pregunta
mtercssante oíerecemos uma resposta meramente conjectural.
A latitude de Santiago de Cabo Verde é de 15o n.. muito cedo arbitrada ao meio da ilha pelos
Í'»T No Apêndice B, re&poslas i 7.» pregunta do tiscal.
146
os FALSOS PRECURSORFiS DE ALVARES CABRAL
portugueses; mas se estes a conheciam com exactidão, outro lanio nSo acontecia aos espanhóis C*^.
Queremos admitir que Pinzon a tomasse em I4<». dc acôrdo com Vespúcio ao principio da terceira
viaçem feila em 1501 ('*')■ Por outra paric. o navegador pensava que o grau linha 15 léguas; pelo menos
esia era a mediçáo corrente, conforme com a de Colombo ('*-'). Para vencer de latitude, pelo rumo de
sul, era pois necessário correr 15 léguas, c 21 pelo sudoeste, assim lho deveriam dizer as tabelas usadas
havia longos anos pelos marinheiros ('•'). Por conseguinte, para vencer de latitude alé o equador,
seguindo pelo sudoeste. lornava se mister percorrer 14X21=294 léguas; ora Pinzon, fraco astrónomo como
todos os capitães do tempo (sem exceptuar o próprio grande almirante), imaginava que perderia a polar
quando atingisse o equador, e daí a sua afirmação das 300 léguas, baseada nas inferências expostas
CERTO que o primeiro desembarque dc Pinzon se realizou no dia da chegada ou na manhã > u
seguinte, o mais tardar. O capitão castelhano, saltando em terra, tomou logo posse solene
dela. entretendo-se os seus companheiros em esculpir em fragas e árvores os nomes dos cado^oc
reis de Rasteia e os próprios; e é evidente que simultâneamenie se baptizou o lugar. Esta * *oo*ti»iho
primeira denominação marca o inicio das descobertas: ora o termo das capitulações de
1501. ao enumerá-las, dá a primazia ao cabo de 5. Alaria de la Consolación. Como seria estranho que o
diploma oficial começasse a definição das novas terras por um ponto situado adiante do da posse,
plausívelmente foi naquele cabo que primeiro pousaram os olhos ansiados dos nautas, depois da
arriscada travessia.
Não parece que Pinzon. escolhendo a invocação da Virgem, obedecesse à praxe litúrgica, cuja
voga começava então, de designar as descobertas pelo santo do dia em que foram feitas; è\e podia ter
preferido naquela jubilosa conjuntura a Senhora de sua especial devoção, ou o nome da caravela
capitânia, hoje ignorado. Efectivamente, o dia 20 de janeiro, apontado por Trevisan, é consagrado ao
papa S. Pabião e ao Mártir S. Sebastião; o de 26 de janeiro (domingo), dos lexios latinos, é o de
S. Policarpo, bispo e mártir ('*0- Só a 2 de fevereiro se celebra uma festa da Virgem, a Purificação, que
é a de Nossa Senhora da Candelária, e não a da Consolação ('")■ Harrisse inclina se a crér quo neste
último dia se nomeou o cabo ('**), mas neste caso caímos na hipótese improvável de que o primeiro
desembarque não se realizou então, pois há entre as respectivas datas um intervalo de 7 a S dias.
Mártir não indica um cabo no sítio da arribada, e apenas nos fornece insuficientes informes:
(>**) Vela se o Regimento do estroiAbio e do quãâranU, edic30 tac-simiUr de Joaquim Denuúde. onde v^m uma
lista de latitudes cu|j parte africana é provlvelmenle anterior a IMO. Duarte Pacheco em ISOS di( <rr 1S<>20 a ÍAlllude da
ponU norte de Santiago, o que é eMacIO (Eimerjfdo dc situ orbis, ed. 1905. pág. 36 e 84). Colomt>o em 1495, antes de paf»ar
pelo arquipélago, onde leve quilsi sempre cerração que Impedia observações, dava>lhe 9» IS , contra o parecer do toaittelro
astrólogo lalme Ferrer que calculava bem (Navarrete, op. dl., lòmo 11. dec LXVIII). Endto em 1519 arbilra lhe 14o30 (Op.
dl„ tol. 56).
('") Carta escrita em 4 de juntio de 1501 por Vespúdo a Lorenzo de Pler Fmncecco de Medids (Vicmnl Ar->.-ric
Vespuce. pig. 404>, A-pesar-dc considerar apócrifo o documento dc Píer Vasllentt, o Ilustre americano reputa prov ^
redigido sÔbre uma carta autêntica do Florentino; a latitude que t\c atribula ao arquipélago deve ter Idêntica à li-
Vlgnaud, Toseanelli and Columbus, páq. 199; Navarrete, op. dt., tõmo III. nota de pág. 19^, Martir.
Décãdã V, livro 7.<>.
('•') Uma destas tabelas Uoletj di marfeloio), encontra-se no Regimento do estrolabio e do quadrante com o
Íirau dc 17,S léguas; dela a copiou Enciso <op. cil., lol. 21 verso), como o prova esta dlmenUo, contraditória com a de 16
éguas e 2,3, adoptada no resto do livro,
{■**) Isto se do ii ^<<< r r rto no Regimento do estniábto e do quêdrante, dfado na nota 40. com o qual
concorda o dc Enciso, na obra \ nota.
('"j A Senhora da v..i..n iiwjinada em Portug.i' 'i lavradores, das Candeias, por terminarem com o mè*
de janeiro os serões de inverno, linha cm Espanha um culto aiv no. A da Consolação era celebrada na l.> Dominga do
Advento, e cm 1675 por breve de Clemente X passou a se-lo na d^jminija dentro da oitava de S. Agostinho, entre 28 de agosto
e 4 de setembro. Em Lisboa, em tempos remotos, a sua tesia foi na scgunda-lelra da Pascoela; os ortodoxos gregos celebra-
ram-na na Vl-iitaçao de Nossa Senhora, a 2 de julho-
('") The diplomjllc hislory of America, 1897, pig. 201.
147
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
a sondagem e a íurvaçáo do mar junto à costa-talvez indício de rio próximo. Dos principais aonistas
subsequente?. Oviedo nada nos comunica; Qomára (1553) diz que os expedicionários aportaram ao cabo
de S. Agostinho; Las Casas e o seu imitador Herrera confundem-no com Santa Maria de la Consolación.
A aparição do segundo nome explica-se íàciimenle: é que em 1513 Pinzon, ao depôr nas
Probanzas dei fiscal, declara ter descoberto o cabo de Consolación que es en la parte de Portugal, é
agora se tlama cabo de Sant Agustin ('•*). Em face da peremptória afirmativa, aliás repetição da exarada
na 7.* pregunla do fiscal, os cronistas crédulos e patriotas nâo hesitaram, e ficou assente que a derrota
correra entre o arquipélago de Cabo Verde e o promontório decorado com o nome do bispo de Hippona.
Todavia esta lese. sedutora para os espíritos desprevenidos contra a fraude, é abertamente contrariada
pelo relato de Mártir, por cuja bôca— nâo nos cansaremos de repetir— falou em 1501 o próprio Pinzon.
A linha que une directamente Santiago a S. Agostinho tem de extensão pouco mais de 470
léguas do eslalâo espanhol do tempo, o que não condiz com as 540 acusadas na narrativa; mas como
os navegantes sempre ampliavam as distâncias percorridas, nâo há que estranhar esta primeira divergência.
Nâo acontece porém o mesmo quanto a duas outras: o rumo seguido e o ponto em que
perderam de vista a estrêla do norte. A direcção daquela linha é S 26o O (aproximando-se de susu-
doesle, S 22«30 O), ao passo que a derrota foi sudoeste, S 45" O, se depositarmos fé em Mártir. Por
outro lado sabemos dêle que houve 300 léguas percorridas antes e 240 depois de oculta a polar; ora,
separando no trajecto directo duas parles proporcionais a 300 e 240. o ponto de divisão cai por 2° de
latitude boreal, onde em qualquer época do ano a estrêla era visível durante algumas horas, ao anoitecer
ou de madrugada. A total ocultação somente se realiza na altura de Fernão de Noronha (3° 50' S), num
ponto cuja distancia ao continente era de cento e poucas léguas, e não de 240.
Podemos admitir, em rigor, que o protonotário se equivocasse e, compreendendo mal o que
ouvira a Pinzon. lançasse nos seus apontamentos sudoeste em vez de susudoeâ-te, inexperto como era
em assuntos náuticos; mas a segunda discrepância é inexplicável na hipótese de que êle realmente tivesse
perdido a polar, e torna o depoTmento incompatível com a história contada pouco depois do regresso.
A róta directa a S. Agostinho é, aliás, inaceitável desde que o capitão nunca perdeu de vista a estrêla
do norte, como ficou provado.
^ Como foi levado Pinzon em 1513 a confundir Consolación com S. Agostinho? c Teria êle
noção exacta da verdadeira situação dêste último ponto, e teria por lá passado em 1500 ou depois? Eis
três problemas para cuja solução não possuímos elementos seguros, conquanto os haja para qualificar
de inexacta a identificação.
A primeira menção do preclaro doutor da Igreja ocorre na Lettera de Vespúcio, impressa entre
1505 3 1506 ('"). na qual o florentino narra a sua viagem ao Brasil em 1501, declarando que a fizera a
convite e mandado del-rei D. Manuel. O silêncio absoluto dos arquivos da Torre do Tombo e dos
aonistas portugueses contraria esta afirmativa ('"). Quer a expedição fôsse mercante, quer oficial,
pensamos que êle foi a mandado do seu compatriota Bartholo Marchioni, o qual já incluíra um navio
seu na armada da fndia comandada por }oão da Nova, partida em março ou abril de 1501. Sabe-se que
de Portugal fòra neste mesmo ano ao Brasil uma outra armada, que regressára a Lisboa em 22 de julho
de 1502 ('**). muito provávelmente a mesma de Vespúcio, embora êle alegue ler chegado a 7 de setembro.
O rei português consentia nas expedições ao Brasil naus armadas por mercadores, que lhe apresentavam
os capitães delas, às vezes estrangeiros ("").
Um indício de que Vespúcio não foi em viagem oficial transparece da omissão nos primeiros
mapas de origem portuguesa do nome S. Agostinho, imposto pelo capitão-mór da frota, ao que êle diz:
come doblassimo un caifo. alquale ponemo nome el cavo di S. Augustino .... et sta questo cavo 8 gradi
fuori delia linea equinoctiale verso faustro. Se tal denominação se ajusta ao cabo hoje assim chamado,
ela estaria inscrita naqueles documentos cartográficos quando o capitão tivesse missão oficial, mas são
outras as que se leem nelas.
No planisfério de Cantino, acabado em outubro de 1502, quando já Vespúcio eslava de volta.
('•*) No Aiifndicf B. resposta à 7.« pregunla do fiscal.
("^ Vcja-sc em Vlgnaud. Améríc Vespuce, a pág. 330 o original ilaiiano. vertido para francês a pág. 3S6.
C") Visconde de Santarém, Rechercttes historiques, critiques et bibliographiques. Paris, 1842, pág. 16 e outras.
(*> ana de Pietro Pasqualigo. datada de Sarasola a 12 de outubro dc 1502. era Derchet, op. cil., tômo l.pág. 91.
(>") ]olo de Darros. Dicãda I. Liv. V, Cap. X.
148
os FALSOS PRECURSORES DE ÁLVARES CABRAL
figura cabo de Sam Jorge na posição de S. Agostinho ou de outro cabo mais ao norle e prÓMÍmo dêsle.
No de Canério, de época incerta que nào pôde Ir muito além de 1505. está em lugar déle cabo de Sla
croxe (Santa Cruz), e esta mesma denominarão se inscreve no de Kunsimann n.° 2. cuia data é geral-
mente fixada enire 1503 e 1505. Os mapas germânicos gravados de Ruysch (1508) e WaldsecmUller (1507,
1513 e 1516), inspirados em protótipos portugueses, também a trazem; e na carta de Pedro Mártir (1511).
de origem espanhola, vemos Caput Crucis designando uma ponta extréma da costa ocidental da América
do Sul. A esta regra conhecemos uma única excepção, a carta de Pilestrina ou Kunstmann n.*> 3, na qual
vemos cabo de Santo Agustinho ao lado de nomenclatura portuguesa que sc encontra em Canério: mas
temos razões para supô-la posterior ao traçado deste genovês.
Não nos resta dúvida de que a Vespúcio se deve a vulgarização do nome em Espanha, que
só mais tarde se generalizou em Portugal. Aqui se intercala uma pregunta: io cabo de S. Agostinho
indicado pelo navegador florentino porventura será o que hoje é conhecido sob esta designação?
Os pilotos portugueses da expedição de 1501 deviam ser peritos na sua arte, mais que os
espanhóis contemporâneos, que empregavam as rudimentares observações da polar para a determinação
das latitudes em vez das alturas meridianas do sol. utilizadas pelos da nação vizinha (''"). Mas a latitude
de 8o (iliás a iínica que na terceira navegação da Lettera é atribuída a um lugar susceptível de identi-
ficação) aproxima se tanto de 8021 . verdadeira coordenada do cabo. que é lícito duvidar da coincidência
dèlc com o de Vespúcio. A carta Mundus Novus (1503 - 1504) diz-nos ('") que. percorrendo o litoral, os
navegantes chegaram a um ângulo que êle fazia para o sul, e a Lettera pelo seu lado conta que foram
até um cabo no qual a terra dava a voita do sudoeste; ora estas duas versões, se diferem no rumo da
costa, concordam em excluir o moderno S. Agostinho, no qual nâo há inflexão alguma do rumo.
A mudança de direcção efectua-se mais ao norte e torna-se sensível na ponta do Calcanhar (5(* 9 S),
onde alguns localizam«Sanfa Maria de Conso/acion (''0; e assim só é satisfatória a resposta negativa à
interrogação enunciada.
O depoimento de Pinzon não menciona datas nem discrimina viagens, porventura proposital-
mente. Mostraremos no decurso dêste estudo que êle visitou a América do Sul pelo menos trés vezes,
mas é notória a viagem de 1509. feita em companhia do pilôto português João Dias de Solis. Mártir
dá-nos dela uma confusa noticia, dizendo no livro 7.° da Década II que êles chegaram a uma cúspide
extrêma do continente cuja latitude avalia em ?<> austrais, e no livro 8.0 que estiveram no cabo de
S. Agostinho. Todavia, como o protonotário diz ser aurífera a região do cabo e a confunde com Ciamba,
em Honduras, a asserção não é segura; além disso a coordenada geográfica não ioga com a de Vespúcio
e peca por defeito, não por excesso, conforme o costume sabido dos primeiros tempos. Se notarmos que
esta é a única passagem de cronista anterior aos meados do século XVI donde se pôde inferir ter
Pinzon tocado no cabo. ficamos pois muilo hesitantes em admití lo, tanto mais quanto das testemunhas
das Probanzas que depuseram acerca da viagem nenhuma se refere à excursão pelo sul de Pária.
Mas. dir-se há. passou por lá em 1500, quando lhe pôs nome Consolación, e graças a
indicações de Vespúcio. com quem privou, verificou ser o mesmo S. Agostinho. E' possível, mas duvi-
damos que o pudesse fazer com alguma segurança.
Essas indicações resumiam-se na descrição topográfica e no confronto das cartas de marear,
donde se depreendiam a latitude e longitude. A descrição não bastava, dado que a conformação do
terreno não é característica a ponto de o distinguir entre as pontas que enxameiam pelo nordeste
brasileiro. A distancia ao equador, arbitrada em 1500 a Consolación, devia ser muito errónea, a avaliar
pelas medições de pilotos espanhóis da época; se etia coincidiu com os 8° mais exactos de Vespúcio,
conduziu a uma falsa identificação. Por fim. as longitudes eram então muito grosseiramente determinadas
e não serviam para a ligação das expedições de Pinzon em 1500 e de Vespúcio em 1501. Éste diz na
(tnrf Ouaiie Pacheco no Esmeraldo de situ orbis dá $«IS como lalitude dc S. Agostinho, com um (rro de 6'
somente. O cap. l.o em que eslá a indicação tol cscrtlo anics de tkndo o ano de IS05. (Introdução i edição de I90S d«
EptfAnlo Dias. pág. 4)-
(''!) Veja-se na obra citada de Vlgnaud o orisinal latino, a pig 305.
("•) Barão de Rio Branco. Seeond fAémoire prfiscntt^ par les r.iats-Unis du Brésil ãu (íouverntment de lã
Confidérãlion Suisse, pig. 29. O autor diz ser a ponta do Olcanhar o extremo do continente atingido por Pinzon na viagem
de 1509, a que adiante nos referimos no texto e. como esia é S. Agostinho <no dizer de AWttr), conclui ser ConsoUcioa,
conforme o depoimento dc 1SI3.
149
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Lettera que o ponto da América onde primeiro chegou, por 5» de latitude austral, distava pelo sudoeste
quarta de sul 700 léquas de Bczeguiche (Dakar), e o seu S. Agostinho estava ainda mais ao sul daquele
ponto. O outro dcciara na descrição de Mártir que a primeira arribada estava afastada de Santiago de
Cabo Verde 540 léguas pelo rumo de sudoeste. Nâo há maneira de ajustar as duas versões.
De resto, a verdadeira posição do cabo de S. Agostinho permanece ignorada dos espanhóis
durante dois lustros. Em 1515, catorze anos volvidos sõbrc a sua descoberta e dez sõbre o regresso de
Vcspúcio ã Espanha. ;)onde trouxe novas dela, procedeu-se nesle país a averiguações oficiais para a
determinar com vista à demarcação de Tordesilhas, nas quais foram ouvidos os italianos Sebastião
Cabote e ]uan Vespúcio, sobrinho de Américo, Nuno Garcia, o português João Rodrigues Serrão e André
de Morales ('")■ Nenhum dos pilotos consultados tinha visto o cabo, não obstante Serrão afirmar o
contrário, pois o seu depoimento demonstra que èle se enganou. Os três primeiros louvam-se todos em
Vespúcio. a cujo crédito lançam tudo quanto sabem de S. Agostinho. Morales declara ter traçado uma
carta da região desde Pária, que está em ocho grados, até o cabo que éle situa en diez e seis grados
al polo antárctico. A reputação deste pilôto estava firmada na cartografia, consoante se lê em Mártir (*'•),
e para mais a carta fora examinada e aprovada por Dias de Solis, que o mesmo escritor nos assevera
ter estado em S. Agostinho. iComo se explica pois que éle lhe arbitrasse latitude Iam elevada, o dõbro
da arbitrada por Vcspúcio ? í Não é isto um indício seguro de que Pinzon e Dias de Solis não estiveram
nesse cabo em 1509? t' mesmo singular a ignorância oficial acèrca de sua posição geográfica, já que o
florentino exerceu entre 1503 e 1512 as funções de pilòto mór e tivera tempo de inscrever no Padron
Reãl o seu S. Agostinho ("').
Pinzon linha falecido um ano antes do inquérito, mas a memória das suas viagens estava
longe de ser obliterada. Se éle tivesse passado por S. Agostinho em 1500 e depois repetisse a visita em
1509, algum dos seus pilotos sobreviventes podia testemunhar o facto, que pWo menos deveria ser
conhecido dos outros pilotos contemporâneos de Pinzon, com os quais éle mantinha relações. Todavia,
nenhum dcs consultados o cita, e tampouco se refere a Consolación. Serrão diz que foi com Alonso
Vellez de Mendoza, confundindo datas, e Morales parece atribuir a descoberta do cabo a Diego de Lepe.
A omissão é mais um argumento poderoso contra a identificação feita em 1513; Pinzon, do mesmo modo
que o fiscal, mancomunado com ête ao formular o interrogatório, apenas conheceu S. Agostinho de outiva
A mesma conclusão nos conduz, por seu lado. o exame do termo atrás citado das capitulações
dêste navegador em 1501. Aí os reis católicos enumeram seus descobrimentos e nomeiam no governador
de parle dêles em que estava incluído Consolación; julgavam-se pois legítimos donos da região. A demar-
cação dos domínios portugueses e espanhóis fôra definida teóricamente em 1494 pelo pacto de
Tordesilhas, hábilmenle negociado por D. ]oão II. mas praticamente eslava indeterminada e havia
divergências entre os dois países quanto ao senhorio de terras próximas da linha convencional. Mas o
cabo de S. Agostinho jamais foi disputado aos poriugueses, e o comandante da expedição em que êle
foi descoberto tomou posse por Portugal de terras ainda mais ao norte, consoante o atesta Vespúcio.
Nâo é fácil adminr que a corôa de Castela dispusesse em 1501 livremente de Consolación se não
estivesse plenamente segura de que lhe pertencia, fóra de qualquer contestação, e essa segurança indica
que a mencionada ponta estava longe da parle litigiosa.
ini rtn nL!^„ S! / <: situaaon de! Cato de Sán Agustin en el Brasil el ano de i5is. inserto no lômo XVI,
df soíf r?vf ^1 , "-í '^""'"^ ^""^"^ '^^ Iranscriao de Duro (luan Diaz
tr^ «il'nh2l " Í^^Í VITZL í ° ^P' "^!" G damos o d.poímenlo de Serrano. Tcribio de Medina sustenta que Vste pilôto
M ttM exDedi'^n f' ' 'ÍTJr ° <lu«stao foi traçada por Morales depois de setembro de 1502. Èste pilôto
SuCí M miânií , n„.n^^ r«i!:\^°*'- " regressasse a Espanha com íles; é certo que
TZ^^Z^dTJV^^Xo.íã"^'^^^^^^^ ^^^'^ ° ^""'-"'^
como a!irti.aíaXe?r>úní^m./íLwi1f í"»^'" 08 «^Has castelhanos confundiam éste cabo com outro. Se,
claro « .l oul a rfKri.T J^T Z ^ P"^"*''' ^ Agostinho era a ponta onenlal extrema do continente austral
aaro que ^^^^^^^ por lá. altas negava-se a Portugal oireito a quaisquer terras; o inquérito
po «n»" a divisória e o cabo prova que o nome S. Agostinho era indevidamente dado a uma
150
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
O sagaz padre Aires do Casal foi o primeiro a contestar a identificaçlo dos dois cabos; em
seu parecer, Consolación é o que tem hoje nome Cabo Raso do Norte (' *). A água em S. Agostinho,
diz o douto sacerdote, é Hmpida e n3o turva, como afirmaram os cronistas espanhóis; além disso a
profundidade de 16 bradas observa-se iunto da costa e nào a distância. Se não houvesse senSo estes
motivos em contrário, aceitaríamos a versão das crónicas, porque a lurvaçio podia nâo persistir Irés
séculos depois, e, quanto à sondagem, é visível do texto de Trevisan e não sofre oposição dos latinos
posteriores que ela não foi feita longe do litoral. Nos nossos tempos a profundidade de 16 bradas —
28.'"2 encontra se sensivelmente à distância de légua V '); no entanto, como a terra é quási sempre
visível de mais longe e as profundidades variam com o decorrer dos séculos, é impossível identificar
pelo resultado da sondagem o local onde foi feita. Humboldt deu-se ao trabalho de refutar Aires do
Casal (*''); contudo, o enciclopédico sábio funda-se tam sòmente nos depoimentos de PInzon e de alguns
marítimos, que não só são de duvidosa pureza mas também deixam margem a dúvida, por nâo se
referirem exclusivamente à viagem de 1500 em que, conforme atestam as capitulações de I50I, foi
descoberto 5. Mjria de la Consolación.
Vamhagcn entendeu localizar êste ponto no Ceará, à ponta de Mocuripe (3o44' austrais),
abonando-se com quatro argumentos cuio concurso julga decisivo ('■*): o rumo da derrota no Atlântico,
o da costa que se segue ao cabo, a extensão do litoral descoberto por Pinzon e o testemunho dos
cartógrafos ]uan de la Cosa (1500) e Diogo Ribeiro (1529). Começaremos por analisar o primeiro e o
último, deixando para depois os intermédios.
O insigne brasileiro contesta a declaração das testemunhas das Probanzas que indicaram o
nimo de susudoeste, asseverando que com tal rumo nem um barco de vela iria ler a S. Agostinho. E* o
contrário da verdade, pois a direcção da linha directa entre Santiago e éste cabo difere 3o, 5 do
susudoeste: ora não s6 esta diferença era desprezível na indicação testemunhal que não carecia de ser
rigorosa, mas também havia que contar com a deflexão da derrota por efeito da corrente, que fazia
rodar o rumo real um pouco para oeste. Depuseram outras testemunhas que o rumo inicial fôra o
sudoeste, dacòrdo com Mártir; a arribada neste caso far se ia aproximadamente por 2°, 5 de latitude
norte c )<> de longitude O de Greenwich, isto é, nas imediações do delta do Parnahyba ou mais ao norte
ainda, atenta a incurvação da traíectõria. Não podia ser Mocuripe. que fica ao sul cérca de 60 léguas
de costa. Se não aceitarmos nem um nem outro dos rumos indicados, temos o direito de escolher
qualquer oulro e de excluir Mocuripe.
Vejamos agora a objecção cartográfica. ]uan de Ia Cosa. expõe o ilustre escritor, situa o cabo
descoberto por Pinzon muito a oeste da terra que aí se diz descoberta por Portugal (Pòrto Seguro), e
todos sabemos que o cabo de S. Agostinho fica bastante a leste dessa terra. Êste argumento não presta
para nada. Se a ysla descubierta por Portugal representa o achado de Alvares Cabral (o que é contes-
tável), o pilõlo biscainho, ao elaborar o seu famoso planisfério. tinha tam vagas informações que em
perfeita ignorância da sua situação colocou-o a palpite, no meio do Atlântico e por altura do trópico de
Capricórnio. Tanto sabia èie que o território novamente adquirido pela coròa portuguesa estava a leste
como a oeste de S. Agostinho, cuja existência aliás ignorava, pois nem éste é o cabo que no mapa se
concede a Pinzon (como teremos ocasião de mostrar), nem até a inscrição atributiva da sua descoberta
é do punho de La Cosa. Para mais, se em 1500 o capitão castelhano tivesse tocado em Mocuripe. éste
deveria ser o cabo figurado no planisfério; ora a conformação real da costa é totalmente diversa da
representada. Quanto a Diogo Ribeiro, alega o historiador que éle indica no seu mapa o descobrimento
a oeste do cabo de S. Roque; mas se o documento cartográfico citado é o de Weimar, observaremos
que nèle não é atribuído a Pinzon descobrimento algum.
Se Varnhagen não foi feliz, levantando à lição tradicional os óbices que acabamos de examinar,
nâo sucede outro tanto quanto aos restantes, dos quais se infere que Consolación não é S. Agostinho.
Sòmente se conclui que não é Mocuripe, tampouco.
('^) Ccroçrtfiã br.isllies. Rio de lanclro. 1617. fòmo I, pág. 34,
('■'I J cirlj Sít do Almlrdtujda Dri'ânlco, Pernambuco to MâctiÓ.
(''•) txjmi n crtitquf. lómo IV, rota da pa^. 286 e tòcno V, pi3. 64.
("») tinlonê Oer*i do Oraiil. pág. 123.
I5t
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO 5RASIL
Pinzon depôs que a costa adiante do discutido cabo se amimava por oeste — quarta de
noroeste, ora depois de S. Agostinho ela pende para nordeste. Em matéria de rumos não há que fiar
nos dc Pinzon, pois ainda que a bússola fòsse perfeita, a declinação magnética intervinha perturbadora-
mente; mas a divergência superior a um ângulo recto basta para mostrar que não é admissível a sua
afirmativa. Nâo vemos todavia razão alguma para preferir a ponta de Mocuripe às do Aracatv (4o 25) ou
do Calcanhar (5° 29), ou ainda a outras ao norte de Fortaleza, porque nelas tem a costa o rumo
indicado no depoimento e era possível a arribada com uma róta correndo entre o sudoeste e o susudoeste.
A incerteza em que nos deixa o texto das Probanzas cessa porém quando atentamos na
distância que separa S. Agostinho da terra de Pária. Pinzon declarou no primeiro dos diplomas oficiais
atrás examinados que percorrera 600 léguas de terra firme, necessáriamente entre Consolación e essa
península, e o mesmo repetiu a iV^artir que o transcreveu, tanto no manuscrito traduzido por Trevisan
como nas edições latinas; e conquanto êste dado não conste do têrmo das capitulações de 1501, é o
único que possuímos acérca da extensão da costa visitada. Ora a distância real entre S. Agostinho e o
promontório de Pária, fronteiriça à Boca dei Drago, orça bem por 750 léguas náuticas espanholas de
1500 ('•"). em marcha encostada ao litoral. Mas sobre esta divergência considerável ainda sobreleva outro
facto: é que o trajecto acusado por Pinzon é muito exagerado pela incerteza das estimativas dos pilotos,
pelo seu alongamento sistemático ('"') e pelo desejo de avultar as descobertas. Para mais, devemos
observar que Mártir, precisamente quando discute as distâncias medidas ao longo da costa em certas
cartas geográficas (""). se mostra incerto quanto ao valor da légua, que em terra é de 3 e no mar de 4
milhas; as 600 léguas de Pinzon podiam pois reduzir-se a 450 do estalão náutico, isto é, a 2700 quilómetros.
O argumento de Varnhagem desta vez é sólido; Consolación nâo é S. Agostinho, porque está
a muito menor distância de Pária que éste cabo. tMas será porventura Mocuripe? Tal ponta está
afastada de Pária sensivelmente 600 léguas, donde se poderá inferir que ela é "Consolación, mas como
esta cifra é exagerada, devemo-nos pronunciar pela negativa.
A êste argumento vitorioso juntaremos outro derivado da narrativa de Mártir que, embora
baseado em avaliações destituídas de firmeza, não julgamos para desprezar. Na análise atrás exposta da
viagem de Pinzon vimos que o afastamento do lugar do primeiro desembarque, Consolación, e do rio
grande Santa Maria dei mar dulce não devia exceder 250 léguas do padrão de 1500. Se o nauta tocou
em Santo Agostinho, êste rio é sem dúvida o Amazonas; ora a distância entre o cabo e a ponta Tigioca,
no extrêmo oriental do rio do Pará. é sensivelmente de 350 léguas tomadas ao longo da costa. Para
que houvesse concordância entre esta hipótese e os textos de Mártir, seria mister admitir que na
expressão Navegando mais além se subentendem 280 léguas de percurso, reais e não imaginárias,
durante as quais nâo encontraram nada digno de arquivamento por parte do narrador. Como 280 anda
por metade do total em que Pinzon computou em excesso a sua navegação ao longo de terra firme, é
muito improvável que o afastamento de Consolación e de Santa Maria dei mar dulce atingisse o número
verdadeiro de léguas que separam Santo Agostinho e o Amazonas.
Por fim. se ainda alguma dúvida persiste da falsa identificação do cabo espanhol com o
português, certamente se desvanece diante do claro testemunho de Diego Fernandez Colmenero, sobrinho
e companheiro de Pinzon na expedição de 1500. em que comandou um dos navios. Éie depôs ter visto
Diego de Lepe ir a descobrir na viagem em que topou com o Maranon, na parte sul da terra firme,
onde ninguém antes estivera ('"»). Ora como em tempo algum se deu êste nome a rio situado ao sul de
S. Agosimho. segue se que Diego de Lepe o encontrou ao norte do cabo e pela primeira vez; e logo
se conclui que as descobertas de Pinzon foram ainda mais setentrionais, sendo erróneas suas noções
sôbre o cabo de S. Agostinho, no qual nunca tocou.
Mais tarde diremos as razões que nos induzem a crêr que Pinzon em 1500 não passou do
cabo d*Orange ou da bacia do Oyapoc No que segue, pretendemos demonstrar que o rio grande, cogno-
mmado Santa Maria dei mar dulce. não é o Amazonas, como pensa o comum dos historiadores, mas
outro de considerável volume e ímpeto de águas, o Orinoco, no qual igualmente se manifesta o surpre-
endente fenómeno do mar doce.
('"> Veij.sc a notí 151.
Vi Decãda II. livro 10.
("») No Apêndice B, resposta i 8.» pregunti do físcaL
152
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
ACONTECIMENTO da viagem de Pinzon que a tornou enrre tôdas memorável foi a descoberta ntmm r»
do grande rio cujo fluxo impetuoso dulcificava por largo espaço as aguas do oceano. Todos '.
os demais são episódios banais nas aventuras marítimas do tempo e nào despertam interesse. ■
lá Colombo pretendeu ler visto em 1498 o mar doce, declarando de excelente sabor
a água colhida no golfo de Ferias, como èle chamava ao brago de mar que circula enire
o continente e a ilha da Trindade, mas a imaginação do grande almirante e o enlévo em que o deixou
a visão do paraíso terrenal deviam ter-lhe transtornado o paladar, pois Humboldt assevera que as águas
do gôlío são salobras. ('"'). O que as impede de ser francamente salgadas é o apèrlo do canal marítimo
conjugado com a afluência, em trecho estreito do litoral, das massas fluviais do Garapiche e dos importantes
braços do Orinoco, os Canos de Vagre, Menamo. Pedernales. Cucuine e Macareo. Só na verdadeira foz do
Orinoco, a Boca grande ou de Navios, que conta cèrca de 40 quilómetros de largo, se verifica realmente
a existência do mar doce na extensão de umas 5 léguas ('""), ou mais talvez, por ocasião da baixa mar
e da grande cheia que se produz regularmente entre abril e agosto.
Há porém outro rio mais poderoso que o já poderoso Orinoco, que apresenta o mesmo fenó-
meno em proporções bem mais consideráveis: é o Amazonas, do qual Humboldl vai até declarar
privativo o mar doce ('""). A sua vasta embocadura estende-se no sentido sueste^norocste desde Ponta
Grossa d» 10 N) alé Ponta Tigioca (0o35 S), na prodigiosa amplitude de mais de 280 quilómetros (" ).
Ela é dividida pela grande ilha Marajó em duas partes: a ocidental, com 27 léguas de largo, onde
desagua o braço principal que tem própriamente o nome de Amazonas; e a oriental, do rio de Pará.
cuja largura é de 14 léguas e que é lido como uma derivação secundária da magcstosa torrente. Na foz
do rio Pará a água é salobra, senáo salgada, mas ela é doce no outro braço e perfeitamente potável no
canal do Norte, nas imediações da ilha Dailíque (''") a mais de 60 quilómetros da ilha Caviane que
está na entrada do Caiíal. Pôde pois afirmar se com segurança que o mar doce do Amazonas se mani-
festa por espaço de 10 ou 12 léguas, quando as grandes cheias coincidem com a vazante da maré.
Na longa faxa costeira de cêrca de 250 léguas entre o Amazonas e o Orinoco afluem
numerosos rios, alguns de grande volume como o Oyapoc, o Maroni, o Corentine e o Essequibo; mas
em nenhum dèles é sensível o fenómeno da dulciftcaçâo, nem mesmo no último, a cujo curso assaz
violento se tem querido atribuir esta propriedade. Quando pois Pinzon encontrou cm 1500 o seu Santa
Maria dei mar dulce achou-se em presença do Orinoco ou do Amazonas, sendo que lodos os historia-
dores, com raríssimas excepções, têm optado pelo último.
Deve ler-se como origem desta opinião a segunda edição de Mártir, em 1516, corroborada por
duas passagens de Oviedo, de que adiante falaremos. Efectivamente o primeiro airíbui-lhe a descoberta
do Maragnonus ou Maration dos espanhóis, nome pelo qual na opinião geral foi primeiramente
designado o Amazonas, e o segundo fixa a data dela em 1500. Las Casas d'acôrdo com o milanês e
interpretando mal os autos das Probamas dei fiscal, coloca também em 1500 a visita de Pinzon ao
MaraHon; Herrera consoante seu costume, reproduziu esta versão e mais tarde Navarrete, embora
habitualmente seguro, adoptou e avígorou a lenda que ganhou fóros de verdade inconcussa, quando não
passa de perfeita falsidade.
A nós bastava-nos ter desnudado a jactanciosa inverdade de Pinzon, quando se gabava de ter
atravessado a equinocial para concluir que èle não podia ter visitado o Amazonas, cruzado pela linha;
mas atinge-se o mesmo resultado por outros caminhos, independentemente de considerações astronómí-
(■**) Navarrete, op. dl., tômo I, pág- 250 t 2S3; Humboldl - Voysge aux rfgiom tqualorialrs, 1820. lômo VIII,
pifi. 392.
(■**) A largura é contada desde Punta Sabancta. ao oriente da toz. at^ a ponta NE. da ilha de Nulna; te a
contarmos entre Punta Banma « a Ilha Watts a largura desce a 20 quilómetros. Abranoendo porém no esluirio Iodo o espaço
que vai da Ilha ArjQU.io alé a cxtréma Punta Mocorttoco ou Plala. ctieoámos a 90 qullomelros. Vefam-te a carta 3332 do Almi-
ranlado Bnliníco. Orinoco River. Codazzl, Atlas /tsico e politico de la Republica de Veneiuela, Cancãs, 1840; e Attas ol lhe
Venezuelan Boundary Coinmissiort, 1697 98.
Na obra citada acima (lõmo VIII. cap. 24) di Humboldt 3 ou 4 léguas, como limite do mar doce poucas vezet
excedido, mas é dc nolar que o eminente germano nio esteve na for do rio. No mapa de Hcath, revisto por Norle, ^^u*
chart of lhe cojst of Ouyana, 1828, lemos frcsh W3ler will be lound full 5 leagues ol lhe mouth ot the river Orinoco, and
the roll of the sea u/ill commonly denote lhe entrance, there being no such roll on any olher pari ot the coast. &eguem>Se Indi-
cações precisas sôbre a entrada da barra.
('■•) Examen critique, tômo V. pág, 82, nota.
i'") Veta se a carta 1803 do Almirantado Dritinico South Ameria. Sorth east coast. Cabo do Norte to Maranham.
(<*■) Le Scnec de Kcrvilly. citado por Caetano da Silva. LOçapoc et l Amazone, § 2S42.
153
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
cas. Vamos mostrar que o rio grande avistado em 1500 pelo explorador era o Orinoco e não o
Amazonas, valendo nos para lanio precisamente das narrativas de Marlir e dos autos do pleito de
Diego Colombo.
Conta-nos o protonotário apostólico, na versão de Trevisan, que quando encontraram o mar
doce procuraram os castelhanos conhecer a origem da singularidade, e acharam que ela partia de um
grande rio, o qual entrava com grandíssimo ímpeto pelo mar dentro ao longo de 15 léguas ('"'). A região
banhada pelo rio chamaram Mariatambal. Na edição princeps de 151! diz-ncs o mesmo autor que,
investigando da causa do mar doce onde encheram suas vasilhas, deram com um concurso de rios
rápidos que afluíam com violência dc vastos montes, mas não se menciona a distancia a que encontra-
ram água potável. Ao nome Mariatambal de tôda a região acrescenta dois outros, Paricora e Camomoro,
o primeiro da margem esquerda do rio, o outro da direita. Eis tudo quanto até 1511 estava escrito sobre
o achado de Pinzon.
Estes escassos esclarecimentos adaptam-se muito melhor à suposição de ser o Orinoco o
grande rio do que à geralmente aceite do Amazonas. Com efeito, a extensão do mar doce no segundo é
muito próxima das 15 léguas indicadas, e o entusiasmo pela maravilha que os castelhanos viam pela
primeira vez devia levá-los a exagerar a grandeza do fenómeno; além disso, não há elevação monta-
nhosa apreciável que a vista desarmada alcance do seu estuário, nem montes classificáveis de vastos
para quem entra por êle dentro mais de trinta léguas. E' um facto sabido que quem navega na costa
brasileira, partindo do rio do Pará para o norte, só vê montanhas dignas do nome na foz do Oyapoc ('•");
ora precisamente o contrário sucede no Orinoco, pois na sua margem direita e a curta distância se
elcam diversos montes, ao fim da cadeia que corre ao sabor das costas de Venezuela, por Humboldt
baptizada serras de Parime. O exame topográfico dos lugares faz-nos pois suspeitar de que Mártir se
refere ao rio de Venezuela, e não ao do 5rasil. '
Estas suspeitas se confirmam em face dum argumento de pêso. A narração do milanês exclui
formalmente a hipótese do desembarque inicial na ilha de Marajó; foi bastante ao norte ou ao sul que
Pinzon primeiro avistou terras americanas. Por conseguinte, se cie viu o Amazonas, deveria ter citado
suas duas embocaduras, e elas estariam também mencionadas no têrmo das capitulações de ISOt. A
primeira impressão dos navegadores em face da dupla foz é que são dois poderosos rios distintos, e
assim se acreditou por bastante tempo; só depois de explorado o do Pará se reconheceu a separação
da enorme torrente fluvial produzida pela ilha de Marajó, com 74 quilómetros de frente para o mar. No
rio do Pará. para onde correm as águas do rápido Tocantins, não se faz sensível o mar doce. no
entanto os seus 80 quilómetros de foz eram bem dignos de menção; esta largura desmedida em aberto
é mesmo maior que a do braço ocidental, onde a presença das ilhas Cariane e Mexiana a torna menos
visível. Ora Pinzon nos fala de uma única bôca, do mesmo modo que o têrmo de 1501, o que indica
não ser o Amazonas o rio em questão.
Harrisse, que consagrou ao Maranon uma análise demorada, acha-se perplexo diante do
silêncio dos espanhóis acerca da dupla embocadura, e conclui que êles ignoravam em 1519 e ainda
depois, a existência do rio do Pará (""). De facto, o primeiro a mencioná-lo explicitamente em 1548 é
Oviedo, sob o nome Rio de Navidad Tam surpreendente conclusão é inconciliável com a crença, parti-
lhada pelo ilustre americanista. de que Pinzon desembarcou ao sul do rio do Pará, no cabo de
S. Agostinho ou noutro próximo. Ela apenas serve para mostrar — e nisto estamos d'acôrdo -- que só
muito tarde conheceram os castelhanos o Amazonas, ou pelo menos que as suas noções acerca dele
eram das mais confusas e suas navegações para èsses lados muito escassas.
Uma outra razão nos impele a duvidar de que Pinzon tivesse avistado em 1500 o Amazonas.
Tanto a descrição italiana quanto as latinas dizem-nos sêcamente que depois do encontro do mar doce
seguiram para o norte e chegaram a Pária; o único pormenor que trazem é a recuperação do pólo.
Sabemos já que isto não passa de uma mistificação de Pinzon, porque ainda na hipótese de se tratar
I « ' " rilrouali de Monlalboddo (IM7). que reproduz com ligeiras alterações o texto de Tre-
viwn. esta e»crUo irouorô uns bocha che p. XV miglia sboccaua i mjre con gr.jdissimo ipciu. Caetano da Silva, lendo crrada-
menie na eaiçâo de ISIZ que a bftci tinha 15 milhas de largo, conclui ser a do braço principal do Amazonas, enlie lupalv e
a Ljvtan*. Mtsmo admitindo esta leliura. podia perieltamenie a largura indicada ser a do Orinoco
("°) Caetano da Silw*. op. ctl.. § 2368. 2513 e outros,
('") Th* diplomalic history of America, pág. 120.
IS4
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
daquele rio, êle veria a tramontana na sua foz. O certo é que, se era o Amazonas, os expedicionários
deviam ter percorrido cêrca de 360 léguas de costa até Pária e a Doca dei Drago (mais de metade das
600 acusadas por Pinzon). e gasto peto menos 24 dias. porquanto, em mar completamente estranho e
enlre os perigos inerentes a uma cabotagem de Inspecção, a marcha diurna não podia exceder 15 léguas.
(Pois durante o longo intervalo não viram nada de notável, mesmo dentro do critério de Mártir, que só
aproveitou para a sua narrativa o que lhe pareceu interessar os amadores!
Compreende-se que, à vista do desembaraço dos belicosos selvagens e escarmentados com a
morte de alguns companheiros, os castelhanos fugissem de encontros perigosos, mas é incrivel que não
desembarcassem em tam dilatada faxa de litoral, sequer para desencantar o ouro, as pedrarias ou as
essências apetecidas. Mas dado que o fizessem sem resultado e que calassem suas pesquizas na terra
inóspita, é curioso que Pinzon não nos diga palavra dos grandes rios que abundam na costa: o Oyapoc
(mais tarde conhecido sob o nome de Vicente Pinzon), o Maroni, o Corentine, o mesmo Essequibo que
tem na foz mais de 20 quilómetros. Mais ainda, depois da surprêsa do mar doce no Amazonas, nâo iulga
digno de uma modesta referência o Orinoco, cujo enorme volume de água, saindo com fòrça por uma
bòca de 40 quilómetros, se espraia mar a dentro, reproduzindo por algumas léguas aquele mesmo fenó-
meno da dulcificação! O silêncio do navegador, inexplicável na versão corrente, tem ao contrário justifi-
cação na nossa. Da foz do Orinoco até o Garapiche. onde começa a região que Colombo designou por
Pária, não havia senão terras alagadiças densamente arborizadas e de escassa população, entre as quais
circulam os caítos do delta. Nada tinha Pinzon de interessante a contar nos.
O lèrmo das capitulações de Pinzon em 1501, descrevendo as descoberias do navegador, diz
que a pariir de S. Mjriâ de/ mar dulce a costa segue pelo noroeste até o cabo de S. Vicente. Nâo era
conhecido senão pelo diploma éste cabo. do qual. a-pesar de muitas pesquizas, nunca fôra encontrada
menção, quer em escrittts, quer em cartas, até que, adquirido pelo Dritish Museum o Alias de portulanos
designado como de Egerton, se viu nêle inscrito o nome procurado. A pesar da interpretação do poriu-
lano. em que vém o nordeste da América meridional, estar sujeita a grandes incertezas. ('**) é fóra de
dúvida que o cabo de S. Vicente está figurado muito ao norte do Orinoco, como quer que êsle esteja
representado.
Ora se o rio do mar doce é o Orinoco, o rumo do litoral que desce do gólfo de Pária pôde
arbilrar se. de um modo grosseiro, no noroeste, na parte próxima do rio; mas se é o Amazonas, tal
rumo é inadmissível para o trecho de mais de 300 léguas que separa o Amazonas do incerto cabo de
S. Vicente. A costa que sóbe de Ponta Grossa tem primeiro a direcção norte até o Cabo Norte, depois
inclina se sensivelmente para o noinoroestc até o Cabo Orange. e a seguir (orna até o Orinoco varia-
das inflexões, desde oesnoroeste até nornoroesle. O longo trajecto entre o Amazonas até o cabo de
S. Vicente está no termo vazio de qualquer denominação, coisa singular, já que éle representa quási
metade das 600 léguas que Pinzon alega ter percorrido de terra firme; mas mais nos espantamos quando
vemos os reis católicos privar o descobridor da governação destas 300 e tantas léguas de costa, nunca
antes vistas e exploradas por cristão algum, reservando-lhe Iam sòmcnte a região precedente e deixando
um vazio importante, i Não se está a ver que só esta constituía aos olhos dos monarcas descoberta
apreciável e que a outra, além de pequena extensão, porventura já fóra vista? iNo tam precioso diploma,
para os que veem o Amazonas no rio S. Maria dei mar dulce, até se ignora a existência do Orinoco
de larga embocadura. em que há também um mar doce!
Se até aqui. nas narrativas de Mártir até 1511, só vemos razões para crer que o ousado
capitão nâo vogára em 1500 nas águas do Amazonas, a terceira de 1516, na qual se lhe atribui a
descoberta do Maragnonus. está longe de nos induzir à convicção contrária!
Mariir já se ocupára désle rio. que nos descreve numa carta datada de Valladoltd aos 18 de
dezembro de 1513. da qual aqui vertemos livremente uma passagem: Entre os vários rios. quer grandes
quer medíocres ou pequenos, encontraram (os descobridores espanhóis) um de dimensões tam conside-
ráveis que parece incrivel te lo produzido a natureza. Asseveram que tem mais de oitenta milhas de
largo, não sendo uma baía mas um rio, pois as suas águas doces correm para o oceano entre muitas
(>") Vcl«-fie adianic a sccçSo O mãp* de Csntino, ê cãrtã de Mártir e os porluUnos d'Egerton.
155
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ilhas sendo insensível às marés. Navegaram as caravelas 40 léguas por êle dentro e travaram relações
com 05 régulos indígenas que. conquanto a princípio renitentes, se de.xaram levar de reciprocas dádivas
amistosas Estes régulos se chamam Chiocones. O nome pátrio do no é Maranhão; alguns o colocam
nr/;Srf n.íro5 para té desta linha, mas todos declaram gue néle perdem o P^^o árctico r i
Cilaremos em seguida uma referência no 9° Vmo da Década 11. escrita nos !ms de 1514.
embora publicada em 1516. Contam os castelhanos que no tempo de Colombo descobriram, e mais tarde
percorreram, um rio cuja foz se abre no mar por pouco menos de 100 milhas, na primeira costa de
Pária como noutra parte dissemos: tle vém de altos montes para uma embocadura furibunda, de modo
Que com o seu ímpeto e vastidão o mar retrocede ainda quando reuôlto pela força dos ventos; e dizem
aue em todo éste grande espaço não sentiram qualquer amargor nas águas que são doces e próprias
para bebida. Os indígenas chamam a êste rio Maranhão, e às regiões adjacentes Mariatambal, Camomoro
e ''''""'■^Q^^^i^ ^ distância entre o Maragnonus e Pária, encontrámos no livro lO.o da mesma
Década II as seguintes indicações, que Marlir declara tiradas do exame cuidadoso das melhores cartas
de ]uan de la Cosa e André de Morales, a que procedeu em companhia do bispo D. luan de Fonseca,
presidente do Conselho das índias. Daquele cabo (S. Agostinho) incluído na linha dos portugueses,
tirada no paralelo das ilhas de Cabo Uerde cem léguas para o ocidente ('"*), o qual tem sido explorado
para cá e para lá dele. achamos trezentas léguas até a foz do rio Maranhão, Daí até a Boca do
Dragão há setecentas léguas, em algumas cartas um pouco menos, porque não estão todos de acôrdo.
Querem que a légua espanhola tenha quatro mil passos quando no mar. porém em terra três.
Para complemento destas citações julgamos conveniente reproduzir conjuntamente a digressão
Inserta na edição de 1516, já de nós conhecida e cuja data não sabemos, embora se possa fixar em 1514.
Caminhando étes em território contínuo para o ocidente, em direcção a Pária, cerca de trezentas léguas
desde o ponto de terra que perde o pólo árctico, dizem que quási a meia distância foram dar a um
rio chamado Maranhão, tam largo que o suspeito de fabuloso. Interrogados posteriormente por mim se
era um braço de mar responderam que eram doces as águas dêste pégo. tanto mais doces quanto
mais se sobe a corrente, e que é semeado de ilhas e peixes. Ousam dizer que tem mais de trinta
léguas de largura e desagua com impetuoso curso no mar que cede ao seu furor
Estes quatro trechos, a-pesar de escritos com pequeno intervalo de tempo, são manifestamente
inconciliáveis. Ao passo que no primeiro a largura da foz é avaliada em mais de 80, o segundo
amplia-a a pouco menos de 100 e o último a 120. A situação geográfica do rio c inteiramente diversa
na primeira e última citações. Naquela diz-se que os navegantes perdem nele o pólo árctico, nesta está
o rio situado a cêrca de 150 léguas acima do ponto em que se oculta o pólo. São sobretudo de assi-
nalar as divergências entre os textos de 1501. 1511 e 1516, e entre êste e o terceiro dos citados. A sua
comparação conduz-nos ao resultado inesperado de que não é único o rio no qual se nota o mar doce,
sendo que contra o desdobramento não protesta a redacção final de 1516.
Efectivamente lemos na edição princeps e em Trevisan que o pólo foi recuperado depois dos
navegadores se apartarem do rio, caminhando 50 léguas para o norte. O ponto em que perdiam a
tramontana está situado portanto ao norte do rio; mas na segunda edição está situado ao sul do rio.
em posição diametralmente oposta. Além disso, não concordam as distâncias do rio a Pária. PInzon
declarou no diploma oficial de 5 de dezembro de 1500 ter percorrido 600 léguas de terra firme e
repetiu-o a Mártir; esta era indubitáuelmente a sua versão exagerada do afastamento entre a primeira
arribada ao continente americano, em S. Maria de la Consolación, e o último promontório de Pária. Ora.
segundo a Década 1, o Maragnonus está situado quási ao meio das 300 léguas que separam êste
promontório do ponio em que perderam o pólo árctico; e no trecho em que Mártir nos dá conta de
suas medições nas melhores cartas contemporâneas lemos que o rio está apartado 700 léguas de Pária.
As flagrantes contradições apontadas arrastam à inferência de que são dois os grandes rios e
assim parece da descrição, embora Mártir numa frase de 1516 os venha a identificar com um terceiro,
{'»*) Opus epislotarum Petri /Aarfyris Anglehi Mediolanensis, Complutl. 1530. epistola 529.
O iratado de Tonlesilhas. de 1494, marca 370 léguas e aio 100, como queria a Dula ái 4 de Maio de 1493.
dtada por Alexandre VI.
156
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
visto e citado por Colombo. Assim se aíigurou a Las Casas quando narra a viagem de Pinzon, copiando
de Marlir (""). Estamos pois em face dum dilema: ou o Maragnonus é o S. Mãríâ dei mar dulce de
1500. quer seja o Orinoco quer o Amazonas, ou há dois rios distintos, o Amazonas, chamado Maragno-
nus, e o Orinoco, ao qual cabe a denominação de Pinzon,
E' claro que o protonotário apostólico desconhecia em 1501 e 1510 a denominação gentílica
MaraHon e as 30 léguas da sua foz. aliás te las ia mencionado e não se limitaria a Mariatambal,
omitindo as dimensões que em 1516 capitula de fabulosas. Temos um fiador seguro da ignorância de
Mártir e Pinzon quanto ao nome: é o lèrmo das capitulações de 5 de Setembro de 1501, que náo fala
em tal Os novos dados acerca do rio foram ministrados a Mártir mais tarde, e como éle declara ter
interrogado Pinzon posímodum, somos induzidos a crer que foram colhidos pelo navegador em viagem
posterior a 1500. O escritor intercalou os na sua narrativa negligentemente, sem se dar ao cuidado de
nos ajudar com datas, e sem embargo da contradição geográfica.
Não é ocioso reflectir que se o nome Marafion podia ter sido trazido por Pinzon da nova
exploração, na qual entraram muitas léguas corrente acima, não acontece outro tanto quanto à extensão
espantosa da embocadura. No Orinoco, a Bõca de Navios tem à esquerda uma série de ilhas, separadas
por canais, as quais só em segundo exame se reconhece estarem situadas na foz. tomando esta desde a
Ponia Darima aié a Bahia Araguao; no Amazonas o vasto estuário é logo patente, a pesar das ilhas
Mexiana e Caviana. A aparição, posterior a 1501. das 30 léguas de foz indica pois que o S. Maria dei
mar dutce não é o Amazonas, porquanto neste caso Pinzon engrandeceria a maravilha aos olhos de
Mártir, e êste aos de seus leitores.
A existência de uma dupla embocadura neste rio converge para a mesma conclusão. A foz do
Amazonas própriamente dito tem efectivamente 30 léguas náuticas de 1500, e é de admirar como Mártir,
de aumento em aumento, acaba por nos dar a cifra exacta, se é que pela foz do Maragnonus da
Década 1 se deve entender sòmente o âmbito compreendido entre Ponta Grossa e o extrèmo ocidental
da ilha de Marajó. Se porém o ampliarmos até a Ponta Tigiõca incluindo o rio do Pará. a largura
medida excede 45 léguas, e o número de Mariir resulta deficiente, onde o esperávamos exagerado. Pinzon
aliás apenas nos fala de uma bòca, devendo ler visto as duas. e nào eram para omitir as 13 léguas de
largura da barra do rio do Pará. Para mais, se Mártir em 1511 identificava o rio com outro visto por
Colombo, é evidente que não pôde ser o Amazonas, pois o almirante só deparou com braços do
Orinoco e jamais sonhou com aquelouhro, afastado de Pária 350 léguas e IO» de latitude.
Na Dócada II o Maragnonus designa um rio distinto de S. Maria dei mar dulce. como se
deduz da distância de 700 léguas a Pária que as melhores carias lhe davam. Desde que Pinzon arbi-
trava em 600 léguas o percurso em 1500 até Pária, e 5. Maria dei mar dulce eslava intercalado néle.
não pôde ser evidentemente o mesmo rio. Mariir em 1514 cita André de Morales como notável construtor
de cartas; todavia este pitôto. em 1515, referiu-se a uma carta sua construída por indicações de Diego
de Lepe, na qual a latitude do Cabo de S. Agostinho era de 18« ("").
Assim se explicará porventura a ilusão do protonotário acérca do Maragnonus da Década II;
se êste era o Amazonas, como parece, a distância orça por metade das 700 léguas.
Em socorro dèste modo de ver podem aduzir se dois argumentos, que todavia estão longe de
ser convincentes. Sabe-se que Pinzon partilhando do comando com o português João Dias de Solis, fêz
uma viagem de 1508 a 1509, ao térmo da qual Mártir assevera, nos livros 7.» e 8.« da sua Década II,
ter descido por Pária e atingido o cabo de S. Agostinho, atribuindo a èste ?<> de latitude sul. O sacer-
dote milanês em 1510 ouvira vagamente falar da expedição dos célebres pilotos, como confessa num
dos últimos períodos da Década 1. e só a descreve nos livros 7.o e S.» da Década II (I5I4). Aí nos fala
éle pela primeira vez dos régulos Chiacones, e até nos dá os nomes de alguns; por outro lado a carta
póstuma de 1513, da qual dêmos atrás um extracto, diz que estes régulos pertencem ao Maragnonus
e como Pinzon e Solis chegaram a 7° de latitude sul, condui-se que êste rio é o Amazonas, visitado
em 1509 pelos dois descobridores.
Mas Mariir, confundindo provávelmente Cária. no Honduras, com Pária, no nordeste da Amé-
rica meridional, transplantou para a segunda região factos e nomes da primeira. Pinzon e Ledesma nos
(■») Ve[3 se adiante a pjrtc déste capflulo intitulada Outeda, Qamirà, Lss CâSãs « Herrtra.
Cei^teo Duro, .irtiso cilado na nota 172.
157
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
seus depoimentos referem a Honduras as localidades Chiabaca e Pentigua, e um dos portulanos de
Egerton traz estes nomes naquela posição; ora Mártir diz que sào os de dois Chiacones. donde se segue
que estes não pertencem ao grande rio Maragnonus. Do mesmo modo, a grande baía de Nauidad, que
na narrativa da expedição nos surge em Pária, está no Honduras, como se vê naquele portulano, em
outras cartas posteriores e no depoimento de Ledesma. Finalmente, o cabo de 7° de latitude sul não
pôde ser o de S. Agostinho. O êrro de \^2\ por defeito na coordenada geográfica, quando elas eram
arbitradas em excesso meridionais, já indica que os nautas não tocaram no cabo; mas temos melhor.
Mártir diz nos. no comêço do livro S." da Década II, que Pinzon regressou de S. Agostinho, trazendo
ouro da província de Ciamba. em que ela abunda. Ora na região vizinha do cabo nunca se explorou èsle
metal, e a aurífera Ciamba está situada em Honduras, tendo sido descoberta por Colombo durante a
sua última viagem (1502-1504) V'). Nâo há pois que ter fé no relato latino ('").
O segundo argumento deduzimo-lo duma passagem de Oviedo. Y no es assi. diz o cronista.
porque el golpho de higueras (em Honduras) lo descubrieron los pilotos Vicente Vahez Pinçon e Johan
Diaz de Solis e Pedro de Ledesma com tres carauellas. antes que Vicente VaUez descubrísse el rio
MaraHon. ni que pI Solis descubrísse el rio de la Plata Ora como Pinzon apenas em 1508 esteve
em Honduras em companhia dos dois marinheiros citados, seguír-se-ia que o Maranon foi descoberto
em 1509. ao fim da excursão por Pária. Esta passagem de Oviedo tem intrigado todos os historiadores,
para os quais é ponto de fé ter estado Pinzon em 1500 no Amazonas, pois dela se concluiria que já em'
data tam atrazada se havia descoberto Honduras, dois anos antes de Colombo; mas a dificuldade se
desvanece com a interpretação proposta. Contudo, como o cronista afirma paralelamente que a expedi-
ção constava de três caravelas, quando na realidade foram duas n e além disso em outros lugares
nos declara ter Pinzon descoberto em 1500 o Maranon, ficamos em dúvida se houve equivoco.
Nâo é indispensável admitir que Pinzon tivesse estado no Amazonas 'em 1509 para acreditar
que o Maragnonus da Década II é diferente de S. Maria dei mar dulce, e as contradições de Mártir
explicam se com o facto de o escritor receber informações de diversa origem, donde lhe resultaram
noções emaranhadas. Aos ouvidos do protonotário apostólico chegaram notícias de um enorme rio
chamado Maranon, com um mar doce no estuário, e calculando ser o mesmo que em 1500 vira Pinzon
teve ocasião de o interrogar novamente -pos/morfum, diz o relato de 1516- porventura após o faleci-
mento de Diego de Lepe. a quem èlc se deveria ler dirigido por comummente lhe atribuírem o achado
A resposta foi confirmativa, quer por estar aquele capitão persuadido de que o MaraHon era o seu
5. Mana dei mar dulce. quer por (er realmente passado pelo Amazonas e querer usurpar glórias ao
seu émulo. declarando-se seu precursor, perfídia frequente entre descobridores. Quanto à data da visita
se ela se efectivou, tanto pôde ser 1509 como outra posterior até 1514. quando se finou Pinzon pois se
ignora em que éle empregou sua actividade duranie este prazo. Em qualquer das hipóteses, as informa-
Òutras^fonles'' "° «coadunavam com as primitivas, nem com as que Mártir bebeu em
Através de tôdas as conjecturas plausíveis ou arriscadas dois factos subsistem entretanto
irrecusáveis e concludentes: I.o Pinzon ignorava em 1501 o nome indígena Maranon e Mártir desconhe-
cia-o amda em 1511. bem como a fabulosa amplitude da sua bôca; 2.o a situação geográfica dêste rio é
inteiramente diversa da daquele que o castelhano descobriu em 1500. S. Maria dei mar dulce não é
portanto o Amazonas, mas o Orinoco.
Esta conclusão é confirmada pelo diploma oficial de 23 de setembro de 1519, que confere
AMntn P^7"'^^^^^s«"^entes dos Pinzones, (-) à conta dos descobrimentos fe. tos por Mariin
Alonzo Pmzon, Vicente Vanez Pmzon. Diego de Lepe e outros dois da mesma extirpe. Neste documento
L^X lT.lir^ "T"' ""^"''^ '^'"«''^ r^^r,an^,^, das quais a primeira é a de
Colombo em 1492, de que participaram os dois primeiros, e a segunda foi feita à costa de Perlas
dtado ». noVrkn'""™'*- ™ * ^""-^ afl9u«-se que o cabo de Mártir è o de Catoche. no Honduras (arligo
RIcoX ma» *s.?go?émo ?i'ihT.lS'1?o 3"o^do'em 2^/0 AbKe^Sos^?/)""''" 'V ^ovémo da ilha de S. luan (Pôrto
<-) Op. dr-, livro XXXI. ap 8° (Documentos inedUos das índias, lòmo XXXI. pig. 309).
Toribio dc Medina, op. clt.. pág. CXXII do l.o lôma
(■') Navarrete, op. dt. lômo III. píg. 14S.
158
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
descobríndo-se nela et gran rio y el Brasil. NSo há dúvida de que et gran rio é o Amazonas, então
visitado de espanhóis pela primeira vez. Em ambas as expedições os navios eram Irés, e as armas
concedidas contêm efectivamente Irês caravelas. Mostraremos, no estudo subsequente sôbre Diego de
Lepe, que a segunda viagem comemorada se deve atribuir a éste capitão, verdadeiro descobridor caste-
lhano do Amazonas; mas podemos supôr, sem prejuízo de dedução, que ela foi ao comando de Pinzon.
Ora como a expedição dêste em ISOO teve quatro navios, não pôde ser aquela em que se descobriu
et gran rio; em 1500. portanto, não foi visto por Pinzon o Amazonas, nem à fortiori o domínio portu-
guês assegurado pelo convénio de Tordesilhas.
Como consequência, S. Maria de la Consotadon, primeira ponta do continente em que tocou
Pinzon em 1500, é um dos muitos cabos existentes entre o Amazonas e o Orinoco. Presumimos que é
o de Orange, porquanto o mapa de La Cosa, de 1500, o mais antigo dos que arquivam as descobertas
da América, apresenta como limite das terras austrais conhecidas o tèrmo do ângulo obtuso que faz a
costa entre o Orinoco e o referido cabo; além do que o rumo da costa ao norte do cabo cofncide
sensivelmente com o indicado por Pinzon. no seu depoimento de 1513.
Vamos ver agora, contra a alirnialiva de Mártir, que por MaraHon se entendia em 1513 um rio
descoberto por oulro navegador castelhano, ignorado dos primeiros cronistas.
|M facto para nós capital, e ainda não pòsto suficientemente em relevo, é que tôdas as teste- o MAHAftoH
munhas no pleito de Diego Colombo, entre 1513 e 1515. que falam no Maraâon, atribuem
invariávelmente a sua descoberta a Diego de Lepe e não a Vicente Pinzon. Até êsle.
mencionando as suas descobertas, não incluí nelas a do rio cujo nome por aquele tempo
andava em muitas bocas de embarcadiços.
O fiscal, evidentemente conluiado com os Pinzones e outros para enegrecer os méritos de
Colombo e exaltar os serviços dos seus adversários, pregunta aos depoentes se o capitão castelhano e
seus companheiros entraram no rio granie donde hallaron el agua dulce que entraba en la mar.
deixando-nos em dúvida sôbre se èste era o Marafion, nome que èle não devia ignorar, e sôbre a época
em que o facto se deu.
Vicente Pinzon responde-lhe em 1513 O"*), sem citar data alguma, que descobriu aquele rio.
cuja caudal ia até 40 léguas pelo mar dentro e também lhe omite cuidadosamente o nome. Se o rio a
que se refere no depoimento era o achado em 1500. deveria dar-lhe a denominação d'entâo. S. Maria
dei mar dulce, do mesmo modo que reivindicou, aliás erradamente. Consolación para o cabo de S. Agos-
tinho; se era o fabuloso Marahon, distinto do primeiro, ^ porque não lhe deu o nome pelo qual começou
a ser conhecido ?
Nào se podem invocar as 40 léguas de mar doce como prova cabal de que se tratava do
Amazonas. Trevisan em 1501 diz-nos que o rio safa 15 léguas pelo mar dentro. E* digna de pouca íé a
medição, naturalmente avolumada, tanto mais quanto o mar doce apresenta contornos indecisos; mas
certo é que a imaginação de Pinzon se deu por satisfeita quando, em conversa com Mártir, arbitrou
aquele número de 15 léguas Chamado mais tarde à barra testemunhal, declara que a corrente de água
doce ia até 40 léguas, isto é. quási ao triplo do primitivo cálculo.
P"*) Veia-se o Apêndice B.
159
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Iam grande diferença sugere que o navegadar se referia, nos dois casos, a rios diversos. No
Orinoco o fenómeno da dulcificação realiza-se à distância de 5 léguas, se as conlarmos da linha entre a
Ponta Sabaneia e a ilha dos Cangrejos; e não admira que a mendacidade dos marítimos a convertesse
em 15, Ainda nos princípios do século passado, ao que nos informa Humboldl, os pilotos costeiros a
elevavam à cifra fantástica de 60 léguas V '). Mas no Amazonas, onde o mar doce vai regularmente até
a ilha Dailique, a umas 12 léguas da ilha Caviana. iá considerada além da foz. é incrível que a imagi-
nação dos castelhanos se contentasse com 15. Esta modesta cifra apenas é compatível com o Orinoco, e
as 40 léguas lém explicação, se o rio a que se referiu Pinzon é o Maraíton. No entreianlo. não é legitimo
tirar dai inferências seguras; e demais, as outras testemunhas dão-nos avaliações diferentes, que descem
até 20 léguas (]uan de Umbria, piloto de Pinzon).
Tampouco se pôde afirmar que o rio é o Amazonas, porque Pinzon declara ter descoberto
a província de Parisur^. denominação que em algumas cartas antigas é afectada à costa vizinha do
Amazonas. Na edição princeps das Décadas vem citadas as designações Paricore e Camomorus (='") que
Mártir dá às margens esquerda e direita do rio grande do mar doce; mas estes nomes estão ausentes
da versão de Trevisan. O capitão castelhano só menciona dois nomes no seu depoimento: o cabo de
Consolación e a provinda de Parísura; todavia o têrmo das capitulações de 1501 fala-nos de S. Maria
de Consolación e omite Parisura, que deveria aplicar-se a la Herra de Itiengo fasta el cabo de San
Vicente. O silêncio do lérmo a respeito de Parisura, expressamente mencionada por Pinzon em 1513. e
igual omissão no texto de Trevisan mostram que èste nome e o de Camomorus não foram trazidos da
viagem de 1500, mas provavelmente de outra, realizada anos depois, cuja existência havemos de
demonstrar. E' conveniente repetir que Paricura é citada cinco anos antes do Maragnonus. com 30 léguas
de largura na entrada. Achamos de resto singular que os aborígenes tivessem uma denominação de
conjunto para tôda a região banhada pelo rio, Mariatambal (Marinatambal em Trévisan e Marina tubalo
no têrmo de 1501), e a desdobrassem para as duas margens em palavras inteiramente distintas
da primeira.
A maior parte dos autores, imbuídos da falsa idéa preconcebida de que 5. Maria dei mar
dulce é o Amazonas, supõem erradamente que Paricura era a costa que continuava imediatamente a
margem esquerda dêsle rio. Em abòno desta opinião cita Harrisse (■"*) os mapas de Vesconii Maiollo,
de 1519 e 1527, o Laurenciano de 1526 e os de Diogo Ribeiro de 1529, os quais trazem costa de Pari-
cura na situação indicada (*'"). No já citado portulano de Egerion, posterior a 1509, um pouco ao norte
do Golfo grande está costa de paricura; mas esta designação falta no planisfério de La Cosa (1500) que
todavia é considerado como representando as descobertas de Pinzon. A presença de Paricura em cartas,
das quais a mais antiga é posterior a 1509, não atesta que o nome seja de 1500. Os mapas de Cantino
(1502) e Canério (depois de 1504), de origem portuguesa, não trazem Paricura.
Caetano da Silva, que é do parecer corrente, localiza Paricura entre a ponla Jupaty, no
Amazonas, e o cabo de Orange. fundando-se, com d'Avezac, na existência ao longo desta costa duma
tribu de índios, que os franceses apelidam Palicours e os portugueses Paricuras, como se depreende de
um opúsculo escrito em 1846 por Monteiro Daena ('"')■ Ignoramos o valor desta afirmação isolada,
podendo dar-se o caso da denominação portuguesa ser tradução da francesa, mas é certo que os
Palicours vagueavam nas margens do Oyapoc. a 80 léguas do Amazonas e que a primeira menção
déles se faz em 1666, num livro do francês La Darre, e na carta francesa de Pierre du Val. que não
Ç") Humboldt, Voyage tux régions eçuatoriales, tômo I. cap. 3.«.
(**) NSo nos queremos embrenhar no dédalo lingulsiico por onde andam com pouca segurança os próprios espe*
daltsiat; todavia arrevemo-nos a sugerir que. em Pjnsur.r, o prefixo Pan tentia a mesma origem que em Pâriâ. Se assim fôr,
Pêrntirê eslarla mais propriamente na margem esquerda do Orinoco que na do Amazonas. Oviedo cita nas margens do
a[p''^/*^'' **** Orinoco, a provinda de Bãralubãro, cuja analogia com Marina tubãlo é de notar. (Op. dt.. livro XXIV,
("*) Thg diplomãtic history of America, pig. 126,
(•>•) Só de Harrisse conhecemos a cana Laurentiana (The Díscort-rf of Sorfh America, pág. 540); as outras
encontrtm-ie no alias que acompantia o Premicr mémoire já dtado do B. do Rio Branco. Nos de Maiollo de 1519 e 1527 o
gnnde rio, ligurado em siluaçào excessivamente meridional, é designado por le mare dolce ou pjncuna la duke, estando
"'*""'•'""' O" simplesmente maranon. Sâo os únicos dos primitivos mapas que dào ésle rio
como Olittnto do Amazonas, (efr. Harrisse. DiplomaUc history, pág. 1281.
("") Op. dl.. § 2557.
160
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
remonia além de 1664 (*"'). O nome Pãrícura caberia portanto à costa em que sai o Ovapoc. conhecido
nas cartas antigas como rio de Vicente Pinzon. Nada mais falível, aliis, que assentar deduç&es em
analogias verbais, pois abundam os exemplos de nomes iguais ou semelhantes em localidades extrema-
mente afastadas.
Manuel de Valdevinos, depoente nas ProbanzâS. conta nos de un rio grande anegado al cual
pusieron por nombre pãritura, donde hãltaron en la mar que salia dei rio el agua dulce mas de trenta
léguas Não está averiguado se esta testemunha, que confunde a denominação da terra com a das
águas, acompanhou Pinzon em 1500. e lemos tal facto como improvável. Êle declarou que fué con el dicho
[/icente Vafiez Pinzon... la segunda vez que fué a descobrir, mas ignoramos se no seu entender a
primeira foi a viagem de 1492 com Colombo, ou ainda outra de que Mártir faz vaga menção no fim da
Década L As informações dadas por Valdovinos acêrca do rio são perfeitamente aplicáveis ao Orinoco.
O exame imparcial do depoimento de Pinzon conduz pois à conclusão de que o rio grande
tanto pôde ser o Orinoco, como o Marafion. supondo que para o capitão êste era o Amazonas.
A omissão do nome é porventura um ardil, pelo qual èle dava a entender que descobrira o MaraHon.
eximindo-se à contradita das testemunhas convictas de que èste rio fôra descoberto por Diego de Lepe.
E' o que vamos agora demonstrar, começando por uma das mais insuspeitas.
Diego Fernandez Colmenero, que na provisão régia de 5 de dezembro de 1500 e em outro
diploma de 15 de outubro de 1501 é apresentado como sobrinho e companheiro de Pinzon. foi por
capitão de um dos seus navios na expedição de 1500 e talvez noutra subsequente. Esta testemunha tem,
por conseguinte, tanta autoridade na matéria como o tio. Pois bem. êle diz-nos que uido... yr a descubrir
al dicho Diego de Lepe. e que èste descobriu o Maranhão, na parte sul da terra firme, o qual antes
dêle ninguém avistara. Não foi. portanto, Pinzon que primeiro viu èste rio.
A segunda Testemunha cujo depoimento invocamos é luan Rodriguez, que foi ao comando de
seu irmão Diego de Lepe, e menciona como descoberta por èste navegador la costa en que entra en
esto el rio grande (/ el maraHo é donde está en la mar el agua dulce. Marrisse à vista do verbo entra
no singular diz que el rio grande e el marafío são sinónimos (*")- A alegação é fútil; não só os espa-
nhóis de baixa condição dispensavam o rigor sintáctico (bem como o escrivão dos autos), mas a
conjunção f é suficiente refutação,
O terceiro depoimento chamado ao caso é o de Oarcia Ferrando, que, na opinião de Navarrete,
é uma das testemunhas mais verídicas e imparciais Segundo êle, Diego de Lepe fué a descubrír
por st; parte e llego al rio de maraHon : no entanto êle acompanhou Pinzon. indo como escrivão de
S. Alteza, e devia ter reivindicado para êsle a glória da descoberta, se para tanto houvesse lugar.
Havemos de provar que esta viagem de Ferrando não se efectuou em 1499- 1500. mas em 1503 - 1504.
Finalmente. Alonso Rodriguez de la Calva, Luiz dei Valle e Cristobal Garcia também asse-
veram que o MaraHon foi descoberto por Diego de Lepe, com quem navegaram. A unanimidade é
perfeita nas 6 testemunhas que falam neste rio, nem se pôde argumentar com parcialidade nos depoentes,
porque dois dêles são Colmenero, sobrinho de Pinzon ao seu serviço e Ferrando, cuja sinceridade por
ninguém é posta em dúvida.
cQual era, porém, o rio a que inicialmente os espanhóis chamavam MaraHon? Não sofre
dúvida, ã vista do exposto, que a sua descoberta se deve a Diego de Lepe. mas faltam indicações que
permitam a Identificação irrecusável. Se dos depoimentos constasse dum modo seguro que havia na
sua bôca um mar doce. a questão estaria resolvida; era o Amazonas, já que não podia ser o Orinoco.
E' verdade que em favor desta opinião se pôde invocar o testemunho, atrás citado, de ]uan Rodriguez,
irmão e pilôto de Diego de Lepe; mas os outros depoentes não se referem ao fenómeno, e testis unus,
testis nullus. No entanto, como Mártir leve notícia entre 1510 e 1513 dum grande rio chamado Maraáon
O No 1.0 Alias mencionjdo do D- do Rio Branco. Numi carta de Theodore dc Bry, de 1M9, publluda no
mesmo Alias. lê-se eúribes Pjrãculíos entre o Corentyne e o Oy^poc
(K") Todos os depoimenios que a seguir sAo mencloiudot coiulun do Apéa4ict B. respostas It e 8.* pre-
suntas do Ilscal
í»'"» Navarrete, op. cit.. tômo 111. doe XVI.
(*") The aiplomattc history o1 Americs, pág. 115.
(lU) Op. cit.. lõmo III, pig. S40.
21
161
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
com um mar doce na entrada, somos levados a ver nêle o mesmo que Diego de Lepe primeiro auistou
e era o Amazonas. No que se enganou o doulo milanês foi em atribuir a descoberta a Pinzon, mas o
engano deve se provavelmente à jactância déste.
Para Varnhagen, que reproduz a opinião de Humboldt em 1820 C'*). aquele nome cabia ao
que hoje se chama Meary ou Mearim e foi desde o primeiro quartel do século XVI conhecido dos
portugueses como Maranhão. Êste seria indubitavelmente o descoberto por Diego de Lepe; se o planis-
lério de La Cosa não tivesse um rasgão, nêle veríamos desenhado o rio em latitude aproximada da real,
e do mesmo modo as caravelas figuradas sâo as déste navegador. Tanto em Portugal como em CasteUa,
diz o eminente brasileiro, estweram por algum tempo na crença de que não havia por ahi mais que
um grande rio, entrando pela terra dentro, pois os que reconheciam o verdadeiro Maranhão não
conheciam o Amazonas actual e vice-uersa, donde se originou confusão acerca destes dois rios, t/indo
ambos a ser designados com o nome de Maranhão, de modo que o próprio Pinzon descobridor não do
verdadeiro Maranhão descoberto por Lepe. mas sim da boca do grande rio Santa Maria dei mar dulce
ou actual Amazonas, não duvidou assegurar a Oviedo haver elle sido o descobridor do Maranon ; e mais
tarde Orellana, baixando o mesmo Amazonas, não teve forças para provar que não era o Maranon o
rio por que baixara, e para voltar ao mesmo rio chegava a desejar pilotos portugueses 'porque eram
os únicos conhecedores da costa que continuamente navegavam» ("').
Êste período encerra muito menos verdade que fantasia.
Notemos desde iá que, se Pinzon costeou desde Mocuripe (segundo Varnhagen) até Pária
com certeza descobriu o Mearim. de sorte que o único merecimento de Diego de Lepe seria então o de
lhe achar o nome. A hipótese considerada conduz pois a localizar os achados de Pinzon para o norte
do Mearim e a escolher para cabo de S. Maria de la Consolación qualquer das pontas entre Aruaca e
Tigioca. Marlir, em 1513 e 1514, designa por Maragnonus um grandíssimo rio corii um mar doce na foz
o que se não verifica no Mearim. embora éle se)a caudaloso e até manifeste a póróroca (*") Varnhaqen
diz que Mártir se quere referir ao Mearim. o que c um artifício cómodo para fugir a dificuldades mas
esquece-se de explicar porque razão lhe atribui um mar doce. Oviedo, em 1548. refere que Pinzon lhe
afirmára ter descoberto em 1500 o Maranon, que é. no entender do cronista, o Amazonas Havemos de
analisar, em outra secção, o valor do asserto, mas é certo que o nauta castelhano não podia confundir
este no com o Mearim. bem mais modesto, e muito mais se descobrira a ambos
No tocante a Orellana, lemos em Herrera que este capitão accordó... de venir a dar cuenta
al Rei^ de tan grande descubrimiento, certificando que no era el rio MaraHon. seçun dixeron los de
Cubagua. v muchos le llaman el Dorado Esta passagem revela-nos que o rio repudiado pelo capitão
casielhano era o Orinoco ao qual se restringia o nome de Eldorado; nem os de Cubagua ou ilha
Margarita conheceriam o Amazonas, afastado mais de 350 léguas. Frav Gaspar Carvaial. que acompanhou
Orellana e lo. o cronista da acidentada exploração, supõe ter percorrido o grande Maranon e Oviedo
comentando a sua relação, acrescenta (-) que unos dKen ques el de fiuyapari é atros el Marafion
m,TJ'l*'r "r^'"'" Aniazonas abaixo o confundiram com o menos importante Mearim. situado
uiuiio iTiâis oO sul.
Varnhagen cila. em abôno da sua opinião, uma única razão, de Iam grande fraqueza
IZTJ . Diogo Ribeiro, car.ógraio português ao se v ço d^
Carlos V. da o nome de Trindade a uma ilha do seu Maranon; ora assim foi conhecida desde O
pnncu>.o a grande ilha do Mearim (-). Pondo de parte a circunstância de Ribeiro designar por nlnidad
r ^ mesmo Varnhagen cita uma carta de Luís Sar^enlo
à c^rta denoirdT T"'! "^^J^' ' ''''' ^^^"^ ^'^ que fósse acresc^tado
à carta depois da sua confecção, hipótese inaceitável desde que se lé a mesma inscrição nos mapas
íl!lí ií"';^-'"' '•'Vwns équalorUles, lômo VIII. pág. 112.
í- P^ilíTLT.t^^^r ^'•'"'i ^^^- •» ^ 3* edição.
TdZiZ"''I^',''Í'^' Occaent^lcs. Deoda VI ; livro IX. cap. VI
S.vi.h.. á LtTTÀ\\t.^xtloT^ím'^^^^^ Medina W»í,n^,>„,o rf./ rio áe /« Amazonas.
com .igu™.. modilic.cfles por O. io ^p' VÍSTív^ 'sa^Sr?. ' ° '""-"'^^
' ''P* Cil. pAQ. 126. 262 tf 1M
ti-i ^2 26r
l I veíi.se o mapa no Atlas anoKO a l« Mimoire do Dario do Rio Branco
162
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
anteriores de Turim (1523) e Weimar (1527). Diogo Ribeiro aliás não traz o Maranhão dos portugueses,
que parece ter confundido com o Mârafton dos espanhóis; a sua nomenclatura nesta parte nâo inspira
confiança, pois coloca a oriente do grande rio um outro de \/ic^te pl (de Vicente Pinzon), que todos
colocam ao norte e representa o Oyapoc.
A opinião de Varnhagen. que foi também a de d'Avezac, acha-se rebatida longamente por Cae-
tano da Silva, o qual em I86I a considera condenada há mais de dois séculos e meio ("0: porém as
razões apresentadas não lèm valor provante. se exceptuarmos a que resulta de Mártir, já por nós invo-
cada, e a de Oviedo, que é tardia de mais (1526). Não hesitamos todavia em aceitar que começasse a
haver confusão entre o Amazonas e o Mearim, depois que os portugueses, em época incerta, descobriram
êste último rio e lhe chamaram Maranhão ("').
Nâo esta assente a etimologia da palavra, porventura derivada de expressão Indigena que
signifique vasto lençol d agua C"). e neste caso bem podiam os índios da costa que se estende entre o
Amazonas e o Mearim empregá-la para designar qualquer dos dois. Supomos que os portugueses nunca
os confundiram, mas ainda hoje ignoramos como chamavam ao primeiro, já por éles explorado em 1540
quando Orellana o redescobriu para Castela e lhe impôs a actual denominação.
Para os castelhanos èsle era o MaraHon. avistado anos depois de 1500 por Diego de Lepe:
no entanto é certo que muitos imprópriamente assim designavam o Orinoco. Não são poucos os vestígios
que restam, nas obras impressas, desta confusão, e da ignorância em que estavam os espanhóis da
verdadeira posição do grande rio. não só nos primeiros lustros que se seguiram à sua descoberta, mas
ainda depois r"Õ.
O primeiro autor em que elas se notam é Mártir quando admite ler sido visto por Colombo
o Maragnonus. sendo notório que o almirante apenas deparou com os braços do Orinoco. Herrera na
Descripcion de las índias OccidenUiles ("'). referindo se ao seu Maraíwn, que era o Mearim. coloca-lhe
a foz 100 léguas ao poente da do Amazonas, e confunde suas nascentes com as do Orinoco. Má igual-
mente sinais evidentes do engano na passagem das Décadas do mesmo cronista pouco atrás transcrita,
bem como nos capítulos que se referem a Diego d Ordás (*). Para Fr. Gregório Garcia, impresso em
1607. o Marahon não é senão o Orinoco (***). e Fr. Pedro Simon, cuja obra data de 1626 (^. sustenta
(Vi Op. dl.. §§ I6I9 C IM8
C") Njo concordamos com a hipótese de Caetano da Silva dum suposto (rro de Diego Leite cm tS3l (Op.
dl.. § 251 9\
("O Ctiarles Harti dá como orÍ(]Cm dc Mjrjfíon ou Maranlum a palavra p.jr.in.1. fundando-sc (segundo uma
versio a nós comunicada por Capislrano dc Abreu), em que era p.}r^n.i minm o noniL' Indígena dum rio chamado Maranhlo-
Slnho. Humboldl observou cm 1820 que pãrjn.l significa em língua brasileira mar ou grande Agua (Uoyage tux n^gions
ifi]u.iion.ile^, tòmo III, p.ig. 342. nota); o que é conlinnado no belo estudo do vocabulário guarani teilo por Caetano de Almeida
Nogueira (Anaes dj Biblioteca Nacional do Rio de Jjnciro, vol. 7, IS79). No rio Amazonas por vezes se designam por pêrana-
mirim os Cdn;>ls que h-l vnire »s n^r^ens c ilhas compridas.
(«•) Humboidt. Op cil., lòmo VIII. pág, MO.
(■**) Cap. S. pag 14 da cdiclo de 1730
(*") No lômo II da l » Memória cilada de Rio Branco vém a pág, 4 exlractos da capilulaçAo de Diogo d'Ordis
em que Carlos V lhe fáz em lb30 a concess.)0 da conquisl.i c povoação de 200 léguas de costa entre M.ir.i'}an e Cabo de
Vela. mas rctonhcccndo-se depois que a dIsiÂncia dísie* ponto* era maior, o monarca deu-Ihe a escolher entre 200 léguas
contadas entre o Mjrjrian e Pòrii, ou igual exiensâo a conlar dc Maracapana em sentido inverso. Como Diogo Ribeiro, canó-
graio da Casa de Conlralacion, em 1S29 situava o Miirahon-Amaxonas por |o30, a mais dc S70 léguas do Cabo de Vela.
pregunta>se se o Maranon da concessão n3o será o Orinoco, que nio aparece na carta de Ribeiro.
Herrera diz que Ordás entrou no rio e déle saiu para Pária, onde se insialou na margem esquerda do Huyaparl
(nome que davam então ao. Cafto de Vagre). disputando a Antoni Sedefto. governador da ilha fronteira da Trindade, a posse
dum fortim na terra lirme. Este quelxou-se a Carlos V c obteve a satisfação, sendo ordenado a Ordás a escolha acima men-
cionada Ordás ficou no Muyaparl que lica a mais dc 3^0 léguas do Amazonas, e cada vez se afastou mais déle; e só se
compreende que supozesse estar deniro da sua jurisdição, se tomava o Marãfíon pelo Orinoco.
Oviedo, que escreveu SO anos antes de Herrera, neqa no cap. 3.o do Hvro XXIV que Ordás entrasse no Amazonas.
Diz íle que os expedicionários se perderam por deficiência das caria* dc marear, que representavam uma costa totalmente
diferente da real; i>ies p.iraram num ponto com 2o,S de latitude boreal, e retrocederam penosamente para Pána, numa longa
derrota de 40 dias. Do Mjcãíion de Ribeiro estavam ties afastados cérca de 4°. todavia preferiram voltar atrás e percorrer B»,
sendo seu objectivo o M.irji}on Se estas circunstancias não nos d^o indfcios da tioçio com que Ordás ficou do grande rio,
ao menos mostram a ignorância profunda dos espanhóis acéica da sua verdadeira situsçlo, e explicam que Orellana duvidasse
da idenllficaçâo do seu rio com o Maranon.
Fr. Pedro Simon teve informações mais copiosas que Herrera e doutra origem. Êle afirma que Ordás entrou no
Orinoco • Maraí^on. mas atribui ao fidalgo castelhano coisas que já Enciso em I&I9 mendona, e se passaram ao sul do equador
(episódio da grande esmeralda e da .irvore de incenso).
("•) Origen de /os indtos de el nuevo mundo e índias occidentales. Hvro II, § IV, pág 74 da edíçao de 1729.
(^) Noticias historiêlrs de las conquistas da tierra firme en las índias occidenlales, 1626; noticia 2.*, up. 17 «
noticia 6.*. cap. 23.
163
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
abertamenie o mesmo parecer. E' verdade que o jesuíta Gumilla e fr. Amónio Cautin (""). escrevendo
em 1731 e 1771, asseveram que o Orinoco nunca leve o nome de Maranon. mas há mais de um século
ou século e meio enlre estes escritores e o anterior.
O geógrafo espanhol Enciso, descrevendo em 1519 a costa compreendida enlre Pária, a que
atribui 7o boreais, e o cabo de S. Agostinho, com 8° austrais, menciona apenas dois rios: Mararlon e
Mar dulce (""). Ao primeiro dá lhe de latitude siete grados y médio e a distância de 300 léguas ao
cabo de S. Agostinho: ao segundo, cuja foz dista 25 léguas da do primeiro, concede l// grados ^
médio e o afastamento de 250 léguas de Pária. São os dois grandes rios que figuram, com diferentes
distâncias ao equador, nas primeiras carias de inspiração espanhola, mas apresentados em condições
muito longínquas da verdade, quaisquer que sejam as identificações propostas.
A opinião geralmente seguida vê no Maraâon de Enciso o mesmo Maranhão dos portugueses
ou Mearim, e no Mar dulce o Amazonas. Varnhagen vai até o extremo de enxergar êrro tipográfico
nos 705 . que em seu parecer se deveriam substituir por 205', coordenada da foz do Mearim (-^'). Isto é
insustentável porque não só a latitude incriminada está escrita por extenso, mas também deveriam então
ser dois os êrros tipográficos, visto como o Mar dulce está 25 léguas ao norte do primeiro e haveria
que substituir 605 por I^^S'.
Harrisse, analisando o trecho de Enciso encontra-se embaraçado não pelas erróneas
latitudes das quais nem fala, mas pela dificuldade de explicar porque motivos; I.o — sendo o Alar dulce
o Amazonas, não são mencionadas as duas embocaduras; 2.0 — não podendo o Maranon ser a segunda
embocadura e devendo ser o Mearim, êsle rio é apresentado tam próximo do Amazonas. Para liquidar
estas dificuldades, abalança-se a explicações que nos espanta encontrar na pena de crítico tam sagaz e
habitualmente Iam seguro. A primeira consiste em afirmar que em 1519, e ainda depois, os espanhóis
só conheciam a maior das embocaduras, ignorando a do Pará; a segunda constrange-o a ver nas 25
léguas um êrro tipográfico, devendo ler-se quiçá 75.
cMas como se pôde admitir que os espanhóis percorressem a costa entre o Amazonas e o
Mearim e lhes escapasse o rio do Pará? Salta aos olhos que o consideraram como distinto do Ama-
zonas ou como uma derivação déle. mas não o ignoravam, já que o acesso à sua larga foz é muito
fácil. Quanto ao erro tipográfico, notaremos que a emenda proposta não é bem exacta, por haver mais
de 80 léguas de costa entre a ponta da Tigioca, no extrêmo oriental do rio do Pará, e o farol do
Itacolumi, no ocidente da bafa do Maranhão: além disto, Enciso diz que de S. Agostinho até o Maraãon
há 300 léguas, quando a distância do cabo à foz do Mearim regula por 270. Não há necessidade, aliás,
de recorrer ao artificio do êrro de impressão, quando é mais simples aceitar que o autor errou tÔdas
as distancias, como é fácil de demonstrar. A largura de 60 léguas na foz peca por excesso, pois não é
lícito computar em mais de 50 a distância entre as Pontas Tigioca e Grossa, e muito mais se abstrairmos
do rio do Pará. cuja largura na barra regula por 13 ou 14 léguas. ]á vimos que a distância do cabo
S. Agostinho ao MaraHon, suposlo ser êsle o Mearim, é avaliada por excesso; em compensação a do
Mar dulce a Pária, computada em 250 léguas, é menor que a do Amazonas àquela península,
superior a 320.
Examinando a descrição do geógrafo espanhol, vê-se que o Mearim não corresponde ao seu
Maraâon. A oito léguas dentro de terra tem csle muitas ilhas, o que nunca se poderá dizer do Mearim;
e a costa tôda enlre S. Agostinho e o Maraiion diz-se limpa e funda, o que é o contrário da verdade.
Existem etectivamenie uns baixios ou parceis na baía do Maranhão na parte do oriente, como diz
Enciso, mas também os há a ocidente. Por outro lado há diferenças consideráveis entre o Amazonas e
o Mar dulce. A divisão dêste rio a 25 léguas da bôca em dois ramos que vão a sueste e a sudoeste
nào se ajusta de maneira alguma àquele; e a direcção da costa desde o Alar dulce a Pária, que é dada
como oesnoroeste, afasta-se por completo da do litoral entre o Amazonas e o Orinoco.
S£l Orinoco illustrãdo f defendido. 1745, lômo i, pág. 8.
an no Orinofo m9%'iq 7^"'"^* tstarjil y evangélica de la Nueva Andalucia, provindas de Cumanâ. Ouyana y vertientes
(^*) Op! dt., foi. 67 vereo.
("') Op. dl., pág. 126.
t"*) The dipiomatic history of America, pás- 117 a 123. e 129 a 132.
164
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
4
Não acompanhamos Hamsse e os demais na decifrarão dos verdadeiros enigmas que nos
deÍKOu Enciso. O eminente americanísla. supondo que èle fêz a sua descrição lendo h vista uma carta,
quere que esta fôsse do tipo Vesconti Maiollo. de 1519 (*"). Parece-nos que o ilustre sábio se equivocou.
Esta carta, a primeira que menciona o Maranhão como distinto do Mare dolce, traz ao sul déste rio
uma grande embocadura sem nome algum e um pouco depois dela uma outra muito menor, a que está
aposta a inscrição R de elli maralion ('"). E" evidente que esta determinação caberia à vasta loz
anónima, se a narração de Enciso se adaptasse ao trabalho de Vesconti.
Presumimos que na carta aonde o geógrafo foi procurar elementos para a sua descrição se
confundiram o Orinoco e o Amazonas. Se notarmos que êle omite o Orinoco, mais importante que o
seu Marâiion, pendemos a ver no Mar dulce aquele grande rio. descrito com uma única bôca; se repa-
rarmos na latitude de 6o,5 em qualquer caso excessiva inclinamo-nos a crer que èle é o Amazonas-
Os cartógrafos espanhóis representavam o Orinoco ou Rio grande em latitude por demais meridional, e
cada vez mais meridional à medida que se diluía a memória do primeiro mar doce encontrado em face
do outro muito maior no Amazonas. Todos êles figuravam ao sul do rio grande do mar doce, um outro
situado a distância não considerável: e é éste o Maration de Enciso.
CRONISTA fidalgo Gonzalo Fernandez de Oviedo conheceu pessoalmente Vicente Pínzon, ovtHio. oo-
com quem manteve relações de amizade até à morte désie (*")■ Era de esperar, pois o ' ^
linha na conla de uno de hs hombres de la mar que éle vira mas bien hablado, que se km. .
demorasse um tanto na descrição da sua viagem de 1500, mas, em vez disso, expõe-na
sumáriamente a propósito do Maranon ou Amazonas.
Em resumo, refere-nos o cronista ("") que neste rio se realizou o encontro dos 40 cristãos
com 32 índios, os quais usaram do estratagema de os engodar com uma peça d'ouro lavrada, e que,
terminado o mortífero combate, passaram os espanhóis à outra margem do rio, a uma província interior,
Mariatambal, onde prenderam 36 índios, matando e ferindo outros. En la costa cerca de la tierra perdeu
Pinzon duas das quatro caravelas. Vè se que. se o capitão contou a Oviedo fielmente as suas aventuras,
o escritor as estropiou completamente. Não foi efectivamente no Maranon que se acharam em presença
40 homens de um lado e 32 doutro, mas no ponto do segundo desembarque, nem houve combate dessa
vez: êle efectuou-se na margem doutro rio anterior em que não puderam entrar as caravelas. Os índios
de Mariatambal (Marinatambal ou Marina tubalo) eram pacíficos e não ofereciam resistência, e o
naufrágio dos dois navios realizou-se perto de Hispaniota, quando os castelhanos já haviam abando-
nado Pária.
Oviedo relata-nos mais Jer ouvido a Pínzon que descobrira em 1500 o Maranon e navegara
por êle dentro 15 ou 20 léguas com quatro caravelas pequenas, e o corrobora noutra passagem da sua
História. Mesmo antes dela impressa entre 1535 e 1557. já fizera noutra obra, dada à estampa em 1526,
análoga afirmação, acompanhada porém de pormenores muito diferentes ("■)■ Sem citar o ano, o
cronista diz-nos aí que Pinzon entrara no rio com uma caravela mais de 20 léguas, mas por levar
pouca gente não ousou saltar em terra e desandara rio abaixo.
<»») Op. dt.. pág. 129.
(***) Ve|a.&e a caria no Ailas que acompanha a !.• Memoria do B. do Rio Branco. Na carta de 1527 do mesmo
autor, Isualmenle reproduzida no Alias, esii figurado m»rãnon, exaclamenle na mesma posicAo que o marãlion de 1S19.
Op. Cil, livro il. cap. 14.0.
("•) Op. Cil . iivro XXIV. cap 2° c livro XXt. cap, 3 », Veja-se o Apêndice E.
(■**) Retacton summaria de la Historia Natural de tjs Indiãs. IS26, apud A. O. Barda, historiadores primitivos
dt tês índias Oeddenlales. lol. II. V«)a-se o Apêndice £.
165
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Eslas contradições chocantes firam a Oviedo lôda a autoridade e revelam uma memória infiel;
Pinzon aliás faleceu em 1514, doze anos antes da primeira menção, e quarenta e três antes da última (*»").
No tocante a dalas, encontramos na história êrros tam frequentes em acontecimentos contemporâ-
neos da viagem do capitão espanhol que nos fazem perder a fé na descoberta em lãOO ("'').
E' inegável que Pinzon visitou neste ano S. Maria dei mar dulce, rio de vasta bôca que
ostenta um mar doce, cujo prolongamento êle computou então em 15 léguas (Trevísan). Então não
conhecia o nome Maranon e apenas Marinatubaro como o da região vizinha; então não sabia da
estranha amplitude da foz. Em 1513, um ano antes de morrer, quando depôs solenemente e sob
juramento, arbitrava ao mar doce 40 léguas, mas não disse que o rio se chamava Mararlon. deixando-o
sem nome. Sabemos mais que o Maraíion era um rio diferente do descoberto pelo nauta castelhano, ã
visla dos depoimentos de Diego Colmenero, sobrinho dèste, de Garcia Ferrando, testemunha verídica, e
de Juan Rodriguez, irmão de Diego de Lepe. «LComo é então que nos surge agora Pinzon declarando a
Oviedo que descobrira o Marafion em 1500?
A alirmação do cronista é portanto mais que suspeita. Explica-se todavia, admitindo uma de
duas hipóteses: l.* Pinzon confundiu propositalmente S. Maria dei mar dulce com o Maranon, desco-
berto mais tarde; 2.' o capitão apenas se referiu a um grande rio dotado de um mar doce e a Oviedo
se deve a sua confusão com oulro maior em que este fenómeno se manifestava em proporções mais
consideráveis. Em verdade, não nos atrevemos a preferir uma hipótese à outra, se bem que a boa
hermenêutica nos aconselhe a optar pela segunda para não atribuirmos a Pinzon uma fraude.
Erancisco Lopez de Gomara, escritor cuidado em sua prosa mais que nas informações
transmitidas, também nos conta a viagem de Pinzon em 1500, mas cinge-se a Mártir, acrescentando-lhe
dados geográficos extraídos das Probamas dei fiscal e dos mapas da época (*'"). E' assim que nos fala
no cabo de S. Agostinho e no rio dicho Mariaiambal, e no percurso entre o cabo e Pária cita Cabo
primero (S. Roque). Angla de Lucas, tierra de humos, rio Maranon. rio de Orellana e rio Dulce. Para
êste autor, que escreveu em 1553, estes últimos eram respectivamente o Mearim, o Amazonas e o
Orinoco, mas êle não nos diz qual era o dicho Mariaiambal, a que não atribui mar doce, podendo
entender-se que era distinto dos outros três.
Las Casas acompanha igualmente Mártir de perlo, embora nem sempre com fidelidade (*").
Depois da passagem dos expedicionários de 1499 pelo arquipélago de Cabo Verde fá-los seguir la uia
dei Austro y despues al Levante, isto é, primeiro o sul e mais tarde o sudoeste. A indicação do sul
é devida provávelmenie à frase de Mártir; Ad meridiem recta proficiscuntur. mas êle refere-se ao
trajecto antes de Cabo Verde. A distância de 300 léguas, percorrida desde Santiago até a ocultação da
polar é convertida em 700; ora se a primeira peca por defeito, como já vimos, fàcilmente se demonstra
que a segunda peca ainda mais por excesso. E' visível o engano da transcrição.
Das Probanzas. que êle cila, extraiu que Consolación era S. Agostinho. Ao rio grande chama
Mararion, dizendo ignorar a causa do nome e quem o pôs; dá-Ihe trinta léguas de bôca como Mártir,
menciona o fenómeno do mascarei, como consta do depoimento de Anton Colmenero. e não fala da
região Mariaiambal. nem de Paricora e Camomorus. Mas onde é!e se afasta profundamene de Mártir e
procede por sua conta é na invenção de um segundo grande rio, a que Pinzon teria posto o nome de
rio Dulce e em cuja foz foi possível beber água doce a 25 ou 30 léguas da costa.
A Las Casas não escapou que o texto de Mártir era inconciliável com a existência de um
único rio ostentando na entrada o mar doce. Conhecendo apenas a edição de 1516 das Décadas, e não
a edição pnnceps. onde não se fala de Maranon, supôs que Mártir sempre se referira a dois rios, e
procurando entre os que os geógrafos da sua época descreviam nas paragens onde estivera Pinzon
em 1500, achou que o MaraHon e o rio Dulce correspondiam à narrativa. Estes dois nomes, especial-
a. tm«-ri-i.í"!^ P l"'^ "^^rrallva do livro XXIV ser mais conforme à de Mártir sugere que houve inftuênda dêste através
de '"P*^'=''jJ^<'^íf° ^« C^as exprobr. .Oviedo ignorância des.a iingua.%,u%rado as luarchaçôes de^P^^^^^^^^
Civro III 3ore oSo « ^Irnir^,.'™ .i'''*^fi" r Sf '"7*'°. «"^ *'-*9""do uma versão não adoplada
dois ano. í^or£./S';ecíp?ÍS et [ÍS^^S '.Lnl^o\Z^°Z e^lHiS" ' ^"""^ ''''''
ar....o A'iV^::tnVSS^t f ed'.^^o° dt^/3rrpA"l7T """''^ ° ^"^
Vcja-se o Apêndice E. ■ k s- /■
166
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
menle o segundo, só foram conhecidos depois de corridos alguns anos do século XVL Os aulos das
Probamas não se opunham de resto ao desdobramento; presumimos até que dos depoimentos exarados
colheu Las Casas o seu dado das 25 ou 30 léguas, diverso do de Plnzon. Provado como está que em
1500 este capitão apenas avistou um único mar doce, a versão do bispo de Chiapa exige que ête (6sse
o do Orinoco e não o do Amazonas.
Herrera, no relato que nos faz da viagem de Pinzon, copiou servilmente Las Casas, Mmitan*
do-se a suprimir alguns pormenores pouco importantes c as homilias humanitárias do caridoso
eclesiástico, obcecado pelo seu amor aos selvagens da América, que julgava superiores aos africanos,
querendo para estas criaturas de Deus a escravatura e isentando as outras dela. A obra de Las Casas
ficou porém trés séculos manuscrita e as Décadas de Herrera foram assás divulgadas, servindo para
espalhar noções erradas acerca dos descobrimentos de Pinzon.
UM facto digno de registo que as denominações trazidas por Pinzon tiveram duração
efémera, e parece nào se terem difundido muito além da eshreita esfera dos seus compa-
nheiros de viagem.
Se exceptuarmos Marina tubalo (ou Marinatambal, Mariatambat). nenhuma das
primeiras crónicas as menciona desde as epístolas de Pedro Mártir até a obra de Gomára.
Sòmente vamos encontrar algumas em Las Casas e Herrera, que o copiou; mas o caridoso bispo teve
presentes os autos das Probanzas onde elas se repelem. Estes aulos e os lermos das capitulações de
1501 são os únicos escritos onde se nos depara a nomenclatura de Pinzon. Ela não figura em carta
geográfica alguma conhecida, talvez com uma única excepção, a começar pela mais antiga, o mapa-mundf
desenhado em 1500 por La Cosa.
O cabo Santa Maria de la Consolación, primeiro ponto do continente avistado pelo castelhano,
foi por èle identificado, 13 anos mais tarde, com o de S. Agostinho, mas nós já apresentamos boas
razões para taxar o depoimento de inexacto neste particular. Pinzon é aliás a única testemunha a citar
Consolación, que não aparece na vetusta obra do piloto biscainho.
Num dos portulanos, ditos de EgerIon-2803 (1510?). que representa o nordeste da América
meridional ("'). veem se no extremo oriental duas denominações seguidas: C. de S. Agustino. S. Maria
da Colon. Seriamos tentados a ler aqui S. María de ta Consolación ; mas, em primeiro lugar, éste ponto é
distinto de S. Agustino e nào coincidente, como alega Pinzon; em segundo lugar, falta a indicação de
cabo. Como no entanto o planisfério. que acompanha os portulanos, traz na ponta mais oriental do
continente e em 7o de latitude S. Maria e não S. Agustino, é possível que o primeiro déstes nomes
designe èste cabo ("'). Adoptando a leitura corrigida de 5. AUria da Colon, esta será assim a única
subsistente das denominações de Pinzon nas carias antigas.
Do cabo de S. Vicente, citado no térmo de 1501 como o limite superior dos descobrimentos
de Pinzon. nada mais se sabia até há poucos anos, nem mesmo se o nome se deve a êste navegador.
Estavam os historiadores reduzidos a conjecturas, entre as quais convém assinalar a de Caéano da
Silva ("'). que foi adoptada por Varnhagen ("^) e pelo Barão do Rio Branco ("').
O mapa de La Cosa traz na latitude de 4*» 30 uma fierra de S. Ambrósio e algumas léguas
mais 30 norte um cabo a que não está aposta denominação. Ora os navegantes da época costumavam
designar as terras novas pelos nomes dos santos festejados nos dias em que elas eram descobertas, e
A NOHCNCLA-
lURA lir PIN-
ZON ( o PLA-
riiMI HtO Dr
lUAN Df LA
COSA
(*<*) E' O numerado XVII, lol. 9 ». da obra de Slevenson. diada na noti 18.
p**) Veja-se a secção seguinte O mapj de Cantino, a far/a rfí Mjrlir. t o porlutwo de Egerlon.
(»**) Op. dl.. § 2S»0 a 25«3. "
(•«») hiitOTia Qeral do ISrjsil, pág. 123.
(•**) Premier Mémoíre, pig. 47.
167
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
o calendário de Enciso dá nos como oragos a 4 e 5 de abril os dois santos Ambrósio e Vicente. A
aproximação destas datas, diz o douto brasileiro, mostra que os dois nomes tierrâ de S. Ambrósio e
c3bo de S. Vicente são ambos da autoria de Pinzon. Éste, depois de descobrir a Herra em 4 de abril,
avistou no dia seguinte (pois se dirigia para o norte) a ponta anónima de La Cosa; e como êste é o
cabo d Orange, somos levados a concluir que aí está o de S. Vicente.
A dedução repousa em três hipóteses simultâneas, de pequeno ou nenhum valor. Consiste a
primeira em admitir que a ponta anónima do cartógrafo espanhol é o cabo d'Orange: a segunda em
supôr que Pinzon. guiando-se pelo calendário, escolheu o santo correspondente a 5 de abril, e a última
em atríbuír-lhe a autoria de S. Ambrósio.
Para identificar o cabo d'Orange e a ponta anónima, Caetano da Silva estriba-se unicamente
na latitude real do primeiro, juntando lhe o parecer conforme de d Avezac -esquecido de que os primi-
tivos cartógrafos, conforme êle demonstra, exageram as latitudes para o sul, e sem se lembrar de que
grande parte do seu livro é feita para combater a autoridade de d'Avezac em assunto muito conexo
com èste. Se as latitudes das duas pontas orçam por 4° ou 4o, 5. podemos estar certos de que são
distintas, porque as latitudes de La Cosa estão totalmente erradas. A verdade, mau grado a autoridade
do erudito francês, é que a ponta anónima não se deve confundir com a d'Orange, peta excelente razão
de que ao lado déste desagua o considerável rio Oyapoc; ora èste não é figurado, nem mesmo indicado
no mapa, onde aliás abundam os nomes de rios.
E' certo que muitas vezes, ao deparar com um novo rio, bafa, cabo ou terra, os pioneiros da
navegação transatlântica lhe impunham o nome do santo do dia, mas nem sempre. Devíamos esperar,
verbi gratia, que Pinzon adoptasse Sarita Maria de la Consolación num dia em que se celebra a
Senhora desta invocação; todavia não sucedeu assim, se concluímos acertadamente. Não repugna admitir
que êle escolhesse o santo do seu nome para o cabo. visitado em dia diverso de 5 de abril. Neste se
festeja S. Vicente, prègador. mas também em 22 de janeiro 5. Vicente, mártir ("0; de sorte que o nome
do cabo pôde ser atribuído a outro navegador e outro mês.
Mas dado que a descoberta fôsse a 5 de abril, ainda não é certo que na véspera se efectuasse
a da tierra de S. Ambrósio, já que Enciso dá também em 7 de dezembro S. Ambrósio, bispo e confessor.
Pôde objectar-se que neste mês não viajavam para èsses lados nem Nino com Guerra, nem Hojeda.
nem Pinzon ou Diego de Lepe nas suas expedições de 1499 e 1500; mas como não é certo que esta
parte do mapa seja de La Cosa, podendo ser um acrescentamento posterior, como para a sua confecção
contribuíram navegações de que se não guardou memória, e como Diego de Lepe fèz outras viagens
àquelas regiões, ficamos suspensos quanto a S. Ambrósio. E' muito estranho, em qualquer caso, se a
invocação dos dois santos pode ser atribuível a Pinzon, que o cartógrafo conservasse a da terra, omissa
no tôrmo de 1501, e desprezasse a do cabo, nêle mencionado como limite dos achados dêsse capitão.
A refutação da hipótese engenhosa, mas falsa, de Caetano da Silva, tornou-se porém desne-
cessária, desde que. a partir de 1911. se pôde ver no portulano de Egerton o cabo de S. Vicente. Êle
está no gòlfo de Pária, muito acima da foz do Orinoco e a uma distância do cabo d'Orange superior a
200 léguas náuticas de 1500.
Ignoramos completamente onde estava situado Rostro Hermoso, que se não lobriga em carta
alguma e da qual só sabemos que precedia o rio grande Santa Maria dei mar du/ce. Não é difícil
encontrar em antigas cartas o qualificativo hermoso ou fermoso em regiões onde é possível, com muita
imaginação, localizar o ponto desconhecido; o que não se divisa é a palavra Rostro. característica do
cognome. Por êste motivo não colhe a observação de Humboldt, quando assinala P. fermoso no mapa
de La Cosa, insinuando ser talvez Rostro Hermoso ("').
^ <. .. ° calendário do Regimento do esirolabio e do quadrante irar também a 15 de setembro A trasladação
de S. Vicente; o de Endso di para éste dia S Nicodemo, mártir.
('•■) EMamen chiique, tômo IV. pág. 16. nota 2. Na exposiçSo que acompantia o Iludo arbitral suisso. prolerido
na qucstJo entre o Brasil e a França, aventa-se que Rostro tlermoso equivale a Sanefa fácies ou Santa Verónica, celebrada
a 4 de levcreiro. segundo se tè nas Ada sanctorum Boilandczas. (Contesté Franco- BrésHien. Sentence du Conseil Fédérat
*wi*4r, lômo l. pág. 84 e 94). A hipótese é Inverosímil, porque os devotos espanhóis não substituiriam hermoso por santo, nem
oo« caienOirios entSo correntes constaria a festa da VerxSnica. como por exemplo do de Enciso (1519). Também a exposiçio
r«veu uma notável tantasla na conlusio entre P, fermoso de La Cosa e Rostro Hermoso e Cat>o de Murnos, indicado em
mapas multo posteriores.
16S
r
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
No pleito de Diego Colombo surge a denominação na bôca de bastanic» íeslemunhas das
guajs umas a atr.buem a Pinzon (inculcando-a quási todas a primeira terra avista<W. e outras a DIeg"
rfp HJÍ;.«f*InM'r'* T '^^'"'^^ navegações os dois se encontrassem, a-pesar da afirmação
de namsse ( ). baseada no obscuro depoimento de Anton Fernandez Colmenero. mas é indubitável
que o nome. devido a Pinzon. loi imposto antes dêste problemático episódio, como o demonstram as
•í;.^; «^^"^1®.'^*!. ^^""^ ^"^^''^ * ^° ""^^ completamente desconhecida nas cartas existentes
aie 1516 \ ). Ela é mencionada aproximadamente com a mesma grafia em Mártir, em Oviedo e Gomára
rnífcf f^"""" * ^''"'^ ^^"^ "^«^ «P"«« Pa"e alguma ligada ao dulce.
a náo ser nc. termo das capitulações de 1501. nem mesmo nos autos do celebre processo; é freqiienle
porém Mar dulce ou equivalentes dizeres. Éste nome. genérico e nào especifico, era aplicado pelos
espanhóis a qualquer ponio do mar em que a vasào de um grande rio dulcificava as águas salgadas
MO mapa de La Cosa está èle aposto à embocadura de rios que só podem ser braços do delta do
Orinoco; no de Cantino (1502). de origem portuguesa, vemos a inscrição todo este mar é de agua doce
na loz do H>o grande, que veremos designa o Orinoco, e em vários outros chama-se mar doce ao
estuário do Amazonas.
A data consignada no planisíério de La Cosa confere-lhe excepcional importância na discussão
das primeiras descobertas espanholas. E" corrente afirmar-se que o cartógrafo biscainho aproveitou na
confecção do seu trabalho, elementos colhidos de Pinzon em 1500. Contra esta opinião nos insurgimos
categóricamenle. apoiados no melhor dos argumentos: a total ausência das denominações impostas pelo
navegador e constantes das suas capitulações de 1501. Se La Cosa tivesse examinado as cartas de marear
trazidas da expedição 4>ara compor com elas seu traçado, adoptaria as denominações apontadas e não
as substituiria por outras. Ora faltam Santa Maria de la Consolación. Rostro Hermoso, Marina tuba/o e
Santa Mana dei mar dulce: falta igualmente o cabo S. \/icente. se é que éste provém da mesma origem.
E verdade que o mapa está dilacerado num ponto da costa, mas nesse pequenino espaço não estão
visivelmente concentradas as descobertas de Pinzon.
Os que juram pela contribuição de Pinzon inferem-na duma inscrição no extrêmo oriental do
continente americano. Aí. onde geralmente se crê estar figurado o cabo de S. Agostinho ou o de
S. Roque, lé-se o seguinte:
Este cavo se descubrio en ano de
mil y nu X C I X por Castetia
syendo desc abridor Vicentiafis :
mas fàcilmente se prova que estas palavras são posteriores a 1500.
Vicente Vafiez regressou a Espanha no último dia de setembro de 1500, quando La Cosa
estava em preparativos da viagem que iniciou com Rodrigo de Bastidas em dia indeterminado de
outubro (■^'). Entào já deveria estar concluído o planisfério. e admitindo que os dois pilotos confabu-
lassem ('--). não teriam tempo para a comunicação das cartas de marear em que vinham registadas as
descobertas. Assim se explica a ausência total no mapa da nomenclatura do capitão castelhano; assim
sucede que o cabo não tem a invocação de Santa Maria de la Consolación, adoptada pelo seu desco-
bridor. E' anónimo, e logo a seguir começam os nomes variados e abundantes: ora se Pinzon tivesse
intervindo na inscrição, com certeza mencionaria a invocação da Virgem Santa, que tinha viva na
(•**) The discover^f of Nonh America, pig. 680.
Na Charta marina de Waldseemuller se 1* pela primeira vez Marinatambal. ). Pitcher e F. Wleser derivam
esta legenda da narrado de Manir contada nos Pjesi nouamertte nfrouafi de Montalboddo (1507). o ouc é conllrmado Dela
gravura anexa do poposium ou Chironeetes variegatus de que lalam lonoamcnie os Paest
(»') Apêndice C.
(»») Do depoimento 3u«pcllo de Arias Perez, sobrinho de Pinzon, assim se depreende (Apindlee O retoosla
a 6.* presunta do fiscal), tsla testemunha é de iddas a mais mentirosa. '
169
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
memória quando depôs nas Probanzas treze anos mais tarde. Achamo-nos portanto em presença de
um acrcscenlamento posterior, o que aliás é sugerido pela letra e por ser o único descobrimento cujo
autor e data são citados O. .„ . j
O nome de Santa Maria encontra-se no mapa apenas num cabo e num gõlio situado muito
mais ao norle. O DarSo do Rio Branco, ocupando se da viagem de Pinzon ("'). afirma com decisão que
èste gôlfo de S Maria (G de S-» M;/a) é o rio grande achado pelo ousado capitão e identiíica-o arbitra-
riamente com o Amazonas: reincidindo na velha opinião de Varnhagen. muito espalhada entre os
historiadores. Tanto nos parece aceitável o primeiro quanto erróneo o segundo dos dois assertos; e em
qualquer caso o nome aposto não resultou de indicação do navegador. No têrmo das capitulações
de 1501 está escrito río grande que Uamastes Santa Maria dei mar dutce; ora no mapa falta o apelativo
essencial mar dulce, e demais um gôlfo não é o mesmo que um rio, embora possa ser o desaguadouro
dêle. E" pois de presumir que a denominação do gôlfo, podendo derivar de Pinzon por ser a única
descoberta imporiante da viagem de 1500, fôsse transmitida ao autor do traçado por via travessa.
Quanto à idenlificação com o Amazonas, o único argumento em que a fundam os seus
partidários é a pretensa descoberta do magesloso rio em 1500 por Pinzon. Demonstramos atrás que ela
pertence ao número das falsidades arquivadas como verdades nos livros de história, e aqui vamos
confirmá-lo, provando que o mapa de La Cosa não autoriza tal suposição.
Da primeira vez que nos ocupámos déste documento, a propósito da viagem de Hojeda,
sustentámos que o rio de la posision não é o Orinoco, mas um dos muitos defluentes do seu braço
principal. Será porventura o Cario de Vagre que fórma com os de Maiiamo e Pedernales um modesto
mar do agua dulce: ao mesmo delta do Orinoco se ligam o rio dei obpo e o de holgança. Vamos
enumerar aqui as razões invocadas em favor da nossa tese.
A primeira é que, se o primeiro dos rios citados fôr o Orinoco, faltam no planisfério os
muitos e importantes Cafios que precedem a íoz, a Dôca grande ou de Navios. Falta o delta todo. o
que é perfeitamente inexplicável.
A segunda consiste em que o Orinoco tem um largo estuário de perto de 90 quilómetros (se
o tomarmos desde a ilha Aragua à Ponta Sabaneta), o qual está crivado de ilhas, algumas bem grandes.
Estas ilhas estão totalmente ausentes da foz do rio de la posision.
A terceira é a latitude de 12° boreais dèste rio, alta de mais para representar o Orinoco que
é de 8030 . iamais quando a tendência dos cartógrafos até muito tarde era dar latitudes excessiva-
mente meridionais ('").
A quarta é a ausência de qualquer indicação de montanhas desde o rio de la posision até o
golfo de S. Maria, quando elas aparecem ao sul do Orinoco, antes mesmo do Essequibo. e perlo do
Oyapoc. Caetano da Silva ('"") faz grande alarde da palavra motes (motes) que se vê na reprodução de
lomard; mas na crómolitografia de Cannova y Valleio lemos motas, montículos de terra ou de areia ("■).
A quinta está na omissão dos muitos e grandes rios que correm para a costa entre o Orinoco
e o Amazonas, e que deveriam estar inscritos entre o rio de la posision e o gôlfo de S. Maria, se estes
correspondem aqueles. Só aparecem em La Cosa o rio dei obpo e o de holgança. sendo que o primeiro
parece desaguar na mesma baía que o de posision. O maior deles, a 40 léguas da Bòca de Nauios, é o
Essequibo. com 20 quilómetros de foz crivada de ilhas, que deveria ser representado pelo rio de
holgança: mas êstc é figurado com pequena bòca e não inclui nenhuma formação insular, além de que
no Essequibo não é sensível o mar dulce inscrito ao largo do rio pelo cartógrafo, i E onde
í*^ Nfiiemos mais que está errada a data da descoberta, realizada cm 1500 e não cm 1499, D'Avez.ic prílende
explicar a dl' pelo antlQO hábilo de dar começo no ano civil cm março, de modo que um facto passado nos primeiros
meses do ann iko de ISOO pertencia ao civil de 1499 (/.fs voyages <Í'Amêric Vespuce. pág. 43), mas êsle estilo tloreniino
eslava I6ra ik- uso vm Espanha, con^oanie atestam numerosos documentos da época, tanto oficiais como particulares. Mais
rasoivel o admitir que ioi Inscrito o ano de 1499 por ler nèle cometido a viagem.
t"*) Sfcond mémoirc, pág, 32.
Mumboldl. Ex,imen cnliqui; l6mo V, pág. 59; Caetano da Silva, op. cil., § 2470.
(***) Op cit,. § 2567 e 2568.
Cotilcnr, quis) no extremo sul, motas arenoias. Pouco a sul de Dôca áe Navios, na altura da baía de Waini
ou Ouayma, asslnalam-se aos navegantes irés montes chamados los tres Mogoles (Veia-se a caria de Heather e Norie dtada
na nota 16 e o Aihs de Codazzi da nota 184). No mapa de La Cosa, a seguir a rio de la posision está inscrito ires hermanos,
ma& nada auiorísa a supôr que sao três montes, podendo perlcitamenle ser três ilhéos.
170
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
esiao tantos outros cursos d'igua importantes, o Corentine. o Derbice, o Maroni, o Oyapoc c outros
muitos que os pilotos espanhóis seguramente viram, e não se esqueceriam de inscrever em suas
cartas de marear?
Finalmente, os rumos indicados do litoral estão erradissimos, mais que é de esperar de um
traçado necessáriamenie imperfeito, se o rio de la posision e o gàlfo de S. Maria sâo o Orinoco e o
Amazonas. Entre êstes dois rios. a costa tem diversas inflexões que variam entre o nomoroeste e o
susudoeste; ora no mapa ela tem um rumo uniforme enire o sueste e o susudoeste.
Se o rio de la posision. longe de ser o tronco do Orinoco, é um dos primeiros brados déle,
não pôde êsse grande rio eslar figurado senão no golfo de S. Maria, quer lhe iuntemos. quer nâo, a
vasta embocadura anónima que se lhe segue. São admissíveis as duas hipóteses, na primeira das quais
o Essequibo deveria estar representado na parte dilacerada do mapa. sendo na segunda a embocadura
anónima, A presença dessas duas grandes bocas bastante próximas é uma das características das cartas
antigas, e tem dado lugar a confusões de seus analistas.
A nossa interpretação do gõlfo se podem contrapôr duas objecções. Reside a primeira na
ausência do qualificativo mar dulce. presente em rios somenos, e a segunda na posição equatorial em
que o gõlfo está figurado, iá que a foz do Orinoco se afasta 80,5 da linha. A falta de inscrição é um
argumento negativo insuficiente; ela é explicável talvez por não ser Iodo o traçado devido à mesma
pena. Julgamos certo ler La Cosa escrito mar de agua dulce no rio de la posision. mas recusamo nos a
atribuir a mesma origem à costa que se segue, bem como às palavras mar dulce que se leem muito ao
largo do rio de hotgança. E' evidente, no entanto, que, se a ausência serve para rejeitar a nossa inter-
pretação, à foríiori invalida a que vê no gòlfo o desaguadouro do Amazonas. A exclusão baseada neste
motivo deixa o traçado fóra de qualquer explicação possSvel.
A circunstância do equador cortar a foz do rio. que supomos representar o Orinoco, não é,
por outro lado. razão bastante em contrário, uma vez que os primeiros cartógrafos sabidamente davam
aos lugares inlerlropicais posições demasiado meridionais. Enciso, escrevendo dezassete anos depois de
feito o planisfério do piloto biscainho, dava aos seus rios AUrjiion e Mar dulce as latitudes de 7o, 5 e
60,5 austrais ("*); ora se o Mar dulce é o Amazonas, conforme todos acreditam, islo redunda no consi-
derável êrro de 605^. Se tal acontece numa época em que os pilotos castelhanos já tinham imitado dos
portugueses a prática das alturas solares meridianas, não é muito admitir èrros consideráveis quando os
processos dobservaçâo eram rudimentares. La Cosa não viu cm 1499 a foz do Orinoco, que só no ano
subsequente foi visitado por Pinzon e Diego de Lepe; e os pilotos que acompanharam estes explorado-
res não eram peritos na sua arte como o biscainho, reputado naquele tempo o primeiro de Castela.
Todavia éle cometeu na colocação de pontos da costa de Venezuela êrros de 60, tendo à vista a estrêla
do norte que servia para achar as alturas do pólo; não admira pois que os seus colegas, menos
experientes, as inscrevessem nas cartas de marear com êrros ainda maiores.
O que não é crível, por além de toda a plausibilidade, é que estes astrónomos amadores de
baixa categoria determinassem a latitude do rio quási com perfeita exactidão e que o planisfério, por
esta única vez, fosse modèlo de precisão. iPois a esta singular conclusão conduz a coincidência da foz
do Amazonas com o golfo de S. Maria.' A Ponta Grossa, que se pôde considerar o limite dêle, tem
efeclivamente. com diferença de alguns minutos, a posição do exirènio norte do gõlfo. no qual estão as
palavras el macareo.
O Barão do Rio Branco, do mesmo modo que diversos autores, pretende autorízar sua
opinião com esta inscrição, que julga relativa ao macaréo (ou póróróca), experimentado por Pinzon
em 1500. A menção do macaréo, ausente na narrativa de Mártir, escrita meses depois do regresso do
navegador, só aparece em Las Casas e em Herrera, seu plagiário; mas o bispo extraiu a novidade do
depoimento de Anton Fernandez Colmenero, prestado em I5I5 (""). Estamos pois reduzidos à declaração
deste marinheiro, que deve ter acompanhado Pinzon, sendo o único que se refere ao naufrágio; mas
dela não consta que o rio onde se observa o fenómeno fôsse o Maratwn. como em 1515 chamavam ao
Amazonas, podendo perfeitamente ter se dado no rio grande, que é o Orinoco, ou ainda num dos
(*") Op. cil . lol. 67 verso.
(*>■*) Apcrtdice B. resposta à prcgunta do fiscal. Colmenero nlo áá nome ao lenÓmeno, ao que parece desço*
nhecido dos marinheiros espanhóis. Os porlu^tieees já o conhccum áa cxplor^c^o da costa africana no tempo do Inianlt
D. Henrique (Duarle Pacheco. Esmerãláo de sttu orbis, a p^g. 90 da ediçlo de 190S),
171
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
braços do seu delta C^. Sabe-se que êle nâo é privalivo do Amazonas, e temos disso uma excelente
prova no nome de Cãfio dei Macareo. pelo qual é conhecido de remotíssimos tempos um dos
braços do delta do Orinoco, que desagua em face da ilha da Trindade. E por fim não sabemos porque
o fenómeno tenha sido registado apenas por Pinzon, êle estava na alçada de Diego de Lepe e de
quantos desconhecidos al passaram antes de ter sido feito o traçado desta parte do mapa.
Nào. O Amazonas não figura no precioso monumento cartográfico de 1500. nem podia figurar,
porque só foi descoberto alguns anos mais tarde. A faxa que desce de Pária (cujo nome aliás é
omitido) até o gõlfo de S. Maria é a parte da costa da Venezuela oriental limitada pela foz do Orinoco,
e a que se segue até o cavo descoberto por Castela representa uma porção do litoral das Guyanas que
atinge, quando muito, o cabo de Orange. O litoral, que até agora se imaginava representar no planisfério
de La Cosa o nordeste da América meridional, é mais modestamente o ângulo obtuso que vem do delta
do Orinoco até o Oyapoc, com o vértice aí pelos limites das Guyanas inglêsa e holandesa.
Esta interpretação, contrária às noções correntes, é consequência lógica da exclusão do
Amazonas. Ela supõe extraordinário exagèro nas dimensões da costa e erros consideráveis nas latitudes,
dadas como austrais quando são francamente boreais, mas estes desvios da verdade são compatíveis
com a grosseira confecção das cartas de marear de pilotos pouco destros, com o alongamento costu-
meiro dos trajectos percorridos, com o estado rudimentar das observações astronómicas dos castelhanos
e finalmente com o imperfeito traçado do mapa. Quando vemos La Cosa errar 10° na latitude de Cuba,
conhecida há 7 ou 8 anos pelos seus conterrâneos, nào nos pôde surpreender um desvio de 7.° ou 8.o
na do Orinoco, através das observações de pilotos inferiores.
De resto, esta parle do mapa-mundi que consigna descobertas posteriores à de Hojeda não é
provávelmenie do primitivo desenhador. La Cosa só leve efectivamente ao seu alcance (além de informes
porventura recebidos de navegantes clandestinos ou desconhecidos) os de Nii^d' com Guerra, os de
Hojeda de quem foi pilõto, e possivelmente os de Pinzon e Diego de Lepe.
A viagem dos primeiros, que se dirigiram directamente a Pária, nada podia adiantar a respeito
de terras situadas ao sul, e parece não ter influído no mapa quanto às do poente. E' como se tivesse
sido ignorada pelo biscainho. Da sua própria expedição não colheu êle dados que lhe permitissem
sequer o traçado até o Orinoco, quanto mais além de êste rio. Vimos já que Pinzon, por sua vez, não
lhe transmitiu novas dos seus descobrimentos, e só podemos admitir que êles estejam representados no
mapa se houve colaboração de mão estranha. Resta considerar as informações provenientes de Diego
de Lepe, de quem Caetano da Silva resolutamente acusa a intervenção (-''-). com ressalvas singulares a
favor de Pinzon,
Nada se sabe ao certo da primeira viagem deste castelhano, iniciada talvez nos princípios de
1500 e terminada em mês incerto do mesmo ano. A narrativa de Navarrete (-"O é inteiramente decal-
cada sôbre a de Las Casas, que por seu turno a extraiu das Probanzas dei fiscal, única fonte de que
se socorreu o eclesiástico, aliás sem discernimento. Quando tratarmos de Diego de Lepe mostraremos
que o relato do bispo de Chiapa não merece crédito. Para Humboldt ("*) e d'Avezac (*'"'), seguidos por
Caetano da Silva, o explorador regressou em junho; mas estes eruditos estavam convencidos de que o
capitão fóra acompanhado por Allonso Vellez de Mendoza, o qual naquele mês parava em Espanha.
Navarrete e Harrisse, mais circunspectos, não determinam a época do regresso e só crêem que êle
precede novembro de 1500. mês em que uma provisão régia acusa a presença do navegador em Espanha.
Ignoramos portanto se éle pôde informar La Cosa dos resultados da sua viagem, ou melhor, se estes
foram consignados pelo piloto biscainho no seu trabalho.
O fiscal da corôa de Castela, ou quem quer que formulou o interrogatório exarado nas
Probanzas, ao tratar de Pinzon e de Diego de Lepe. atribui ao primeiro a prioridade da descoberta das
terras que vêm de Pária até o cabo de S. Agostinho (?), concedendo ao segundo apenas a dum trecho
A póróróca é um fenómeno violento de xntS% para merecer apenas o comentário de Colmenero; cia seria
sufídenle para afundar as ligeiras caravelas castelhanas.
("') U na carta de Walter Ralcigh (159S7) SC lê Mãcareo num dos braços do delta; c bem assim na de Ttieodore
de Brv (1S99). As duas carias estão insertas no Atlas of lhe Venezuelan Boundarv Commission. 1897-98.
(■") Op cil.. § 2571.
(*•) Op. dt . lômo Ml, pig. 23.
(•") Op dt„ tômo IV. pág. 29S.
C^J Les voyãges a'Améric Vespuce, pág. 105 e 107.
172
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
da costa ao sul dêsle cabo. já pertencente a Portugal Mas o interrogatório, inspirado no propósito de
diminuir o grande almirante e exalçar los Pinzones. tem o cunho manifesto de parcialidade e Diego de
Lepe, cuja morte o impediu de testemunhar no pteito. nâo podia protestar contra seus tèrmos capciosos
e injustos; além disso, tanto um como outro navegador fizeram diversas visitas àquelas regióes, mislu*
rando se as descobertas por êles realizadas.
Depreende se das Probanzas que Diego de Lepe. na sua primeira expedição, parliu depois de
Pinzon. talvez mès c meio ou dois meses, e lhe seguiu na esteira, nâo se sabendo se aportou ao conti-
nente americano mais ao sul do que seu rival e sendo possível que tornasse a Espanha primeiro.
Tudo nos leva a crer que Pinzon em 1500 nâo passou das Guyanas. e portanto que Diego de Lepe se
nâo afastaria delas, sendo certo (como mostraremos) que só depois daquele ano esteve no Marjfíon.
Seria pois admissível que lhe pertencesse a nomenclatura registada por La Cosa, se contra tal suposição
não se levantassem duas objecções atendíveis.
A primeira é que no mapa não aparece nenhuma das denominações ao certo impostas por
Diego de Lepe e constantes das Probanzas. Procurando nos muito pesquisados autos í""). só encon*
tramos punta dei este. rostro Hermoso, bafa ou rio de S. Julian, rio de S. Catalina e Marafíon; ora
nenhum dêles está inscrito no planisfério. Estes nomes (dos quais o segundo é um engano ou mentira
da testemunha, pois pertence a Pinzon) podiam ter sido dados em outras viagens, e veremos efectiva-
mente que o pilôto de Paios de Moguer fêz mais três ou quatro; contudo é de reparar que nenhum
pertença a 1500, se a êste ano temos de referir o trabalho de La Cosa.
A segunda provém das denominações de Santa Maria, afectando no planisfério um cabo e
um golfo, separados por sensível extensão de costa. Pinzon aproou à América em 26 de janeiro e pôde
festejar Nossa Senhora, a primeira vez na Purihcaçâo, em 2 de fevereiro, e a segunda na Anunciação,
em 25 de março: a festa imediata da Virgem é a Visitação, em 2 de julho, data em que o navegador
já pairava pela Hispaniola. conforme consta da versão de Trevisan. Ignoramos se o cabo de S. Maria
lhe deve o nome. mas éle podia tê-lo atingido a 2 de fevereiro; quanto ao goifo de S. Maria, admitindo
que corresponde a S. Maria dei mar dulce do (êrmo de I50t. é muito natural que o ousado espanhol
descobrisse o rio em 25 de março, como quere Marrisse ('"=). As duas invocações de Santa Maria ficam
explicadas, se são ambas de Pinzon. mas não acontece o mesmo se as quisermos atribuir a Diego de
Lepe. Éste navegador partiu algum tempo depois do seu rival, e depreende se do interrogatório do fiscal
e das respostas que não arribou ao continente primeiro que êle V^-). Segue-se que o fèz em data
posterior a 2 de fevereiro; ora os primeiros dias santos consagrados à Virgem eram a Anunciação e a
Visitação, separadas pelo intervalo de 98 dias. Se o cabo de S. Maria foi baptizado a 25 de março, o
gôlfo deveria tê-lo sido em 2 de julho, mas o tempo que medeia entre as duas descobertas é grande de
mais para tornar viável a suposição, tanio mais que é necessário admitir a coincidência de ler sido
avistada o rio grande por Diego de Lepe em día dedicado a Santa Maria, como o foi por Pinzon.
Assim, por um lado. a nomenclatura não foi ditada a La Cosa por Pinzon, já que faltam os
nomes sabidamente de sua autoria; e, por outro lado, há dificuldade em explicá-la, se é devida a Diego
de Lepe. Não sendo aceitável a hipótese de ela pertencer tõda a navegações ignoradas e anteriores a
outubro de 1500. somos forçados a concluir que nâo é de La Cosa o traçado de parte da costa
nordeste da América meridional até o caifo cuja descoberta é reportada a Vicente Vafiez. Deve ser uma
adição ulterior, introduzida antes do fim de 1502, no qual Bastidas e La Cosa voltaram da sua viagem,
de cujos resultados nâo há notícia no planisfério. julgamos que nele estão representadas, indistinta-
mente, as descobertas de Pinzon em 1500, de Diego de Lepe em 1500 e 1501 e possivelmente de
qualquer outro desconhecido.
Má uma particularidade notável no mapa que mostra à evidência ter sido o mapa acrescen-
tado: referimo-nos ao traçado da costa que está adiante do cauo de Vicente Vafiez. inteiramente despida
de nomes. Ela encurva-se primeiro no rumo aproximado de sueste até um promontório que é o ponto
extrêmo oriental, depois retrocede para sudoeste, em seguida parie em longo contõrno inegular no
sentido do oeste para terminar novamente peto de sudoeste. Neste traçado (para alguns de fantasia)
está acusado o desvio para sudoeste do litoral brasileiro que começa um pouco antes do cabo de
S. Agostinho, sendo de presumir que éste seja o promontório; está também delineada, embora grossei-
C") Apêndice B, 8.« prcgunta do fiscal.
The âtplomalic siory of Amencj, pág. 113,
(■"*) Veja-se a sccçio do esiudo sõbre Diego de Lepe, tntitulida A descot>ertã do Amãxonat.
173
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ramente e com grande exagero, a relnfrâncía da costa. Ora em 1500 não poderia haver em Espanha a
menor ideia do desvio, e menos ainda da rcTntrâncía.
Que esías terras pouco conhecidas não foram exploradas por espanhóis, temo-lo por seguro,
aliás surgiriam no mapa as denominações; não podendo justificar-se pelo tratado de Tordesilhas o
silêncio do mapa, pois há nêle uma parte compreendida nos domínios espanhóis que está liberta de
designações. Humboldl pretende ter Diego de Lepe observado em 1500 que para lá do cabo de
S. Agostinho a costa do Brasil continua na direcção do sudoeste (*"); mas as Probanzas, a que se
apega, não justificam tal parecer. O fiscal afirma, sem contradita das testemunhas, que aquele navegador
foi mais além de Pinzon, para o meio dia 6 el sur do cabo; o que entendido largamente tanto significa
o sudoeste, como o sueste, como o mesmo sul. Humboldt adoptou o primeiro dêsles rumos por ser o
verdadeiro, convencido de que Diego de Lepe esteve em 1500 em S. Agostinho; mas cumpre notar que
nem o fiscal, nem o próprio Pinzon conheciam em 1513, quanto mais em 1500, a verdadeira posição
dèsle ponto. Em 1515 êle era o obiecto de solícitas investigações da coroa de Castela, não se tendo
encontrado um único pilôto espanhol que o tivesse visitado.
O promontório é atravessado por um grosso traço colorido ao longo do mapa, ao fim do
qual se lê a inscrição liría meridional. Estas palavras provávelmente são equivalentes de meridiano, e o
realce que lhe dá o cartógrafo supõe um meridiano especialmente importante, a linha de demarcação
entre Castela e Portugal, definida em Tordesilhas. Esta linha está todavia traçada com grande inexactidão,
porque passa a pequena distância do arquipélago de Cabo Verde, quando deveria estar afastada dêle
370 léguas, e isto só pôde provar que ela não é do punho de La Cosa e foi riscada depois de concluído
o mapa. Ao tempo em que foi desenhada esta parte do traçado, já se sabia portanto da existência dum
cabo no extrêmo oriental, a partir do qual a costa se deflectia para sudoeste e já se calculava que êle
eslava situado no domínio português. Tudo isto porém só data de 1501, ou -melhor de 1502, e era
ignorado em Espanha e talvez mesmo no reino vizinho, como vamos expôr.
A viagem de Gaspar de Lemos que costeou desde Porto Seguro, a actual Bahia Cabrália, até
um lêrmo desconhecido ao norte tornou conhecido em Portugal o rumo susudoeste da costa do
Brasil, mas não ligou a descoberta de Cabral com as dos espanhóis, deixando certamente por explorar
entre elas uma enorme extensão de litoral. A esquadrilha de )oâo da Nova, que em abril de 1501 tocou
no Brasil para reírêsco (»''), também se demorou pouco na visita e não deveria ter ultrapassado o cabo
de S. Roque para o norte. A expedição mandada nesse mesmo ano de 1501 a descobrir as terras de
Santa Cruz, porventura mercante, foi a primeira a iniciar uma exploração regular, tendo regressado em julho
de 1502 O"»), só então presumimos se firmaram em Portugal noções mais exactas sôbre o Brasil. Quanto à
terceira navegação de Vespúcio, realizada entre maio de 1 501 e setembro de 1 502. supomos que ela coincidiu
com a anteriormente citada, e é muito plausível que do florentino partisse para Espanha a primeira indicação
do cabo de S. Agostinho, conhecido oficialmente pelos portugueses como cabo de S. Cruz e abertamente
reivindicado para o rei de Portugal. A configuração da costa brasileira só depois de 1502 foi conhecida
até a reínirância que ela faz a partir de 23« (cabo Frio). Indinamo-nos a ver no esbòço de La Cosa um reflexo
da expedição de 1501. Neste ano já se pensava em Portugal na existência de um vasto continente abran-
gendo as terras de Còrte-Real e as de Santa Cruz, e é esta concepção portuguesa que vemos figurada
As considerações expendidas autorisam-nos formalmente a assegurar que o planisfério foi
acrescentado depois de ultimado em 1500. O segundo cartógrafo espanhol, qualquer que êle fôsse
representou as descobertas dos seus compatrícios até um certo cat^o sem nome. que presumimos não
estar longe do cabo Orango; fê-lo com grande incorrecção, dando a êste a latitude excessiva de 10»
austrais. Figurou o cabo de S. Agostinho ou de S. Cruz. sem o nomear e com a latitude muito errónea
de 210. quando deveria atribuir-lhe 8o; e entre o cat^o e o promontório extrêmo desenhou uma costa
desconhecida com a direcção sensivelmente de sueste-noroeste. E' neste trecho que êle representaria o
Amazonas, se sonhasse com o prodigioso rio.
Examen critique, lômo I. págs. 31S e 222
(Centenario da dZoterla da America M fLns. dZ"^^^^^ T '^"^ de Besicl<en
nus o mapa dc Cantino coíoíoTrrp.ssóJm de íoâT^^^ ""'"''"■^d- documento é contestável,
per ia s/ow; rfj Jíop7r/J SrLÍ.o*Sf ""'""'^ ^^"^
174
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
jXAMINAREMOS agora os vestfgios das descobertas de Pinzon em algumas cartas mais
antigas e principiaremos por um monumento cartográfico consecutivo ao de La Cosa, o
planisfério de Cantino, cuia data é de 1502. Alberlo Cantino era por aquele tempo o agente
na côrte del rei D. Manuel do duque de Ferrara. Hercules d Este, o qual multo se interes-
sava pelas descobertas dos dois povos ibéricos. A pedido de seu amo, !èz executar em
Lisboa por um artista português (' ') um magnifico mapa mundi, no qual eram figuradas as terras, alé
então conhecidas, das (ndias ocidentais e orientais. Harrisse. que o revelou aos estudiosos e íèz
reproduzir a parle americana (*'*), consagrou-lhe estudo atento e sagaz, cujas Unhas gerais ainda se
pódem hoje aceitar.
Sabe se. por carta de Cantino ainda existente e escrita de Roma a 19 de novembro de 1502 (*"),
que êle tinha deixado o mapa algum tempo antes em Génova, donde o levaram ao duque, e esta
circunstância permite fixar aproximadamente a data da terminação do valioso trabalho, que nâo pôde
ir além dos fins de outubro. Nèle já figura a ilha da Ascenção. descoberta em 13 de maio por ]oâo
da Nova, que regressou da fndia em 11 ou 13 de setembro de 1502. e não é èsse o único sina! de que
foram aproveitadas as indicações deste nauta. Do mesmo modo nos convencemos de que estão repre-
sentados no mapa resultados da expedição mandada ao Brasil em 1501, a que se refere uma carta de
Pasqualigo (*"■). e que temos razões para supôr coincidente com a da terceira navegação de Vespúcio.
Sendo o mapa posterior de dois anos às viagens de Hojeda. Pinzon e Diego de Lepe, é de
esperar que os seus resultados, certamente conhecidos em Portugal, estivessem indicados no protótipo
português donde êle foi copiado.
Efectivamente aí vamos encontrar Pária, o golfo de lãs perlas, as ilhas de los canibales,
nomes ausentes em La Cosa. e partindo de Pária para o ocidente, uma série de denominações devidas
a Hojeda, que no continente termina em boaco^a, evidentemente por Cuquibacoa. adiante do qual está
uma imaginária ilha Tamarique, ilha Riqua Em boacoya, onde está desenhada uma bandeira
castelhana, a linha costeira cessa bruscamente, indicando que daí em diante nada se sabia dela;
efectivamente os achados posteriores de Bastidas e La Cosa só foram conhecidos em Espanha em
setembro de 1502, e não puderam servir a Cantino. A nomenclatura do litoral de Venezuela é diversa
da de La Cosa, o que levou Harrisse à hipótese da colaboração de Vespúcio, companheiro do biscainho,
na caria donde foi copiada a de Cantino ('''). Mas, se o planisfério atribuído a La Cosa é uma cópia
alterada, se no autógrafo figuravam nomes omissos na cópia, a hipótese de Harrisse não é necessária.
E' pouco crível que fossem introduzidas modificações nos protótipos portugueses, por indicações do
florentino, vindo de Espanha provávelmente por instâncias de um mercador compatrício para seguir
numa viagem que não tivesse talvez caracter oficial. Além disso, a presença da ilha Riqua, que nunca
existiu no lugar assinalado, torna pouco provável que a nomenclatura de Cantino reproduza a de quem
estivera naquelas paragens, e fazem supô-la havida em segunda ou terceira mão.
Caminhando para o oriente de Pária, vemos uma costa a princípio com o rumo de sudoeste,
depois de este quarta de nordeste alé o marco dantre Casfella e Portuguall. que vem a ser a linha de
demarcação estipulada em Tordesilhas {"*). Dèsle extremo do litoral, em que termina o domínio
espanhol e está na latitude cèrca de 6° boreais, parte com o rumo de sudoeste uma linha direita que
corta o equador e prossegue até o Cabo de S. Jorge, situado pouco mais ou menos por ?<> austrais.
Não há dúvida de que este Irôço de cosia está desenhado convencionalmente e indica uma região
inteiramente desconhecida dos portugueses em 150Z
{**)) Para Harrisse ff.es Corte Rr.iK 1683. pig, 74) o artista <)uc execulou o mapa é provávelmenie o mesmo que
lhe luntou os nomes c Icscndas; todavia supòe-no italiano, quando Iodos os nomes e legendas estAo em português genuino
da época, quer na América, quer na África c índia.
Na obra diada, Servimo-nos também da reprodução foiosnllfca de Slevenson, Maps illustrating earl^ disco-
veries and cxplorahon in America, 1903-06.
jrs) Berchel. op. dl-, plg. 153.
(-•i*) Derchcl. op cil , pág 51.
(f^') Islã Rica era o nome da de Cubagua, perto da Margarita (Oviedo, op. dl., livro XXI. cap. I).
The discovery of Noríh America; pig. 332-334.
(^*) èste marco está colocado exactamente a 370 l<íguas da Ilha de S. Antlo de Cabo Verde, conladat no teu
paralelo, e nào a 480. como ira; Harrisse (Les Corte Heal. a pág. 86, nota). E»ta distinda abrange, efcrllvamcnte. 30 divisfies
e S 6 da escala n-produzida quatro veies no mapa. e cada divisão é de 12 léguas. Conlirtna-o a dlsi.)nda do Irópko ao
equador que é sensivf Imcnte de 34,5 divisões ou 414 léguas: ora ela equivalia na época a 23o 33 ou 412 léguas, no cômputo
poriugui^s dc 17.S ao grau. Harrisse engana-sc quando diz ser a divisão da escala Igu^l a um grau de longitude no paralelo
de 4SO (op. cit., pág. 7S).
175
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
No Cabo de S. Jorge, nome plausívelmente devido a João da Nova em 1501, começa o litoral
descoberto pelos portugueses, que toma o rumo norte sul até o Porto Seguro de Alvares Cabral, e
depois se inclina para sul quarta de sudoeste até o Cabo de S. Marta, em latitude aproximada de 26°.
Êste pomo representa o limite da região portuguesa conhecida então; daqui em diante a costa inflecte-se
em sentido sueste muilo diverso do real, e está figurada convencionalmente. ^
Na parte espanhola do traçado, ao sul do gôlfo de ias Perlas, nola-se o Cabo Deseado e a
seguir um curso fluvial de grande bôca, sem nome e sem ilhas visíveis, pois que os sinais nela anotados
representam baixios, bem como os situados ao longo da cosia. Baslante mais adiante está o Rio grande,
com várias ilhas na foz muilo ampla; lendo a inscrição suplementar todo este mar he de agua doçe. e
quási no extrêmo, marcado com os leões de Castela, corre outro rio com vasto estuário e diversas
ilhas, lendo-se ao lado canibales e golfo fremosso.
Passando a ocupar-nos da interpretação de tam escassas designações, onde o planisfério de
La Cosa as traz abundantes, observamos que falta por completo a nomenclatura de Pinzon. do mesmo
modo que na sua congénere. Não atinamos com a origem do Cabo Deseado e do Oolfo Fremosso. que
talvez venham de Diego de Lepe. O protótipo português a que recorreu o artista de Cantino estava
baseado em informações de proveniência espanhola mas diferentes das que serviram a La Cosa e
ao seu corrector.
O Rio grande é sem dúvida o Orinoco, geralmente conhecido por esta designação, e corres-
ponde ao G de S' m/-». Harrisse que em 1883 se pronunciou por esta identificação, mudou posterior-
mente de parecer, pois diz em 1892 que é indubitávelmente o Amazonas C"), mas é lástima que se
esquecesse de nos expòr os motivos de mudança tam radical. O rio adiante de Cabo Deseado nSo pôde
ser o Orinoco, não só por faltarem as numerosas ilhas de que está crivada a sua vastissima foz. mas
por causa da sua proximidade da ilha da Trindade; demais é Inacreditável que os espanhóis deixassem
sem nome algum o volumoso rio, que a algumas léguas dentro do mar lhe torna doces as águas
salgadas. Se o Rio grande fósse o Amazonas, êste fenómeno, que tanto impressionou os exploradores,
deveria ser mencionado duas vezes; além disto, circunstância de pêso, não estão representadas as duas
embocaduras do rio brasileiro.
As latitudes de Camino estão muito erradas na parte dos descobrimentos espanhóis, bem
como as de La Cosa; todavia a da ilha da Trindade, fixada nuns li" boreais, está mais perlo da
verdade que os 14o.5 do biscainho. O Rio grande dista 5o da ilha da Trindade, pois está em 6o boreais,
e 130.5 do Cabo de S. Jorge que é o de S. Agostinho, senão outro próximo e mais ao norte; o Orinoco
dista realmente da ilha cêrca de 2». e \7o do cabo. Mas o Amazonas está separado por IQo.S da ilha e
8o do cabo; não pôde portanto confundÍr-se com o Rio grande, em que as distâncias têm uma relação
de grandeza Inversa. Como se vê, a latitude deste rio está puxada mais ao sul do que devia, estando o
cabo português fixado com mais exactidão.
O Golfo fremosso deve ser o Essequibo, torrente caudalosa ao sul do Orinoco cujo largo
desaguadouro abriga diversas ilhas, e cujas margens foram infestadas até muito tarde por Caribes ou
canibales. de que ainda existem restos no interior. Se o Rio grande designasse a foz ocidental do
Amazonas, sô caberia Golfo fremosso à foz oriental, rio do Pará, que tem a mais larga foz existente ao
sul; mas a isto se opõem a extensa porção de costa que os separa no mapa e não pôde representar a
Ilha de Marajó, e o facto de no gôlfo não haver ilhas. Recusamo-nos a ver neste a foz do Mearim no
achial Maranhão, cuja latitude é de 2o.5 austrais e não de 6o boreais, tais como os traz o mapa na
abertura do gôlfo.
Resumindo, Encontramos em Cantino, como em La Cosa, as mesmas duas vastas embocaduras
nos lados de um grande ângulo obtuso que faz. grosso modo, a costa desde a ilha da Trindade até o
cabo d Orange (ou o de S. André, mais ao norte), mas com o rumo do segundo lado alterado e diversa
posição dos grandes nos. Segundo o nosso modo de ver. estes são o Orinoco e o Essequibo, de
maneira alguma o Amazonas, que foi descoberto depois da ultimação do planisfério e está compreen-
dido na linha convencional que desce até o Cabo de S. Jorge
Les Corte ResI, pig. 78. The áescovery of Norlh Amerra. plg. 318. nota 50.
176
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DORRASff
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUOIIFSA DO BRASI
A urta conhecida como de Pedro Manir, por ler sido inserta em parte da edicSo das /Díri>rf,.
com uma . do .ufor. remonta a .51 , (•'% Ela apenas ,raz no norSeste da Aménca meHdioM
denomnu,..., p.„>, midaa. grande e r. de cruz. A úl.ima é o cabo de S C,^ mafs
urde des,gn,d. , Ago^.^nK.; <,uan.o ao r grande, temos à escolha o Orinoco ou o Amaiona
que í a In gerai, seguida, i Mas como explicar então que não esteja representado o
P' > no. com uma enorme foz. conhecida em IJIl e que dera tanto na «ista dos espanhóis Além
d .10 „gur. no htoral desde a ilha da Trindade até o r. grande uma linha continua de baixios ine.pt
cá- e o Amazonas, mas perfeitamente admissível se é o Orinoco, pois a cos^a â aoadica ao
^ cercada d. H,,„.n, de lôdo e areia. O rumo da costa, que é mui?o " L actma dô
as. é na carta sen o noroeste acima do grande, pondo de parte a li9e"ra encurvacão
NO a.se que nâo Itgura o equivalente do Galfo Iremosso de Cantino, a-pesar dêste mapa er Se 9 anos
r ZT ° ' """"" i-portanle ao sul do
O que principalmente incutiu a identificação do arande com o Ama7nnac « «3
Ormoco (oi a proximidade de c. de cruz. onde a costa muda b™s«men " de d" mas éste^rctõ
provém da Ignorância dos espanhóis quanto à verdadeira posição do cabo de S Cr,°' Th!, i ! , f
1: ■ -"i'""" às suas descoberta.' SeVspú o na /.«ía ( 505 ou 50^
V. a parti do gôl lo de P r"' con ma TT. """TT ° '"''"^
....:z.ra^é::~B£r?á^^^^
« mesma, do mapa de ban tino Quisi loco a LoT T' '«o
■ 1 O cartógrafo ligou pois estas tetías de Salit " rr"" Portuguesas pertencentes
, do litoral onde e^;. o A^z^ ^o^Zeíl^/LrSsírllliSTf n^^C:
mundi e duma' "gt^a^stronàmifa com"tábuaTc;cí^.''•^'"" -'-P-''^''»^ ^e um mapa-
ano de 1508. Daqui srcondu aue nSo ,^^^^^ cronológicas, em cuia explicação se toma para exemplo o
P-^n e Dias-delourafnre e Honl" TíLteT vtata" " TV"''"'" '"''"'"''^
que 03 porlulanos sâo posteriores a ês^e ún,rJ = ' ™ '508-09. loma se
dois navegadores a Espanha Duas delas r-n,... ' '"^ '"^^ 'o^n^ram os
.0 sul de Porto Seguro e do Monfe P«chóa ( Tsâo\ ,'^''r"" """"""^ "
In-perleíta; as ilhas Cuba Hispan"ola ^^iW „i i' if^ ? n'"'^ """"^ * ' configuração das terras é
formas fantásticas. nÍo Tm ««t íe Jt^tud« '°. "'"'l -'""""^ ^ ^"""'"^
o, notando quo s Anilo de Cabo UerT /f'! T""'? ' """S^-^es lerse há ideia da sua
Nicou, '^"^o£:;;rr„,'^^^^ « SSrTdíu^^So S S"""*™" * inadmissível de «
NORDESTE DA AMÉRICA MERIDIONAL DESDE PÁRIA ATÉ O CSSEQUIDO
(EXTRACTO CM CARTA N-> l»l DO ALMÍRANTADO ■RnAflICO»
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
ou mais das actuais ilhas Antilhas e nunca aplicada ao continente C"). Se a execução material é cuidada,
como di. Slevenson no ligeiro estudo que dfile faz, é certo que o documento tem pequeno valor
cartosráfico.
O fado característico da parte do traçado que vém do goifo de Pária fcolpho de parias) até
o cabo de S. Agostinho (c. de s. augustino) é a presença de uma grande abertura, (colpho grande),
tendo mais ao sul outra menor (golfo de mttchas b.isas). ainda assim mais pronunciada que a de
qualq-.er outro rio; entre elas e no interior está a legenda Terra SancLv Cnicis. Sào as duas emboca-
duras lue se encontram nos mapas de La Cosa e Cantino, e ainda noutros subsequentes. E' opinião
prevalescente que na primeira se quere representar a foz do Amazonas, sendo talvez a segunda o
Maranhão dos portugueses ('"); todavia semelhante interpretação n3o resiste a um exame acurado.
Com efeito, a cosia figurada, que. a partir do gôlío de Pária, segue primeiro o rumo de leste,
toma depois o de lessuesle até o colpho grande, ao passo que a verdadeira direcção dela sofre até o
An.azonas variadas inflexões, oscilando entre o leste e o sul. Se o giganlesco rio brasileiro é represen-
. Jo pelo colpho grande, falta na carta o Orinoco, pois 6 inadmissível que êste seja qualquer dos
pequenos cursos d'água desenhados adianic do colpho de Pária (*'•). Além disso, o Amazonas tem duas
embocaduras e o colpho tem só uma, e a configuração das suas margens é totalmente diversa da que
na realidade se nos oítjrece. O interior do colpho grande foi visilado, como demonstra a quantidade de
rios afluentes figurados e nomes, que traem, à vista do calendário, «ma exploração de janeiro a março,
com certeza posterior a 1500. Deviam pois os descobridores ter tomado conhecimento da grande ilha
iwraió, se se trata do Amazonas. A ausência dela indica que o colpho de muchus b.isas nio é o rio
do Pará, nem aliás êstc tem baixios; e por igual motivo nâo pôde também ser a baía do Maranhão ou
Mearim, que é dividida em duas balas distintas pela ilha de S. Luis. O colpho grande deve ser o
Orinoco, e o de muchae basas o Essequibo. em cuja entrada há bastantes baixios.
A inscrição Terra Sancdv Crucis. indevidamente deslocada para o ocidente, não implica de
lacto que os dois golfos pertençam ao Brasil, da mesma sorte que a palavra Aníiglia, colocada ao longo
da costa do actual estado de Venezuela, não quere dizer que ela jamais fõsse conhecida sob esta
designação. O cartógrafo sabia da existência das terras de Santa Cruz, cuja costa nos apresenta desde o
c. de s. augustino. por 6«> de latitude sul, até asborosas, por 19^: mas lígou-as erradamente com as
descobertas pelos espanhóis, suprimindo uma boa parte do litoral desconhecido.
Se s. marta da cólon é S. filaria de la Consolación, como atrás se aventou, a ligação fôz-se
nesse cabo. A s. maria, que está logo a ocidente de s. niaria da cólon, assim o atesta, pois ela é uma
das várias 5. fiíaria portuguesas que registam os antigos mapas acima do cabo de S. Cruz ou S. Agos-
tinho. No de Canério vem s. maria de gracia (N. Senhora da Craça) e 5. maria de rábida (N. Senhora
da Arrábida); no de Pilestrina sta m datafa^a (N. Senhora da Atalaia); no de Kunstmann II s. maria
djgoodia (£N. Senhora da Guarda? ida Aguada? cda Agonia?); no de Vesconte di Maiollo (1527)
s. marta de goardia (N. Senhora da Cuarda). A ponta descoberta por Pinzon não é contudo S. Agos-
tinho, a pesar da sua latitude de 8° ser quási exacta, ou melhor, precisamente por causa desta grande
aproximação. Não existe, além desta problemática coincidência, nenhuma outra pertencente à nomenclatura
de Pinzon, nem à conhecida de Diego de Lepe; e, facto a assinalar, falta o Marahon, o grande rio do
espantoso estuário.
No planisfério que acompanha os porlulanos esli Anliglu na costa da América meridional vottjda ao Padticol
(••) Denucé, The discovery ot the norlh coasi o! South AmerícJ according to an anonymoui map in lhe Drítish
A\useum, The Geographícal Journal. 2.« vol. de 1910. O aulor. alím de incorrer em basfantes *rroa de lacto, abalança-se ■
identllicações bem extravagantes. Assfm faz mariatambal de S. Marta candriar. que é aimplesmcnrc S. Maria da Candelária,
celebrada na Purificação, a 2 dc Icvcrelro.
p*) Segundo Slevenson. no ligeiro estudo que laz dos poriuiano», a foz do Orinoco, ou é o denteado a seguir
ao c. de s. vteenlio diante do qual estio Inscntos dois nomes de phias e nlo desemboca rio algum, ou enllo í o imediato
em que desembocam dois riosinhos. entre 03 quai* está uma plaia. O que Jeva a csla última inlcrprcuçio é provávclmt-nte o
monte de la trinídad. satjido que para o Sul do Cano àe Vjgre nlo hi montanha alguma senão do Orinoco cm diante. Mai
do mesmo modo que o colpho de partjs está inscrito no continente, devendo estar no próprio gòtío, pôde o monte de la Innldad
ter sido trazido, por imperlclOo do cariógralo, da Ilha da Trindade, cm cuia ponta orientti e sul existem os montes dc que
Colombo derivou Ésie nome. Ainda hoje éles conservam a dcaiijnav^o de 1496.
179
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
NTRE a memorável expedição de Vicente Vanez em 1500 e a que êle empreendeu em 1508
com Dias de Solis não contam os livros de mais alguma C"'). e a partir dela até sua
morte em 1514, fallam-nos semelhantemente índldos de que andasse na faina dos desço*
brlmentos. E' inacreditável no entanto que se limitasse tam sòmente àquelas viagens, e na
verdade há notícia de ter havido preparativos para mais duas, nos fins de 1501 e 1505.
Nâo é certa, conquanto a julguemos provável, sua realização; em compensação apurámos a existência
de outra à América austral, cujo itinerário foi sensivelmente o seguido em 1500. Antes de o demonstrar
e para lhe fixarmos a época, se possível, passaremos em revista o que consta da actividade do
audacioso explorador desde 1500 até seu falecimento {'^%
Desde 30 de setembro de 1500, quando regressou da exploração das Guyanas, até 5 de igual
mês do ano seguinte, em que foram celebradas novas capitulações, permaneceu Pinzon em Espanha,
como o dão a entender diversos diplomas oficiais V^); mas o têrmo destas capitulações já se ocupa
minuciosamente das condições em que há de ser executada, dentro dum ano. segunda expedição às
regiões visitadas anteriormente. No diploma de 15 de outubro do mesmo ano lemos mais que Vicente
Pinzon e seus sobrinhos Arias Perez e Diego Fernandez, ao serviço dos reis católicos, vão brevemente
seguir viagem;... os obligastes ã nos servir.., para ayuda al mage que agora hábeis de tornar a hacer
en nuestro servido... ("*).
Resulta pois indubitável que nos útiimos meses de 1501 Pinzon premeditava nova aventura,
ao correr da qual tomaria posse in loco do cargo de governador, em que fôra investido pelo têrmo
citado. Como seria singular que o alto funcionário não lograsse tornar efectiva a mercê, abandonando
desde logo à avidez alheia a província recentemente adquirida a Castela, supomos que a viagem
realmente se fêz, tendo Pinzon em 1502 visto pela segunda vez 5. Maria de ta Consolación e S. Maria
dei mar dulce. t
A circunstância que vamos apontar vém confirmar nossa crença. O diploma de 15 de outubro
de I50I, do qual transcrevemos a referência à viagem projectada, diz-nos que nela haviam de ir Arias
Perez e Diego Fernandez, sobrinhos de Pinzon, que já o tinham acompanhado em 1500. Ora dos
depoimentos dêstes marítimos nas Probanzas se deduz que êles se encontraram na Hispaniola com
Bastidas e La Cosa, vindos da sua frutuosa expedição tam mal terminada (*"')■ Estes descobridores
chegaram à ilha nos fins de 1501 ou princípios de 1502 e zarparam plausívelmente para Espanha por
lodo o mês de julho dêsle ano (*"). podendo pois ser fixada a visita à Hispaniola dos sobrinhos de
Pinzon por lodo o primeiro semestre. E' possível que a visita se não relacionasse com o projecto de
1501, e a presença de Arias Perez e Diego Fernandez dependesse de outro motivo; mas o mais plausível
é que os dois, tendo saído de Castela com o tio, aí por fins de 1501, se encontrassem na possessão
espanhola a tempo de conversar com Bastidas e La Cosa. As afirmações destas duas testemunhas,
especialmente da primeira, não merecem todavia grande crédito. Como quer que se resolva a dúvida,
parece que Pinzon, a julgar da sua pouco clara declaração nas Probanzas (»"»), se achava em Espanha
em setembro de 1502. quando regressaram os dois navegadores na frota de Bobadilla e naufragou a
nau do ex-govcrnador das índias ocidentais.
Nâo há nolícias dêle, à míngua de documentação, desde essa data até agosto de 1504. em que
assistiu na Hispaniola ao desembarque de Colombo na sua última e malfadada viagem ("')■ Pode ler se
dado o caso de Pinzon passar pela ilha no decurso de uma excursão de descobrimento; moslraremos
&it>emos nlJ t^r l^^L} ^- l' '^'"^ '"' '"-^^ * ^'"^ menciona apenas as duas. alem dc outra em IS06 que
dL J^^h', . ""'"^'"^ n^rntse (Tonbio de Medina, juan D.js de Sohs. lòmo I. páq. XCIX). Nada
ími SnJa7c Pinzon -'^^ pro.ecrada em IMl (id íd,. p.lg. 39). e só a propósito de Manuel de Valíovinos fala de
ífo há Sjlo alaum r; n^l"^^ 'd-, .d.. p.t9. 5í(), Também cila uina de 1507 com Dias de Solis de que
nao na vesnató alaum e e proy..volmunlc imaginária (liibliotccj mantima. diaçào de Harrisse. op. cit , pão. 731)
« Nlví^Vf/nn^^rlf ^ ^^R' «"^ «"^ quais^crescenlamos algo.
doe. XII de pio. ^ Jlzx.vllíii. ' ^" « ><Lin dc pig. 514. de 20- VI - 1501 ; tòmo II.
Id . tômo III, p3g Ío2.
(^) No A'u^ndice [i, respostas à 6* pregunta.
!«! ' ^- f*sposia8 i 6.- pregunta.
^) I o 111, pSg. 102.
(*•) Apêndice B. resposta i 9.« premunia.
180
os FALSOS PRECURSORES DE Al.VARES CABRAL
Tní^. Urlrn..! í Tl""*' '^"''^ ^"^'"^ =9°^'° '504 e principios de 1505 registamos
outra lacuna nestas efemérides: mas já em fevereiro Vicente Vai^ez parava em Espanha e desde
então até novembro do mesmo ano lhe podemos acompanhar os passos neste país. A 24 de março loi
expedido em seu favor o alvará da alcaidia de uma fortaleza a construir em S. Juan (Porto Rico hoje
e pnmmvamente Donquen). e a 24 de abril o de capitão e corregedor da ilha. celebrando se no mesmo
oia capitulações para o povoamento dela e para a expedição correspondente, na qual havia de partir
dentro de um ano ( n Ignoramos se o fèz. mas é de crer que sim; efectivamente Pinzon. que solicitou
o governo de 5. Juan. fundando-se em que fòra o primeiro a ai encontrar ouro V ). não daria de mâo
laciimente ao projecto de se instalar nas suas novas funções e de tentar a exploração do apetecido
meial. A favor do nosso modo de ver invocamos a provisão régia de 28 de outubro de 1505. na qual
se lè que Pmzon estabj para ir en mi semeio numa caravela para tal fretada; o proprietário porém
embargou-tha. motivo pelo qual não pôde partir, acudindo lhe a rainha D. luana. que mandou fôssc
diligentemenie lulgado o embargo (»-). Da mesma sorte que nos fins de 1501. nos de 150S se preparava
o capitão para demandar os mares, sendo provável que desta vez, como da outra, a tentativa fôsse
levada a cabo.
Quer se promovesse, quer não. o povoamento de S. Juan. certo é que em agosto do ano
seguinte de 1506 o vemos em Espanha, empenhado na expedição à terra da cspeceha que o rei de
Castela pretendeu armar ('"). Este proieclo |á fòra laboriosamente considerado em 1505, estando néle
interessado Vicente Pinzon e Américo Vespúcio. mas íôra adiado por dificuldades quaisquer ("*).
Retomado mais tarde, houve necessidade de o abandonar definitivamente em outubro de 1507 em
virtude das reclamações del-rei D. Manuel, que se mostrou disposto a não consentir na invasão dos
seus dommios (""). O monarca castelhano achou então de melhor aviso procurar o estreito ou canal
aberto que os marítimos espanhóis julgavam existir a ocidente de Cuba. à procura do qual já Colombo
andara na sua última exploração costeira, ai alto viage. Foram ouvidos Vespúcio. ]uan de la Cosa.
Pinzon e Dias de Solis, e das conversações resultou a viagem destes dois últimos em 1508 - 1509 (•*•).
Do povoamento de S. ]uãn não curou mais Vicente Vancz. pois em agosto de 1509 foi provido
interinamente, e mais tarde definitivamente, o govêrno da ilha em ]uan Ponce de Leon, futuro redescobridor
da Flórida C'*^'). A exploração dos pilotos, castelhano e português, emparceirados sob o comando naval
do segundo e terrestre do primeiro, durou até outubro de 1509. dai em diante até o ano da sua
morte só há novas de Pinzon em fevereiro de 1513, quando êle depôs em Sevilha no processo de
Diego Colombo, e ainda uma vaga referência em 1514
Temos assim limitado, à face de dados oficiais ou extraídos das Probamas. a quatro os
períodos denlro dos quais podemos nulrir esperanças de desencantar qualquer viagem ainda não
estudada do famoso nauta. São os seguintes: 1.° entre novembro de 1501 e setembro de 1502 ; 2.o entre
esta última data e princípios de 1505. notando que em agosto de 1504 ele se encontrava na Hispaniola;
3.0 entre novembro de 1505 e julho de 1506; 4° entre 1510 e 1513. Atrás ficou já dito que no primeiro
e terceiro períodos são prováveis duas expedições: vamos agora ver que êle fêz no segundo outra
visita à mesma região já explorada em 1500, da qual não havia até agora conhecimento.
Para tal fim recorreremos às Probamas dei fiscal e dei almirante, designadas na sequente
Navarrele, op. dl., tâmo III. pág. 112.
Navarrete, Id., id.. pá9. 102: Documentas inéditos dc lndi»s, l6mo XXXI da l.« tértc. pig. 295 c 2J9.
(*) Mártir. Década It. livro 8.<>.
C"*) Navarrete, op. e I6m. dl., pág. II3.
(txj Documenfos inéditos de índias, tòmo XXXIX da I • síric. p^s- 138.
(■*") Navarrete, op. c tòm. dl., páS' 302. documentos rctcrcntes ao mcnsaseiro Pedro de Miranda; Documentos
inéditos de índias, tômo cit.. pág, 283 c 3«6.
Tohbio de Medina, op. dt.. tÒmo I. pig. CXXVli e CXV.
(»>) Ibld.. Ibld.
(*») Documentos inéditos de índias, tômo XXXt da 1.» sírie.
(^) Harrisse dia (op. dl., pig. 731) a seguinte passagem doa manuscritos de MuAoz: 'Desde 3 hasta 14 tebf
y abril 14. 1514, se attomn cuntidades a Vicente Vúiiez Fimon, puoto de $. A., destinadas para la armada que va a tierra
firme, la qual se despac/iai/a em San Lucar por mayo (LXXV, págs. 239 e 319) ilria Pinzon na Ireia?
181
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
análise respectivameníe pelas iniciais F e A (""-). mas preliminarmente imporia assentar no grau de
confiança que merecem as testemunhas consultadas. A figura principal do pleito, em tômo da qual se
agita a paixão rancorosa ou louvaminheira, é Cristóvam Colombo, de sorte que é de elementar prudência
suspeitar da veracidade e imparcialidade dos depoentes, de uma e outra das partes, quando se ocupam
dos feitos do grande genovês. Na verdade, certas declarações são visivelmente malévolas ou tendenciosas;
doutras se tem demonstrado a falsidade, quer consciente, quer resultante de confusão, sendo de notar
a do próprio Vicente Pinzon quando se pronuncia sôbre o descobrimento de Pária, a cuja época êle
reporta menlirosamenie a sua viagem de 1499 (*""). Mas quando as testemunhas tratam dêste capitão,
personagem secundária a-pesar da sua jactância, suas palavras não estão sujeitas à mesma desconfiança,
e em maléria de factos por elas presenciados são dignas de fé. Há que descontar, bem entendido, as
amplificações c vanglórias, as infidelidades de memória e a incultura dos rudes marítimos chamados à
barra, senão alé mesmo a dos escrivães que resumiram os depoimentos.
Começaremos por Alonso de Hojeda. O fidalgo de Cuenca declara (F, pregunta 7») que viu
Vicente Vaftez yr a descubrír e viu a carta de marear por êle trazida. Ora quando Pinzon zarpou nos
fins de novembro de 1499, já Hoieda eslava há perto de três meses na Hispaniola, de volta da sua
excursão pela costa de Venezuela, iniciada na primavera, e quando Pinzon chegou por seu turno a
Hispaniola. em 23 de junho de 1500, estava já Hojeda em Espanha havia tempo. Desde a primavera de
1499 até outubro do ano seguinte não sc avistaram os dois navegadores, nem podia Hojeda ter assistido
à partida do seu camarada em expedição alguma, quer de Espanha, quer da Hispaniola. A viagem de
Pinzon a que se refere o destemido e cruel fidalgo não é pois a primeira de 1499; foi outra, realizada
às paragens então visitadas, pois a estas sc refere a 7.> pregunta do fiscal.
Sabe-se que Hojeda, depois da sua primeira expedição em 1499, só permaneceu eni Espanha;
l.o entre junho de 1500 e janeiro de 1502 em' que partiu para a segunda; 2.o*desde mês incerto de
1503, posterior a junho, até depois de 10 de março de 1505 em que começou a terceira; 3.° em 1506
ou depois, de regresso desta, e antes de 1508, em que o vemos instalado na Hispaniola, donde iniciou
a sua quarta e última aventura no decurso da qual morreu o célebre Juan de Ia Cosa. Conjugando as
duas efemérides de Hojeda e Pinzon, concluímos então que a viagem, em vista, do segundo capitão se
realizou necessártamente numa das duas épocas seguintes: l.o antes de janeiro de 1502; 2.0 entre julho
de 1503 e agosto de 1504. em que Pinzon estava na Hispaniola, sendo certa a sua permanência em
Espanha enire os princípios de 1505 c novembro. E' visível que em 1506 poderia apenas Hojeda tê-lo
visto chegar e não partir.
Anton Garcia, companheiro do comendador Alonso Vellez de Mendoza (F, 8.") diz que Vicente
Vaf^ez e Diego de Lepe salieron /untos com êle, o que apenas quere significar pequena diferença nas
datas de partida. Ao mesmo tempo declara (F, 3.*) ter assistido ao desembarque de Niiio e Guerra (6
de abril de 1500), e estar em Castela (F, 6.") quando despacharam Bastidas e La Cosa (5 de junho
de 1500); passou pois em Espanha tòda a primavera de 1500. Ora o comendador capitulou cm 20 de
julho de 1500 e o ajuste final terminou em 18 de agosto O"'); só depois disto poderia tor Anton Garcia
navegado com êle. Sabendo-se que Pinzon partiu em fins de novembro de 1499, não é possível que o
marinheiro se quisesse referir a esta viagem, dando a como quási simultânea com a empreendida depois
de 18 de agosto de 1500; estamos pois em presença doutra.
Aliás a testemunha ]uan de Xerez é mais explícita quanto às três expedições, iniciadas com
curto intervalo. Diz êle (F, 8.') que quando Diego de Lepe zarpou de Paios, Pinzon concluía os aprestos
para a viagem na qual o depoente foi por pilòto. e Alonso Vellez seguiu quatro ou cinco meses depois.
E' impossível que esta viagem de Pinzon íôsse a de 1499. pois vemos Alonso Vellez em Espanha a 5
de junho de 1500 C"*); não podia, portanto, o comendador ter ido a descobrir em março ou abri! de
1500. quatro ou cinco meses depois da partida de Pinzon, nem consta de explorações algumas dêle
anteriores às capitulações de 1500, que não se referem a elas, como era praxe.
Os depoimentos a que recorremos cstao no Apêndice 8.
do Intcrroflaíório loTllTtl^Ul^^^^ ^ '""3""'"' "-"^ " observações de Navarrete ao resultado
Navarrete, op. dl,, tômo 11, doe, CXXXV, a pâg. M7.
(*"J Navarrete, op. clt-, lõnio 111. pág. 23.
182
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
um estudo «SeciaU-l rh'r/'H''*l"''- navegações de Alonso Vellez. às quais consagramos
rfirlprpmnc ■ "3msse a atribuír lhe qualro. embora sem firmeza. (""). A primeira
oa a oue caoHu o ^"^P^"^ Navarrete, e não sabemos se ao cer.o se realizou que a
nr.^^L / / . ^ P*^"' ^"^^ probabilidades em favor. A terceira para a qual foi
íTlli^VZ ""^^ ""^ ^''i^^^^o ^« povoamento e acessóriamen.e de desço
olr^u lu.n H. " ^^«^nador Nicolas d Ovando. comendador de Lares, e depois de Alcantara.
Bobadil a em ..fp^' ? " ''''' ^^3rcssando a Espanha na frota em que vinha
Pnr .-H 1 A, u M P'^'*^ P°^'^"'«- '502 a tríplice expedição,
em Qurseoufu n„ ,''"';''"r?'"* P"'""^' ' ^"^^'^ ^'^^em em 1503. e bem p6de esta ser aquela
desta hiptee ^° ""'P' ' '^^^^"'^ encontraremos confirmação
m;nn.iA«=.*^^"^'"^°"5'^ Fcrrando, testemunha reconhecidamente verídica, é ao mesmo tempo bastante
Z JlZr:, L 'leP^o""^»*) e o mais longo de todos os prestados. Foi como escribano de S. Alteza
JJrTZ f ° ^ ^'í- Se esta fosse a de 1499 teria com certeza
menc onado o naufrágio e a perda de dois navios, subsequentes à estada dos expedicionários na
Mispan.ola: mas nao se refere ao importante acontecimento e em compensaçáo alonga se na descrição
do grave risco que sofreram à conta de uns baixios aos quais impuseram o nome Doca de los leonês
O silencio nào é explicável por Ferrando ter ficado na Hispaniola, sem seguir com o seu chefe
porquanto as funções que êle exercia de escrivão oficial forçavam-no a acompanha-lo. Objeclar se há
que a omissão do naufrágio não basta para provar que o físico não navegou com Pinzon cm 1500 e
pôde cilar-se por exemplo Pedro Ramirez, testemunha que igualmente o esquece e segundo tudo indica
foi presente nesta viagem ("); mas temos outras razões a invocar em abôno do asserto. Declarou o
escrivão que com êle foram por pilotos Juan de Xerez. Juan de Umbria e otro vecino de $. Juan dei
luerto. cuio nome lhe não lembrava C''); ora as declarações dos dois citados mostram à evidência que
a expedição por éles pilotada nào foi a famosa de 1500. mas outra posterior.
Efectivamente Juan de Umbria, que acompanhou Pinzon (F. 7.»). loi também por pilôto na
expedição de dois navios de Pedro Coronel à Hispaniola. que começou a 23 de janeiro de 1498 c
terminou em 6 de fevereiro de 1500 (^■^); não partiu portanto com Vicente Vai^ez em fins de novembro
de 1499. E' certo que êle podia, abandonando Coronel, ter regressado a Espanha antes desta data; mas
no seu depoimento informa-nos de que estava em Sevilha quando voltaram Nirio e Guerra do resgate
das pérolas (6 de abril de 1500). acrescentando que os dois foram derechos a Sevilha, e tendo-os o
pilôto visto prestar contas ao bispo de Córdova, D. Juan da Fonseca (F. 4.'). Daqui se deduz, sem
sombra de dúvida, que Juan de Umbria estava em Espanha na primavera de 1500, ao tempo cm que
Pinzon velejava pelas Guyanas.
O pllôlo Juan de Xerez dá-nos bastantes esclarecimenlos dos quais se apuram datas. Conta-nos
êle que demorava na Hispaniola quando Niiio e Guerra foram a descobrir (primavera de 1499), e mais
tarde achou-se em Sevilha, falou com éles e viu as pérolas trazidas (F. 3.'). Conquanto seja provável
t;ue a entrevista tivesse lugar quando os dois exploradores da Costa de perlas prestaram contas ao
Oooooooooooooo
(»^ Veja-s« 3 «ccçlo A supposta viagem de Alonso VeUez cm 1499-1500.
Op. dt.. pig 660. 682, 691 e 694.
(•") Os dois argumentos em favor desta afirmação s-lor a dura(;ao da travessia do AlUntlco. Indicada pe!o mari-
nheiro, comddenle com a de Mártir, e que é pouco nalursi se repelisse; <r a presença n4 expcdlçio dos filhos de Diego
Marlln. que presumimos se desse em 1499. O segundo dá contudo lugar a hesitações. Diego Prieto (o mesmo Diego Penlon
das Prob.inz.is de Navarrete, piq. 552). que loi com Pin/on. mcncioiía apenas Diego Marlln. sem lalar nos filfio» (F 2 o)
acrescentando que Islo se passou um ano depois da descol íria dc Pária por Colombo, querc dizer eni 1459 Note->e poriím
que os enganos dc ano e mais sâo frequentes nos depoimentos- Rodrigo Alvarez {A. 14 •) conta que com Pínion loram Diego
Martin Pinçon e um lilho chamado Danolome Martin; Manuel de Valdovinos (F. 2.o) diz que estavam Diego Marlln. de Palo*
e seus filhos Juan Martin e Francisco Marlln- Nâo seria dc surpreender que o pai só acompanhaaec Pinzon depois da prlmelrá
viagem, ou enião cm mais duma. deixando- nos perplexo na escolha.
(»'») Talvez luan Quintero, que foi pilôto dc Pinzon. segundo afirma Juan de Xerez (A. 8.» e 14.*). Note-ae que
ésie. Interrogado nas ProbJnzjs dei Almirante, diz ler sido a primeira viagem dc descobrimento do caplllo castelhano aqueU
em que lof por pilòlo déle. em contradlç^to com várias passagens das sus» declarações quando depôs a mandado do flscal
Esle equivoco nlo ò único nas Probãnz.is, e deriva de Ignorância, i qual m iunla o desejo de dai ImporlAnda i viagem.
(*») Harrisse. op. dl., pág. 616. citando Fernando Colombo e Las Casat,
183
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
bispo de Cóvdova (abril ou maio de 1500) ou nas proximidades, é possível que fôsse posterior a 30
de setembro de 1500. e neste caso podia 3uan de Xerez ter seguido com Pinzon no ano anterior. Mas
o pilôto assevera que eslava em Alcalá de Hcnares com Hojeda e La Cosa quando foram despachados
março de 1499?) e os acompanhou a Sevilha, e depois da partida dêles do Puerto de S. Maria dende
a ocho meses, poco mas o menos, los vido bolver a Sevilla cargados con índios, e vido este testigo la
carta de )uan de la Cosa que hizo en aqual viage (F. 5."). Como os dois voltaram a Espanha na
primavera de 1500, ctaro está que }uan de Xerez (embora haja eqúivoco nos ocho meses) se declara
também em Sevilha por essa ocasião ou pouco depois; não podia pois o pilôto ter andado com Pinzon
em 1499-1500, do mesmo modo que o seu colega Juan de Umbria e o escrivão Ferrando.
A testemunha informa, oulrosim. de que se encontrava em Castela quando Bastidas e La Cosa
zarparam (outubro de 1500) e depois veio a fiispaniola na frota do comendador mór de Alcantara
Nicolas d'Ovando (fevereiro a abril de 1502), achando nesta ilha os dois navegadores com quem
regressou a Castela em setembro do mesmo 1502 (F, 6.»). A viagem feita com Pinzon não pôde portanto
ser aquela cuja possibilidade fixamos enire novembro de 1501 e setembro de 1502, e por outro lado
não deve ser a que o extremado nauta talvez efectuasse entre novembro de 1505 e julho de 1506,
porquanto éle se destinava ao povoamento de 5. Juan e acessóriamente a ver terras novas, e nós
sabemos, ao contrário dos depoimentos de ]uan de Xerez, Juan de Umbria e Garcia Fenando, que
Vicente Vaftez se dirigiu às (erras novas onde se demorou e só subsidiáriamente teria ido a S. Juan.
Restam nos pois dois períodos, dos quatro que indicamos nas efemérides de Pinzon. nos quais é de
localizar a expedição sub judice: l.» entre setembro de 1502 e princípios de 1505; 2° entre 1510 e 1513.
Poremos de parie o segundo, por tardio; aliás é natural que Juan de Xerez, depondo na
Híspaniola em junho de 1512, se referisse à viagem recentíssima com Pinzon se ela se tivesse realizado
então. Por exclusão de partes deduz se pois que este pilôlo navegou com o arrojado capitão no lapso
decorrido entre setembro de 1502 e princípios de 1505; mas ainda aí é possível uma limitação. Juan de
Xerez dá-nos a notícia de que tomou da Híspaniola a Espanha em agosto de 1504 no navio que trouxe
Colombo da sua última viagem (F, 9.») ("*), e por outra banda Pinzon e o seu sobrinho Arias Perez
Pinzon afirmam que na mesma ocasião se encontravam naquela ilha (F, 9.»). Julgamo-nos pois suficiente-
mente autorizados a deduzir que Pinzon, tendo-se feito ao mar em 1503 depois do mês de julho, tinha
terminado a sua exploração na Híspaniola em agosto de 1504, sendo então abandonado pelo seu pilôto
]uan de Xerez que regressou a Espanha. O que deixamos dito àcêrca de Hojeda ratifica a conclusão.
Como quer que seja, as cinco testemunhas cujas declarações invocamos atestam exuberante-
mente o engano dos historiadores quando assentam em que Vicente Vafiez só duas vezes, em 1500 a
1509, visitara o nordeste da América austral. Dando de barato a viagem de 1509. a respeito da qual o
silêncio dos depoentes das Probanzas dei fiscal tira autoridade ao ininteligível relato de Mártir nos
livros 7.0 e 8.0 da Década II. não é possível conteslar a existência de outra que presumivelmente se
realizou entre 1503 e 1504. mas são plausíveis ainda mais duas, entre novembro de 1501 e agosto de
1502. e entre novembro de 1505 e julho de 1506 para as quais seguramente houve preparativos (*'*).
Quanto àquelas que podiam ter ocorrido entre 1510 e 1513. nenhuma indicação possuímos ("').
São escassos os dados que nos fornecem, àcêrca da expedição de 1503- 1504, as poucas
testemunhas ao certo nela participantes, cuias declarações nos revelam sensivelmente o mesmo itinerário
da de 1499- 1500. Eram quatro os navios (depoimento de Garcia Ferrando), e partiram de Saltes (dep.
de Juan de Umbria), lendo tocado no arquipélago de Cabo Verde. Diego Fernandez Colmenero, sobrinho
A u i A * ^ <'0'l'»«»ca-s« quando diz que dc Sevilha viu Ir a descobrir Colombo na sua última viagem em II
I nw A A "O* *'« cheaou à Híspaniola em abril dfste ano na frota d'Ovando. O almiranic passou primeiro
peia Ilha donde partiu em M de Julho, época cm que ]uan de Xerez ainda lá estava, pois partiu com liastidas para Espanha
onae cticaou em setembro. Nesta viagem houve o naufrágio de pane da Irola, perecendo o ex- governador Bobadilla
com multa geme. '
Di^.^^.f.A "^"i " «le sfembro de 1519. que concede escudo de armas aos descendentes e parentes
aS. . ? ' ílguns querrdo deduzir a existência de uma expedição ao Drasjl de Vicente Vaftez; mas nós cuidamos que
eie SC f uina de Diego de Upe. Veja-se a secção subscqucnie sob o titulo O escudo de armas dos Pimones.
m.7 * »..iAiÀJ àiz (Apendiw t) que Pinzon qucna yr a le poblar (o Maranon). pero excusóselo la muertc ano de
\í\Tol \l\\ " indicação, de duvidosa veracidade, pódc inferir-se um proiecto de viagem de povoamento ai
184
COSXA DA AME.RICA DELSOEL
HONDURAS ATÉ AO BRASIL^.
PORTULAXOS DE. ILGE^RTOM «-^803 osio?)
DA a.HA DA TRIXDADE ATÉ AO BRASIL
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
de Pmzon. foi por capitão de um dos navios em 1499. ao que «le diz (F. 3-): nós sabemos ao certo
que ele acompanhou o tio. pelo primeiro diploma citado de 5 de dezembro de 1500. Mais tarde
Colmenero também se propunha seguí-lo. conforme reza o diploma de 15 de outubro de 1501. e «
admissível que o fizesse em 1503- 1504. Sendo assim, ignoramos a qual das viagens se refere o seu
depoimento ou se as envolve todas; há contudo Indícios de que o marítimo nâo tinha em vista apenas
a pn-neira. Com efeito, êle diz (F. 7.*) ter saído da ilha do Fogo (Cabo Verde) para a travessia do
Atlântico: ora em 1500 a partida foi da ilha de Santiago, como sabemos do próprio Pinzon que fala
através de Mártir. E pois mais que provável ter sido a escala pela ilha do Fogo tomada noutra vez.
nao sabemos se em 1503. se em 1501 1502. caso se realizasse esta expedição
j e .4 j^^'^ 'níonna Colmenero que o percurso costeiro até Pária foi de 800 léguas; ora no diploma
de 5 de dezembro de 1500 êle próprio avalia o de então em 600. O pilôto ]uan de Umbria também o
calcula em 800 e Garcia Ferrando em 750. reportando se ao dizer dos pilotos; estamos portanto um
(anto longe das 600 léguas da primeira de 1500. afirmadas no diploma e confirmadas por Mártir em
1501 (Trevisan) e nas duas primeiras edições de 1511 e I5I6. Pela concordância dos dados de Colmenero
e Juan de Umbria. parece que se trata da expedição de 1503 1504. no entanto nâo há que fiar nas
declarações.
Ficamos entendendo, se as 800 léguas foram percorridas na última, que Pinzon desta vez
desembarcou 200 léguas mais ao sul de S. Maria de la Consolación, alargando o âmbito de sua explo-
ração. Esta conclusão é aparentemente contraditada por Garcia Ferrando, cuja memória se apresenta fiel.
e pelo mesmo Colmenero. porquanto ambos dào Rostro Hermoso como o primeiro ponto avistado. Nós
sabemos, de feito, pelo termo das capitulações de 1501. que o lugar assim designado está ao norte e
nâo ao sul do ponto ao qual aportou Pinzon em 1500. S. Maria de la Consolación. Pôde arriscar-se.
como explicação, que 9 capitão espanhol impusesse o nome de Rostro Hermoso a mais de um lugar!
originando por esta fórma a confusão das testemunhas; mas não é necessária a hipótese, desde que
admitamos nelas lapsos de memória, uma vez que foram chamadas a depôr uma dezena de anos depois
do facto. Não soíre dúvida, por exemplo, que falharam as reminiscências de Pedro Ramirez, que tudo
indica ser marinheiro de Pinzon em 1500, pois êle intitula Rostro Hermoso o cabo ao qual arribaram
primeiro (F, 7.«); e mais ainda as de Luís dei Valle, quando alega pertencer a Diego de Lepe esta
denominação (F, 8.*).
Em 1503-1504 Pinzon ainda não chegou a ver o Amazonas, a julgar pelo depoimento de
Garcia Ferrando. Efectivamente, o escrivão relata ter encontrado um rio grande com um mar doce na
foz, mas acrescenta que, lendo se combinado dar la uuelta sobre tierra para si pudiesen saber el secreto
de este rio, chegaram a ocho léguas fasta la tierra. nâo achando sinâ tres brazas de agua e la tierra
anegada e resolvendo não passar adiante por la bajeza de la tierra. Éste pormenor não se deve referir
ao Amazonas, porque êle é mais fundo na sua embocadura a distâncias de terra bem menores que a
indicada, permitindo a aproximação das caravelas, ao passo que é verosímil no Orinoco em cuja margem
esquerda há baixios, que só consentem embarcações de pequeno calado.
A denominação de Paricora (Parisura ou Paritura) aparece pela primeira vez na edição princeps
das Décadas de Mártir, e não figura na versão de Trevisan, como já salientámos; nâo a lemos tampouco
no têrmo das capitulações de 1501. Esta dupla omissão contrasta com a menção de Pinzon no seu
depoimento de I5I3. e significa plausívelmente que o nome foi trazido de viagem posterior a 1500.
talvez da de 1503-1504, com certeza feita, ou então da de 1501-1502, deixada por simplesmente provável
E' igualmente de presumir que, antes do regresso a Espanha, o capitão castelhano em 1503-
1504 passasse pela ilha de 5. Juan (Porto Rico), onde se diz que êle precedera a todos no achado de
ouro (•"). O facto de Pinzon reclamar a capitania da ilha tempos depois de lhe ler sido outorgado
A possível xrfasetn de 1505- 1S06 cslá excluída pelo motivo apontado qtundo nos referimot a etj, analisando
o depolmenlo de Juan dc Xerez.
(*■*) No confuso relato da exploraçlo de IS08- 1&09. nos livros 7.o c 6.0 da segunda Década, diz Marllr ler sido
èstc o motivo Invocado por VIccnie VaAez para pedir ao rei de Castela o govémo da Ilha. Há engano em ilxar ao pedido •
dala de 1609 ou 1510, porque \i vimos que éle lòra callslcilo a 24 de abriJ de 1506.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
em 1501 o govêmo de terras, descobertas no ano precedente, dá a entender que o encontro do precioso
metal em ó'. Juan se realizou em expedição posterior à de 1500. Ora nós só temos à escolha aquela
que êle talvez empreendeu em 1501-1502 e a de 1503-1504; e somos levados a preferir esta pela
proximidade da concessão da capitania da ilha em 1505.
3— DIEGO DE LEPE
NDA errada nos livros e adornada de fábulas a história das proezas marítimas de
Diego de Lepe. Éste homem quási obscuro, cu)a fama em vida foi eclipsada pela
de émulos mais felizes, não logrou alcançar a consagração póstuma das mesmas
gerações imediatas à sua. Só volvido perlo de um século o contemplaram em
leira de fòrma com um quinhão de glória, cmparceÍrando-o no número dos
descobridores do Brasil, logo abaixo de Vicente Pinzon. Por essa época conta
efectivamente Herrera que Diego de Lepe não só visitou as terras ao norte do
cabo de S. Agostinho, seguindo na esteira do seu famoso camarada, mas também
alargara suas pesquisas até mais ao sul.
Pôde dizer se que tudo se ignora do seu nascimento e morte; sabe-se apenas que. aparentado
aos Pinzcns, era vecino de Paios de Moguer (talvez oriundo da vizinha povoação de Lepe). e que morreu
em Portugal em condições desconhecidas. Quanto a seus descobrimentos, os primeiros cronistas das
índias ocidentais, o contemporâneo Mártir, Oviedo e Gomara nada nos dizem dèle e nem sequer lhe
mencionam o nome. que apenas nos surge em Las Casas. Da obra do bispo de Chiapa. trabalhada
entre 1527 e 1561. mas conservada manuscrita por mais de 300 anos, é que Herrera extraiu a imaginosa
narrativa de uma única viagem, atribuída a Diego de Lepe em 1499. Tal foi a origem da sua noto-
riedade europeia.
Mas o caridoso sacerdote cujo nome. enaltecido na defesa dos índios cruelmente maltratados
pelos conquistadores, se obscureceu com preconizar a desumana escravatura negreira, foi buscar suas
informações aos autos do pleito de Diego Colombo, onde pela vez primeira se fala no nosso navegador,
e, interpretando-os a seu talante, ofereceu-nos como resultado de uma expedição o que na realidade
constava de mais algumas. Dos copiosos e ainda não exgotados arquivos espanhóis, com efeito, vieram
depois a lume alguns diplomas que elevam a dois ou três o número conhecido das viagens feitas por
Diego de Lepe ao Novo Mundo, e dos depoimentos das Probanzas dei fiscal se colige que elas
montam a quatro ou cinco.
De positivo, o pobre conjunto de dados seguros que possuímos àcêrca delas apenas permite
inscrever no activo do destemido nauta a descoberta de alguns cabos e rios do nordeste da América
meridional, mas cabe-lhe a honra de ser o primeiro castelhano que visitou o Marahon ou Amazonas.
Essa glória, capaz por si só de lhe gravar o nome na memória dos vindouros, lhe quere contudo
ratinhar o comum dos escritores, pregoeiros parciais a Vicente Pinzon; nem essa lhe querem deixar,
mas tam sòmente uma vaga porção de costa ao sul do cabo de S. Agostinho, nos domínios do rei de
Portugal. E. por desfecho, contam à puridade que expirara na forca a mandado dêste monarca.
Há que destruir a crosta de olvido e injustiça que encobre a figura de Diego de Lepe. Êste
capitão, cujas caravelas se desferiam a ventos ignotos e contrários com tanta galhardia quanto as de
Pmzon. mais favorecido da sorte, foi o verdadeiro descobridor espanhol do Amazonas, e não sofreu
morte ignominiosa no patíbulo. Importa-nos. porém, demonstrar que o feliz achado do maravilhoso rio
se realizou quando já ia em começo o século XVI.
186
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
E bem que nâo escassos em número, são pouco elucidativos os diplomas oficiais relativos a
Diego de Lepe. que íoram desenterrados dos arquivos espanhóis para a publicidade.
Regisiram se seis, um dos quais se reíere a demandas e nâo a viagens. Sio èles, por
ordem cronológica (""):
I.o Real provision para que se baga justicia en la villa de Paios a Diego de
Lepe. vecino de ella, en las demandas que le han puesto. y en las suínas contra sus deudores - 9 de
novembro de 1500.
2.0 Carta de los reyes al obispo de Cordoba para que dé licencia a Diego de Lepe para ir
com tres carabelas á descubrir por donde fué anteriormente— 15 de novembro de 1500.
3.0 Capitulacion de Diego de Lepe- 14 de setembro de 1501.
4. « Real cédula para que Diego de Lepe no lleve más navios que los que tiene capitulados
— 27 de setembro de 1501.
5. » Real cédula prorogando a Diego de Lepe el termino de su asienío — 30 de novembro
de 1500.
6. « Real cédula para que Diego de Lepe además de los cuatro navios pueda tlevar otro
para yr a descubrir— 17 de ianeiro de 1502.
Navarrete, a quem muito provávelmenie só foram presentes os dois primeiros documentos,
duvidou talvez de que a viagem, cuio proieclo consta do segundo, tivesse execução, por isso menciona
apenas uma, cuios pormenores tirou de Las Casas e do seu plagiário Herrera. O bispo de Chiapa, por
seu turno, lirmou se unicamente nas Probanzas dei fiscal, que aliás cita. entendendo as erradamente;
nem èle conhecia o texto completo dos autos, ignorado igualmente por Navarrete, que supunha ambos
os cronistas munidos de outros dados além dos colhidos nos papeis judiciais. Os aulores que se
seguiram ao consciencioso investigador espanhol aceitaram sem hesitar as suas conclusões, e mesmo
após a publicação do volumoso repositório. Documentos inéditos de índias, continuaram a repetir Invariá-
velmente a mesma loada e idènllcas inexactidões. Aqui vamos esmiuçar o que se deduz daqueles
diplomas àcèrca dos feitos náuticos de Diego de Lepe.
Da primeira provisão régia se infere que o capitão eslava em Espanha antes de novembro
de 1500. E' provável que êle recorresse aos monarcas, sollcitando-lhes pronta solução a suas demandas
por ter de partir denlio em breve a descobrir, e, com efeito, vémo-lo seis dias depois alcançar autori-
zação régia para que o bispo de Cordoba D. ]uan de Fonseca lhe concedesse a necessária licença.
Por êste segundo documento se verifica que Diego de Lepe estava então de volta de uma expedição e
projectava outra, com três caravelas e às mesmas paragens. A primeira, a que se reportam os historia-
dores na esteira do fantasioso Las Casas, pôde ler sido iniciada nos princípios de 1500.
Somos forçados a fixar a segunda no prazo compreendido entre novembro de 1500 e setembro
de 1501, mês em que o vèmos de novo capitular. Não sofre dúvida que a viagem se fèz; basta ler com
atenção o doe. 3.°. O explorador é nela autorizado a ir con cuatro navios a descobrir... donde la otra
vez fuysteis, a ver la terra que d.'ScobrysteÍs e vinysteis de nuevo. Assim em 1501, diz a estância
oficial, Diego de Lepe tinha ido e tornado àquelas regiões; a expedição para a qual se lavrara o
assento era por conseguinte a terceira (" )-
Nas capitulações de 14 de setembro de 1501 ficou assente que seriam quatro os navios
consentidos a Diego de Lepe. a cuja saida se marcou todo o mês de novembro próximo; mas o capitão
pretendeu aumenlar-lhes o número, encontrando oposição por parte dos monarcas (doe. 4.o). Mais tarde
prorrogaram-lhe a partida até 28 de dezembro (doe. 5.*>); em 17 de janeiro ainda ela não se efectuara,
pois nesla data lhe foi permitido, afinal, mais um bergantim de 30 ou 31 remos (doe 6.0) ("'}. Indaguemos
agora se o projecto teve execução, perscrutando os tenuíssimos vestígios que nos restam.
(»*) Os dois primeiros constam dc Navarrete, op. dt.. lAmo III, doe V c VI ; ot retiantet dot Dccumeatos
inéditos de índias, t&mo XXXI, pÂg &, 100 e 102. e tomo XXXVIII, pjg. 4M,
(**^ Hjrrisse diz <)ue Diego de Lepe ficou um ano Inteiro sem se aproveitar da pcmilsaio dada em ISOO. mas a
afirmação náo se baseia em documento algum e é contraditada pelo texto diado (TItt ditcovery o( Norlh America, pág. 690.
(*") Harrisse eqúivoca-se dizendo que era de 30 toneis (op. dl., pig. 690).
187
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Numa carta, escrita por Cristobal Guerra a D. Alvaro de Portugal em 28 de setembro de 1503,
dfz êste explorador, a propósito duma expedição para a qual capitulara em 7 de setembro do mesmo'
ano:... pero es de menester gentes, y aún alguna at^uda; y a esto hay inconvenientes, lo uno por ta
mala disposicion de la gente que suelen acostumbrar estes viages. que con vellos Ian aviesos á Diego
de Lepe. y á Bastida, y â Hojeda, no hay quien tenga gana de ir aquellas partes ("■). Depreende se
claramente daqui que Diego de Lepe. não sabemos quando, experimentou embaraços no recrutamento
de sócios da aventura.
Observaremos que a frase de Guerra não permite coniecturar se estas dificuldades eram
próximas ou remotas da época em que foi escrita. Efectivamente. Rodrigo de Bastidas foi a descubrir
em outubro de 1500 e voltou a Espanha no princípio de setembro de 1502, envolvido num processo
cuia decisão final só foi pronunciada em Medina de! Campo a 3 de dezembro de 1503 ("•). Não é de
presumir que antes disso éle tratasse novamente de aliciar genie e de capitular, nem ficou memória de
outra viagem sua de descobrimento; o facto a que se reporta Guerra devia pois ter precedido a única
que se conhece de Bastidas. Do mesmo modo Alonso de Hojeda empreendeu sua segunda viagem em
janeiro de 1502. em virtude de capitulações exaradas no termo de 8 de junho de 1501. e regressou a
Espanha em mês incerto, depois de julho de 1503, sob o pêso dum processo do qual lhe foi lida a
sentença absolutória em Segóvia a 8 de novembro de 1503. Não é crível igualmente que em setembro
do mesmo ano éle andasse empenhado em recrutar marinheiros; aliás êle obteve só em 30 de setembro
de 1504 carta patenle para a sua terceira exploração. E' portanto muito provável que Guerra ainda aqui
quisesse aludir a peripécias anteriores à expedição de 1502. cuja elaboração foi demorada, visto como
já em 28 de julho de 1500 Hojeda se preparava para eta.
Do exposto se infere que são possíveis duas hipóteses. iDar-se-ia q caso de que o ousado
capitão tivesse encontrado tais estorvos ao seu projecto que tam tarde como em 1503 estivesse ainda
relido em Espanha? i Teria sido. ao contrário, realmente levada a cabo essa terceira viagem em 1502, e
estaria Diego de Lepe em preparativos doutra no segundo semestre de 1503? Nós inclinamo nos à
segunda alternativa. Cumpre acentuar com efeito que, a-pesar-de duas prorrogações sucessivas, o capitão
teimava em querer mais navios, o que é inconciliável com a falta de equipagens; elas deviam estar
aprestadas quando em janeiro de 1502 êle arranjou licença para mais um bergantim, que não lhe
aumentou as dificuldades por ser uma embarcação de remos auxiliar C'"')-
£■ certo, porém, que Diego de Lepe fèz uma viagem em 1503 ou princípio de 1504, como o
prova o depoimento de }uan de Xerez de que já nos ocupamos (-»). Dèle se conclui que. quando
Pmzon pariiu a descobrir em 1503 ou 1504, iá o seu competidor tinha zarpado pouco antes em terceira
ou quarta viagem, conforme suposermos abortada ou não a de 1502. Mas não parou aqui a actividade
de Diego de Lepe. O pilôto Pedro de Ledesma, interrogado àcérca dela (F, 8.»), depõe que. quando êle
lòra a descubrir, vira partir suas naus e as viu volve - a Sevilha, salvo el dicho Diego de Lepe que no
vino e los que con el fueron truxeron la figura de Ij que descubríó. iOual seria esta expedição da
qual não tornou o arrojado nauta?
E' constante que Ledesma acompanhou Colombo na sua quarta viagem (F, 9.«), começada em
Cadiz a 11 de maio de 1502 e terminada em 7 de novembro de 1504. notando-se que a partida do rio
de Sevilha íoi a 3 de abril (««). Com estes dados se mostra que a expedição interrompida de Diego de
espanhol JToi.T.T^^ ^3 cm' It^J; íe iul^Vc\eí.b^.r!l' Publicada.com a d.,a tninc.da, fixando-íhe o sábio
da I. sim. dos Documt-nrosfnedTn^s de^^^^^^^ No lômo XXXVI
("») Veia-sc o Apêndice C.
(»*) Harrissc diz. a palpite, que a expediçJo só partiu na primavera de 1502 (oo. dl., pág 169)
(") Veia-se a secção Intitulada As viagens ignoradas de Pimon
lado. o, «.2s. HTspaíiôlI^Tm n 'ie^?oíto=^dV1sí? á™S'd^ .uals perdeu
e embarcou para Espanha em lO de setembro. caravela de socorro, enviada pelo governador Ovando,
188
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
Lepe nào loi a problemática de 1502. nem tampouco a certa, iniciada em 1503 ou 1504. Eleclivamenie é
admissível que Ledesma assistisse à saída do capitão antes de abril de 1502. mas então só podia
presenciar o regresso depois de 7 de novembro de 1504; ora nós sabemos que Diego de Lepe iá muito
antes estava de volta, pois novamente entrou a navegar em 1503. Pela mesma razão, se Ledesma
assisliu à chegada do explorador em 1504 ou depois, nâo poderia lê-lo visto desaferrar em 1503.
Ficamos pois reduzidos às viagens de 1500 e 1501, ou outra posterior a 1504.
Para a descriminação socorremo-nos dum pormenor aduzido por Ledesma na sua declararão,
do qual dimana um raio de luz. Diz o pilóto que lo que descubríeron Diego de Lepe e su compafiiã
está puesfo en el padron real. Ora esta instituição data de 6 de agosto de 1508 (sendo de 1503 a Cãsã
de Contratãcion), donde se segue que o depósito das cartas de marear, feito pelos companheiros de
Diego de Lepe. é posterior. Esta conclusão, que exige uma viagem terminada depois de agosto de 1508,
acrescenta mais uma às conhecidas dèste incansável descobridor, que sobem a quatro, ou cinco, se
contarmos com a de 1502.
M 23 de setembro de 1519 concedeu Carlos V brasão aos descendentes e parentes dos
irmãos Pinzons, nas pessoas de luan Rodrigues Mafra, piloto. Gines Murio. capelão régio,
Diego Martin Pinzon. Alvaro Afonso Nortes e Alonso Gonzales, vecino de Paios (**').
O diploma justifica a mercê, recordando duas viagens notáveis de descobrimento, feitas
pelos capitães Martin Alonso Pinzon, Vicente Vafiez Pinzon, Andrés Gonzalez Pinzon,
Diego de Lepe e Miguel Alonso, dos quais os concessionários eram netos, filhos, sobrinhos e irmãos.
Daqui se conclui que Diego de Lepe era aparentado com os Pinzons.
A primeira das duas viagens é a famosíssima de Colombo, que conduziu à descoberta das
Antilhas e foi feita em 1492 com três navios, dois dos quais comandados por Marlín Alonso e Vicente
Pinzon. Ora do rol até agora conhecido da equipagem só consta que dela fizeram parte os dois capitães
citados no documento em primeiro lugar, tendo morrido Martin Alonso pouco depois do regresso ('");
donde se segue que os restantes, nomeadamente Diego de Lepe, que nunca acompanhou Colombo,
pertencem à segunda viagem. Nesta em que iam igualmente três navios, dizem os expedicionários ler
descoberto seiscentas léguas de terra firme e achado eí gran rio y el Brasil, tendo também passado à
costa de las perlas. As armas destinadas à grei dos cinco ilustres nautas eram em campo marítimo três
caravelas, de onde safam três mãos indicando as descobertas.
A inferência de que na segunda das expedições comemoradas nâo esteve presente Vicente
Pinzon é corroborada por outras circunstâncias. Em nenhuma das declarações exaradas nas Probanzas
acerca da ida dêste capitão a Pária se lê que êle fôsse à cosia de las perlas em viagem de descobrimento
ao grande rio e ao Brasil. Mártir, é certo, diz-nos que êle passou por lá em 1508-1509 e ainda seguiu
adiante de Pária até o cabo de S. Agostinho, quando regressou de Honduras. Mas a afirmação é de
problemática veracidade em face do silêncio dos depoentes das Probanzas. notadamente de Pedro
de Ledesma, pilôto de então que parece nunca ler visto o nordeste da América austral e ler estado
em Pária somente com Colombo; além disso eram duas e nâo três as caravelas de que dispunham em
1508 Pinzon e Dias de Solis, cuja expedição não é portanto a referida no diploma analisado. Tampouco
pôde esta ser a de 1499-1500 ou a de 1503-1504 que nós desencantámos, porque em ambas os navios
eram quatro; o que prova, como já dissémos, que a descoberta do gran rio e do I3rasil não foi feita
por Pinzon em 1500. Daqui se infere que a expedição mencionada na mercê da concessão, caso seja de
(MT) Navarrete, op. dl., lômo 111. pig- MS.
(«) Hantsse, op. dt.. pig. 663-667; Nawrtie, op. dl., tòmo III, pig. 610.
189
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Pinzon, tem de ser escolhida entre a duvidosa de 1502, cujo número de navios ignoramos, e as que éie
podia ler íeilo entre 1510 e I5I3. iá que é de excluir a de povoamento, porventura realizada entre 1505
e 1506. Mas delas nâo participou Diego de Lepe. sempre independente de Pinzon, e do mesmo modo
êle nâo esteve na de Colombo em 1492; ora como seria absurdo que o diploma galardoasse os feitos
de um capitão ausente das duas únicas viagens nêle celebradas, somos forçados a admitir que a segunda
foi comandada por Diego de Lepe.
A( temos pois uma exploração do grande rio e do Brasil, conduzida por êste navegador, com
trés navios e em época indeterminada; naturalmente uma das quatro ou cinco atrás mencionadas' NSo
sabemos infelizmente qual escolher, e portanto em que época foi descoberto o gran rio, sem dúvida o
Amazonas, mas mostraremos ao diante que é de excluir a primeira, de 1500.
Ill
IRESTA SE a conjecturas o fado. citado por Ledesma, de Diego de Lepe nâo voltar a
Espanha nos seus navios, tendo sido confiadas a outrem as cartas de marear com os
resultados da exploração. André de Morales, testemunhando nas Probanzas dei fiscal ("')
dá-nos a notícia de que o navecador morrera em Portugal, e nós somos tentados a
relaciona-la com a anterior de Ledesma. Sendo assim. Diego de Lepe, por circunstâncias
ignoradas desembarcou em Portugal ou para lá foi levado, e não tornou com os companheiros à terra
sido enlào°a%llimr ^ "'^^^"^ '^"^ «^"^^"'"'•«samente finalizada em 1508 ou depois teria
Varnhagen. que nSo soube do depoimento de Ledesma, mas apenas do de Morales dado por
Navarrete no seu extracto incompleto das Probanzas. veria nêle a confirmação dum seu asserto
O egreg.o brasile.ro afirma que Diego de Lepe acabou na forca, a mandado do rei de Portugal por ter
sido encontrado traficando na Africa portuguesa; e funda-se para isso numa caria de Estevam Fróis
escrita a D. Manuel em 30 de junho de 1514 ("**•). =»<«:v«».ii i ruis.
e.o.nhm. ti ' hÍT' h''"" ^'^'^"T"'^ ° desventurado português que está prisioneiro dos
r^Zr^nJ . r ? , T '""^ ' "'"''"^^^ '""'"''^ '"""^^'"^ ^'""ínios do Novo Mundo
rnn.iHpr.T« Castela As terras ao sul da equinocial, expõe Fróis, há mais de vinte anos (!) eram
cl^íZ ll "Tm"*' ' P"^''"^ °' portugueses livremente negociar; contra direito o^
cahvaram os castelhanos por vmgança. visto haver entre êles naturais de Paios de Moguer aue heram
porque fot tomado nas partes da g^né com certos negros que levaua furtados
rh.m«Hn n'*"'"^^ "í"' '513 que íôra justiçado, por ordem do rei de Portugal, um navegador
«rs vLLmTJ ^o^^Precnder a ausência do capitão espanhol das suas caravelas quando
estas volveram a Sevilha, a vista de Ledesma; é que êle expirava em Portugal e no patíbulo Mas esta
qual^^ref de cf f l'". ''^^^'"^ ^'^'^^ ' de ago t de ^5 3 no
MendL 1 o '""'^ msirucções ao fidalgo da sua casa e embaixador Lopo Hurtado Se
Mendoza, que se la encontrar com D. Manuel de Portugal (""). 'luriauo ae
-Ifl» deVirlug/rEm fev"eS íe ÍSÍc/creíe" 5c" S^^^Doníl"':?'!^ tr"'^"'?- ^'^^^^^ procedimento
^^^^ t V l"--- "--^"dc armar nV |lhrSl JorQuíL /S v;i"^^ Mexerada e de Orlcga.
tntàilos ae Inaiés. lômo XXXIU da 1 . série pág í») ^ * ^ ""^^^ "^^ros, bozales. (Documentos
X'. "° '^'^""'^ ". e^lraido do Arquivo Nacion^ da Tòrre do Tombo. Corpo Ct,ronolosico
os FALSOS PRECURSORES DE ÁLVARES CABRAL
Do texto déste documento com efeito se depreende que um tal Diego de Lepe fôra mandado
justiçar por D. João, antecessor de D. Manuel, tendo morrido no cárcere muitos dos seus compantieiros.
O rei D. Fernando conformou-se com a violenta medida, bem como U sereníssima revnã mi mujer,
porque quebrantaron las tales personas el dicho ast/ento que delimitava as terras das duas corôas.
invadindo as de Portugal. O fim afrontoso do transgressor reallzou se, à vista de tam solene declaração,
antes de findo o anno de 1495. em que faleceu D. lo3o II: nSo pôde ser ôsle portanto o mesmo Diego
de Lepe, ainda vivo em 1502.
Estamos em presença de uma duplicação, aliás frcqUente: duma banda, um diploma oficial
castelhano assevera ter morrido ignominiosamente, antes do fim de 1495 e por ordem do rei de Portugal,
certo marítimo Diego de Lepe; doutra, sabemos de diplomas análogos e Informações fidedignas que de
1500 em diante um homem com idêntico nome exerceu sua actividade de descobridor, sob o patrocínio
dos monarcas católicos, vindo a morrer igualmente em Portugal, em circunstâncias ignoradas.
Diante desta coincidência ocorre a possibilidade de um equivoco por parle do redactor das
instrucçôes ao embaixador espanhol, que teria atribuído a D. ]oão II um fado passado nos primeiros
anos do reinado de D. Manuel. Como as instrucçôes dão como viva. ao tempo do sucesso, a rainha
D. Isabel e esta morreu em 14 de novembro de 1504. podia o enforcamento ter acontecido neste ano
ou no precedente, e então a viagem de Diego de Lepe mal terminada seria a de 1503. Mas a hipótese
do engano oficial, além de contradizer as deduções anteriores, que o dão como vivo depois de 1504, é
inteiramente inverosímil e tem de ser abandonada. Estevam Fróis, verdade seia. inculca nos D. Manuel
como responsável pela execução: que uossa alteza mandou enforcar Quer provenha de um tapsus
calami. quer de ignorância de pormenores, ésie testemunho não prova; porventura dos próprios caste-
lhanos veio ao prisioneiro a revelação do suplício ordenado pelo rei português, sem saberem ao
certo qual fòsse. •
Existiram, portanto, dois personagens, ambos chamados Diego de Lepe e ambos dados a
navegações; o primeiro pereceu às mãos do carrasco em tempo de D. João II, o segundo, talvez filho
ou sobrinho do primeiro, vivia 10 anos depois e também morreu em Portugal, mas não na forca, Seria
verdadeiramente extraordinário que os dois Diego de Lepe tivessem igual destino infamante, havendo
provas dèle quanto ao primeiro e faltando completamente quanto ao segundo. Há pois que rectificar a
passagem correspondente de Varnhagen, como aliás muitas outras relativas aos feitos dos castelhanos
na América durante os fins do século XV/ e princípios do seguinte.
ÚNICA expedição deste navegador mencionada pelos historiadores é a de 1499-1500, na
qual teria sido descoberto não só todo o litoral compreendido entre Pária e o cabo de
S. Agostinho, mas ainda um trecho ao sul do cabo, em domínio reconhecidamente
português. O primeiro cronista que se ocupou do assunto foi o bispo de Chiapa, e a sua
versão acha-se reproduzida em Herrera e em outros cronistas sem adição de valia ("*).
Temos por seguro que Las Casas se baseou unicamente nas Probanzas dei fiscal, por êle
citadas, pois nenhum dos factos apresentados deixa de figurar nos autos, áparte o eqiiivoco num
pormenor somenos. Podemos dispensar lhe o relato, uma vez que possuímos os autos, anteriores de
umas dezenas de anos. Mas Iam seguro como a origem das informações do prolixo e insípido eclesiástico
é que elas derivam dum texto incompleto das Probanzas. feito precisamente nos mesmos moldes e
com as mesmas lacunas importantes do fornecido a Navarrete séculos depois; parecendo que o arqui-
vista, a quem coube em 1826 transmitir ao erudito espanhol as suas pesqiiizas paleográficas, se limitou
a copiar um modêlo iá anteriormente leito. Nota-se efectivamente a ausência em Las Casas de factos
(tMj PubUcinio-lJ no Apéndict P.
191
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
constantes do texto completo das Probanzas, que, se fôssem conhecidos, alterariam sua narrativa, ao
passo que aparecem nela quási todos os pormenores mencionados no extracto de Navanete.
Las Casas comera por dizer que Diego de Lepe partiu em 1499, no mesmo mês de dezembro
que Vicente Pinzon. Dos 10 depoimentos transmitidos por Navarrete àcêrca do descobridor nenhum tem
indicações sôbre a data e local da partida, mas entre os relativos a Pinzon há o de liernando
Esteban, companheiro de Diego de Lepe. o qual diz terem desaferrado os dois de Espanha uno en pos
de otro. tendo a testemunha visto la tierra que Vicente Vahez habia descubierto sin que ningun
Cristiano hubiesse llegado atii. Desta única declaração, da circunstância do fiscal dar Pinzon como
precedendo Diego de Lepe na descoberta, concluiu o bispo que o segundo capitão partiu pouco depois
do primeiro, isto é, em todo o mês de dezembro de 1499
Diz em seguida que o nosso navegante era i/ecino dei Condado de Niebla, não sabendo se
de Lepe ou de Paios de Moguer, mas que era desta vila a mór parte dos marinheiros da expedição, a
qual se fêz em dois navios. Das 10 testemunhas de Navarrete 9 são, com efeito, de Paios, como se vè
das respostas às diversas pregunlas do fiscal; e nenhuma indica donde Diego de Lepe era uecino,
hesitando portanto o bispo entre Lepe, à vista do nome do descobridor, e Paios donde provinham os
marítimos. Do depoimento de um dos 10 declarantes, Alonso Rodrigues de la Caiba, consta, de feito, que
foram dois os navios.
Acrescenta Las Casas que a travessia do Atlântico foi iniciada na ilha do Fogo, do arquipélago
de Cabo Verde, pormenor tirado do depoimento de Cristobal Garcia, e que seguiram primeiro ao sul,
depois pelo sudoeste, seguindo na esteira de Pinzon. Neste ponto discrepa o bispo das testemunhas]
três das quais indicam a róta pelo sudueste e outra pelo levante, que é a mesma coisa; mas éle sabia
que, caminhando nesse rumo, se vai ter muito ao norte do cabo de S. Agostinho. Ora como se diz na 8.^
pregunta do fiscal que Diego de Lepe. analogamente com Pinzon, focou neste cabo, houve necessidade
de alterar a róta pelo sudoeste, escolhendo Las Casas a que éle atribui, aliás erradamente, a
Vicente Yai^ez.
Diego de Lepe não só esteve em S. Agostinho, mas ainda dobrou êste cabo. passando ao
sul, alega a narrativa que estamos seguindo. A testemunha, ]uan Rodriguez diz ter o nauta locado em
S. Agostinho, mas o seu depoimento talvez não fôsse conhecido do bispo, porque no texto de Navarrete
êle figura como pertencente ao extracto especial de Mui^oz. Das restantes 9, apenas Cristobal Garcia
menciona ía punta dei este. como lugar de primeira arribada, e Luís dei Valle o Rastro Hermoso,
designação que pertence a Pinzon. Na dúvida, ficou-se Las Casas nos termos da pregunta do fiscal
Os actos posesionales. a que êle se refere, são descritos nas declarações de Hernando
Esteban, Luís dei Valle e Cristobal Garcia, e na deste último a inscrição do nome de Diego de Lepe
numa árvore de espantosa grossura. Quanto às 16 pessoas que de mãos dadas não abarcavam a árvore,
há nisto uma reminiscência da viagem de Pinzon em 1499. na qual Mártir refere o acontecimento. Não
é esta a única vez em que há confusão entre as duas expedições; além do rumo da derrota há
atribuição de um companheiro a Diego de Lepe (Anton Fernandez Colmenero), que na realidade
o foi de Pinzon.
A entrada no Maraiion. o assalto dos indígenas e o cativeiro de alguns vêm nos depoimentos
de Alonso Rodriguez de la Caiba, Cristobal Garcia e Luís dei Valle, sem falar no de Juan Rodriguez
testemunha do extracto de Murioz. A prisão dos índios, entregues mais farde ao bispo D. luan Fonseca'
é narrada por Alonso Rodriguez de la Caiba.
O exame que vimos de fazer demonstra que Las Casas se cinge estrictamente às Probanzas,
lais como ele as conheceu e durante mais de três séculos foram conhecidas; êle não aponta circunstância
algunia nova e estamos autorizados a ligar à sua descrição tam sòmente o valor que lhe dá o extracto
imperfeito daqueles autos. Conhecido porém hoje, e já desde 1894. o texto completo do interrogatório
das testemunhas, apura -se quanto a descrição tem de fantástica e quam poucos dos seus traços são de
conservar. E o que resulta da análise seguinte:
n«ci. í^artolomé Roldan, que foi por piloto de Diego de Lepe (F. preg. 8.»), também ocupou Igual
posto na terceira expedição de Colombo em 1498-1500 (F. preg. 2.^). mas devia ter tornado a Espanha
Hâltissc tncllna-se i mesnu opinião (op. d»., pág. 33«, nota II).
192
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
€m um dos cinco navios que o almirante reexpediu no mesmo ano de 1498. pois o pilôio afirma tw
visto embarcar Nifto e Guerra, na primavera de 1499 (A. preg. 14.-). Nâo consta dos seus dois
depoimentos que êle os visse chegar ou estivesse em Sevilha quando prestaram contas ao bispo de
Córdova, nem que assistisse em Espanha quando Hojeda e La Cosa regressaram (primavera de 1500);
apenas se sabe que éle viu em Sevilha La Cosa que hera (/j de vuelta da viagem com Bastidas,
depois de 7 de setembro de 1502 (F. preg. 6.*). Podia pois Roldan ter acompanhado Diego de Lcpe na
expedição de 1500. mas por ora não sabemos se o fèz na de 1501, na duvidosa de 1502 ou ainda
na de 1503.
Duas delas, porém, são de excluir. Efeclivamenie o pilôto assevera que Vicente Afies fiié a
descobrir mes é médio ó dos meses antes que Diego de Lepe é despues fué et dicho Diego de Lepe
F. preg. 8.«). Ora Pinzon. além da viagem de 1499. sÓ navegou mais em 1503 1504 ou talvez em 1502.
Não podia a expedição de Roldan ter se realizado em 1501, quando Pinzon demorava pela Espanha,
e tampouco foi em 1503, pois já vimos atrás que éste capitão partiu depois e não antes de Diego de
Lepe (depoimento de ]uan de Xerez. F. preg. 8.*); restam nos portanto as expedições de 1500 e 1502.
Se foi na primeira que piloteou. a partida efectuou se em meiados ou lins de ianeiro de 1500; se na
de 1502, igualmente depois de 17 de janeiro {6.° diploma oficial): em qualquer dos casos não se
confirma o dito de Las Casas.
Mas Roldan dá-nos um pormenor interessante quando declara ter sido despachado pelo bispo
D. ]uan de Fonseca en aquella sazon na qual o foram Hojeda e La Cosa (F. preg. 5.*). Segue se daqui
que por essa ocasião êie navegou por sua conta, provávelmente para as Antilhas, visto como éle não é
incluído entre os descobridores, nem se apresenta como tal nas Probamas. Ocorre a reflexão de que
talvez êle estivesse asso.ciado a Diego de Lepe. do mesmo modo que anteriormente tinham estado Niflo
e Guerra; mas neste caso apenas Guerra capitulou ("*). nem nos consta de capitulações simultâneas
com dois navegadores. Como demais o diploma oficial, de 15 de novembro de 1500. referindo se A
viagem de Diego de Lepe, feita nesse ano, só a êle menciona, julgamos acertar, concluindo que pilólo e
capitão foram despachados separadamente em 1499, e seguiram diversos destinos. Vé-se que a expedição
de Diego de Lepe. piloteada por Roldan, foi a de 1502; e devia portanto ser de quatro navios e um
bergantim (3.°. 4.« e 6.° diplomas oficiais) ("'), tendo se efectuado a partida em fins de janeiro.
A dúvida do bispo quanto à terra de residência habitual de Diego de Lepe desvanecc-se
diante do primeiro diploma oficial citado, de 9 de novembro de 1500, do qual se depreende que êle era
uecino de Paios de Moguer. A passagem pela ilha do Fogo, tirada por Las Casas do depoimento de
Cristobal Garcia não é cerla. pois esta testemunha não acompanhou o descobridor em 1500. Efectivamente
ela viu em Sevilha Nifio e Guerra prestar contas ao bispo D. Juan de Fonseca. (F. preg. 3.» e 4.«);
eslava portanto em Espanha na primavera de 1500, e nâo linha tempo para regressar duma exploração
começada em janeiro.
Além disto, que é suficiente, vemos que o depoente esteve com Diego de Lepe no Marafion;
ora êste rio só foi descoberto depois de 1500. Provam no as testemunhas Diego Fernandez Colmenero,
sobrinho de Pinzon (F, preg. 8.*) e Juan Rodriguez, irmão e pilòto de Diego de Lepe (F, preg. 8.*),
cujos depoimentos teremos ocasião de examinar. São três as testemunhas de Navarrete, além das
citadas e doutra, a falar do MaraHon; Alonso Rodriguez de la Caiba, Cristobal Garcia e Luís dei Valle,
das quais vimos já que a segunda não foi com Diego de Lepe em 1500; os seus depoimentos podem
bem referir-se a viagens posteriores. Assim sendo, a circunstância de serem dois os navios, que Las
Casas extraiu da primeira testemunha, é duvidosa; aliás o Marafion foi descoberto numa expedição
feita com três navios, segundo atrás ficou expresso. Análogamenie não se referem a 1500 a morte de 11
expedicionários, a árvore de espantosa grossura e a prisão dos índios em Pária, mencionadas pelo
segundo e primeiro daqueles marítimos.
Do conto de Las Casas nada fica de seguramente imputável à primeira viagem de Diego de
Lepe, e os que o repetem confiadamente iludem-se. tomando como história verdadeira o que não passa
de rematada fantasia.
(>»») Navarrete, op. dl., tômo III. doe. IV. pág. 78.
|m) Os depoimenlos de Pedro Sanchez dei Castillo (F. preg. fl*: A. preg 14.*), que com certeza acompantiou
Barloloint Roldan, nSo contrariam o asserto, embora assim pareça à primeln vista.
193
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
EIXÁMOS ia palente, no estudo da viagem de Pinzon. que a descoberta do Marafíon ou
Amazonas nâo se deve a êste capitão, mas sim a Diego de Lepe; vamos agora mostrar,
socorrendo-nos das Probanzas. que ela é posterior a 1500. E' necessário, porém, nâo
perder de vista que e! gran rio y et Brasil foram achados no decurso de uma expedição
feita em três navios, segundo reza o diploma que concede brasão aos descendentes
dos Pinzones.
A primeira viagem de Diego de Lepe envolve-a denso mistério. Nenhuma data se conhece
dela, ainda mesmo aproximada; apenas se calcula que começou depois da de Pinzon (fins de novembro
de 1499), e se sabe que terminou antes de novembro de 1500 (l.» diploma oficial citado). Ignoramos o
número de navios e qual o seu itinerário; mas na hipótese dêle arribar ao nordeste da América
meridional, ao sul de Pária, depreende-se do interrogatório e depoimento das Probanzas que êle seguiu
na esteira de Pinzon. Sendo assim, deveria ter tocado para refresco na Hispaniola depois do seu émulo,
isto é, depois de 23 de junho de 1500 C'*); e como consequência o regresso a Espanha não podia
afaslar-se muito de agosto, sendo perfeitamente explicável que em 15 de novembro se dispusesse
novamente a capitular (2.» diploma oficial).
i Teria sido nesta expedição o achado do Maranon? Temos razões para responder negativa-
mente, à vista dos depoimentos das Probanzas que mencionam este nome.
Diego Fernandez Colmenero diz (F. preg. 8.^) que uido... {rr a descubrir el dicho Diego de
Lepe é que descubrió en la tierra firme a ta parte dei médio dia a do dizen maradon, é que antes dei
nadia descubrió en aquellas partes... é supo de la embajada que truxo el dicho diego de lepe. Ora êste
Colmenero, sobrinho de Pinzon. foi na sua expedição de 1499 por capitão dum navio (F, preg. 3.»); só
depois de outubro de 1500 podia ter visto Diego de Lepe partir. E'. portanto, posterior a éste ano a
descoberta do Marafíon.
As outras quatro testemunhas, que foram com Diego de Lepe e falam no Marai)on. sâo Luís
dei Valle. Alonso Rodriguez de la Caiba, ]uan Rodriguez e Cristobal Garcia. Do depoimento dos dois
primeiros nào é possível inferir a época em que navegavam com o descobridor, mas há motivo para
crer que Lufs dcl Valle não o acompanhou na primeira viagem. Efectivamente êle conta (F, preg 8»)
que, antes de Pária, foram dar a la navidad (Natividade) donde tomaron cierta gente, e a presença do
nome mdica que o lugar foi descoberto no Natal ('■'); ora Diego de Lepe nâo se podia achar nessas
paragens nos fins de dezembro, tendo partido de Espanha neste mês de 1499 quando muito, e com
certeza já lá não estava em dezembro de 1500, visto o 2.° diploma oficial por nós citado. Também é
possível afirmar que Alonso Rodriguez de la Caiba não assistiu à descoberta de el gran rio y el Brasil,
porquanto ela se efectuou numa expedição de 3 navios e a testemunha só acusa 2 (F, preg. 8.»).
Juan Rodriguez, irmão de Diego de Lepe. menciona entre as coisas notáveis então vistas
el gran no (Ormoco) r el maraHÓ é donde está en la mar el agua dulce (F. preg. 8."). Êste marítimo
refere (F. preg. 3.») que uido... al dicho Cristobal Guerra e Pero Alonso Nino quando uinieron de
descubnr é dixeron que....: eslava pois em Espanha em abril de 1500 ou algum tempo depois Se
reflectirmos porem que Diego de Lepe nâo podia ter regressado antes de agosto ou setembro
concluímos que o irmao luan Rodriguez não andou às suas ordens na primeira expedição, mas noutra
subsequente. O mesmo diremos de Cristobal Garcia, que narra (F. preg. 3.» e 4.») ter visto Niiio e
Gue^a cm Sevilha quando prestaram contas ao bispo D. )uan de Fonseca, e se achava por conseguinte
em Espanha na primavera de 1500.
Arredada a viagem de 1500, somos obrigados a voltar-nos para as de 1501, e 1503-1504
excluindo a de 1502, porque ela se deveria ter realizado com quatro navios, além do bergantim de
remos (3.0 4.o e 6.o diplomas oficiais). Em 1501 contava Diego de Lepe ir com 3 caravelas (2.o diploma
■ descoberto nesta expedição el gran rio; mas o silêncio das capitulações
ae 1501 (3.0 diploma oficial), contrastando com a menção de S. Maria dei mar dulce nas de Pinzon e a
c Ju" ^/^'/'P'^'"^ heráldico de 1519. contraria a hipótese. De resto, se Bartoiomé Roldan só foi
com uiego de Lepe na expedição de 1502, como cremos, a descoberta do Maranon é posterior a êsle
de Lepe «*^U"f"ír ,.?n''pIri?%ÍÍS'Í^^^^^^^^^^ Cc\^^i^^ro (F,prC9. 7..) qt.e Pinzon e Diego
chaiMva rio*^'w?;;tí.i. "° "'^ '"^ ° braço oriental do M^r^on. ou Amazonas, se
194
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
ano. visto que o pil6to no seu depoimento não o menciona e refere-se unicamente ao ho grande que é
o Orinoco. Assim chegamos à viagem de 1503-1504. na qual podia ler sido feila a visita ao Amazonas e
ao Drasi^ sem lermos todavia razões para o aíirmar. Mártir, quando em 1510 preparou a edição
pnnceps das suas Décãdâs. nào sabia da existência do MaraHon, de que se ocupa a primeira vez em
1516. e seriamos tentados a ver no lacto uma prova de que o achado do rio fabuloso se eíectuou
depois de 1510; no entanto, a conclusão é arriscada, e é prudente admitir o contrário.
Se os documentos que possuímos nos permitem asseverar que Diego de Lcpe descobriu o
Amazonas, mas não antes de 1503. ainda resta considerar a hipótese de navegadores clandestinos
castelhanos ou portugueses, o terem visitado antes. No que respeita aos últimos, ela nâo deixa de
oferecer alguns visos de plausibilidade. A 13 de iulho de 1503 chegou à côrle espanhola a nova de que
quatro navios portugueses tinham avançado até as terras descobertas por Bastidas (desde o cabo de
Vela até Panamá) e de lá tinham trazido escravos índios e mercadorias ("*). Como o escrivão de
Sevilha regressára da sua frutuosa expedição cm setembro de 1502. a incursão deve ter sido feita nos
princípios de 1503; ela foi seguida doutra no mesmo ano. Ncsias excursões clandestinas é Hcito supôr
que os aventureiros se não dirigissem directamente ã zona cuia exploração os atraía, e para maior
segurança partissem dos domínios portugueses; ora se assim foi, deveriam ler costeado desde as terras
de S.'» Cruz até Pária, passando então pelo Amazonas. Estes corsários contudo, já que lhes cabe o
epíteto, contavam seguramente com a colaboração de castelhanos conhecedores daquelas paragens e de
suas carias de marear, e é possível que fossem direitos a elas.
Não há dúvida de que uma expedição, pelo menos, se fôz nas condições apontadas, aquela
de que nos fala Estevam Fróis, aprisionado pelos espanhóis em 1513. Na sua caria, escrita no ano
seguinte, êste infehz. contando suas desditas, afirma que muilo antes João Coelho, da porta da Cruz em
Lisboa, se demorara pelas terras disputadas pelos castelhanos, em companhia de outros compatriotas ('•').
Não sabemos das razões que assistiram ao Barão do Rio Branco para supôr João Coelho presente
em 1502 3 1503 na região amazonica (*"); mas se assim foi. é lícito concluir do nosso estudo que o
famoso rio já era conhecido dos portugueses antes de ter sido visitado pelos espanhóis em viagem oficial.
4— ALONSO VELLEZ DE MENDOZA
CURIOSA a maneira por que foi arvorado em descobridor do Brasil éste Alonso
Vellez de Mendoza, por sinal comendador não se sabe de que ordem de cavalaria.
Nenhum dos cronistas, desde Mártir até Herrera, se refere á pretensa descoberta.
Munoz, partindo de uma declaração do pilàto Juan Rodriguez Serrão em 1515. foi
o primeiro a sustentar que éle navegou para o Brasil em I4<)9 ("*). mas Navarrete,
examinando o parecer do seu antecessor, acaba por concluir que provávelmente
nâo andou por esses lados (""). D Avezac entende que Alonso VelIcz foi com Diego
de Lepe, dando crédito à declaração de Serrão, embora do extracto das Probanzas
ao tempo conhecido, nada se pudesse tirar que de leve abonasse a presunção íQuere isto dizer, que
a reputação de descobridor do Brasil ganhou-a o comendador tam sòmenie à conta das palavras de um
pilòto, depondo sôbre um facto anterior de 16 anos!
(Mir) Navarretr. op. dl., tftmo III. pág. 161.
A carta de Estevam Fróis encontra-se lacslmllida e interpretada a pigi. XXXIV a LXV dj Iniroduclo do
presente volume.
(»") Ptemfer mímone. lômo I, pig. 61.
(>u) o dcpclmenio de Serrão foi CKtractado por éste historiador (Navarrete, op. dl.. l6mo III. pig. 319), mal o
tòmo 2.0 da iua Mtstoru dcl Nuçvo Mundo, em que traia da viagem de Alonso Vellez, nlo lol publicado.
Navarrete, op. dl. lòmo ill. pig. 23. 19-1 e 319.
(»**) Les uoyages d'AmMc Vespuce. págs. lOS e 108.
195
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
O lexto completado dos aulos do famoso pleito veio trazer ao assunto uma pequena conlrí-
buTcSo, que todavia não adianta nada enquanto à expedição de Alonso Vellez em 1499. Harrisse,
quando ainda não conhecia èsse texto, resumiu o que se sabia dos feitos dêsse homem chamado à
imerecida notoriedade. Éie cita nada menos que quatro viagens, contando com a de 1499, embora
duvide da existência separada das duas últimas (^"). Na realidade elas são distintas, mas no total s3o
apenas três. porque a primeira é imaginária; Alonso Vellez só no segundo semestre de 1500 se
aprestou a partir para o nordeste da América austral, se é que foi a descubrir para essas paragens.
E' falso que avistasse o Brasil antes de Alvares Cabral, como vamos demonstrar.
Estão apenas publicados dois diplomas oficiais concernentes a viagens de Alonso Vellez
de Mendoza.
O primeiro é o têrmo de 20 de julho de 15O0, celebrado entre os reis católicos e os fiadores
dèsfe comendador, em que é planeada uma expedição de descoberta às índias ocidentais com 4
navios (**'). £ste documento, ao qual estão juntos outros têrmos conexos de datas posteriores até 18 de
agosto, transcreve os capítulos já ultimados anteriormente com o comendador para o mesmo fim, os
quais Navarrete, baseando-se em dados que não cita, declara feitos em 5 de junho.
Nada se sabe ao certo desla viagem; Navarrete até duvida de que ela se efectuasse, o que
não cremos. Uma das caravelas que devia ter seguido chamaua-se 5. Cristobal e linha por maestre
Cristobal Rodriguez Tiscareflo, como consta do tèrmo citado; mas faltam indicações sobre os restantes
navios, e é bem possível que o seu número se reduzisse a 2, embora houvesse licença para 4. Esta
alteração das condições preestabelecidas era frequente, e só quando o número dos barcos era maior
que o capitulado se tomava mister novo diploma.
Devia ser esta a primeira vez em que Alonso Vellez se aventurava a terras desconhecidas;
pelo menos os capítulos transcritos no têrmo de 20 de julho, no qual são enumeradas as regiões onde
ao comendador era vedado descobrir, não dizem que êlc já se ocupara dessa missão, como era costume
invariável. Esta circunstância nSo escapou à sagacidade de Navarrete, e permite-nos concluir que o
comendador ainda não empreendera em 1500 outra viagem de descoberta.
O segundo diploma, datado de 15 de fevereiro de 1502, é a capitulacion é asienfo que se
tomou com Alonso Vellez de Mendoza para povoamento da Hispaniola. Subsidiáriamenie se lhe permitia
ir às ilhas já conhecidas e terra-firme, onde não havia governador nomeado, exceptuada a costa donde
Niiio e Guerra trouxeram as pérolas; e também se admitia a possibilidade da descoberta de novas
terras ("")■ E' pouco provável que nesta viagem o comendador se afastasse muito da Hispaniola. seu
principal objectivo; contudo não se pôde inferir daqui rigorosamente que êle não visitou o litoral ao
sul de Pária, uma vez cumprida sua missão, ou mesmo antes.
Herrera diz que éste asiento de povoamento foi lavrado a 15 de fevereiro de 1501, indo os
navios de Alonso Vellez na frota do governador Nicolao d'Ovando (""); contudo êle mesmo nos
assevera que êste partiu em 13 de fevereiro de 1502. Nesta passagem do cronista se fundam os que
dão o comendador em Espanha em 15 de fevereiro de 1501 (""), mas a publicação do têrmo do
povoamento mostra que êle se equivocou no ano, e que a partida conjunta com a de Ovando é
impossível, pois não podia preceder de dois dias o asiento.
Dos manuscritos de Murioz copiou Harrisse o seguinte: ifem: con licencia de S.S.A.A.
UevÕ Alonso Vellez de Mendoza, vezino de Sevilla, en un navio que de ai partió em Marzo i503
ueinte e nueue casados con sus muyeres, hijos e criados y vários soldados que por todos san 142
personas. Llevo-las el navio de Aí. Nunez a la EspaHola (""). Se não houve engano de Murioz, trocando
1502 por 1503, temos a acrescentar às viagens de Alonso Vellez mais uma, de povoamento e não de
descoberta. Mas nós vamos concluir das Probanzas a existência de uma outra, feita pelo comendador
em 1503-1504, a única na qual com certeza êlc navegou pelas costas do Brasil, sendo precisamente
desta que nos não têm falado os historiadores. Iludidos com a falsa miragem de 1499.
196
(MT,
(.«)
(«,
Op. dl., pág. 338. 680. 682, 691 e 694,
Navarrete, op. dl., lòmo It. pág.
Documentos inéditos de índias, sírie
Décàdj 1. livro IV, cap. 12, e livro V, cip, 1.
Harrisse. op. dt.. pág. 680; Toribio de Medina, op. dl., lômo I, pág XC
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
PILÔTO Juan Rodriguez Serrão, depondo em 1515 àcôrca da situação do cabo de S. Aflos-
linho. conta que hauerá 16 anos. j>oco más ó menos, navegara com Alonso Vellez em 2
navios c não s6 chegara ao cabo. mas também o dobrara ("'), A partida para a exploração
data pois de 1499. e ela léz-se em região ainda mais extensa que a visitada em 1500 por
Pmzon. pois êste em I5I3 dava S. Agostinho como limite da sua. Por outro lado. o
comendador sem dúvida costeou desde o extrêmo sul atingido até Pária, seguindo à HIspaniola para
refrescar e regressando depois a Espanha, onde iá devia estar na primeira quinzena de maio. pois o
vemos capitular em 5 de junho. Segue-se que a sua estada na Hispaniola não pôde ser posterior aos
pnncipios de abril, porque a viagem de regresso durava mais de um mês. ao passo que (segundo se
lê em Martir-Trevisan) Pinzon só aí chegou em 23 de junho, ao voltar de Pária. Chega-se assim a êste
resultado inesperado: Alonso Vellez não só visitou em 1500 as terras avistadas por êste ilustre capitão,
mas outras ainda mais ao sul. e lòdas antes dêle; isería assim o primeiro descobridor do Brasil!
Esla dedução, perfeitamente inverosímil, é abertamente contraditada peto têrmo das capitu-
lações de Pinzon em 1501, que lhe atribui a precedência. Serrão engana se na data. coisa vulgar nas
testemunhas das Probanzas, e tanto menos estranhável quanto êle se referia a acontecimentos de há
longos anos; e é bom acentuar que o pilôto acrescenta poco más 6 menos, nâo confiando em suas
reminiscências. Se trocarmos por 15 os 16 anos acusados, é explicável o depoimento do pilôto. e a
viagem nêle versada é a do segundo semestre de 1500. não obstando a isto ler sido executada com
2 navios apenas, em vez dos 4 permitidos nas capitulações respectivas.
As Probanzas, por seu turno, repugnam à pretendida viagem de 1499. O interrogatório do
fiscal não fala nos descobrimentos de Alonso Vellez. mostrando por esta lórma que êle não tinha direito
à prioridade sôbre Pinzon e Diego de Lepe. Das copiosas testemunhas que depuseram no processo, só
três mencionam o nome do comendador e todas se relerem a viagem ou viagens posteriores às de
Diego de Lepe.
O pilôto André de Morales diz (F, preg. 8.*) que depois dêste capitão fue atro que se dezia
Alonso Vellez e descubhó desde el cabo de Cruz a la parte dei médio dia todo to que está descubierto.
]uan de Xerez, outro pilôto, conta (F, preg. 8«) que saíu com Vicente Vafiez. depois de ter
partido Diego de Lepe. e dende á quatro 6 cinco mezes queste testigo partió. Alonso Vellez e Luys
Guerra se partieron de Sevilla é fueron á descubrir lo en esta pregunta contenido, é descubrieron
desde la punta de Santa Cruz, á la vanda dei Sur. hasta el termino que agora está descubierto. Já
provámos em uma das secções anteriores ("") que esta tríplice expedição se efectuou entre 1503 e 1504.
dando assim mais uma às conhecidas do comendador.
Finalmente Anton Garcia, terceiro pilôto. narra (F, preg. 8.«) que Diego de Lepe. Vicente
Vaflez e outros saiieron juntos <quere dizer com curto intervalo) e este testigo e los que con el yuan,
que heran Luys Guerra e Alonso Vellez. Itegaron a lo contenydo en la dicha pregunta, y los dichos
Diego de Lepe e Vicente Afiez quedaran mas traseros a la uanda dei norte. Esta viagem de 1503-1504,
como ficou atrás averiguado, é a única sóbre que as Probanzas fornecem escassos dados, que se
resumem em localizar as terras descobertas.
Não é para desprezar a hipótese de que seja a mesma de Serrano, cuja memória infiel o
levasse a dizer 16 anos. em vez de 12; mas à cautela ater-nos-hemos à suposição já enunciada,
admitindo que o comendador Vellez de Mendoza descobriu tarde em 1500 as terras novamente
percorridas três ou quatro anos depois. O pilôto, na sua declaração, desculpa se com a sua pouca idade
ao tempo da viagem, de afirmações, por ventura temerárias: ora precisamente uma das que faz é ter
dobrado o cabo de S. Agostinho. Êle diz-nos que arribou 5 ou 8 léguas ao norte dêle. e o dobrou
para la parte dei sudeste, mas quem conhece a topografia do cabo sabe que isto seria impossível,
porque o trecho de costa em que está S. Agostinho, desde 8 léguas ao norte até Igual distância ao sul.
tem o rumo muito aproximado de susudoeste. ^Como podia aliás o joven Serrano saber tanto atrás que
o cabo era o de S. Agostinho, se a primeira nova dêste nome só chegou a Espanha nos últimos
meses de 1502?
(»') Veia-se o Apêndice a.
(***) Ve|a-se a parte diste trabalho sob a «plgrale As viêgtns ignorêáti de Pinzon.
197
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
5— CONCLUSÕES
r^^^^^n QUEM se deve atribuir a descoberta do Brasil ? Para responder com alguma segurança
' ^ pregunta, imporia assentar preilminarmenle no significado desta palavra, hoje bem
^ diverso do de outras eras.
Nascida poucos anos sôbre a primeira visita de europeus ("**), ela aplicou-se às
terrãs de Santa Cruz. que estavam a oriente da linha de demarcação estipulada no pado
de Tordesilhas em 1494, quando ainda não fôra descoberta a menor parcela do continente americano.
Êste meridiano de partição dos domínios castelhanos e portugueses devia passar 370 léguas a ocidente
do arquipélago de Cabo Verde, contadas no seu paralelo; mas a defeituosa definição não fixou a ilha
da qual haveria de se proceder à contagem, além de que se suscitaram divergências quanto ao número de
léguas contidas no grau de longitude. Esta dupla indeterminação nunca foi levantada, a-pesar de reiteradas
tentativas, ficando a partilha da América do Sul sujeita a contestação, até se tornar obsoleta e inútil.
Houve sempre uma zona litigiosa cuio extremo ocidental, com o correr dos tempos, atingiu o
eqiiador e o Amazonas. Em I5I9 ainda o rio era pelos castelhanos incluído na sua esfera. Assim o dá
a entender o diploma que instituiu brasão aos descendentes dos Pinzones, no qual el Brasil, pertencente
a Portugal, é citado depois de el gran rio; e temos disso um testemunho mais explicito, embora não
revestido de caracter oficial. Enciso afirma, naquele mesmo ano, que a linha de demarcação caía entre
os rios Mar dulce e fiUranon. e mais perlo do primeiro. Se o Mar dulce tem de ser identificado com o
Amazonas, o Brasil estava pois a oriente dêle; todavia as pretensões portuguesas transpunham
semelhante divisória e em 1524. no congresso cosmográfico de Badajoz, rccuavam-na para o poente.
Cinco anos depois. Diogo Ribeiro, cartógrafo português ao serviço de Carlos ^ desde julho de 1523,
riscava nos seus mapas o meridiano de demarcação pelo ponto da costa americana situado no eqiiador,
e deixava o Marafion inteiramente na esfera portuguesa.
O colapso de Portugal, absorvido em 1580 por Castela, relegou para plano inferior a questão
dos limites, mas parece já ler encontrado ampliados os do Brasil. Em 1637, na doação de Bento Maciel
Parente V), o rei das Espanhas declara que a repartição das jndias do Reino de Castelta entre no Rio
de Vicente Pinzon, o actual Oyapoc. distante 40 léguas do cabo do Norte; para êle a costa brasileira
avançava até 4o de latitude boreal, exactamente como hoje.
Depois da restauração de Portugal em 1640, D. ]oão IV persistiu na mesma doutrina,
confirmada depois de múltiplas peripécias pelo tratado de Utrecht em 11 de abril de 1713. Finalmente a
prolongada disputa entre a França e Portugal àcêrca do rio de Vicente Pinzon, herdada pelo Brasil
quando em 1822 se tornou independente, foi resolvida em favor déste pelo laudo arbitral suisso,
proferido em 1 de dezembro de 1900.
Tomado pois na acepção que chamaremos hislórica, e através das indecisões resultantes da
imperfeita convenção de Tordesilhas, pódc o Brasil primitivo considerar-se limitado ao norte pelo
Amazonas e distinto do actual Brasil, que abrange mais a região entre este rio e o curso do Ovapoc,
terminando no cabo d*Orange. Ora. dentro deste critério, não há dúvida de que a sua descoberta se deve
a Alvares Cabral em abril de 1500, visto como antes desta data não consta que outros tivessem visitado
a região amazónica. nem á fortiori paragens mais meridionais.
Isto deixámos nitidamente provado. Alonso Hoieda em 1499 não viu sequer a foz do Orinoco,
o Rio grande do mar doce, quanto mais o Amazonas; mesmo para os que admitem a inteira exactidão
do seu depoimento em 1512, êle ficou pela Guyana holandeza. Contando sua segunda navegação
empreendida em 1499 com Hojeda. Vespúcio falta à verdade, por ignorância ou por fraude, quando
afirma ter arribado em de latitude austral; e não é èste o único ponto em que a narrativa contraria
factos averiguados.
Vicente Vai^ez Pinzon, da mesma sorte, não atravessou em 1500 a equinocial, embora se
Ide SmrM/r ni d^^^^^ ^^^^ ^P"^^*•'^^ lê Drasil no continenle americano austral é
t"*) Caetano da Silva, op. dt-, § 1617 a 1630.
198
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
gabasse de tal feito; a descrição que èle féz da viagem demonstra a fraude. E' certo que então nao
visitou o Amazonas; o seu Santa Maria dei mar dulce era o Orinoco, e Santa Maria de la Consolación
um cabo situado enlre os dois rios. porventura o d Orange. A lenda, que o erigiu em descobridor da
laxa de litoral, compreendida entre o cabo de S. Agostinho e o delta do Orinoco, estriba se parte no
depoimento de Pinzon em 1513, quando afirma ler tocado nêsse cabo. e por outra, nos textos de
Mártir (1516) e de Oviedo (1526 e posteriormente). O capitão espanhol, porém, ignorava qual era o cabo
de b. Agostinho, conhecido em Espanha tam sòmenie pelo que dêle dizia Vespúcio. pois dois anos
mais larde nao apareceu pilôto castelhano algum que com certeza lá tivesse estado; e quanto ao texto
do protonotario apostólico, apura se que o rio Mara/icn, cujo achado é nôle crróneamente atribuído a
Pinzon, é um no distinto de Santa Maria dei mar dulce, único visto em 1500. Nâo há que ler fé em
Oviedo, no tocante à data da descoberta do Maranon. nem mesmo é certo que Pinzon se vangloriasse
dela, a-pesar da asserção do cronista.
De Diego de Lepe se ignora completamente onde e quando arribou à América em 1500,
porquanto nenhum crédito merece a única narrativa existente da sua viagem, forjada por Las Casas
com materiais colhidos num imperfeito extracto das Probamas. nós lemos por seguro que só depois
de 1502 este nauta, menos falado que Pinzon, descobriu o Maranon, identificado com o Amazonas.
Por fim, Alonso Vellez de Mendoza nem sequer esteve no continente americano no primeiro
semestre de 1500. pois é imaginária a viagem de então ao cabo de S. Agostinho que, segundo o
testemunho isolado dum piloto, lhe querem atribuir.
A nenhum dos quatro navegadores pôde ser imputado o feito de descobrir o Eirasil primitivo.
Se nos quisermos agora referir ao estado moderno, constituído definitivamente quatro séculos após sua
descoberta, ainda nâo transparecem razões para pôr em dúvida a prioridade dos portugueses, anterior-
mente afirmada. Em 1500. Vicente Vaiiez Pinzon nào ultrapassou o cabo d'Orange. mas é possível que o
fizesse Diego de Lepe, conquanto certamente nào atingisse o Amazonas: todavia como tal náo passa de
uma hipótese, privada de qualquer confirmação, por ténue que seja. devemos pô-la de lado, cingindo nos
apenas a factos provados ou ao menos prováveis. A descoberta do Drasil, como quer que entendamos
o térmo. cabe a Álvares Cabral; os quatro castelhanos a quem comummente a atribuem não passam de
seus falsos precursores. Esta conclusão em nada acrescenta aos merecimentos do almirante português,
e tampouco obscurece os daqueles intrépidos capitães; mas restabelece a verdade dos factos, até agora
envolta em lenda e em hipóteses inverosímeis.
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os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
APÊNDICE A
SEGUNDA NAVEGAÇÃO DE VESPÚCIO
Traduzido da Lettera di Amerigo Vespuci deite isole nuovameníe trovato in quatro suoi viaggi,
Florença, 1505; apud Vignaud. Améric Vespuce. Paris. 1917, pág. 325.
Dl segunda vlxgcm e do que neU vi mais digno de memória direi o que icgue. Partimos do pAno de Cadiz lté«
navios de conserva no dia 16 de Maio de 1499 e começámos nosso caminho direitos às Ilhas dc Cabo Verde, passando i
visla da ilha da Qr^n Canária, e naveglmos alé que lomos ler a uma Uha dlla do F090. Feita iqui provisAo dágua e lenha,
lomimos nossa derrota pelo sudoeste e em 44 dias avistámos uma nova terra que lulgimos ser terra tirme e continua com a
adma mencionada, a qual esti situada dentro da zona tárrída e lóra da linha equinocial, para a banda do sul. Sâbre ela se
eleva o pólo meridional S graus, (óra dc todo o clima e dista das ditas Ilhas pelo sudoeste 500 léguas. Os dias eram Iguais
is noites, porque arribámos em 27 de Junho, quando o sol está perto do trópico do Câncer (■). Esla terra atravessada por
rios grandíssimos estava lõda alagada, e de com£<o nSo vimos gente. Surgimos com nossos navios e arriámos os bateis, nos
quais fomos a terra que. como dissemos, era sulcada por grandíssimos rios que a Inundavam. Tentámos em muitos pontos
desembarcar mas, a-pcsar das muitas diligencias, as copiosas águas iluviais nAo nos permitiram chegar a lugar que nlo
estivesse encharcado: mas por (sscs rios adiante vimos muitos sinais de ser a regiSo habitada. Visto como nlo pudemos entrar
nela. acordámos de tomar aos navios e abordá-la noutro ponto; levantámos as âncoras c v <s entre o levante e o sueste
pela costa adiante, que assim corria, e por espaço de 40 léguas tentámos mullas vezes > . >icar. mas foi tempo perdido.
Achámos nesta cosia correntes que contrariavam a navegaçXo, dirigidas dc sueste a noroeste, de sorte que, vistos
os obstáculos levantados à nossa marcha, resolvemos em conselho retroceder pelo noroeste. Tanto andámos ao longo do
litoral que demos com um belíssimo pòrto formado por uma grande Ilha que estava i entrada, havendo dentro uma grandíssima
enseada; e navegando para entrar nela ao correr da Ilha vimos multa gente, o que nos alegrou. Prepanmo-nos para surgir
onde víamos a gente, que poderia estar afastada cérca de 4 léguas do mar, e enlrvmentcs apareceu-nos uma canóa no alto
mar carregada de homens, qfle resolvemos apresar. Tanto que (liemos a volta com os navios, com hto de a nSo perder e
navegando com vento fresco, observámos que estavam de remos alçados, cuido que maravilhados do aspecto de nossos
navios: como nos aproximássemos, meteram os remos á água, dlríglndo-se a (erra. Tínhamos uma caravela de 45 toneis muito
veleira, que se pós a barlavento da canôa e, quando julgou tempo dc dar sõbre ela. largou cm sua direcçlo. e nós de
companhia. Quando a pequena caravela chegou á altura da canóa, passou a sotavento, sem investir com ela, que, vendo sua
vantagem, féz lôrça de remos para lugir. Nesta altura já estavam no mar nossos bateis com boas campanhas c pensávamos
apanhá-la: mas trabalhámos mais de duas horas, e por fim, se a pequena caravela noutra bordada nlo apertasse com ela,
linhamo-la perdido. Cercados pelo navio e baleis, aliraram-sc lodos aqueles homens ao mar, que seriam uns 70. A distánda
de 2 léguas de tetra: seguimo-los nos baleis, mas em todo o dia só agarrámos 2 por asserto, alcançando os outros tem a
salvamento. Na canoa ficaram apenas 4 rapaíes. que náo eram da raça dos restantes c vinham cativos doutra parte; tinham-nos
castrado, pois estavam sem membro viril e com as chagas ainda frescas, o que muito nos espantou. Recolhidos a bordo,
disseram-nos por sinais que os tinham castrado para os comer, e soubemos entlo que aquela gente era dum povo chamado
Canibais, que comem carne humana. Dirigimo-nos a terra com nossos navios, arrastando a canóa, c lundeámot a mela légua.
Como víssemos multa gente na praia, lomos a terra nos bateis, levando connósco os dois homens aprisionados e quando
desembarcamos todos fugiram e se esconderam no mato. Concedemos liberdade a um dos prisioneiros, a quem demos mullos
guizos, encarrcgando-o de dizer aos seus que queríamos ser amigos déles. tarefa de que élc se desempenhou multo bem,
trazendo consigo lôda a gente, que poderia ser loo homens e multas mulheres. Vieram ter connósco sem arma alguma, e
travada com éles amizade, restilulmos-lhes o segundo prisioneiro e a canóa, que mandámos buscar aos navios. Esta canÓa
linha 26 pés dc comprimento e 2 braças de largo; era cavada num só lionco dárvore c muito bem trabalhada {*). Depois de
a terem varado num rio c postô a bom recato, fugiram todos e náo quiseram mais ter comércio connósco, o que nos pareceu
de bárbaros c de homens sem fé e de ruim condição. A alguns déles vimos um pouco douro que traziam nas orelhas.
Partindo daqui, entrámos na enseada onde achámos espantosa quantidade dc homens com a qual fizemos
amizade, e foram com éles muitos dos nossos a seus povoados, sendo bem recebidos com tóda a segurança. Neste lugar
obtivemos 150 pérolas em troca dum guizo, e um pouco douro gratuitamente. Neste pais bebiam um vinho ou cerveja, de cÔr
branca e vermelha, iabrlcado com fratas e sementes, de que o melhor era feito de mirobotani t multo agradável; distes,
muito saborosos e' salutares ao corpo, comemos grande quantidade, pois era a sua sazio. A terra é multo fértil de manti-
mentos, e 05 habitantes dc boa prática c os mais pacílicos que encontrámos até aqui. Ficámos neste pórto 17 diaa com muito
apraziniento: e cada dia vinham do interior novas gentes, a maravilhar-se dos nossos rostos e brancura, dos nossos trajes «
armas bem como da lórma e grandeza dos navios. Déles tivemos novas de que mais ao ocidente havia outro povo Inimigo,
que tinha inimita cópia de pérolas. tcndo-Ihe êles tirado em suas guerras aquelas que tinham; dlsseram-nos mais como
nasciam e eram pescadas, e com verdade, como Vossa Magnilicéncla ouvirá.
Partimos dêste pÓrto e navegámos pela costa, onde continuamente vtamos lumo e habitantes; c ao cabo de
muitos dias ancorámos num pórto, no qual concertámos uma das nossas naus que fazia muita água. Al achámos muita gente,
com a qual nâo pudemos ter comércio algum, nem a bem nem a mal; quando íamos a terra, defendlam-lhe bravamente o
acesso e esgotados os recursos. lugiam para o mato sem nos esperar. Separamo-nos distes bárbaros, c prosseguindo
chegámos à vista duma ilha distante 15 léguas da terra, e resolvemos vcrilicar se era povoada. Nela encontrámos os Indígenas
p) JS •e«Hoâni<» no Iwlo a *nt> VMpOOo; •. n« noto ». «mh»dl(*i» hm àuUí
(») Mo M maneifi dt «wiitod»» JO homaiu num* unM com mIu tfImcntAM. í* «mH d«f
201
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
mais leloi e bestiais que dar se pôde; desprezíveis de figura e gesto, Iraziam as bochechas cheias duma herva verde, que
continuamente mascavam à guisa de animais, e de tal sorte que mal podiam lalar. Todos traziam penduradas ao pescoço duas
cabaças, uma cheia de herva que mascavam, outra duma farinha branca semelhante a gesso em pó, e de vez cm quando
molhavam um luso na bôca, passavam-no pela (arinha. depois mellam-na na bõca pelas duas pontas, cnlarinhando a herva
que lá tinham. Isto laziam multas vezes, o que nos maravilhou, pois nao encontrávamos explicação para tam estranha prática
nem o seu fim. Tanto que nos viram, vieram ler connôsco tam familiarmente como se fossemos amigos, caminhando conndsco
na praia em inteligência. Desejosos de beber água fresca, íizeram-nos sinais de que a nao Unham, olerecendo-nos de sua
herva e farinha, de maneira que imaginámos ser a Ilha pobre dágua e que. para defender-se da séde, traziam na bôca aquela
herva e farinha. (») Andámos pela Ilha dia e meio sem acharmos água viva. e a que éles tinham era o orvalho da noite
juntado em certas fôlhas que paredam orelhas dasno; desta bebiam e era excelente, mas dessas folhas havia em poucos
lugares. NSo Unham nenhuma espécie de viandas, nem raízes como na terra firme, e alimentavam-se com peixes apanhados
no mar e déstes rinham grande abundSnda. sendo excelentes pescadores. Apresentaram -nos muitas tartarugas e muitos e
bons peixes grandes; as mulheres nSo usavam mascar a herva como os homens, mas tôdas traziam uma cabaça com água,
da qual bebiam. NSo tinham povoados de casas, sequer de cabanas, mas abrigavam-se sob a folhagem, que os defendia do
Ml, mas nSo da água. suposto raras vezes chover na Ilha. Quando estavam pescando no mar todos traziam uma fôlha tam
grande que a sombra dela os cobria; espelavam-na no chSo. e como o sol se mudasse viravam a fôlha a geilo, assim se
defendendo do ardor solar. A Ilha continha muitos e vários animais, que bebiam água dos pSntanos. Visto que náo tirávamos
déles proveito algum, partimos daqui e lomos a outra ilha, em que achámos homens avantajados. Foi o caso que indo a
ferra por aguada, e nSo julgando a Ilha povoada por nSo vermos gente, como andássemos pela praia, dêmos na areia com
vestígios de pés muito grandes; e pensámos que se os outros membros correspondessem à medida, deviam ser dc homens
multo grandes, Por um caminho que se seguia para o interior, rcsolvemo-nos nove a procurá los, julgando que por ser a ilha
pequena nio podia ser populosa. Percorrendo círca duma légua à cala dessa gente, chegámos a um vale onde topámo* com
dnco cabanas que paredam desabitadas, mas onde achámos cinco mulheres, duas velhas e trés donzelas fam altas que as
olhámos admirados. Logo que nos viram apoderou-sc delas tam grande terror que nao ousaram fugir; as duas velhas
começaram a convidar-nos com palavras. Irazendo-nos muitas cousas de comer que nos serviram numa das cabanas. Eram de
estatura maior que a de um homem grande, e seriam dc corpo maior que Frandsco dos Abisi.. mas melhor propordonadas-
de sorte que nos assaltou o desejo de levar as três donzelas à lòrça para Castela como curiosidade. Estando nêsse propósito!
começaram a entrar pela porta da cabana obra de 36 homens muito maiores que as mulheres, e tam bem feitos que era coisa
famosa de ver-se; licamos iam perturbados que antes quiséramos estar em nossas naus que em companhia de lai gente
Vinham armados de grandes arcos c selas, e de paus com grandes mócas, c falavam entre sl com semblante de nos querer
atacar. Em lai perigo se dividiram as opiniões, dizendo uns que era melhor cair sôbre êles mesmo dentro da cabana e outros
que fóra dela. alvitrando alguns como prelcrível nao começar a luta antes de sabermos o que ÍIcs resolviam. Dcddimos afinal
sair da cabana e irmo-nos embora, disslmuladamcnte para os navios, como se nada fôsse. e assim se féz. Seguimos para os
navios, e «les na nossa esteira a lance de pedra, lalando uns com os outros. Creio que o mêdo era igual de parte a parle
porque ás v«es parávamos c «les também sem se aproximar, e assim chegámos á praia onde nos aguardavam os bateis"
Entramos nêles e quando nos fizemos ao Urgo, saltaram e entraram a disparar-nos muitas setas, mas já os nâo receiavamos
Disparamos.lhes dois tiros de bombarda, mais para lhes meter médo que para lhes causar dano. e lodos fugiram para o
monlado; assim os d.ixámos. parecendo ter escapado a uma jornada perigosa. Andavam nús como os demais moradores
da lha. que chamámos dos Oiganles por causa da sua estatura. Prosseguimos mais pela costa adiante, e aconteceu-nos
multas vezes combater, porque os habitantes nada consentiam que tirássemos da terra, e já queriamos voltar para Castela
por andairnos hi perto dum ano (') no mar e poucos mantimentos e ésscs mesmos deteriorados pelos grandes calores
50 ridos. Depois que partimos das i has de Cabo Verde nlo deixámos de navegar na zona tórrida e duas vezes atravessamos
a linha equinocial, porque, como acima dissémos, chegamos 5o ao sul dela e aqui estávamos a 15o para o norte Sendo essa
nosM Intenção, aprouve ao Espirito Santo dar algum descanço a nossos trabalhos, e foi que. procurando um pòrto para
d^S;;» *rn,r^°h,.?,''1^ """"Tf "^""^^ "^""^ ^ "-«^ Srandlsslma quantidade
de pérolas orientais, bastante boas. Aqui permanecemos 47 dias. arranjando 119 marcos de pérolas a Irôco de poucas
r^U"" « ^^""««s. POÍs que só dêmos guizos, espelhos, contas, dez pedaços dc vidro e
oo^ IZ 17 f " davam quantas pérolas tinham. Ensinavam-nos como e onde as pescavam, e deram-nos mul.as
das ostras em que elas nasciam. Compramos-ihes uma ostra na qual encontrámos 130 pérolas, e outras com menos- a
pr meira tomou-a a Rainha e as demais tratei de lhas ocultar. Saberá Vossa Magnificénda que se as pérola^ nâo es áo
«cl LL H , . ' ' estragam-se depressa, e disto tenho experiênda; quando estão maduras
hcam destacadas na carne da o;"»- e «sas sSo boas. Por numerosas que lôssem as más. pois na mór parte eram rudes e
mal luradas, todav.a valiam muito dmhelro. porque se vendia o marco a Ao cabo de 47 dias. deixámos esta gentrchei!
M nT '/nf " necessitando renovar as provisões, fomos aproar à Ilha de Aniilha. que d scobriu Cris Lo Colom^
iit.ror. rHir r? abastedmemo e nos demorámos dois meses e .7 dias. Aqui passámos grandes
frabalhos e perigos com os próprios cnstâos que estavam na ilí,a com Colombo, e creio que por Inveja o que deixo de contar
^Lbr^^dr^Si F Th ' « e e„,LosnTpo°rto de adifaTdé
íwlembro. de dia. Esta é a minha segunda viagem. Deus seja louvado.
fi,"" <"><ie bebum o» anim.ii. * ' d'»'», mal, adlanU. o florentino conta-noi que v4riM
202
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
APÊNDICE B
PRODANZAS DEL FISCAL V DEL ALMIRANTE
Extracto dos Documentos inéditos de índias, tomos VII e VIM da 2.» série. Pleitos de Coton
(Os depoimentos que se não encontram em Navarrete vão marcados com O e com t os que Ôle resumiu)
PRODANZAS DEL FISCAL
2.' Pregunta. Sí Siben que el dicbo ãimtrante D. Criilobãt Colon, çuêndo dise que descubrió a Pêría no tocó
syno enla ysla delã Trinidad en ia parte de Asia a ta mar ques debiado dela costa de Uerra firme que diien Paria e que
de aquelia ysla se apartó ta via dela Espafiola e que no viò ni descubrió la ysla Margarita quando vénia ny pasâ à vista delia.
Alonso de Hojeda (1513. S. Domingo) — dNo. que lo que «ave e« quel dlcho almyranle don Chriftoval Colon,
vlnvendo de Castilla, para esla \í\í Espaftola, cchó en su navegacion algo ma» al médio dia. creycndo hiUar unas v«lat qucsie
dlctio lestigo le avia dicho que avia. por vnlormacion que lenia de un Índio, e vlnycndo aiy de camvno para MU v>l>
Espaftola. locó en la ysU de Trcnydad e pasó por enire la dicha ysla y Doca» dei Drago, que ct en Paria, e vfnyendo bu
derrola para esla ysla Espaftola vió Ia ylla Margarita, e que no locó cn oira Herra nynguna. Pregunlado cúmo lo sabe. dlxo
que Io sabe porque vló esle lestigo la figura quel dícho almyrante al dlcho liempo cnvió a Caslllla «1 Rey e Reyna nueslroi
sci^ores de lo que avia descubierto. y porque esle lesligo luego vino a descobrir y halI6 que hera vcrdad lo que dlcho tlene
quel dlcho almyrante descubrió.
Vicente V^fiez Pinson (1513, S. Domingo) dixo. que esle lestigo no lue esle vla|e conicnido en esta prcgunU
con el dlcho don Cristoval Colon, salvo quem mismo aflo quel dlcho don Crlsloval pasó é lué á dc&cubrir. este lestigo fui é
descubrió por mandado de su Alleia desde el cabo que dlien de Consolación « la cosia de lenguo hasla la boca Dragon
é que alli en la boca dei Dragó halló este lestigo seftal i nucvai como cl dlcho don Cristoval avia llcgado alll á la boca dei
Dragó é que no paso á otra parte, salvo que luí derecho i la y«la Espaiíola. é que encontro cn el camino con una ysla que
te puslercn por nonbrc la Margarita é que de aquel vla|e »e íué á la ysla Espartola. é queslo sabe esle lettlgo por to qu«
dicho liene é portiuc asy SC lo dixeron pilotos é personas que fueron con el dicho Almlranlc. É que a>y fue publico, t que
por esto lo liene este testigo por derto.
Bartolome Rold^in. piloto. (1513. S. Domingo) -dixo. que sabe que al tienpo quel Almirante don Cristoval
Colon vino á descubrir i Parla, este tcsilgo venya por piloto de una caravela que vénia en conpaftla dei dlcho Almirante, é
que vido este lesligo como llegaron i Paria é co)eron alli en el gollo é tomaron agua. é que rescataron algunas perU. é
quesluvleron ally surlos syetc ó ocho dias. poco mas ó menos, é que después alçaron vcUs í se ^l"^'™" •
Margarita á esta ysla Espaftola. é que en aquel viaje no descubrió el Almyrante otra cosa. porque «y lo descubrlcra. e«t«
tesilgo lo viera porque venla en su compaftia.
a Diego Prieto (1515. Paios)- dixo. que puede aver dczyocho o dezynueve aflos que este lestigo M a descobrir
con bicenlyaSz y que yva con el dlcho blcenlyaftez dicgo mariln pinçon vezlno desta vilta por pllolo y que te oyó d"" "*»
Tdic o d lego Urín que podya aver un afto que avya estado cm Parya con el almirante don Cristobal ^^^^ ^^-^^^^^
almirante aviéndola descobierlo lomó quatro o cynco yndios para tomar lengua de la lierra e los llevó consygo . l. ..pâhola
por que se yva de viaje e que lo demás conlenydo en ia dlcha pregunta que lo non sabe.
® /»anuel de Valdouinos (1515. Lepe)~dÍKO. que lo que sabe e» que esle testigo fué a descubrir con vlwite
vaftes pincon ei segundo viaje, e que íué a descubrir a las bandas dei suoeste. e que yvan deniro en el dicho navio dertas
íeÍsonas que avian ydo con e dicho almirante don Cristobal quando diz que descubrió a paria, e que las Pcrs<,n« h«„
Di«o martín v^tno de Paios, e sus hijos juan martin e Frandsco marHn e algunos otros. e que esle "«8° «V* ««"'^
T Td re^:rare:;r^^^^^^^^^^^ iJ^:. r:: t::::^-^jrerí::^::v
^oiloTpa ,1 U boca^. p.ra v. a^.^^^^^^^^^^^ e que esle tesUgo no sabe
»y el dicho don Cristobal descubrió la ysla margarlta ny sinó ny sy paso a vista delia n. sy no.
3^ Si saben que los díchos Cristoual Guerra e Pero Alonso Niiio e los que fueron en su compaltla descubrieron
^irH. ,..f» firVde P.»,yeel resgate de las perlas e la ysla Margarita e que despues de le auer descubierto el dicl,o
ata voca dei Drago.
„■ , n5l3 S Dominqo)-dixo. que al tienpo que Christoval Guerra e Pero Alonso Nlflo lueron
molas í*^'"' J"*"'"^; de luan de la Cosa a descobrir, e parlleron. primeiro hoieda
a descubrir. esle tesl.go V« «'7""^ "^^^^^^^^^^^ 2,,^ , Christoval Guerra pariieron despues. poco tienpo. dei
r '"^h'' ^«^slfas lueron ^ rio" mo dei p"ri^^^^^^^ fu. por una parle y la otra por otra. y en la flota cn que
Condado e ertramas «o'" ^Zlo <^e Hojeda. llegó primeiro 1 la vista de U tlerr. de Paria, pero que no desenbarcaron
:"X»rn tdeun". 1 1 a qumie dias ?iegaron Christoval Querra . Pero Alonso Nyro y enlraron dentro e„
203
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Pírtâ ■ la parle donde el almyrantf avia riegado. t de allv tomaron Brasyl e saliéronse e lueronse a ra Margarlla. a la qual el
•Imvranle no avya llegado. e ally rescataron las perlas e se volv/eron a CasrlUa, e dende a poços dias, la llotâ en que wa
eale tesiigo, asymvsmo fué a casrilla, e allv se hallaron la gente de una llota e de otra e platicaron las cosas de sus viajes
que alJy supo este lestigo lo que dlcho tiene.
« Anton Garcia (1513, S Domingo)- dixo, que oyo dcilr Io conlenydo en la dicha pregunla, porque al rienpo
que vinyeron de descobrir, los dichos Pero Alonso Nyiio e Chrisloval Guerra aporraron a Oalizia, e este lesiigo se halló a
donde dcsenbarcaron y les oyo deilr lo conlenydo en la dícha pregunta. e que sabe quel dlcho Almyrante no avya locado en
las Pertas al rtenpo que los suso dichos ally tocaron. Pregunlado como lo save. dixo que porque lo oyo dezir a los suso
dichos e as otras personas que no se acuerda de sus nonbrcs, porque las perlas quci dlcho almyrante llevó el viaie que
descubrio a Paria, fui de la dicha lierra (irmc que dfzen Paria, qucs junto con la ticrra obra de doze léguas solo descubrieron
los dichos Pero Alonso e Christoval Guerra.
« Juan de Xerez, piloto. (1513, S. Domingo) - dixo. que sabe que al llempo que Pero Alonso Niflo é Cristoval
Guerra fueron i descubrir, csle lestigo estava enla Espahola. é quando fué á Caslílla esle testigo los falló en Sevilla é les
oyo dezir á cllos é i los marineros que con ellos yban Io conlenido cn la dicha pregunta. é queste teslioo vido las perlas en
Sevila. é que asy mismo oyó dezir á los suso dichos é á los que en cl primero viaje avian ydo con cl Almiranle. que no
avU locado en el golfo de las perlas el dicho Almirante.
H< H„ rl Sevilha)-^ dixo, que lo que sabe es que dende a derlo tienpo quel
dlcho don Cristoval Colon avia vemdo de descubrir, vido este lestigo que lucron a descubrir Cristoval Guerra e Pero Alonso
Nino por su piloto, e vido esto testigo que llevaron uno 6 dos navios con gente, e lue publico que yban a descubrir tierra e
que hieron su viaje c dixeron publicamente en esta dbdad, dende a un afto poco mas o menos, quel dicho Cristoval Guerra
L 11 "'«^ "-Pf -«""«o. que avlan aportado a las yslas de Vayona cn Galizia. e que avi^
dfscublerto a dicha ysla de las perlas que se disze Comaná. e que despues de venidos a la sazon estava en «la cibdad de
S« r >tf > n *"'"p^"V* "^T"'' « visto este tesUgo que los
dichos Cristoval Guerra e Pero N.í^o vinieron al dlcho oblspo don luan de Fonseca a dar razon e cuenta de fa tieJra quí
av^an descub.er o. e que este tesllgo le oyó dezir al dicho Crisioval Guerra como el avia descubierto la tierra de Pa a e la
í 1 L™T P H í f "'^P"^J'"/ « '° cierto este testigo por lo que despues vido en U
dicha Herra de Pari. y en las dlchas yslas de Comaná e la Margarita, que fue esle lestigo allá en servido de sus Altezas
0 Juan Rodriguez, pilota (1513, Sevilla) -dlxo. queste testigo no fué en el vlaic conlenido en esta oreounta
ma. de quanto vido este tesllgo al dlcho Cristoval Guerra é Pero Alonso Nii^o quando vinieron de descubri é dixeron que
avian de«ubicrIo ioda la tierra firme que esta adelante de Paria, que cs desde Paria fasta Paraguaná que es lá provinda
«„t tr^ri:: íe"™.!."' ' '"-^ ^^'^ ^^^^^ ><' •™van%scríto'ros"ue c^o^rê^io:
.«1* rt. ^J^i^n''^ ^Tn ® Domingo) -dixo, que sabe que al tienpo que Alonso de Hojeda vino á descubrir
avia de yr Crislova Ouerr. é Pero Alonso Nyilo con el dicho Hoieda. é ante que se partiesen ovo entre ellos derto deba'*
d Juh^H P*^"** ' se partieron despu 7d icho Hoieda â
los de«cho TdlAl^.^^ ""''"^'^ ' ^"3a..ron perias é Ias llevaron á Sevilla é de las p gíon
oaria ^ «.nSr^r^" "1 ^"^^'^ ^^^'>^^ ^""^ «^^e que los dlchos pero alonso niflo e cristoval guerra fueron a
descubrir el rescate de tas periâr^es avIlTdf n.l . ^ P"<> ^ ^ sus hermanos que venian de
dela que dezian que trayan de dlch\ "sc^ ° e .ue «te .«11.^ ido n''/ T !T. '''''' ' ^"
no vem. coo el md,o pero alonso ni.o ny Vn^o ^rsu^hranoVe^^u^ ^'^ ^'^^^
descubrir q«f esfr^esígoTué eTlu c'?oaí;;atirt.r'' '^^"^,«^6 dezir que el segundo viaje que viccynie yafíez fué a
e que el 3lcho viaje este tesL dezií cueZ VXT "".^,"7"'^° ^" '« Cristobal Guerra e pero alonso niho
pero que «te .«tlgo To ^ ^'^st^t^^r:^:^^^ ^ ^ ^Z^'""'
204
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
Cristobal Oarciã (ISIS, Patos) - dUo que oyó d«lr lo conlcnydo cnU dicha prcQunla a muchot marYnctoa
que coneUoa lucron, e vido al dícho pcro alonso nlfto e a crístovil guerra en aevllla c alll «ufo e«ie teatigo que avfan
descubieno t\ reagate dclaa perlas los sobrcdichos e lo demaa conlcnvdo cn la dicha prcgunla por que lo oyú dealf asy
como enella se contiene.
0 Diego Fernandft Cotmenero, (ISIS. Paios) -dixo que sabe que el dlcho pcro atonto nlAo t crlsloval suem
armaron un navio e (ueron a descobrir e locaron en la Herra tlrme de parta e descubrlcron cl rvsflatc da laa perlas i que lo
dcmis contenido en la dicha pregunla que non lo sabe; preguntado como lo sabe dyxo que lo sabe por qu« al tlcnpo que «I
dUo pero alonso nino armó e cristoval sucrra. armava vvcentc yancz, v eale Icatlgo lu< por capitan de un navio en su
compaiMa dei dlcho vvccnte vatez c por esto lo sabe e que vido las perlaa e embalada que Irugeron el dicho crlsloval tutm
e pero alonso niAo e por es)o to sabe.
4.> Si sjben que los dichos Cristobal Ouerra e Pero Alonso Ni/lo descubrieron el rcsest€ âe las pêríês # III
resCMtaron e AporLiron a Ojlicya e de alli binieron a SevilU e dieron cucnia delias ê don Juan de Fonseca qut lenia cargo
por Sus Altezas e pagaron la parte que a Sus Alteias perteneeiãn e si saben que al tienpo que los susodichos rescataron la*
dicbas perlas el dicho almirante no avia entrado ni tocado en aquelles lugares ny parte.
^ Pedro Medel (ISI3, S. Domingo) - dIxo, que lo sabe segund que cn cila sc conticne, porque lo oyó asy dcair
á Pcro Alonso NIAo i á sus pilotos é á los que cn su compaiMa fueron, 6 que sabe que estando ^1 cn Castilla, vido que
llegaron k Oalizla los suso dichos. é que dc alli los llcvaron presos i la corte, al dlcho Pcro Alonso Nyfto é í el maeitrc *
capilan de la dicha Armada, e que asy mtsmo vido como pagaron los dercchos al Rey dc perlas que llcvaron S cl Oblapo
de Paicnçia. que agora el. que cnionccs lenia cargo por sus Altezas, í que sabe que haila cntonces ninguna pcrsona abla
llegado donde Pero Alonso llcgó, asy porque lo oyó dczlr á los suso dichos. como porque lo h visto por la seftal dc la
caria dei marear.
6J Pedro Medel (1515. Paios) - dixo quelo sabe por que se lalló presente, e asy mlsmo vido dar la cucnta cn la
dbdad de scvilla e que la dieron delo contcnido enla dicha pregunla á Don luan de lonseca, e que dcsía esto sabe.
0 Juan de Umbela, piloto. (ISIS, Scvilla) - dlxo que dirc lo que dicho ha c que este lestigo supo cn esta dbdad
quando vlnlcron los dichos Cristobal guerra c pero alonso nlfto c los oiros dc descobrir cl rescate de ias dlchas perias dc los
mismos como avian aportado en galicya c que de aili avian vcnido a esta clbdad de scvilU dercchos e que este tesilgo vido
que los sobrcdichos dieron cuenta de las dichas perias e rescaic al scftor don luan de lonseca cn nonbre de su alteza e que
el dlcho seflor don iuan rcscibió la parte que su aileza pcrtenezia segund que lo oyd dczlr e que este tcstigo oyó dcxyr a los
dichos Cristobal guerra e a los oiros sus compafteros e a otros que el dicho almirante no avia entrado nl allegado al dlcho
rescate delas dichas perias salvo a paria c asy lué público e notório.
® Merrando Esteban. (151S. Paios)- dlxo que la sabe por ques dcrlo que vinicron de laa perlas el dicho pero
alonso niflo e crisloval guerra e aportaron a gailcsia y cslc tesligo los vido en la dbdad dc scvilla dar qucnia e razon a don
luan de lonseca que tenía el cargo cn ia dudad dc sevilla e lo dcmas contcnido en la dicha pregunla que lo non sabe.
9i Cristobal Oarcia (1515. Paios) dlxo que la sawa como en eiia se contlenc por que vido como lo« dlcho» pero
alonso nlfto c crisloval guerra descubridores dieron quenta a don iuan de lonseca obispo qucs agora de burgos, c que lo
5em« «nlcnldo enla dicha pregunla sy locaron a tocó cl dicho almirante anics dcllos o no. qucsie Icstlgo non lo sabe.
9, Arias Pérez (ISIS Paios) -dixo (M que sabe lo contcnido por que sc lalló cn sevilla al llenpo que vlnlcron
con Ias dichas perlas e cslc 'tcstigo vido como cl dicho pcro alonso niflo c crisloval guerra armadores truxeron rnutíia antidad
droerlafe d!eí>rcucnta ai obispo don juan de fonscca. que i la sazon lenya cargo dello por sus all«a. v «lava en «villa
e que ?o sabe cLrcn la dicha pregunla se conllcne quei dicho almiranie non avia tocado ny cslado en los lugare. quel
dicho «sgííe dc perias estava e se ?alI6. c que lo sabe por que asy lo oyo dezir e dello lue ynlonnado a. tlcnpo que lo
susodícho paso de los dichos armadores y gente que dei dicho viaje vinicron.
los dicbos ff '-•^''*^J^'';7/, LTil cargo por Sus Altezas e que los d.cbos Juan dc la Cosa ny hofed» no auian
ZelTcZ TdLTaZZleZ Zel Vage^qu^ d,ze que uino ala boca dei Dragon e que lo que descubrieron fué por
su càbsa e industrie.
A^Hrd rf* Morales oiloto (1513. S. Domingo) - dixo. que save lo en cila conlcnydo. porque a hablado mucha»
vezes con ' de ú uL'! pilot e 'cLn aÍooso dc H^ojeda. cn las navcgadones dc aque. via|e. y de.pues cate tcstigo lo a
205
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
andado e njveflado mucha» veies e a visto ser vcrdad la rcladon que los sobredlchos Ic avlan fecho, que fue que partfcron
de la ytíi dei Ferro, que cn la ysla dc Canária, y fue a dar en la lierra firme, encima de lá província de Paria e
dlscurrieron por la cosra abaxo a la dicha provynda de Parla v pasaron mas abaKO a \ã dkha ysla de la Margarita, e de âhl
fasta Maracapana, descubriendo la costa tasla el dicho caçique Ayatraylc, donde el dicho Ctirisloval Guerra avia llegado e de
alty proMquio por la ditha coíta. de pueho en pucrto, fasla la ysla de los Gigantes, c de ally dcscubrieron a la província de
Q I fasta el cabo de la VcU. el qual nombre le pusicron los dlchos Juan de la Cosa e Hojeda, c que de ally s«
v\'L>,.:.<j ã vTSt^ sia Espaíiola.
Alonso de Hoi,'da, (1513. S, Domingo) díxo. que la verdad es que esle tesligo es el dicho Hojeda- vyno a
descobrir el primero despucs quel almyrante, e descubrió al mcdio dia la Iferra firme, e comó por cila casi doszieniãs lequas
hasta Pari», c salló por la Doca dei Draflo, c ally conosdó quel almyranle avia estado en la ysla de la Trenydad junto a la
Boca dei Drago, c de ally corrió e descubrió la costa de la lierr.i firme hasta el gollo de las perlas e vajo ia vslá Margarita
V la anduvo por tierra a pic, porque conosdó quel almyranle no savia delia nada mas de avella visto yendo su camlno e de
ya fue descubriendo Ioda aquella costa de la tierra firme desde los Frayles hasta en par de las yslas de los Qiganlcs e el
ffolfo de Veneda. que es en la tierra ílrme. y ia provinda de Ouqulbacoa, y en toda esta tierra firme dozienlas léguas anies
de Paria, y dcnde Paria hasta las Perias. e dende las Pcilas hasta Ouqulbacoa. que este tesligo descubrió nunca nadie lo avia
descublerto ny locado en ello. aay «I almryante como otra persona, y que esle viaje que esle dicho lestigó hizo truxo consloo
à Juan de la Cosa, piloto. Emerigo Vcspuche e oiros pilotos, y que fue despachado este tesligo para el dicho viaie dot
mandado dei dicho don Juan de Fonseca, obispo de Palenda, por mandado de sus Altezas.
t Nicoias Perez, maeslre (1513, S. Domingo) - dlxo, que save Io conlenydo, porque kii el dicho viaje con los
dichoi Hojeda e Juan de la Cosa. como dicho llene. e que andovo con ellos todo el tienpo que andovyeron descubriendo
aquel Viale hasta que volvycron a Castilla, y que este Icstigo vyó Ias yslas de los Frayles y los Gigantes e todo lo demas oue
en esta pregunla se contiene. ^
rf,.hn. Hnvf "f r""""' V*'^' ®- Do-ningoJ-diKo, que oyó dezir Io conlenydo e que fucron costeando los
dld.0. Ho,eda e Juan de la Cosa por la mysma costa de la lierra firme que) almyranle don Cnrisloval Colon descubrió e
pasaron por 'O «nlenydo en la dicha pregunla. porque lodo es una costa e una tierra. e que antes deslo cl dicho aimvrame
no avya .vaxado de la dicha tierra que dizen firme donde descubrió por la dicha costa, donde descubrieron los dichos Ho"e^
e 1 . Cosa por donde lomó su derrota desde Paria y la Margarita para se volver a esta ysla. como dicho liene enla
lcrc_ , , junta, e que save asymismo que los dichos Hojeda c Juan de la Cosa fucron despachados por el obispo don Juaí
de Fonseca en nombre de sus Altezas. Pregunlado cómo lo save. dixo que porque io oyó dezir a muchas pcr^onTs e al d ch^
Juan de 1. Cosa, e porque esle tesligo se halló en Sevylia al tienpo quel obispo don Juan de Fonseca los deTpachó
n„n tn A.<r. fh^^^I^M^^ '^l''"'^ ^'l"'.^- °°'"'"9°' testigo fue en el dicho viaje con Alonso de Hojeda e vyo
Trl n "^l ^ ""^ "■^9"°" * Boca dei Drago y (ueron descubriendo Z
LTL t Z^. T "^a""-/'^" '"^ ' «^9und dezian los marineros. y liegaron hastf dond d'"" e
nfn.l. t H ^ '^^ f^"^'" V °'9'"'"' « ''"^ ''««'^ no avya llegado allf cr sliano
íl fasta que murio. ^ ■ ^ '° O"'^" "Wdo. porque anduvo sienpre con
dicbos "oier étardT u''cot'/tu:'i?q!eir^^^^^^^^^ '° srf "'^^ ''''' ~ ' -
Almirante descubrió i Paria se vino como dkho liene i es?à J. f ^ ^ i " '
U lierra suso dicha í el Almlranle no al saído nv Jli» / f * t * «"«''^ ^osa á
despachado, por el Obispo que asor/ « de Palenaí d« i 7 T ' ''"'^ '"^^'^^
en aquella sazon. ^ '"^ ^^^^s^"* ^""le lesligo fué despachado por el
Holeda fueron i t^sUrir^^e^e' tesC esíava en AI^ÍaT* h"""' ""^^ ""^ '"^"^^ ""^ '
pa« vr i descubri^e Tu'e"i test « vlnn . ^ """^ nuestro sellor les dio licenda
Hol^l^a fueron arma^ ai' rio de San M^^^^^ é driSi « trl e^i'' ' 1°' ' '^'""^
poco mas o menos, los vhlo bolver á Se^íua ÍroaL rL P^"'^™" descubrir, é que despues. dende á ocho meses,
en aquel viaje, é vido en elU a Ô ,a que desS que es ZT.\LT T"^.'""'" "^'^
ânle. d«to el dicho Almiranlc no avia alLado i^r. 1^ o Ququibacoa. é que sabe que
rime no avia aliegado ally ny olra persona. Preguntado cómo Io sabe, dixo que porque fué dos vezes
206
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
con el dlcho Almlranle. cccbto tn el primero vUlt. é que nunca «Itl Ikgaron ny oyó deilr que huvlesc llegtdo. é que Mbt
que tueron tos suso dkhos dcspac^adol por el dlcho don ]uui dc Poniecj, obitpo que agor* <• de Paienda, que a U uion
lenia el cargo por sui Allezi».
Crisfobal Oarcia {ISI». Paios) dixe que lo que nbe et que al tienpo quel dlcho Ojeda c juan dclJ COU vlnleran
dc descobrir de Herra tyrine cílc lohgo eslaba en santo domingo e ally vinferon Io» »obre dlcho» cn un barquefe. que awlan
perdido lo» navio», e con obra de quinte a vcynle onbrv». que lo» otro» »ete avian muerlo e quedado e que ally ©Vd deilr
que los dlehos |uan dela cosa y hojeda avian destiuWcrto en la Herra (yrmc e que trayan mucho oro e lo que deiqubrieron
que fue mas adclante que nadie avia descubicrio e queslo lo oyó dezir a los dlcho» maryneroa e que ende vcnian dei dlcho
via|e e que non sabe mas de lo contenido en la dicha pregunta.
Diego Fernandez Colmenero. (1115, Palos) — dixo que sabe que tueron i descobryr e descubrycron los contenidos
en la dicha pregunta cn la tlerra lirme por su bucna yndustria y saber c que lo que descobrieron en la Herra lime (u# mucha
canlidad dc ticrra c que nadic la avia dc»cublcrto lo que ellos descubricron anic» y despue* c que lueron por mandado dei
Rey con licenda c despacho dei Oblspo don |uan dc tonscca como los oiro» de»cobrldores: preguntado como sabe lo
eusodicho, dyxo que porque (uc uno dc los descobridores e que por esto lo sabe.
T Arias Perez. (151S, Palo») - dixo quclo sabe que luan dela co»a y holeda conicnydo» en la dicha pregunta non
avian ydo concl dicho almlranle el vi-ije que dicen dela boca dcl drago c que lo sabe asymUmo por que este lestlgo lue
rogado que lucse cn su conpaAya dellos el qual non qulso yr por que despue» que vlnicron lo» »ti»odlcho» armadore» este
lesttgo habló conellos e los vlo e le moslraron la dicha Herra que Irayan debuxada que avian descublcrlo. por la ynlormadon
que dcllos este tcsilgo ovo sabe que descubricron la Herra llrme aegund que cnel dlcho articulo se conilene »yn que oira»
personas alii oviosen llcgado ny descobierto.
0,« Si saben que deipues útsto Rodrigo de lã Battida e Juan de la Cos* descubrieroa por su industria e
saber en la dicha Herra firme mãs al poniente ta parle que llaman Urabã donde ei la provinda dei Darien e truieron a
Alcali de Henares las muAtras de oro e las otras cosas que Hallaron en la dycha Herra e alll lo diecon; por mandado de
Su Alteza le tueron dcípachados por el dicho D. Juan de Fonseca e qu.indo boluieron estavan ya en la dicha corte el dicho
Oblspo e alli pagaron lo que períenezia a Su Alteza lo qual fasta entornei no avia sydo descubierto por ninguna persona e
sv saben que los dichos Bastidas e Juan de la Cosa nunca avian navegado con el dicho almirante quando dizen que
descubriâ a Paria.
André de Morales, piloto (ISI3. S. Domingo) - dixo. que »abe lo contenido ser a«y verdad como en ella sr
contlenc, porque este testigo fue en la conpaftta de Rodrigo Bastidas e luan dc la Cosa aquel vlale.
Alonso de Hojeda (1513, S. Domingo) -dixo O que lo que save es que Rodrigo dc Da 'tidas e la Cosa
partleron a descobrir estando este dlcho lesHgo .parciado para volver a de5Cubrir. c quel d cho ^^^'^^^.'^jj^'*'^^^^^^^
de la Cosa partieron primcro y (ueron a la costa de la Herra llrme. que es donde este testigo avia acabado de descobri J,
primer; viaje, e que dende ai i lueron e dc5cubrieron por !a costa de la Item. Hme dende Ququivaoca. que «'« '"''fl*
Sescrri6. e descubricron has.a cl goilo de Paria, que» al Darien. e de ally de.cubrieron ntas al P;"'*^" f''
lierra firme has.a el puerto dcl Retrete, donde agora Henc lecho un lueMe Nycucsa. y que dende alli « «'^'^T^" '
ouenla a su Alieia como cn ta pregunta sc conl.eno. Preguntado cómo to save. dixo que lo save porque cie tcíligo vyno *
3 c?br^ tia" ' os d"hos Rodrigo' d^ .astidas e ,uan de la Cosa. y t.o e. mysmo via,e que clIo. ^^^^^^^^^^l^ ^jj- ««J
Darien. el almyranle ny otra persona no Io avia de«cubierlo.
Q Anton Garcia piloto (1513. S- Domingo) - dixo. que oyo deair lo contenydo. porque al llenpo que dejpachaitin
llrme lasta Uravá.
Rodrigo BasHdas é Juan dc la Cosa í su conpaftia.
(«) ítoimrrte-
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
7u*n de Xerez, pffolo, (ISI3. S. Domingo)- dlxo, que lo que sabe cs que al lienpo que los contenldos en ta
prcgunta se piHleron de Sevilla para descubrlr, este testigo eslava en la dicha cibdad. que los vido partir, é que despucs dcllos
partidos, csle tcsiigo vino de Caslílla i esta ysla CspaHola con el Comendador mayor de Alcantara t hsllo al dicho Rodrigo de
Banidas i i Juan dc ta Cosa cn esta cibdad de Santo Domingo, é que despues este lestigo i los suso dichos fueran i
Castilla é llcvajon cl oro que irayan í desenbarcaron cn Cadiz, i de alll los tuso dichos fueron i la corte é todo el oro que
llevawan. é que despucs deslo vido bolver al dicho Rodrigo dc Bastidas dc la corte, á ScvíHa. pcro que sy pagaron los dichos
ò no que lo no sjbc. é que sab* que hasta enlonces no eslava dcscubicrta Ia dicha provinda dei Daríen por ninguna persoru
porque este tciiigo avia visio muchas carias dc navegar, c dc aquella costa 6 en ninguna delias eslava escrita la dicha
provinda, hasta quel dicho Rodrigo de Dastidas i Juan de la Cosa la pusieron en su carta dc aquci viaje.
0 Diego Fernanâci Colmenero (1515. Paios) - dlxo que oyó dezlr esle tesligo lo contenydo enla dicha prcgunla
« lot mísmos bastidas e juan de la cosa piloto c que avia Iraydo mucho oro e muestra dei e que avian resgatado cn Herra
firme e este tesligo les oyó dezyr a sus voc.is que avian descubierto a urava donde es la província dei dar^cn e que esto sabe
por quel abló conlos susodichos en la ysla espartota al tienpo que uenlan delo descobrir e que lo descobrieron con su bucna
yndustrla y saber e que lo demás contenydo enlá dicha pregunla dyxo que la non sabe.
t Arlas Perex, (1515, Palos)-di>(0 que sabe quel dicho Rodrigo de bastidas ny íuan dc la cosa contenldos cn la
dicha pregunla non navegaron con el dicho almiranie quando dizen que dcscubrió a paria mas que por su saber e yndusiris
fueron ellos a descubryr lo conlenido enla dicha pregunta e Herra segund que enei articulo se conliene; preguntado como lo
sabe dlco que por que al lienpo que los susodichos ia^ian cl armazen e qucrian seguir cl dicho viaje, este lesiigo en compal\ia
de vlccnlc yaflez queria yr a descobryr cn servido de su alteza y unos capllanes y oiros lablavan c decyan secretamente a U
parte donde yvan cada uno e la volunlad que lievavan a despucs desto este dicho testigo se falló en la ysla espanola al tienpo
quel dicho Rodrigo dc bastidas e juan de la cosa vtnieron dcl dicho viaje y vido cl oro que de la dicha lierra lirme Iruxcron
t ias oiras cosa» e joyas e asy mismo como onbrc que queria saber lo que avia Iccho pedló mostrase ia tierra que avían
descobicrto que traian los susudichos debuíoda juntamenfe con la ynlomiacion que a este lestigo los susodichos le lirieron al
dicho lienpo c asy se lo mostraron y esle testigo lo vido e sabe lo susodicho ques asy como enei dicho articulo se conticne
c que por cslo lo sabe segund que de suso a declarado por la dicha razon c muestri de lierra que los dichos
capitanes le fizieron.
T.« Si saben que VUeynIe Yafíez Pinçon y los que conél fueron a descobrir dcscubrieron fasta la parte de
lebanie a la costa que está descubiertà fasta la punta que llaman de Santa Cruz e de San Agostin. de aqui entre la voca dei
ryo grande donde hallaron el agua dutze que entraba enla mar e quel almirante ni otre persona destes reynos nunca antes
descubricron aquella costa salvo Viceynte Vafíez por su yndustria e el dieho Viceynte Varies no vino con el dicho almiranlê
quando dize que descubriâ a Paris.
w ^ ^"'^''^ f^orales. piloto, (1513, S. Domingo)-dixo, que sabe lo contenydo porque lo oyó dezir al dicho
Vlzcnle Vaficz e a los que con ci yvan. e a Diego de Lcpe, desoibridor que murió en Portugal, y que este testigo hlio una
ngura. que se dize carta de marear, para el sefior obispo don Juan de Fonseca, cn Sevylla. por la reljcíon que le avian fecho
ios «ohredichos, y que despues este lestigo avia venydo por ally e a vysio parte delia, e aun que este lesllgo a cogido el
agua dulcc en la mar dcl Rto Orandc, de que cn la dicha pregunla se haze mynsion.
t Alonso de Hojeda. (1513. S. Domingo) dixo, que lo save como en cila se conliene porque los vyó este lesliao
yr a descubrir e vyô la l.gura que a sus Altezas Iruxeron. porque esle lesligo avya ya descubierto un pedazo de Ia myma
cosia primero que ellos.
este tPM!o« S f [r''"T\f°''l Sevilla) - dixo. que Ia no sabe mas de quanto vido
^ll^ lZl ?\ I r * ""^"'^ """'"'^ P^^^Sunta. é que lo vido este
oual Mh. nn""" ^'f" """^ ""'^ «"'«"'do "í" «í-» presunta como en ella se conliene. lo
í^n J Í^ «te tes..go es el mismo Vicente Afies Pmçon. < sabe é es verdad que descubrió desde el cabo de
coT-^do a," S^denfe" I "'^h" 'h T"'"'-"* ' "^"^ ""^ '^3"^""' ' la cita de luengo
^nw ?a m ll b«r> „7n i T^ ^ P"^'"*^'^ "^""^ ^^^^^^ ^ «^rio Ia cosia de
tz':z:iTa t.^f:^x:Zo~t "-^^^ •"^''^ "^«^"^ * ^^^^
que este tesfgo oTdf^ lÍ"con,l«^^^^^^ SevllIa)-dixo. que este testigo no fué en este viaje con el dicho Vicente Afies, salvo
Senr<Tjl?/nt« n . ^ «^"'o '« cartas de marear como en esta pregunta se
.re^ p^T-rU^yvan^-^rTaSL^^Ve 'rAlíezr ^" """^'^ ^^^^^^^^
yb. por puott JTdr;7ê crL^^llos de^r^f ^' """^ ^"^ « ^-^-^
208
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
Çi Pedro Medfl, (1513, S. Domingo}— dlxo. que twht que (ueron Vicente Aftet Plnçon á descubrir por U p«rte dei
Levante en la pregunla contcnida 6 que llevo l>ratv1 é v\no á Parla, é de Paria t»é i la Vsjbela vteia. quei en cata ytiã
Fspaftola. peru sy Ilefló i la v»l* de Sani Agustin ó no. que Io non ».ibe, é que» publito 4 roiorio que hasta enloncea no
abta ydo ny llegado en aqudla pane ninguna p«r3ona, é que aiy parcacc por la carta dcl navegar que cada uno leftalo
lo que tue e anduvo.
CÒ Pedro Medel. (1515. Palo») - dlno quelo tabc por que eate teatiso estovo el irdtmo vlale quel dlcho bicente
V^iftez (ué a descobrir en la lierra firme e lo vido yr e vcnlr e que lo que descubrIÒ contcnldo enla dlcha presunta e lazta la
parle de levanie, lo vido lo mas dollo, e tué cl dlcho b^cenlc aflez a descobrir con su lente e navios que llevava por lu
buena ynduslría e saber; preguntado como lo sabe dyxo que por que lo vido a vista de ojo e que lo dcmis conlenldo en U
dicha pregunla que lo non sabe.
^ Cristobal de Vega. (1513, S. Domingo) — dixo, que Io sabe segund que en cita se conHcrw, porquél mismo fu4
en aquci vl.iíc con el dlcho Vicente Aftes é (u6 presenti^ A todo ello, é que sabe que Ikgaron por la costa adelanie desde
donde dexo scíValailo Diego de Lepe é corrleron por la costa adclante hasla llegar al Rio grande, é que nunca oyo dezlr que
alll ovlesse llegado otro ninguno, porque los yndios sc espantavam mucho de los ver, que bkn parcscia que no ablan visto
oln generacion de crlsiianos.
^ Diego de Alfaro. (1513, S. Domingo)~d(xo que la sabe como en ella le contlene, porque \\it cn aquel vfa|e
con el dicho Vicente Aftes hasta que bolvlo á desenbarcar cn esta ysla, i que nunca vteron esi< ny los que en aquella
Armada yban ninguna seixal de que Cristiano ovicse llegado en aquellas partes hjsta qud dlcho \.. .ni. Aftcs Ucfló, é que por
esto cree este lesttgo quel dicho Vicente Afies fué el primcro que llegá aquellas partes.
Juan de Unbrtn, pílolo, {ISts. Sc\dlha) — dlxo que «abe e vido quel dicho vycyente yaflez con quatro canvelai
armadas desy > de sus paricntes fueron desde el Rio de saltes a descobrir e que descubríeron ochodentas léguas de lierra e
costa de noruesle sueste por que este lesligo era piloto dei dicho viceynte yaAei e que alll allaron el agua dulcc que entrava
en la mar más de veynte léguas e que nunca antes que cbta lierra se descubriusc no avia ydo por alli el dicho almirante ny
otra persona dcsios rcynos • que sabe e vido que al liempo quel dlcho almirante tué a descubrfr a paria no lué con cl dlcho
vicyenie yaftez e que sy ovyera ydo esle tCBlIgo lo suplera.
Msnuel de Valdevinos (1515. Lepe) — dlxo que este testlgo tué con el dlcho Vicente Vanez pincon, como dlcho
llene, la segunda vez que fué á descubrir e que sabe c vydo esle tesligo que el dícho Vicente yaftes dcacubrió parlicndo dcl
Cabo verde al sur suducstc e que hallaron la Herra e quinlenlas léguas, ala qual lyerra no habla llegado nyngun navio ny
estava descublerta, e alll puso el dlcho Vicente yafte* por nonbre Rostro hermoso. que agor3 dii que se llama unta cruz e
tani agoslín, y el dlcho Vicente yaflez tomó la poseslon por el Rey e de altl conicron al noruesle bailando en el camlno
muchos Rios e pucrtos yondo costeando, e díeron cn un Rio grande anagazado al qual pusycron por nonbre parilura donde
hallaron en la mar que talla dcl Rio el agua dulce mis de treynta léguas c de alU salieron e fueron costeando fasta paria y
entraron por dentro dr la Trenidad la lierra e que oyó dezir a Vicente yafles que no avia ydo con cl dicho almirante quando
el dlcho almirante dcscubrió a paria.
Pero Ramirez, (1515, Scvilla)-dixo que labc que el dlcho vlcenle yallei fué a descubrir y este lestlgo hii con 61
e fueron derechamenic alas yiiat de antonlo que son dei Rey de Portugal a lazer camaje e que de alli parlicron la via dei
sudoeste para yr en busca de descubrir c pensiron de no fallar Uerra dende cn Ires o quatro metes e acabo de catorze dias
dieron cn lierra firme la via dcl sursudueste e dieron cn un cabo al qual pusteron nonbre Rostro hermoso y echaron andar e
8-iltaron en Herra e de alll no pudíeron yr más avante e bolvicron cosicando hasta que dieron en parta e llcgando a paria
conoscleron la tierra unos hijos de Diego martin, sobrinos de viceynte yahez pinçon que yba en la caravela gorda, al qual
dixo que era paria e que alli avia estado con cl almirante cólon, c los llcvó a surjír en una ysla que está )unlo de Herra
finne. que eniró por ella la boca dcl Dragon e que dc alli fueron a una ysla que hallaron. corriendo al nordeste, a la que
puslcron nonbre ysla dc mayo. e de alli fíeron su viaje e lucron a dar a la ysla de guadalupc. que et en las honze míll
virgenes, e de alU se parlicron á san juan, e dc san juan lucron a la ysabcla, e de alll fueron a oira ysla que dlzen samana
e a otra somcto e a otra maguana e que deste viaje hallaron un Rio grande, que hera Ian gnndc que entrava quarenta
leguat en la mar dc agua dulce, la qual provaron c hallaron dc agua dulcc.
Jvan de Pãlencia. (1515. Sevilla) — díxo que lo sabe es que este lesHgo fué el dlcho viaje en conpaftla dei dlcho
viceynte yaftcr c que es vcrdad lo conlenido en la dkha pregunla, porque este tetiigo lo vido e fué el dlcho viaje
como dicho llcnc.
Oarcia Fernandez. (151$. Huelva) -dixo que Io que sabe es que este lesHgo al Hcnpo que viceynte alícz pinçon
y los que con él fueron a descobrir esto. futf conellos y vido como cl dlcho viceynte aftez descubrió el y lot que con él yban
fazia la parle de Icbante aU cotia que esta descubicrla fazia la punia que Ilaman dc santa cruz e dc tan aguslln e que de
ally vido este tesligo como enttó en la voea dei Rio grande contcnldo cn esta prt-gunta donde lallaron el agua dulce y aun
este lesHgo dize que vcvió delia, cl qual entra en la mar c que sabe que al Hcnpo quel dlcho viceynte yafícz fué el dicho
viaje nunca fué cl almirante ccntenido cn esta pregunla ny otra persona ninguna destot Reynot porque aquella costa nunca
U descubrió otra persona ninguna salvo el dlcho viceynte yaftcz y esto que lo sabe porque este Icttigo fué con él c Io vido
c que nanca el dicho viceynte ahez fué con ninguna persona a quel viaje nl otro ninguno que ctle tetiigo victe e que no el
quci Rio viiiieion cl dicho viceynte yaflez c su conpafta muchos yndlot y Ilricron y pclearon con él e con Ia dlcha tu conpafta
209
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
e que dMpun que owieren descuWerto aqnella ysU el dfcho viceynte y*fle2 c Ii dich» cu conpalla y cl tettlgo con eitos
vlnicron a dar a un rio negro en la mltma coala que wenlan costeando y vinlendo costeando vlnicron a dar con sus baKOS i
«erra a tomar lengua e a ressatar algunas cosas que llevaban e que malaron los dichos yndios a syete o ocho honbres de
los de b conpaAa pero quci dicho vãceynie yancz se quedó cn el navto.
Anton Fernjnicí Cotmenero, Huelva)-dlxo quc to que sabe es que al ticnpo quel dicho vtcejnte after
plnçon e los que con el lueron a descobrir este tesllgo j-va en cl navio dcl dicho viccynie ^{\cz y vjdo como fué el dicho
viceynte aflez e los que conel ywan (ucron fazia la parle dei levante desde la ysla de cabo verde e fueron la via dcl suducste
entre medias dei sur > cl dicho v , ^ e los que conel >v3n e fallaron la tierra firme e cl dicho viceynte aflez salló cn
la borda dei navio donde )-va e r que nynguno dclo» que conel >'van saltase en Herra salvo cl dicho viccynie aftei
e dertos escrívanos que yban en cl dicho navio por cl Rey nuestro seflor los quales saltaron con cl oicho viceynte aftez eo
la dicha tierra llrme e este testigo vido como cl dicho viceynte ai^c^ tomó la poscsyon de la dicha licrra flnne en voz y cn
nonbre dcl Rey nuestro srnor lo qual pasó ante los dichos escrívanos por mandado dei dicho viceynte ahcz e despues de
tomada la posetlon ctic lestigo vido como el dicho viccynie .n^iez fizo mojones de tierra e le puso un nonbre que este tcsiigo
no fto acucrda e que de alli despues de tomada la poscsion fucron de&cubricndo por la cosia de Ia dicha licrra adelanie por
la via dcl norue&te e cnlraron en un Rio cn que allaron el agua dulzc que entraba cnla mar trcynta leçuas el agua dulze e
que allaron dentro dei Rio un marrajo e estando sunos los navios a la mancra de golpe de la mar e el ruydo que traya les
alco .1 'Taras cl navio e que cn aquella licrra fallaron mucha genie pintada que se benia seguramente a donde eslava cl
dicho 10 ahez e su conpana e que de aquci Rio grande salicron e lucron desqubriendo por la costa adelantc por la
Herra lirmc faita dentrose a paria e que alll en paria quorían saltar en licrra salvo que no osaron por que les avian muerto
mucha lente antes que llcgasen a paria e los yndios de la própria paria no qucrian entrar dentro de los dichos navios salvo
dczían. sal capilan, c que eneslo vlno oiro que se dice dlcgo de lepe la via dei...;., en el uso de los yndios que lenlan e en
las tcflas que les dió cl dicho diego de lepc despues que vlnicron a castilla e de alll se fucron i la cspai^ola que se dizc ta
ysabela e que ct dicho viceynte anez se partló de la ysabcla que se dize jumcto y aios ojos dela baburca? e de alll perdleron
dos navios en baios e se blnieron para castUla luego c que cn todo este dicho lienpo ny dcscubrír de tierra cn que andublera,
nunca el d!cho almiranie andubo con etlos salvo cl dicho viceynte ahez que por tu yndustria descubríó la dicha tierra, las
quales descubrló por el Rey nuestro seftor.
t Diego Prielo, (1&15. Paios}— dlxo que la sabe como en ella sc contyenc por que yva con el dicho vlceynteaflez
cn los dichos navios ' ubrló Io contenydo en U dicha pregunla y que de anies no avia sydo desqublerta por el
dicho almirante don .... .1 .-...^'•■i nyn por oira persona c que lo dcscubríó el dicho byceniyancz contenydo en ll dicha
pregunta por su saber c judustria e que desta pregunla esto sabe.
i Juan Calvo (ISIS, Paios -dlxo que vi vcrdad que dicho bicenie aAcz descubr^-ó Io contenydo en la dicha
pregunta fasta que cnlraron en la voca dei Ryo grande y que otra persona alguna no avya entrado dentro fasta quel dicho
biccnte ahez lo dcscubríó por su yndusirta e que si vino con cl dicho almirante quando dize que descubryó a parya que csie
te^tigo no lo sabe c que sabt." lo que dJcho e declarado ticne en esia pregunla esie le^tlgo por que lo vido e fué con cl dicho
bicenie aflcz a descobrir en Ics dichos navios c que desta esto sabe.
i /! F.-itfban, (1^15, Patos) dixo que la sabe como en cila se contienc por quel \ L-a con dlego de Icpe
«I dicho via[e qu<- =y todo uno en pos de otro y vlJo csle tcsiigo la dicha Herra quel dicho victnic afiez dC5Cubr>-ó e
que al dicho lienpo que sc descubrló nlngund Cristiano ta avia descublerlo salvo el dicho vicente yaf^ez e lo sabe por que lo
vido e que lo demas contenydo cn la dicha pregunta este tesligo no lo sabe.
Oarciã Ferrando. (1515, Paios) — dixo que lo que sabe es que fué con el dicho bycente yai\ez cuando sc descubryó
lo cc '?n la ct ' ■^ por orden de su alteza c que vido quel dicho biccnte yaficz descubrló ta costa de paria
fasto . . i :í :ii de Sar. , . . , salló cn tierra con cantidad dc fu jente y cuatro escrívanos, dc cada una nao cl suyo, de su
alirza. e corló irboics e bebtõ agua él c su gente para dar le a su alteza y senal de posysyon flsyeron cierlas qruces y
pusycron nonbre ^Ili donde lomaron esic dia, Rostro hcrmoso. cl dia que la dicha tierra se dcsqubríó; alii cslovieron dertos
dias e se parlicron de alli tomando I.1 bucita dei norue&lc corríendo la costa hasta la dicha paria e que de alli, deste rosiro
hcmoso, se filló por los pilotos avcr setccicntas e dnqucnta l«>guas hasta la baya de paria e que de alll corrieron la dicha
buL-i(a e tocaron en un seno dc dos baxns, cl uno de la parte de la mar y il otro de la parte de Herra, cerc;idos por la parte
delániera, asy mismo dvl dicho t>axo que sc ovieran dc perder syno lucra por Dios e por un marynero que subió e vido
rcbrutar los dichos baxos por delante y cntonces viraran tos navios lallandosc perdidos e deshandar lo andado para salvar la
punTa para se salv;ir por la mar, el qual seno Ic pusicron norbre la boca de los tcones, c de alli corrieron su derrota todavia
en el noruestc derccho a la paria e alli tuparon con un Rio grande el qual dezian los pilotos que 3v:a dc alli a licrra quarenta
te^uas e alli quando loparon con este Rio avia t«ys brazas de agua e alll tallando esta agua dulce tan buena. que mcjor no
poJia ser, qul/yeron lazer una mucslra para ver sy el agua dende arriba hasta cl fondo era toda dulzc, tomando un cscalfador
uc barbeto e faziendo su aítcHcio que no se pudicse abrir fasla que dlezc cn cl fondo, c lallaron que dcnde las dos brazas e
mirdia lazia el fondo era lodo talado como agua de la mar e lo resto a la scys braças era dulçe c que alli viendo esta agua
I ■'X bacyaron la b»çy;a de agu.i que de antes trayan c echaron e lomaron Ias que ovleron menester de alll para bcguir
:^ . . e otro dia juntaronse los navios c acordaron de dar la vuviia sobre tierra para sy pudiesen saber el secreto deste
Ryo e que llegaron fasta vista de Herra, que podia avcr ocho léguas fasta la Herra, e que enesie pasaie donde Ucgaron no
•via sy no trcs braças dc agua e la tierra arejada c de alli no osaron pasar más (dzia tii'rra por la bjxeza de I.1 Herra, e de
■111 se bolvieron sygycndo tu viaje para paria e que de derto nunca avia sydo descuvierta aquella lycrra nyn onbre ia avya
210
os FALSOS PRECURSORES DE ÁLVARES CABRAL
dcscubvcrto; todo to que este tetttso vfdo i vista de o)os e que se desqubryó por el dicho bvcenle v'*^*' * *u bucna
vndustría e que noit vino por cl dIcho almirante nyn lo vido nv el dIcho almyranle al dlcho bvcente yàRtt en lodo e«'' ' r^o
e viaje e que fue lo que descubrló, dende quo dicron cn Rosiro fcnnobo, que fuC ia primera liem, (asta la paiya.
V cinquenta ieguai de costa segunl dlcho delos pilotos, que lucrou tuan de unb^^>a e juan de xerez c oiro vezlno de tan |uan
dei puerlo queiie tcstigo no se aquerda de su nonbre e que desta premunia esto labe.
Ditgo Fernandes Colmenera, (1515. Paios) -dixo que la sabe, que «I mlsmo viaie quei dlcho bicente ynMi im' i
descobryr. este lesiigo Xvi por caplian de un navio delos quci dlcho bicente yifitz llevava e que tomaron su deRoia deUs
vslas dei cabo verdi.- dende la yiXt dei fuego e tueron (asti que drscubfveron la liem firme e desde illy vlnleton costeando
e descubrícndo dende Rostro liennoso, que iepudcron al liempo. fasta juntar la tlerra con la paria, en que ovo ochocu-nias
léguas de costa dc la dicha lierra non estava dcscobycna antes c qucl dicho blcc nic v^hcz v csic tesllfio tomaron Ia poSY!>Von
dt: la tierra por sus altezas e cortaron muchos Ramos de los Arbolet, e en algunos pryncipales lugares fadan cruces tn seAal
de posysvon e ponicndo otras cruces de madcros e que nunca navegaron conel dicho almirante este lestiqo nv el dkh < iie
yaflez qucl dlxo que descubria a U paria salvo por sv e por sus yndusthas c savcr c que p^ra lo laccr cl dlcho vii:< <.*2
y esle lesligo v Quc conel yvan c que desta esto ube.
t Arias Peres, (1515, Paios) — <Uxo que sabe este tesilgo lo conlenydo por quel es sobryno de vicenie v*ft« •
lue por capilan dc uno dc los navios en este dlcho vlaie e que es asy como cn Ia dIcha presunta se contiene c qup non
navegaron con el dlcho almirante e que se descubryo Io susodlcho por su buena yndustrva e saber quei dicho vycenti aftci y
tstc lestigo sabyan de las cosas de U mar Io qual dcscubrycron por servir a su alteza a su costa y misyon.
Si siben que Diego de Lepe y los que comi lutron oiro víaje descubríeron desde l.i dicha pàrla O costa
que buetve fazia el mediodia o el sur parte el termino que agera esiá descubitrto, porque antes ny despues el almirante nl
otras personãs no han ydo a descubrir en aqueltas partes e qucl dicho Dtego de Lepe nunca navegó conel dicho almirante
en nin^und i/ia/e.
@ Andrí de Morales, piloto. (1513. S. Domingo) - dixo, que Diego de Lcp* descubrló aquclla costa al sudueste.
e que dcspucs lue otro quossc deiia Alonso Velez e descubrtó dosdc el cabo de Cruz a U parte dei medlo dia todo Io que
esta descubierto. e quel almyranle no fue ally segund es público y notório.
® Alonso de Mofeda, (1513, S. Domingo) - dlxo, que U save. porque los vyó yr a descubrir el dlcho viaje, y le
vyó volver a dar quenla a «us Altezas, e vyó Ia ligura que truxeron dei viaje que avlan hccho.
0 Anton Garcia, piloto, (1513, S. Domingo) - dixo. que cl dicho Diego dc Lepe e este lestigo e Vyccnte Afltz e
otros. salyeron junios en cl tienpo qucl dicho Diego de Lepe lue a díscubrir. e que este tesllgo e los que con el yvan. que
heran Luy» Guerra e Alonso Velez. Ilcgaron a Io conieny^o en la dicha prcgunla. y loi dichos Diego de Lepe e Vicente Aflez
quedaron mas trascros a la vanda dcl norte, e quesio es lo que save, porque Io vydo, c que antes desto no crehe este t. srigo
quei dicho almyranle ry otra pprsona ally uviesc Uegado, porque los yndlos no tenyan memoria dc aver visto chrislianos e se
maravyltavan mucho de lo que vvlan.
^ Pt:!- ■ ' piloto dtl Rey nucilro scnor. (1513. S<villa) - dixo. que al llenpo que Diego de Lepe fuá
i descubrir vido v-y nãos y Ia gcnic que con cl yían, é Ia» vido bolvcr i «la dbdad de Sevilla, salvo al dlcho
Diego de Lepe. que no vino. é que los que con el lucron truxcron U figura de to que descubrló. que dezian que hera desde
la d'cha punta cortcnida de suso, lisia la costa que bucive ai mcdlo dia. é questo no lo vido este tesllgo porquel almirante
don Cristoval Colon no anduv/o esta lierra ny U dcscubrió, e que lo que dL-smbrieron los dichos Diego dc Lepe é su compaflia.
lo Iruxeron por fee é Icfitimonio é esta pucsto cn el padron Real.
@ luan Rodriguez, piloto, (I5I3. SevilU) -dlxo, que este tesligo lu< con Diego de Lepe al tienpo que fuif ■
descubrir por mandado de sus Altezas, é vido qucl dicho Diego dc Lepe é su conpaflia descubrieron desde el cabo de Sant
Augustin 'fasta Paria toda la costa syguiendo, que es seysdentas léguas dc Herra lirmc. cn que enira cn esto el Rio Grande y
cl Marafió, è donde esta en ia mar cl agua duiçe. i que í esto el almirante ny oira» personãs no fueron i lo descubrir, salvo
Vicente Afies 6 Diego de Lepe.
â Bartolomé Roldan, piloto. (1513. S. Domingo) - dixo. que lo que sabe es que Vicente Afies fué i descubrir
mes é médio ó dos meses antes que Diego di- Lepe. í despues lu^ el dlcho Die<jo de Lepe. en cuya conpartia yva este icsHgo
f«r Díloto é que sabe que enionces descubrio d dicho Die^o dc Lepe al soducstc dc Obo-Vcrdc é que entró en el Wo
orande Mr el qual subio sctenis léguas el rio adentro, é dio U buelta por U costa de U mar hazia cl ponlente hasta liegar
á Pari^ é que Vicenie Afies ilegó en aqucl viaje entre Paria í cl Rio grande, que abla descubierto Diego de Lepe. é esle
teslioo oasó por ia costa, hasta Paria, é dixo este lestigo que hasta enionces no sabe que ninguna persona lo ovlcse
descubierto porque al liempo quel dicho Diego de Lepe. y este lestigo é Us otras personas que yban con ellos en aquei
vUie des q«c ilcgaron en U tiem. la gente delia se maraviiUvan de los ver. porque paresda que antes no avian visto
a otros cristianos.
211
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
® Juêtt de Xerez (isn. S Dominflo)- dixo. que lo que lo sabe es que il tlenpo que Diego de Lepe se pirtlo
dellji vilU de Palo9 para yr al dicho vi.i|e, esle tetKgo estava presto asy mesmo pjra yr á descubrír con Vicente ARe», é quci
dicho Diego de Lepe Oegó al Rio grande, t de aUJ corrio la costa hasta PaHa. é de alli vlno i la ysla de Sant )uan é se fué
1 Cattllla. < que este testtgo é los que yban en su conpaftla con el dicho Vicente Afies descubríeron de la punta de Santa
Crua hasta Parla, por la costa adclanie, í que dcspucs desto. dende á qoalro ó dnco meses quesle testigo partio. Alonso
Vt)M 4 Luys Quem se parMeron de Sevilla é lueron i descubrír lo en esta pregunla conlenldo, é descubríeron desde Ia
punta de Sanda Crui, á la vanda dei Sur. hasta el termino que agora esla descubierlo, é que ante nl despues, el Almirante
nv oira pcrsona abla llegado alll, porque nunca hasla cntonces estava ascntado en ninguna carta de navegar, é que lo sabe
por lo que dicho ticne.
Pedro de Medel. (1513, S. Domingo) - dlxo, que lo sabe segund que en ella sc condene, porque lo ^do por
sus proplos ojos. por queste testigo lué en conpaAla dei dicho Diego de Lepe.
t Pedro de Medel, (ISI3, Paios) — dlxo que la sabe por que fué presonalmente con el dicho diego de lepe a
descobrir e vido que descubryó por su yndustría e saber lo contcnydo en la dlcha pregunla antes que persona descubr^ese
aquella costa e que este testigo Ic vido tomar posysyon de la lierra por su alteza e que en seftal de posysyon cortar arboies
c lazer en aigunos arboies unas grandes cruses. todo por cl Rey e Reyna de caslilla e que sabe que no lué con et aicho
almirante » descobrir la dicha tiem llrme salvo por su buen saber e el dicho diego de lepe y dclos que con él yban e que
desta pregunta esto sabe e que lo ube por que lo vido a vista de o|os.
& Pedro Sanchez dei Céstillo. piloto, (1513, S. Domingo)— dixo, que lo que sabe es que este testigo !ué i
descubrír por piloto con Diego de Lepe á la tierra llrme é llegaron i la punia que se dize de Santa Cruz. al Sur ó al
Mediodia como en la pregunla se contiene, é la sabe por queste testigo yba en cl dicho viaje con cl dicho Diego dc Lepe, por
piloto en oira nio que yba en conserva dei dicho Diego de Lepe, é lo navegó t vido por sus propios oios. é que i Io quél
cree. que antes que ellos nlnguna persona de cristlanos abla llegado alli, porque eilos nunca vieron ny hallaron seAal de
cristunos en la dicha tierra.
Alonso Rodriguez de la Calva. (1515. Sevilha) — dtxo que lo que sabe es que este testigo e otros vezinos de la
vllla de paios tueron en conpaAla de dicho diego de lepe e partieron dende las vsl^s de Cabo verde en dos navios, dei uno
delos qualcs hera capllan cl dicho dicço de Icpr. e ilcvaron la via dei sudoeste quinientas léguas poco mis o menos fasta
que llegaron a la liem a una baya que este testigo e los otros que yban juntos Ic pusieron nonbrc san julian, e en la dicha
baya e lierra que dicho ha no hayaron lenguas ningunas, e de alll corrleron contra el ponlenle tasta llcgar al Rio de maraflon.
Ia qual tiem vido este testigo que descubrió el dicho diego de lepe la costa dc luengo fasta que llegaron a paria e des que
llegaron a paria tomaron en la isla dc pana clertos yndios, los cuales el dicho diego de Icpc lru:;o en los navios e los
cntregó al seftor ob|spo don juan de fonscca cn esta dbdad de sevilla. e que sabe este testigo que la dicha tiem lasta paria
como dicho ha, quel dicho diego de lepe descubrió, otra persona nlnguna fasta entonces no la avfa descubicrto ny ydo a ella,
c que lo sabe por queste testigo yba por reccbtor de sus altezas cl dicho viaje, c sy otra persona obiera ydo á descubrír
aquella liem este Icsilgo lo supicra. por que la dicha tiem este testigo e el dicho diego de lepe e los otros que lueron cl
dicho viaje pusyeron marcas en la tyem por sus altezas e por que nynguno podia yr a descubrír tín mandado de su alteza e
questo es asy publico y dedo e lo que sabe dc esta pregunla.
Juan Oontales, portoguez. (ISIS. Paios) -dlxo que la sabe como se contiene porque tue con el dicho diego de
lepe el dicho viaje, sabe que descubrió la vuelta dei levante salldo dei Rio grande hasta oiro Rio que cs en la costa que se
dize el dicho Rio santa Catalina que ay más dc Irecyentas léguas c que sabe quel dicho diego de lepe por su yndustría e
•aber descubrió lo contenydo en la dlcha pregunla syn yr con el almirante don crístcval cólon e que sabe lo contenido porque
«e (aló presenie que lué con el dicho diego de lepe como dicho tiene.
ftian Calvo, (1515. Paios) - dlxo que la sabe como en ella se contiene por quel dicho diego de Irpe conlenydo
ycndo solo a descobrir pasó adeUnic dcl Ryo grande c descubryó la dlcha lierra contenida en la dicha pregunla segund que
en ella se conivcnc, por su ynduslrva, e que nunca navegó yendo a descobrir con el dicho almirant nyngunt via|e c que eslo
lo sabe por que estaba este testigo en e) Ryo grande con el dicho bicente afíez e lo vido a vista de ojos.
Gareía de lã Monja (1515, Paios) - dlxo que la sabe como en la dlcha pregunla se contiene por que fué con el
dicho diego de lepe. a descobrir e fué y es como en la dlcha pregunta se contiene porque este testigo como dicho tlene fué
con el dicho diego de lepe c lo vido a vista de ojos.
henando Esteban (tSI5, Paios) — dicho que sabe que ycndo en conpafila dei dicho diego de lepe a descobrir
el dicho diego de lepe yendo por sy solo y con su yndustria descubrió tiem la qual nunca se avia descubierlo e este testigo
vido como el dicho diego de lepe lomó la posysyon por cl Rey e Reyna de Castilla e que en sehal de posysyon cortaba
ramos de los irboles y en clertos irboles prindpales flzo cruzes e que nunca el dicho diego de lepc navegó con el dicho
almirante nyngund viaje salvo por su bucna yndusiria descubryó lo contenido en la dicha pregunla e que este testigo se falló
con el dicho diego de lepe, contenydoyen la dlcha pregunta, a todo ello e lo vido a vista dc ojos e que desta tanto sabe.
^ Oarcia Ferrando. (1515, Paios) — dixo que sabe quel dicho diego de lepe fué a descobrir por su parle e ilegó
al río dc marafion donde rccybieron mucha afronta de los yndios segunt este testigo oyó dezir aios dcl dicho diego de lepe
c que dclo demis conlenldo que descubrió el dicho diego dc lepe este testygo non lo sabe, pero que sabe que quando
212
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
e1 dicho dlego dc lepe íu* a descobrir non fueron cl dicho jlmlrante. salvo con lu ynduttrii e Mber y dMpovmoa
que pan ello leni*, que áéiU etto ubc.
Crísfabãl GATcia. (isis, Pilos) - dixo que Ij sabe como enella se conifene por que luc con el dicho dlego dc l«p«
• dcftcobryr e que wauyendo *1 dicho vlijc lomaron tua dcrota tirsde la ysla dol tucflo de cabo verde e lueron corriendo eu
cl ftudoesle e dende en qualrocienias léguas lalUron lyem e dii*ron «n la punta dei eftte e de ayi fueron dMCubrIendo
d dicho dleflo de lepe por »u ynduttria e saber por la cosia dc luengo (asia parya e enuvleron en marafton c ally lebantaron
al dicho dlcgo de Icpo dcbcubrydor oncc onbres e que lo deioibricron por U co&tA de luengo que nadle lo avia desqublerio
c que todo lo que descubrtó benlan tomando la poscsyon por el Rey e Reyiu de castilla dende cl Rio de un |uUan e qu«
cn serial de posysyon lazLa cruces e bs porya rn los arboles e corlaba e I '> *>! como escribir tu nombra
en un arbol, que agora cstan escriplos, el qual aibol era muy aipanlable dt- . ' ' ' inlsmo Rio de un lulian. c que
etio sabe e lo sabe por que lo vido el quel dicho dlego de Icpe non navegó con el dicho ilmlrante don cristoval cólon tino
por sy y con tu gente por tu sibcr e yndustria e que désia tanto sabe.
^ Diego Fernindez Coimcntro, (1514, Paios)— dijco que vido este lesUgo yr a descobrir al dJcho dlego de tepa
e que dcicubrió cn la ticrra firtne a la parle dcl mcdlo dia a do dlzen maraflon e que intet díl natllc descubrió en aqueUat
parles; prcgunlado como lo sabe, dixo que por que lo vido yr a dcscubryr c supo dc U cnbajada que Iruxo el dicho dicQO dc
lepe e que lo demás contenydo en la dlcha pregunta que lo non sabe.
Luis dei VéUe. (1515. PaIos)-dixo que lo que tabc es quel dicho dlego dc lepe fue a descobrir y csle tesUgo
fuc con el dicho viaje e lomaron su derrota des la yíla dei luego iunto con cl cabo verde e corrlcron al «uduestc lasta que
lallaron la Herra e que dieron en Rostro hcrmoso. c alli salto cl dicho capilan dlego de lepe c tomó posysyon por tut alteias
e que nadie avia ydo ny dcscublcrto en aquellas partet e dc alU corriô la costa lesle uetie tegund to conllene en la dlcha
pregunta c lucron adobnle a la navidad donde tomaron clerla gente c arduvferon e descubrleron mas dc «cleclenlas léguas
tegund que los pilotes dccian, e que lucron a dar al Rio grande que le liama maraíton e dc alll lueron á dar i la parla e
que sabe esic testlgo quel dicho dlego de lepe no navegó conct dicho almirante e que lo dcscubryó en ia tlerra llrme que
dicho por su yndustrta y Mber lo descubrió por sus alteras; prcfluntaJo como lo sabe dyxo que por que lo vido a vista de
dos e lo ayudò a descobrfr e que asy es publico e notório e que desta c^to sabe.
Arias Perez, (1515. Paios)- dixo que sabe que lo contenido cn la dlcha pregunta descubrleron (randsco vclet
comendador veilno de moguer e que lo descubrleron al lienpo que este icstigo avia vcnldo de descubryr su vlale • que por
Ia ynlomiasion que dél ovieron lucron adelantc. doblaran la punta dc san aguslin. e fueron a la buella dcl sur « detqubryeron
ta costa, por su yndusiria c saber c (ue asy como cn ta dlcha pregunta tc coniiene: prcgunlado como la sabe dIxo que por
quel dicho frandsco velez ynlomio a este lestigo c le dio razon dclo dcsqubterto que avfa el descobierlo e que olra pcisona
lasla entonces no lo avia descoblcrto e que lo sabe por que tanbien le mostro Ia Herra que traya debuxada e junlandola con
este tcsilgo e Io que abia descubierio cs asy como en cl dicho articulo sc conllene e que lo que diíc dc dlego Icpe que cl
desqubrio, el dicho diego de lepe dcsqubryo en U misma cosia que ettc tesllgo y vlcenlyaneí ablan dcKublerto e que dc
cata tanto sabe (').
&j> Si sjtfen que despues desto el atmirante fué a descobrir e descubrió una parte de la tyerra que agora
Itaman Veragua e que de alli se bolvió s la Etpafíclã.
& AndT* de ÍAorales. pllolo (1513. S. Domingo) dixo. ques verdad lo en e»ia premunia conlcnydo. porque esle
testlgo eslavT en esla y^la en el puerto de Santo Domingo al lienpo quel AImyrantc fue a Veragua y que de aUy se volvld.
« luan de Xerez, piloto. (1513. S. Domingo)- dixo. que la sabe tegund que en ella se contiene porque al Ucnpo
quel Almlranie íué a dcscubrir la posirera vez. este rcs.igo estava cn Sevilla i to vido partir é '^"P^
3«cubrir al dicho Almirante i csla ysla Espahola. * de ay se fué a Cast.lla. i este testi.o con íl. í Ic oy6 d.zi lo contenido
en la dicha provinda, é lo vido despues asenlado en la carta de navegar quel dicho Almirante hizo en aquel viaje.
Pedro de Ledisma. piloto dei Rey nuestro eehor. (1513. Sevilla) - dixo. queste i. > .u. ton .-1 dicho don
Cristoval Colon por capilan é piloto dC la náo Viicayna quando lué el vla,c contenido en esu pu^u.Uu. c wJo quel dld..)
Cristoval coion por cap> v ^ .dclanle dei mar oceano en demanda de la
Z de Sam lin é í i^t iron . «lio^on 1 ticrra. é de alil lueron S la ysIa Etpanola. é de alJl i la ysla de 0-mayca é de
ysU de Sant * "'' P ^ ^ es en la licrra lirme. é doze léguas antes que hallascn la ticrra linne
ílroTr y"a en la m" que sí" ze Ouanasa en Icngua de yndlos. U qual puso cl almirante la ysU de Pinos, t taltaron
In ella en tlc^a í p !.i^tón en cila con un schor que se dezla Vnube. i que de alll travcsaron las.a la Herra Ifrme que se
H?. í.r« d?S?u« en "flua dc yndlos, é que dc ali. corrieron la cosia adclan.e cn el «ie oeste, lasta un cabo que le ^so
^rí ^ho don Crisloví^ cl cabo de Grada» í Dios. é que dc ay boMcron á la misma costa por suduesle i sc
por nombre ^^^j^^^J ^ p,„i„,on é ovieron cierto rescatc de oro é ies dk-ron nucvaa que avia
ÍÍ^^ToJlndrad^e^q e se^"c.^^^ ^ de alii. de Cahay. tomaron un honbre prindpal por gula qu. «> de,ia
com a
lenham ntSa
4a a*|iorinc(iio
„ .o. fciiiiiMiifci M UMrtif («" WiiBot «em o ttmtniatm Aionae Vi
qu* 04 primei toa
213
HISTÓRIA DA COLONMZAÇAO PORTUGUESA DO BRASIL
Cucaro. nuc lo» llevo i U provindi de Caraburo, é alll entraron en unol puertoi bueno» que «III ay é wllcron ochentj
canoai com mucho oro. é no quito reciblr nlnguna cosa è levanio las naos é Mtlo en la mar. é que de alli íueron á o(ra
provinda que sc dezia Caliba. é alll eslava un cadque que tenta un bmo quemado é la cara. que te deila de Cadqoe
Quemado, é quetic defíndlo la tierra. é que dc alli lueron á otra provinda que se dezla Urirl é illi le» dieron noventa
marcos oro por Ire» ili -.^' r^ de cascaveles. * de ay íueron al Rio de Veragua é alll hordenó el dicho don Crisioval dc hazer
un pucblo í que quc^: cl AdcUntado don Bartolome Colon con dento é veynle onbres. v el pueblo fecho é concertado,
tf el dldio don Crisloval que « queria venlr i la EspaAola, lo» yndio» se altersron en ver lomar posvsyon de su Herra, é que
vendo do» barcas el rio arriba dei dlcho Veragua, loa vndios se alçaron conir.i la gt^nie c no escapó »vno un honbre dellos. tf
que de alll el almirante sc levantõ con dos nao». tf de alli fueron por la dicha costa fasta otro puerto que te dize dcl Retrete,
tf alll estuvieron surtos dcrios dias tf se alteraron los smdios e pclearon con lot crttlianos e malaron mucho» vndios. tf de
alH »e Mlícndo por la dicha cosia dei dlcho puerto dcl Retrete, obra de quinie Icfluas antes que llegaíen al golfo de Urava
nl a Darien, tallaron unas v«l*» baicas junlo con la Herra firme, obra de una légua en la mar. v esta» vslas heran deipobladas,
tf pararon alll tf estuvleron una noche. tf puso por nombre el dicho Almirante a eslas vsla* Ia* Barva», tf que dc alli, porque
le» faltavan los baslimenlos é las nios eslav^n comidas dc bruma c la gente desfalledda, deilos muertos. dt-lios dolienles.
acordaron el Almirante e sus capilanes tf pilotos dc tomar caminho de la Espaftola, é de alll bolvicron i la Espaftola, tf no
pasaron adclanle de tas dichas Barbas, v lomaron el altura dollas en treie grados tf médio, é que no lomaron í la Espaflola,
•alvo i la yita de Cuba, de manera que i-n este dlctio viaje no dcscubrío et dicho Almirante salvo desde Quanasa f.tsta las
dichas yslas que diien Barbas, tf no descubríó i cl Oarien ny Veragua. nl allegó a ello, porquesle testlgo anduvo en todo
esic llenpo cun el dicho almirante tf no sc quilo de su conpaAla.
0 Pedro de Medel (ISIS, Paios)— diNO que sabe quci dicho almirante tué a descubrir e de^cubryó parle de la
tlerra firme que llaman veragua por que to vido yr este lestigo al dlcho almirante el dicho viaje e lo vido venyr e lo supo
dcio» qiw conel yvan e fueron e que desta tanto sabe e que «abe que se bolvyá á la espaftola.
IO.* Si ssbi-n .ji..- di^pM^s ..' ' "iffK f Jaan de Solis fueron » descubrir por mandado de Su
Alteza, ê descubrieron adtljnte de U .', j todo lo que hasta hoy esta descubierto, en la qual el dicho
almirante ao tocó ni descubrió costa alguna, lo qual descubrieron por su yndusiria y saber e que 'odo lo que los susodichos
deuabrieroa es apartado delo qual almirante descubrió por mucha cantydad.
Pedro de Ledesma, piloto dei Rey nuestro scilor, (IS13. Sevilla) - dlxo, questc testlgo futf en conpaHia dc Vlccnle
AAet tf luin de Solis por mandado dc su Alteia, tf vido quel dicho Vicente AAes tf luan dc Solis descubriercn adelante de la
llena de Veragua A una parte á la via dei norte todo to que fasta oy está ganado, desde la ysla de Oualasa fasta el noite, tf
que en estis tlerraa te llaman Chavaftln tf Plntlgua, tf allegaron por la via dei norte fasta veynic tf trcs grados tf médio, tf que
en cato no anduvo el dicho don Crísioval Colon ny lo descubrió ny lo vido.
Vicente Valiez Pinson, (lSt3, Sevilla) — dlxo. que esle tesligo é )uan de Solis fueron por mandado de sus AItez.is
tf descubríeron toda la Herra que fasta oy c<>la descubierta, de-íde la ysla de Ouanaxa fasta la província d..- Cimaronn: y^ndo
b cotia dc luengo lasya el oriente está otra provinda que sc Uama Chabaftin tf Plntlgua. que descubrioLi este icstigo tf ^u^n
de Solis, tf que asi mlsmo drscubricron yendo la costa de luengo, una grand baya que le pusleron la Qran baya de ta Navidad.
tf que de alll descubrió este lestigo las syeiras dc Carya é otras llerras dcmas adelantc, tf que á eslas provindas nunca el
dicho don Cr^stoval Colon ny otro por el llego.
IS.* Si saben que enel dicho viaje fuá el dicho Martin Alonso (Plnzon) como persona principal por capit-in de
uno de sus dos navios e sus hermanos de los otros dos e que corrieron desde la ysla dei hierro en el uesto ochocitnias
léguas c que eneste limpo doscientãs léguas .1nl^s el dicho almirante se hazia con la tierra e no sabia ya donde yr e desque
vido que no íaltava tiegise al navio de Martin Alonso y le di\o que le parecia que fisyescn, que ya doscientãs léguas avian
andado demasiado delo qual pensaba e ya avlan de at/er Itegado ala tierra.
Arias Perez. (1515, Patos) -dlxo que lo sabe como enel articulo sc conticne; prcgunlado como Io sabe dixo esle
Icsiigo que por que vido partir de aqui ai dlcho mariin atonto su padre como capitan principal con sus ermanos por capitane»
dctos otro» navios e que tab' rrieron de la ysla dei Ucrro enel uesle. quesie tfstigo non fue conello^, pêro despues
vlnyeron a portar a galycya y u . i ,iigu vcnya de flandes c sc falló con todos en un dia enel puerto de bayona e dc ally de
los dei navio de su padre este testlgo les oyó dízlr muchas vezes en general a^uello que sc conticne cn el dicho artlqult? e
que por lo tusodicho lo sabe.
PRODANZAS DEL ALMIRANTE
0.« Si saben e han noticia de la província nombtaáa Paria é Urabá e el Darien 4 Veragua.
Juan de Xerez, piloto. (IM2, S. Domingo) - dixo que tiene notida de las prouyndas contenydas en la dicha
pregunla: dc la provynda de Paria por que ha estado en eth al ticnpo que fue Vice.ite Aftcs Plnçon a descobrir la primera
vez. c que dc las otra» prcgunlas tlene notida de oydas, que lo ha oydo dezir a pilotos e marine-os que han estado en
aquellas parlet.
T.» Que díchjs provinciís son en una misma tierra e costa de mar, y commummente se llaman Tferra fírme.
214
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
% DItgo Prieto, (ISIS. Paloa) - dixo. qu« ub« que una vez Xni a descobrir con Vlccnle Valtct, pucde avcr
decyscys o desysete afto». avkndo dcsqublerto quinicnias o tevsiefl'»» léguas con llccnda e mandado de «us «lleut. vinkron
a parar a Paria e que ' .1 este Ictllgo que lodo era • e que alll vénia un onbre en ol navio que ae Uamava
Diego Marrln Pyrçon ij 10 o marinero e aquel oyó df. ■ : tlso que podria aver un afto que avia ydo por alll con
•I almiranle. e desqubrió aquella tierra al dlctio almirante, que ea Paria, e que deryan que era Uerra llrme. e que avia mucho
oro e aljotar, e que ly alli lueien que les faria Dio» niucha» mercedes. donde dNo el dicho Diego Marlin Pinçon, e que dava
muy pacifica» las genfes. c quando el dIcho almirante alll Ilefló, e como vido que avia oro e aljof w que no quiso lacer mis
que tomar quatro o cinco ntRoa el dlcho almirante para saber la lengua y cl secreto de la tierra e se h]«, t que de esta
prequnta esto sabe.
0 Garcia Atonto, (1514, 5. Dominqo) ~ dlxo, que sabe este teallgo quel dlcho Almiranle don Crlstoval Colon tue
i descubrir a Las partes de la Herra lln^.' ligo no lue all.í ' '?s, que deilan que avia descublerto a
Paria e que vido al dlcho AIn irante cn €■> : 1. e que despur - kl' V.iAez, vecino de Mogucr. botvlo por
mandado dei Rey e de la Reyna nue«tro9 SeAorrs 1 descubrir U dicha tierra firme, e queste tesligo fue con cl dlcho Vicente
Vaflez el dlcho viajf. e que uno de los capítulos quel dicho Vicente Vallcz Hpvava > - 1 nsltucdon para el dlcho viajo, hera
que no tocase cn Farii ní en nyrãuna de las litrras quel dicho Almiranle avia di j, e que a oydo decir que todas ai
provindas conlenidas cn esta presunta son en una costa.
S.» Que el almirante don Cristobal Colon descubrià la provinda de Parla, que es et principio é la primeva de
las provindas que en aqudia tierra, que dicea firme, fué descubierta ànles que algun Cristiano Itobieae ido i la dicha tierra,
ni tuviese delia noticie.
^ Juan de Xerez, piloto, (1512. S. Domingo)- dixo, que sabe lo conlenido cn b diciu pregunta. Preguntado
como Io sabe, dixo que por que no ■ a figurado de antes en nynguna carta de marear, e por la figura que dcllo liio el
dlcho almyrantc. vinyeiido alH en l Paria este tcstrgo con oiro plloio que avii estado alll con el almyranlc don CHsioval
Colon, que se dccia Juan Quintero, c por que cuando alia vln>eron, lo» yndígs nonbravan al dlcho ' •, e queslonces
vinycron con VIccntlaftcs Pinçon. Preguntado como lo sabe que antes no cstovicse la dlclu provyncla ti^,,,ji.i cn otras carta»
de marcar, dixo que po» que nunca csle tesiljo vydo llgurada la dicha provynda pueslo que ovicsc vlaio antes otras
carias como piloto que es.
13,« Que par haber el dictto almirante principiado el descubrir, e por la industria que dió en bailar las dichas
Islas é provinda de Pãna. se h.m algunas personjs pueslo é pusieron en dcfcubrir mas tierra en la dicha tierra ■ firme, asi
que loa dichos descubrídores, á imitacion dei dlcho almiranle t* por su indusiru, é por lo que dd aprendieron en tos dichos
viagcs que con el hícieron, dcxcubrieron todo lo que descubrieron segund paresce Mofeda, Vicente Valiet, Juan de la Cosa,
Cristobal Ouerra, Bastidas y otras muchas personas.
® Alonso Rodriguez de La Calva, (1515. Paios) -dixo, que Io que aabe drtU pregunta ei que este leatlgo lué
a descobrir con Diogo de Lepe cl Ryo de Maraflon c toda la tierra fasta la pArtc de las perlas pfir '.Máo de sua alteia, y
que va cslavan di^icobiertiis la Paria, c todo era una costa, por que sy lu^^ron lo» dcscubriii ucnldos en la dicha
pregunta por la yndustria dei dlcho almiranle don Cristoval Colon este lestigo no lo sabe pcro sabe que era el dlcho almirante
de los mas sábios onbres de la mar c dei descobrir e que nunca se falló en el mundo e que esio sabe por que Io vido v ca
publiw e notório que se tallã presente al dicho dcscobnr dei Maraflon c que di-ila esto aabe, elc
® O.irff',1 Alonso, (1514, S. Domingo)- dixo, que no la sabe - !■ quando el dkho Vicente Vaftez lue a
descubrir por la via de Cabo Verde c por olra derrota e quando cre^-cron qu, n cn derccho dc Paria, dixo que adcUnte
avia de pasar, e que pasaron adelanic de Paria mas de quslrodenta» léguas por la dicha Herra firme.
0 Juan de Valenda. (1514. S. Domingo) - dixo. que crec que por ser cl Almirante el primero que descubrío U
Herra de Paria, que fue d que dio cabsa que se dcícubricse lo demas. e que por aquíllo descubrieron adelanto los oiros que
descubrieron porquci ,0 que dcscubrio aquctia tierra r - • ,■ •• :,ir.inte don Cristoval Colon, c que despucs de
descLbIcrto *se fue a . . e alia se supo como avia tierra •ron .ilgunos armadores e vlnieron e llegaron
a la dicha llerra de Paria c pasaron adclarle, e que lo sabe po.quc Htdro A.on40 Nli^o armo para alll e lo vido bolver, c lo
oyú asi dezlr a el e a oiros muchos.
Que en todos loi viages, que algunos di
' i <<to con el dicho a'.-;. ■ , ■ >, '
aisuna^ imoi/rd muehas cosas de marinerias, v dios, sígulendo aquello quet dicho almirante
"iThabia mostrado é la dicha induslrta é saber dd dicho almiranle tas aprendlan e aprendieron.
ffl Rodríao Alvarez. (1514. S. Domingo) - dlxo, que no sabe desta pregunta ma* de quanto al tienpo que Vicente
Vaflez lue a descubrir que lueron con el algunos marinero» de lo» que lucron primero con el dkho Almirante^ Pregunlado
quf marineros Iu™ron dixo. que Diego Maritn Pinçon e un h,io suyo que se dezla Dartolomé Wartln c o.ro Arias Pinçon.
dtfunles. e oiro» que al prrtcnic ro se acuerda.
ffi Pedro Sanchez dd Castillo. pHolo (1513. S. Domingo) ~ dixo, que Io que sabr c» que este tcsilgo vino
a descubrir ^r piloto a la tierra íirme con Diego de Lepe. c que en cl dlcho viaie venlan dos pilotos c un maealre que avian
215
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
vcnido a descubrir la dfchi liem flnne con el Almirante don Criitoval Colon al llenpo que descubrió i Paria, lo» quales se
1'amaban Andres OarcU Oaldin. maeslre de U nao en que avia venido el dicho Almirante, e asy mismo vénia entonces
por maeslre en la n.io que por pllo^o, e quel uno de los pilotos se llami Darlolome Roldan que asy mismo
aviA venido por piloto en I3 ji ^ . . no el dicho Almir-inte, e que el oiro te dezla Martin de Arcos, vezino dc Moguer, e
que aiv mismo avia venido a descubrir con el dicho Almirante, no sabe sy avia venido por piloto, e questo es lo que sabe
destas provindas, so cargo dei dicho juramento que fecho a^.
)uan de Xmt. piloto, (1512. S. Domingo) - dlxo. que sibe que en los viajes que fizieron Alonso de Hoieda c
Crialovat n > ^ Viceyntlaftea e Diego de Lepe e Rodrigo de iíjslidas. (ueron con ellos personas que avyan venydo
primerai n el díctio almyranie don Criaioval Colon quando andovo por estas ys\»*, por quesle tcstigo vydo que Pero
Alonso Nino vino con el dicho almyranie. e dcspucs fue por piloto con Cri&toval Guerra a descobrir el primero viaje que fizo
con cl dicho CHstoval Guerra a Paria c al golfo de las Perlas, qucs en Ia tlcrra firme, e que vydo que Juan de la Cosa,
pUoto, vyno con cl dicho aimyrante e despues íue a descobrir con Alonso dc Hojeda a Urabi, e con Vlceynlial\es, que luc a
descobrir, fue luan dc Umbrla e Juan Quintero e este testtgo, que son pilotos, e avian wnydo con cl dicho almyranlt?, e que
asi mismo vido como Bartolome Roldan, que vyno por piloto dei dicho almyranle quando descubrio á Paria, tomo despues
por pUoio con Diego dc Lcpe quando luc a descubrir la dicha Herra firme, e que vido que con Rodrigo de Bastidas vinyeron
por pilotos Juan dc la Cosa e Morales, que antes avyan venydo a descobrir con el dicho aimyrante e despues los vydo venir
con los sobre dichot.
t Bjricfomé 0,irciã Ginoirs, (1512, S. Domingo)— dixo, que lo que delia sabe es que Gonçalo de Vedya, difunto
ttíí ■ descobrir con cl aimyrante quando tuí este tesllgo y que sabe que despues vino a descobrir con Diego de Lepe, c que
asy mysmo sabe que un Dartolomé Roldin. piloto, que lué con cl aimyrante, vino despues a descobrir, con el dicho Diego
de Lepe, e que Andres Garcia Valdin, macstre que vino con el aimyrante al tienpo quesle tcstigo. y despues vino con Diego
de Lepe y quesle testlgo aiy niysmo íxií con el dicho D.ego de Lepe. que era este tcstigo su criado quando fué a descobrir,
e que al tienpo que boK^an para Castilla el dicho Diego de Lepe locó en Paria.
t Jtcome Ginoves, (1512. S. Domingo)- dixo, que sabe que al tienpo que lue a descobrir Alonso de Hojeda, fue
con él Bartolome Roldan, e Juan Vizcayno lue con )uan de la Cosa. Pregunlado como lo sabe, d'xo que por que vido venir
a Darlolome Roldan quando vyno Hojeda de tierra Fyrme e se le perdlo la caravela cn Vaquimo. e oyo dezír que fue al dicho
]uan \/l(cayno, e quel dicho tUrtoiome Roldan es piloto c sabe que fue con el dicho almyranle por que este testlgo le vido
yr con el quando se descubrio Paria e oyo dezlr que avia venydo con el dicho aimyrante cl dicho Juan Viscayno.
APÊNDICE C
VIAGENS DE Nlf^O COM GUERRA, DE HOJEDA E DE BASTIDAS COM LA COSA
No decurso dèste trabalho carecemos de recorrer a datas relativas às viagens de Pero Alonso Nifio e
Cristobal Guerra, de Alonso de Hojeda e de Rodrigo de Bastidas com ]uan de la Cosa.
Sao desconhecidas as capitulações dos dois primeiros. Sabc-se porím, da resposta de NIcoIao Perez ao interro-
patório do fiscal (3,- pregunta, no apêndice D), que partiram cm H99 pouco depois de Hojeda na sua primeira expedição.
Isto e, durante a primavera (»); levaram consigo uma única caravela {'•).
Quanto ao regresso. Mártir no 8.0 livro da Década I informa ter-se dado 61 dias depois da partida de Curiana
que loi a 6 de levereiro dc IMO; d^onde se segue que «les estavam de volta em 6 de abril, visto o ano ser bisexto ("X Os
depoimentos das Proòjnzjs concordam com os cronistas cm que fundearam em Dayona da Galiza; aliás tal consta de um
diploma ofidal.
E- de presumir que nSo tardasMm em prestar contas dos brilhantes resultados da sua excursão ao bispo D Juan
Zr*T^ *'"J' ««perintendia nos negócios da índia e os dcspachára; o piloto Juan de Unbria diz-nos com efeito que Guerra
c Niflo foram dei.-chos a Sevilha (resposta i 4,. preg. do liscal). )i a 20 de maio mandavam os reis católicos investigar das
fraudes comendas pelos mirinhciros de Gu.-rra, que sonegaram ao quinto régio as pérolas e ouro trazidas dos rcscales; e os
donlBlss contam que NIflo esteve preso durante algum tempo, sob a suspeita dc igual procedimento. Este» lados são poste-
n<au cM>b*l«cida na parle Ifilliuteda A viagem d* Hvjfda tm ijcw.
ItavwTvIe, op cit lomo III. iloc. IV. pAg m
I-) raavwTvIe, op cit lomo III. iloc. IV. «Ag TB,
216
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
riorM i prctliçio de conus que deve ter-se reaBiado antes d< flntk) o més de maio. rn«a com certeu aniea de qiutn
meses decorridos, islo <, antes dos melado» de agosto («).
Da primeira vlaiem de Hoicda Rcou assegurado no lexto que lanio a parttda como o regresso ttvtnm higar na
primavera, de 1499 e liOO. vejamos «gora as reslanles.
O valoroso lldalgo castelhano, assim que chegou, mostrou empenho em partir de novo, a-pcsar ou por causa do
pequeno proveito lírado da sua primeira aventura.
Umj cana regia de 28 de lulho de IMO ao bispo de Córdova o atesta, e o alio lundonirío efeclivamenie mandou
lavrar o ãsiento, cu|a data desconhecemos, sabendo-se somcnie da sua conlinnaçlo em S de junho de 1501 ("). A necessidade
desta (ormalldade dá a entender que nas capitulações primitivas se seguiu o costume de fixar praio para a salda de navios,
«•pesar do díplonu de confirma(Ao nio o mencionar; em compensa-lo. dli-se que os navios conhentldos eram em número
de dez. A dificuldade dc tretar tantos bircos e recrutar as tripulações (") explica sulldentemenic o grande inlervaki entre a
carta régia e a partida, que só se cleciuou em lanelro de 1502 ("). com quatro navios apenas.
Harrisse convenceu -se. nlo percebemos por que aric. da existência de mais uma viagem de Hojeda. intercalada
entre I5O0 e 1501 (■■}. Alega o douto americanisia que a escritura dc confirmação em 1501, menciona estã vtãgt que tuisiti
à àescutfrir na qual leve poco provtclio. mas a verdade i que ela cila as capitulações primitivas do ano anterior; a viagem
cm queslio é a terminada cm 1500, nem se conlirou um nsitnto \Á caduco, pela execuçJo do nélt projectado. Harrisse podia
ler citado o depoimento de Hojeda <resposia à 6.* preguntj do (lacal) em abdno de sua opinllo; mas a análise delida dtic
mostra que a critica de Navarrete é fundada (") sendo inexacta e contraditória a declaração testemunhal.
N3o nos interessam as peripécias desta expediçlo. mas apenas averiguar quando ela terminou. Hojeda voltando
dos seus falsos descobrimentos- pois su esteve em reglóes ji conhecidas chegou i Hispanlola em setembro de 1503, prteo
a ordem de teus compartes Vergira e Ocampo, scguindo-se um longo pleito, iniciado na Ilha e terminado na metrópole em
fevereiro de 1504 com a absolvição de Hojeda. A pnmcira sentença prolcrida na Htspaniola cm 4 dc maio de 1503 V'k
nunda-o i /* merctd de Sus Alleess... en un nãvio de los que affora quieren partir ('•), donde se conclui que foi debaixo
de prisão até Espanhi, onde n3o podia ter chegado senJio nos fins de junho, o mais cedo. Éle apelou desde logo da decisio.
anies de partir, e conseguiu sentença absolutória que lhe toi lida em Alcali de Henares. a 8 de novembro de 1503, decJa-
rando-o tibre é quiio; a 5 de fevereiro de 1504 se lhe passou a carta executória. Assim, Hojeda esteve ausente dc Espanha
desde janeiro de I50l até hm de lunho de 1503.
Em 30 de setambro de 1504 obteve o capitio castelhano carta patente para sua terceira viagem que ainda
nio tinha sido começada em 29 dc novembro porque dessa data existe um diploma oficial de fiança prestada pelo
cumprimento de certos encargos. Parece que partiu nos pnnaplos de 1505, ignoranJo-sc quando voltou.
nnalmcntc, a sua quarta expediçlo com ]uan de l« Cosa partíu da Hispanlola cm 10 ou 12 de novembro
de 1509 ("X pois Hojeda eslava na ilha desde 150*. pelo menos, e não tomou a Espanha, morrendo em 1515 ou 1516.
Diremos, em último lugsr, da viagem empreendida por Rodrigo de Bastidas com ]uan de la Cosa, pllúto •
cartógrafo. O escrivão de Triana (Sevilha). lendo capitulado em 5 de junho de 1500 larpou de Espanha meses mais tarde
com dois navios. Herrero diz que Isio aconteceu em laneiro de ISOI (»»). sem duvida porque o seu gula Las Casas se Indína
a que a partida se tivesse realizado al principio dei ãho ("); mas o bispo de Chispa esqueccu-se de preguntar a Daslldas
a data, e erra no ano em que llx« a viagem. Andrés Bematdes. cronista a quem se devem alguns escassos esclaredmenios
sóbrc csla expedição, diz que a sua duraçSo lol de 23 meses (*); ora sabc-se que o regresso foi a 5 de setembro de 1502,
o que indica a partida em outubro de 1500.
Bastidas descobriu fraW e W Oanen. e loi até Puerto de Escribtnos. no Panamá; dal lelroccdeu ã Jamaica
c Hispaniola. aonde chegou em prindplos de 1502 (") para perder seus navios. |á por tempestade, já pelo lerrivcl verme que
os cspanhocs chamavam broma e nós bnmã ou breano {''■y
Acusado de várias irregularidades, Instaurou-sc-lhc processo, do qual se veio lustificar a Espanha, vindo na mesma
armada em que se recolhia Dobadiiha. O ex-govemador pereceu, com multa gente, em naufrágio, mas o escrlvjo salvou-se,
«portando a 5 de Setembro; a sentença absolutória loi-lhc lida em 3 de dezembro de 1503. Náo consta doutra viagem de
descobrimenio de Bastidas, ma» apenas de algumas excursóe* Inidadas na HlspanioU.
iM N.w.rr>i« á\: - ^ ■ ao Ubro rf* (iMiWMi ;w« Ir é ãtttubnr. tallicntc «a Cata ér CoAlralútum dr SwIIIm. qi« «O ano IMD
Ou«r. . NIAo í*i«~^S ^ "^''tãrlt ""P"^*^
(i.. Navanrt- ,,n<,t.ji t-u«n« «' O^tMíO «• Pof1*i«*l intWiM-no» «tw ot cnatinhaÉio» %* miwtravam avittos a Ho>id* (NairarNl*
«p. <lt. lomo II ' , „,
Hiaonm.
, ÍA <to Iwno H. doe aCXJCIIt
217
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
APÊNDICE D
IndKumo. *q«l .udni-mcni. os ciloilos c«|c.$ resultado» vSo no le«to. Era vez de '«"Oj""""»». "P6"'« «
drniUre. peto. mo.l^í. seguintes. Cm prlme-ro lugar, se Im^gmamos a par^r dum ponio no hemisfério "orle um.
teiodfo^ e um .KO de circulo mínimo, com o mesmo rum. Inicial SO ou SSO. a pnmelra «ti semprt; ao norle do
Xndo Dando o mesmo comprimenlo i. duas curvas, o extrémo da loxcdroml. é sempre mais boreal que o da drcu lar
ISin arco de droilo mlximo entre dois pomo. * mais curlo que qualquer outro l.açado enl« *le. na esfera. Estes pactos
dc avor^m a nossa tese. e tomam a. condus*.. tanto mais segura. Em .egundo lugar, se P nzon «-"'^J ,^6'*
com o me«no rumo magnético, descreveu apenas uma loxodromia aparente, porque a linha norte-sul da agulha tem direcção
variivel com os lugaret. Caminhando para o oddcnie. esta linha desanda pauUtInamenie para o noroeste de soric que «ndo
constantes os rumo. deduzido, da búsMla, os verdadeiros se lomam gradualmente de menor ângulo com o meridiano.
A ràla em vti de lo«odrómica. aproxima-se bastante dum drculo máximo, no qual o ângulo de rumo vai decrescendo; e os
cilculos SC faiem com ma.» vantagem por meio de triângulo, esféricos. Contudo damos também o. resultados a que conduzem
loxodromias. seívindo-no. dos cilculo. Iclio. pelo sr. Antonio Pais. capitâo-tencnie da marinha português*.
I • aieulo da UUfadf do entrémo d» róta de 300 léçuas. No triângulo esférico pólo icrrcstre-Santiago-eicIrémo
da róia conheccm..e a colalitude de Santiago 75». o ailmule da nSla «fio. « a sua ententío MO léguas 16» 13'; a Utilude
)5e<lMlda é 3«ll 44" N. A loxodromla condut a 3«33' N.
1» Cikulo da extensão da róta pelo sudoeste necessária à total ocultação da polar. No triângulo esférico pólo
lerreih^Sanltaflo exirémo da róta conhecem-se Irés elementos: colalitude de Santiago 75«»: colatltude do ponto lermi-
lul 93*M ; «ímule da róta 46*: * extenUo procurada é 26" 481 léguas. A loxodromla alonga se a 493 légua..
3 o aiculo das coordenadas geográficas do eMÍrêmo da ráta de 335 léguas pelo rumo sudoeste. No triângulo
esférico pólo "terrestre Santlago-extrémo da róta .lo dados a colalilude de Santiago 75o. o azimute da lóta 45o e a sua
exienslo 335 léguas I8»6 ; a latitude do extremo é 1*56 16 N. A diferença de longitude para Santiago é 12041 52' .
clmpUI.cada cm 12042, e como a longitude da ilha é de 23O30" O. Oreenwich. a do ponto termiijil da róta será de 36oia'.
A loKOdromIa Irás consigo 2» 17 N de Ulitudc e 36«2S de longitude O. Qreen.
4,0 Determina(io do tempo de visibilidade da polar na latitude dg /o 56 , a 20 de Janeiro de tSOO. Para isto
tomam-M neceuirio. algun. cálculos prévios.
a) Cálculo da ascençâo rtcta do Sol no dia 20 de Janeiro de 1500. às 7 horas da tarde, no lugar de latitude
l'U N. e longitude 36» 12 , O. Oreenw. Esta ascençâo recta era de 3l2o,22 á mela noite de Greenwich, naquele dia.
tendo I0O.6 a variaçáo horária da coordenada equatorial solar. No lugar, cuja longitude era de 36o 12' o. Oreenw.. o ângulo
horário do Sol ás 7«' da tarde (tempo verdadeiro) era 105". e ésie Instante precedia a meia noite em Greenwich de 180°-
1060-36012 3804Í 2h35"; corre.pondc-lhe pois a correcção subtractiva Qo\\ na a.cenç3o recta do Sol. que se converte
aMhn cm 312o, 1|.
b) Cálculo do ângulo horário e altura da polar is 7 horas da tarde do dia 20 de Janeiro de 1500, no lugar de
latitude I0 56N e longitude 36^12' O. Oreenu/. Sendo como acabámos de ver 312o l! a ascençâo recta do Sol nessa hora
c 3*76 a da polar, o ângulo dos meridianos celestes dos dois astros era de 5lo,65 e, como o ângulo horário do Sol era 105o;
condulmos para o da polar 53o,35, Com éstc valor entramos no triângulo esférico pólo celeste zénite do lugar- estrtla polar,
de que sâo dados mais dol. elementos: distânda ao pólo da estrtMa 3o25 e colatltude do lugar S8o4 ; donde se lira para a
altura verdadeira da polar 3ose'l2 , sendo superior a 4° a altura aparente provocada pela refracçSo.
c) Cálculo do ângulo horário da polar quando no horizonte aparente e na latitude l«S6' N. No Irilngulo
esférico pólo celeste tenite do lugar estréla polar conhecem-se a colatltude do lugar &804 , a distância polar da estréla 3o25'
e a sua distânda zenltal 90o 1-refracçáo hontontal média 90o25': dedui-se para ângulo horário da estréla 133o. 43.
Os resultados de c) e b) mostram que o Intervalo de visibilidade da polar na data. hora e local indicados (ol
de 133043 530,35 80o,os reduzido, a lempo. isto é. 5'>20.
6.» Cálculo da latitude austral em gue se ocultava totalmente a polar ao anoitecer de 20 de Janeiro de ISOO,
fiara longitude compreendida entre as ilhas de Santiago e de Trindade. (27o e 60o o. Greenw.) Procedendo como anterior-
mente cm a) vé-se que ás 7 hora. da tarde a ascençâo recta do Sol era nestas duas longitudes exirémas respectivamente
3120.07 e 3l2o,i8; seguindo o caminho Iraçado em b) acha-se para Ângulo horário da polar 53o.3l e 53o. 42. No triângulo
Mférico pólo celeste - zénite do lugar estréla no horizonte, conhece-se a distância polar desta 3o25, a distânda zenltal da
«tlréla 90o25 e o ângulo horário compreendido entre 53o31 e 53o42; deduz-se dal a latitude aproximada de 2o28' S.
Abstraindo da refracçlo leremos para latitude 2o2 .
6.0 Cálculo da extenslo da róta pelo sudoeste até à latitude austral 2o2 . No triângulo pólo terrestre— Santiago—
extremo da róta tio dados a colatltude de Santiago 75o, t do exirémo da róta 92o2 e o azimute déle 45o; deduz-s« para
o trajecto 230,54 435 légua.. A loxodromia eleva-o a 446.
7.0 Cálculo da latitude da rÓta de 300 léguas pelo rumo susudoeste. No triângulo esférico pólo terrestre— San-
lUgo -extrémo da róta conhecemos esta 300 léguas 16o 13 , o seu azimute 22o30' c a colatltude de Santiago 75o; dedu-
para o ponto terminal a latitude O02 24 ' S. Com a loxodromia deduzíamos O02 N.
1.0 Cálculo da latitude e longitude do extrimo da róta de 324 léguas pelo rumo susudoeste. Substituindo oe
218
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
triingulo precedente a extentlo da r4ta por 324 téguM ~ 17* X' 49", obtetnoi para latitude do cxtrCmo l« H' W S. t para
a diferença de longitude dé\t e de Sintiago 6« 37 . donde t« Infere para lonaltude do extrímo »• 7 . Com a kmodromla
chegavamot a 2o,3S N. de latitude c de longitude O. Qreenw.
9. « Cálevh da attun âparente tfa pofêr is 7 horaã da lardt át 30 dt faneiro rf* ISOO no lugar de lalitudt
/• iS' S. • longitude 30» 7' O. Orrenw. A ascencio rtcla do aol no Initanie e lugar é 3I3<>,09: o ângulo doa merldUnoa
celeste» díite asiro e da polar monta a Sl».67. e o inguto horirio d*>te a M».33- No triinguk» ealírlco pólo celeste -tcnitt
do lugar eitréla t3o dados: colatllude do lugar 91<> 15'. dlslinda do pólo i esiríl» 3" 25 e Ingulo horirio deala iio^O.
concluímos para altura verdadeira da polar 47 28 ". sendo a aparente delermlnada pela relracçlo pouco superior a !• U .
10. » Cálculo do tempo de visibilidade, em qualquer época do ano, da polar nas latitudes de /• tO' Mel» 10' N.
No Iri&ngulo esférico pólo celeste-zenile do lugir esiríla conhecem-ie: distância polar da estréla 3* 24'. a dlslinda
zenilal 90» + relracçio horiionlal média «X» 25' e colalHude do tugar 880 50 ; dcdut-te para o ângulo horirio da estréla
no momento do ocaso 117» 35 38 . Como a diferença entre as hora» do ocaso « amanhecer da estréla é o dôbro do
suplemento para 1W« do seu Ingulo horirio. reduzido a tempo, achamoa essa diferença Igual aí h. 16™; e sendo a duraçlo
da noite de 10.5 horas pelo menos a cstrèla é visível maU de 2 hora», ao anoitecer ou de madrugada, no lugar de latitude
boreal 1«10'. Para o de latitude boreal 2o 10 deduz-se analogamente a visibilidade por etpa(o de 5 hora*.
APÊNDICE E
Extractos de cronistas espanhóis relaliuos à primeira viagem de Vicente Valdez Plnzon.
GONZALO FERNANDES OE OVIEDO
Da Retacion summaha de la Historia Natural de las índias, compuesta y dirigida al Etnperador
Carlos V por el capifan Oomah Fernandes de Oviedo, transcrila em Historiadores primitivos de lãS
índias Occidentaes, de André Gonzalez Darcia.
Pero Isto nl otro de los <iue yo he visto, nl oldo. ni leldo hasta agora no se Iguala con el rio Marafton. que et a
I. «,rt* Hoi h.«nie en la misma cosia. el qual tiene en la boca. quando entra en la mar. quarenta léguas, I mia de otra»
amas dcn J e a e «rag^a dul« de'el dicho rio. Esto yo oy mucha. vezes dcdr al piloto Vfcente Vanc. P.nçon qu.
antas ' '* '^^^^ vido este rio Marafton é entró por el con una caravela ma. de veinte léguas, é halló en
fmXs Was Vfl" es por .^ar poca gente no osó saltar en terra, l se tomó a sallr de el dIcho rio. 'blen quarenta
fifluas deml^ Vn mar agua dulce dei dicho rio: otro. navio, le han visto; pero .1 que ma. supo de el es el que he dicho
Da Historia general y natural de las índias (edição de 1851) Livro XXI. cap. 3.«
Entran las aguas de aquesle rio con mucho Impetu en la mar. y dientro delia, dlei 6 doce légua.. M coie deat.
dulfe Taq"l embocamiento haçe alli deniro dos braço, prençipal... y al rio ma» oriental tl.man rio de Navldad; ,
? ^ «cdilntal « e que g«rda el próprio nombrc de Maral^on. y es el mas prençipal. el qual derechamente v.ene dc I.
T o ,f r lérra adenU Este rio es cosa muy notable y seftalada en la pintura de la co.mograph.a por su. grandeças.
parte austral. '^^ '"".f "'"^.^^^^^ aicho. hallarl que desde el cabo de Sanct Aususlln que e.li en ocho grado, y medJo
y qulen ovtere ' '^J^i^/J^^ „ ,n.bocamiento y atravesarto. al rio MaraHon. hay tresdentas dnquenta y ocho
" rmas ó tn« r osu con^i^^^^^^ con los puerto» é rios e promontórios que particularmente se ha declarada
léguas, poco mas ó /"^J „ el mundo, se llamó un Hempo Mar dulçe. porque con mar |u>anl« 6
Este embocamiento. que tan ,^ ,„ «ue he dldio. é muchas más. *t ereemo. i Vicente Vallei
bana se haçe agua dulce en e^mar J -'^ nquellel^tre. «pitanes é pilotos y hermano. que se hallaron con el
Pinçon. que h,é el que ^^^J''*'; ^^lon. en el primer descubrimlen.o desta. índia»; y este lué cl prim.ro esp.ltol
almirante primeio dcsu» ^'^^PJ/Í'" ,\ ãtár que lo avia descublerto el aRo d. mil e qulnlentos. y que avia
Z'o\X'^^ í;'m:.Cte C« aTart/^o L la boca deste rio; e otras particularidade, dei que « dlrin .„
Bbro vigesslmo terçero.
Livro XXIV, cap.
El primero que deacobrió el rio Marafton !ué el piloto VnetnW YHti Pinçon. «>o de aqueUo. Ire. capilanct
219
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
pilolM ¥ hermanos que hallaron con el almlranle primero don Cbrlspslóbjl Colon en el prim«ra viaje é descubrlmienlo deslis
indlw- y etie lué cl primero chripíllano y espaftol que áió nolid* deste (jnnd rio: al qu^l. despuet que volviô á Espafta, el
calhollco Rey don Fernando le túio merçedes y le (avoresció. y el queria >-r i la pobiar. pero cxcu«i«l« ta muerle afio de
mil qulnlrnto* y caiorçe. e«l*ndo en reputaçlon de uno de lo» ma» dieiíro» hombre» que avia entre los pilotos dei rey
de aquel Hempo. ^ . ^, ^ ^, .
Vo lo conotei e tratí í era uno de lo» hombre» de U mar que yo he vwto mis bien hablado y que meior
entendia de »u arte v el me dlxo*que con cuatro caravelas pequena» avia entrado en este rio qulnce o veynte Icgua» el aflo
de mil e quinlento» aftos. t que vido muchos índios de Ias cestas v «n el embocamlenio desle rio. é que satieron quarenta
chripstianos en tlerra. contra lo» quales vtnieron ireynla e dos índios con sus arco», y flexas y detrás de aquellos otro»
muchos y estando cerca unos de otros, echíronles los Indlo» una picza de oro iabrad* e lo» chripstianos echaronles casca*
vete» como por via de commerdo c trueco. é los indio» lomaron io» cascavelcs: é quando los nucstros quisicron tomar el
oro quitleronles prender, é Iravósc la batalha í maiaron ocho espaflote» é hlrieron otros doçe ó irege. y con irabaxo se
etcâparon los que quederon. Vlsia esta maidad y engafto, recogieronse en lo» navio» los espaftoles y pa»»aron»e a la otrs
co»ta dentro dei mísmo rio v prendleron trevnte e seis honbres é mjlaron t hlrieron otros atgunos. porque los «altearon en
una provinda que se lUma Mariatjmbal. que es dentro de la costa dei Marailon. dentro dei qual hay muchas Isla», segun lo
supe dei mismo Vicente Vaflez (que hasta el pressente no hay 6tro auctor de tanto credito en este caso), cl qual salió de
«01 cm ou presa que le costó caro; v en Ia costa çerca de tierra havia perdido tas do» caravelas. V tomóse i Espafla con
las dos olra» muy perdido: at qual, ol deçir que desviado dei no y dc la costa treynte léguas apartado de Herra, avia cogido
aotta dulçe en la mar alio. por cau»a de la tuerça i luria oon que este rio entre en ella. Este capllan é lo» que con el se
htBaron no pudieron entender por entonces mi» particularidade desie rio. ni Ordaz supo ninguna, nl la vido, ni se crce que
SC Bbríron meior. viendole. <l é »u gente de lo que »c libráron donde lucron i parar.
FRANCISCO LOPEZ OE GOMÁRA
Da Historia general de las índias con todo el descubrimiento y cos^s notables que han
acaecido dende que se ganaron atà el aHo de 1551. Con la conquista de México y de la Nueva
EspaHa. Caragoça, 1553.
Foi. XLVII. verso.
El descubrimiento que hízo Vicente Vafiez Pinçon.
Va dixe que con las nuevas de Ias perlas y grandes tierra», que descubriera Colon, se acodlciaron algunos a Ir
por lana. y vlnleron, como dlzen, trasquilados. Estos fueron Vicente Vaflez Pinçon, y Aria» Pinçon, 8U sobrino, que annaron
quatro caravelas j su cosia rn Paios, donde nacleron, Dastederon las muy bien de gente, artllleria. vltuallas, y rescatc. Que
ncot estaban con los viajes que avian hecho a índias con Christobal Colon. Uvieron licencia dc los reyc» catholicos. para
dcMubrtr, V rescatar. en donde Colon no uvlesse estado. Partiron pues de Palo» a Ireze de noviembre de aAo mil quifliento»
menos uno. con pensamiento de Iracr muchas perlas, oro, piedras y olras grande» riquezas. LIcgó a Santiago, Isla de Cabo
Verde. LIcvó de alll su derrota mas al mediodia que Colon. Atravcssó la tórrida. V lué a dar al cabo, llamado de Sant
Augustin, la ftota. Estos dcscubrtdorcs salieron a tierra por (In de enero. Tomaron agua. leAa y la atlura dei sol. E»crívieran
en arboles y pefta» el dia que llegaron. y sus proprios nombres y dei rey y reina en »eí\al de possession, maraviilados, y
pensosos de no bailar gente por allí para tomar lenguas, y tino. de aquelta tierra, y su riqueia. la segunda noche. que alli
durmicron, vieron non muy iexos muchos luego». V en la maftana qulsleran feriar algo con lo» que al fuego estavan en
rancho». Pero eilos no acarearon a ello. Antes tenian falante de pelear con muy bucnos arcos, y lanças, que traian. Los
nostro» huyeron deilos por ser ombres maiores que gr.indps .illemanes, y de pies muy largos. Ca segun despues coniaban los
Plnçones los tenian por tanto, y médio que los suyos. Partieron de alia y tueron a surgir en un rio poco hondable por que
muchoi índios estaban en un cerro cerce de la marina. Salieron a terra con las barcas, adelantando-se un espaflol, y arrojole»
un cascavel para cevarios. iillos. que armados estaban. ccharon un paio dorado y arremetieron. que se abaxo por el, a
prendcrlo. Acudieron los demas espafloles, y travose una pclea cn que muríeron ocho deilos. Los tndlos siguieron la vitoria
hasta metcrios en las naos. y aun pelearon en el rio. Tan secutivos. y bravos eran. Quebraron un esquife. Valio Dios que np
l«iian yenjA. sino poços escaparon de m-jchos que heridos quedaron Vicente Yaftez conocio. quan differentc cosa es pelear,
que timonear. Calivaron treynie e seis Índios en oiro rio, dlcho MarialambaL V corrieron Ia costa hasta ilegar al gollo de
Paria. Tocaron en cabo primero. Angla de S Lucas, tierra de humos. rio de Marafion. rio de Orellana, rio Dulce y otra»
paite». Tardaron dicz meses en ir, descubrír e tomar. Pcrdieron dos caravelas con todos que dentro yvan. Truxcron haste
veynlc esdavos, tres mil libras de brasil y sândalo, muchos juncos dc los preciados. mucho anime blanco. cortezas de derto»
arboW que parecia canela. V un cuero dc aquel animal que mele los hijos cn el pecho. V contaban por gran cosa aver vislo
arbol que no le abraçavam dezeseys hombres.
FoL XLVII I.
Rio de Orellana.
Unos io ll.im.\ mar Dulce, y lo pon* de boca dncuenta y mas léguas. Otros affirman ser cl mismo que Marafion.
dizlendo que nace en Quito cerca de Muilubamba. V que entra en la mar poças mas de trexlcntas légua» de Cubagua. Pero
aú no esii dei todo averiguado. V por esso los diflerendamos
220
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
Nunca jamis. a lo que plento. ombre nlnguno navego tantas l««uas por rio como FranKisco d« Orellana por «te.
NI de rfo grandf se supo tan presto el nn y principio, como deale. Lot Pln^ones lo (I««cubrieron en el aHo de mil v qulnlenlo».
Orellana lo anduvo quarenta y tns aftos despu^s...
Foi XLVIII verso.
Marafíon.
Algunos. tesQ poco antes ipun(«. dlzen q todo et un rio el Marafton v *l de Orellana. V que
Peiú. Muchos espaftokí an entrado, aun q no pobUdo. en este rio detpue» que lo descubrio Vicente VJflei Plnçft. afio de
RiJI y quinientos menol uno...
FoL XLIX.
£1 cabo de San Agustin.
Deicubriólo Vicente VafleJ Pinçon. en Enero de mil y qulnlentot aftoa con quatro caravellaa. que taeo de Paloi
dos mese» antes. Fueron los Pincone» grandíssimos descubridores. V hieron muclias vese» a descubrir. V esta. nav«fl*ron
mucho. Américo Vespudo. Florentin, que lâWen el »c haze descobridor de índias por Castclla. dize como tue al mlsmo cabo.
V que le nombre de San Agustin, el aflo de uno. cô Ires caravellas que le dl6 el rey don Manuel de Portugal, para busor
eslrecho en aquelta cosia por do Ir a las Holucas. V que nawgo desta hecha hasta *e poner en quarela grados. »
equinoxlal.,. Unos ponen qulnlenlas léguas, v oiros mas. desde el rio Marafton al cabo de San Agustin. Esla cn
de costa la Herra, e punia de humos por do e« le raya de la repaHidon de índias entre CastIlU y Ponu9»l U qual cae gr«o
y medlo tras la equinodaL
FR. DARTOLOMÉ DE LAS CASAS
Da Historia de tas índias. Madrid, 1875.
Cap. 173. Tômo II, pág. 44a
Oespues de Cristobal Guerra, o poco despues que salió de Castilla para su primer ^ria|e ^V^' .^^^^^^^
y nn dei ano de U99. Vicente Vaflez Pinzon. hermano de Mariln Alonso Pinzon. que V'
íescubrimicnto de estas índias, segun que arriba se ha largamente contado, con "f" "^^^^^^
cosia porque era hombre de hadenda, salió dei pueno de Paios para Ir a descubnr por principio de D<rt^rmbre^ afto de ^
Tcll tomado cl camtno de Us Canárias y de ,111 1 las de Cabo Verde, y salido de la de Santiago. * «í;^»;^ '^^
L Encro de 1500 aftos. lomaron la via dei Aus.ro y despues al Levante, y andadas, segun '^^^"'^^''^^^J^y"^^^^^^
Consoladon. Hallaron la mar turbia V bl-r,caza como de rio. echaron U so„d.^ que ^ ^^^^^^
y halhronse en 16 brazas; van á Ia tierra y saltaron en ella. y nó "'^^"^^^^ ^e lo. reyes de Caalllla. cortando
íomo viesen los nav.os. huyeron AUi Vicente Vafiez ^ ''JL^m iuridkos aquelll n^he hicieron cerca de
ramas y .rboles. y pase.ndose por .11. y ^^^-j--;--' ^^e' orcru^of/o' ^m^. blen armados. «Heron en
alli muchos fueços. como que se velaban. El sol """o- «,„ arcos v flechas con grande denuedo. para
lierra. y van a los Índios; de los índios «len a eUos ireynw y lanlo. «n sus ^nros y ^'^^ ,
pelear. y tra. estos oiros muchos. Los cr,stianos comenzaron ^ ^ , cada momento te
cuenlas y o.ras cosas de r^scates. pero ellos no ""ba" de e»^^ inte se ^'^^^^ "'Z que alH íban de lo. cristUnos.
denodaban para pelear; eron. segundo '^^^^^^^-^^.^^^^^ tierra dentro, y los cri.tUno. í su.
Finalmente, sin rtiilr. se apartaron los unos de los «y*^* . J^^/^' ^^^J^^^ «erra. no paredó perwna alguna; affirmaba
navios: «nida Ia noche. los '"'^'<>' ^"^«'^"■^'eri ta^^^^^^^^^ '"""''^
Vicente Vaftez que la pisada de los pié. de aqueUos .'f " f "^-ÍTení^r !o» navios: surgie.on en la boca ó cerca delia,
vela. V fueron m» adc-ante. v U gen c":uc p "o cab.7 i recaudo^para tomar lengua y saber U«
salieran en las barcas, con que entraron " "^^^/"';,;";„'^„d, como e. por alll toda elU. Md. la qual envlaron un
secretos dc U tierra: vleron luego en una "«f ' /"^^"ÍJ; '^„eios y «ftas de .m.slad que pudiese. los halagase
hombre blen aderezado de la. arma. que ceblole. un cascabel para que con el se
y persuadesc i que llega«en â conver«c,on. ^' J. como el se .b.í.« • tomaria, arremetten lodo.
«Sasen y se allegasen; el.os su esp-da y rodela, de tal mancra dlô presa a « defender, que
ellos . lo prender. «^""''°'V*'T l« bTrí,, aúe c -«'««"^ ' '« »«^°"'" '"""^
no les deió llegar. hasta que los de las "^^^^^^^^ ^„ que. antes que se pudiesen unos á oiros guarnecer.
sobre los cris.ianos con tanta prie^a. y ^•'P"^"*"'^';'^;^^;, "fueron Van luego i Us barcas, y dentro en el agua. la.
n^ataron dellos 8 a 10. alguno. ^^"^^ ' l^^^^^-^.^Xt íoma^^ «na barca y a.sctearon al que U guardab. dentro,
cerean; Ilogan con gran esfuerso '«'"^ f erpX desíarrigan y matan los ma. dellos. como no luvlesen otra. arma.
V mucrc pero los crislUnos con .us lanza. y ^^^]'^\ZtíV,^^^tí^i ^^^rtes y revucllas; que neccssWad tenlan de poner
Sernslvas' sino los pcUeios. Blen ---J„ ' ^^doTe r.irque. 'si vlan que no querian .o. indlo. trato n.
aquel Cristiano cn aquci pdigro. y ' 'Jrde dTo. -Igunos sino prelendiendo su provecho lemporal. asi
=^:;errrmr::^^^^^^ - . - Vi.do. pue. 10. nuestro. q^.^ tar,
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
■u) l«s Iba con aquello», con harle triite» de perd«r lot companeros. alzaron U> velit. y Por U cosia abajo. 40 leguai «I
Ponirnte dc&cendleron; alll hallaron Unta abundância, dentro de la mar, de ajua dulce, que todas las vasijas que tenlan vadai
hinchleron. Llegaba esla agua dulce, como Vicente Vaftei deponc en su dicho. en el muchaa vcccj alegado processo, dentro
cn la mar, «O teguas, v otros de los que hieron con él. dicen X (y aun muchas más es cuasi commun opinlon de los que ye
via tratar deste rto en aqucllos liempos); admirados de ver tan gran golpe dc agua dulce, v quericndo saber el secreto delia,
llegaronse a lierra, y hallan muchas Islas que ettan en ella. Iodas graciosíssimas, frescas y deteltables. y llenas de gentes
pintadas, segun dIcen lot que alll fueron, las cuales se venlan a ellos, Ian seguros como si Ioda su vida hobieron conversado
amablemente con ellos. Este rio es aquel muy nombrado Maraflon; no sé por quien nl por qué causa se Ic pu&o aqud
nombre; llene de boca y anchura a la entrada, segun dIcen, 30 léguas, y algunos dicen muchas mis. Estando en et surtos lot
navios, con el gran Impelu y lucrza dei agua dulce y la de la mar, que le resistia, hadan un terrible ruído, y levantaba los
navios cualro estados en alio, donde no padecleron chlco peligro; parece aqui Io que acac:io al Almirante quando entró por
U boca de la Slerpe y sailó por la boca dei Drago, y cl mlsmo combate y pelea juntamente, y peligro, hay donde el agua
dultc CS )unla con la dei mar. cuando le dulze corre con Impelu e e« mudii. y la playa es descubierta, mayormenie tl la
mar et de tumbo. Visto que por aquella liem. y rio de Marafton. y gente delias, no habla oro nl perlas, nl cosa de provecho,
que en el fin que lot traia, acuerda tomar captivos 36 personas. que tomar pudieron. de aquelles humildes y mantos
Innoccntes. confessado por ellos, que á los navios seguramente se les venlan, para que no quedase pedazo de tierra ni gente
ddb. que no pudiese blen. y con verdad. contar sus obras písimat, y los que hoy. sin ceguedad, las vimos podamos attlrmar.
sin escrúpulo de ccndenda, haberse movido eslos a haccr estos descubrimicntos, más por robar y hacerse ricos, con daftos
V escândalos, caplivcríos y mucrtes destas gentes, que por convertirlos; harto dego, *ln duda, de mallda será el que dudare
dMto, aunque poco menos les dió Dios el pjgo que i Cristobal Qucrra. De alll, dei rio Maratlon, vinieron la cosia absjo U
vnclla de Paria, y en cl camino hallaron otro rio poderoso, aúnque no tan grande como et Marafton, y, porque se bebló d
agua dulce otras 2& 6 30 léguas en la mar, le pusleron el rio Dulce. Crco que es este rio un brazo grande dei rio Uayapari,
el cual dilemos cn cl cap. 134 que hace la mar c goKo Dulce, que cslá entre Paria y la isla de Trindad. que estimaba cl
Almirante sallr dri Paraizo terrenal, y aquel trato y rio dulce que de aquc&to camino halló Vicente Vahez, tambien jurgo que
ca el rio donde habila aquella gente bucna que nombramos los aruacat. Pattaron adelantc y entraron en Paria, y creo que
tomaron alll brasil; aunque. como hallaron la gente escandallsada por haberles muerto mucha gente Cristobal Querra, ó otro
salleador dc los que alll llcgaron, tegun arriba dijemos, y lo dijeron con juramento los mismos S^ae fueron con Vicente VaRcz,
V no 01 aban saltar en Herra, no sé como lo pudieron tomar. De Paria nave^ron á dertat Islas de las que eslán por cl
camino de la Espal^ola, no supe con que intendon. nl si en la cosia dc Paria, ó en alguna de las Islas dichas le acaed6 la
iribuladon que le vino: por cl mcs de ]utlo, estando surtos todos cuatro navios en la parle 6 lierra donde era, subitamente
vlno una Ian desaforada tormenta, que, a lot o|os de todos, se hundleron los dot navios con la gente; el otro, arrebatóie cl
vfento, rompicndo las amarras de Ias anelas; y llevalo el vlento con 18 hombres y desaparece. £1 cuarto, sobre Ics andas, que
deblan ser grandes y bucnos cabics. tantos golpes dló en la mar, que, pensando que se hidera pedazos, saltaron cn la barca
V vlnlcronse á tierra, no les quedando de el alguna espcranza. Dl;i>ron que comenzaron á tratar, lot poços que alll cstabiiv
que seria bicn malar a lodos los Índios que por alll moraban, por que no cortvocase let comarcanos y los vinicsen todos í
matar. Ellot pensaban en aquella tierra buscar manera para vWir y remedlar-sc; gentil remédio hablan hallado matando las
gentes que no les habian ollendldo en nada, por ellos imaginarse por aquella via dc salvarse, para qul Dtos les ayudase; pero
la bondad dei misericordioso Dios no dló lugar á que comctieran tanta maldad, porque cl navio que se habia desaparecido
con los 18 hombres, volvió, y el que estaba alli presente, amansando la tormenta, no se hundió. Con los dos navios vinleroo
a csla isla Etpahoia, donde sc rchlderon de lo que avlan menester, y de aqui tomaron el camilto y llegaron á Espana en Rd
de setiembrc de IbOO aRos, tristes, angustiados, lesas las condendas, pobres, gastados los dif\cros que puso de su hadcnda
Vicente Vat\cz en el armada, mucrtos los más dc sus compafíeros. dejando atboroiada y escandallsada la tierra por donde
hablan andado, é intamada la gente Cristiana, y aggravladoi los que hablan echo pedazos, y hechandoles al Infíemo las
énimas, sin causa, y los demas inocentes que captlvaron, sacados y traídos de sus licrras, prívandoics de su libertad y de
tus mujcres y hijos, padres y madres, y las vidas, por cscUvos, solamente, que habian de&cubicrio 600 léguas dc coeit dc
mar haste Paria, gloriándose.
Cap. CLXXII, tômo II, pág. 441.
Asl lo dicen les tesligos en e) tusodicho processo, conviene i saber, que cuando vlnieron Vicente Valdez y aa
compatlla á Paria, qucrian saltar cn ella. y que no osaron, porque Ics hablan muerto mucha gente ántes que llegasen i ella.
V dicen más. que los indlos dc alll no qucrian entrar dentro de los navios, salvo que declan, sjl, Capitan, como sl los
liamaron para vingarse delios, a lo que parece; y dlce más un testlgo ("). que en esto vino oiro descubridor, que se dlce
Diego dc Lepe, alll, é para probar al Fiscal, que Diego de Lepe habia lamblen descubicrio tierra, y no toda cl Almirante,
<Qcen tos testigos que llegaron a Pária cl dicho Diego dc Lepe y su compafiia, y que tomaron alli clertos Índios, los cuales
después cl eniregó cn Sevilla al Obispo D. Juan de Fonseca. Estos no los pudo él tomar sino hadendo escândalo, injuslida
c vtoicnda. y fuera blen. que el Obispo Io cxamtnira y aún ahorcara sobre ello, pero nunca el seflor Obispo dc esto tuvo
mucho cuidado en todo su tiempo.
n E' flnlon FcrnanAti C«l(naw>, o Ritamo que dey a iatariMçig anUtlor {A^mOici B, mpoaU b T> pTt«unto ^ llaal).
222
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
ANTONIO DE HERRERA
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Da Historia general de las índias occidentjles e de los hechos de los Castellanos en las islãs
y Herra firme dei mar Oceano. Antuérpia. 1728.
Tomo 1. pág. 90 -Década I. livro IV, cap. VI.
Que Vicente Vafíei Pinzon descubrió seiscentas léguas hasta Paria, v f»e el pHmer Castellano
que atraifessó la linei equinocial.
Dcspues dfl viage rvtfrido de Crísiowil Quem rn cl mes de Deziembre Vlcenle Vaftez Pinron,
que «ccomp^fto al Almirante en el phmer descubiimirnto, con quatro n&vios arnudos á su cotia, ponjuc era
hombre dc hazienda, ulió dei pucno de Pilos; y tomando el camino de lat Canariu, y deapues el de Cabo
Verde, salló dc la Isla de Sanliaso, que es una de aquvllas de Cabo Vrrdo. á 13 de Hencro dei ano de ISOO,
tomó l« via dei Sur. y despoéa a levante, y awiendo navegado setedentas lesua», perdió el Noric. y pató la
línea equinocial, sfendo el primer subdilo de la Corona dc Caslilla, y de Leon. que la airavetó, y pasuda U
■inca. luvo tan terrible lotmcnta. que prnsaron perecer, anduvo por la via de\ otras dozlentas y quarenta
léguas, y a 26 de Henero descubrió lierra bien lexos. y eslo lué el cabo que aora llainan de Santo Agusiin, al
qual llamó Vicente VaAcz Cabo de Conso)adoii, y los portugueses dlzen la terra de santa Cruz y ura dei
Brasil; ttalUron la nur lurbia, y blancaio, como de rio, y hallaronse en diez e seis brazas, sallaron en ticrra,
y no pareci6 gente, aunque vieron rastros de liombres. que tiuycron vicndo los navios, y alli tomó Vicente
VaHez poftsesslon de aquella tierra por la Corona de Caslilla y Leon, haziendo quantos autos jurídicos para
ello era necessário, y aquella noche descubríeron por alli cerca muchos luegos: otro dia satido el Sol
dcsembarcaron quarenta Castellanos blen armados, lueron adondc avian vislo los luegos, por que reconocieron
que avia genie, saJieron á ellos hasta 36 índios con arcot y flechas con demonstracion de pelcar, y otros
muchos tras ellos.
Mucho procurarAt los Castellanos de alagalos, y en seAos amansarlos. mostrando cascavcks,
Mpcjos. Cuentas, y otras ccsas, pero no curando de nada, se mostraban más lerocos. eram segundo adirmaron
Buyores de cuerpo que tos Castellanos, y sin hechar mano a las arma» se aparlaron los unos dc los otros.
Venlda la noche no parecio por toda aquella lierra índio ninguno. por lo qual levantando las velas, passaron
mis adclante. y surgieron cerca de la boca dun rio, que por ser baxo no pudieron entrar en el los navios, lué
gente por cl rio en las barcas a tomar lengua. viéron sobre una cuesta mucha gente desnuda, hazia la qual
enblaron un hombre bien armado, y este procuro con meneos y alágos persuadirios que se acercassem, hcchóiet
un cascavel, cllos Ic hecharon una vara de dos palmos dorada. y porque sc abaxó a tomaria, corricron a
prenderlo. cercandole ai rededor. pero con su espada y rodela de tal mancra lea dtó pricsa con tanta furta
V destreza, estando Ian en si. que por gran rato los dcluvo sin que nadie se le pudiese acercar dexando
mal heridoí a alguncs. que lo Inientaron, hasta que se admiraron lodos dc ver que este soldado, dc quien no
Be lenia grande esperança, huvicsse hecho Ian gran prueva, y era hombre de mediano corpo, y no muy robusto,
hasla que los dc las barcas Ic tueron a toccorrer. pero los índios disparavan tantas flecha», y Ian apriesaa
Mbre los astellanos. que antes que se pudiesen rebolvcr. malaron ocho o dIez. y hlrleran i muchos. llegaron
i las barcas y dentro dei agua las cercaban hasta llegar atrevidamente à asslr de los remos, tomaron una
barca Hecharon al que la guardava, aunque los Castellanos con sus espadas, y lanças Infinitos desbarrigaron,
« malaron y con cslo se reliraran, y los Chrislianos con mucha tristeza de avcr perdido tantos compafteros.
te lucron'por U costa abaxo quarenta léguas al Ponienie, y por la mucha abundância de agua dulce. que
hallaron en la mar, hinchieron sus basliat, y segundo que Vicente Vaftez lo aMirm6, llegava el agua dulce
quarenta Icouas dentro en U mar, y queriendo saber este secreto, se accrcaron a lierra, y hallaron muchas
Islas muv oraciosas y frescas con muchas gentes pintada» que acudian a los navios con tanto amor. como sl
toda cn vida con elios huvieron conversado; ftalla este agua de aquel muy nombrado rio Marafton. que tlene
irelnta leauas de boca. y alaunos diccn más, y estando en cl surtos los navio» con el gran Impctu y luerça
dei agua dulce. y de U mar.que le resistia, hazia un terrible ruido y levantava Io. navios «>
alto padccícndo gran peligro. casl como que succedió al Almiranle. quando entró por U boca de la Sierpe
V salió por la dei Drago,^ ^^^^^ ^^^^^^ ^ ^^^^^^^^ ^^^^^^^^^
w w «,«i«A I» buflia de Paria, v en el camlno hallo otro rio poderoso, aunque no tan grande como cl
hombres. y «^""'"f j^^^ e dnco é trclnta legu.s a U mar: por lo qual ic llaman rio
du^e rde^pX n eirque es X dei gran rio Vupari, que ha ie mar 6 golfo dulc. que está cnjj.
t : . uír^rTrinldad V este rio dulce. que hallo Vicente Vaftez en este camino. se luvo que es el rio
Í^^<rt^^^:^r^^ pana. y am tomaron brasd.... y Uegaroa * CaafilU en Hn d.
«tlembre. de«ndo descubierta» 6O0 légua* hasla Paria.
• Mi
V.\t rVTiA DE
i.lA-
i TAN
i (IS IMUi.i-i
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l!L RIO MARA-
Don tieme
m lcquas de
BOCA
el RIO VUPA-
HV A[>ONDe
f.l.-N LO»
AKUACA9
I -ITT.
ouAS ne
Tir-RRA HASTA
PARIA
223
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
APÊNDICE F
Extractos de cronistas espanhóis relativos à primeira viagem de Diego de Lepe
FR. DARTOLOMÉ DE LAS CASAS
Da Historia de las índias. Madrid. 1875.
Cap. 174, lômo II.
TriB Marnfe Vafler saUó otro descubridor. 6 qulzá deílruidor. por el mismo m« de didembre y »tlo d« 1499
anos Esle fué un Dleao de Lepe vedno dei Condido, no sé tl de Lepe ó de Paios y Moguer. piro la mas ficnie que tué con
el diccn haber sido de Paios; Ilev6 dos navios aderczaJo». De la Isla dei fueao. que es una dc las de abo Verde, sisuiõ
hada el mt-lo dia algo. y dcspuei al Levante, por el camlno que hizo Viccnic Vaflez; llegaron ai cabo de Sani Agusiin. y dicen
que lo dobUron. passando adelante algo. El Diego de Lepe tomo poiesion por los reyes de astilla, hadendo en lodos
lugarvs que llegaba actos que se llaman posestonaics. segun derecho necessários; uno dellos fué que escribló su nombre en
un arbol de grandeza estrafta, dcl cual dljeron que 16 hombres asidos de las manos, extcndidos los brazos. no pudicran
abarcarlo. Cosa es Increible pcro possible, porque lo» mayores lo hay cn estas islãs y «erra lirmc. que parece no hdbcrlos
en Cira» partes dei mundo bailado, y todos tos que por etlas hemos andado y visto las ceynas. que son muchos y grandes
arbolea. como los hay no nos espantamos. Entraran en el rio Maraf\on y alli robaron y sallearon la gente que pudleran, donde
Vicente' Yaflez habia lomado con Injustlda las 36 animas que se vcnian padllcos é confiados a los navios y Iraidolos por
csclavos. Parece que. como quedaron dei Vicente Yaftea agraviados y experimentados. Ilegando cl Diego de Lepe. pusiéronse
cn armas, mataronie II hombres. y porque siempre han de quedar los Índios mas lastimado», dcbian de matar muchos dellos
V prender Ic» que mas pudleron por esdavos. Del rio Maraflon. vinleran costeando la tlcrra firme por el camlno que habria
hecho Vicente Vancz; de creer es que saltaria en algunos logares y lo que alti saltearon y mal hideron cllos se lo saben. y
aún mcjor que enionces, que ya son todos cn la mar 6 en la Herra sepultados. Llegaron á Paria, y como hallaron las gentes
delia extranada» y alboroladas, por los muchos que le habian muerto (segun lo dicc hombrc de los mismos de Diego de Lepe
V en el capitulo 171 lué locado) deblan de haccries guerra y capllvar los que pudieron haver a los manos, y asl lo conliesa
oiro delos que con ellos se hallaron. y debia el obispo de Burgos sabello. D. ]uan de Fonsec» digo, y tomarselos. por eso
dlce aquel cn su dicho que en la Paria tomó Diego de Lepe dertos Índios los cuales el dícho Diego de Lepe truio cn los
navios c los eniregó al obispo D. Juan de Fonseca cn esta dudad dc Sevilla. Estas son sus palavras; y fuera iusto que el
obispo lo casligase.y qulz^ lo hízo. sl por ventura su ceguedad. que eneste negocio de las índias sempre tubo, no se lo eslorbaba.
ANTONIO DE HERRERA
Da Historia general de Ajs índias Occidentales o de los hechos de los Castellanos en las Islas
y tierra firme dei mar oceano, Antuérpia, 1728.
Tômo I, pág. S0~ Década I. Livro IV, cap. 7.
En lin dei mes de Diziembre dei mismo áno de 1499 salló tras Viccnie Vahéz Pinzon, Diego de
Lepe, natural de PaJos de Moguer, Villa dei Conde de Miranda, y toda la más gente que llevõ era de la misma
Vitta; lue con dos navios a ia Isla dei Fuego, que es una de las de Cabo Verde: navegó al Sur y dcspues
al Levante. Itego al cabo de San Agustine le dobló, y passó mas adelante. y hlio por toda aquella tierra
quantos autos posses si onalcs lueron necessários por los Reyes de Castilla, y uno fue que escrivió su nombre
ARUOi DF es- arbol de t»n estraHa grandeza que no pudieron abarcarlo dlez e seis hombres asidas las manos, y
estendidos los brados. Dolvio al tio MaraAon. enlrõ cn el. y como la gente estaba escarmentada por 36 hombres
t}ue llevõ de alli Vicente VaRez, hallola en armas, mataron diez Castellanos, pero ellos mataron muchos índios
v caplivaran otros. Fueron costeando la tierra Hrme por cl mltmo Camino que llevá Vicente VaAez,
llegaron a Paria ....
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LI
APÊNDICE G
De Cesáreo Fernandes Duro: La situacion dei cabo de San Agustin en el Brasil, el aho
de ISIS; no Boletin de la Sociedad Geográfica de Madrid, tômo XVI. pág. 27.
EL PARECER DE ]UAN RODRIGUEZ SERRANO
Juan Rodriguez Serrano, piloto de Sú Alteza, paresco a ciertas cosas que vras. mds. me mandaron que dijlesse e
dlMC ml parescer Hrmado de m) nombre, e yo paresco hoy dia dc la fecha de esta mi firma que cs Irece dias dei mes de
Noviembre de mil quinientos e quince aíios, e dcspues de pareddo ante vras. mds. me ensertaron una carta de su Alteza la
cual caria me (ue leida. sobre once porlugueseí que truieron presos de la Isla EspaAola, los cuales vinieron sob razon que
224
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
habUn locado en la liem dei Rey nra. Scflor, e que dljciemo» c deciantcmot cada uno por il lo que no» piTetcla digo.
MAores. cn lo que alcanjo deste negocio que ha dicz e tcts aAot poco mas ó menoa que parti deata dha. dbdad tn doa
caravelas que fue por cjpllan Alonso Vellei de Mendoza e luemos á las Isla» de Canárias e de alU tuemoa en U isU dc
Sanhago que es en las Islas de Cabo Verde e tiendo alli parllmot de la dha. Isla de Santiago por el sur derla canlldad de
légua* diárias el llempo que no correr por el susudoetie y sin caminar oiro camlno ninguno tuento en «1 cabo de
Sant Agustin algo de la parle dei norte cinco o ocho léguas e de alll doblamos el dho. cabo sin ningun Irabaío para la parta
dei sudeste dcrta canlldad de léguas en que en este liempo yo era hambrc mancebo e no se me entendia nada de las altura»
e por lo que ahora se me entlende digo que me esto dudoso que el cabo d« SanI Agustin csli en ocho grados como dicen.
mas lo que yo ol 1 los pilotos que iban cn ambo* navios, conforme ai camino que hablan fecho daban qulnlenla» e sessenta
léguas desde la isU de Santiago hasta cl cabo de Sant Agu&tm nomordesie-susudoeste y tamblen digo que he oldo que desde
el Cabo de Sant Agustin a Parla se corren norueate- sueste e que hay seldentas léguas c no te mas dt lo que dlcho lengo-
ya lo que vras. mds. mandan que de ml parescer digo que non se puede saber U ver4ad ai non »e va a ver de vista de oto».
APÊNDICE H
Instrucções dadas a Lope Hurtado de Mendonça, fidalgo da casa do rei de Espanha e
seu embaixador em Lisboa.
Do Arquivo Nacional da Tôrre do Tombo.
Corpo cronológico, parte 3.», maço 5. doe 24.
El Rey _ Lo que vos lope burlado de mendonça gentil honbre de nuestra casa aveys de deiir de nuestra parte al
«renisslmo Rey de Portugal nueslro muy caro e muy amado hilo es lo scguiente'
Que ya sabe como por lo capitulado y asentado entre la corona Real de eslos Reynos de Castilla y U corona
Real de su Reyno de porlugal sobre la conquista de las cosas dc la mar pertenesce a eslos Reynos lodo lo que esta dentro
de la Raya que se concerto por la dicha capllulacion que es dc polo artico a polo antartlco dei norte al sur asentando las
trczientas y setenta léguas de las yslas de Cabo Verde a la parte dei ponienic y que asy mísmo sabe quan enleramente se ha
guardado por parte de eslos Reynos lo que cerca desto se asento v capitulo mandando so grande» penas a los que avemo»
vnviado a dcscubrir que en ninguna manera locasen en lo que pertene^e a portugal y que alguno» delos que lueron contra lo
asentado han seydo castigados y de oiros que apoitaron a portugal el seflor Rey don Juan su predeccsor tomo U hem>enda
dellos y los mando íuslidar e asi mesmo por mandado dei dicho Rey ml hijo lue echa iusllda en portugal de diego de l«pe
V muchos de Io» que con el tomaron murieron en la carçel lo qual huvimos por bien yo e la sereníssima Reyna mi muger
oue saneia qloria quando cl dicho Rey don juan lo mando haicr por que quebrantaron las tales personas el d.cho asyenio y
10 que por nos les avia sydo mandado quando sc dcspacharon de . ca y »y a estos Reyno» vlnieron "ivM tos ^"l^"»""
caslioar con pena de muerte y asy se castigaran todos los que conira lo asentado vinieren faziendo el dlcho Rey m) hl|o
cerca dc lo que abaxo se dira lo que es R«.on como yo espero que lo hara y que agora me han dicho que algunos navio»
de »u Revno an vdo a dcscubrir a Ia Herra que rasla aqui se ha llamado Herra l.rme e ahora mandamo» Ilamar Caslllla dei
«/í elS^ J cTr de vr - >a «erra que Uaman eitos dei brasil que esta apegada a la dlcha Herra de Castilla de oro an
^rado rio que esta descubierto por nuestro mandado mucho mas adelantc de lo que pertene^e a portugal por la d ch.
RavTde U demarcadon en gran pohuizio de la corona Real de estos Reyno» y en quebrantamiento de lo que esta .sentado
Irme maravillaria mucho »v asy se ovicse lecho lo qual seyendo ansl tengo por (icrto que non se avra echo con
sablduria ^Sã " , d^ho R^J mi'hiio por ende que le Rucgo muy aletuosamen.e mande luego poner toda di.igençia eu
«Sèrt verd!d por que ya poderia ser que aun que lo ovicsen lecho gelo negasen por mledo dc no ser castigados y "blda
w fue e dé^lorm^ castigar a los que asy lueron a dcscubrir lo .uso did.0 e a quales quier oiro. que non ayan
ÔLrdado êrdkho asyento como a quebrantadore. delo asentado y capitulado y como se a echo y e» Razon que se luga en
guardado "^^^^^^^ „^ y . otro» exenplo y no oscn hazer de aqui adelan.e seme,antes alrevimlentos
semeiantes * P^^J^^/.^^^J^ "de" naçer discórdias e dllerenda. entre los Reynos por que no haslendo lo ansy eslos
las semeianles personas ^««d ^^c en semej.ntes casos se acoslunbra y deve hazer lo
Reynos temian "J" ^^era por " -^"^0 am^^^ q« ten^ .1 dicho Rey ml hl|o sy no que entre la corona Real
Alteza lope CondúUos (?) topf hurttdo de mendofs.
225
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
( 0«Bt Qíw J-O' L Qp+^iEv^^^ jTrnASí S"
f.,«r.;» -tM >«G^ -Í^Í« S« Tori^ftf S-Í^x<.
3. t(U,i^^ío« E, i«««^«p»G*•^"^2êf'
226
O 7^" rtr: rr>-'^#: f^sV.
os FALSOS PRECURSORES DE ALVARES CABRAL
ASePauK ^E» íjíU. |)cvnut/r íY"^"^^*^^ l'***"^^^
2«nA
en V-fty o rrvt m^r rt. i*^ Cí^nív
jr^f^r^ S^íS^-^C^N.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
InalrucfB** dadaa a Lop* Hurtado da Mendonca. Ildalgo da caaa de r«l da Eapanha c tau «mbaUador «m Uskoa.
CAPÍTULO IV
DUARTE PACHECO PEREIRA
PRECURSOR DE CABRAL
PELO
PROF. LUCIfíNO PEREIRA Dfí SILVft
DUARTE PACHECO PEREIRA
PRECURSOR DE CABRAL
E verris em Cochim ãssin*far-se
Tanto um peito soberbo e insoletitt,
Qut cUãtã iamãis cantou vitória.
Que asíim mertfa eterno nome e gtária,
fOs Lusíadas. II, »)
M PLENA época dos grandes descobrimentos, a figura épica de Duarte
Pacheco Pereira brilha radiante de fulgor inextinguível. Herói sem mácula,
a tuba sonorosa do poela máximo lusitano não se cança de celebrar, em
seguidas estâncias ('), os seus feitos guerreiros; apenas o som canoro se
vela de tristeza ao rememorar -o grande esfôrço mal agradecido». Nave-
gador e soldado, cartógrafo e roteirisla, èle foi, pelas suas múltiplas
aptidões c claras virtudes, um dos grandes representantes da escola náutica
portuguesa, criada pelo esfôrço persistente do Infante D, Henrique. Os
seus vastos conhecimentos de navegação estão patentes nas páginas do
Esmeraldo, admirável roteiro da circunnavegaçâo africana. Em Cochim
combateu gloriosamente, hábil em todos os ardis de guerra, pronto sempre ao sacrifício supremo,
acudindo com o seu forte braço e direcção inieUgenIe nos lances de ma>or nsco. coroado sempre pelo
êxito da victória. Porque era sábio cosmógrafo, esteve como perito na conferência de Tordes.llas.
também descobridor. Mandado por D. Manuel às praias da América, preparou a róta de Cabral «n^
demanda do Brasil, como resulta de palavras suas. Simbolo da lealdade portuguesa, nunca mo^^P d*
baixos interesses, os actos da sua vida pura e heróica, que vamos suantamenie narrar. nSo permitem
pôr em dúvida a veracidade do seu testemunho r,c.<.i, ««r
Duarte Pacheco era descendente daquele Diogo Lopes Pacheco que se passou a Cas e la. por
motivo do assassínio de D Inès de Castro, e depois voltou para Portugal a .s;^'^.;^.^^'^^
Aliubarrota com seu filho João Fernandes Pacheco. Êste. que D. João I fêz alcaide mór de Santarém,
fc^^ pai de Gonçalo Pacheco tesoureiro da casa de Ceuta, criado do Infante D. "^-'^"^ .^^^^^^^^^
vLh.L ini f.iho loào Pacheco que andou no Levante como capitão de uma armada a peleiar com os
.""rsêndrnTor'"» em\t;Vpe^ n,ou.os. E' és,e ,oâo Pacheco o pai de D.a.e Pacheco Pere.ra.
nascido em Lisboa pouco depois do meado do século XV ( ).
% f'Í^!;?/oÍVÍ;/il oi"^r Du«.e P«t,eco P.rei«.««çao dc Rala.1 B..to. Lltboa. IWI. No.ida pr.llminar, plg.. IV. V.
231
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
AVALEIRO da casa del-rei D. loSo 11. Duarte Pacheco loi um dos capitães da confiança
dêste monarca, como se infere do que êle próprio diz no Prólogo do Esmeraldo:
<e por nào alargar mais a matéria, deixo de dizer as particulandades de muitas coisas
oue êstc glorioso príncipe |D. ]oâo III mandou descobrir por mim e por outros seus capitães
- - em muitos lugares e nos da cosia de Guiné, dos quais, em tempo do Infante Dom Hennque
e d'El-Rei D Afonso, a costa do mar sòmente era sabida, sem se saber o que dentro nêles era* (').
A esta missáo se
refere ]oào de Bar-
ros, quando narra a
volta de Bartolomeu
Dias. em 1487, do
descobrimento do ca-
bo de Boa Espe-
rança:
«Tomados mui-
tos mantimentos que
acharam, e posto fogo
à naveta que estava
bem comesta do gu-
sano, por não haver
quem a pudesse ma-
rcar, vieram ter à
ilha do Príncipe, on-
de acharam Duarte
Pacheco. Cavaleiro
da casa dei Rei. mui
doente, o qual por
náo estar em dis-
posição para por si
ir descobrir os rios da
costa, a que o EtRei
mandava, enviou o
navio a fazer algum
resgate, onde se per-
deu, salvando-se par-
te da gente, que com
èle veio em estes na-
vios de Bartolomeu
Dias. (*).
Descrevendo a
costa da Guiné nas
proximidades do ca-
bo Formoso, êle mes-
esCUDO DOS PACHECOS
mo conta as enfer-
midades sofridas na-
quela região: <Ainda
que dous agravos te-
nhamos recebidos na
desaição desta Etió-
pia, dos quais o pri-
meiro é o tempo que
gastamos na prática
destas províncias e
terras, que tantas en-
fermidades e traba*
lhos mal pagos nos
tem custado. ..» i").
Dos longos anos que
por lá andou nos in-
forma, quando trata
do cabo de Lopo
Gonçalves: «e a ex-
periência nos tem en-
sinado, porque por
muitos anos e tem-
pos que esta região
das Etiópias de Gui-
né temos navegadas
e praticadas, em mui-
tos lugares tomamos
as alturas do sol e
sua declinação, para
se saber os graus
que cada lugar se
aparta em ladeza da
mesma equinocial
para cada um dos
póIos> C); e a pro-
pósito do Nilo e do
rio Senegal: «porque
de todolos rios desta região da Etiópia, os quais por muitos anos cada dia praticamos, sabemos certo
que êste é o maior, segundo se mais largamente dirá no capítulo que adiante vier. que do rio de
Çanagá falar» ('). Menciona também vilas e cidades do interior onde esteve: «e esta cidade (a de Benim)
lerá uma légua de comprido de porta a porta, e não tem muro, sòmente é cercada de uma grande cava
muito larga e funda, a qual abasta para sua defensão, e eu fui nela quatro i/eses» C).
O Esmerãldo de silu orbis, ediçSo de Epif&nio Dias. pela Sociedade de Qeografla de Lisboa. I90S, plg. IS.
(*) lolo de Barros. Déctds 1. Livro 111. Cap. IV.
O Esmeraldo. Usboa. I90S. Llv. II. Cap. 8. plg. 120.
(*1 Ibidem, Ltv. 11. Cap. II, pig 127.
D Ibidem, Liv. 1, Cap. 5, píj. 28-
(*) Ibidem, Llv. II. Cap. 7. pAg. 118.
DUARTE PACHECO PFRFIRA PRECURSOR DE CABRAL
Duarte Pacheco andou nas regiòes equatoriais, como cosmógrafo, fazendo o levantamento da
costa e rios da Guiné. Éle e outros capitães de D. loâo II foram mandados a recontiecer pela terra
dentro, o que bem mostra como os portugueses nâo descobriram só a costa ao longo do mar, mas
exploraram também o interior do continente africano. Disso oferece mais tarde um CKemplo notável
Duarte Lopes (•).
M 7 de junho de 1494 assina o tratado de Tordesillas, como testemunha. Duarte Pacheco,
«contínuo da casa do senhor Rei de Portugal» ("*). Pacheco, na sua qualidade de cosmó-
grafo e navegador experimentado, foi um dos peritos portugueses nas negociações
déste tratado.
Cristóvão Colombo, de regresso da sua primeira viagem de descoberta da América,
julgando vir da ilha Cipango. entrou no pôrto de Lisboa em 6 de março do ano de 1493. D. ]oâo II,
recebendo Colombo em Val do Paraíso, térmo de Santarém, declarou-lhe que as ilhas, por êle achadas,
pertenciam à corôa portuguesa, e assentou depois mandar a elas D. Francisco de Almeida com uma
armada ("). O papa Alexandre VI. pela bula de 4 de maio do mesmo ano. estabelecia o meridiano de
demarcação, entre as possessões portuguesas e castelhanas, 100 léguas a ocidente das ilhas dos Açôres
e Cabo Verde. Em junho seguinte D. ]oao II, que se nâo conformara com a decisão ponlifical. envia
Pero Dias e Rui dc Pina aos Reis Católicos, com proposta de uma nova linha divisória, que seria. nÍo
um meridiano, mas um paralelo {"): o paralelo que, passando pelas Canárias, deixaria ao sul as terras
m .Quand on prcnd une carte d'Aff1cue laile vcrs 18», avant les voyase» de Bartti. de Llvlngstone et de Spette.
et Qu-on la compare á unu carte laile ver» la lin du XVI' slècle, apris les grande» exploratíons portuganos de Díeflo dc Cam
de François Govea el d Edouard Lopez, on »-aper<oll que l'ínlérieur de l'Alnque ítait bicn moins eonnu il y ' ^nntt an» qull
ne rí.a>t il v^^uoi^^ «nts an. , , ^ ^^^^^ ^^.^^ ^^^^^ ^ ^y^.^^ j^» »ources et dc. eme. du Nil. *
r^connaltrc le centre du tani d hcroiquc» vov-igeura onl piri ã la tithe qu^on a pu iusicmcnt nommer
Sro íes vov^^^^^^^ fai.s Au.^u. p.ndant Ic XVIIL s..cle et la première mollié du ^ >íV^*'^f ^^^^í^í^^^rtS^Í^^^^^^
Un ílal-maior dl géogr.phe* en chambre donnail dc «vantes inslrucl.ons á une tcgion d explor-itcurs. cl c. ^^'9" » vert "«
rJntre de rAlriflue p.ir l Égvplc. par la cóle de Tripolilainc. par la côte dc Qumíc. par Ic Cjp. par loules le» voics enfln
p!«oté L Ics deÚH bonnis qúc les Portuga.» du XVK »iècle, qui n-élaicnt diriges par aucunc espece d* "vanl. avalerU
nri^« dVmblèe et slns íSr C-c»l un tait biiarrc que. dc tant de »-. ■ t de tanl dc voyagcurs qu. onl rKé la Irayen**
?1^.„ n.nT l/conlc4Sce ^ i son rclour.il dévoila Ic grand my^ttre afr.cain on n-s tormcs: -S. fc» ancten» avaient .u
ru-e^A^ílTuc^Ã^o^íafc^^^ ;rd77^LÍ.Í7ub1-^\^n'°lSI
rr írfrcs' í? bT i. Se" ' s?rr paTíanlf dTvoTr dícou^crt .e^««1 des »ourco. .1 dcs cruc» du' Nil qu Edouard Lopez
í ,i H^^ftuvPrl c^Que ís Irèr"^^ -vaicnl imprimé dcu« cent quatre-vingl» ans avani son vovagc Quand St.mley. à la
avail dícouver 1. c que i« irer^^^^^ ^ „ ^^^^-^^ mord.cus. dans |c ne sa.» tomb.en de
rechcrche dc íl^^"^^^^ avail trouvé Ic» vraies »ourcc» du Nil; .1 lu> lallut un »ccond vov icc pour
confcrcnces c „^,ff íl^^..^^^" dongers. l importancc dc »a proprc dícouverte, et poi.r
recomuilre. au priK 'í^_'''*"^de^s taligues er ac^^^^ Nil Cia t Ic Congo, cl qu'on pouvalt allcr de TOcían li,
appUudissemcn s dc 1 E^^OP*- « í^i c? s" SiaX avant Von dípart.^wil lu la mfme dcscnpllon dc rAfnqu. .mpr.m*e
Atlantiquc par la vo.c qu íl °* '"^^^^^^^ Sn" el cúl suivi. cn toute connaiMancc dc cause. Ia rouic que le
en 1598. il eut •^'^ d^^'' Co"3V""^,^''^^^^^ longlcmp. avani lul • (LE CONGO. U vmdíflW
Porlugais Edouard Lopez nétalt pas e seu ^^I"''*^^^^^^^ poilugtis, Le Congo, lell^ çu elle a titét
celu. dEdouard Log^J^/^^^^^^V^foi Torre do Tombo. Lisboa. 18«. pág^ 79^
Leon.
TIerra.
Canária,
W mír dZ<ím I. Ubro M. Cap. VIU. Madrid. 1726, pigs- 47.W
233
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de descoberta e conquista portuguesa, e ao norte o domínio castelhano, como tá lhes mandara dizer
por meio de Rui de Sande ("). A proposta não foi aceite. Finalmente, em 1494. foi celebrado entre as duas
corôas o tratado de Tcrdesillas. que estabeleceu como linha de demarcação o meridiano situado 370
léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde.
Que os delegados portugueses enviados às negociações de Tordesillas tinham maior saber e
experiência das cousas do mar do que os seus colegas de Castela reconhece Frei Bartolomeu de Las
Casas, bispo de Chiapa: «alli mandaron ir los reyes de Castilla á muchas personas que sabian de
cosmografia y astrologia, puesto que habia harto poços enlonces en aquellos reinos, y las personas
de la mar que se pudieron haber (no pude saber los nombres delias ni quién fueron). y alli envió el rey
de Portugal las suyas. que dcbian tener. á lo que yo juzgué. más perícia y más experiência de aquellas
artes, aí ménos de las cosas de la mar, que las nuestras> ('•)■ Um dos homens eminentes que lá se
achavam, por parte de Portugal, era Duarte Pacheco. Cristóvão Colombo não assistiu às negociações,
pois andava enlào na sua segunda viagem (1493- 1496). mas estava bem informado a respeito das
embaixadas sucessivas entre o rei português e os Reis Católicos, e estes mandaram-lhe um traslado
dos capítulos do acôrdo celebrado em Tordesillas. logo nos primeiros navios que enviaram, depois que
éle partiu de Cadiz em 25 de setembro de 1493 ('*). As razões que moveram D. )oão II na sua
pendência com Castela, até obter solução satisfatória, são claramente expostas por Colombo, a propósito
da sua terceira viagem, em 1498. Tendo chegado à ilha de Santiago de Cabo Verde no primeiro
de julho dèste ano, e levantando ferro no dia 4. assim explica o motivo do rumo que var seguir:
«Torna el almirante á decir que quterc ir al Austro, porque entíende, con ayuda de Ia
Santíssima Trinidad, hallar islãs y tierras, con que Dios sea servido, y sus Altezas y la cristíandad
hayan placer. y que quiere ver cuál era la intincion dei rcy D. luan de Portugal que decla que al
Austro habia tlerra firme; y por esto dice que tuvo diferencias con los reyeu de Castilla, y en fin.
dice, que se concluyó que el rey de Portugal hobiese 370 léguas de Ias islãs de los Azores y Cabo
Verde, dei Oeste al fin dei Norte, de polo a polo; y dice más, que tenia el dicho rey D. Juan por cierto.
que dentro de sus limites habia de hallar cosas e tierras famosas. Viníeronle á ver ciertos príncipales
de aquella isla de Santiago, y dijéronlc que al sudoeste de la isla dei Fuego, que es una de las mismas
de Cabo Verde, que está desta 12 léguas, se veia una isla. y que el rey D. Juan tenia gran inclinacion
de enviar á descubrir al sudoeste » ('*]•
E insiste na razão da derrota que tomou, desde Santiago de Cabo Verde, nos rumos
sucessivos de sudoeste e oeste, c o levou à terra de Pária no continente americano:
•Miércoics. 4 dias de ]ulio. mandõ alzar y dar las vetas de aquelta isla de Santiago
y mandó gobernar por la via de sudueste, que es camino que Ueva desde aquellas íslas al Austro y
Mediodia, en nombre, dice él. de la Santa é individua Trinidad, porque entónces estaria Leste -Oeste con
|a tierra de la Sierra Leona y cabo de Sancta Ana. en Guinea, que es debaio de la línea equinocial,
donde dice que debaio de aquel paralelo dei mundo se halla más oro y cosas de valor; y que despues
nauegarian. placiendo á Nuesiro Setior, al Poniente, y de ahí pasaria á esta Espaíiola, en el cual camino
veria la opinion dei rey D. ]uan, susodícha» ('')-
Assim certas pessoas principais da Ilha de Santiago contaram a Colombo que D. )o3o II
tinha tendência a mandar descobrir para sudoeste da ilha do Fogo. do arquipélago de Cabo Verde, e o
..t. N.,«.« ^'f"'''^ .f' scnlimienlo quo luvo el Rei Don Juan de Portugal, de haverse dexado salir de Ias manos
r« NuP^« "°J° P"^''^"''^ d>s.mular. so color que le perleneda. mando armar, para embiar sus Gentes à ocoipar
L"n'*"'JfjJr„;!:"J..l Pf.L"':!^.^^.? '?I..R'^1^^.^^'°'Í^«^ ^ Ruv.de Sande. qu.. los dÍKO. con Carias de crecnda,%l
S.Tr«M ÍhJ n?*\fi ^ hpcho al Almirante, que havia holgado. que huviese sido de fruto su industha. i navegacion: l
2^,^ r«ô íí* ^ haviendose dcscub.erto Islas. 1 Tierras ouc le pertenecian. k- guardarian Ia correspondência, que ól haria cn
™, ,?J. ■/ ' " ' " ' v que quenan continuar cl bescubrimienlo. desde las Islas de Canária derecho Poniente. sin
' *^ '•" que mandasen al Almirante, que guardase aquella orden. pues que èl mandaria ã sus Navios,
en j j. ui iir, no pasasen el Termino contrj el ,Vor/.- flbidrm. Década I. Libro II, Cap V. pia 43)
iJ T?Í'I° ?"'» ^^"■Pf.^^^í-"- '^^'^^ * por El Marquês dc la Fucntesania úel Valle v
quando fuese
D. ]c»é Rivon. Tômo II. Madrid. 1675. Cap LXXXVU. pág. 16.
(») Ibidem. Cap. LXXXVII. p.ig 18.
(") Ibidem. Cap, CXXXI, 225,
<") Ibidem, Cap. CXXXli. pág. 226.
234
DUARTE PACHECO PE RE I RA - PR ECU RSO R DECABRAI
próprio Almirante ia dirigir a sua terceira viagem de modo a poder verificar se era certa a opinião, que
ouvira 30 rei lusitano, da existência de uma terra íirme ao sul. por causa da qual tivera diferenças com
os Reis Católicos. Estes, iá em 5 de setembro de 1493. estando em Barcelona os Embaixadores
portugueses Pero Dias e Rui de Pina. escreviam a Colombo, recomendando lhe que apressasse a sua
saída de Cadix para a segunda viagem, e diziam, alarmados:
• y porque despues de la venida de los Portogueses cn la plálica que con ellos se ha habido.
algunos quieren decir que lo que está en médio desde ta punta que los Portogueses llaman de Buenã
Esperanza. que está en la rota que agora ellos levan, por la Mina dei Oro é Guinea abaio. fasta la raya
que vos dijistes que debia venir en la Bula dei Papa. piensan que podrá haber Islas v «un Tlerra-
•firme, que segun en ta parte dei sol que está se cree que serán muy provechosas v "ias ricas que
todas las otras: y porque sabemos que desto sabeis vos mas que otro alguno, vos rogamos que luego
nos envieis vuestro parecer en ello. porque si conviere. y os pareciere que aquello es tal negocio cual
acá piensan que será. se enmiende la Bula; por eso por servício nuestro que luego nos lo escribais» ('").
Aqui temos nova menção de terra firme ao sul. nas regiões tropicais (en la parte dei sol),
a ocidente da róta que seguiam as naus portuguesas, pela Mina e Guiné abaixo, para o cabo de Boa
Esperança. O que dizem os reis castelhanos ao Almirante, e o que êste afirma nos passos transailos ('•),
mostra claramente que D. ]oâo II pretendia, e conseguiu, defender o caminho marítimo das índias que a
descoberta de Bartolomeu Dias em 1487 deixava patente, caminho que queria assegurado nas águas do
Atlântico austral por entre terras portuguesas, quer do lado oriental, quer a ocidente. Tanto a linha
divisória, primeiro proposta, marcada pelo paralelo das Canárias, segundo Herrera, como o meridiano
recuado para 370 légua^s a oeste das ilhas de Cabo Verde, deixavam na posse de Portugal o Brasil, que.
na mâo de portugueses, podia servir de escala no caminho do oriente, mas na posse de estranhos
podia ser base de operações ofensivas do nosso comércio asiático.
lOMO se haviam de medir e marcar as 370 léguas ao poente das ilhas de Cabo
Verde? Nas procurações de poderes conferidos petos respectivos soberanos, quer
aos delegados castelhanos, quer aos delegados portugueses, é-lhes dada autorização
para fazerem «qualquier concíerto, asiento, limitacion, demarcacion e concórdia sobre
el mar oceano, yslas e tierra firme, que en el estovieren, por aquetlos rumos de
mentos e grados de norte e de sol e por aquellas partes, divisones e lugares dei
cielo e dei mar e de la tierra que vos bien paresciere...» C). As palavras «grados
de norte e de sol» referem-se aos dois processos de determinação da latitude geográfica pelo Regimento
da estrela do norte e peto Regimento da altura do pólo ao meio dia, dos quais nos ocupamos já C).
Assim fica indicado que as 370 léguas se mediriam pelo método de alturas e rumos ("). navegando
desde as ilhas de Cabo Verde. Eslipulava-se que dentro de 10 meses, contados da data da capitulação,
cada uma das partes contratantes mandaria uma ou duas caravelas, que deviam íuntar se na ilha da
Gran Canária, com tripulações mixtas de pilotos, astrónomos e marinheiros, castelhanos c portugi:ese3.
em número igual, para que juntamente podcssem «mejor ver e reconoscer Ia mar e los rumos e vientos
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11. 1.^.
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('•) Martin Navarrete. Colecaon de lo» irisies y descubrimiralos que hicieron por mir los espãfíoles, Tômo II.
Mídríd, '**';,í!*3^',^_ort5ndâ dos trechos transcrilos foi )í reconticdda por FaMilno da Fonteca cm A descobtrU do BrãStl.
MiKna iQftft ríiflç 243-245 Na segunda cdiíio, Lisboa. I*». pág*. 3IÍ-322.
LUboa. '«O, Í^SJ Torre do Tombo. Lisboa, IS92. pàg. 73.
íi') Capitulo II desta obra. pigs. M-M c
<»! Capitulo II detia obra. pigs. 74-75 e 91-92.
235
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
e grados dei sol e norle e senalar Ias léguas sobredichas» ("). Estes navios deviam fazer seu caminho
alé às ilhas de Cabo Verde, «e desde alli lomaran su rota derecha al poniente hasta las dichas 370
léguas, medidas como las dichas personas que asi fueren acordaren que se deven medir, sin perjuizio
de Ias dichas parles; e alli donde se acabaren se haga el punto e senal que convenga por grados de
sol o de norte, o por singraduras de léguas, o como meior se pudieren concordar, la qual dicha raya
senalen desde el dicho polo artico al dicho polo antarlico que és de norte a sul. como dicho és
E sy caso fuere que la dicha raya e limite de polo a polo, como dicho és, lopare en alguna ysla o
lierra firme, que al comienço de la tal ysla o tierra, que asi fuere hallada. donde tocare la dicha raya.
se haga alguna serial o torre, e que en derecho de la tal seixal o torre se continue dende cn adelanle
oiros sefiales por la tal ysla o tierra. en derecho de la dicha raya...» (").
Os navios podiam partir das ilhas de Cabo Verde directamente no rumo de oeste, aualiando-se
as léguas andadas pela simples estimativa das singraduras. mas tal processo ficava dependente dos
juízos variados dos pilotos, que, em tal questão, naturalmente nunca chegariam a harmonizar-se. Era
preferível seguirem um rumo próximo do de oeste, como o de oeste quarla-a-noroeste, até que os
astrolábios acusassem uma diferença de graus na altura do pólo. correspondente ao apartamento de 370
léguas do meridiano de partida. O «Regimento das léguas > ('') a aplicar dependia da dimensão adoptada
para o grau terrestre. Êsle processo é minuciosamente explicado por Jaime Ferrer na carta de 1495 aos
Reis Católicos {**). que merece analisar se, embora sucintamente. ^,
Os reis castelhanos procuraram sempre ('■) levar a efeito a demarcação estipulada. Consultavam
cosmógrafos sôbre a melhor íórma de a realizar e queriam que Cristóvão Colombo, ou o irmão,
tomassem parte nêsse acto ("). que nunca chegou a efectuar se, por sobrevir a doença e morle de
D. loão II {-'). em outubro de 1495. Jaime Ferrer dá esta consulta, na carta a que nos referimos, depois
de ter primeiramente notado que as ilhas de Cabo Verde distam 15 graus do equador:
«Pero yo digo que posible es. y cosa muy cierta. que el dicho término y fin de las dichas
trescienias setenta léguas se pueden fallar por la estrella dei Norle, por la regia y pláiica siguiente:
La nave que partirá de las islãs de Cabo Verde por buscar el dicho término, es menester que
deje el paralelo ó línea Occidental á mano ezquierda, y que tome su camino para la cuarta de Poniente
la vuelta dei maestral V ). y que navegue tanto por la dicha cuarta fasta que el Polus mundí se le eleve
diez y ocho grados y un tercio, y entonces la dicha nave será justo en la línea suso dicha que pasa
C) Alguns documentos dã Torre do Tombo. Lisboa. IS92. pág. 76.
(") Ibidem, pig. 76.
(*) Do Regimento das léguas 1raiou-se no Cipituio II desta obra. pi<}s. 72-76.
(»•) Navarrete, Coleccion de los vi*ics. Tômo II. Madrid, I8W, pátjs. 113- 117.
(") Herrera. Décadã I. Libro II. Cap. X. No Arquivo Nacional da Tôrre do Tombo (gavfla 10, maço 5. n.» <)
existe uma Carta paknle. pastada pelos Reis Católicos em Madrid. 7 de maio de 1495, a que se lai rcleréncia om Alguns
documentos da Torre do Tombo. pag. 90, e de que obsequio^aim-nie nos enviou copia o digno Director, Snr. Dr BaiÂo.
na quíi sc deUrmina que os astrónomos, pilotos, marínhui^os c mais pesscas Incumbid.is. por pane de Castela c Portugal,
de traçar a linha de demarcação segundo o Iralado de Tordesillai, se reunam primeiro num ponto da rala dos dnis reinos
em setembro seguinte, para acordarem dcniro di'sse mes na maneira de medir as 370 léguas e marcar a linha de parlicJio
do mar Oceano, dizendo-se que o acordo tomado scri .iprovado pelis Reis C-itOlicos e por D loSo II. E como nlo seria
priiico que as caravelas lõssem para esta demarcji;io. antes de se descobrir terra que se julgue eslar no meridiano
divisório, esperar-sc-há que tal terra seia descoberta por qualt^uer das partes contraclantes do tratado de Tordesiilas.
E a pane que a achar requereri á outra para sp ir procfder a marcaçAo. o que «e deverá clecluar. pelo proc(-sso
acordado, dentro do pr^zo dc 10 meses, coniadss desde a dala do requerimento. Se se reconhecer que a terra achada
nio eslá na linha divisória, marcar. se-hí cm léguas a distância a que dela estiver. Os Reis Cnólicos deierminam
também, sob craves pCnas. que. em lédis as cartas de m^rcir. que se fiierem em seus reinos, seja traçado o m-ndiano
de repartiçio do Oceano, para saberem tanto os seus súbditos, romo os do ni português, por onde, de ali cm dianie. hajam de
navegar e descobrir. No Itm déste capitulo póJc lêr-se na Inkqra ésic documenlo. que é dado em apcnJice.
(*■) •£! traslado de los capítulos dc este asienio |tr.MaJo de Tordk-siilisl enviaron los Reys al Almirante en los
primero* navios, que enviaron. despui-s que él partió con los 17 navios, y quisíeran que se hallaran él ó su hermano en
tratar de aquello y as._*rilar los diehos limites 6 torre que se hibia de h*cer. h**cha la line.i quf habian dc imaginar, como
aba|o parecera» (Las Casis. hiilona úe /as Indus. Tòmo II. Madrid. 1875. Cap, LXXXVII. pág 18).
"Aqui el Almirante hacc mcrcion á los Rcvs dd asienio que habian toiíiaJo con el rev de Portugal, que po
pasasen los porlugu .si-s al Oeste (aliás. 370 léguas al Oesie] de las islãs de fos Aiores v Cabo Verde, v hace tambicn men-
cio(\ como los Revs lo enviaron i ilamar para que se hallase cn los conclcrlos. con los que i la particion habian dc concurrir. v
que no pudo ir por la grave cnícrmedad que incurrió en cl deiCubrimicnto de la tierra íirme de las índias, convicnc i saber,
de Cub.i. que luvo sicmpre. como no la pudo rodear, aún hasta agora, por lierra lirme; artide más que luego sucedió la
muerte dei rc/ don Juan. ánles que pudiesc aqueUo poncr en obra. Debia ser. que como aquello se tralõ el ano de 93
V W. hsbna cnlrelanio de entrambas parles Impcdimienlos hasta el aAo de 97 (ihás 95] que murió el rev D luan de Portugal,
comn .irriba se vido, cap. 126. y por esto dice aqui el Aimiranie. que por la muerte dei rcv D. luan no se pudo poncr en
obra- Obideni. Cap. CXXKI, pág, 223).
Maesiral noroeste. «Cuarta dc Poniente la vuelta dei maestral» «Oeste quarta dc norocslc>.
236
DUARTE PACHECO PEREIRA PRECURSOR DE CABRAL
rii.
Polo á Polo por el fin de las trescienfas setenla léguas, y de aqui es menester que la dicha nave mude,
Y tome su Camino por ta dicha línea la vuelta dei Polo Anlártico fasta que el Arlico se le eleve quince
grados, y enlonces será justo de fin en fin en línea ó paralelo que pasa por las islas dei dicho
Cabo Verde, y en et (In y verdadero término de las dichas frescienlas setenta Icguas, el cual término
muy claro se muesira por la elevacion de la esirella dei Norle por la regia suso dicha» ("X
Assim a nau. partindo da ilha de
Santiago (na caria faz-se depois referência a
esta ilha) em 15© de latitude norte, ponto
A da fig. I, deveria seguir o rumo de oeste-
-quarta de- noroeste, ac. até almgir uma la-
titude de 180'/,. num ponto C Tomando
então o rumo do sul. c quando chegasse
de novo h latitude de IS», cm B. estaria
no paralelo inicial a uma distância, aq. de 370 léguas a ocidente do ponto de partida A. Como foi
delermínada esta diferença de três graus e um ler^o em latitude, é depois explicado:
*V por mayor dcclaracion de la regia suso dicha es de saber que la cuarla dei viento que
por su camino tomará la nave, partíendo de Ias islas dei Cabo Verde al fin de las 370 léguas, será
distante dei paralelo ó línea Occidental 74 léguas á razon de vcínte por ciento. y porque la dicha cuarla
declina versus septentrion navegando por ella, manifiesto paresce la diferente elevacion dei Polus mundl.
y las dichas 74 léguas comprenden en latttud Ires grados y un tercío fère* (")■
No mesmíUriângulo rectângulo ABC,
em que o ângulo CAB (fig. 2) mede uma quarta
ou 110^. o cateto CB tem um comprimento
de 20",,, do outro cateto BA ('')■ E devendo
este último compreender 370 léguas, a distân-
cia de C ao paralelo ou linha de leste -oeste
primitiva, BA. deverá ser B C - 0.20 ^< 370 - 74
léguas. Ora estas 74 léguas abrangeriam três graus c um terço do meridiano aproximadamente
(ferè), segundo a dimensão do grau terrestre por êle adoptado: «Preterea es de notar que segun
la regia suso dicha, es menesler dar por cada un grado 700 estádios segun Strabo. Alfragano,
Teodoci, Macrobi, Ambrosi. Eurístenes | Eratóstenes |, porque Tolomeu no da por grado sino 500 está-
dios» ("). Ferrer prefere o grau de Eratóstenes de 700 estádios ou 87 [ milhas (uma milha 8 estádios )
ao grau de Ptolomeu de 500 estádios ou 62 [ milhas: um grau exageradamente grande favorecia os
desejos de Castela, nessa época, de aproximar o mais possível o meridiano divisório, diminuindo em
graus o que se concedera em léguas. As 87 \ milhas de Eratóstenes equivaliam a 21 léguas e J ('•)
(uma légua 4 milhas), e as 74 léguas da distância CB corresponderiam assim aproximadamente
a 3o j do meridiano.
FIg. I
("( Navarrete, Coleceion de los W*>M, T6mo II. Madrid, 1BS9. pigs. 113- 114.
(») tbitíem. pág, 114.
(») N<8le triângulo é DC^BÃ^lang II» 15 =BAxO.»
(«) ibidem, pia 1 14 r . ^ n. t
í»i Qtial tr* reilmcnie o comprimento do estídlo erapreqado por Eratóstenes ou do que Piolomeu usou, w
.mhos cmoríolram O mesmo ou dilerenie csíádio. é queslJo que nlo importa aqui; basta.nos saber o que a ène respcHo se
n^n^l/^reDoa dos descobrimento*, pois nos interessam apenas as medidas desta ípoca Entcndia-se entSo geralmente
pensava "3. *P°5f^°".„!'.^^^ ^l., n ilha Ferrer (pág 116 da obn citada de Navarrete) diz e^piessamentc -contando ocho
?."/Hl«/n fr mtlta^ a«lm graus, tanto de Eratdstenct como de Ptolomeu, a léguas de 4 milhas,
sladlos por mitia» e assim i« 4 tun a .Aui,,™ 252000 estldlos (360 - 700) para « drcunleréncla máxima terrcsire.
pr.knndo o nâo dlferii alin^l da de Ptolomeu, porque ÍVe usou estidio.
Termina, porem, a *f'" f 'tSoW .360 - JoO) sígundo éle. contidos na linha equinocial. eqQivallam aos 252000 de frató.lenes.
maiore-. de f'*;'"^,*'"' f J^_l™ unidade 3e medida aos dois geógrafos. Fernando Colombo, no t-c.ho adiante citado
Mas geralm*-nte /«. «ridlo^ a 562S légua» e do» 252000 de Lratóstenu. a 7875 léguas de
ÍÍSiharV^Vo df ÍÍSid^s ;S°Slll,7'"mL,J'dr'?Sp"a«orO Sidio era assim ,val,ado em 125 passos, ou ,85™.
adoptarr^tos 1480^ p^ra a rn^ ha romana. ^^^^^ ^^^^^ ^^^^^^^^ ^ ^^^^ ^
una léaua. v^U7S« T och hl um numlesto eQuivoco de cinco por a,«.
237
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Sc SC tivesse realizado na raia portuguesa, em setembro dc 1495. a conferência entre os
astrónomos, pilotos, marinheiros e mais pessoas de Castela e Portugal, segundo o disposto na Carta
passada pelos Reis Católicos em 7 de maio do mesmo ano ("■), para acordarem na maneira de marcar a
linha de repartição do Oceano, conferência onde a grandeza do grau terréstre devia ser discutida, o
cosmógrafo Duarte Pacheco, testemunha do convénio de Tordesillas. nâo deinaria de assistir, e sustentaria
a opinião por êle expressa no Esmeraldo ("). que atribui 18 léguas ao grau do círculo máximo terrestre.
Sendo assim, a navegação pelo rumo de oeste quarta a noroesle leria de fazer-se até vencer uma
diferença de latitude de um pouco mais de 4 graus, pois os 3 graus e j. propostos por Ferrer, valeriam,
segundo Pacheco, apenas 60 léguas (3 ; X 18 60). A esta diferença BC (fig. 3) de 60 léguas corrres-
ponderia um afastamento, BA, de 300 léguas desde o ponto
inicial A (60 0,20 X 300). As 370 léguas estipuladas no
convénio de Tordesillas sofreriam assim na realidade uma
reducção de 70 léguas. E em Portugal não se queria a
aproximação do meridiano divisório, que. com tanta ha-
bilidade diplomática e persistência, se tinha conseguido
Fif-s colocar àquela distância.
A légua compreendia 4 milhas, e a milha dos navegadores portugueses e espanhóis era então a
milha romana de mil passos. Colombo, no diário da primeira viagem, ao descrever o porto^ de Concepcion.
cm que entrou em 7 de dezembro de 1492, na ilha a que chamou Espanhola, diz expressamente: «Tiene
en la boca este puerto mil passos, que es un cuarto de légua > C). A milha romana tem sido avaliada em
1481, em 1478.5 e em 1477,5 melros. Adoptamos, com o Prof. H. Wagner, a conta redonda de 1480
metros (*"), o que dá para valor da légua 5920'^. O grau de 87,5 milhas, atribuído a Eratóstenes,
equivalia pois a 129''"'. 5 e o de 62,5 milhas, atribuído a Ptolomeu, valia 92 '"".5. 0 grau de 18 léguas, de
Duarte Pacheco, compreendia 106 '"".56 com um êrro apenas de 4 * o. a menos, dos Ul quilómetros que
mede o grau equatorial. Os valores atribuídos a Eratóstenes e Ptolomeu, equivalentes respectivamente
a 129 í ca 92 ^ quilómetros, cuja média é 111*'^, estão afectados do mesmo êrro de 17 " „, o primeiro
por excesso e o último por defeito. )aime Ferrer, reportando-se à autoridade dos geógrafos antigoF.
escolhia a opinião mais própria para prejudicar os interêsses portugueses, com um valor exagerada-
mente grande.
A avaliação de Duarte Pacheco, expressamente exarada no Cap. 2.o do Livro l." do Esmeraldo,
«trinta e seis graus de longura que serão 648 léguas de caminho, contando a dezóíto léguas por grau»,
é a mais exacta que nos ficou daqueles tempos. Mas ela nâo foi adoptada no uso geral, pois, como se
vê no Regimento de Munich e no Regimento de Évora, e no Tratado em defensam da carta de marear,
de Pedro Nunes, os nossos navegantes adoptaram o grau de 17 \ léguas ou 70 milhas, equivalente a
103,6 quilómetros, com um êrro de 7 " o a menos.
Como iá observámos ("), em manuais náuticos, tanto portugueses como espanhóis, andou
juntamente outra avaliação, menos exacta ainda, do grau em 16 , léguas ou 66 \ milhas. Assim se vè
no Livro de Marinharia ("). no Tratado dei Esphera y dei arte dei marear, de Faleiro. Sevilla, 1535.
2.» parle, Cap. Vil. e na obra De regulis et instrumentis ('^), de Pedro Nunes. Dêste modo o círculo
máximo terrestre mediria 24.000 milhas. Éste valor é dc origem árabe e encontra-se citado, já como
opinião de sábios mais antigos, no tratado dos crepúsculos de Abul Hazan, escritor árabe do século XI,
tratado que vém anexo ao livro De Crepusculis de Pedro Nunes, em traducção latina (**). Segundo o
n E' a Carla, existente na Tôrre do Tombo (gavíla 10, maço 5, n.o 4), a que atrás no» reterlmo». nota ("). e
que SC publica na Integra cm apêndice, no fim do Capitulo.
{**) Esmeraldo de situ orbis, Lisboa. I90S. Livro I, Cap. 2.o, píg. 23.
C) Las Casas. IHsiotía de las Indus, Tômo 1. Madrid. 1875, Cap. Lfl. pág. 366.
(*^ M. Wagner, Die Rfkonstruklion der ToiCãnelli-Karte vom ]. 1174. In Nachrichten von der Kônigl. Geseltschafl
der Wissenschiflen tu Goeitwgen, P/itlologisch ■ tiistohsche Klssse, 1*94, Nr. 3. pág. 225 e páo 266. nota 2.
(•') No Cap. II desta obra. pag 75 '
(*') Livro de Mârinh^na. coordenado por Drlto Rcbello. Lisboa. 1903, pig 29
(") Perri Nonii Opera. Dasilcae. 1566. pág. 185-
(") No Irontisplcio desta obra de P. Nunes, impressa em Lisboa em 1S42, lé<se: «Petri Nonii Satadensis. De
Crepuscutis lioer unu5.... liem AILtccn Arabts fetiistt^imi. De causis Crepuscutorum líber unus... >. Esta obra lol
reimpressa por Mariz em Coimbra. 1571. e encorporada no volume De arte atciue rãlione navigandi. edição di 1S73. O passo,
a que adma nos rtfeiimos, do tratado de Abul Hazan, encontia-se na pág 57 desta eliçio de 1571 e na íol. rij da de 1542:
•Corpus autem lerrae est sicut Instnimcnium omnium allorum: et qujntiias circuli magni coniinenlls eam secundum quod
dlxerunt saplcnles. et signilicaverunt illud per propo&iiiones certas, est vtginti qualuor mille milUaria*
238
UARTE PACHECO PEREIRA-PRECURSOR DE CABRAL
Prof. Hermann Wagner ("). foi és)e grau. de 66 J milhas, o adoptado por Toscanclli. como medida lun-
damental. no mapa que acompanhava a sua caria de 1474 ao cónego Fernão Martins de Rorir
Naturalmente o sábio florentino tivera conhecimento, pelas suas conversas em Roma com Martins,
daquele valor do grau como corrente ao tempo em Portugal.
A Suma de Geografia de Enciso.Sevilha. 1519. começa-se por dizer, no regimento das léguas a junta
que se segue imediatamente ao calendário, que cada grau do meridiano vale 17 \ léguas. Mas mdawz
antes (verso da 7* fôlha da obra) afírma-se que o grau mede 16 J léguas: < E porque
cada un grado está lassado en 16 léguas y media y un sesmo ( ) -I j=-5|decami-
no. Sabrás que todo el mundo ticne en denedor 360 grados que montan 6000 léguas»,
i Serve isto a Enciso para concluir que o hemisfério, atribuído a Portugal pelo tratado de Tordesillas,
terminava na foz do rio Ganges! Assim o afirma a Carlos V: «E porque vueslra alteza tIcne fecha
particion dei universo con el rey de Poriugal y el limite de do comiença la parlicion está 370 léguas al
poniente de la ista dei Fuego. las quales van a dar en la tierra firme de Ias índias entre el rio Maraflo
que está al sudueste de la Isla dei Fuego, y algo inclinado a la quarta de! Sur y enire Ia Mar dulce,
ha de saber vuestra alteza que desde este limite que está a cerca de la Mar dulce. a do comiença la
particion segun la capilulacion. fasta a Melaca ('") ay 2770 léguas, y passado de Melaca 200 léguas se
acaba e! limite de lo dei rey de Poriugal, y al fin deste limite está la boca dei rio Ganjes, y en la boca
dei Ganjes comiença lo de vuestra alteza». E' naturalmente para poder fazer estas considerações, com o
fim de encurtar o domínio poriuguès na direcção do oriente, que Enciso começa por adoptar no Prólogo
um grau de menor extensão.
Mais para admirar é a opinião manifestada por Fernando Colombo, o filho natural do célebre
navegador, numa memória intitulada <Declaracion dei derecho que la Real Corona de Castilla llene a la
conquista de las provindas de Pérsia, Arábia e índia, e de Calicut e Malaca, con todo lo demas que, al
Oriente dei Cabo de Buena Esperanza. el Rey de Poriugal, sin titulo ní derecho alguno. tiene usurpadas,
fecha por D. Hernando Colon, hijo dei primer Almirante de las índias, y dirigida á S. C. C. Majeslad el
Emperador nuestro Senor. ai^o de 1524» (*'). Fernando Colombo defendia activamente que os Colombos
eram, por direito próprio, vice-reís e governadores de todas as terras compreendidas dentro da esfera
de acção de Castela no Oceano. Aquela memória, com tamanhos desvarios, era sobretudo inspirada
pelos pretendidos interesses de família.
A ]unta de Badajoz, reunida neste mesmo ano de 1524, a que concorreram cosmógrafos,
letrados e pilotos, poriugueses e espanhóis, em igual número, tinha por fim decidir se as Molucas
ficavam ou não compreendidas no hemisfério português. Fernando Colombo estava, pelos seus ínterésses
e opiniões, naturalmente indicado para ser um dos delegados por Castela. A estes convinha então que
se adoptasse um grau terrestre com o menor número possível de milhas, para poderem contar, desde p
meridiano inicial da demarcação, em 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde, mais de 180 graus,
para oriente, alé às Molucas, que assim ficariam situadas no hemisfério espanhol. Fernando Colombo,
alegando a dificuldade de se saber experimentalmente o valor do grau. tendo por isso de recorrer-se
aos autores mais abalisados e seguir-se aquele que se julgue conformar se mais com a verdade,
apresentou êste parecer que é o extremo oposto do já citado, de Ferrer:
í«» H Wjqncr. Dte Rekonstruktion der Toscanelli-Kartt vom J. 1474. obtà \A ciradi. pig. 2M.
(") A poilçao de McUcj. depois do Cabo Cori. é por We expUcada adlanre na dcicrfçlo da «cflunda Indla. lltuada
entre o f, ^^^J^y^^^i^e ^ Duvate. Cristóbãl Colón y Pãblo dei Poiío Toscanelli. Madrid. 1903. pífl»- 2», 2SI. No paMO
citado hi um érro liposrálico na daU. ISM em vez de 1524, como 8at)enios por obsequiow inlormaçlo do autor d*»le
exSente liiro. Aquela Dedíracion . . . . está Inseria no TÔmo 16, pig. 3«. Colecdon de documentos inéditos de la
hnloria de £spjiiã.
239
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
•D. Hernando Colon dice que no sigue Ia opinion dei tiempo de Artstótíles que daba 800
estádios á cada grado, de que viene á contener-se en el ambitu dei esphera 12500 léguas: ni recibe la
de Estrabo en el libro 3." que asimesmo es de Ambrósio y Teodósio v Macrobio v Eurístenes, que daban
700 estádios de que viene al esphera 7875 (esta íôra a opinião escolhida por Jaime Fener|. Ni acepta
la de Marino v Tolomeo en el l.o v libro que dan 500 estádios, de que resultan al ambitu 5625
léguas; pero que sigue v Hene por buena la de Tebil y Almeon y Alíragano en la diferencia 8.* al cual
sfguen algunos modernos de autoridad. como es Pedro de Aliaco en el 10 cap. de imagine mundi. y el
autor dei esphera en la division de los climas, y Fr. ]uan de Pecan en el a." cap. dei tratado de su
esphera. y el primero Almirante de las índias, como consta por muchas escrituras de su mano, los
cuales todos dan á cada grado 56 millas y dos tercios que consliluyen 14 léguas y dos tercios de
milla; dó se iniiere y concluye en el mayor circulo dei esphera 5100 léguas» (**).
Assim Fernando Colombo propunha o valor de 56 J milhas para o grau terrestre, adoptado por
seu pai, que seguia Alfragano. Mas as 56 \ milhas de Alíragano eram milhas árabes, e as de Cristóvão
Colombo eram as milhas romanas de 1000 passos, muito menores. O grau não atingiria assim 84
quilómetros (USO"" X 56 ' ^83867<n), mas isso não era já aceitável no ano de 1524. e por isso os outros
peritos. Fr. Tomás Duran. Sebastian Caboto e Juan Vespucci. deram parecer menos radical, embora
inspirado em Igual motivo de interesse próprio:
• Primeramenf e tenemos de graduar las léguas é darle menos léguas que pudieremos al grado
dei cielo. porque dando menos léguas menos haberán en toda la tierra, lo cual mucho cumple al servício
de SS. MM.: empero como ya en otro escrito díjímos parécenos que tenemos de venir á lo que
comunmente usan los marineros ansi en Portugal como en Castilla, que dan á Vada grado dei cielo 17
léguas y media, é al prímer rumbo despues dei norte dan 18 y media, é á el nomordeste dan 20 etc
El segundo fundamento es que nos conformaremos con el Tolomeo astrólogo gravisimo y esperimentado,
el cual escríbió despues de Pomponio é Marino é Plinio é Estrabo, el cual pone 62 millas é media á
cada grado» ("*).
Estes manifestam a conveniência, para o serviço das Majestades Católicas, de reduzir o mais
possível as dimensões do orbe terráqueo (!) a fim de lhes poderem pertencer as Molucas, mas, perante
o uso do grau de 17 ) léguas ou 70 milhas pelos marinheiros portugueses e castelhanos, não ousam
propor uma redução de mais de 7 ' , milhas ao grau em uso, recorrendo ao valor de 62 ) milhas, atri-
buído a Ptolomeu, como interpretação dos seus 500 estádios.
A respeito das discussões, sobre vários pontos, havidas entre os delegados de Portugal e
Castela, observa Denucé:
<Les développements oratoires des Espagnols ã Badajoz auxquels nous venons de faire
allusion, contrastent singulièrement avec le calme el le savoir des délégués portugals, à qui Thistoire a
donné raison, au double point de vue de la siluation astronomique des Moluques et de leurs premiers
occupants» (**).
A digressão que acabamos de fazer mostra como os inierêsses de Portugal e Castela (") se
(**) Navarrere. Coteccion de los via/es, Tâmo IV. Madrid, 1837, pig. 335u
(«) ibidem, pág. 33).
)ran Denucé. Mãgtllãn, Lê queMion drs Moluques et la première circumnavigation du globe. Mémolre
pr^senlé à la Classe des lettres de l Académie royale de Belgique k 4 avnl 1910 (Mémoires. collectlon ln-4.o. 2.' série
Tome IV. BniKelle». 1908 1911), pag 101.
(•') As Qucsiôes enlre Portugal e Espanha por causa des domínios coloniais continuaram sempre, procurando-se
res6lví--las cm Iratados sucessivos. No dia 13 de janeiro de 1750 assina-se em Madrid o tratado, com 26 artigos, entre o rei
poriugués. D. Jo.\o V. e o de Espanha. D. Fernando Vi. pelo qual se aboliu a linha dc demarcação do tratado de Tordesillas,
detenninando-sc os limites das possessões dc uma e outra Corôa na América meridional- Em 12 de fevereiro de 1761
celebra-se no Prado novo tratado, entre D. losé I c D. Carlos III. com 3 artigos, pelo qual se derrogou o de 13 de laneiro
de I7iO. No primtiro de ouiubio de 1777. assina-sc em S Ildefonso o tratado preliminar de paz c limites da América
meridional, com 25 artigos, enire D, Maria I e D Carlos III. Das mstruções reservadas, dddas em 8 de julho de 1787 ã iunia
d Estado em fcspanha, no ministério do Conde de Flonda Blanca, slo ainda obiecio os confins espanhóis com os domínios
portugueses na Amínca (Vlscondt- dc Saniarém. Quadro elementar dss relações politicas e diplomáticas de Portugal. Tòmo 2°,
Paris. 1842. pags. 233, 246. 292. 311). No Observatório astronómico da Universidade de Coimbra existem interessantes mapas
relativos is delimitações das Ironteiras do Brasil nessa época.
240
DUARTE PACHECO PE REI R A - PRECU RSO R DE CABRAL
debatiam em volta desta questão da grandeza da Terra. D. )o%o II reconhecia bem a necessidade de
enviar às negociações de Tordesillas tiomens de grande saber cosmográfico. como Duarte Pacheco
Pereira. Os peritos do lado de Castela, quando se tratava de dar execução ao iralado e marcar o
meridiano divisório, invocavam a autoridade de Eratóstenes para se usar um grau de maiores
dimensões, tirando assim nos graus o que a Portugal lôra concedido em léguas; quando se diKuliu.
porém, a propriedade das Molucas. situadas no outro extrémo. recorriam à autoridade de Ptolomeo,
para se adoptar um grau de menores dimensões, diminuindo-se a extensSo dos 180 graus concedidos.
Por parte de Porti/gal. Duarte Pacheco deixa nas páginas do Esmeraldo, como resultado do seu saber e
experiência, a avaliação mais exacta do grau. que se conhece do tempo dos descobrimentos.
LECIDO em outubro de 1495 o rei D. ]oâo II. foram os grandes serviços de a mpídkAo
Duarte Pacheco aproveitados pelo seu sucessor. D. Manuel, no ano de 1497.
^mandou V/asco da Gama a completar o descobrimento do caminho marítimo da
índia, fado que assim é registado no Prólogo do Esmeraldo: «Porquanto no
segundo ano de vosso reinado da era de nosso senhor de 1497 anos, e no 28
de vossa idade, vossa Alteza mandou descobrir esta costa, do ilhéu da Cruz, donde
etrei D. ]oâo acabou, em diante» O'). No ano seguinte é Duarte Pacheco que o
rei envia em descoberta às costas do Brasil, como resulta da análise do impor-
tantíssimo passo do Cap. 2S> do primeiro livro do Esmeraldo, que transcrevemos:
<E além do que dito é, a experiência, que é madre das cousas, nos desengana e de lôda
dúvida nos lira; e portanto, bem avenlurado Príncipe, lemos sabido e visto — como no terceiro ano de
vosso reinado do ano de Nosso Senhor de míl quatrocentos e noventa e oito, donde nos uossa Altes^a
mandou descobrir a parte ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano, onde é achada e
navegada uma tam grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela, que se estende a
setenta graus de ladeza da linha equinocial contra o polo ártico e, posto que seja assaz fóra, é
grandemente povoada, e do mesmo círculo equinocial torna outra vez e vai além em vinte e oito graus
e meio de ladeza contra o polo antánico. e tanto se dilata sua grandeza e corre com muita longura,
que de uma parte nem da outra não foi visto nem sabido o fim e cabo dela, pelo qual, segundo a
ordem que leva. é certo que vai em circuito por toda a redondeza — assim que lemos sabido que — das
praias e costa do mar destes Reinos de Portugal e do promontório de Finisterra e de qualquer outro
lugar da Europa e d'Africa e d'AsÍa atravessando além todo o Oceano direitamente a ocidente, ou a
loeste segundo ordem de marinharia, por trinta e seis graus de longura. que serão seiscentas e quarenta
e oilo léguas dc caminho, contando a desoito léguas por grau. e ha lugares algum tanto mais longe — é
achada esta terra, navegada pelos navios de vossa Alteza e. por vosso mandado e licença, os dos
vossos vassalos e naturais; e indo por esta costa sobredita, do mesmo cErculo equinocial em diante,
por vinte e oito graus de tadeza contra o pólo antártico, é achado nela muito e fino brasil com outras
muitas cousas de que os navios nestes Reinos vem grandemente carregados > (*').
(**) Esmerattto áe Situ orbis. edifao da Sociedade de Qeograna. Lliboa, I90S, pJg 16.
i") iludem, pág. 23. A íile passo laz-se depois relcréncia no Cap li » do sejundo livro: -mas como quer que
a maoeslade da orande nahireza uu de grande variedade em tua ordem no criar e gtnr das cousas. *cAamcn por rMpfr-^nciã
Que oT homens diste promontório de Lopo Ocnçalves e tôda a outra lerr* de Qulné ilo assaz negros, e as outras gentes
Que lãzem jíém ao mar Oceano ao ociat-nte. que tem o flrau do sol por Igual como os neflros da dita Ouíní ao Sardos
quáH brancos, e eslai slo as gcniei que tiabitam na tetra ão brasil, de que lá no secundo capitulo do primeiro livro Hzemo»
menção» (Ibidem, píg. 127).
241
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
A parle mais importante áèstc trecho pode lêr-se na rcproducçào fac-similada. que vai na
estampa junla. da pigina correspondenle. tanio da cópia manuscrita do Esmeraldo existente na Biblioteca
do Évora c feita na primeira metade do século XVIII. como da cópia conservada na Biblioteca Nacional
de Lisboa, da segunda metade do mesmo século. Na nossa transcrição demos às palavras a grafia
moderna, ê nâo adoptamos a pontuação introduzida por Epifânio Dias; empregamos os sinais ortográ-
ficos da' maneira que nos parece mais apropriada à leitura do texto, sendo a principal diferença o
emprego de dois pares de traços. Para melhor compreensão deste inestimável passo, comecemos por
notar que a conjunção como, logo a seguir ao primeiro traço (como no terceiro ano...), está na significação
de quando; assim se vê usada varias vezes no Esmeratdo, por exemplo no Cap. \2° do l.o Livro
(pjg. 46 dá edição de 1905): «Como o sol e a lua forem, pela mantira que acima íaz menção, ao
nordeste e a quarta do leste, será um oitavo d'água vazio; e tanto que chegarem e.ii les-nordcste. será
um quarto da dita maré vazio; e como chegarem em leste e a quarta do nordeste, serão três oitavos
dágua vazios: e como entrarem no rumo de leste, será meia jusante»; e no final do Cap.» 27.o: <e as
aves. como a vêem ir, sam tantas sobre ela. que a picam, que é cousa que se nâo crêra, porque a
carne destas cobras é tam mole ... (pág. 82) Note se e,n seguida que. na parte do trecho que corre
entre os dois primeiros traços, há anacolulia, por falta de sequência gramatical: a oração que começa
em como (quando) ficou sem verbo, por causa da intromissão da palavra donde, sem a qual a oração
continuaria regularmente. A seguir ao segundo traço, o autor que não tinha posto o complemento dos
verbos do princípio, temos sabido e msto, repete: assim que temos sabido, acrescentando então o
complemento: que — — é achada esta terra. O que êle tem sabido e uisto é que. além do mar
Oceano, é achada aquela costa que se estende a 70 graus ao norte e a 23 graus e meio para o sul; e
sabe isso (êle esaeve em 1505) por informações provenientes da experiência athaía e pela sua própria
observação directa. Quando diz que tem i/isto. refere-se à sua experiência pessoal, e intromete logo a
narrativa de quando ela começou: foi no ano de 1498. por ordem do rei. O anacolulo que interrompe a
seqiiêncía gramatical resulta muito naturalmente da aglomeração de pensamentos na mente do escritor,
ao evocar a sua primeira viagem para ocidente, mas nâo prejudica a clareza do sentido, e por isso nâo
deve classificar se de vicioso emprègo. Ao tempo a disciplina gramatical era menos rígida. O escritor,
deixando ir a pena atrás dos seus pensamentos, escrevendo como se falava, caía naturalmente em
anacolutos, ora por inienupção, ora por mudança brusca da construção, resultantes da interferência de
longas orações dependentes, deixando porém o sentido bem claro. Casos, como êsie do Esmeraldo,
encontram-se nos escritores modernos, que nisso por vezes imitam os aniígos, consciente e propositada-
mente. Assim se vê em Herculano C^*).
Como já tem sido justamente observado, quando no Esmeraldo se diz que o rei mandou
descobrir, irata-se sempre de um descobrimento levado a efeito. Assim se vê na passagem primeiro
('•) Para exemplo damos c.;c twctio <Jo 2o cap. de O Bobo. que rcpr-^duiimos tal qu»! sc \i no Pjnorãinã
(Vol. 2.0, tine 2», 1843. pág. 22. 2* coluna): «Se era um ban^uelc ou sar^u. onde o fumo do vinho c a ebrÍL-daJe que nasce
do contado de mullos tiomens juntos, das danais, do perpassar dd$ mulheres voluptu^riameiUe adornaJas. do ctieiro das
flôrí». das lorrenics de \»t que cm milhôis de raios aquece o ^mbíciiic — a loucur.i ficlícia do iruiu parecia diutar-se. agiiar-s*.
co'Vfrter-íc n'um turbilhio inlernal». Na orac^io quí comtça cm onde, o suielto (o fumo do vinho e .1 ebricdide) lica sem
vioo. MA .in i ,^l (f . 1 ■-■M III- ao traço, »egumJo sc a oraçlo principal. Contudo o sentido lici bem claro, e o leitor
nem ac ap .-ncia gramalic.tl e. só rffkclInJo. dá por ela. Ora Uto é aiSim escrito propositaJimente,
" ""elhor - ■ .ordenada do banquete, eni que se agita a kucura do trulo. Granuiicalmeme é um caso
.10 do ; M Ciiaremo» alnia cu ro pas&o de HercuLno. Lè-ss no Eurico (23,« ediçio, dc David Lopes, iivrart*
.1 i iuj. pig. 26'>(. L^t - V )' í.ir peU moric era u,na bem insie cubiça! E quatidfj se lembrava de oul- i-ííj mulher quj al
iatla a poucos passos i mulher, em cuja adorjçio concentrara loJu* o* alectos do» mais íofnioiOi dias da vida;
cuta imageni - ^ uii lu^ - .uioei do Calp', , . continuo d)anto dos olhos da sua ' ■ úv
Mudtde e ;ijra cm iodas as suas mulhi-r >^u■:. p:uco hivi.i, por nopú ira
o pii;j, L níie poderá, outrora, loriu lo y mii:> i,iiz d s li itravj que iozík: iíjo iu^ío êle
cair a canipi de bronze do 4.icerdõcio, que ninqm-m podiji . ii,a estílarem-lhe uma a uma todas
d> liDiai do corj(Ao....>. til aqui um caso de ^ a o ití pozcmoi em l':l;co (L quando se
l.mbrava de tjn- r(<a mulher que ai a poi, miti Conmdo a diç^o e s inor- bela e
cK.ra. ta' ia sugerir o tumultu.ir do pensam cm os no espirito atnbulado di* Eurico. É és -m. um
cKcmplo A- loqa !\ do trecho do Esmer.ildo. Epilánio Dla> vc. neste trecho, anicolulia na n., 1, •temos
wbido . ibido. inola à linha 13 Ja pág 23). de acordo com a cxplan.n;io desta ligura. por èic dada
na SUA :.íj, mas a anacolulia está propriamenic na falta de sequencia da oraçío de como, que
fica Incom dição dc Duaite Pacheco é. ahnal. semelhante á que acabamos de ler num escritor da grandeza dc
Alexandre li <i3.
242
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
iranscrila que se refere a Vasco da Gama. e do mesmo modo quando, por duas vezes, fala na .quarta
parle que vossa Alte?a mandou descobrir além do Oceano. ( 0. e noutros passos. Duarte Pacheco nào
era homem que deixasse de cumprir um mandado real, por muito arriscado que fôsse. nem se
compreende que viesse lembrar ao próprio D. Manuel uma ordem sua nâo executada; e êle bem
claramente diz que a cumpriu. O modo como constantemente se exprime, mandou descobrir, mostra que
considerava o rei empenhado no prosseguimento de um plano que se vinha efectuando. Vasco da Gama
é expressamente nomeado por cinco vezes nos dois primeiros capítulos do Livro 4.0, em que se trata da
primeira viagem ã índia; por contraste, nâo pode deixar de atribuir se signiíicaao ao silêncio em
que fica o nome de Álvares Cabral, mesmo nas passagens referentes ao descobrimento da quarta
parte da Terra.
No passo transcrito, não afirma èle que tivesse percorrido, em 1498. a costa americana de
norte a sul. como se tem já interpretado. Conta que o rei o mandou, nesse ano, a descobrir a parte
ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano. Para se entender o que diz em continuação, «onde
é achada c navegada uma tam grande terra firme-, que se estende desde 70 graus ao norie até 28 ,
graus de latitude austral, deve considerar se que os primeiros 14 capítulos do Esmeraldo foram escritos
no ano de 1505. As notícias a respeito das regiões setentrionais, grandemente povoadas C*) até 70
graus, devem provir das viagens dos Corle-Reais, pois nâo há o menor indício de conhecimento directo
de tais regiões por Duarte Pacheco, que na Táboa C') de latitudes nâo menciona lugar algum da costa
norte-americana; e o que se diz a respeito de Gaspar Côrte Real. tanto na carta de doação das terras
que èle descobrisse, feita por D. Manuel em maio de 1500, como na carta de trespasse para o irmão
Vasco Eanes em setembro de 1506 ("), é incompatível com a ida anterior de Duarte Pacheco para as
mesmas terras, por mandado do rei D. Manuel A costa meridional, onde há «muito e fino brasil com
outras muitas cousas de que os navios nestes reinos vem grandemente carregados», é dada como
conhecida até 28 graus e meio; aí situa também Pacheco o lugar mais austral (a ilha de Santo Amaro)
da sua lista de latitudes geográficas relativa ao Brasil, intitulada: «Estes sab os graus de ladeza que se
estes lugares da terra do Brasil. d'além do mar Oceano, apartam da linha equinocial em ladeza contra o
pólo antárlico» ( i Para que parle do continente americano se dirigiu êle, quando passou «além a
grandeza do mar Oceano»? Naquele ano de 1498 não se podia pensar em violar o tratado de Tordesillas,
dadas as relações de amizade e parentesco entre os monarcas portugueses e castelhanos, e a intenção
em que sempre estiveram de o respeitar e fazer respeitar. Dirigir-se para a América central seria
p*) Esmeraldo ât situ orbis. Usboa, 190S, pigs. 2S e 30.
{**) <Dlcono che t^uesia lerra e mullo populala» (Carta de Plelro Pascualigo a SPus Irmlos, de 19 de oulubro
de 150t. In Centenario do descobrimento da America. Memorias da Comissão portuguesa, Lisboa, 1892, pig. 104. Hartue. £«
Corte-Real et leurs voyages au Souneau Monde, Paris, l&U, págs. 211 -212).
(»') £smerildo de situ orbis. Lisboa. 190&. págs. 31-38.
(•*) Alguns documentos da Torre do Tombo. Lltboa. 1992, págft. ISO. 152. Damião de Goes, na Cbránica det rei
D. Emanuel, cap. 66 da 1.' Parte, áit que Gaspar C6rle-Real fôra creado de D. Manuel, quando èste era simples Duque de
Beja. e que se propòi Ir detcobrtr lems para a banda do Norte, porque para a do Sul )! oulros Unham descoberto mullas.
Na caria de doarão a Gaspar Cõrle-Real. de II de maio de ISOO, diz-se que éle «os dias passados se trabalhou por sl e á
■ua custa, com navios e liomens. de buscar descnbrlr e achar, com muito seu trabalho e dcâpezas de sua fazenda, e perigos
de sua pessoa, algumas ilhas e terra (irme. e pelo conseguinte o quer ainda continuar» (Alguns documentos, pÁg. 150), o que
lignlflca que éle já andava naquelas diligências em anos anteriores a ISOO. Na carta de trespasse dadoacio para Vasco Eanes
CMe-Real, de 17 de setembro de 150t>. dli-se que seu irmSo Gaspar foi <o primeiro descobridor- das lerras a que chegou
(Atguns documentos, pág. 152). N3o é aceitável que. para eslas mesmas terras, doadas aos Cõrte-Reais, tivesse o rei
D. Manuel mandado Duarte Pacheco em 1498. DamlSo de Goes conta também que, depois da perda dos IrmSos Gaspar e
Miguel, o rei. sentindo Isso multo, 'pela creaçâo que nèles iizera>. movido de «seu real e piedoso moto*, no ano de 1503
mandara duas naus. armadas à «ua custa, busca-los. Se Duarte Pacheco tivesse ido para as mesmas parles em 1498. era éle
naturalmente o Indicado para Ir em procura dos Còrle-Reais, visto o grande amor que D. Manuel lhes tinha, mas nésse ano
foi ète para a Indla com os Albuquerque;. Se n}o é assim admissível a ida de Pacheco para as regiões onde oft Côrle-Reais
•e perderam, tem boa cxplicaclo a tua viagem clandestina ao Brasil em 1498.
O*) Esmeraldo de situ orbis. Lisboa, 1905, pág. 38.
(**) No fragmento, abrangendo a América, do planlstério de Cantino, do ano de 1502. dado no Cap. 111 desta
obra. vécm-se as bandeiras das quinas assinalando os domínios portugueses a oriente do «marco dantre Castella e Portuguall».
e é de notar o cuidado que houve em colocar do mesmo lado, para llcar ao abrigo do convénio de Tordesillas, a terra
descoberta por Gaspar C&rte-Real que, ao norte, é designada por Terra dei Rey de Portuguall e lem a legenda: «Esta terra
he descoberta per mandado do muv alto excelentíssimo Príncipe Rey Dom Manueli Rey de Portuguall a qual descobriu Gaspar
de Cone Real cavalleiro da casa do dlio Rev....>. «He jthe draughtsman) placed Newfoundland to the east of lhe Papal Une.
just brlnglng II within the Portuguese domÍnlon>, observa Markham (Tlte fournal of C. Columbus and documents retjling to
the voyages of J. Cabot and Gaspar Corte Real, London, Hakluyt Sodety. IS93, pig, Lll). A Carta patente dos Reis Católicos,
4e 7 de maio de 1495. adiante publicada em apêndice, ordena, sob graves penas, que em tôdas as cartas de marear, desenhadas
em seus reinos e scnhoríos. se trace a raia divisória, de norte a sul. estabelecida em Tordesillas. A carta de marear reprodu-
zida, na estampa |unta, do Regtmiento de návegacwn, de Pedro de Medma, obedece ainda a essa prescrl^Ao. O meridiano limite
esti na» 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde, tomadas na escala de léguas da carta.
244
DUARTE PACHECO PEREI RA - PRECURSOR DE CABRAL
violação, demasiado maniíesta. do tratado. Nâo devendo ultrapassar o meridiano divisório, e nSo tendo
ido para o norte, foram as costas do Brasil o obieclo da sua viagem, o que tem fácil explicação.
O rei D. Manuel casara em outubro de 1497 com D. Isabel, filha dos Reis Católicos. O irmio
desta, o príncipe D. ]oào. morria a êsse tempo, ficando ela herdeira das corôas de Castela e Aragão,
pelo que os reis portugueses se intitularam Príncipes de Castela, Leão e Aragão. No més de março
de 1498 (") partiram èles de Lisboa para Toledo, onde foram jurados príncipes de Castela e Leào, em
28 de abril No dia I de iunho chegavam a Saragoça, para serem jurados príncipes de Aragão, mas os
aragoneses opuseram dificuldades, e o juramento íoi se demorando até que, em 24 de agosto, a rainha
portuguesa dava à luz um filho, morrendo em seguida. Assim o filho recém nascido. Miguel, que viveu
apenas 22 meses, passou a ser o príncipe herdeiro. O monarca português, viuvo, estava, em 9 de outubro,
de regresso em Lisboa, continuando os reis Fernando e Isabel, a chamar-lhe príncipe, ainda que
a título honorífico.
Em 30 de maio dêste ano de 1498, safa Colombo de San Lucar de Barrameda para a sua
terceira viagem, que vinha sendo preparada desde o ano anterior. D. Manuel, então na córte dos Reis
Católicos, onde era tratado como príncipe herdeiro, nâo podia deixar de ter disso conhecimento, assim
como depois havia de saber, em Lisboa, da estada do navegador, no princípio de julho, em Santiago de
Cabo Verde. Segundo as transcríçòes atrás feitas (pág. 234), Colombo partiu de Santiago com rumo
de sudoeste, para verificar a opinião de D. ]oão II. que dizia haver terra firme para o sul. Mas tinha
de respeitar o convénio de Tordesillas. Navegando a sudoeste, e depois para oeste, chegou à terra de
Pária, no hemisfério ah-ibufdo a Castela.
Quando em dezembro do ano seguinte, 1499, Vicente Váílos Pinzón partiu do pôrlo de Paios
para demandar o mesmo continente, devia também ter em consideração aquele convénio, pois que ainda
no «Asiento y capitulacicyi con Vicente Vát^es Pinzón para poblar en Ias lierras que habia descubierlo».
assinada em Granada pelos Reis Católicos, em 5 de setembro de 1501, se adverte expressamente: <ni
vavais a las íslas y tierra firme que hasta hoy son descubiertas por nuestro mandado e con nuestra
licencia, ni a las islãs e tierra firme det sereníssimo Re^ de Portugal, Príncipe, nuestro muy caro
e muy amado hijo» (**).
No convénio de Tordesillas estipulava-se que, dentro de 10 meses, contados da data da
assinatura do tratado, duas ou quatro caravelas, com tripulações mixtas de pessoal dos dois países,
iriam proceder in loco à marcação do meridiano divisório em 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo
Verde. Reconhecendo se depois a dificuldade de execular esta determinação antes de conhecer se terra
situada a tal distância, a Carta dos Reis Católicos, de 7 de maio de 1495 (**). estabeleceu que se
esperasse descoberta feita no meridiano divisório por alguma das partes contratantes. A parte que tal
achasse requereria da outra que se fôsse proceder à demarcação, a qual deveria executar se dentro de
10 meses, contados desde a data do requerimento. Assim se adiou a contagem dos primitivos dez meses.
No caso de se reconhecer que a região achada não estava debaixo da raia. far-se-ia a declaração de
quantas léguas dela distava, num ou noutro domínio; e em qualquer terra encontrada nas proximidades
não deixaria de fazer se tal declaração: «no dexando poren de en qualquer Isla o Terra, que mas acerca
de la dicha lifla despues por el liempo se hallare. haser la dicha dedaracion». Mais ordenam os Reis
Católicos, sob graves penas, que em lódas as cartas de marcar desenhadas em seus reinos e senhorios
se trace o meridiano divisório, para que, tanto os seus súbditos, como os do rei lusitano, tenham
mais informação por onde de aí em diante possam ir navegar e descobrir. D. João II preferiria guardar
o segredo das suas descobertas, mas a situação não podia prolongar-se. Tendo éle dirigido as negociações
de Tordesillas de modo a evitar que ficasse na posse de estranhos a terra situada a ocidente do
caminho das índias, o seu sucessor (") certamente havia de ordenar reconhecimentos nos mares que lhe
êtm pcnwr em ser o .•'«"''J^ P^^iã P«o da Cov.lhl contou ao P» Francisco Alvares como *te e Alonso de Paiva foram
planos de descobrimento* Assim. cm Santarfm por D loJo II. que lhes deu um mapa-mundt. 400
Sespachado» p-ra » K,;" Í^^NÍí, vezes 'nlíte que es.ala príin.e o «I D. Manuel. sr«tfo duguf (Verésdeir.
^?cVX-: ir/eS//o%^rír7J?'</iw'"--. Pe.0 l A.vares, Lisboa. ,«3. pi«.
HfST<^R?A DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
eram atribuídos. Tendo em M97 mandado Vasco da Cama a completar o caminho da índia, no ano
seguinte envia um capitão da sua confiança a tomar conhecimento das terras ocidentais que poderiam
servir de escala no caminho do oriente, e a certificar-se se estariam bem ao abrigo do Iraiado, em
situação que não podesse ser questionada.
Temos assim, no ano de 1498, duas viagens dirigidas para a terra firme que D. ]o3o II dizia
existir ao sul. realizando se uma, a de Colombo, nos mares do hemisfério castelhano, e a outra em
águas portuguesas. Duarte Pacheco, que navegara durante muitos anos nas regiões equatoriais do
Atlântico, eslava bem indicado para esta expedição, que naturalmenle foi ordenada depois da vinda de
Espanha, quando D. Manuel, tendo deixado de ser herdeiro da coroa de Castela, voltou a retomar mais
aclivamenie a direcçáo dos negócios do reino de Portugal. Mas, ordenada antes ou depois, tinha por
destino as costas do Brasil esta viagem, prudentemente feita em segrédo, revelada depois pelo autor
do Lsmeraldo em palavras discretas, que deixam transparecer claramente a verdade.
Na armada de Pedro Álvares Cabral, que larga de Lisboa em 9 de março de 1500 vai Duarte
Pacheco, o qual neste mesmo ano se toma iá notável na índia, na tomada da nau do elefante a pedido
do rei de Calecut, episódio que narram Castanheda. Barros, Goes e Osório. Castanheda quando
descrevo depois a armada dos Albuquerques. mandada à índia em 1503, menciona entre os capitães
-Duane Pacheco Pereira, de que falei ãtrás fazendo assim notar que êsle é o me^mo que tomou
parte n.i tomada da nau de Cochim. E que êle foi o principal herói desta façanha testemunha Damião
de Goes.; <Ao dra seguinte, informado El Rei de Calecut, pelos Mouros que foram com Pero de Ataíde
de quam animosamente os nossos o fizeram, mandou pedir a Pcdralvares que lhe mandasse os aue
mereciam ser vistos de lôdolos Reis. e senhores do mundo, aos quais féz a todos mercês e em especial
a Duarte Pacheco Pereira, por lhe os mouros dizerem que nunca viram honftfm Iam animoso nem tam
esforçado, e que ele fòra a causa única de se aquela nau tomar, do qual e das façanhas que fê*z
na India, e em outras partes, se dirá ao diante» ("*).
Segundo a narrativa de Pero Vaz de Caminha, a armada de Cabral passou pelas Canárias em
H T''- ^^^^ 22 Jiouveram vista das .lhas de Cabo Verde. Na noite segu^te perdeu se da rota a
sTr;'nhcidadr E ''"^ ^^'"'"'^^ acrescenta' com a mais natural
Páscoa^^^^^^^ '""""'^ '''' ""^^ '^"90 até lerça-feira de oitavas de
i " ''"^ "'"^'5 dia de tarde viam o Monte
Pascoal. Assim a frota vem sempre navegando, de Lisboa às Canárias, e às ilhas de Cabo Ve/de p
n^oí;?:/' ''^•^^P^lo^ rumos austrais de .oeste, alargando a derrota para o ado ocid ntaV é ir
clara omLrX «''""'"J evidentemente propositado, é suscTptWe I de
Mo cl.nZr^ armada va,. d.ngindo a róta. o futuro escritor do Esmeraldo, que. em 1498 linha
mand d„ nT" \ ' """'^ ^^^^ ^ Srandeza do mar O ea no por
, ,7^ 1 '^'P*'*'' 29 d« '501 aos Reis Católicos e diz lhes que
;ód7 et rrur ^JorT'"' ^ '"'^'^^ ^ ^^^^^ ^^«^^^^ Catral iue neU
pOrte reparar seus navios e tomar água, parecendo tal descoberta milagre de Nosso Senhor....
(-) C»Unheda. HistoriM do descobrimento Uj India, Livro I. Cap. LV.
(-) DamUo òe Qoc». Chrotiica dei rei D. Manoel. Parte I, Cap. LVIH.
ncmbrc de S, cVuz^en^^lí c" l^^líô "I^^Son^ nu.vamen e descubrib. á Ia ca. puso
q.« nucstro SrVr nul.,grc,jnu-rUc qu.^o t h íase Lro"° P"^""*'* '"^«''í:'-^ -"^n^-^ V pacificas; Ia cual parece
lnd.a. porque alll rep.rO su, nav os e l.,.õ /ou.. (NSmrcVrm^rf^ convenlen.e y nvces.:;a para U navegaclon de la
atrís o Hnal da noia ('"«i. pig. c\V. A cÓDia do telVo ^o^Lji '^i ^'^^^ '"■ >880. pig 90). Vcja-sc
tem a data de 28 de aso^to de ibOI ^^ '^ Português desta mesma carli. existente no Arquivo de Veneza
DUARTE PACHECO PE RE I R A - PRECU RSO R DE CABRAL
UARTE Pacheco vollou para a índia no ano de 1503, ccmo capilâo de uma nau i aoicco im
sob a bandeira de Afonso de Albuquerque. Deixado lá depois, como capitão- '■^•^i'"
mór da índia, leve de sustentar no rio de Cochim duros combates, em que íoi
sempre vencedor, graças ao seu
«Esforço, força, ardil e coração» (**).
Depois do regresso de Vasco da Gama da sua segunda viagem ao
Oriente, o rei de Calecut declarou guerra ao rei de Cochim, Trímumpara, por
êsic guardar inteira lealdade aos poMugucses. rccusando-se a eniregar-lhe os que
estavam na sua cidade. Em abril de 1503. o Samorim man Jou o seu exército cometer o passo do vau.
assim chamado porque se podia por éle passar, de maré vasia, com água pelo joelho, para a ilha de
Cochim. Desbaratado, Trimumpara refugiou-se na ilha de Vaipim, levando consigo todos os portugueses e
a feitoria. Dois lapidários milaneses que tinham ido. com licença do rei D. Manuel, na bcgunda armada
de Vasco da Gama e tmham ficado com o feitor, passaram-sc então para o arraial do rei de Calecut,
a quem muiio auxiliaram, por saberem fundir anilharia.
No mesmo mês pàrtiam de Lisboa seis naus, repartidas em duas capitanias, a de Alonso de
Albuquerque, que levava como capitães Duarte Pacheco Pereira e Fernão Martins de Almada, e a de
seu primo Francisco de Albuquerque, sob cuja bandeira iam Nicolau Coelho e Pero Vaz da Veiga, que
ss perdeu. Os primeiros a chegar foram Francisco de Albuquerque e Nicolau Coelho, que, no mês de
agosto, encontravam em Angediva, onde estavam ínvcrnando, António de Campos, que nâo poderá
acompanhar a frota do Gama, por lhe ter morrido o pílôto, e Pero de Alaíde com os outros capitães
que tinham escapado à tormenta que, em Cúria-Múria, destruíra as naus dos Sodrés. Sabendo da guerra
movida pelo Samorim,» Francisco de Albuquerque saiu com os seus navios e os que estavam em
Angediva, seis velas ao todo, para Cochim, onde se lhe juntou a nau de Duarte Pacheco. Restituído
Trimumpara ao seu reino e trazido para a cidade, os portugueses trataram logo de castigar os ini-
migos, fazendo-lhes incursões nas terras; e começavam a construção de uma fortaleza sobre o rio.
quando chegou Afonso de Albuquerque, que o mau tempo demorara. Terminado o forte, foi benzido
com grande solenidade, sendo-lhe postO o nome de Castelo Manuel, «por honra de nosso Senhor e por
memória dei rei dom Manoel» (*').
Quando os Albuqucrques. no fim de janeiro de 1504, regressaram ao reino com as suas naus
carregadas, o rei de Calecut preparava-se para atacar de novo o de Cochim, em cuja defeza ficava
Duarte Pacheco Pereira, nomeado capitão-mór da (ndia. com a sua nau Conceição, duas caravelas do
comando de Pero Rafael e Diogo Pires, e dois batéis. Os portugueses que partiam, admirados de éle
aceitar o comando de Iam pequena armada, para resistir ao grande poder do Samorim, dando-o já por
morto, diziam: «1 Perdoe Deus a Duarte Pacheco e aos que ficam com éle»!
No dia em que o Samorim veio com numerosas fdrças, resolvido a entrar na ilha de Cochim
pelo passo de Cambalào. a caravela de Diogo Pires estava em concêrio, a nau ficava em guarda da
cidade, e apenas a caravela de Pero Rafael e os dois bateis, ligados por cabos, um ao outro e à
caravela, ocupavam o passo. Era no domingo de Ramos. 18 de março. Defronte das três embarcações
tinham os dois milaneses postado uma estância de cinco bombardas. O rei de Calecut vinha por terra
com 47.000 homens de peleja entre naires e mouros (''). Acompanhavam -no os reis de Tanor, Bipur.
Cologão e Curiva, e muitos caimais. A armada que vinha pelo rio era dc 160 navios de remos, enire os'
quais 76 paraus, cada um com duas bombardas, 5 espingardeiros e 20 frecheiros. Vinte dos paraus
avançavam cerrados, presos por cadeias, para aferrarem as caravelas. Além dos navios armados iam
d.i
Ku'
SC
rf.jl.
(to I.:
aiia lie
(") Os Lusi^itâS, X. aa
«xplicamo». . ... „,,
C*) Ibidem. Livro I. Ctp. LX^ÍlII.
I lo à poria <1* '
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1 [ r>p IVtM O riinfivn porque O rd D. Manuel leve
«El Rei dom Emjnuel.
n Tl iffi Senhor de
<>. porque
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o dia em que hasccu »er da
I . . 1 s do fcnhor Oeus, cuji Ic^U
lou la^er uou lorl^eza pan
M lend^nda a Icmbnr o nome
1 em I
\J. cap.
. i, 1
.lie Pjcheco à compokK^o do d' obt», como
247
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
muitos outros com gente. Causava espanto ver tal quantidade de inimigos, por água e por terra, que
tudo cobriam. O sol resplandecia nos escudos, que traziam de muitas côres. e faiscava nos milhares de
lanças e agomias. Levantavam grandes gritas, c logo tocavam os instrumentos de guerra. E os portu-
gueses mal se viam no meio de tamanha multidão, metidos na caravela c nos batéis, afadigados a dar
foflo aos tiros com que recebiam os inimigos. Eram tantas as bombardadas, que se n3o viam uns aos
outros com o fumo da pólvora, Caravela e batéis ardiam em fogo. E como a jangada dos vinte paraus,
que eslava diante, apertava muito com sua espingardaria, mandou Duarte Pacheco disparar lhe um
camélo, ficando desmanchada ao segundo tiro. Acode nova frota de paraus, calures e tones. Ao fim da
tarde os poriugueses ficavam vencedores, náo sendo morio nenhum, e apenas alguns feridos. E o rei de
Cochim e seus vassalos começavam a perder o mêdo ao rei de Calecut,
Ao outro dia a caravela de Diogo Pires, iá concertada, vinha para o passo de Cambalão, onde
as duas caravelas com os batéis resistiram a dois novos ataques. O Samorim. perdendo a esperança de
poder alcançar Cochim por éste passo, resolveu cometer o mesmo vau por onde fôra no ano anterior.
Pacheco, que o suspeitava, mandou os batéis guardar o passo do vau, e como as caravelas não podiam
tá ficar por causa dos baixos, colocou as no passo de Palurte, pouco mais de meia légua distante do
primeiro. O ataque deu se no primeiro de maio. O senhor de Repelim, com tôda a frota, devia ir sobre
o passo de Palurte, e o príncipe Naubeadarim marcharia sòbre o vau. Ao romper d'alva apareceu a
armada inimiga, composta de 250 velas. Ante manhã tinham vindo os dois batéis do vau, por este ficar
seguro com a maré que enchia, pois sá se podia lá passar na vasanle. que havia de ler lugar ao
meio-dia. Assim, tanto os batéis como as caravelas poderam combater no paaso de Palurte, contra a
frota que avançava com 40 paraus encadeados, à frente, para aferrarem as caravelas. Pacheco mandou
disparar a artilharia, que desencadeou os mais dos paraus. As bombardadas '«ram tantas dambas as
partes, que nenhuma das armadas se via com o fumo, e estando já muito próximas, as frechas, selas,
< lanças e paus tostados eram em tal abundância que faziam sombra nos navios (''). A peleja continuou
até que a vitória se declarou pelos portugueses. Abandonado pelo inimigo o passo de Palurte, pôde
Pacheco dírigir-se com os batéis para o vau sobre que avançavam já os 12.000 homens de Naubeadarim,
pois era o momento da baixa-mar. Os dois batéis entraram pelo vau até dar em sèco, atirando com a
artilharia e espingardaria, setas e arremessos. Parados, no meio da multidão de gente que os cercava,
tiveram de sustentar riia peleja, que durou uma boa hora, até que os batéis começaram de novo a
nadar. Os inimigos tiveram que retirar perante a maré que subia, tinta de sangue. Tanto neste combate
como no de Palurte não morreu nenhum português, e o rei de Calecut, vendo se derrotado, aceso em
ira por o senhor de Repelim náo afenar as caravelas, nem seu irmão entrar o vau, proferia contra
ambos muitas injúrias.
Passados alguns dias, que Pacheco aproveitou para mandar espetar no vau grande quantidade
de estacas ponieagudas de areca, veio o Samorim em pessoa cometer de novo êste passo com fòrças
superiores, licando outra vez vencido. Por último, no mais terrível ataque, vieram máquinas novas de
guerra, inventadas por um mouro, oito castelos construídos cada um sôbre dois paraus, assentes sôbre
vigas passadas de prôa a prôa e de pôpa a pòpa, com um sobrado em cada um dêles. em altura de
18 p.ilmos, onde traziam bombardas e podiam combater até 40 homens. Para que os castelos, de que
Pacheco tivera conhecimento, não pudessem dominar as caravelas, pregaram nas amuradas dambas uns
esteios de meios mastros com uns chapiteus em cima, em forma de sobrados, onde podiam estar
6 homens. O combate íoi na qutnia-feira d'Ascenção, Diante da frota vinham muitas balsas de lenha
com alcatrão e estopa ardendo em labaredas. Após elas. t!0 paraus. muitos dêles encadeados, cheios de
gente e artilharia, e atrás dèstes 100 catures e ainda 80 tones. As balsas em chamas não puderam
pegar fogo às caravelas, por irem bater de encontro à jangada que Pacheco lhes pusera em anteparo,
amarrada por cadeias a âncoras de ferro. E quando acabaram de arder, começaram os paraus a
chegar-se à jangada, atirando com artilharia às caravelas, que respondiam e arrombavam muitos dos
navios. Aproximando-se os castelos, que vinham com aparência temerosa, mandou Pacheco atirar ao
maior com um camelo, mas os dois primeiros tiros pareceram não produzir efeito, e êle. numa aflição,
levantando as mãos ao céu. bradou: «Senhor, não me acoimeis hoje meus pecados»! Os oito castelos
lançavam tantas setas, tiros de espingardas e bombardas, que era tudo uma nuvem de fumo e fogo.
Mas ao terceiro tiro, o castelo principal começou a desmantelar se, e os portugueses, vendo nisso o
C) EvUmot tcflulndo a narrativa de Casluitiedi.
248
DUARTE PACHECO PEREl RA - PRECURSO R DE CABRAL
comêço da vitória, davam graças, postos de joelhos. E continuaram a fazer tal dano nos castelos, e
arrombaram e meteram no fundo tantos paraus. que. começando a subir a reponta da maré c aparlan-
do-se da jangada os castelos, com êles retiraram os navios inimigos, dando se por derrotados. No passo
do vau os dois batéis, comandados por Cristóvão Jusarte e Simão d'Andrade, com os paraus e catures
de Cochim, em que andava Lourenço Moreno, oposeram se à passagem da gente do rei de Calecut, alé
que a maré veio terminar a peleja. Êste foi o dia de mais dura prova para os portugueses. O rei de
Calecut ainda veio noutro dia atacar de novo com os castelos, mas com o mesmo resultado. Sempre
vencido, e não lhe aproveitando nenhuma das traições que cavilara contra Duarte Pacheco, acabou por
se meter, envergonhado, num turcol a fazer penitência...
Reconhecido o rei de Cochim aos grandes serviços prestados por Duarte Pacheco com as
espantosas vitórias, ganhas numa guerra de perto de quatro meses, e nâo querendo êle aceitar dádivas
de dinheiro, nem jóias, nem terras, concedeu-lhe um brasão de armas, comemorativo das suas gloriosas
façanhas: «e assim lhe dou por insígnias e sinais de seus feitos e honra que nisso ganhou um escudo
vermelho por sinal do muito sangue que derramou dos de Calicut nesta guerra, e dentro nèle lhe dou
cinco coroas d'ouro em quina por cinco reis que nela desbaratou. E a bordadura dôste escudo lhe dou
branca com ondas azuis, e nela ollo castelos verdes de madeira, armados n'agua sòbre dois navios rasos
cada castelo, por duas vezes que o combateram com estes oito castelos e d'ambas os desbaratou: e dou-lhe
sete bandeiras de ponta ao denedor dêste escudo, três vermelhas, e duas brancas, e duas azuis por
sete combates que lhe eirei de Calicut deu por sua pessoa, e em todos sete os desbaratou, e por sete
bandeiras que lhe tomou, das mesmas côres e feição: e dou-lhe um elmo de praia aberto guarnecido
douro e o paquífe douro e vermelho, e por timbre um castelo do mesmo teor com uma bandeira
vermelha de ponla nHe> ('*).
Em setembro dêste ano de 1504 chegava ã Indía a armada de 13 naus de ]o3o Soares, com
quem Pacheco regressou à pátria, entrando em Lisboa a 22 de julho do ano seguinte. As honras que o
rei lhe prestou, em reconhecimento dos seus altos serviços, são assim narradas por Castanheda: «E
porque todos soubessem serviços tam assinados, logo a uma quinta-feira depois da chegada do
capitão-mór mandou (D. Manuel) fazer uma solene procissão como em dia de corpo de Deus: em que
foi da Sé até o mosteiro de Sam Domingos, levando consigo a Duarte Pacheco. E prègou Dom Diogo
Ortiz, bispo de Viseu, e disse por ordem tôdas as cousas que Duarte Pacheco féz na guerra contra
el rei de Calecut. E n3o somente se fêz isto em Lisboa, mas no Algarve, e em tódas as cidades e vilas
notáveis de Portugal: e isto por mandado dei Rei e êle escreveu todo ao Papa por Dom João Sutil,
bispo que então era de Çafim, que levou as cartas, e assim o escreveu a muitos reis da Cristandade
para que fôssem lá sabidas façanhas Iam notáveis. O que se não acha que nenhum rei nestes reinos
fizesse por vassalo» (**).
|0I em seguida, neste mesmo ano de 1505 ("'). que Duarte Pacheco começou a escrever a obra o e^ntnALoo
de que D. Manuel o encarregou, pelos motivos expostos no Prólogo: «E como em tam pouco
tempo Vossa Alteza descobrisse quási 1500 léguas, atém de tôdolos antigos e modernos, as
quais nunca foram sabidas nem navegadas de nenhumas nações dêste nosso ocidente, agora,
por maior segurança desta navegação, convém que Vossa Alteza mande tomar a descobrir
e apurar esta costa do ilhéu da Cruz em diante, porque é certo que no seu primeiro descobrimento se
soube em soma e não pelo miúdo, como a lai caso convinha; e porque Vossa Alteza me disse que
{"> a<tanh«J*. Historia do descobrimento dã índia, Uvro I. Cap. LXXXVIII.
ítl! Uoaò V'Í"do'iivm^'primclrõ dii: «vai ora em 90 mos que Ceuta foi tomada., o que teve lusir em 21 de
MMta d« 14IS- acmcenta mais que Alcácer Ceguer. Tinger t Arzila loram tomada» .de 47 anos p^ra ci-, e * tomada de
53S«r Ce^!i^fo^7J. W dc outubro de 14M. c"mo depois diz no próloflo do livro Mgiuido. O jp- 16 ainda (ol e«rlto ne.te
íio Mi» Tdeclara que » batalha do Salado foi «havcri ora itó anoi.. e cia teve lugar Cfn 30 de outubro de 1340^0 cao. 19
ano, pois ^' Ji"^*.-, deDols de l»6 pois al se I*: .e no ano de nosso Senhor du l»6 mandou Vossa
ASoTrTdm«V°í1rrí HrS'e 'dé^M^dorTnlS com o mar. um castelo. O cap. 6 do livro quarto, em que a obra se
AHCza caiMcar ^. ^ Manuel ouc morreu em 1521. pois começa por esta» paiavrasr «Novo trabalho se not
oíS^íâvém'^^^^^^^^ :i"cKvc7o 2ue no'^.aSe'',S:n%õ^^^^^^ o'^nls.lmrpírndpe el-Rei D. Manuel no..o Senhor-.
249
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
SC queria nisto fiar de mim. portanto preparei fazer um livro de cosmografia e marinharia, cuio pró-
logo é èste que aqui é escrito». Incumbido assim de estudar pormenorisadamentc a costa oriental
africana e a costa asiática, para compor o respectivo roteiro, aproveitou os seus vastos conhecimentos
a respeito do litoral africano do lado do Atlântico, por êle íá adquiridos cm longos anos de experiên-
cia, «que é madre das cousas», para começar logo a escrever o roleiro de tôda a costa d'AÍrica. a
partir do estreito de Gibraltar. Resolveu dividir a sua obra em cinco livros. Nos 33 capítulos do pri-
meiro livro, dedicado aos descobrimentos do tempo do Infante D. Henrique, depois de expostas as
noções astronómicas mais necessárias (círculos celestes, curso do sol. maneira de calcular a latitude
pela allura meridiana do sol tomada com astrolábio ou quadrante, e modo de saber as horas da
maré (")). trata das róias. conhcccnças, sondas, marés e alturas do pólo. ao longo da costa africana,
desde Ceuta até ao cabo de Nam. e daqui, pelo cabo Boiador e cabo Verde, até à Serra Leòa. que èle
dá como termo on-
de chegaram os na-
vegadores manda-
dos pelo Infante.
Os onze capítulos
do segundo livro
continuam as rõtas
e conhecenças da
parte da cosia per-
corrida no tempo
do rei D. Alonso V,
desde a Serra Leôa
pelo cabo das Pal-
mas, a Mina, ilha
de Fernando Pó,
ultrapassando o
eqiiador.até ao ca-
bo de Santa Cata-
rina. Nos nove ca-
pítulos do terceiro
livro ocupa-se da
parle descoberta
por Diogo Cão e
Bartolomeu Dias.
no reinado de D.
]oâo II, desde éste
cabo, pelo Congo e
cabo de Doa Es-
perança, terminan-
do no rio do In-
fante. O livro quar-
to era dedicado ao
iitoralafricanodes-
coberto no tempo
de D. Manuel, até
ao cabo Guardafui.
e o quinto à costa
asiática desde o
sino Arábico, pelo
sino Pérsico, e d'aí
em diante por tôda
a índia. Dèstes dois
últimos livros ape-
nas chegaram até
nós os cinco pri-
meiros capítulos do
quarto livro, fican-
do a obra interrom-
pida no começo do
cap. 6 com as pa-
lavras «Item. Jaz o
rio do Infante».
Nestes capítulos
apenas trata do ca-
minho que hão de
fazer as naus com
destino à índia, se-
guindo de Lisboa
a Cabo Verde, e tomando d*aí o rumo do sul, pelo golfão, até estarem em altura de ir dobrar o Cabo.
Antes d'isso descreve os cuidados que houve nos preparativos da armada de Vasco da Gama, come-
çando por celebrar um dos resultados da famosa viagem, a demonstração completa do erro de Ptolomeu,
que considerava o Oceano Índico um mar fechado, sem comunicação com o Atlântico:
•Tolomeu escreve, na pintura de suas antigas tábuas de cosmografia, o mar Índico ser assim
como uma alagôa, apartado por muito espaço do nosso mar Oceano ocidental que pela Etiópia
meridional passa; e que entre estes dous mares ia uma ourela de terra, por impedimento da qual, para
dentro para aquele golfam Indico por nenhum modo nenhuma nau podia passar» (•«).
Isso mesmo se celebra na carta maritima (Carta marina nauigatoria) de 1516, de WaldseemuIIer,
ornamentada com belos desenhos da mão de um artista eminente da escola de Durer. ]unlo do cabo
250
r») Vei«.$e airís, Cjp. II. plgs. 95-97.
n Esmerãldo de silu ortis, lisbOi, 1906, pigs. 151 - 1S2.
X
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
da Boa Esperan^. à entrada do Oceano Índico, vê se uma figura de rei, cavalgando um animal marinho,
com o scelro na mão direita, e uma cruz. com a bandeira das quinas, na esquerda. Por cima, a legenda
latina proclama a <vilória do cristianíssimo Manuel, rei de Portugal». Ao lado, a inscrição posta dentro
de um quadro comemora ter Ptolomeu dito que o Oceano Índico era cercado de terra por todos os
lados, e depois mostrado a navegação dos portugueses nào ser assim (").
O original da obra de Pacheco, segundo o testemunho de Barbosa Machado na Biblioteca
Lusitátiã. conservava -se, pelo meado do século XVIM. na Livraria do Marquês de Abrantes, como o
mais precioso manuscrilo, com 16 mapas iluminados e algumas estampas pequenas em fôlha. Nas duas
cópias actuaimcnie existentes, uma na Bíbholeca de Évora e outra na Biblioteca Nacional de Lisboa,
apenas se mencionam os lugares destes mapas e estampas, como nas duas edições que por estes
apógralos se fizeram, a de Rafael Baslo, publicada em 1892, e a de Epifânio Dias. em 1905. Um dos
mapas era o mapa-mundi, com a Europa, Asia, Africa e América, ao qual se faz referência no cap. 5
do primeiro livro e no cap. 7 do livro terceiro (■')■ Havia outro, com as ilhas de Cabo Verde, em que
estavam traç3das as linhas dos rumos de todos os ventos ('"): devia ser uma carta de marear em
proiecçáo plana quadrada, e é bem para lamentar a perda dêste precioso documento cartográfico. Da
leitura do texto resulta que nas ilustrações se viam representadas as cidades de Ceuta. Alcacer-Ceguer
e Tânger, o cabo Espartel, as vilas de Arzila, Larache, Salé e Almancora. as cidades de Anafé e Safim. o
cabo Verde com a angra de Bezeguiche. a Serra Leôa, a furna de SanfAna, o castelo de S. ]orge da
Mina. a serra e ilha de Fernando Pó e o cabo da Boa Esperança, tudo isto, segundo éle expressamente
declara, pintado do natural ("*).
No final do Prólogo declara, sem mais explicação, que o seu livro será chamado «ESMERALDO
de sItu orbis». A segunda parte é o Iftulo, de silu orbis, da geografia de Pompónio Mela, escritor do
primeiro século da nossa era, por éle muitas vezes citado. Quanto à palavra Esmeraldo, iulgamos que
foi composta com as letras dos dois nomes, o seu e o do reí. O nome Duarte feve em português as
formas Duardos e Eduardo, e a fórma latinisada Eduardus. Como mostra o quadro iunto, forjua-se,
com as letras de Emmanuel e Eduardus. o anagrama Esmeraldus. Os dois nomes estão escritos na
linha superior. Tirando sucessivamente as letras e, s, m. e, etc. que se vão pondo na coluna lateral em
ordem descendente, deixando pontuadas as letras que se vão assim suprimindo, acaba por escrever-se.
pela coluna abaixo, a palavra Esmeraldus. quando se esgotaram tôdas as letras dos dois nomes. Deve
notar-se que Pacheco era grande desenhador e olhava naturalmente ao aspecto gráfico das lefras, e
portanto via o n gráficamenle incluido no m. considerando ambas as letras representadas no sinal m.
Como a obra é escrita em português, èle tomaria o nome Esmeraldo, correspondente a Esmeraldus,
como Eduardo a Eduardus. Assim ESMERALDO de sltu orbis significa o novo tratado de situ orbis.— do
orbe desconhecido dos geógrafos antigos- . escrito pelo português Duarte e dedicado a Manuel, a cujo serviço
éle pôs devotadamente a sua espada e a sua pêna. Os nomes— do autor e do rei a quem a obra é dedicada—
ficam assim iuntos. como a par caminharam na procissão em que D. Manuel o levou a seu lado em
Lisboa, nesse mesmo ano de 1505. em comemoração dos seus insignes feitos na índia. Desta maneira
se explica também o motivo de discrição, por que êle não dá esclarecimento algum, dizendo simplesmente:
• tudo isto com diligência, por seruiço de l/ossa Aiteza. farei e no melhor modo que puder e souber,
neste livro será escrito, o qual ESMERALDO de sltu orbis será chamado». Num tempo em que os
anagramas tanto se usaram ("). compreende-se bem que Pacheco composesse êste criptograma, em que
quis deixar simbolizada a sua dedicação pelo rei (*').
<") Die ilteitf Karte mil dem Namen Amehka ãus dem lahre 1S07 und rfi* rmrtA Marina a„t ^.m
('•) Ibidan. pigs. 83-M.
(") Ibidem, pags. 48, 49, 50. 51. 52. 53. M. 55, 59. 83. 98. 100. 101. 114 125 e 142
D»e'. N-.^torfM da UtfratuTã portuguesa, wl. II RenAscenc.^ Pòno iQu Í^^V 1 « "ludjnça rfo d cm t (TeoHlo
....... ;:!.;;:»^M°uKí'^,'^-";sí'?íi ~
252
DUARTE PACHECO PEREIRA PRECURSOR DE CABRAL
O autor do Esmeraldo, além da parle própriamentc cosmográfica e de marinharia. d4 indicações
sobre os objectos de comércio nos diferentes portos da costa africana, com notícias sÔbre os povo» e
cidaoes do interior do sertão, e por vezes, pelas suas referências aos tempos passados elucida vjrios
pontos da história dos descobrimentos, como sucede no coméço do cap. 4« do terceiro Iwro:
■31
St
3)1
1
m:
m.
..v</
^ -
s
■M
■ h„„.p n-sies reinos de Portugal nos tempos passados entre alguns letradas
• Muitas opiniSes houve ""'«y' Z"; / ,„^ji„. «rque uns diziam que nSo curassem de
acerca do descobrimento das E.,6p,as de Q"'"' « pego, atravessando o góUâo até
descobrir ao longo da costa do ""vf. ' esta uia se encurtaria o cantinho; outro,
topar em algum, terra da índ.a ou v.zmha dela '^'"J" ^^^^ , po„,o » nela ,a. e
diLram '^^''^'"^^'"JZeZT c^^^^^^^ """"" "
assim suas róias e conhecenças. e wu^ y
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DUARTE PACHECO PEREl RA-PRECURSOR DE CABRAL
logar em que estavam, por onde podiam ser certos da terra que iam buscar, porque de outra guisa nío
podiam saber a região em que estavam; e a mim me parece que a segunda opinião !oi mais certa,
e assim se fèz>.
Falando dos «tempos passados», êle evoca naturalmente as lembranças da sua mocidade (•').
São estas opiniões, discutidas entre os letrados de Portugal, que devem ter provocado a consulta a
Paulo Toscanelli e a carta déste ao cónego Fernão Martins de Roriz, de junho de 1474 C). O plano de
Toscanelll não foi adoptado. Decidiu se continuar a procurar, ao longo da costa africana, o caminho da
índia, que foi sempre o objectivo dos descobrimentos portugueses, como confirma aquele passo do
Esmeraldo. Ao autor parece que esta opinião foi mais certa. E assim o experimentou Colombo, que,
tendo-se lançado a executar o projecto toscanelíano, encontrou a América, julgando ter atingido as
praias orientais da Ásia; e nesta convicção se conservou até à sua morte em 1506. procurando em vão
passagem para a fndia. Os portugueses, nas suas pesquisas para ocidente no Atlântico, procuravam
novas terras que julgavam interpostas ao caminho da índia por aquele lado.
No ano de 1509 fèz Duarte Pacheco uma das suas proezas. Mandado, com algumas velas, em
perseguição do corsário francês Mondragon. encontrou o no cabo de Finisterra em 18 de janeiro, tra-
vando com êle crua batalha. Meteu-lhe uma das naus no fundo e trouxe-o préso para Lisboa com as
três naus restantes (^).
(t>) Do que (la dllo na nota (74), resulla que. déMe capitulo do lerMiro livro, «penas $e pôde allrmar que tol
escrito depois de 1b06 e antes de Íb2t Do que o autor do Csmera/do diz no linal do prólogo do segundo livro, conrjndo a
lom.ida de Anila em 24 de agosto de 1471, com grande mortandade de mouros, e consequente ocupa-lo de Tinger. logo por
éles abandonada por medo, e acrescentando <as quais eouias lôdas vimos«. parece poder ccnduir-ie que Pacheco cíleve na
tomada de Anila, Como ile depois Informa no prólogo do terceiro ÍWro. nest-i tomada foi leito cavaleiro D. João II. cniao
príncipe, apenas com 16 anos. Os dois deviam ser aproximadamente da m Lide.
(M) Aliolaguirre. no livro já diado Cristabêl Coión v P^blo is. > ToscãneUi. Madrid, 1903, chega k concluUo
de ser autí-ntica a correspondènda de Toscanelli com o cónego português hcrnAo Martins, e apócrifa a correspondência do
sábio florentino com Colombo. Carlos Malheiro Dias, que desconheda o livro de Allotaguirre quando escreveu a IntroducçJo
desta obra, chega a resultado análogo ívejam-se alris at pigs. XCI, XCII). O laclo. dos doU Ilustres escritores terem ildo
levados independentemente à mesma condusSo. é sintoma seguro de se achar atinai a verdade entre as duas opiniftes
exiièmas a que considera autêntica tôda a correspondènda atribuída a Toscanelli. e a de Vignaud. que a julga tôda forjada.
Hoic pódc ler-se como provada a exIslCnda de um cónego Fcrnio Martins de Rorii.com quem Toscanelll > rul fu em Roma
Roiii é nome de trés freguesias portuguesas, como se pódc ver na Corogrã/ii portuguesa do P.» A > da Costa,
tômo I- uma no concelho de Darcelos. outra no de Santo Tino e outra no concelho de Chaves. O cónego ; . j Manlns de
Roriz devia ser um parente de D Antio Martins de Chivcs que foi cónego de Lisboa, dcâo de Évora, bispo do Pôrto e
embaixador por parle do rei D. Duarte, ao Condito de Basília (veja-se D Manuel Caetano de Sousa. Catalogo dos Sumos
Fonliftces é CúTàeães portugueses. pAgs. 16-17, In Collecfám das documentos e memorias da Acadfmn H. da fUslona
Portuguesa. 1725. n.o XXXIII). Em 1437 loi éite bispo porlugué* a Consfantlnopla com o cardeal Nicolau CuM. na
embalKada que tinha por fim resolver o imperador Joio P-leôlogo a vir ao Concilio de Ferrara (Ractolta Colombiana.
oarie V vol I págs. »5 e 264). Felio cardeal pelo papa Eugénio iV cm 1439. dotou no ano seguinte, e Irans eriu para o
locnl oiíde hoie está o Hospício de Sanlo António dos Portugueses. con«rvando-w em Roma alò I sua morte, em julho
de 1447 laz sepultado na Basílica de S. ^o^o de L,itr.1o. Acomoanhou esta importante personagem naturalmenie como seu
secretário um par.-nte mais novo. r-m^n Manins de Ron/. Eram decerlo oriundos ambos de Roriz, unto de Chaves.
A pSoVirtins era faai continuar em Roma. residindo no Hospício dos Portugueses, que o falecido cardeal b spo
do Sfo relóríiàra e dotara c al co as amizade, o,,, th. provinham do seu ilustre parenie como a do cardeal dt
rSsí ÂM/nam corJo testemunhas, o testamento déste c 6 de agosto de IW. dnco dias antes da sua mort-.
SSo TosSli rFernào de R.vi ^^r,^o de Lisboa, l .a de Munich e«iite unia obra de que d autor o memo
« J«i í^l r^f« i^úynãL Tetr non ahud. cu|o assunto é o exime do método filosófico que deve seaulr se par.i
Seoar ao coXdS^ ví d.a. dr.na. transcendental: sio Interlocutores T>.nn,.* Andrea Vigerius Petrus DalEus Pizanu.
GoetUng,schen ■ , quc a ácoiípanhava. o qual se pódc reconstituir com sutidenie exactidlo pela. relerínclas
Toscanelll a F. - /.n^HHrnt da éooca À^^^ referencias a protecção adoptada no mapa revelam a
epistolares e por <'°^"'^^"'°^„ ""ÍS^^^Í^^^^ da pro|.cçio dllndrica rectangular, de Marino, a um.
linguagem precisa do slbio. ° Ç^'* f ,oma por justos motivos, o módulo de 66 milhas e dois terços
cana de marear. N» sua ^J^^^^ árabe, esteve em uso em Portugal, como já atrás
para o grau <«o„<^:"''«,'"/'''^° '^^^^^^ pelo cónego Martins « ToscaneUl nas suas
notamos (pág. 238-239). e * Po;'»"'» hTS^j/Sj rcfer?-se ãs discussões havidas em Portugal sóbre os dois caminhos p«n
conversas. O passo. °- ^ Xrtin, ao tíbio íh.rentino. e a resposta désle. Carta c mapa náo conveiiceram
:s"iílíidfs VoV^^. maí7otm o TJír qu" i^ou Colombo . descoberta d. América, resultado náo previsto no
proiecto toscanelia^no^^^^ ^ ^^^^^^ ^ p^e „, «p. XLIl.
255
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Dois anos depois foi capílâo da armada que D.^ Manuel mandou ao estreito em socorro da
cidade de Tânger, quando o rei de Fez a cercou em 1511
Como prémio de tâo assinalados serviços foi lhe dado. em 1519 n o lugar de capitão e
governador da cidade de S. }orge da Mina. cargo que desempenhou até 1522. em que foi substituído
pelo filho de Afonso de Albuquerque, nomeado por alvará de D. João III. de 4 de julho deste ano.
Começam então para éle os tempos de adversa fonuna. Perseguido pela inveja, caluniado,
embora se reconhecesse serem faisas as culpas que lhe imputavam, arrastou anos de grande pobreza
até o de 1533. cm que morreu. No úllimo can\o dos Lusíadas, a Ninfa que. em catorze estâncias seguidas,
celebra os heróicos feitos do Aquiles Lusitano na Índia, por fim.
Cantando em baixa voz, envolta em chôro,
O grande eslòrço mal agradecido,
lamenta o galardão injusto e duro. de virem a
Morrer nos hospitais, cm pobres leitos,
Os que ao Rei e à lei servem de muro.
Pedro de Andrade Caminha, nas suas Poesias ("). dedica lhe um epitáfio:
AO GRANDE DUARTE PACHECO
A índia é testemunha das vitórias «
De Duarte Pacheco milagrosas.
Portugal o será das poucas glórias
Que lhe deu por suas obras gloriosas.
Todo mundo das claras suas histórias
Louvadas, e invejadas, e famosas.
O justo Céo de su'Alma limpa e pura;
De seu corpo esta pobre sepultura.
CONCLUSÃO 5ÍJ^2S30NSIDEREM0S agora como êsle homem superior, dotado de extraordinária resistência
física, largas faculdades intelectuais, uma fôrça de vontade e coragem indomáveis, dis-
pendeu as suas energias numa actividade e labor constantes, ora manejando o astro-
lábio e desenhando mapas, ora brandindo a espada e dirigindo o fogo da artilharia,
ora no remanso do gabinete, estudando, escrevendo e ornando de iluminuras o seu
roteiro ahncano. cheio de valiosas informações. O rei D. ]oão II, a quem porventura, em sua ado-
lescência, acompanhou à tomada de Arzila, manda-o a reconhecer o interior das costas da Guiné,
onde passou anos de trabalho e doenças, e depois, em 1494, às importantes negociações de
Tordesillas. No ano seguinte, quando éste rei faleceu, não se tinha procedido à demarcação do
meridiano divisório nem se acordara ainda na maneira de a fazer, mas tinha de proceder-se a ela.
desde que alguma das partes contratantes acusasse o encontro de terra presumivelmente situada nesse
{••) SouM Vlrcrbo, Trabalhos náuticos dos Porfiiguws nos séculos XVI e XVII. vol. I, pág. 238.
C» No Arquivo Naclonjl cu Tânr oo Tombo i-ntsitm documento» pasaados por Duarte Pacbeco na qualidade
d« govemdor de S. lor^e da Mina. com data de 20 de novcmt>ro, c l, 10 e 13 de dezembro de IS19, de que vimos cópia,
que nos lomcccu o digno Director, Snr. Dr. António BalJo {Corpo cronológico. Parle 2.'. maço 85, n.« 200, e mico 86,
IL«- 30, «O e 88). » . ^. s . . V .
(") Pcfsiês de Pedro de Andrade Caminlia. publicadas pela Academia das Sdèndas de Lisboa. 1791, pig. 265.
256
DUARTE PACHECO PE REI RA - PR ECU RSO R DE CABRAL
meridiano. Em 1498 Colombo parte de Santiago de Cabo Verde no rumo de sudoeste a verificar a
opmiâo de D. ]oão II, «que dizia que ao sul havia terra firme», e, navegando depois para o poente,
chegou ao continente sul-americano em águas castelhanas. Nesse ano também D. Manuel manda Duarte
Pacheco a reconhecer a mesma terra firme, por causa da qual D. ]oao II <teve diferenças com os Reis
Católicos». A essa terra, necessária para segurança do caminho marítimo da índia, e conveniente por
poder servir de escala, foi Duarte Pacheco em prudente viagem clandestina. Ncsie tempo, decorridos já
27 anos depois que os portugueses tinham ultrapassado o equador, a carta de marear usada devia ser
já em projecção plana quadrada C) com graus de latitude e de longitude em igual dimensão. Estavam
desenhadas as ilhas de Cabo Verde com o litoral africano na carta que levava, da qual deve ser uma
parte o mapa destas ilhas que juntou ao Cap. 28 do primeiro livro do Esmeraldo. Navegando nas
regiões equatoriais, onde os erros da carta plana são muito atenuados, pôde marcar nela com bastante
exactidão a costa visitada, e de lá voltou informando D. Manuel da sua situação bem ao abrigo das
estipulações do tratado de Tordesillas. Em 1500 a esquadra de Cabral, guiada por êle, passa nas
Canárias e ilhas de Cabo Verde sem se deter (Vasco da Gama. em 1497, demorara uma semana na ilha
de Santiago a tomar carne, água e lenha e correger as velas dos navios l"")), e segue nos rumos de
oeste com manifesto propósito de atingir uma costíi de antemão conhecida; faz-se então a descoberta
oficial do Brasil, que o monarca português comunica para Castela, dizendo parecer-lhe que «nosso
Senhor milagrosamente* quis que se achasse terra tam «conveniente e necessária para a navegação da
índia», pois nela se poderam concertar os navios c tomar água.
No ano de 1503 vai Duarte Pacheco na armada dos Albuquerques, e deixado depois em
defesa do rei de Cochim. aliado de Portugal, causam assombro as suas constantes vitórias sôbre o
poderoso rei de Calecut. Em Lisboa é consagrado publicamente numa solenidade religiosa caminhando a
par de D. Manuel, des(le a Sé até S. Domingos. Revestido da sua armadura, sôbre que descia o leve
manto pendente dos ombros, empunhava na dextra a espada invencível que firmara o império português
no Oriente; com a longa barba, onde já alvejavam as cans, o forte nariz aquilino, os olhos grandes
castanhos, tam fácilmente inflamáveis em cóleras tremendas, infundia respeitoso acatamento a sua nobre
figura, resplandecente de energia e pundonorosa altivez ("'). Logo o rei manda comunicar os seus
grandes feitos ao Papa e a muitos reis da Cristandade, não sendo por fim de estranhar que, ao cabo
de tanta glória, procurem feri-lo as calúnias da inveja, a ponto de êle se queixar expressamente dos
murmuradores, mordedores e maldizentes que são «prasmadores do bem feito e nenhuma cousa boa
sabem fazer» ("). Neste ano de 1505 é encarregado de escrever o roteiro das costas africana e asiática.
Era então já bem patente a importância do continente a que aportara Cabral, onde era achado «muito
e fino brasil com outras muitas coisas de que os navios nestes reinos vém grandemente carregados».
E' bem compreensível que, tendo a pêna na mão e tratando de assunto para que invocava a experiência,
«que é madre das cousas, nos desengana e de tòda a dúvida nos tira», êle, lembrando a sua própria
experiência, não resistisse a revelar, em palavras discretas que restabelecem a verdade, êsse seu
importante serviço, a viagem de 1498, que determinou a derrota seguida pela frota de Alvares Cabral
no Atlântico do sul.
No Cap. 2.0 do primeiro livro tenta êle elevar se ao conceito geral da distribuição da terra e
do mar por todo o orbe. socorrendo-se de alguns passos da Bíblia para completar a experiência das
navegações feitas até ao tempo em que escreve. Tendo os portugueses mostrado que o Oceano íqdico
comunicava livremente com o Atlântico, não sendo portando um mar fechado, uma grande lagôa. como
Ptolomeu julgava, Duarte Pacheco concebe uma lagôa maior, formada pelos dois Oceanos. A costa da
América que se estende ao norte até 70 graus de latitude, e ao sul até 28 graus e meio, pensa êle que
(") Veia-se atrás o Cap. II, pág. 92.
í"l Roteiro ds viagem de Vasco dã Gama em 1497. Lisboa, 1861, pags. 2-3. , ■
(•>í Que êle «»ôbre ser muito bom cavaleiro era demasiadamente colérico e agastado», diz-no8 Goes (Chróntcã
^- n M^nn^i fan 85 da Paftc l). Quando escreviamoB as linhas do icxlo lembrava-no» o retrato de Duarte Pacheco, que agora
2 reDrodJÍ na Eitampa lunla, e que tínhamos visto no Pòrlo em casa do Ex."o Snr. Joio Fernando Pacheco Pereira, mu
51««n^n^í ? artifal reDresenlante. E' pintado em tela, devendo ser cópia de quadro mais anligo na posse da íamUIa.
f tífíriSi aue sl lé nuKdo do retralS. rememorando as vitórias de Cochim e a honra que lhe líz D, M«iuel em LlibM.
tr^ fhA^\ fr,»^náà áe acrescentamento posterior. Uma leiçâo nos impressionou sobretudo na pintura _ os olhos -pela
«mMhínr/fluríSos logo com os de alguns descendentes, que se víem noutros quadros da mesma sal», e até com os
3^ um fSLSrdnonrda as^' -OS olhos Jo. Pachecos-. expUca-nos o pai. Aqui lhe agradecemos, com vivo reconhecimento,
foín^ileia com que permitiu e fadlilou a reprodução do retrato do seu ilustre antepassado,
a gentiieia com p^,^^ o^Ôís, Lisboa, 1905. Cap. 9.o do segundo livro. pág. 122.
257
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
se prolonga ainda muito mais nos dois sentidos e «vai em circuito por tôda a redondeza», cercando o
mar; <ora como assim seia que esta terra d"além é tam grande e desta parte d'aquém temos Europa
Aírica e Ásia, manifesto é que o mar Oceano é metido no meio destas duas terras e íica médio-terrano'
pelo qual podemos dizer que o mar Oceano não cerca a terra como os filósofos disseram mas antes a
terra deve cercar o mar, pois )az dentro na sua concavidade e centro; pelo qual concluo que o mar
Oceano não é outra cousa senão uma muito grande alagóa metida dentro na concavidade da terra » (")
Esta era pois a feição característica do mapa-mundi por èle pintado adiante e iunto ao Cap 50 («) Ngo
deve surpreender-nos esta concepção, antes a devemos ter por bem natural, visto que a experiência de
enlâo a não contradizia, pois foi só em 1511, depois da tomada de Malaca, que os portugueses
continuando as navegações para oriente, entraram com António de Abreu no mar Pacífico e só em 1519
Magalhães partiu para a memorável viagem em que atravessou aquele grande Oceano A margem
ocidental dessa muito grande lagôa era formada pela parle do mundo desconhecida de Pompónio Mela
e dos outros antigos cosmógrafos, os quais -na quarta parte que Vossa Alteza mandou descobrir além
do Oceano, por a eles ser incógnita, cousa alguma não falaram., como êle diz, dirigindo-se a D Manuel («)
Falando pois desta nova costa ocidental, apoia-se na experiência, «madre das cousas.. Como já notámos
quando ele dyz -temos sabido e uisto-, devem nesta expressão distinguir-se duas partes- o oue êle
Z^^T 'nformações. e o que êle próprio observou, pois se lhe não pode atribuir um conhecimento
directo de tôda a costa americana de norte a sul, com as «muitas e grandes ilhas adjacentes a ela. ^
A primeira parle, temos sabido compreende os seus conhecimentos provenientes principalmente de
narrativas das viagens de descoberta ao norte do equador, entre as quais se devem contarárviagens
dos Corte^Rea.s. e as de Colombo e dos navegadores castelhanos. A segunda parte, e f eZsJ u^^o
refere-se à sua própr.a experiência, que começou desde que o rei o mandou, em 498 Tscí^ aô
ocidente: «e portanto, bem-aventurado Príncipe, temos sabido e visto-como (q5ando no ,e ceiro ano
ocidPnf.? n!.r H ' r Alteza mandou descobrir a parte
ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano.... >. Ninguém mais competente para o deTei^penho
tTJLr'"' '' ''"\ '^'^ '"^"'^^^^ à conferência de Tordesiflas e iam bem
rtlTn hk" "^"''^^/^"do >°"9°s anos percorrido os mares equatoriais; foi êle quem deu ^
^andeza d? ra:^:^ «^^^^"^ ' -^'íou com maior exact dão
a grandeza do grau terrestre. .Tena algum português, antes dêle, avistado as praias do DrasiP Dizendo
como test munha'colomb?r;f ""^^ "'""^ '''^'^'^^ com os Re C^ó os
como testemunha Colombo, é de presumir que tal afirmação não seria feita por simples suspeita mas
~ rf'° "'"''''^^^ "^''"^'^^ P^^^aens. Mas esta viagem de TgTLha pô fim a
e av?atd "^adV ^'"^^'^ ''^"^ ' ^^"'^^ dti ór . 'q e Tão
tôt co J CnsTelI Tr^IJ « ^"'^^ tranquilamente, sem possibilidade de ques
ior^fnio po^gués " '"^^^ ' ^'^'"^^^'^ ''''''' ^^^iões ocidentais, induindo-as no
as amarguras de um ingrato esquecimento, merece a iusta consagração das suas virtudes e
(») Ibidem. Cap. 2.0 do primeiro livro. pág. 24
r^í« ^'"«'ria da Asia e da Africa o Nilo, e como põe aí nascenfP^ ^LT ^*9"'"'*o °^ geógrafos antigos, adopia para
div^^L^A^i ^'"^JÍ^^V -f^"'* promontório |da Boa lsSe?an« i t» AfnV^ ""U' to para o sul. prolonga aquela l,nha alé ao
divide de AsIa. e dèste lugar correndo por cima da iPrrf rfirlfS , "^'"^ P=»"« Oceano, e por aqui se
Eilôpios Trogoudilas até vir ter cm Demiala no mar ío EoÍdTÔ ' ^° "'^undo o que o Nilo corre po? meio dos
láboa geral que adianle do dllo quinto capitulo eTtó. (Cao 7 i do 1^;;:; *^<^""'*^ se poderá ver na pintura do inapa-mundl e
(•*) Çsmeraldo de Situ orbis Lisboa looi r^n ■>» ^
Cap. 2.0 do livro primeiro, págs. 23 e 2í). P^meiro muiios anos que esta cosia lòssc sabida nem descoberta (Ibidem
r) Veja-se atrás o Cap. 11, pág. 57.
258
DUARTE PACHECO PE RE I R A - PRECU RSO R DE CABRAL
altos feitos. Mandado a descobrir no terceiro ano do reinado de D. Manuel, lá loi, antes de Cabral,
através do Atlântico, em busca das terras do sul e do ocidente. Medindo a altura do sol pela medeclina
do astrolábio ou pelo fio do quadrante, atento aos rumos da bússola, fazendo correr o par de
compassos pela carta plana de marear, para traçar cuidadosamente a róta do navio, desde o ponto do
continente africano ou da ilha de Cabo Verde em que Iniciou a viagem, assim foi navegando até ao
deslumbramento da aparição da costa procurada. Nesse ano Duarte Pacheco praticou o primeiro acto de
evocação e chamamento à vida da grande nação que Portugal ctIou e a cujo desenvolvimento prestou
lodo o seu disvelo. até que, chegada à sua maioridade, ela proclamou naturalmente a sua independência.
E nesta hora em que a naçSo brasileira conta o primeiro século da sua soberania, volvidos 424 anos
depois que um iam preclaro Lusíada loi enviado em demanda das suas praias, para ela se dirigem,
através do Atlântico, todos os afectos dos corações portugueses, a desejar-lhc séculos futuros de
prosperidade e glória!
259
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
APÊNDICE AO CAPÍTULO IV
Cârti patenie do« Rds Católico*, dada cm Madrid a 7 de maio de M95, a qoal constitui um complemento ao
tratado dc TordctflUs. de 7 de junho de I4M. com íris determin-içôes: primeira, que, ante» da partida das caravelas para a
demarcação do meridiano divisório, se reunam dentro do més dc setembro seguinte, num ponto da fronteira dos seus
reinos e do dc Portusal. os asti^notnoa, pilotos, marinheiro» e mais pessoa» por «les nomeados e pelo rei portugué». para
atsentarem na maneira de estabelecer o meridiano á distância de 370 légua», a qual será aprovada pelos monarcas de Castela
e Porluflal: segunda, que se etperari a descoberta, por alguma das duas Parles contratantes, de ilha ou tem que pareça
situada na linha divisória, e mandando a Parte que tal achar requerer da outra que sc ví proceder à demarcação, assim s«
procederi dentro de dez mtãt», contados da data do requerimento, e no caso de se vcrlMcar que nSo está na linha a região
achada, far-se-hi a declara{So da dislAnda a que dela jaz. e nunca dcixari de fazer-sc declaraçlo semelhante em qualquer
Ilha ou terra encontrada na» suas proximidades; terceira, que, cm tòdas as cartas de marear, desenhada» nos reinos e
senhorio» do« Reis Católicos, se traçará, sob graves pvnas, o meridiano da rcpartIçAo do mar Oceano a 370 léguas da» Ilhas
de Cabo Vente, pira que os súbdito» castelhanos e os portugueses saibam bem por onde poderSo Ir a navegar e descobrir (*■):
■ Don Fernando, e Dona Izabel por la Orada de Dios Rey. c Reyna de Castilla, de Leon. de Aragon, de Secilia.
de Onnada. de Toledo, de Valenda, de Oalisla, de Mallorca, de Ccvllla, de SardeAa, de Cordova, de Córsega, de Murcia, de
iahen. dei Algarbe. de Algesira, de Gibraltar, dc las Islas de Canárias, Conde e Condesa de Barcelona, e Seflores de Vlscaya.
e de Molina. Duque de Alhenas e de Neopalria. Marques de Oristan, e de Qociano. Porquanto en la Capltuladon. e Aslcnlo,
que se hlso entre nos y «1 Sereníssimo Rey de Portugal, c de los Algarbes de Aquende, e de Alende cl Mar en Africa, e
Sefior de Oulnea nueslro muy caro, e muy amado Hermano, sobre la partldon dei Mar Oceano lue ascniado. e Capitulado
entre outras cousas que desde el dia de la fecha de la dicha CapituUcion fasta diez meses prímieros Scgulentes ayan dc ser
en la Isla de la gran Canária (**) Astrólogos, Pilotos, e Marineros, e Personas que nós, y el, acordaremos tantos de \3 una
parte como dc la outra para \t t haser e aenalar la lit^a dc la partldon dcl dicho Mar ha de ser a tredentas e »elenta léguas
dc la» Islas dei Cabo Verde a la parte dcl Ponicnle por Una dereicha dei Poio Artico al Polo Anlartico que es dc Norte ha
Sul en que somos concordados en la partidon dei dicho Mar por la dlcha Capltuladon segundo mas largamente en cila es
convenldo... considerando como la lifla de la dlcha partidon se puede metor haser, e sertificar^or las dichas trezienta», e
setenta légua», e tiendo primeiramente acordado, c asentado por los dichos Astrólogos, Pilotos, e Marineros, e Personas antes
de la yda de las dichas Caravelas la lorma, e ordem que en el demarcar, e senalar de la dlcha lil^a se aya de tener, e asi
por se escusar debates, c difcrcnda» que sobre cilas, e entre Us Personas que asI fuercm poderan acontecer, sl despues de
serem partido» lo quisescn alia de ordenar, e vlendo asy mlsmo que yendo las dlcha» Caravela», e Personas antes de »e
saber ser aliada lila o Terra cn cada una de las dlch.ts partes dei dicho mar a que lucgo ordenadamente ayan de yr nada
porcn se ('°') harta. Portanto para que todo sc mejor pueda haser, con dedaracion. e scHificaclon de anbas la» partes avemo»
por bicn, e por esta prezcnte Carta nos plazc que los dichos Astrólogos. Pilotos, c Marinero» e Persona» en que nós acorda-
remos con el dicho Rey nueslro Hermano tantas dc la huna parte como dc la oira, c que razonablemente para esto puedan
bastar »e ayan de {untar, e junlen en alguna parte de la Frontera dcsios nuestros Reynos e dei dicho Reyno de Portugal los
quales ayan de Consultar, acordar, e tomar asiento dentro de lodo cl mez dc Sciiembre ptlmcro que vemi deste af\o de la
fcicha desta Carta la manera en que la lifia de la partidon dei dicho Mar se ay de haser por dichas trezicnlas e setenta
léguas en rota direicha al Ponlente de las dichas Islas dei Cabo Verde dei Polo Artico al Polo Antartico que es dc Norte
a Sul como en la dicha Capltuladon es contenldo, y aqucllo cn que se concordarcn siendo todos conformes, c lucre
asentado, e Senalado por cllos se aprovará, e confermará por nós, y por el dicho Rey nueslro Hermano por nuestras
Cartas Patentes, y sl antes o despues que fuere tomado cl dicho asiento por los dichos Astrólogos, Pilotos, e Marf>
neros que asi fueren nonbradoi, yendo a cada huna de las partes por la parte dei dicho mar que pucdcn yr segundo
lo contenydo cn la dicha Capltuladon, csguardandosc en ello lo que cn cila se contlene, fuere hallado. e se hallarc Isla
o Terra que parcsca a qualquier dc las partes ser en parte donde se pueda haser la dicha llfla segundo la lorma de la dicha
ft o VUcond* dc SanUr«m Irrmin* o Iftmo I do Quadro tlrmrntar das rtlaríift palllltet t áiplonAtíeei dt Porlugat (Parít, IStt, pJg. 3H)
poi uma r*(*r«i>tta a C«le documinio (pi«{l»mcnlc lndi<ado na nola 763. •KtchÉTO Raal da Tarr« do Tombo. Gav. 10. ma(. S. n, 4<). que dw • ftctU data
(Mn. I<9) Maio II uci*v* Et Kvl O Fernando dt Caticls ao Senhor t(«i D Joio II. lubrc a <lcmar<a(So do* mares dai duu tottnt*. rrata-tr, poiCm. dc uma
Cana pat- ' ' < da d* dala. I át nulo. em vn de 7 Mo tOmo II do mttmo Quadro tUmrnlar iParl». IB42. pégi- J94. J9J) fai um •Rctumo da
Carla pé' io t da Rainha O iMbtI. prortMando o praio drlciminado (»ra a partida da* coravelal*, lenda Indicado a dala eiada da
Cafta (Ali jem da ptg. 391 NCste tciuirio dli'ie que. aniei ar ic Ir pioiedcr & demarcacli>. ie hto d( (eOnIr aiUónomoi e pilotcii de
ambai as laiici num lu^ii <ia Tronlelta da* duas mona(i)uias, dentro do mta de setembro Imediaio. para resoIvrFcm o modo de marcar a linha dlvitúria; e
• o praio doi dei meaca. que devia toniar-s« detde a dala da tonveocSo dc Toideslllai. passara a corMor-ie da data da Carla patenle. tite »e fai referfncla
a» anterior documertlo da Torre do T> <- > ' 'iodo-tc apenas o manutciilo n* tOM) da Blblloleta Real de Paris fnola n' 4%). Ora o praio dos det meiea
pamava a contar-** d«»de a data do r> " J!?" * drmam<*o. leila pela Parte que cixcnItaMe terra no mriidiano dlviiOrio, Ern Algnn docamtntot
40 Arthipo Naclenal da lorrr do Tom IS». pAg Vi. v«m nia indica^Ao -Carla doi leii O. Fernando e D lubcl de Cattela. para que os astrónomo*.
ÇIMoa c p«a*oias incumbidas d» Iratai * linhj d« demarceclo para ai nairga^ars e conquistas daquele reino e do de Portugal, em virtude do tratado d*
OTdMUlML ta leUnam num ;>onlo da rala, r relatando vtilas dclermInacOes a fite respello Madrid. 7 dc maio de KW». Esla incomplcla noticia levou no* a
pa4\t ao dtgríD Director do Arquivo Matior^al cOpli integral do docummto O Senhor Or, flnlOnlo Balio sat>ifei. tom uma prontidJo e solitilude que multo
agradecemos, o nowo pedido, dando nos lambem intormacSo «obre o estado em que actualmenic sc encontro o original a primeira pAglna eitA mullo
deteriorada ma» eililam. apensai ao documenlo. dua» (rtplai, uma leilo em 1T73. e a outra em ÍBIS O teiio que publltomol « o do documento original.
ttttaaXatado per eslas <i>plas noa pontoa em que >- ' ri. Achamos conveniente a publIcafSo na integra deita Carta, pouada com acârdo prtiio de
D. Joa<> 11. como resulta da sua leitura, a qual m <i parte e completa o lialado dr Tordesillas e moilra quanto os Rei* CalAlIcot Inilstiam pela
damartatSo do* domínio* da* duas coroas Quando i u.uri subiu ao trono, ritaia t ■ ' . ■ ■ r, acordo entre os aitiAi<oni<ii c pHotoi das duai naçAe* Sa
da parte da Portugal »t acuanaa a dcMOtwrta de tena na* piOaimldadrs do mnirliam luiijirUm as qiieSlArs relalivas ."i dcmarEaçao. como depolt
•undau na Junta de Badajot. B icapallo di r-Unido do oiau |prrri'ff -lu- (rf.i a- ,, jj t>rrer. em 14*4. d"ia opiniBo que representaria para
hNtugal uma parda de 70 légua*, como atrí^ 'i4g ZM), O m.i por vraqeni de reconhecimento, fe ias ein legitdo-
m Pate<«-noi talUrem a-i .i, talvei- eara- ,ic .iai dkhat caravetai* NSo se pode vciIlKír no ohglnal. que
MM ll*A(val iMste ponto, maa nha tem -i. . . . . nrenlcnte. polt .i, r,, >i ,< luiiicm a* eitlpulacAai do Italado de 7 dc lijnho de I4M. que podem
Mr«l MB Algam docummloi. pAg* 7$. 76.
Ma cApla da 177} utd: M Aprrrut. Conjacluramoa que a* palavraa que citavam no otlgina). « te nlo podem ja Itr. teriam: nada porta
tt, como acima puicmod.
260
DUARTE PACHECO P E R E 1 R A - PRECU RSO R DE CABRAL
apltulidon. « irandândo mjumt U huna parte a U olra. qu* m«iòen •cnalar U Uft. wiodlch. «remo. nòi, y • dlcho
Rcv ruísiro Hermano Obligado, de mandar hawr. e «enalar la dich. Ilha .egundo U orden dei asiento <iu. tum tomate
por lo. Attroloso». PIlolos. e Marinero, e Persona. «uwdicha. que ad hier*n notnbrado. dentro de d^er m«e. primero.
cornados dei dia que qualquier de las parle, rrcquleran a la otra. v en cato que no km en el medlo de '» ^"^ha Ilfta o que
issi se halUre. m haii declaratíon quanlas le^u*. «V dello « l« dich. "Ha a.y de nue.tra parte como dela parte dei dlcho
SerenU.Imo Rey nue«tFO Hermano, no dcxando poren de en qualquer i.U o Terra que ma. f"J**
por el tlempo se hallar, h.«r 1. dIch* declandon e por se ha.er lo que dlcho e. no « de«ra de tener Ia m.ne^ «""dlcha
kallando-te Isla o Terra debao de U dicha lifta como dtcho e. e hasta el dlcho tlempo de lo. dlchos d ea d«P«
que U huna parle requerierem a U otra como dlcho e.. no. plaze por e.la nue.lra Carta prorroflar. . '^Vd« d. la.
Lha. CaraveTa.. . per^ona. .yn enbargo dei termino que cere dello en 1. dich. CapItuUdon ue i;""'»^ • ' ^P;^""*^^' *
bien a.l nos pl«e. e avremo. por blen. para mas notlRcadon. e dedaradon de I. pan.don f '/f ° ^« ^"•/"''^^^
el dicho Rev ívuestro Hermano por U dld-a Capl.uladon e. leldia. e para que nuc.tros «ubdltas e N.tur.1.. '"V*n m«
Informalo por donde de aqui adelan.e ayan de navegar, e de.cobrlr. e a.l los subdl os. e naturale. dd dlcho "JV™
Hennano. de mandar como de fecho mandaremos «. grave. pena. que 7"^^^^^
Reynos. e Senorios .e hiileren de aqui adeUnte to. que obleren de yr por el dlcho Mar Oceano .e^nga U llh. d, U dWu
pí^ldon figurando-^ dei dlcho Polo Artlco al dlcho Pok, Antarllco que e. de Norte a Sul en el onpa. ^aío^
Ltenta léguas de Us dlchas l.las dei Cat» Verde por rota derocha a la parte de Po"'*"";"";° "^^^ ' Mo^TV ' ^^^^
la medld?dclU lo. did.0. Ailroloao.. . Ptlolov e Marinero. a.1 .e i""'"'" «''"f "^^^^
otorgamo. que est. pre«nte arta. y lo en elli contenido no periudique en com aljura de U»
asi laser solamenie para que lo» dlchos Astrólogo., e persona» se """^".^^^^ . jT i, «da de U. dlchas
de plomo pendlente en filos de seda a colore, daaa en la nuesira vu« Revna.
seu mandado».
Regtstàd^.- Arquivo Njctonil da Tórrf do Tombo. Qéveté 10. Miço S. Numrro 4.
261
«
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO 3RAS1L
índice
INTRODUÇÃO
(PAOS. I A CXXXI)
POR
C MALHEIRO DIAS
a) A$ prioridãdes portuguesês no conhecimento dês terrãs
oddentãit e na cancepfJo da conhnenlalfdade da
América.
b) Quadro dos indícios e provas do conhecimento pre-
•Colombino das terras ocidentais, a datar do início
das explorJç^^es portuguesas do Atlintico. e da priori-
dade portuguesa na concepção do continente americano.
Apêndice á Inttoduçao.
SUMÁRIO
NadonalUmo português
Caracter oficial d03 descobflmentos portu-
gueses
Análise critica da Intencionalidade do de»-
cobrimento do Dra&ll
Reprodução e verslo paleogritlca das notat
do seaetário de Estado Alcáçova Car-
neiro, ouvindo o parecer de Vasco da
Gama, sôbre a róta da armada de Cabral
Suposta passagem de Vasco da Oama nas
proximidades da costa brasileira em 1497
A Intencionalidade do descobrimento do
Drasll Indicaçio de um conhecimento
anterior das terras austrais ....
Quadro dos depoimentos históricos denun-
ciadores do conhecimento, anterior a
1500. das terras da América Austral . -
Carta de Estevão fróis a D. Manuel I:
fac-simile. acompanhado da leitura literal
c versSo em linguagem moderna . . .
Significação da viagem de Duarte Pacheco
segundo o historiador brasileiro ^oio
Ribeiro
Intreprelaçio do tratado de Tordeslllas. .
A concepção cosmográlica de Colombo ex-
dufa a exislénda da América ....
Revelação da concepção portuguesa do novo
continente .
A Inllucnda de Toscanelit na viagem de
Colombo
O descobrimento das Caniriai pekw portu-
gueses no século XIV . . • • • ■
Cafta de Alonso IV de Portugal ao Papa
Clemente VI. fac simílc e tradução do
Registro do Vaticano ■ ■ ' '
Contiedmento pre-colombino da AntOla. .
A corrcspondíncU de Toscanclll com o
cónego Fcmao Martins de Roriz . . -
Versões espanhoU e italiana da carta d«
ToscanelU ao cAnego Fpm.lo Martins de
Roriz . . ■ ■
pAqs.
V
VII
XI
PAM.
Cronologia colombina, deduzida das Invet-
tlgaçlks dos mais recentes historiadores LXXXIII
Versdes espanhola e italiana da X* suposta
carta de ToscanelU a Colombo - . . LXXXVIII
Texto latino da carta de Toscanelll ao cónego
Fcmio Martins de Roriz LXXXIX a KQIl
Preparaçlo portugncM do empreendimento
de Colombo XCVI
A revelação do pilòto da Madeira ... CU
O proiecto de Toscanelll rennvado por Mo-
netário CVIaCXIII
A politica de sigilo, aplicada por D. ]oio II
e D. Manuel ao« descobrimentos do
oddente CXIII
A presença de Vespúdo nas anradas por-
tuguesas de 1501 e 1903 CXVH
Prioridades portuguesas no conhedmento,
descobrimento e etoloracSo da América
austral ... OQMl
CAPITULO I
(PAoS. I A »}
A ÉRA MANUELINA
POR
JÚLIO DANTAS
XVI a XIX
XX
XXIII
XXVII a XXIX
XXni a XLVl
XLVII a XLIX
L
Lin
LV
LX
LXIII
LXVaLXVII
LXVIII
LXX
LXXVIII a LXXX
Po««U0al na Renascença: a revoludo geográflca t o
comérdo do Oriente *
Lisboa, metrópole comerdal do mundo <
A rua nova doe Mercador** vlsts pelos cardeal* a paloi
embaiiadores *
Usboa ddade da prata: a opul£nda manuclUia . 6
O paço da Ribeira e a côrte de D. Manuel .... í
Músicos de Usboa no século XVI '
Portugal polénda mllltsr e naval: as armadas, oi arae-
nals. a artilharia •
As embaixadas de D. Manuel •
A sala dot Veados e a nobresa manuelina .... lO
O povo no ddo épico dos descobrimentos . . - . II
A arguitclura e as navegações. O templo de Santa Marta
de Belém "
A ourivesaria manuelina e a blbUa dos Jerónimoa . - l«
As Igreias e o» mosteiro» ... ... 14
Os castelos de Cortugal
A pintura portuguesa no século XVI: 08 «primitivos»
manuelinos ... '*
A pintura em tábua . . ... !•
A Iluminura ■
O teatro na recâmara de D. Manuel: Qil Vicente . . a
As belas letra» na guarda -roupa de D. Manuel ... 23
Os criadores de sdénda *•
Sibhis portugueses enchem as universidade* estrangeiras
Os pedagogos: os humanistas
O* reitores portugueses da universidade de Parti . . »
A imprensa em Portugal nos séculos XV e XVI; lodúl-
iria do livro *
263
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
índice
CAPÍTULO II
A ARTE DE NAVEGAR DOS PORTUGUESES
PEIO
PROF. LUCIANO PEREIRA DA SILVA
pAqs.
1 — 0 conceito do Inlinte Nivelador 29
2—0 MirolAblo «lírico M
3 — 0 «itroliblo plknlslénco 36
4 — 0 astroliblo náutico 40
5-0 quadrante 43
6 - A balMlilha 47
7 - Realmenio da etirila do norte .... 49
9 -- Reslmento da altura do pólo ao Rido-dli ... 55
9 -Tábuas do BOl 59
O «Alminich Perpetuum» de Zacuto 60
A» tábuas do Regimento át Úvor» ...... 60
As libuM da primeira viagem dc Vasco da Oama 61
A lábua do RêgimenXo de Munich 62
As tábuas de Pedro Nunes 64
Cosmósralos ds D, ]oáo II 65
A tuposla ]unta dos Matemáticos dc D. Joio II 66
Valor atribuído a prcces&áo dott equinócios .... 66
10 Resimento do Cruzeiro do Sui 68
11 — Toleti de Martelolo, regimento das l<^uas . . 72
12- Variacáo da agulha 77
13 Regimento da altura do pólo a qualquer hora do dia 93
14 Altura dc lésle oésie 65
15 A taiti de marcar ■ ... .90
16 Marés 95
17 - O saber náutico portuçuts na epopeia nacional 100
CAPÍTULO III
(pAos is? a ns)
OS FALSOS PRECURSORES
DE Alvares cadral
PELO
PROF. DUARTE LEITE
PAos.
O Maraflon |^
Oviedo. Gomara. Las Casas e Herrera |65
, A nomenclatura de Pinzon e o PlanlsKrio de 7uin de
I to Com 167
Os mapa» de Cantino e da Biblioteca Oliveriana. a Carta
de Mártir e os portulanos de Egerton ... 175
As viagens Ignoradas de Pinzon iso
III- Diego de Lepe .... I86
Os diplomas coniiecidos . . 197
O brasáo dos Pinzonet. ... 1^9
tOiego de Lepe morreria na forca? I90
A supcsta primeira viagem de Diego de Lepe I9l
A descoberta do Amazonas ..... 194
IV - Alonso Velez de Mendoza 195
Os diplomas oficiais 196
O depoimento dc Serrano e aa Probamas 197
V- Conclusões ... I9a
Apêndice A - Segunda navegaçáo de Vespúdo - 201
Apêndice B - Probanzas dei Fiscal y dei Almirante . . 203
Apêndice C -Viagens dc NlHo com Oucrra, de Hojeda
e de Bastidas com La Co»a .... ... 216
Apêndice D «... 218
Apêndice E Extractos dc cronistas espanliOis relativos
A primeira viagem de Vicente Vaftez Pinzon: Gonzalo
Fernandes dc Oviedo 219
Francisco Lopez de Qomára 220
Fr. Dartolomê de las Casas 221
António de Herrera 223
Apêndice F — Extractos de cronistas uspantióis relativos
á primeira viagem de Diego de Lepe: Fr. Darloiomií
de las Casas e António Herrera 224
Apêndice O - El Parecer de Juan Rodrigues Serrano . 224
Apêndice H Instruções dadas a Lopc Hurtado dc Men-
donça, fidalgo da casa do rei de Espantia e seu
embaixador em Lisboa, com fãc-simile 225
CAPdULO IV
(PAos. 211 A Ml)
DUARTE PACHECO PEREIRA
PRECURSOR DE CADRAL
PELO
PROF. LUCIANO PEREIRA DA SILVA
I — Alonso de Hojeda 109
A viagem dc Hoteda em 1499. ... III
A tesunda nave^jcao de Vespúclo 114
O napa-mundi dc )uan de la Cosa . . 120
II — Vicente Vanez Pinzon 126
Os diplomas oficiais ... 127
As três narrativas de Pedro Mártir . 129
A vlaoem de Pinzon em 1499.1500 . . 131
Pinzon cm 1500 nio atravessou a equinocial ... 141
Pinzon em 1500 nSo tocou no Cabo de S. Agoillnho . 147
Pinzon em 1500 náo avistou o Amazonas |S3
264
Duarte Pacheco Pereira — precursor de Cabral ... 231
Duarte Paciieco na Guiné 232
O tratado dc Tordesillas 233
Duarte Pacheco e a grandeza do grau terrestre . . 235
A iunla dc Badajoz 239
A expediçSo de 1498 241
Pacheco em Cochim .... aiT
O Esmeraldo 249
Conclusão 256
Apêndice ao Cap. IV. Carta paienie dos Reis Católicos.
de 7 de maio dc 1495 260
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
índice das gravuras do volume I
Extrã -texto - O descobrimemo (1498-1521)
Entra, texto À Njçio BrA>llelra no pri-
meiro Centenário da Indcpcnrfíncij
Qrillco demonsiraiivo da relações de pro-
porçlo entre as ireas lerrltoriait dc
Ponugal e do Brull
N«u do século XV
A Imagem do mundo do Cardeal Pierre d"Alllv
Cxtra-rexto - Piintl do Inlanie, Políptico
de Nuno Qonçalves. (Síoilo XV) . .
Rosto do Trilado dã Sphera composto p«lo
malemòtico Pedro Nunes. Edílio qui-
nhentista
Extra-texio - Painel dos pescadores e dos
cavaleiros. Políptico de Nuno Goncalves.
(Século Xl')
Quilhermc Tomás Raynal. Retrato di ediçlo
de I7SS (Macstrlck) da Misfoire philoso-
phique et politique des établissements et
du commerce lírt i'iira'^ft'ns dans les
deux Indes ■ ...
EsM^o de uma pane do AtUntico, abran-
gendo a costa oddentat da Africa e o
litoral do Brasil. Indicando Porto Seguro
Fac-slmile, segundo Vjmhagen, da primeira
tâllu do rascunho ou borrlo das notas
tomadas pelo secretário de Estado, Al-
cácova Carneiro, ouvindo o parecer de
Vasco da Gama sòbrc a 2.' viagem à índia
e*rra -fejfrt — Painel do Arcebispo. Políptico
de Nuno Gonçalves. (Século XV)
O itinerário de Vasco da Gama na primeira
viagem à índia, segundo Raventtein
Exlra-lexlo - Os itinerários de Vasco da
Gama (l«7) e de Pedro Alvares Cabral
(IMO) de Lisboa à índia. Mapa de Lafi-
tau nis Découverles et Conquestes des
Portugais dais le Nouveau Monde —
ExlTa'texto~?a\nt\ dos Frades e da Re-
Itquia. Políptico de Nuno Gonçalves
(Século XV)
Fac-simtie da última lôlha do Tratado de
TordesilUs, com a» firmas dc Fernando
de Araglo e Isabel de Casteb ■ . ■
Fragmento da carta de Andréa Bianco, de
1448, onde (Igura a isola ottnticha apro-
ximadamente na slluaçSo da extremidade
mais oriental da costa do Brasil . . •
Facsitnile da carta de Eslevto Fioi» a
O. Manuel (1514)
Apontamento cartográfico de Bartolomeu
Colombo do» litorais descobertos na *.•
viagem dc Crisfóvlo Colombo. .
A América austral da cana de Camino (tS02)
Extra -texto -f^ América da Uria dc a-
nério iiw^?)- Extra-texto-fií Terra Nova
na cana atribuída a Pedro Reinei
Carta oriental da Terra Nova, de Pedro
Reinei (1505) . ■
PAOS.
1 Reconsfruçáo de Kreischmcr da caria de
Toscanclll (1474)
I Fragmento da carta de Andréa Blanco (1436)
indicando a Antllla e a Ilha do Brasil .
I Fac-simite do registo da missiva de
III D. Afonso IV ao Papa Clemente VI
VII (1345), no livro lU do arquivo do Va-
VIII llcano
fjrrra-zexro- Carta de Oracwto Benincaaa
VIIMX (14S2)^ registando a Aniilla
Extra-texto Cana dc Dartolomeu Parelo
(1455), registando a Antllla
IX Frontlspido da edIfSo quinhentista portu-
guesa das viagens de Marco Polo
As regiões navegadas pelos irmAos Zeno,
X-XI s«gundo Roscam (1561)
Extr,i-texto Paolo dei Pozzo Totcandli.
Retrato de Georgio Vasarí no paládo
Vecchio
Reconstruçlo dc Uzkili da cana de Tosca -
XII nelH (1474)
Extra-texto O Infante O. Henrique por
Nuno Goncalves (Século Xl^) Cópia de
XiV Roque Gameiro ....
Reconstrução de O. Pcachcl. da carta de
Toscinelli (1474)
Reconstrução de H. Wagner, da carta de
Toscanelll (1474)
XVI a XVIII Fac stmile do texto da missiva de Toscanelll
(1474) ao cónego Femâo Martins de
XX - XXI Rorii, copiada ou recomposta pelo punho
de CrisIõvSo Colombo ou de seu IrmAo
KXl Bartolomeu numa das guardas do exem-
plar da HIstona rerum ubique gestarum.
de <^neas Sllvlus. Edlçlo de 1477. da
Colombina . .
Texto lateral, verbatim et liberatim. da mis-
siva de Toscanelll, segundo a versão
manuscrita do exemplar da Histona re-
rum ubique gestarum, da Colombina.
XXIV -XXV (Reproduzido da Biblioteca Americana
Verus/iistma ) - ...
Texto da missiva de Toscanelll com as abre-
XXX vialurat reconstituídas in-extenso pelo
tllólogo Norbert Sumien. (Reproduzido
da obra dc fi. Vignaud • íoscanelli and
Columbus *).
XXX1I Exemplos fac-simllares demontlratlvof da
contuklo a que podem praslar-se ai
XXXIV a XLIV abreviaturas de Fernio, Eateváo e Mar-
tfns na escrita do século XV - -
Cristóvlo Cclombo segundo o retrato do
LIV Museu Naval de Madrid, atribuído a
LVI António dei Rincon . . ....
Lisboa no século XVI, segundo uma gravura
alemá quinhentista
LVi-LVIl ExIra-tfxto-ParXt sueste da Terra Nova
no Altas português da Biblioiéca Rlcar-
LVII dlana de Flormça
Mo».
LXI
LXIV
LXV e LXVI
LXVIll-LXtX
LXX-LXXI
LXXII
LXXVl
LXXVIII-LXXiX
LXXXI
LXXXIILXXXIII
LXXXVI
LX XXVII
XC
XCI-XCI1
XCIII
XCIV
XCVI
XCVIII
C-CI
26S
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
índice das gravuras do volume 1
rAof.
Oririco d«« qiutro viagem de Colombo CIV
A caravela de Colombo segundo uma gra-
vura em madeira da ediçio prlnctps {U9J>
da cana de Colombo a Rafael Sanchez . CV
A carta do Dr Moneiirio. reprodução tac-
•tlmlUr do rrW4tfo (ía S^A^ra . . . CVII, CVIII eClX
Elemento! da construção do Olobo de
Dehaim na parte referente ao AilAnlIco
eolre os lllorals oddentaU da Europa e
da Africa e ab Ilhas e litorais da Asia . CX//-CX///
Anérlco Wspúcio. gravura do Llogio d' Amé-
rico Vtspucd, de Sianisláo Canovai . . CXVIII
Reproduçlo lac-similar da página da Cosmo-
grãphix Introductio (IM>7), em Que é
proposto o nome de Américé para O
Novo Mundo . CXX
O mapa-mundo de Ruych (l&Ot), em pro-
leçio cónica CXXIIl
Exttt-teKlo Planlsférlo registando as gran-
des viagens maiiiimat dos portugueses
nos sículo» XV. XV\. e XVW . - CXXXfl CXXXllI
EKttã texto DrasSo de O. Manuel ■ 2-3
Extrê-texto A Rua Nova dos Mercadores. Recons-
titútclo de Roque Gameiro sãbre o Líi/ro de Morss
de D. Manuel 4-&
Extrê-lexto- Pi Rua Nova dos Mercadores. Iluminura
do Livro de Moras d« D. Manuel 4-5
Mercadores da Lisboa manuelina. (Desenho de Roqui
Gameiro) 5
Mulheres do povo na <poca manuelina. (Desenho de
Roque Gameiro) 6
Homens do povo na época manuelina. (Desenho de
Roque Oamelro) 7
Estátua orante de D. Manuel no pórtico axial do«
lerónimos. (Desenho de Roque Gameiro) ... 8
Estandarte de D Manuel no cortejo triunfal do im-
perador Maxlmiliano . .... io
Extra-lexto A nave central da igreja doi Jerónimos.
(Desenho de Roque Gameiro) lo
Tipos da nobresa portuguesa da época manuelina
(Desenho de Roque Gameiro) ii
Pórtico axial dos Jerónimos (Desenho de Roque
Gameiro) ... 12
Exrrã-lexto - A custódia manuelina dos Jerónimos . 12-13
f*íra-/«/o-T6rre de Santa Maria de Belém
(aguarela de Roque Gameiro) u.is
Convento de Cristo, em Tomar. (Desenho de Roque
Gameiro) U
Igrelâ da Graça, em Évora. (Desenho de Roque Oa-
melro)
Exttã-ttxto Nossa Senhora das Neve». Painel de
Jorge Afonso. Século XW i^.n
Página do incunibulo Vilã Chritíi, impresso em
Lisboa por Nicolau da Saxónia e Valentim de
Morávia, no ano de 149b U
fjfíra-/«/o-AdoraçJo dos Magos. Painel de Cristó-
vJo de Figueiredo Século XW |g.|9
PígíM do Brtvtàno Bracarense, imprv&so em Braga
por Joio Gheriine. no ano de M94 19
266
Página da História do Imperalor Vnpaaiano. im-
pressa em Lisboa por Valentim de Morávia, no
ano de 1496
Extra-texto A deposiclo no Túmulo. Painel de Cris-
tóvão de f^igueiredo. Século XVI
Página dos Evangelhos e Epistolas. Impressos no
texto por Rodrigo Alvares, no ano dc 1497 . .
Lisboa no tempo dc D. Manuel Gravura panorâmica
exiraida da CivUales Orbis Terrarum. de Qeorqius
Braun e Franciscus Hohenbcrgius (1572)
Damlio de Gois, por A. Dúrer
Extra-texto A Rua Nova dos Mercadores ~ Ilumi-
nura do Livro de liaras de D, Mânuel ....
Extra-texto D. Manuel 1 (Composição de Roque
Gameiro inspirada na iconografia manuelina) .
Extra-texto Astrolábio esférico (Século XIII) , .
Extra-texto Astrolábio plamsfénco do rei Alonso,
o Sábio (Século Xill)
Pesagem do sol no astrolábio. Cópia do Regimiento
de navegacion dc Pedro de Médina
Astrolábio suspenso da cabrilha Modélo escolar
construído no InstHiito Superior Técnico de Lis-
boa
O quadrante dos Libros dei saber de astronomia
Figura de Ptolomeu com um qujdrante na mio. re-
produzida do mapa-mundi de Waldseemíiiler
Observação da Polar tom a balestilha , . .
Figurj reproduzida do Regimento de Évora
Figura reproduzida do Regimento de Munich . . .
Página do Almanach perpeluum de Zacuto. com a
Tabula declinationis planetarum et solis ab equi-
notiali. rcprodusida do exemplar existente na Dl-
bhoieca Nacional de Lisboa
Tolela de Marlcloio, do mapa dc Andrea Blanco . .
Extra-texto Nau portuguesa do fim do século KV.
Rcconstilúiçao sôbre documentos coévos . . .
BrasJo de D- ]o3o de Castro
Canlo nordeste do mapa de Toacanelll. segundo a
reconstrução de H. Wagner
Figura reproduzida do Tratado de P Nunes . . .
Extra-texto Modelo da Maquina do Mundo que se
conserva na Biblioteca do Convento do Escoriai.
Espanha
Extra-texto Dra&So de Camões
Segunda Navegação de Vespúdo. Extracto lac-slmilar
da I • ediçào da Letiera Florença. 1505-1506 . .
Extra-texto - As Antilhas e o litoral da América no
planisfério manuscrito de Juan de La Cosa (ISOOX
existente no Museu Naval de Madrid. Reprodu-
zido da litografia colorida de Canovas l/alleio y
Tralnor
Extra-texto - O Arquipélago de Santiago, o litoral da
África e a ilha descoberta por Portugal. Fra-
gmento do planisfério de Juan de La Cosa . .
Extra-texto - Carta dos ventos dominantes na região
equatorial do Atlântico nos meses de Janeiro a
Março. N.o 2925 do Almiraatado Britânico . . .
Reprodução fãc-similar do tX livro da I.' Década de
Pedro Mártir d Anghiera edição de 1511 . .
eAas.
30
20-21
21
22-23
24
24-25
24-25
34
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93
10
103
115
130-121
130131
132-133
134-13»
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
índice das gravuras do volume I
PAúS.
A derniã Pinion em isoo a partir 4a Itht de
Santiago 1^
Carta das coriíntti maritimai da rtgtio equaionat
do Atlântico no mH dt ;*n//ro, N.o 2951 do Al-
miranudo Britânico 144
Extra -texto A A méríca no planis/éno de Canlino{tW2) 1 Ti ■ 1 75
Mapa da / • ediçio de ISn das Décadas de Pedro
Mártir d'Anghiera 177
Extra-texlo - Portulanoi de Egerlon (dndc Honduns
ao Brasil). N.» 2803 178-179
Extra-texto-Mapa-mundi do Atlas de portulanos
de ãgerton. N.o 2S03 178-179
Cxtra-texto — Caria do nordeste áa Amenca Meridio-
Ml desde Pária at^ o Essequibo |79
Caravela portuguesa do secul9 W (Kecontttluiçlo
segundo documeittot coévos) iso
PAOS
Pac-simi/e d«s InstnicAe* tfadit a Lopc Hurtado de
Mendonça . 226
Escudo dos Pachccot. jsa
Pigma do Cap. 2.» do l,« livro do Esmeraldo . . M)
fvrra-frWo — Carta de nurear reproduzida do Regi-
mienlo de navigacion de Pedro de Medina . . 244
Extra -texto - Brasão de armas concedido pelo rei
de Cochim a Duarte Pacheco 249
InscTiçSo reproduzida da Carla marina de WaMsee-
múller 250
Figura comemorativa da chegada dos portugueses A Ín-
dia, reproduzida da Carta marina de WaldtcemOller 2bl
CoiDposicAo do nome Esmeraldus, como anagrama
de Eduardus e Emmanuel 253
Fac-simtie da Prlmeli^ página do Esmeraldc 254
Extra-texto - Retrato de Duarte Pacheco 257
ERRATAS E COMENTÁRIOS
Pig. I (linhas 18 e 19) oftde »e \t: <o descobrimento, reco-
nhecimento e exploração da costa oriental da Amé-
rica Austral, até multo além do Rio da Praia, pelas
armadas que navegaram para sudoeste, enire 1498
« 1504», deverá lèr-se: o descobrimento, recontit'
cimento eexplorãçáo da costa oriental da América
Austral, al^ jo Rio da Prata, pelas armadas que
navegaram para sudoeste, entre 1493 e 1514;
N. B. Os anos de ISOl a 1504 fUam na corres-
pondência de Vespúcio o descobrimento de terras
para além do Rio da Prata. As referi^ndas da
Leltera e do Mundus Novvs sJo, porém. ISo
vagas e suspeitas, que nlo se nos afigura possh
vel sustentar as reivindicações baseadas nas (onles
aludidas. C mais prudente admitir que a latitude
do estuário do Prata loi pela primeira vez atin-
gida em 1514, por uma armada presumivelmente
dirigida por João de Lisboa, o grande pilãto. £ste
problema será amplamente debatido no 11 volume
desta obra, nos capítulos dedicados ás expcdlç&es
de 1501 e 1503, narradas por Vespúcio. c á expe-
dlçSo de 1514, revelada pela narrativa da Neuten
Zeitung aus Presilig Lanât.
Pig. V (linha I) onde se \i. «No estado actual da profusa
civiliração humana parece impossível atribuir»...
deverá lér-s«: No estado actual da profusa civi-
lixaçio humana parece difícil atribuir
Pág. VI (linha 22] onde se lé: 'Hísiory ol Brasil*, deverá
l*r-se: Historv of Brazil.
Píg. XIV (linha 27) onde se I*: «P«ro Escobar», deverá lêr-l*:
Pero Escolar.
Pág, XIV (na legenda do mapa) onde se l(: 'Esbòco de uma
pane do AiUntico. mostrando a costa ocidental
de Alrtca e a ocidental do Brasil, Indicando pôrto
SrcgurO'. dcveri lèr-se: Esbo(o de uma pane do
AUintico. mostrando a costa ocidental de África
e a costa do Brasil, indicando Pôrto Seguro.
Pig. XV (linhas I a 4) onde «* I*: «No maço I.» de Lds, sem
data. iLO 21, do Arquivo da TÔrre do Tombo
existe, sim. unf fragmento de instruções, maa
começam tra parte referente a Angediva. Sc o
excerto publicado por Vamhagen era aulénilco
constituiria a parte anterior do manuscrito incom-
pleto da Tõrrc do Tombo >? deverá lér-se: No
maço /.« de Leis, sem data, nfi 21, do Arquivo
da TÓrre do Tombo, existe o rascunho ou cdpis
das instruções politicas dadas a Cabral e que
começam na parte referente a Angediva. O ex-
certo publicado por Varnhagen reconheceu-se não
passar das notas tomadas pelo secretário de Es-
tado. Alcáçova Carneiro, ouvindo o parecer de
Vasco da Qama como perito experimentado na
viagem.
N. O. O exame mais atento do documento da
Tõrre do Tombo, considerado geralmente como
um fragmento, mosira pela Invocaçáo habitual do
Inicio. 7ejus. que constitui um lodo indepen-
dente, sem relaçlo com as Instruções própria-
mente náuticas.
Pág. XX (linha 10) onde se l#: «S- Vicente», deverá I4r-se:
S. Thiago
Pág. XX/ (na legenda do mapa) onde se lè: *]oumal of lhe
llrsl voyage o( Vasco da Qama 1417-9*. dtvcrá
lér-se: Journal of lhe fírst voyage of Vasco d*
Gjma 1497-99.
Pág. XXIV (Unha I) onde se I*: .visivelmenie entrevista, de-
verá lér-se: logicamente entrevista.
Pág. XXIV (tinha 14) onde se \í: «carta de Pedro Alvares ao
soberano», deverá lér-se: carta de Pedro Álvarm
escrita ao soberano.
Pág. XXW (linha 5 da nota 15) onde se lé: «baptizada de
Cabo de Santa Maria de U Consolación ou no
- Cabo de Santo Agostinho, segundo Caplslrano,
deverá lér>se: (baptizada de Cabo de Santa Mêriã
de la Consolación) ou no Cabo de Santo Agos-
tinho, segundo Capisirano.
267
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
Píg. XXI// (linha fr dj nola n) onde se lí: -(pOTla de Jare-
coari*. deverá l*r-*e: fpontt de Urérscoàra).
P4a- XXW/ (Unha 18) onde m lê: «Pap* Alexandre IV>. de-
verl l*r-»e: PapM Aletandre VI.
P*g. XXVn (linha 32) onde •* I*: 'llnhai'. deverí lér se:
ilhas.
Pig. XXVin (linha» 12 e 13) onde se I*: *na demarcação de
Tordesilhas, que abranflia o Brasil. - onde aierrára
Cabral, a caminho-, deverá l*r-»e; da demarca-
ção de Tordesilhas, que abrangia o Brasil -onde
aterrira Cattrjl quando a caminho.
Pia- Cnh* *2) onde se i*: «que Las Casas responde»,
deverá tfr-sc: que Las Caus atade.
Pig. XXX/ (linhas 6 p 7) onde se ít «Incluía, nio só o litoral
do Drasil. cujos gnndiosos llmlles. de Norte a
Sul, foram traçados por tese meridiano, como
tamMm vastas regl&es do hemisfério norte», de.
verá Ifir-M: inclui o tíloral do Brasil, cujos gran-
diosos limites, de Norte a Sul, foram traçados
por èsse meridiano.
Pis- XXX/ (Unha 16) onde se \«: •» de ]ulho de 1S00>. de-
verá l«r-sc: 29 de Julho de ISOI.
N. B. A versão espanhola da carta de D. Ma>
nuel, conhecida através de Navarrete, icm a data
de 29 de Julho de ISOI. Na cópia coeva do texto
original português da mesma carta, existente no
arquivo de Venera, aparece a data de 2fl de
Agosto de iMl. HarrIsse tentou explicar a dís-
cordincia aventando que 28 de Agosto é a data
em que se extraiu a cópia. Supomos que a 29 de
Julho ainda nSo leha regressado a Lisboa a
naveta, mandada a Solala sob o comando de
Sancho de Tovar Incllnamo-nos. assim, a crit
que a data verídica é a da cópia do arquivo de
Veneza c que o érro se introduziu na veralo
espanhola.
Pig. XXX/ (na nola 40) onde se lé: «Essa demarcação era
ainda o assunto, vinte e quatro anos depois do
congresso cosmognilico de Badajoz e Elvas»,
deverá lír-se; Essa demarcação era ainda o as-
sunto do Congresso eosmogrifico de Badafoi e
Elvas, vinto e quatro anos depois.
PÍq. XXXII, a legenda do mapa deverá ser substituída pela
seguinte: Fragmento do mapa de Bianco, de t44S,
onde figura a *isola otinticha*. aproximadamente
na situaçio da extremidade mais oriental dã
costa do Brasil. Vide nota 37 da pàg. XXXI.
Píg. XLVI (linha 17) onde se lí: -com certos negros lurta>
dos», deverá l*r.se; com certos negros que leuav»
furtados.
Pás- XLVtI {tinia 12) onde se M: •Toscanelli and Colom-
bres», deverá l*r-se: Toscanelli and Columbus.
Pifl. U (Unha 7) onde se Ifr: •centum lenels versus ocd-
dentem». deverá lènsc: centum leucis versus ocd-
dentem.
Pis- II (Unha 16) onde se \t. «Alexandre IV*, deveri lér-se:
Alexandre VI.
Pis- LI (linha 28) N. B. Não deve ocultar-se que. logo depois
do regresso da expcdlçlo de Colombo. D. Joio II
mandou aparelhar uma esquadra sob o comando
de D. Francisco de Almeida, que deveria Ir reco-
266
nhecer a situação das terras de onde regressava
tam ufano o aventureiro genovês. Porím. 09 In-
tentos de D. )o3o II- que em Vaie do Paraíso
leve Colombo à sua mercê,— eram dlclados pelos
deveres de monarca, e náo inspirados pelos sór-
didos turores da inveja e do despeito, como se
comprai a imaginar a fantasia romanesca de al-
guns historiadores.
Pelo Tratado de Medina dei Campo (30 de Outu-
bro de 1431) e mais especificadamente pelo Tra-
tado de Alcáçovas (4 de Setembro de 1479) con-
nnnado por Xlslo IV, era reconhecido pertencer
in solidum a Portugal o senhorio da Quiné com
todos os mares, tlhas e litorais descobertos e a
descobrir até à fndia.
D. loáo II encarou a hipótese de ficarem as ter-
ra» de onde voltava Colombo dentro da área vaga
e Imensa que os Tratados atribuíam à Coróa com
o beneplácito pontifício. Barros exara a suspeita
na Década primeira da Asia (Livro III, Cap. Xl|:
... rrWo verdadeiramente que esta terra des-
cuberta lhe pertencia, e assi lho davMo a enten-
der as pessoas do seu Conselho, principalmente
aquellas que rr.io otfkiaes d'este mister da Qeo-
graphia, por a pouca distancia que avia das ilhas
terceiras a estas que descobrira Colom.
Ruy de Pina (Cap. LXVl) transmiliu-nos. embora
de modo sudnlo, como as cousas então se pas-
saram: . . •períeginndo El Rey fm sua memoria
désle cuidado e teendo sobr'isso primeiro conse-
lho junto com Aldeã Oavínho se toy a Torres
Vedras, onde depois de Paschoa teve sobre o
caso outros conselhos, em que toy detrimtnado
que armasse contra aquellas partes como logo
armou e grossamente; e da Armada fez Capitam
Moor Dom Francisco d'Almeida, que sendo já
prestes, chegou a El Rey hu chamado Ferreira,
Messegeiro dos Reys de Castelfa que por serem
certeficados do fundamento da dieta Armada, que
era contra outra sua, que logo avia de tornar»
lhe requereo que nella sobreslevesse atee se ver
por dereito, em cujos mares e conquistas, o dicto
descobrimento cabia. Pero o qual enviasse a elles
seus embaixadores e Procuradores com todalas
cousas que fezessem por seu titolo, e justiça,
segundo a qual elles se justificariam, desistindo
ou se concordando como raram, e dereito lhes
parecesse. Polo qual El Rey desistia do enviar
da dieta armada, e sob'nsso ordenou logo por
seus Embaixadores e Procuradores ao Doctor
Pero Diaz e Ruy de Pyna ...»
Estas informações, acrescidas da narrativa feita
pelo mesmo cronista e embaixador da entrevista
do rei com Cristóvão Colombo cm Vale do Pa-
raíso, adma do mosteiro de Santa Marta das
Virtudes, consentem-nos a visão de conjurto dos
aconlecimontos. Colombo arnbou ao Restêlo no
dia 6 de Março de 1493. Logo avisado, D. Joio II
mandou-o Ir i sua presença, mostrando-lhe sen-
timento *por creer que o dicto descobrimento era
leito dentro dos mares e termos do seu Senhorio
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
dt Ouinef* « rrivindlcando logo. com a fftçlo d«
cnergta que lhe cn prúpría. o& scut direitos is
terras de onde íle vinha. Ao que parece depreen-
dcr-se dos teitos, Coloinbo CKcedeu-se na enlate
com que enilteceu a sua lasanha. Eua lalla de
continência, que lhe era peculiar, haveria de ser
uma d>s cauMt da sua desventura posterior.
Ccno é que a atitude do gcnovva Irritou a còrte
C que logo houve quem sugerisse ao rei que te
matasse o navrgador a tlm de, sumirlamenie, se
resolver o pleito com Castela s6bre as novas
terras. Ésie atan dos iulicos em eliminar Colombo
foi mal recebido por D. lofto II. que * nom
soomentf o defendeo, mês antes Ihf tet honrã e
muita mereee e eÓ eila o despedia*.
O que p6de deduzir-ie desta alllude é a dupla ,
convtc^o do rei de que os navios de Colombo
nlo haviam atingido a fndia, e que regressavam |
daquelas mal conhecidas Ilhas do Ocidente, parm <
além dos Açôres, que tantas veies, desde o rei- I
nado de seu pai. haviam sido motivo de doações
aos que te propunham ir descobri-las.
D. ]o3o II só reage, so aparelha uma esquadra,
só intervém qu«ndo o Papa espanhol, pelo Breve
de 3 de Maio. atribuiu à Espanha tòdas as ilhat ,
e terra llrme. descobertas c por descobrir, nas I
partes oddcntals do Atl&ntico-
Páj. Ull (Unhas 2a e seguintes) O critério com que encara-
mos o descobrimento Colombino n2o tem, sequer, <
o mérito da originalidade. ]i na terceira década
do século passado. Humboldt o enunciava com
incRcedlvel clareia, antecipindo-se aos htttorli-
dores nossos contemporâneos, que acabaram de
desacreditiir j8 especulações retóricas a que ser-
viam dc tema Colombo e a sua obra. •// tst mort
(Colombo) saní avoir connu ee qu'il avait atteini,
dans la ferme persuasion que la còle de Veragua
faisait partie du Calhai et de ta province da
Mango, que ta grande He de Cuí>j élail une trrrt
ferme du commencement des Indes, et que de li
on pouvait paruenir en Espagne sans traverstr
les mers... Lamirat mourut fermement persuadi
que s il avait touché j un contíneni .1 Cuba, (au
cap Alpha et Omega. eap du commencement H
dt la lin). j ta cõte de Paria et ò celle de Vera-
gua. ce continent faisait partie du grand empirt
du Khaiai. c'est-à-dire de Vempire Mongol, de Im
Chine scplentrionale ..Us esperances dc ce grand
homme se fonderent alors. comme on sait. sur
ee qWit appela des raisons dt eosmographie. sur
te peu de distance qu'!! y a des côtes occiden-
tales d-EuTopt et d-Atrique, aux cÔtes du Catftay
et de Cipango. sur des opinions d Aristote et de
Sinéque. comme sur quelques índices de lerrts
situées uers louesl. quon avait recueillis a Porto
Santo, i Madere et auK iles Afores... Uamiral ne
rétrfcissàit pas seulement fOcéan Aílantique et
rétendue de toutes les mers qui couvreni la sur-
face du globe: il réduisait aussi les dimenstons
du globe mime. -El mundo es poco; digo que el
mondo no es lan snnút como dice el vulflo»; le
monde tst peu de chos<í. %\-tH il à la reme Isa-
belle, il ett, jt le ctrtitit, mwns grand que ne It
creít le uulgairt*.
Os historiadores da cminfnda de Harrissc e áã
Vignaud pouco mais lizcram do que desenvolvtr
até is úlllnu* consequências os conceitos dlado*
de Humboldt, aplicando -lhes os métodos de aná-
lise e as revelações contidas nos novos docu-
menlos que saíram desde eniSo a lume nos car*
tórios, blblloiécjs e arquivos.
Píq. LIV <na nota &l) onde se lé: «piii sull'umo>, deveri
lér-se: piu suiruomo.
Pág. LIV (nota M. 2.» linha) onde se I*: «Canerio (IM2)*,
deveri lér-se: Canerio (isos^.
N. B. A data da carta de Canerio foi fixada
em 1507 ou 1503 pela supostçSo de que ela regis-
tava a J-« navegação de Vespúdo. primeira ao
seruifO de Portugal. Demonstraremos nos capi-
tules do Volume II dedicados J análise das expe
dif^s de 1501 e 1503 e das cartas de Cantino e
de Canerio. que esta é posterior a 1502 e regista
outras viagens que não jí narradas por Ves-
púcio.
Pifl. IV (linha 17) onde se lé: «os anos de 1500 a ISO» boreal
e austral», dever* lér-se: os anos dt 1500 a ISOt
nos hemisférios boreal e austral.
Pág. LV (na nota M) onde se lé: «Lea Corte Real el vov«8«*
au Nouveau Monde», deverá lér-se ; Les Corte
Real et leurs vovages au Nouveau Monde.
Páfl. LVIU (na cóla) onde se lé: • RelvindlcjçJo da prioridade
portuguesa no descobrimento da América», de-
veri lír-sei Reivindicação da prioridade portu-
guesa no conhecimento da América.
N. ti Esta dislincçâo é fundamental na les«
delcndlda na Introdução desia obra. Nlo eiclstem
prov.ia documentais de onde possa inferir-se com
segurança o descobrimento pre • colombino dat
terras oddcntals pelos portugueses, mas há nume-
rosos Indidos de que se sabia ou suspeitava ea
Portugal que para li dos Açõres outras Ilhas exls-
liam. Foi na esteira dèsses Indidos que navegou
Colombo. A sua viagem Integra-se no ddo das
explorações portuguesas do AtUnlIco oddenlal.
O que difi-ronça a expcdlçio de Colombo de ou-
tras expedições portuguesas que percorreram o
oceano no mesmo rumo, é o licto de nunca
terem os portugueses procurado a índia pelo
poente, como aconselhava ToscanelU Indubitável
nos parece que. sem lerem sido os primeiros a
descobrir as terras americanas, loram os portu-
gueses os primeiros que tiveram a lúdda con-
cepção de que elas constituíam um novo conti-
nente Indeppndenlí da Ásia. O oceano Padtlco,
ésse mesmo, )i esti preligurado no planistério
de Cantino.
Pis- l-Vfll titnhs ») onde se lé: «Pedro Eacobar». devert
lér-se: Pedro Escolar.
Pifl. LVin (na nota 61) onde se lé. «cosas maraviceosas». de-
verá lér-se: coJJS maravillosas.
Pla LXI (linhas 2 a í) onde se lé: «Pôde duvid*r-se de que,
realmente, Colombo tenha escrito e recebido carias
269
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO DRASa
ERRATAS E COMENTÁRIOS
de ToscaneUi. mas que Toicanelli haja rtcrito ao
cdeslisHco portuguía a carta. reveUda por Co-
lombo, parece-nos uma interpretação remerárta,
arrojada., deverá ler-ac; Pôde duridir-se de que,
restmenie, Colombo tenha escrito e recebido cir-
zas de Toscanelli. mas negar t]ue Toscanelli hajã
escrito ao eclesiàslico português a carta revelada
por Las Cãsas e por Fernando Colombo, parece-
nos uma interpretação temerária e aem abôno
em provas documentais.
N. B. A Introdução «ustenla. contra a oplnllo
de Vignaud, a veraddadc da corrcspondíncfa de
Toscanelli com o Cóneflo FernJo Martins dc Roriz,
multo embora repute apóciila a posterior corres-
pondência com Crisióvlo Colombo, c só nesla
liliima doulrina csli dc acôrdo com o siblo pre-
sidente da Sociedade dos Amertcanislas, de Paris.
Pig. LXI (na nota 77) onde se l*: »]ulc» Meos^. deverá l*r-se:
1ule$ Mees.
Pia. LXIl {na Unha 38) A referência i Junta dos Matemáticos
nlo comporta a crença numa corporação com èsse
titulo, infundadamenle generalizada nos estudos
históricos.
A )unia dos Malemiticos. no sentido dc uma
corporação consultiva, oficialmente constituída, pa-
rece, depois das invcstígaçãcs do Dr. Luciano
Pereira da Silva, nunca ter cKÍslldo. Junta con-
serva em nossas referencias o significado restrlcfo
de reunião. E' natural que o soberano convocasse
para determinadas consultas os matemáticos ou
cosmógralos de maior autoridade. A uma dessas
tuntas foi submetido o projecto de Colombo. Da
referência, que a èsse tnbunal de cosmógrafos se
encontra nos cronistas, se introduziu c vulgarizou
modernamente a concepção erróneo dc uma cor-
poração com caracter permanente, chamada Junta
dos Matemáticos. (Veia-se as pigs. 65 e 66 do
presente volume). A junta que rcgeitou o plano
inexequível de Colombo dc ir a Cathay c Cypango
navegando para ocidcnie era constituída pelo bispo
D. Diogo d'Ortiz, sob cuja direcção se preparou
o roteiro que serviu a Pero da Covilhã e Afonso
de Paiva na sua famosa viagem terrestre à Etió-
pia e à fndla. e pelos ffsícos mestres Rodrigo e
]osé Vizinho. Pelo mfsmo processo de ampliaçAo
retórica se transfigurou em Academia de letrados
a oficina típogrilica dc S. Deodato, de cujos
prélos saiu a Cosmographtae Introductio e o pla-
nisfério de Waldsccmúller. c se engrandeceu ás
proporçóes de uma Escola náutica o estabeleci-
mento fundado pelo inianie D. Henrique em Sa-
gres, pois nem da Cfironica dc Guiné, de Azurara,
nem dã ReUção, de Diogo Qomes, nem da pri-
meira Década, de Barros, se pódc inferir seme-
lhante cousa.
Pág. LXIV (linha 43) onde sc lê: «comcmoraclo do Centenirlo
do descobrimento da America *. deverá lir-se :
comemcrêçio do quarto Centenário do descobri-
mento da América.
IXX'£.XX/ «Muito ao contrário do que prelenckm quaatos
se esforçaram por demonstrar a impossibilidade
portuguesa de conceber a exislèncla de Ilhas e
terras para ocidente, ot geógralot e os navega-
dores as suspcillavam e as ssslnabivami.
N. B. Cabe aqui invttcar o testemunho de Co-
lombo. E' i'le próprio quem escreve: * ...y gracijs
al eterno Dios nuestro Senôr el qual da a todos
aquelles que êndan $u camino victoriã de cosas
que parecen imposibles. y esta seUaladamente fue
la mia. porque aunque destas tierras hayan fã-
blado o escrito todo va por conjectura sin alegar
de vista, salvo comprendiendo a tanto que los
oyentes los mas escuchavan e iuzgavan mas por
fãbla que por poca cosa dello». (Carla «que enbió
Colon al Escrivano de Racion. de las islãs baila-
das en las índias, conlonida a otras dc Sus Alte-
zas. Fecha en la caraveb sobre las Islas de
Canária a XV de febrero. afio MCCCCLXXXXccj.)
Pig. LXXI (nota 100) onde se 1^: <un paginated work*. de-
verá lér-se: uitpaglnated ufork.
Pág LXXIII (linha 10) onde tc 14: «Ursa Maior», deveri lèr-sc:
Ursa Menor.
Pig. LXXIII (nota 104) onde se lè: «in the 13 >he cent>,
deverá lír-se: in the 13 " Century.
Pig. LXXV (nota 112) Marcolini ^1 o primeiro editor da rela-
ção dos Zeni. Ramuslo reproduziu-a no tómo II,
pág. 230 da sua Raccolla di Viaggi com o titulo
de Dello scoprimento deWisola Frislanda, Eslanda,
Engrovtíanda, Estotilanda el Içaria. Fatio per due
fralelle Zeni M. NicolO il Kavãliere et M. Antonio.
A mais reputada edição moderna ó a de Major,
The voyages ot the venelian brothers, Nicolo and
Antonio Zeno, to the northern seas (1873).
Pig. LXXVI (nota 114) onde se lé: <a viagem de Fernão de
Magalhães é de 14475 milhas», deveri lér-se;
a viagem de Fernão de Magalhães é computadã
em 1447S milhas.
Pig. LXXVIIl — h numeraçio das Notas está invertida. A que
figura com o numero de 120 corresponde à cha-
mada 119, e vice-vecsa a nota 119 corresponde i
chamada 120. Nesta, onde se lé: «Sereniso Re
Católico >, deverá lér-se: Screníss. Re Católico.
Pig. LXXXI — tii legenda do mapa foi indevidamente Incor-
porada uma .inotaçio destinada a assinalar o ponto
do texto em que devia ser intercalada a gravura.
Essa anotação figura como excrescência na pri-
meira parte da legenda, a saber: «Reproduçio da
reconstitulçio de parle do mapa de Toscanelli
por Uiielli».
Pig. LXXXIll (nota 123) onde »e lé: <D. Beatriz Enriquez de
Arane», deveri lèr-sci D. Beatriz Enriquez de
Arana.
Pig. LXXXni (nota 124) onde se lé: <C. Harhham», deveri
lêr-se : C. Markham.
Pig. XCl (linha 3) onde se lé: «A demonstração filológica de
Noberl Sumien é concludente», deveri lér-se;
A demonstração filológica de Norbert Sumien i,
na opinião de Vtgnaud, concludente.
N. B. O Professor H. Wagner, examinando com
o Professor Wilhelm Meyer (de Speyer), autori-
dade eminente, tanto OB Mtuntos de palcograiia
medieval coino de latim medieval, a linguagem em
1
/
270
1
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
que é redigida < caria de Toacanelll, chega a con-
cluir que nada, no tcxio caria, se opõe a que i
cU f&aie escrita por um humanista da Idade mé*
dia; apenas algumas palavras se devem atribuir t
èrros do copista, qui* nlo era grande sabedor da j
lingua latina, como mostra a linha que pAt no
coméço: *Copiê mis» christotaro colonbo per pau-
lum fixicum cum una cjrM njvigscionis'. Tam-
bém acha que nlo slo de aceitar as emendas
propostas por Notberl Sumien. W. Meyer é dc i
opinilo que a composi^lo latina do texto nlo for- I
nece argumento para te atlmar que a caria é '
falsitlcaJa por pessoa desconhecedora da lingua. {
Assim se deslai um dos argumentos dc Vlgnaud
contra a autenticidade da carta de Toscanclli (Her-
mann Wagner, Mentf Vignaud, Lm Itttre et lê
carte de TosctnelN. Paris. I90l. in Qoettingischen
gelehrlen Ameigen, )W2, Nr. 2, pigs. 116, 117).
Pig. XCJ (No lim da primeira coluna) Substituir a legenda
que começa: «Texto da carta dc Toscanelll, etc
e que se acha aqui deslocada, pois pertence ii '
pig. XClIl, por«csla outn; Versão paleogràfica '
integrêt do te/tto latino manuscrito do exemplar
de /tniãs Sylvtus, da Colombina. (Reproduiida
da Bittitoreca Americana Vetusrissima. d* H.
Marriase}.
Pág- XC/// (Na legenda do tcxio latino da carU de ToscanelU)
AcrcscenUr: Texto da carta de ToscanelU com
as abreviaturas reconstituídas In -extenso pelo
filólogo Norbert Sumien.
Pig. Xav (Unbu I a 3) onde se lé; «Nlo è possível con-
testar que a cana de ToscanelU se baseia num i
sisienu cosmográiico semelhante ao de Marino I
de Tyro, conhecido através da crítica de Ptolomeu |
e só universalizado pela Imprmsa nesse mesmo i
ano de I474>, deverá t£r<ae: Nio é posstvel cort' \
testar, na opinião de Vignaud, gae a carta dt
ToscanelU se baseia num sistema cosmogràttto
semelhante ao de Marino de Tyro con/itdéo
através da crítica de Ptolomeu e só univtrsaU-
zado pela Imprensa em 1475.
N. B. Desde 1901, data da ediçlo francesa da
sua notivcl obra la letire et la carie de Tosca'
nelli. que Vignaud se serve diste argumento.
Passados dezasseis anos, ainda laz déie uso no
seu grande trabalho sôbre VespiicJo (Americ Ves-
puce. Paris, 1917). Nao obstante essa obstlnaçio, ;
o ImpTMSionante argumento foi reduzido is mo> |
destas proporções de uma opinilo Individual e j
illKiiItvel pelo eminente geógrafo alemSo H.
Wagner.
O historiador ameriuno considera que a apocri* i
tia da carta de ToscanelU se deduz da circuns-
tância, entre outns, de reproduzir a concepfio
cosmogrifica de Marino de Tyro (segundo a qual
a largura do AllAnilco se reduzia a 130 ou 135
graus entre os litorais da Asla Oriental e da
Europa Ocidental), concepclo esta divulgada alra<
vé* da critica de Ptolomeu. «Or, en H74, data
de ta lettre a AUriins, 1'tolémie n'etait pas Im-
prímé. Ce n'ett qa'en 147$ gu'ane triduction
latine de eet ouvrage. due à fac^mat Angelo, fui
imprimee à Vtcence*. E em nota adverte o histo-
riador: *Nous n'ignorons pas qu il y a une édi-
tion de Ptoiémée qui porte la date de 1462. Man
tout les bibliographes s'accordenl .i rfrre çue
ceife date est erronée ou lausse. Celie prittndue
prémière édition de Ptolimée est probablemeni
la troísieme ou la quatriéme». Depois de assim
se haver expresso tm 1901, a pig. 12 da sua
obra cilada, Vignaud volta ao assunto no Cap. 3.»,
La *Cosmograpt>(ae Inlroductiot et son auleur, da
obra Rcenie dedicada a Vespúdo, onde o severo
critico dc Colombo se transfigura em parctalissimo
defensor e apologista do Florcnrlno. a ponio de
nio reparar que era portuguesa a bandeira içada
nos mastros das armadas em que Vespúcio reali-
zou, com secundiria categoria, as duas viagens
de 1501 e 1503 i América do Sul. Ai, na nota 230
da pig. 225, rcfcrindo-sc a mesma Iraduçio de
]acobus Angelus, observa Vignaud: *ll y a une
édition qui porte la data de 1463, mais tous le*
bibliogr.ipltes savent qu'íl y a là une erreur typo-
graphique et qu'H faut lire une aulrt date, pro-
bablemeni celle de /<43».
Todat^a, NordenshtAld (Fac-sfmlle Atlas, a pig. 12)
opina que a dala deve ser recliricada para 1472 c
nio 1482, f os argumentos em que o eminente
geógrafo apoia esta douta opiniio parecem-noi
convincentes. A dala da edi^lo de Bolonha é
expressa em caracteres romanos: MCCCCLXII.
O èrro tipográfico consisle na falta dt um X. Se
a data verdadeira fftsse I4«2, como pretende l^i-
gnaud sem fundar o alvitre cm quaisquer razôes
plausíveis, viriam a faltar dois XX: hipótese multo
menos verosímil, se bem que multo mais tavo-
riveJ à tese do historiador americano.
Vemos pois que, quando Vignaud afirma que
lodos o« blbMógrafos sabem que M na data da
cdiçio dc Dolonha um èrro lipogrifico e que a
data cxacla i provivelmente a de I4B2, Nordens-
kiõld é multo decididamente de opinilo que a
data verídica é 1472. Também Vignaud pretende
que a ediclo princeps da Geografia de Ptolomeu
é a de I47Í ('rife parut pour la prerniere fois
en I475*J, quando o mesmo Nordenshjòld consi-
dera como I.' edtcio a de Oolonha, de 1472. Se
lAr assim, como supomos, quando Toscanclli es-
crevia ao cónego Pemio Marilns de Roriz, em
1474, ti havia quisi dois anos que eslava publi-
cada a Geografia piolomaica, airavés da qual se
tomou conhecida a concepçlo cosmográflca dc
Marino dc Tyro.
I XCV (linhas 23 e 24) onde SC It: <a correspondência de
Toscanelli*. deverá lír-se: a correspondência de
ToscanelU com Fernão Martins.
\. XCV (Unhas 24 a 26) <A tese da apocrifía Integral da
correspondência toscanellana (que testemunha a
prioridade do conhechnento português do plano
de Colombo) nlo pôde prevalecer sÓbre a prova
documental, que depóe a favor da autenticidade».
N. B. Conv^ esclarecer esta proposiflo. qut
271
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
deve itr Intfrpreuda de acôrdo com a doutrina
delendidx na introdução c adoptada no decorrer
da obra. Sempre que Invocamos a aulentiddade
dJ corrcipondénaa de Toscanclli relerimo-nos i
que o tiorenlino enirereve com o cónego portu-
fuét. E' ludo quanto hk de mais natural que um
geògrito italiano tenha escrito ácérca dv a»sunlos
cosmojiráficos a um eclesiástico português que
conhecera cm Roma, ao lempo em que OS mart*
nhelroa portugueses realizavam a& maiores viagens
no AtlAnlico. Quanto a correspondência posterior
de Toscanclli com Colombo, consldcrámo-la uma
fraude. Deve ter sido da cana autêntica de 1474
(copiada parece que pelo propno punho do nave-
gador genovfs no Incunàbulo da Biblioteca Co*
lombina). quc se originaram js talsas cartas pos-
teriores.
Pig. XCV (Unha 27) onde se l«: <Se a correspondência de
Toscanelli nAo existiu >, deveri lér-se: 5^ a cor-
respottdfnctA de Tosctnelli com o cónego Fernio
Martins de Roriz não existiu,
Pig. XC/X (nota 140) «As quatro narrativas de Vespúdo,
lambtm remetidas de Lisboa para a Loréna, em
1504, |>or Domênico Denvenull*.
N. B. Eata i a venlo divulgada desde a publi-
caçlo da Cosmographtãe Introductto. Porém, no
11 volume da presente obra, nos captiulos dedU
cados ás viagens de Vespiícjo, mostraremos que
esta atribulçlo de origem * vl&lvelmente conle-
ctural, tenio fantasista.
Pig. C (Unha 24) onde se lê: «Tendo casado em Lisboa», de*
verá lér-se: Tendo casado em Lisl>oa ou nos Afóres.
N. B. £' ainda hoje ímposslivl determinar doeu-
mentalmente as condições em que se casou Cris-
tóvão Colomtto e o local em que se realizou o
matrimónio, se em Porto Santo, se em Lisboa.
Estamos reduzidos j única fonte informativa e
suspeita das Historie deU Amiraglio, atribuídas
a Fernando Colombo.
Pig. CVI (Unhas 8 e 12)
CXH (nota Ib6) Onde se lè «Mogunda* deverá
CXXl' (Unha 37) lér-se MunicIt.
CXXVI (tinha 16)
N. R. Mogunda é a lórma portuguesa de Mainz
e rtáo de Múnchen.
Por te prestar a confusões. n3o adoptamos a
tòrma portuguesa de Múnchen:- Mónaco.
Pig. CXI (9 e 10) onde se lè: «Depois do dlsdpulo do Rei
Artur, é o disdpulo de Machlavelo que vai reger
os destinos da naçio>. deverá lér>se: Depois do
discípulo do Rei Arthur, é o contemporâneo de
Machiauelo que vai reger os destinos rfj nação,
fí. B. Machlavelo escreveu El Príncipe uns quinie
anos depois da morte de D. Joáo II. Na memória
que o llorentino redigiu para o Conselho dos Dez,
Descnzione dei modo tenulo dal duca Valentino
nelVammazzare Victellozzo Utelli, pdde examl-
nar-se como se originou na mente de Machlavelo
a ideia de construir um sisicma politico baseado
no esiudo do caracter de Cesar Borgla. Foi em
W32, quando havia sete anos que D. Joio II
272
morrera, que Machiavelo acompanhou o bispo
Francisco Sodehnl a Urbino, aonde o prelado
fftn como embaixador dos florentinos á côrte
de Cesar Borgia.
Luiz XI, D. Joio II e Cesar Borgia sáo os gran-
des modelos da politica do tempo, que Inspira-
ram as máximas de Machlavelo. Este (oi o amigo,
o auxiliar e multas vezes o conselheiro de Pedro
Soderini. eleito gonlaloneiro de Florença, em 1S02,
e a quem l/espúcio dirigiu a famosa Lettera, nar-
rando as suas quatro viagens ã América.
Pig. CXIl* (nota 171) onde se lè: «(l^asco Sallego de Carva-
lho)», deverá lér-se: (Vasco Gallego de Carvalho/.
Pig. CXV (linha 34) onde se li; «conservar desconheddas».
deverá lér-se: conservar desconhecido.
CVXI (linhas I e 2) <0 relatório de Gonçalo Coelho, desti-
nado a D. Joio III e Incorporado no arquivo
secreto da corda, pcrdeu-se como os anteriores».
N. 6. Esta passagem, como muitas outras desta
secção dedicada ãs viagens de Vespucio. refle-
cte a confusão estabelecida até hofe na critica
das expedições de 'SOl e 1503. A Introdução
limita-se a expor as doutrinas correntes e a
exemplificar os êrros de Santarém. Gonçalo Coe-
lho não poderia ter regressado depois de tS2l
fano em que ascende ao trôno D. João III), de
uma viagem ao Brasil iniciada em IS03. No es-
tudo que dedicaremos no Volume II às expedi-
ções chamadas de Vespúcío—que nelas foi apenas
personagem secundária, — detidamente se estudará
a participação Vespuciana no descobrimento do
Brasil e se corregirão muitos dos êrros que cir-
culam nos textos históricos acfrca das viagens
de 1501 e 1503.
Pig. CXVI (nota l?S) onde se lè: «Porém, logo depois de
escrever-, deverá lér-se: Porém, logo depois de
descrever.
CXVIÍ (linhas 24 e 2^) onde se lé: *0 florentino foi um dos
descobridores e o seu primeiro, embora fanta-
sioso, cronista*, deverá lér-se: O florentino foi
um dos descobridores e o seu primeiro, embora
fantasioso narrador,
Pág. CXVII (nota 177) onde se lé: «Leonardo Loredan Domê-
nico Pisani», deverá lér-se: Leonardo Loredan,
Domênico Pisani,
onde se lé: «Serenissme príndpes», deverá lér-se:
Serenissime principes.
onde se lê: «missier Creticho», deverá lér-se:
misser Creticho
(nota 180) onde se lé: «edicâo vienense de IS 0>,
deverá lêr-se: edição vienense de 1520
Pig. CXX (nota 186) onde se lé: <& hujus partem borealem
Columbanum», deverá lêr-se: á hu/us partem bo-
realem Columbanam
Pág. CXXfl (nota 192) «onde se lé: Sonlev*, deverá lér-se:
Sonthey.
Pig. CXXIV (nota 193) onde se lé: «Uemhagen>. deverá lér-se:
Varnhagen.
Pág. CXXVIII (linha 31) onde se lé: «Só, pois, a sdéncla da
interposição de terras explicaria», deverá lér-se:
SÓ, pois, a sciència da interposição de terras, ou
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
ãnla ê de vastiisimA exienslo de mar entre 0$ [
Açôres e a Ásia explicaria. \
N. B. Parece-nos arriscado admitir a tutpeiti |
portuguesa, em parte alguma revelada, de uma
barreira contincnUi, mas nio laltam o» Indicie*
confirmativos dc que em Portugal se ulculava.
no fim do S4^lo XV. com notável aprOKima^lo
da verdade, a circunforinda máxima do globo.
Isto bastaria para lusiiricar a reselçio dos platio*
de Tosc^inelli c Colombo.
Pág. CXXVin (nola 202) onde se lè: «pátrio Plcao France*eo
dc M<dlcls>, deverá lêr-se: pafrio Piero Fran-
cesco de Médicis.
(nota 203) onde se lé: *Ludano Cordeiro, La p*r1 ,
des Portugais dans la découvche de 1'AméiHquc, ,
1876, deverá l(r-se: Luciano Cordeiro, De la part
prise par les Porlugais dans la découverle de
VAmétiQue (Leitrt au Congris lnternation.il des |
A mericanistes — Première sessíon — Nancy ■ - 1975). \
N. B. N«ste momenio em que os estudos histó-
ricos portugueses «e animam ás reivindicações da
prioridade ^ue compete a Portugal em muitos dos '
mais notáreis empreendimentos náuticos levados
■ eleito no Atlântico ocidental, ú dc iustica qu«
se retire da sombra a not^biliaslma monografia
de Luciano Cordeiro, que pela primeira vez en-
feixou os dados essenciais do grande problema
histórico-seográtlco, actuali7;)do, vinte e cinco anos
depois, por Faustino da Fonseca. £ste úliimo tinha
sòbrc o seu Ilustre antecessor a vantagcnt
mais abundantes arsuinentos, frutos dos grandes
trabalhos de Harrlsse, de Ravenslein, de Ruge,
de l/ignaud e dos colaboradores da Raecollê
Colombiana. Luciano Cordeiro. t.im injustamente
esquecido, terminava a sua notável memúrta pro-
metendo ocupar-se oportunamente da descoberta
e do reconhecimento do litoral oriental da Amé-
rica do Sul c nestes témioi se dirigia ao Con-
gresso dos Ame rica nlstas: *mais fe réstrveraf celte
teconde parlie pour une aulre tois, si dans votre
bienveillante sagesse et dans vòtre amour de lê >
verité vous décidez qu'il convient de procéder è
une riuiiion générale des falis et des opinions
concernant la lente et succesaíve découverle da \
eontinent américain». \
O Ilustre polígrafo morreu antes que principiasse
a manllestar-se com intensidade, entre os eru- |
ditos dc história, a rebeliáo contra os erróneos ,
preconceitos que desvirtuavam a narra-lo do des-
cobrimento da América. Como homenagem ao
lábio precursor, reproduzimos as belas e eleva-
das palavras doutrinárias com que éle precedeu
a sua sábia dissertação:
•í« science, Messieurs, n'a polní de patríe, fe le \
tais. Celie relígion de la verilé ne connalt d'au-
Ires limites que celles de la virité mime; mais .
^est juslemenl pour cela que la science ne peut
itre injusle el si elle doit s'aHranchir des nobles
passions des ' indtt/idus etle ne doit pas non plut
tomber dans les défauts de ces mimes passions. j
Dans la science Viniustice représente une lacunt [
ou un vice de v critique, et cttui qui en
soutire le plui .... celui sur qui retombe
cette injustice mais bien la science elle-mime qui
Va commise. Si elle a négiigé d'approfondir cer-
tains íatls. si elle a ÍUbtl son veidict sur des
donnies insufttsanles ou tausses, tani pis pour
elle. Or, la gíographie hislorique a ité partais -
fort injuste pour ce pelil pays qui a ouvert la
moilié áu monde à 1'autre mottié. Les autret
nationt onl des gloires en assez grand nombre
et dont elles peuveni à bon droit s'enorgueillir
pour qu'il ne leur soil point nécessairt de priuer
te Portugal de celle qui !■ droit à une
place dans rhntoire de la i .. jn. Pardonnea-
mol eet épanchement, vous qui savez atmer et
tionorer vòtre patrie sans que cet amour obscur-
cisse ou ègare votre amour pcur la science,
e'est-À-dire. votre amour de la virité.
Dans ce fail mime de la découverle de l'Ami-
rique, on Itouve un exemple de ce que je viens
d'avanceT, On a écrit que te Portugal auait didat-
gni, par une vaniteuse ignorance, ce que Von
suppose avoir iti la conception du Nouveau-
Monde par Colomb. On a montré sous les cou-
leurs les plus sombres la science áídaignée par
Vaveuglement et le fjnalisme, dans le tait du
rejet du dessein de Colomb par le rol Jean 1/ et
par ses conseillers; on a méme ité jusqu'à altir-
mer que le roi de Portugal avail abusé de la
franctiise du grand navigateur et avait ctandes-
linemeni tait partir une escadre dans le tut de
lui ravir la gloíre de sa découverle. Vous savea
cela, Mtisieurs, et nalurel/emenl vous savez aussi
que loutes ces assertlons sont tausses».
Pág. CXXIX (linhas 2 c 3) ... «o cartógrafo anónimo que con-
tedonou com os resultados das viagens empreen-
didas para o noroeste, o oeste e o sudoeste,
desde 1498 a IMI, o mapa de Cantino».
N. B. O planlstérlo do embaixador Cantino, a
cujo estudo será dedicado um capitulo especial
no II volume desta obra. constitui um dos pilares
da tésc desenvolvida na Introdução.
Oe facto, éste extraordinário e cluddativo docu-
mento cartográfico atetia a concepcáo coimográ-
Uca portuguesa do continente americano e revela
vastos conhedmentos dos htorais meridionais e
orientais da Asta além dos percorrido» por Vasco
da Oama. Cabral e Joio da Nova, porventura
advindos da aqúisl^o de portulanos c mapas
dessas proced^ndas. Nesse monumento da geo-
grafia o Oceano Pddlico acha-sc previsio. Êla
confirma que as expedirdes portuguesas eram
devidamente preparadas c providas do» mata
apeHci(oados elemento» de orientaçlo e deixa
Imaginar que Vasco da Qama, em 1497, |i partiu
dc Usboa com cartas náuticas asiática», lalvtx
mandadas por Pero da Covilhã.
A prioridade do mapa de Cantino só encontra
tragflima objecçio no planlalérto conhcddo pelo
nome do seu possuidor, Dr. Hamy, o qual lha
4wUcou um estudo acompantudo dc rcprodiicAM
«73
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
l.csImlUrei (Études historiquei et géographi-
çues, Parit. IÍ96). f doconhccido o nome do
canígnto <iu« o cmcuIou. O refllsio das expio-
nçbf de \/»K0 dl Gama. Cabral, Gaspar Côrte
Rcil e da expedição de IMl. indica a sua ortflem
portuguesa, embora a nomenclatura sei* itallan*.
O seu possuidor airibui-lhe a dala de 1502: a do
mesmo ano cm que loi executado o mapa para o
embaixador Cantino, e a precedência de dias ou
dl oiMes do mapa do Dr. Mamy apenas se intcre
precirUmentc da sua imperfeição relativa e do
tacto de nio se encontrarem nêle westíglos da ex-
pediçio de Joio da Nova, r^aislada ro de Cantino.
Ravcnítcin (A Joumjl of the tirst i'Ovage of
Vãsco da Qama, Hakluvt Sociely. 1898. a pifl. 207),
que o analisou cm reprodução ampliada na parte
relativa i derrota dc l^asco da Gama, reconhece
que <The nomenclature ãlong lhe Afriean coasl
Is faiNy tuU, and evidentlf taken from original
sources, but the spelling is so corrupt. and the
letters are frequenllv so iltegible. thãt I falled to
malte out many of the names ... The drawing of
the coãst-line ieave$ very much to be desired*.
Ravenslein certifica a superioridade do Cantino,
nlo só sòbre o Juan de la Cosa c o Hamy. como
ainda sôbre alguns dos planlstérios imediatamente
posteriores, como o de Cancrio: •/( is (o de Ni-
colau Canerio) almosi wholly bjsed iipon the
materiais previously ultlised by Csntino'5 draugh-
tsman, ailhough more detaileii in outline und wilh a
more ample nomenclature in some places. The shape
of Africa, houtever, is far more correctiy given on
Canlino's chart lhan on Canerio's. and lhe technicsl
workmanship ol lhe former is of a superior cha-
raeler. The legends of both maps have evideally
been laken trom lhe same source.. * (Ibidem, a
plg, 210). SÒbrc o mapa de Canerio consulle-se o
notivel estudo do prol. L. Qallols publicado em 1890
no Dolelim da Sociedade de Geogralia de Lylo, le
Porlulan de Nicolas de Canerio Quanto aos ma>
pas do Ptolomeu de I&I3 (ediçlo dc Estrasburgo),
slo unanimemente tidos como portugueses.
Pá0. CXXX (Unhas IS c 16) onde se it. 'haviam pisado na
OroenUndla as terras amcrícanas>, deverá lér-se:
haviam pisado na Vinlàndia as terras americanas.
Pis CXXX (linha M) onde se ié: *0 primeiro volume desta
obra», deverá lér-se; A prímtiré partt deslã
obra.
Páfi CXXXI (nota 207, linha 13) onde se l<: «Haeblea». de-
verá lér-se: tiaebler.
Pág. 14 (Unha 6) onde se té: |*No hemos hecho nadie en «I
Escurialt» deverá lér-sei iSo hemos hecho nada en
el Escoriai I
Pág no (Unha 29) Onde Se I*: <Rosselv*, deverá lér-se: Rosclly.
PIg. 110 (linha 1, nota 9) onde se lé: «respostas», deverá
lér-se : resposta.
Páfi. 113 (linha 2) onde se té: «estado», deverá lér-se: estado
Venetueia.
Pág, 1 M (linha 3) onde se lí : 'Vespuch*. deverá lér-se: Vespuche.
Pâfl. US-Na legenda da gravura, onde se lé: «Extracto fac-similar
da I." edlçáo d« Letlera (Exemplar único. Florença, 160&
274
ou I506>). deverá lér-se: Extracto tac-simitar da r.«
ediçèo da *Lettera: Florença. IS05-I506.
N. B. - Na opmiâo do bibliófilo inglês QuarítcH, a Ltt-
tera foi impressa por Oun Stefano di Carlo di Pavia.
em Florença, nàc antes de fS05. e presumivelmente em
1506. pois í deste ano a versão latina da Cosmogrm-
phlae Introduclio. Apenas cinco exemplares da edição
princeps italiana são conhecidos: o do Britlsh liuseunt;
o da Biblioteca Palatina de Florença; o que pt-itenceu
a Varnhagcn e cujo destino se ignora; e os das biblio-
tecas Capponi e Kalbfleixh.
Pág. 116 (Unha S) onde se \t: «superior ou inferior», deverá
lér-se: superiores.
Pág. 117 (Unha 4, noti 50) onde se lé: «as omitem», deverá
lér-se; os omitem.
Pág. 117 (Unha 4, nota ãO) onde se lé: «as limita», deverá
lér-sc: os limita.
Pig. 117 (linha 2. nota b2) onde se té: «a terras», deverá
lér-se: ir a terras.
Pág- 121 (Unha 25) onde se lé: «de», deverá lér-sc: da.
Pág. 121 (linha 2, nota 76) onde se lé «que veros», deverá
lér-se: *quo verus*. >
Pág. 121 (linha 3. nota 77) onde se lé: «desconhecdia», deverá
lér-sc: desconhecida
Pág 123 (Unha l, nota 91) onde se lé: «op. dl.», deverá
lér-sc: *The discovery of North America*.
P.1g. 124 (linha 9} onde se lé: «éle», deverá lér-se: ela.
Pig- 124 (linha 13) onde se lé: «Duchcr», deverá lér-so: Becher.
Pág. 124 (Unha 32} onde se lé: «redocinio», deverá lér-sc:
raciocínio.
Pág 124 (linha 3, nota 95) onde se lé: «Thacher». deverá lér-se:
Thacher: a latitude excessiva de 23o 30 em que está
ã tysla*.
Pág. 124 (linha 4, nota 96) onde se lé: «outro argumento»,
deverá lér-se: ainda outro.
Pág. 124 (linha 15. nota 95) onde se té: < 1500-, dever.* lér-se: /502.
Pág. 12S (nota 104) onde se lé: «Compare-se moLis arenosas
no extremo do litoral, em Iodas as reproduç&es», de-
verá lér-se: Compare-se tmotas arenosas* no extre-
mo do litoral, nas reproduções de Jomard e do 6,
de Rio Branco.
N. B. Na fotolilografia de Canovas Vallejo, reprodu-
zida na presente obra, esta legenda lê-se visivel-
mente mont9 arenosas. Em Jomard e Rio Branco,
motas arenosas De qualquer modo. esta falta de
uniformidade na reprodução litogr.Ífica não influi na
argumentação que sustentamos, flotas e montes a<v-
nosos são sensivelmente a mesma cousa Náo podem
confundtr-se com as montanhas da interpretação do
douto Caetano da Silva.
Pág. 126 (Unha 4) onde se té: «a primazia do», deverá lér-«e:
a si a primazia no.
Pág. 126 (Unha 3. nola 106) onde se lé: «chesi trovano In ItaUa
riguardante», deverá lér-se: *che si trovano in Itália
riguardanti*.
Pág. 127 (Unha 14) onde se lé: «tivesse», deverá lér-se: tivesse
atlingido ou.
Pág. I27(lmha I, nola 108) onde se lé: 'Décadas*, deverá
lér-se: Decades.
Pág. 127 (Unha I, nola 108) onde se lé: «Anglevia». deverá lér-sc :
Anglería.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS B COMENTÁRIOS
Pág, 128 (linha IS) onde sf 1*: icorrai. deverá lêr-sc: corre
Pia- 128 (linhj I, no\3 MO) onde se lé: «AnslevUi, devcri
lir-se: Angleriê.
Pig. 128 (linha l. nora 110) onde M IC: *DtCêd*s*. deverá
lír-se: Decãdes.
Pás- 129 (linha 22) onde se lé: •impressas», deverá l£r-se:
impressos.
Pág. 129 (linha 23) onde se lé: «duvida», deverá lér-se: du-
vidã que.
Pág. 131 (linha 20) onde se lé: «mansos, aqui», deverá lér-se;
mãnsos êqui.
Pág. 131 (linha 40) onde se té: «Nela>. deverá lér-se: Sele.
Pág. 132 (linha II) onde se I*: «1498.. deverá lér-se: 1499.
Pág. 133 (linha 2b) onde se lé: «sudoeste», deverá lér-sc:
su$udoeste.
Pág. 133 (linha 33) onde se lé: <a segunda sec^áo». deverá
lír-se: uma secção especi»!.
Pág. 136 (linha 4) onde se lé: «amié». deverá lér-se: além.
Pág. 136 (linha 48) onde se lé: «cnlrp 18», deverá lér-sc: entre 13.
Pág. 138 (linha I) onde se l£: «e o», deverá lér-se: e do.
Pág, 138 (linha 14) onde se lé: «aconteceu», deverá lér-se: ^ron/err
Pág. 139 (linha 19) onde se ^: .Mariatambal», deverá lér-sc:
MarinãUmbai.
Pág. 142 (linha 2. nota 152) onde se lé: •loxodromicas», deverá
lér-se: ioxodromias.
Pág. 142 (linha 7, nota IS3) onde se lé: «arbitraric», deverá
lér-se: *rbitraria.
Pág. 143 (linha S. nota I&3) onde se lé: «este es le>, deverá
lír-sc; este es la.
Pág. 142 (linha 9, nota 153) onde se lé: «flçar a Julavenio»,
deverá lér-se: licar a julavento.
Pág. 144 (linha 4) onde sc lé: «velocidade média», deverá lér<s«:
velocidade.
Pág. 145 (linha 3, nota lS5)onde se lé: •10o.6>, deverá lér-se; lO^fi.
Pág. 149 (tinha 6) onde se lé: *Caput Crucis*. deverá lér-se:
C.o de Cruz.
Pág. 150 (linha 5) onde se lé: •permanece», deverá lér-se:
permãneceu.
Pág. ISO (linha 9) onde se lé: «Cabote», deverá lér-se: Caboto.
Pág. 150 (linha 3, nota 173) onde se lé: «Serrano», deverá
lér-se : Serrão.
Pág. 151 (linha 27} onde se lé: «nortee !«>, deverá lér-se: 3i//e44o.
Na gravura da pig. 143. falta no paralelo 3o.5 Sul. a
insi:ric.3o seguinte: Paralelo de 3o,5 5 onde começa *
ocultação total da Polar.
A ínscriçáo do paralelo 3o Norte deve ser assim cor-
ngida: Paralelo de 3* N onde começa m ocultaçJo
parcial da polar.
Pág. 152 (linha I. nota 181) onde selé:<15l ». deverá lér-se: m
Pág. 153 (linha 10) onde se lé: «Menamo», deverá lér-se: Ma-
hamo.
Pág. 153 (linha 10) onde se lé: «Cucuina», deverá lér-se: Cu-
ciura.
Pág. 153 (linha 20) onde se lé: «lido», deverá lér-se: tida.
Pág. 153 (linha 22) onde se lé; * a mais >, deverá lér-se; , a ma/j.
Pág. 153 (linha 22) onde se lé: «Cavíane». deverá lér-se: Ca-
vianê.
Pig. 153 (nota 184) onde se lé: <regtons eçualohales*, deverá
lér-se: rigions éguatorules.
Pág 154 (linha 39) onde se lé: «Cavtane», deverá lér-se: Ca-
Viana.
Pág. 154 (linha 2. nota 189) onde se lé; 'ipetu; deverá lér-se:
; âpetu.
Pág. 155 (nota 192) onde se lé: «O mapa de CanHno», deverá
lér-sc: Os mapas de Cantino e da bibliottieca 011-
veriana.
Pág. 156(llnha 3) onde se lé: *Chiocones*. deverá lér-sc:
Chiacones.
Pág. 158 (linha 44) onde se lé: «eKlIrpc», deverá lér-se; estirpe.
Pág. m(nota 198) onde se lé: •284», deverá lér-se; 785.
Pág. 159 (linha 5) onde se lé: «de», deverá lér-se: da.
Pág 160 (linha I) onde se lé; «navcgadar». deverá lér-se: na-
vegador.
Pág. 160(hnha 13) onde sc lé: «pMnceps», deverá lér-se:
Í*princeps*.
Pág. 160 (linha 13) onde se lé: ^Parleore*. deverá lér-»e: Pa
ricora.
Pág 160 (linha 21) onde se lé: *Pêricura*. deverá lér-se: Pa
risura.
Pág- 160 (linha 32) onde se lé: •considerada», deverá lér-se
considerado.
Píq. 160 (nota 203) onde se lé: *eguatorlates*, deverá lér-sc:
équ,ilori.iles.
I Páfl. 161 (nota 212) onde se lé: •540», deverá lér-se: SlO e
596
' Pig. 163(nola 225) onde se lé: «Antoni», deverá tér-St An-
tónio.
I Pág. 163 (nota 225) onde se lé: «episodio», deverá lér-s«:
episódios.
Pág. 166 (linha 37) onde se lé: «mascarei», deverá lér-se: ma-
çarão (mascaret).
Pág. 166 (nola 239) onde sc lé: «passou •.deverá lér-sc: passou
I sequer.
I Pág, 169 (linha 2) onde sc lé: «outras», deverá lér-se: outra.
Pág. 169 (linha 3. nota 2S0) onde se lé: «popossum». deverá
iér-se: oppossum.
Pág. 169 (linha 15) onde se lé: *toao e te; deverá lér-sc:
lodo eite,
Pág. 170 (linha 27) onde sc lé: «Aragua», deverá lér-se:
Araguao.
Pág. 170 (nota 259) onde se lé: «extremo sul», deverá lér-se:
f extremo sul nas reproduções de Jomard e do B. de
I Rio Branco.
Pág, 171 (hnha 28) onde se lé: •6(»5 ». devírá lér-sf ; «",5.
Pig. 175 (tinha 36) onde se lé: «sudoeile», deverá lér-se:
I sueste.
Pig. moinha 39) onde se lé: «tudoesle*. deverá iér-t«:
sueste.
' Pág. 176 (nola 280) onde sc lé: *descoi/ery», deverá lér-s«:
discovery.
Pág, 178 (linha 19) onde se lé: «lazia», deverá lér-sc: fíi.
! Pág. 178 (linha 42) onde sc lé: «Duas delas*, deverá lér-sc:
Dois deles
Pág. 179 (iinha 5) onde sc lé: «aberlura,», deverá lér-sc: aber-
tara.
Pág I79 0inha 19) onde se lé: «15O0. Deviam*, deverá llr-M:
I5C0; deuiam.
Pág. 180 (nota 292) onde se lé: «C, respostas á 6.* pregunla».
deverá lér-se: C.
Pág. 180 (nota 293) onde se lé: «Id.. lAmo III. pág. 102». de-
verá lér-sc: No apêndice B, resposta à 6.» pregunla.
I Pág. 181 (linha 24) onde se lé: ««/ atto», deverá lér-M: #/ alto.
275
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
PJfl. Ul Oinha 29) onde te lí: «IS09,». deverá lír-se: /5W;
Pifl. m (linha 13) onde te lè: «minuciosa», deverá lír-sc:
mtnudoso.
Pis- (('nh* 16) onde te 16: <éle>, deverá lér-se: eis.
Páa lM (linha 17) onde te lí: «conlrarfo». deverá lír-ie:
conlnrio,.
Pág, 188 (linha 4. nola 322) onde te l<: «c4pU>, deverá lfr-»e:
copia do.
Pifi. 109 (linha 16) onde SC lé: «w/no*, deverá l£r-se: vecinos.
Pás- 190 (linha 2. nola 332) onde SC lí: ■Mexerada*. deverá
lénse: MenovidM.
Pás 191 (linha 23| onde se lí: 'Qucl». deverá lír^fte: quel este.
Pág. 192 (linha 8) onde se lí: «, da*, deverá lír-se: , e da.
Pás 193 (linha 7) onde SC lí: «líz». deverá lír-se: ffz tambfm.
Páy. 196 (nola 347) onde se ií: «Navarrete, op. dt., lòmo M,
pág. >, deverá lír-se: Navarrete, op. eit., 'í6mo Ul.
Ph- 347.
Pis- 198 (linha 26) onde se lí: «entre», deverá lír-se: entra.
Pág. 199 (linha 4) onde se lí: «estriba-sc. deverá lír-se: es-
tríl>ã-se por uma.
Pág. 201 (linha 31) onde se lí: «asserto», deverá lír-se: acerto.
Pis- 202 (linha 4) onde se lí: • melliam- na >, deverá lír-se:
meltiam ■ no.
Pág. 202 (linha 26) onde se lí: «Abisi», deverá lír-se: Albizzi.
Pág. 202 (linha 33) onde se lí: «embora», deverá lír-se: em-
bora.
Pág. 203 (linha 45) onde se lí: *de lei, deverá lír-se: de la.
Pág. 203 (linha 60) onde se lí: «primeiro', deverá lír-sc: pri-
mero.
Pág. 204 (linha 9) onde se lí: «ts», deverá lír-se: *.
Pág. 206 (linha 7) onde se lí: <)esta sla>, deverá lír-se; esta
ysla.
Pág. 206 (linha 13) onde se lí: «ya*, deverá lír-sc: af>.
Pás- 206 (linha 17) onde se lí: «pllôto». dcveri lír-se: pilâlo,
Pág. 208 (linha 18) onde se lí: •amuzen». deverá lír-se: ar-
mazon.
Pág. 208 (Unha 20) onde se lí : * ■ >. deverá lír-s«: t.
Pág. 209 (linha 38) onde se lí : «Herra c>. deverá lír-sc : tferra a.
Pág. 212 (linha 64) onde se lí: «conte nydojrcn», deverá lír-s«:
conlenydo en.
9iq. 213 (linha 4) onde SC lí: «sua», deverá lír-se: $u.
Pág. 213 (linha 10) onde se lí: «aspantable», deverá lèr-se:
espaniãble.
Pág. 217 (linha 4) onde se lí: «1500». deverá lír-se: tSOO;
Pág. 217 (linha 18) onde se lé: «sendo» deverá lír-se: , sendo.
Pág. 217 (linha 42) onde se lê: *bresano; deverá \éT-se: busano.
Pág. 217 (linha I, nola 23) onde se lé: 'Década^, deven lír-se:
Década I, livro IV, cap. II.»
PiS- 217 (linha I, nola 24) onde se lê: *Mistoria*, deverá lír-se:
Historia general de las índias, livro II. cap. 2.<»
Pág. 218 (linha 2) onde se lí: «seguintes»: deverá lír-se: aê-
guintes.
Piq. 218 (linha 5) onde SC lí: «pactos», deverá lír-se: fados.
Pág. 218 (linha 28) onde se lí: «IQo.â» deverá lír-se: tO*fi
PJg. 218 (linha 30) onde se lí: «Ooil» deverá iêr-se: oo.tt
Pág. 218 (linha 33) onde se lí: «1*56» deverá lér-se: loS6'
Pág. 218 (Unha 33) onde se lê: <3!2o ll> deverá lír-se: J/2o,i|
Pig. 218 (linha 34) onde se lí: «3076» deverá lér-se: 3o,76
Pig. 218 (linha 41) onde se lí: «133o43> deverá lír-se: I33»,«3
Pdg. 218 (linha 43) onde se lê: «longitude», deverá lír-se: lon-
gitudes.
Pág. 218 (linha 43) onde se lí: «Ilhas», deverá lír-se: das ilha».
Pág. 218 (linha 47) onde se lí: «S3o3i e S3e42i deverá lír-se:
e 530,42
Pág. 219 (linha 3) onde se lí: «2o,38 > deverá lér-se: 2o3»
Pág. 220 (linha 56) onde se lí: «poní», deverá )èr-se: pont.
Pág. 220 (linha 67) onde se lê: <aú>. deverá lír-se: au.
Pág. 221 (linha 20) onde se lê: ^Historia*, deverá lír-se: Mis-
toria general.
Pág. 221 (linha 53) onde se lé: «cerean», devcriPlír-se: cercan.
Pág. 22t (linha 68) onde se lé: «Viando», deverá lír-se: Viendo.
Piq. 222 (linha I) onde se lí: «haste», deverá lír-se: hasta.
Pág. 222 (linha 27) onde se lí: «os aban>, deverá lêr-se: osaban.
Pág. 224 (linha 4) onde se lé: 'Hislona*. deverá lír-se: Histo-
ria general.
Pág. 224 (linha 29) onde se lí: «o» deverá lêr-sc: #
■